Rumos Práticos 61 (Português)

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Revista do Conselho Nacional de Praticagem edição 61 - fevereiro a maio/2022

Embarque

com a Praticagem do

Espírito Santo



editorial Resgatar um homem no mar não é tarefa simples, principalmente se ele cair desacordado, à noite e em mar grosso. Ter uma tripulação treinada com os meios adequados para o recolhimento do náufrago é fundamental para aumentar as chances de resgate com vida. O tema é complexo. Por isso, ouvimos mais de uma dezena de pessoas sobre como lidar em caso de queda de prático na água. Trouxemos um relato detalhado do episódio emblemático que levou à morte de um colega em Portugal em 2018, além de uma amostra de como a praticagem no Brasil trata o tema. Entre 2007 e 2020, 18 práticos se acidentaram durante as operações de transferência para o navio, de acordo com o Tribunal Marítimo. Na série sobre as zonas de praticagem brasileiras, visitamos a Zona de Praticagem do Espírito Santo (ZP-14) que, com a privatização da Companhia Docas, passa a ter todos os terminais sob administração privada, o que só aumenta a cobrança por eficiência. Aproveitamos a estada em Vitória para entrevistar Julio Castiglioni, o executivo que conduziu a companhia até o primeiro leilão do tipo no país. Essa quebra de paradigma também é vista na transformação da indústria marítima para cumprir a ambiciosa meta de redução de emissão de carbono da Organização Marítima Internacional (IMO), inicialmente de 40% até 2030. Armadores correm para adaptar sua frota com novas tecnologias e atender aos objetivos da agência das Nações Unidas. O mesmo se verifica nos portos, que buscam iniciativas para acompanhar a evolução do mercado. Uma das alternativas cogitadas para substituir os combustíveis fósseis é o hidrogênio verde, cuja produção pode se beneficiar da energia gerada a partir de parques eólicos offshore. No Brasil, no entanto, esses projetos ainda estão em fase muito incipiente, à espera da regulamentação, apesar do enorme potencial ao longo da costa. Também trouxemos um panorama dessa situação. Confira nas páginas a seguir! Boa leitura! Otavio Fragoso é o editor responsável.


Conselho Nacional de Praticagem Av. Rio Branco, 89/1502 – Centro – Rio de Janeiro – RJ – CEP 20040-004 Tel.: 55 (­21) 2516-4479 conapra@conapra.org.br praticagemdobrasil.org.br diretor-presidente do Conselho Nacional de Praticagem e vice-presidente da IMPA Ricardo Augusto Leite Falcão diretor vice-presidente Bruno Fonseca de Oliveira diretores Marcello Rodrigues Camarinha Marcio Pessoa Fausto de Souza Marcos Francisco Ferreira Martinelli

Rumos Práticos planejamento Otavio Fragoso/Flávia Pires/Katia Piranda edição Otavio Fragoso redação Rodrigo March (jornalista responsável) MTb/RJ 23.386 revisão ­Maria Helena Torres projeto gráfico e design Katia Piranda pré-impressão/impressão DVZ Impressões Gráficas

As informações e opiniões veiculadas nesta publicação são de exclusiva responsabilidade de seus autores. Não exprimem, necessariamente, pontos de vista do Conselho Nacional de Praticagem.

foto: Gustavo Stephan

capa foto: Gustavo Stephan


foto: Rogério Sarmenghi

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Terminais privados por todos os lados

foto: Divulgação

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foto: reprodução de internet

índice

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"O Porto de Vitória vai virar um grande canteiro de obras"

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A difícil tarefa de resgatar um homem no mar

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As adaptações da indústria do shipping para reduzir a emissão de carbono

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Horizonte distante para eólicas offshore


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Porto de Barra do Riacho

Terminais privados por todos os lados

Estaleiro Jurong Aracruz

ESPÍRITO SANTO Após privatização da Codesa, relação na Zona de Praticagem do Espírito Santo passa a ser inteiramente entre empresas, que exigem mais do serviço dos práticos

Terminal Ponta Ubu


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Portos de Tubarão e Praia Mole Porto de Vitória

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foto: Gustavo Stephan

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Com a bacia de evolução restrita pela cidade em ambos os lados, é difícil um pedestre não parar na avenida para ver um navio girando no Porto de Vitória. No Espírito Santo, essa relação porto/cidade é um pouco mais evidente, principalmente na capital. Da Praia de Camburi, também tem-se a visão da operação nos portos de Tubarão e Praia Mole. Já no norte do estado, os moradores de Aracruz viveram uma transformação socioeconômica após o início das exportações de celulose por Portocel, nos anos 1970. Na sétima matéria da série sobre as zonas de praticagem brasileiras, Rumos Práticos visitou, em abril, a ZP-14, onde 28 práticos atuam ainda no Estaleiro Jurong Aracruz e no Terminal Marítimo Ponta Ubu, em Anchieta, mais ao sul. Futuramente, vão manobrar no Imetame Porto Aracruz (em construção). À semelhança da Zona de Praticagem do Rio de Janeiro (ZP-15), essa diversidade de portos ao longo do litoral impõe desafios ao treinamento, segundo o assessor técnico da praticagem, Daniel Menezes, ex-capitão dos portos de São Paulo: – O prático aqui tem que treinar muita coisa, pela variedade dos tipos de navio e das características ambientais, desde Vitória, onde ele entra em um lugar estreito, fora das normas da Pianc (Associação Mundial de Infraestrutura de Transporte Marítimo), até Tubarão, onde manobra os navios gigantes Valemax, de 360 metros. Uma diferença com relação à ZP-15 é que todos os terminais têm administração privada, considerando que a Companhia Docas do Espírito Santo (Codesa) foi leiloada em março. Além do Porto de Vitória, o futuro concessionário poderá explorar uma área greenfield de 500 mil metros quadrados em Barra do Riacho. – Com a desestatização da Codesa, todos os terminais são privativos e pertencem a grandes empresas envolvidas no comércio internacional. Isso faz o Espírito Santo bastante distinto, porque as soluções têm níveis de exigência e urgência diferentes daqueles do poder público. As empresas trabalham em um regime muito mais dinâmico e são ousadas quando querem saídas para venda dos seus produtos, enquanto o Estado tem suas amarras burocráticas – observa o secretário executivo da praticagem, Gilson Victorino. O Porto de Vitória, a ser assumido pelo vencedor do leilão até setembro, é um exemplo das dificuldades enfrentadas por uma administração estatal. Depois de concluir em 2017 uma dragagem de aprofundamento esperada há anos, somente em 2020 iniciou os testes para progressão do calado a 12,50 metros, após atualizar a sinalização náutica. No entanto, como nunca teve um programa de manutenção, passou por novo assoreamento e viu o calado restrito a 10,67 metros, recuperando-o somente em 2022, depois de mais uma campanha de dragagem. Em contraponto, Portocel e o Terminal Ponta Ubu, privados, implantam sistemas de calado dinâmico. GIRO DOS NAVIOS NA BEIRA DA AVENIDA ATRAI OS PEDESTRES EM VITÓRIA


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PRÁTICO MARCELO SILVA CONDUZINDO EMBARCAÇÃO NO CANAL DE VITÓRIA

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Os terminais privados, por sua vez, foram planejados e contaram com simulações com participação da praticagem, tanto na implementação dos projetos quanto em novas operações. Foi assim no Porto de Tubarão, onde a Vale opera três terminais de minério de ferro, produtos diversos e granéis líquidos. Com a adoção de medidas mitigadoras, a praticagem encontrou um meio-termo para conciliar a manobrabilidade dos navios e os interesses de calado da mineradora, sem impactar a Praia de Camburi, já que havia um limite ambiental para mexer no canal. Rumos Práticos assistiu a uma manobra de saída e outra de entrada no terminal de minério. Mal saiu um navio carregado, com o prático Carlos Alberto, presidente do Sindicato dos Práticos do Espírito Santo, já entrou outro para carregar, com o prático Renato Baião. E o carregamento foi iniciado antes mesmo do fim da amarração, em total segurança, outra medida em prol da eficiência portuária. Antigamente, o mesmo prático fazia a saída e entrada das embarcações.

fotos: Gustavo Stephan

– Fazemos muitos treinamentos, e tudo flui bem quando se está ao lado da técnica. Este é o nosso maior desafio, estar junto da melhor prática possível. Temos um bom relacionamento com todas as auto-

PRÁTICO RENATO BAIÃO DESEMBARCA APÓS MANOBRA EM TUBARÃO

foto: Gladison Oliveira

Em Vitória, Rumos Práticos acompanhou uma manobra de um Ro-Ro/porta-contêineres de 213,88 metros de comprimento e 32,25 metros de boca. O calado era 8,70 metros avante, 9,60 metros a ré e 44,10 metros o aéreo. O prático Marcelo Silva conduziu a embarcação naquela manhã pelo canal. Antes da passagem sob a ponte que liga o município a Vila Velha, houve um contratempo. Um praticante de stand up paddle resolveu atravessar a proa do navio, que vinha a oito nós de velocidade. Foi preciso acionar o apito e pedir ao mestre de um dos rebocadores para alertar o usuário. Adiante, o trecho mais estreito entre as ilhas também requereu atenção. O giro só foi realizado à tarde, com a maré mais alta. O porto funciona 24 horas, mas existe uma limitação de calado à noite, porque a iluminação de um clube ofusca o navegante, especialmente na saída. O seu mix de cargas é variado.


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ridades marítima e portuárias. E isso é muito importante quando se tem novas demandas aos portos e canais de acesso – ressalta Baião. No Porto de Tubarão, a ausência de um quebra-mar impõe a dificuldade dos ventos sul e sudoeste nas manobras. Em 2021, suas instalações movimentaram 64,1 milhões de toneladas (+14,2%), segundo lugar entre os terminais privados, atrás apenas do Terminal de Ponta da Madeira (MA). Na Ponta de Tubarão, está localizado o Porto de Praia Mole, que movimenta produtos siderúrgicos e carvão. No norte do estado, a contribuição da praticagem também é notória. No Porto de Barra do Riacho, a atividade colaborou para a mudança de posicionamento estratégico de Portocel, que, além de exportar celulose dos acionistas, passou a embarcar e importar outras cargas, como produtos siderúrgicos, ferro-gusa, granito e sal. Após muitas simulações, identificou-se a qualidade técnica de rebocador para segurar os navios pesados na entrada, que antes chegavam vazios. O problema ali é que não há muito espaço para frear embarcações que tenham pouca potência de máquinas atrás.

DESEMBARQUE DO PRÁTICO CARLOS ALBERTO NO PORTO DE TUBARÃO

– Na entrada, você vem em velocidade e tem que conseguir parar e girar para o navio cair a ré. Se não der velocidade, ele perde governabilidade e começa a andar de lado. Então, quando você coloca a proa entre os molhes, tem que começar a parar o navio. Mas esses navios têm desempenho para andar para frente. Não basta máquinas atrás para segurá-los. A própria guinada ajuda a freá-los com a resistência da água – explica o prático Aldo Amorim, que considera o acesso mais complicado. Marcelo Silva está entre os colegas que acham o contrário: – Ao sair, o navio pesado sente muito a maré e o swell. É difícil controlá-lo, porque, no caso, você sai com uma velocidade muito baixa até passar o quebra-mar, no máximo um nó e meio. À noite é pior. Você tende a guinar a embarcação antes do tempo, pois fica preocupado de tirar do quebra-mar e aproar no canal.

AO FUNDO, DE PRETO, O PRÁTICO PIOVESAN A CAMINHO DO EMBARQUE


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foto: Rodrigo March

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PRÁTICO ALDO AMORIM DESEMBARCA EM PORTOCEL


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Durante a visita de Rumos Práticos, ele fez a saída de um navio com 12,67 metros de calado, com a maré enchendo. Aldo participou a bordo como observador. Foi uma das operações assistidas do funcionamento do sistema de calado dinâmico, que determina o calado seguro em tempo real, levando em conta informações além da maré astronômica, como as condições ambientais do momento e as características da embarcação e do canal de acesso. A ferramenta proporciona ainda um melhor aproveitamento das janelas de maré, ampliando a disponibilidade dos três berços para operações. As análises de viabilidade para implantação do projeto demonstraram que cerca de 3% das manobras em condições desfavoráveis seriam evitadas. Adicionalmente, seria possível obter, em determinadas condições, uma redução de até 3,7 horas no tempo de espera ou aumento de até 66 centímetros de calado. Em 2021, Portocel movimentou 6,7 milhões de toneladas (alta de 2,6%), com a atracação de 235 navios. A movimentação de apenas cargas gerais cresceu 22,3%. – A praticagem é um parceiro em todas as movimentações. Nossa relação é muito próxima, inclusive no desenvolvimento de projetos. A competência do seu corpo técnico vem nos subsidiando nesses estudos, contribuindo para maximizar a capacidade de movimentação do porto – destaca a gerente de Estratégia, Gestão e Novos Negócios de Portocel, Valeria Becalli. Ainda no norte, o Estaleiro Jurong Aracruz teve o perfil do molhe modificado após ensaio da praticagem, que também identificou a melhor geografia para implantação do molhe de Imetame Porto Aracruz, de forma a não atrapalhar as intenções do futuro porto e nem a operação do vizinho Jurong. No sul, a expertise dos práticos também auxilia a instalação do sistema de calado dinâmico no Terminal Ponta Ubu, operado pela Samarco Mineração. Diferentemente de Tubarão, lá o impacto maior nas manobras é do vento nordeste, também por ser um terminal mais aberto. Em 2021, a Praticagem do Espírito Santo realizou 4.400 fainas. Os 28 práticos estão divididos em três empresas. O serviço conta com o apoio de oito operadores e cerca de 50 mestres e marinheiros. São oito lanchas para embarque e desembarque de prático. Três atendem a Vitória, Tubarão e Praia Mole, uma a Barra do Riacho e outra a Ubu. Duas são lanchas reservas, e a última é a que fica em manutenção. A atalaia única funciona no alto de um prédio na capital, com visão para o canal do Porto de Vitória e conectada a todos os terminais no estado. Há poucos meses no cargo, o capitão dos portos do Espírito Santo, Alexsander Moreira dos Anjos, atestou a boa logística da praticagem para atender a toda a demanda em terminais espalhados no litoral: – A Zona de Praticagem é muito organizada, tem um comitê muito forte que coopera com a Marinha nas questões em que precisamos decidir sobre a segurança da navegação. Constantemente, recorremos à praticagem, que acaba sendo nosso parceiro técnico.

foto: Rodrigo March

A SEGUIR, CONFIRA A ENTREVISTA COM O EX-PRESIDENTE DA CODESA

ENTRADA NO PORTO DE VITÓRIA


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SAÍDA E ENTRADA NO TERMINAL DE MINÉRIO DE TUBARÃO


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foto: Renato Baião

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entrevista

O PORTO DE VITÓRIA VAI VIRAR UM GRANDE CANTEIRO DE OBRAS Julio Castiglioni, executivo que preparou a Companhia Docas do Espírito Santo para a privatização, conta como foi todo o processo até o leilão

Após 116 anos como empresa pública, a Companhia Docas do Espírito Santo (Codesa) foi a primeira Autoridade Portuária a passar pelo processo de desestatização. No leilão do dia 30 de março, o fundo de investimento em participações Shelf 119, da Quadra Capital, arrematou a empresa por um valor imediato de R$ 503 milhões: R$ 327 milhões à vista pela compra das ações da União, aproximadamente R$ 71 milhões de passivos assumidos (sobretudo trabalhistas) e R$ 106 milhões de ágio. Além disso, a concessionária precisará pagar 7,5% da receita bruta anual da companhia e mais 25 parcelas de R$ 24,7 milhões do sexto ao trigésimo ano de concessão, que poderão ser revertidos em melhorias portuárias. O compromisso de investir é de R$ 855 milhões,


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fotos: Gustavo Stephan

foto: Divulgação

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sendo a dragagem de manutenção a principal obrigação para manter o calado de 12,5 metros. No entanto, existe uma expectativa ainda maior, porque os portos de Vitória e Barra do Riacho (onde a Codesa tem uma área greenfield) possuem um milhão de metros quadrados disponíveis para ocupação de futuros exploradores de instalação portuária, a nova nomenclatura dos arrendatários, que passam a ter um contrato privado, agilizando investimentos. "O Porto de Vitória vai virar um grande canteiro de obras", prevê o ex-presidente da Codesa, Julio Castiglioni, procurador do Estado que, durante três anos, preparou o ativo para o leilão, driblando os percalços da administração pública, como para realizar dragagem.


entrevista

foto: Divulgação

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Nesta entrevista à Rumos Práticos, pouco antes de deixar o cargo, ele detalha como foi esse processo e diz que a relação com a Praticagem do Espírito Santo não mudará, a não ser pela perspectiva de aumento na movimentação de cargas, da ordem de 70%. Segundo o executivo, a concessionária irá encontrar uma empresa com custeio qualificado, que prospecta negócios e com tempo suficiente para se organizar e impedir um novo assoreamento do canal de navegação. RUMOS PRÁTICOS: Como fica a questão da dragagem de manutenção e de aprofundamento? Foi incluída no pacote de concessão? Hoje, a prescrição para o canal do Porto de Vitória é de 12,5 metros, 11,20 metros mais maré. Qual é a obrigação da concessionária? Tem que manter, no mínimo, esse calado operacional pelos 35 anos de concessão. Então, de tempos em tempos, o agente regulador fiscalizador, a Antaq (Agência Nacional de Transportes Aquaviários), vai fazer essa medição, e, se houver algo em descompasso com esses 12,5 metros, a concessionária é punida e perde receita. Ou seja, na próxima revisão tarifária, (a Antaq) percebe que ela não performou da maneira correta, não entregou o serviço com o nível de qualidade que deveria, e a tarifa dela é descontada, fica mais baixa. Ela não só é punida, pode tomar uma multa, como perde receita porque a tarifa passa a ser mais baixa. Por isso, não temos dúvida alguma de que não haverá casos como os que ocorreram no

Porto de Vitória ou no restante dos portos públicos, de anos a fio sem dragagem de manutenção. Essa dragagem de manutenção está prevista; tem previsão de ser feita a cada dois anos, mas não é uma obrigação, pode ser de seis em seis meses, de cinco em cinco anos, desde que se mantenha o nível de serviço de 12,5 metros. Quanto à dragagem de aprofundamento não está prevista. A concessionária pode fazer, gastando o seu próprio capital, fazendo investimento próprio, mesmo sem a autorização da União. Se quiser autorização da União, ou seja, “olha, eu estou fazendo uma obra de aprofundamento e não estava prevista no encargo inicial, então quero autorização prévia para levar isso a reequilíbrio contratual”, a concessionária pode tentar, mas tem que ter uma proposta apoiada pela comunidade portuária e apresentá-la previamente à União, para que esta diga sim ou não. RP: E esse serviço hoje está contratado até quando? A dragagem de manutenção foi feita recentemente; não temos um programa de manutenção permanente, a Codesa nunca teve isso. RP: É o tempo suficiente para o concessionário assumir? Suficiente porque acabamos de fazer uma campanha que se iniciou no dia 25 de dezembro de 2021 e acabou na primeira semana de março. Estávamos com restrição de calado. Esse calado não estava


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a 12,5 metros, mas a 10,67 metros. Com a dragagem feita agora, já temos a batimetria, recuperamos os 12,5 metros e avançamos. Hoje, temos condições de levar esse calado para 13 metros. Nós protocolamos esse pedido à Marinha do Brasil não só para restabelecer, de imediato, os 12,5 metros, mas para iniciar a aprovação e chegar a 13 metros. A expectativa é muito boa. A própria dragagem de manutenção retirou alguns altos-fundos que ficaram quando foi feito o aprofundamento em 2017. Agora, quando fomos fazer a dragagem de manutenção, não só chegamos nos 12,5 metros como percebemos esses pontos mais altos e os retiramos, o que nos permitiu chegar a 13 metros. Não podemos cravar que temos 13 metros nem 12,5 metros porque a Marinha está fazendo análises internamente, mas não temos motivos para desacreditar que isso vá ocorrer. RP: A privatização da administração do canal também ocorreu? Ocorreu; a concessionária passou a ser Autoridade Portuária, regime de private landlord. Todos os serviços condominiais desse shopping portuário ficam sob responsabilidade da nova concessionária, significa que ela tem que prover todos os acessos: rodoviário, ferroviário e aquaviário. E se incluem nessa responsabilidade de prover acesso aquaviário: manutenção na dragagem, sinalização náutica, salvatagem, programa de resposta a desastre ambiental; tudo isso fica com a concessionária. E também a gestão do acesso ao canal fica com a concessionária, como é com a Codesa. A programação portuária não vai se dar ao bel-prazer da concessionária, como não ocorre com a Codesa. Existe um regulamento do porto, com as regras previamente estabelecidas que definem o acesso. Esse documento continuará existindo, e a concessionária terá que observá-lo. Já o gerenciamento do tráfego de navios, por intermédio do VTS (em habilitação para VTIMS), também se transfere à concessionária, mas não quer dizer que ela passe a ter poder de polícia, como a Codesa não tem. A atuação da Codesa privada vai se dar em regime de cooperação com toda a comunidade portuária: Polícia Federal, Alfândega, Anvisa, Marinha e a própria Praticagem do Espírito Santo. Não muda nada nesse aspecto, não terá poder decisório e seguirá a mesma regulamentação que se tem hoje. RP: Esse processo então não muda em nada a relação da praticagem com o porto. Não muda, a não ser no aspecto positivo. Provavelmente, teremos um acréscimo na movimentação de cargas nos portos de Capuaba e de Vitória. A expectativa é de que saia dos atuais 8,2 milhões de toneladas por ano e chegue a 14 milhões de toneladas. Claro que exige investimentos… RP: Isso inclui Barra do Riacho? Não. Quando o modelo foi feito, os portos de Vitória e Capuaba faziam quase sete milhões de toneladas. Os estudos feitos em 2020 demonstravam que o potencial do Porto de Vitória, com

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alguns investimentos, todos previstos agora, chegasse a 14 milhões de toneladas. De 2020 para cá, nós já estamos fazendo, sem investimento algum, não mais sete milhões de toneladas, mas 8,2 milhões, que é o recorde histórico do porto. Desde que a Vale saiu do Porto de Vitória, na década de 1960, e criou o Complexo de Tubarão, não se fazia uma movimentação tão volumosa como essa. Com os investimentos, com o modelo de concessão e o destravamento do desenvolvimento de negócios, esses 8,2 milhões de toneladas não vão apenas se manter; a tendência é chegar aos 14 milhões. O aspecto positivo é o potencial que temos de mais demandas de manobras no Porto de Vitória. Isso significa: mais geração de receita, renda, tributos, mais oportunidades para todos e, evidentemente, também para a praticagem. RP: Quais reestruturações administrativas e operacionais foram feitas para preparar a companhia para o leilão? O choque de gestão se iniciou em 2019. Essa diretoria já chegou à companhia com uma encomenda muito clara de conduzir a empresa à desestatização. O grande desafio é que você não consegue fazer isso sem arrumar a casa antes. Existe um senso comum, para mim absolutamente equivocado, de que, quando se pretende vender uma empresa estatal ou um ativo público, você primeiro o deprecia, sucateia, para depois vendê-lo. Não faz sentido, até porque quando você quer vender um carro faz totalmente o contrário, você o valoriza para vendê-lo em melhores condições. Não era possível vender a Companhia Docas do Espírito Santo com aquele cenário de incertezas que encontrei em 2019, até mesmo com práticas de gestão que não eram boas. Então, primeiro, qualificamos o custeio. Não foi apenas cortar gastos, teve corte, mas gastamos de forma mais inteligente e qualificada. Por exemplo, diminuímos em 25% o quadro de empregados da companhia, em torno de 32% os custos com contratações de terceiros, contratos de limpeza, recepção, telefonia e jardinagem. E mesmo diminuindo o desembolso do custeio, a qualidade do serviço prestado à Codesa melhorou muito. E fizemos isso renegociando contratos, relicitando contratos e sendo muito mais incisivos na hora de negociá-los. Já na parte da receita, a Codesa se posicionou comercialmente como nunca tinha ocorrido. A Codesa viveu durante anos sob uma cortina de fumaça, sob uma ideia equivocada de que ela não precisava competir. Por que ela ficou nessa situação? Durante muitos anos, não existia concorrência entre portos públicos e privados, não existia essa pressão competitiva. Com a alteração da Lei 12.815, em 2013, a Codesa não percebeu que deveria se posicionar para competição. Aquilo que existia de carga cativa no porto deixou de existir; não existe mais carga cativa para porto algum, a não ser para portos verticalizados. Para exemplificar, Vitória faz muito granito, e todo mundo falava que “é a carga cativa do Porto de Vitória”, e não é verdade. O Porto de Tubarão e Portocel também fazem granito e qualquer outro que enxergar possibilidade vai competir. Além da ausência da competição, a Codesa sempre surfou a onda de um benefício fiscal, tributário; estou me referindo ao


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Fundap. O Fundap durante anos atraiu empresas para fazer movimentação de cargas no Espírito Santo não porque o porto fosse melhor ou mais eficiente, mas porque havia esse incentivo. E quando esse incentivo acabou da maneira como era em 2013, a Codesa ficou em um ambiente concorrencial e, depois, sem o Fundap como bengala. Aí, os resultados foram se deteriorando a cada ano. RP: Quando o senhor diz se posicionar comercialmente seria de que forma? Pode parecer muito trivial o que vou dizer, mas era o que precisava ser feito. A Codesa não tinha uma equipe comercial. Imagina uma empresa que presta serviços dessa magnitude não ter uma equipe comercial... Nós temos uma equipe comercial hoje montada com pessoas da própria companhia, mas também contratamos muita gente no mercado, ou seja, desde 2019 não tem mais captura política, cargo comissionado, ingerência política, troca de favores, isso foi proibido na nossa gestão. Todos os cargos comissionados que existem na Codesa são ocupados por prata da casa com talento ou por gente do mercado. Com esse reposicionamento comercial, em vez de ficar passivamente esperando a demanda, fomos atrás, prospectar negócios. E com isso, estamos saindo de uma marca que era inferior a sete milhões de toneladas/ano e já rompeu a barreira dos oito milhões, que é o recorde histórico. RP: Quais amarras da gestão pública o senhor espera que sejam desatadas com essa concessão? Em primeiro lugar, a exigência de licitação, seja para gastar dinheiro da Codesa ou para receber. A exigência de licitação torna a atuação de uma estatal totalmente letárgica, sem dinamismo. E sem dinamismo, não se consegue concorrer com paridade de armas com terminais de uso privado. Esse é o grande desafio que vimos. Imagina, para contratar um serviço de dragagem, esperar um ano e meio, dois anos, porque tem que licitar... Você não consegue aproveitar uma oportunidade de negócio de uma draga que está aqui perto, por exemplo. Precisa licitar, e a draga não vai esperar. Na receita também, você tem uma área ociosa, surge um interesse, a Autoridade Portuária tem interesse, e não se consegue desenvolver o negócio porque tem que licitar. RP: E, a partir da concessão, haverá essa agilidade com os novos arrendatários passando a ser exploradores de instalação portuária por meio de um contrato privado, certo? Perfeitamente. Como vai ficar o cenário? Os atuais arrendatários têm o direito de manter o contrato exatamente como foi compactuado na origem, enquanto estiver vigente, e, no vencimento, a concessionária pode renegociar com ele ou outro. Mas esse arrendatário tem o direito de manter a base contratual que ele já negociou. O que tem de peculiar? Esse contrato hoje é feito com a União, tem natureza pública, e vai sofrer, nos primeiros seis meses,

um processo de transição, passando a ser um contrato privado. Porém, as bases econômicas desse contrato não podem ser alteradas, a não ser que o arrendatário concorde. Vai ter uma liberdade negocial. Se, eventualmente, não for frutífera essa relação concessionária/arrendatário, prevalece o que está pactuado na origem, não muda nada, a não ser pelo fato de que a concessionária, sendo privada, não tem o que chamamos de Poder de Império, não tem a prerrogativa de aplicar penalidades. Os novos, por sua vez, não os chamaremos de arrendatários, mas de exploradores de instalação portuária (EIPs). Eles vão fazer contratos que, já na sua origem, são privados, com mais liberdade negocial nos limites que a regulação permite. RP: Quais são os principais investimentos entre os R$ 855 milhões previstos? A dragagem de manutenção, embora seja considerada custo operacional, está nessa conta, porque é de uma relevância tão capital que, na hora de comunicar, colocamos como obrigação de investimento. E é a principal obrigação de investimento ao longo dos anos. Mas também temos a recuperação de estruturas, de ativos portuários como armazéns, silos, ramal ferroviário, que exigem manutenção, acessos terrestres e os galpões do lado de Vitória, que precisam ser recuperados. Mas esses investimentos, aparentemente, serão pequenos quando comparados aos que os próprios exploradores de instalação portuária farão. Na hora que a concessionária fizer o contrato privado com esse parceiro privado, ela vai pactuar as especializações dos berços. E aí esse parceiro vai colocar equipamento e material rodante para fazer o escoamento não como hoje, saindo do navio diretamente para o caminhão, sem eficiência, mas como acontece em Santos. Lá, quem opera fertilizante não faz descarga diretamente em caminhão. Com equipamento intrabordo, você já joga a carga na esteira e vai jogando para o armazém na retroárea. O crescimento é exponencial. E isso é caro, por isso os R$ 855 milhões vão ficar pequenos perto desses investimentos. O Porto de Vitória vai virar um grande canteiro de obras. RP: Em termos de infraestrutura, qual é a situação atual do porto? Nós encontramos o porto com a dragagem de aprofundamento finalizada pela gestão anterior, com recursos financeiros da União da ordem de R$ 130 milhões. Quando chegamos, em março de 2019, nenhum navio havia sido beneficiado por essa dragagem, porque ainda faltava, por exemplo, a sinalização náutica ser atualizada. Nós investimos nessa atualização, cumprimos todas as recomendações técnicas que a praticagem apresentou por intermédio da Marinha e criamos consenso técnico. A partir daí, começamos a fazer as manobras testes, atestamos o novo calado de 12,5 metros, mas paralisamos porque o processo de assoreamento de 2017 para 2021 ocorreu. A natureza sempre age, não tem jeito; e veja como é o modelo letárgico da administração pública.


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Foi feito em 2017 o aprofundamento, mas não foi feita a manutenção, e a natureza foi agindo. Quando começamos a tentar tirar proveito da dragagem de aprofundamento, já estava na hora de fazer uma de manutenção. Fizemos essa dragagem que acabou em março e não só recuperamos os 12,5 metros como estamos com uma expectativa muito forte de chegar a 13 metros de calado operacional. Fizemos batimetrias, estudos de sedimentação, estudamos o comportamento do nossa bota-fora e deixamos como legado para a concessionária o programa de dragagem. A concessionária irá chegar, provavelmente até setembro, e vai ter que fazer uma nova dragagem no primeiro trimestre de 2023. Terá muito tempo para se organizar e não permitir esse assoreamento como aconteceu anteriormente. RP: Além do aumento de movimentação, o senhor espera que o escopo dos produtos que passam pelo porto seja ampliado? Os estudos de demanda não demonstraram cargas muito diferentes daquilo que se tem hoje. Fazemos muito, por exemplo, ferrogusa, fertilizante, malte, trigo, carga em contêineres, tubos flexíveis, cargas de projeto, combustível, café e granito. Essas cargas, provavelmente, serão as mesmas nos próximos anos. É muito difícil ter uma estimativa do que teremos daqui a dez anos, mas não me parece que teremos uma mudança. O que achamos é que haverá um incremento dessas próprias cargas.

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possibilidade é a de que um operador possa ser dono, acionista da concessionária, ou que a concessionária possa ser acionista de um operador com uma participação de, no máximo, 15%. Ou seja, ela não tem poder diretivo sobre o operador nem o operador sobre ela. RP: Mas a concessionária pode vender suas ações? Em tese, de acordo com a lei de concessões, uma concessionária pode transferir suas ações para outro acionista, não é proibido, mas exige um trâmite consensual que demanda a atuação da própria União concordando. Na prática, no caso do Porto de Vitória, ela pode eventualmente transferir? Pode, terá que passar por todas essas fases, mas todas as premissas, os requisitos e as obrigações que constam no contrato serão repassados para o novo acionista. Se a concessionária entra e ela própria não pode operar, tendo, no máximo, 15% de um operador, um novo concessionário que a substitua terá a mesma restrição. Se esse cara for operador 100%, full time, ele não vai poder substituir a concessionária. Agora, se ele for dono de uma operação em até 15%, não muda nada. Mas me parece incipiente uma situação como essa porque a Quadra Capital (vencedora do leilão) sequer se habilitou ainda, a rigor não sabemos ainda quem é o vencedor porque não foi declarado. Falar de troca de acionista me parece ainda muito prematuro. A garantia é que isso não é feito com total liberdade pela concessionária, e esse processo sempre chama muita atenção do mercado, sobretudo da agência reguladora que, por dever legal, deverá atuar e fiscalizar um processo como esse.

Temos um contrato permanente, terceirizado, que nos permite ter um plano de contingência. Todos os equipamentos necessários para uma salvatagem estão à disposição full time, assim como uma equipe de prontidão. E investimos em treinamento, não só dos terceirizados como dos nossos empregados. O risco sempre existe em qualquer atividade operacional e industrial, mas consideramos que aquilo que é necessário fazer, de acordo com o tamanho da Codesa, foi adotado para contingenciar eventual dano. Isso não é uma preocupação porque é uma exigência legal, até de licenciamento ambiental. RP: Quais mecanismos foram criados no processo de concessão para evitar um possível conflito de um concessionário que tivesse interesse direto na operação? Primeiro e o mais importante deles: a proibição de que a concessionária seja ao mesmo tempo operadora de carga. Por exemplo, o síndico do shopping não pode ser ao mesmo tempo o lojista, porque ele não pode criar uma situação de competição intraporto desigual. Por demanda de mercado, a gente abriu algumas exceções que não desnaturam essa matriz de modelagem. A

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RP: Quais são os recursos de contingência que o porto tem em caso de derramamento de óleo e qual é o tempo de resposta para emprego desses recursos caso um acidente aconteça?


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TURCO EM UM DOS BORDOS PERMITE FAZER ABRIGO AO NÁUFRAGO, EMBORA DE DIFÍCIL OPERAÇÃO

A difícil tarefa de resgatar um homem no mar O que mudou em Portugal após a morte do prático Miguel Conceição em 2018 e como a praticagem no Brasil lida com o tema Vinte e sete de fevereiro de 2018, Baía de Cascais, Portugal. À 0h47min, o prático Miguel Conceição – com 13 anos de operações de embarque e desembarque – caía no mar ao desembarcar de mais um bem-sucedido serviço a bordo. Naquele momento, havia chuva intensa, ondulação de quatro metros de sudoeste, vento forte de oeste (força cinco na escala Beaufort com rajadas de sete) e preamar com altura de 2,50 metros prevista para 0h59min. Seu colete salva-vidas equipado com luz inflou normalmente e, a 60 metros a ré do navio, ele foi alcançado e trazido para a popa da lancha de praticagem. O que até então parecia um resgate de sucesso virou um pesadelo diante da falta de treinamento da tripulação e de meios adequados, situação agravada pelas condições ambientais. O maquinista da lancha saiu da cabine para auxiliar o marinheiro na recuperação. Depois de arriar a escada de popa à qual o prático se agarrou, ele se deitou no convés com o mestre da embarcação segurando suas pernas, a fim de puxar Miguel, que chegou a ficar submerso algumas vezes devido à ondulação. Em nova tentativa, dessa vez marinheiro e maquinista desceram o pau de carga (turco) para içar o prático, mas o cabo de resgate não chegava ao nível da água. Eles também desconheciam a existência da alça de içamento dentro do casaco acoplado ao colete salva-vidas.


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Com os golpes violentos do mar que atingiram a lancha, Miguel largou a escada e foi avistado já inconsciente. À 1h04min, a estação da praticagem finalmente alertou a Capitania do Porto de Cascais. Três minutos depois, o navio voltou a proporcionar abrigo à lancha, e o marinheiro tentou em vão trazer o prático com a vara de bordo. À 1h30min, a tripulação assinalou o local e aguardou o apoio solicitado. Mas a Capitania só ordenou a ida dos meios de socorro à 1h44min, quarenta minutos após receber o alerta. A embarcação da estação salva-vidas chegou às 2h11min, e seus dois tripulantes precisaram do auxílio de um dos marítimos da praticagem para recolher Miguel às 2h28min. Ele deixou a esposa, com quem era casado há 11 anos, e um filho, na época com sete anos. Até aquele dia, nunca foram feitos exercícios de segurança no Porto de Lisboa, de onde partiu o navio, apesar do registro de cinco incidentes sem gravidade no ano anterior. A administração portuária (APL), responsável pela praticagem, também não havia elaborado qualquer procedimento ou manual definindo as funções dos três tripulantes em casos de emergência. Sem estar presos à lancha, eles também correram risco durante a operação.

foto: Fernando Martinho

Quatro anos após o episódio, a Associação dos Pilotos de Barras e Portos (Apibarra) continua aguardando medidas em prol da segurança. A APL substituiu os cabos dos turcos das lanchas por outros

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mais compridos e, por intermédio do Instituto de Socorros a Náufragos, ligado à Armada, realizou o curso de sobrevivência e resgate para práticos e tripulantes. A praticagem, porém, cobra uma segunda fase de formação em tempo e mar adversos, na qual poderão ser estabelecidos limites operacionais para transferência do prático não em função da sua capacidade de embarcar ou desembarcar e das condições meteorológicas, mas, sim, dos equipamentos da lancha e da capacidade de resgate das tripulações. – Se os dispositivos funcionam com ondulação de três metros, por exemplo, não podemos embarcar em condição superior a essa – explica o prático de Sines, Miguel Castro, presidente da Apibarra e vice-presidente sênior da Associação de Práticos Europeus (EMPA). A praticagem busca ainda sua participação em cursos de sobrevivência no mar feitos por colegas oficiais da Marinha Mercante, formação vital nas águas frias portuguesas nos casos em que não é possível subir o prático imediatamente para a lancha. Outra questão é que os portos não fazem treinamentos regulares de homem ao mar e a Apibarra defende que eles sejam feitos de forma regular e estruturada. Também não foram cumpridas recomendações feitas pelo Gabinete de Investigação de Acidentes Marítimos e da Autoridade para a Meteorologia Aeronáutica (GAMA), como o estabelecimento de procedimentos operacionais

PLATAFORMA NA POPA DA LANCHA DA PRATICAGEM DE PARANAGUÁ


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PRÁTICO ALCIONE, DE RIO GRANDE, DURANTE TESTE COM A MACA DESENVOLVIDA PELA PRATICAGEM

para transferência do prático pela APL, o que, aliás, deveria ser estendido a todos os portos nacionais, segundo Castro: – Como somos funcionários do porto, há alguma inércia para implantar as medidas, mas essa morosidade também vem de nós, que baixamos a guarda achando que só vai acontecer uma vez. Temos um papel para incrementar na nossa cultura de segurança. O risco se mantém presente. Em 2020, um colega em treinamento caiu, no Porto de Sines. Felizmente, nada grave aconteceu. Este ano, mais um prático morreu, em Taiwan, ao desembarcar sob mau tempo. De acordo com estatísticas da Associação Internacional de Práticos Marítimos (IMPA), à exceção de 2014 e 2015, desde 2005 ao menos um de seus membros morre em serviço, a maioria no embarque ou desembarque. Em 2019, foi o prático Valdir Cals no Rio de Janeiro.

PANORAMA NAS ZONAS DE PRATICAGEM BRASILEIRAS No Brasil, após as mortes no Rio e em Lisboa, a Praticagem do Brasil preparou vídeos para treinamento dos tripulantes das lanchas, com foco na utilização dos equipamentos de recolhimento de

homem ao mar e na prestação de primeiros socorros. Além disso, divulgou um manual de procedimentos operacionais para as tripulações lidarem com o problema. Rumos Práticos consultou o aparato de salvatagem disponível e a frequência de treinamento dos marítimos em sete zonas de praticagem (ZPs), em diferentes regiões. Salvo em uma das ZPs, não há padronização dos equipamentos adicionais utilizados nas lanchas, como turco, rede de recolhimento ou plataforma na popa. Em duas ZPs, as lanchas dispõem do material obrigatório (duas boias salva-vidas com lanterna, balsa inflável e coletes salva-vidas), mas essas praticagens estão implantando ou estudam novos equipamentos. Quanto ao adestramento dos tripulantes nas ZPs consultadas, a frequência de realização varia entre quinzenal, mensal, trimestral e anual. À exceção de uma delas, todas já registraram quedas nos últimos anos. O consultor Roberto Santos Costa, que presta treinamento na área para algumas praticagens, fez um levantamento no Tribunal Marítimo, no período de 1958 a 2019, e apurou 75 acidentes reportados não apenas com práticos, mas também com tripulantes das lanchas e outros profissionais que fazem uso dos mesmos dispositivos de embarque. Oitenta por cento das ocorrências se deram em escadas de quebra-peito ou portaló, a maioria no embarque.


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TREINAMENTO DE PRIMEIROS SOCORROS NA PRATICAGEM DO ESPÍRITO SANTO

O assunto é complexo, já que não há uma doutrina consagrada sobre como proceder em caso de homem ao mar. Quando o tema é treinamento, porém, não há dúvidas sobre a importância de se manter um programa regular para tripulações das lanchas e operadores de atalaia: – O sucesso de um resgate está relacionado à competência da tripulação e sua familiaridade com os equipamentos de recuperação disponíveis na lancha, além de sua qualificação em primeiros socorros, principalmente em águas frias como na Europa e no sul do Brasil. O treinamento dos operadores também é fundamental, para providenciar ambulância em terra e outra lancha de apoio se necessário, avisar à Marinha e demais embarcações sobre a queda, mandar o navio para a área de fundeio aguardar instruções, entre outras ações – explica Roberto Costa. Ele considera importante definir um método de recolhimento e realizar exercícios no cenário mais próximo possível, não apenas com bonecos e em condições favoráveis. Na Holanda, os práticos treinam em situação real no mar, com o colete salva-vidas que utilizam no dia a dia. Para o ex-diretor de Portos e Costas da Marinha, vice-almirante Roberto Gondim, que hoje atua com treinamento, uma solução não vai resolver o problema de todas as praticagens: – Cada embarcação tem a sua forma de recolher. Os navios da Marinha têm os seus meios por nadadora, lancha, helicóptero, enfim,

existe uma gama diversificada de modos. Com as lanchas de praticagem, é a mesma coisa. Elas precisam ter uma maneira de resgatar e tripulantes preparados regularmente para atender a uma emergência. Isso, sim, é vital, porque o resgate é um procedimento muito difícil. As pessoas ficam nervosas por não saber como proceder e como está o náufrago para o recolher. E, se não reagirem com calma, a lancha pode virar um inimigo e agravar o perigo. Na Marinha e no Corpo de Bombeiros, os militares costumam mergulhar para realizar o salvamento, tamanha a dificuldade da operação. Há cerca de um ano, um prático caiu na saída de Vitória (ES) e foi resgatado por um marinheiro da praticagem que pulou na água. O prático Otavio Fragoso, do Rio de Janeiro, foi vice-presidente sênior da IMPA por oito anos e avalia que um avanço seria cada ZP ter uma padronização de lancha, técnicas de resgate e colete salva-vidas, de forma a garantir que o treinamento também seja padronizado. – Ainda que idealmente uma lancha tenha um conjunto de possibilidades, não temos garantia de sucesso se o mar estiver muito bravo ou o prático inconsciente – ressalta ele, que acha muito difícil verificar a eficácia de um método somente com uso de bonecos. – Nunca vi treinamento com mar agitado e gente de verdade. Após registro de duas quedas em 2004 com dificuldade para resgatar um dos práticos, a Praticagem do Rio Grande (RS) desenvolveu um dispositivo próprio de recolhimento implantado


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nas quatro lanchas de barra, a exemplo de lanchas europeias. Trata-se de uma maca instalada na popa que desce e sobe como uma plataforma, com auxílio de um turco, podendo ser acionada elétrica ou manualmente. As duas últimas estruturas implantadas em 2018 custaram cerca de R$ 20 mil por lancha. Os coletes dos práticos foram adquiridos pela praticagem e têm luz estroboscópica e sinal eletrônico (AIS) para facilitar a localização. Em julho, a Praticagem de Paranaguá (PR) também terá todas as suas quatro lanchas de barra padronizadas com plataforma na popa, com a chegada de uma nova embarcação. O diretor administrativo da entidade, prático Victor Demaison, defende a padronização dos coletes entre os práticos e alerta para a importância da manutenção do equipamento, com a troca da cápsula de CO². Ele embarca com duas luzes estroboscópicas com AIS, uma no colete e outra na mochila, para o caso de cair de barriga para baixo.

promoveu um webinar com o prático holandês Arie Palmers, que passou a ser um fiscalizador ativo dos dispositivos irregulares após sofrer dois acidentes em 2018. Segundo suas estatísticas pessoais, mais de 50% dos meios em que embarca estão malconservados ou instalados incorretamente. – No meu primeiro acidente, escolhi o momento errado para fazer a passagem da lancha para o navio, no ponto mais baixo da onda. Quando a lancha subiu, tive o pé esmagado entre as embarcações e torci o tornozelo. Foi um erro de julgamento da minha parte, mas a escada não estava em conformidade com as regras. Na segunda vez, na mesma semana, achei que nada mais pudesse acontecer e continuei embarcando com uma bandagem no pé. Obviamente, não foi uma boa ideia. Era um navio com pequena borda livre e esses são os piores na minha opinião. Também estava com o arranjo irregular. Perdi o equilíbrio e caí de costas no deque – conta. – Foi preciso eu me acidentar duas vezes para abrir os olhos. É uma experiência assustadora. Nós somos os nossos piores inimigos. foto: Divulgação

– Sem esses recursos, não te acham. A maior dificuldade é enxergar à noite. Quando você cai, a lancha está indo junto com o navio, e você fica para trás – afirma. O vice-presidente da Praticagem do Brasil, prático Bruno Fonseca, lembra ainda a necessidade da alça de virilha, para evitar que o colete saia do corpo. No Ceará, onde trabalha, a praticagem estuda o dispositivo mais adequado para se somar aos itens obrigatórios das lanchas: – No nosso caso, parece que o melhor é o turco. A plataforma não é consenso ainda entre os práticos. A grande questão é fazer o transbordo, seja da pessoa consciente ou, pior ainda, inconsciente. E uma das hipóteses a que chegamos é colocar o náufrago em uma maca flutuante e rebocá-lo para dentro do porto. Claro que isso tem algumas implicações de afogamento secundário, mas é uma última alternativa. O prático Porthos Lima, do Rio de Janeiro, defende o uso de uma balsa inflável individual que pode, aliás, ser rebocada da mesma forma para local mais abrigado, em baixa velocidade. Segundo ele, mesmo em mar forte, o náufrago consegue subir na balsa e fechála como se estivesse em um casulo. É uma forma de se manter protegido até receber o socorro adequado. Ele testou o equipamento pessoalmente na água. – Nos acidentes que estudamos, o prático acabou morrendo por não terem conseguido colocá-lo de volta na lancha – observou o ex-diretor técnico da Praticagem do Brasil. Ter a consciência de que se trabalha em um ambiente de risco, manter os equipamentos de proteção individual em dia e as tripulações treinadas são fatores essenciais, assim como conhecer a regulação sobre os arranjos de embarque e desembarque, a fim de identificar um potencial perigo. Em abril, a Praticagem do Brasil

TREINAMENTO DA PRATICAGEM DE ITAJAÍ COM USO DE REDE PARA RECOLHIMENTO


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“O prático não deve correr risco desnecessário” A estatística oficial de acidentes do Tribunal Marítimo revela que, entre 2007 e 2020, 18 práticos caíram durante as operações de transferência, sendo 72% das quedas no embarque. Nesses 14 anos, foram cinco feridos e um morto no Rio de Janeiro. Para o juiz presidente da Corte do Mar, vice-almirante Wilson Pereira de Lima Filho, indicado recentemente para uma diretoria na Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq), o número é reduzido diante da quantidade de manobras, mas sempre preocupa em se tratando de vidas humanas. Ao analisar as ocorrências, ele considera que há casos em que a falta de higidez do prático e sua disposição a realizar o serviço, independentemente das condições de embarque, contribuem para os acidentes.

RUMOS PRÁTICOS: Almirante, que leitura o senhor faz da estatística de acidentes na transferência de práticos? Nos últimos anos, tivemos 18 acidentes. Se levarmos em conta o número de manobras, é reduzido. Mas minha percepção é de que não deve ter nenhum, pois qualquer acidente nos preocupa. Então, é interessante que tomemos todas as medidas necessárias para os evitar. RP: O Tribunal tem um boletim em que divulga os ensinamentos colhidos dos acidentes em geral. Olhando esses casos de quedas, quais são os aprendizados? Quando nos debruçamos sobre esses acidentes, estão envolvidos três pilares: a embarcação (lancha de praticagem), o homem (prático) e o navio. A lancha deve estar homologada pelo Conselho Nacional de Praticagem, que dá a devida importância a isso. Seus tripulantes devem receber treinamento adequado nas fainas de aproximação do navio, a enxárcia precisa ter a manutenção bem-feita, e todos devem usar os equipamentos de proteção individual. O segundo ponto é o navio, que deve estar em velocidade apropriada e apresentar uma escada (de quebra-peito e portaló) em boas condições e consonância com as normas. O prático não deve embarcar se as condições não estiverem adequadas, não deve correr risco desnecessário. E, se ele estiver a bordo e as condições ficarem desfavoráveis, deve seguir ao próximo porto. E fechando a tríade com o homem, o prático deve estar com todo o equipamento de segurança e em condições de saúde e higidez física, para não colocar sua vida em risco. Se esses três pilares cumprirem suas atribuições, iremos mitigar a ocorrência de acidentes. RP: E quais desses pilares costumam falhar e contribuir para a queda do prático? Acho uma conjuntura de falta de higidez em algumas situações e de correr risco por estar ávido para cumprir sua função, mesmo em condições inadequadas. Nossos portos são seguros, a marca do nosso país, e isso se deve muito à eficiência dos práticos.

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As adaptações da indústria do shipping para reduzir a emissão de carbono

Pressionados pelo mercado, armadores e portos se movimentam para cumprir metas ambientais da IMO Em abril de 2018, a Organização Marítima Internacional (IMO) estabelecia a meta de reduzir a intensidade de carbono proveniente dos navios em 40% até 2030 e em 70% até 2050, tendo como base 2008. Além disso, a agência das Nações Unidas definia que o total das emissões de gases do efeito estufa deveria cair 50% até 2050. Mas, afinal, o que foi feito pelo transporte marítimo em quatro anos? Será que estamos longe de cumprir os objetivos? Rumos Práticos foi buscar respostas e traz um panorama da situação. Para ter ideia da dimensão do problema, um estudo da IMO estima que a navegação seja responsável por 2,2% das emissões de dióxido de carbono (CO2), o equivalente à poluição de países como Canadá e França, de acordo com dados do Global Carbon Project. Combustíveis fósseis, como o óleo marítimo, jogam 100 vezes mais gás carbônico na atmosfera do que todos os vulcões do planeta, contribuindo para o aquecimento global e o agravamento de suas consequências para a humanidade. Se nada for feito, o aumento da temperatura pode levar à maior onda migratória da história. As emissões de CO2 também vão parar nos oceanos, elevando seu nível de acidez e ameaçando a vida marinha. Em 2020, a IMO começou a tratar da redução das emissões de outro poluente, o dióxido de enxofre (SO2), passando a exigir o limite de 0,5% no óleo combustível. No ano passado, a agência adotou, entre as medidas de curto prazo, um índice de eficiência energética para todos os navios (EEXI), além de um indicador anual de intensidade de carbono (CII), previstos para entrar em vigor no próximo ano. Autoridades portuárias são encorajadas a dar incentivos para as embarcações com índices A e B. Quem receber classificação D ou E por três anos consecutivos deve apresentar um plano de ações corretivas para alcançar o nível C. A estratégia geral da IMO será revisada em 2023.


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A International Chamber of Shipping (ICS), que representa mais de 80% da Marinha Mercante, diz que, nas taxas atuais de produção, combustíveis zero carbono não estão comercialmente disponíveis na escala necessária para a frota global. A entidade propôs a criação de um fundo mundial no valor de US$ 5 bilhões para acelerar o desenvolvimento de combustíveis alternativos e sistemas de propulsão. Esse fundo seria alimentado com a contribuição de US$ 2 por tonelada de combustível fóssil utilizado. "Não há dúvida de que as melhorias tecnológicas podem permitir a transição para uma indústria zero emissão. No entanto, grandes saltos ainda precisam ser dados se quisermos atingir os níveis de prontidão necessários à implantação em escala. Isso inclui construir a infraestrutura adequada para dar suporte a essa transição. Temos que ser capazes de colocar navios zero emissão na água até 2030, sem desafiar preços e questões de segurança", afirmou o secretário-geral da ICS, Guy Platten, no lançamento da proposta.

O grupo francês CMA CGM encomendou 22 porta-contêineres para juntar a sua frota até 2024, sendo 12 movidos por gás natural liquefeito (LNG), menos poluentes, ainda que não sejam zero carbono. Existem ainda projetos para uso de vento na propulsão, com a adoção de velas-asa a fim de reduzir o consumo de combustível. A também francesa Zéphyr & Borée desenvolveu um navio do tipo para o transporte do foguete Ariane 6 da Europa até a base de lançamento na Guiana Francesa. Chamada de Canopée, a embarcação – com 121 metros de comprimento e 23 metros de boca – está prevista para este ano e reduzirá as emissões de poluentes em 35%, segundo a empresa, que projeta ainda um porta-contêineres com capacidade de 1.830 TEUs. A Neoline é outra companhia francesa nessa corrida por inovação. A equipe desenvolve o navio-demonstração Neoliner, um Ro-Ro a velas previsto para 2024. Com 136 metros de comprimento e 24,2 metros de boca, a embarcação terá capacidade para transportar até 500 carros. O projeto conta com a parceria de empresas como Renault e Michelin. A ideia é iniciar a operação conectando St-Nazaire, na França, a Halifax e Baltimore, na costa leste dos Estados Unidos. "Dois navios-piloto são planejados e baseados nesse conceito, o que representará o primeiro passo antes de considerarmos tamanhos maiores e outros setores no shipping", informa o site da Neoline. imagem do projeto: Divulgação

Diante de um mundo que não tolera mais a prática de greenwashing (propaganda verde enganosa) e que cada vez mais se fecha a negócios não sustentáveis, a indústria do shipping tem se movimentado, até porque se pode beneficiar de alternativas que fujam às cotações do petróleo.

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CANOPÉE, A EMBARCAÇÃO TERÁ VELAS PARA TRANSPORTAR FOGUETE ATÉ A GUIANA FRANCESA


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No Brasil, a Vale já opera com navio de grande porte que tem velas rotativas e capacidade de 325 mil toneladas. O Sea Zhoushan atracou nos terminais de Tubarão (ES) e Ponta da Madeira (MA). São cinco velas instaladas que podem permitir ganho de eficiência de até 8% e redução de até 3,4 mil toneladas de dióxido de carbono por navio/ano. Caso o projeto-piloto se mostre eficiente, estima-se que pelo menos 40% da frota esteja apta a usar a tecnologia. O Instituto Tecnológico Vale tem convênio com a Universidade de São Paulo (USP) para dar suporte à redução de custos operacionais e combustível, visando atender aos requisitos ambientais da IMO.

O professor Newton Pereira, da Universidade Federal Fluminense (UFF), pós-doutor em engenharia naval e oceânica pela USP, diz que o Brasil precisa estar preparado para atender às novas demandas da indústria marítima, como fornecimento de LNG e combustíveis alternativos para os navios, além de energia elétrica para o período de atracação, o que requer adaptações de infraestrutura na cadeia logística. – As metas da IMO são ambiciosas. Não será fácil. Contudo, os armadores estão se adaptando, renovando suas frotas. O desafio para redução das emissões nas zonas portuárias é enorme, porque é complicado desenvolver a infraestrutura necessária. A pressão sobre os portos deve aumentar nos próximos anos – concluiu ele durante apresentação no último Cooperaportos, evento promovido pela Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq).

imagem do projeto: Divulgação

Na linha zero carbono, o grupo dinamarquês A.P. Moller-Maersk promete apresentar, em 2024, o primeiro de oito porta-contêineres que podem utilizar metanol ou óleo com baixo teor de enxofre como combustível. As embarcações terão 350 metros de comprimento, 53,5 metros de boca e capacidade de 16 mil TEUs. O novo design promete ganho energético de 20% por contêiner transportado. A acomodação da tripulação e o passadiço serão localizados na proa, para ampliar a quantidade de carga. O grupo firmou parceria com seis empresas para o fornecimento de pelo menos 730 mil toneladas/ano de metanol até 2025.

O armador norueguês Höegh Autoliners, por sua vez, anunciou que lançará, em 2024, um Ro-Ro que poderá operar com amônia, com capacidade de até 9.100 carros. Segundo o CEO Andreas Enger, a meta é chegar a zero emissão até 2040.

PORTA-CONTÊINERES DA MAERSK PODERÁ USAR METANOL COMO COMBUSTÍVEL


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CORRIDA NOS PORTOS Os portos também se movimentam para acompanhar a evolução do mercado. No exterior, o Canal do Panamá e o Porto de Leixões, em Portugal, estão entre os exemplos que estabeleceram metas para se tornar carbono neutro até 2030 e 2035, respectivamente.

– Esse tipo de incentivo é muito importante para melhoria contínua dos portos – ressaltou o diretor substituto da Antaq, José Renato Fialho, superintendente de Desempenho, Desenvolvimento e Sustentabilidade da agência, durante o Nordeste Export.

No Brasil, os complexos de Suape, Itaqui, Pecém e Açu oferecem descontos tarifários a navios que emitem menos óxido de nitrogênio e óxido de enxofre, com base no Environmental Ship Index. Mais de oito mil embarcações estão cadastradas no programa. De olho no mercado futuro, Pecém assinou ainda memorandos com empresas para instalar um hub de hidrogênio verde, cuja produção pode se beneficiar da geração de energia a partir de eólicas offshore. No Ceará, existem cinco projetos em análise.

Para a subsecretária de Sustentabilidade do Ministério da Infraestrutura, Larissa Amorim, a mudança cultural no setor portuário é rápida e “estamos sendo obrigados a incorporá-la”:

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– Estamos aprendendo juntos, em parceria com entidades como a Universidade Federal do Ceará e a Federação das Indústrias do Ceará. Não existe tecnologia ainda para transportar hidrogênio verde nos navios. Estamos pensando com os cientistas o que fazer para estar na frente – disse a diretora de Relações Institucionais do Complexo do Pecém, durante painel sobre iniciativas verdes nos portos do Nordeste Export, evento que ocorreu, em abril, em Salvador (BA).

– Há quatro anos, havia portos públicos que sequer tinham área de meio ambiente estruturada e ativa. Isso hoje é inaceitável. A própria antiga Secretaria Especial de Portos tinha apenas dois analistas que cuidavam do assunto e outros temas. E atualmente temos uma Subsecretaria de Sustentabilidade no ministério. A internalização dessa cultura só fortalece o setor. Quem não se adequar será engolido pelo mercado.

O diretor de Meio Ambiente e Sustentabilidade do Complexo de Suape (PE), Carlos Cavalcanti, defendeu a importância de um plano de transição como mola propulsora para uma economia sustentável. Ele acredita que o hidrogênio verde será vetor desse processo. Em fevereiro, o porto foi selecionado para obter recursos a utilizar em pesquisa e produção do combustível. No ano passado, estabeleceu uma portaria com desconto de 99% para embarcações que utilizem hidrogênio verde. Segundo o diretor, o complexo também está em estudos avançados para prover energia limpa aos navios. – Precisamos de uma postura ativa para descarbonizar a nossa economia, agregando valor à produção local, porque a vulnerabilidade social ainda está do nosso lado. Temos sete mil famílias que vivem no nosso entorno – lembrou o diretor. O Porto do Açu, no Rio de Janeiro, foi outro complexo que assinou um memorando de entendimentos para que empresas conduzam estudos de viabilidade para implantação de uma planta de hidrogênio verde. No lado governamental, a Antaq divulga, desde 2012, o Índice de Desenvolvimento Ambiental (IDA). Pecém está em terceiro lugar entre os portos organizados. Há seis anos, era o 17o do ranking. O índice leva em conta 38 indicadores com pesos diferentes, entre eles as ações de retirada dos resíduos dos navios e o fornecimento de energia para eles.

PARA A SUBSECRETÁRIA LARISSA AMORIM MUDANÇA CULTURAL NO SETOR É RÁPIDA


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HORIZONTE DISTANTE PARA EÓLICAS OFFSHORE

Parques no mar podem favorecer produção de hidrogênio verde para navios, mas só devem vingar em 2029


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O INSTITUTO MARIN TESTOU BARREIRAS CONTRA COLISÃO DE NAVIOS COM TURBINAS EÓLICAS


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Uma das possibilidades da indústria marítima para a emissão zero carbono, a produção de hidrogênio verde pode se beneficiar no Brasil do enorme potencial de geração de energia a partir de parques eólicos offshore. Em abril, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) já tinha recebido 50 projetos do tipo, totalizando 117 gigawatts (GW). Isso é quase 70% de toda a capacidade instalada de geração do país (de 173GW, de acordo com o Operador Nacional do Sistema Elétrico) e três vezes a operação de 35,3GW das eólicas offshore em funcionamento no mundo, segundo dados do Conselho Global de Energia Eólica. O país, entretanto, deve levar tempo para tirar proveito dos ventos favoráveis. As propostas no Brasil estão espalhadas pelo litoral do Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro, Espírito Santo, Rio Grande do Norte, Ceará e Piauí. A Shell, por exemplo, tem seis projetos de 17GW, incluindo o Ceará, aproveitando a proximidade com o hub de hidrogênio verde planejado no complexo portuário do Pecém.

proponentes é operar a partir de 2029. É uma infraestrutura robusta que requer um investimento alto e todo um planejamento. A diretora do Instituto de Desenvolvimento Estratégico do Setor Elétrico (Ilumina), Clarice Ferraz, ressalta ainda que falta competitividade econômica para deslanchar esse mercado: – As eólicas offshore são projetos mais caros, e outro problema é a complexidade para trazer essa eletricidade ao continente, até o consumidor. Tudo isso onera a tarifa. É a fonte de energia renovável mais cara comparada às demais. Um leilão específico poderia ser um indutor de desenvolvimento, já que uma demanda garantida traria segurança aos investidores, mas não há previsão desse instrumento de política pública. Por enquanto, o ambiente é de incerteza. E temos outros potenciais a ser explorados. foto: Divulgação

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Para preencher a lacuna regulatória, a Presidência da República publicou o Decreto 10.946 que disciplina a cessão de uso para esse fim no mar territorial, na zona econômica exclusiva e na plataforma continental brasileira. Essa cessão pode se dar por licitação do governo federal ou por requerimento independente dos interessados. Após propor uma área de exploração ao Ministério de Minas e Energia, se não houver concorrentes, o empreendedor precisa obter uma declaração de interferência prévia de nada menos que nove órgãos: Comando da Marinha; Comando da Aeronáutica; Ibama; Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade; Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP); Ministério da Infraestrutura; Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento; Ministério do Turismo; e Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel). O objetivo da extensa sabatina é observar possíveis conflitos com as atividades sob supervisão dessas instituições, como na segurança da navegação, ordenada pela Marinha do Brasil. Um dos parques eólicos, por exemplo, foi projetado em cima de um canal de acesso. Só de posse da cessão de uso, pode-se iniciar o licenciamento ambiental do empreendimento. No Ibama, os processos hoje estão na mesma etapa. Todos receberam termo de referência com as diretrizes para o estudo de impacto ambiental anterior ao requerimento da licença, que, por enquanto, foi solicitada por um deles apenas. A coordenadora de Licenciamento Ambiental de Portos e Estruturas Marítimas do instituto, Roberta Cox, acredita que os empreendedores estão em compasso de espera, no aguardo da regulamentação do decreto federal que entra em vigor em 15 de junho: – É um mercado em crescimento no mundo. O Brasil se coloca como um grande player, mas não é para ontem. A previsão dos

PARA CLARICE, DO INSTITUTO ILUMINA, ENERGIA DE PARQUES NO MAR AINDA NÃO É COMPETITIVA

Um dos pontos que deverão ser observados na implantação dos projetos é a segurança da navegação. Uma pesquisa feita para o governo holandês, no Mar do Norte, estima que o risco de colisão de navios com turbinas aumente até 2,5 vezes a cada ano até 2030. O Instituto Marin testou três tipos de barreira contra esse tipo de acidente em um tanque de provas, após o graneleiro Julietta D ter colidido, em janeiro, com um navio-tanque e a fundação de uma turbina na região.


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– Fizemos uma análise intensa do tráfego com 2.500 turbinas previstas para o Mar do Norte – conta Bas Buchner, presidente da Marin, cujos estudos concluíram que uma barreira nunca será a única solução, sendo necessários também rebocadores de emergência, por exemplo.

O QUE DIZ A PIANC

De acordo com esse guia geral da Pianc, o risco é considerado intolerável para uma milha náutica de distância entre o canal de navegação e o parque, sendo tolerável entre duas e cinco milhas náuticas, e aceitável a partir de cinco milhas. Além de representar risco de colisão, a presença de um grupo de turbinas no mar pode afetar equipamentos eletrônicos, gerando ecos em radares em terra ou de bordo, que podem causar interferências como ecos falsos ou incapacidade de distinguir alvos próximos. A presença dos aerogeradores pode ainda interferir em comunicações VHF, dispositivos AIS que fazem uso dessas frequências e até mesmo nas correções DGPS utilizadas nos dispositivos GPS que fornecem o posicionamento da embarcação para equipamentos de bordo, como as cartas eletrônicas. Pedro Parente não descarta a necessidade de medidas adicionais para mitigação de acidentes, além das recomendações já existentes: – Pode ser que os navios, após sair do canal de navegação, tomem uma direção em que o risco foi aumentado. E aí talvez seja necessário ampliar a área de praticagem ou instituir uma praticagem em alto-mar, que ocorre em regiões não tão próximas da costa, mas que justificam o serviço pelo ambiente de perigos. foto: Paula Carrubba

O presidente da Ceará Marine Pilots, prático Pedro Parente, publicou um artigo no LinkedIn a respeito do tema. Ele ressalta que, apesar de menos disputado que áreas terrestres, o espaço marítimo é utilizado e compartilhado tanto por navios mercantes quanto por outros atores como pesqueiros e embarcações de passeio. Por isso, lembra, a Associação Mundial de Infraestrutura de Transporte Aquaviário (Pianc) publicou um relatório com recomendações de distâncias mínimas entre as rotas de navegação e novos projetos de parques eólicos offshore. A entidade levou em conta, em especial, as regras do Ripeam-72 e as resoluções MSC.137 (76) e MSC/Circ. 1053 da Organização Marítima Internacional (IMO), que versam sobre padrões mínimos de manobrabilidade dos navios.

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PEDRO PARENTE NÃO DESCARTA MEDIDAS MITIGADORAS EXTRAS CONTRA ACIDENTES


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rápido e prático

PROTOCOLO

foto: Divulgação

PRATICAGEM FECHA PARCERIA COM A AGÊNCIA ESPACIAL BRASILEIRA A Praticagem do Brasil e a Agência Espacial Brasileira (AEB) assinaram protocolo de intenções visando à troca de conhecimento e ao desenvolvimento de estudos para uso da tecnologia espacial na atividade. A assinatura ocorreu durante a visita do presidente da AEB, coronel engenheiro Carlos Augusto Teixeira de Moura, às instalações da Praticagem de São Paulo. "A agência emprega sistemas espaciais. E satélites nada mais são que sensores em órbita que conseguem observar a Terra e coletar dados meteorológicos, de marés e correntes. Além disso, temos outras aplicações como em sistemas de comunicação, previsão de eventos extremos etc. Acreditamos que podemos melhorar a qualidade das informações que impactam o trabalho da praticagem", afirmou Carlos Moura.

foto: Divulgação

EVENTO CONGRESSO SOBRE ACIDENTES REÚNE PRÁTICOS NA COLÔMBIA Os práticos Bruno Fonseca (CE), Carlos Alberto de Souza Filho (SP), Luiz Antonio (RJ) e Porthos Lima (RJ) participaram do I Congreso Lecciones Aprendidas de Graves Accidentes o Incidentes en Maniobras de Practicaje, em Cartagena das Índias. A realização foi da Associação Nacional de Pilotos Práticos da Colômbia (ANPRA), que reuniu profissionais da área no mundo inteiro, além de especialistas no tema como engenheiros e advogados. O prático Souza Filho apresentou um caso ocorrido no Porto de Santos.


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MEIO AMBIENTE

foto: Divulgação

MAIS UM INVESTIMENTO EM ENERGIA SUSTENTÁVEL

Assim como a Praticagem de São Paulo, a empresa Itajaí e Navegantes Práticos (SC) investiu em um sistema de energia solar e passou a gerar sua própria energia, contribuindo para o meio ambiente. A medida reduziu o equivalente ao desmatamento de mais de quatro mil árvores/ano, evitando a emissão anual de 74,002t de CO2.

PRÁTICO FEIJÓ APOSENTADORIA Aposentou-se o prático João Carlos Corrêa de Albuquerque Feijó, que atuava na Zona de Praticagem do Ceará (ZP-05) e também serviu à Marinha do Brasil. A Praticagem do Brasil agradece pelos anos de dedicação e relevantes serviços prestados à sociedade, contribuindo para a segurança da navegação, preservação do meio ambiente e eficiência dos portos daquele estado. Felicidade no ciclo que se inicia!

ATALAIA HOMOLOGADA EM SALVADOR A estação de praticagem (atalaia) da Salvador Pilots foi homologada pelo Conselho Nacional de Praticagem, representado na ocasião pelo prático Bruno Fonseca, atual vice-presidente da instituição e na época seu diretor técnico. Na ocasião estiveram presentes o diretor-presidente da Salvador Pilots, prático Luiz Carlos Rosas, e o prático tesoureiro Omar Kharin Darian, além do funcionário Artur e do atendente Ricardo.

foto: Divulgação

CENTRO DE OPERAÇÕES


BOMBOU

NAS REDES

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ADRENALINA NO AÇU Dizem que mar calmo não faz bom marinheiro. E também não costuma gerar audiência, ao menos nas mídias sociais. Tanto que o destaque do período em nossas redes foi o embarque do prático Diogo Weber em concondições bem adversas no Porto do Açu (RJ). O vídeo da operação de transferência da lancha para o navio viralizou e alcançou 156 mil pessoas no Facebook, Instagram e Twitter.

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CONHECIMENTO CONTRA ACIDENTES A iniciativa da Praticagem do Brasil de realizar um webinar com o prático Arie Palmers sobre arranjos de embarque perigosos disseminou conhecimento e já gerou quase três mil visualizações em nosso YouTube. Durante a live, uma centena de pessoas do mundo inteiro assistiu aos casos de risco selecionados pelo colega holandês, que se tornou um fiscalizador dos problemas.

TRADUZINDO A PROFISSÃO Assessorar o comandante na entrada e saída dos portos pode soar muito vago para explicar como é, de fato, o trabalho de um prático no passadiço. Por isso, procuramos mostrar – em formato didático de carrossel – alguns exemplos de como se dá o serviço de praticagem na... prática! E funcionou. A publicação atingiu mais de dez mil internautas.



REBOCADORES AZIMUTAIS AZIMUTH STERN DRIVE (ASD)

Com conteúdo didático e ilustrativo, Rebocadores Azimutais – Azimuth Stern Drive (ASD) é um manual prático de consulta sobre como navegar e realizar manobras com rebocadores dotados de sistemas azimutais de propulsão, predominantes nos portos brasileiros. Comandante de rebocadores portuários há 11 anos, o autor, Luiz Felipe de Oliveira, iniciou a carreira em 2004 como marinheiro auxiliar de convés. Em 2010, conseguiu a primeira vaga à frente de um rebocador na Smit Rebras e, desde aquele tempo, percebeu a necessidade de ter um material de consulta em mãos. Esse sentimento foi reforçado após a abertura de sua página no Instagram (_life.at.sea), quando diversos profissionais da área marítima passaram a procurá-lo a fim de esclarecer dúvidas. Na Camorim Serviços Marítimos, Luiz Felipe realizou milhares de manobras em diferentes portos e contribuiu para a formação e promoção de dezenas de colegas marinheiros. Atualmente, faz parte da Starnav Serviços Marítimos e embarca no Porto de Itaguaí, na Ilha da Madeira (RJ). “Giramos, nos deslocamos lateralmente, alcançamos qualquer posição, é como uma verdadeira extensão de meu corpo, não temos limitações. Se isso acontecer com você, não se preocupe, apenas atingiu a fase de domínio completo”, escreve o autor no prefácio.


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