Revista do CONAPRA - Conselho Nacional de Praticagem - Edição especial
CONAPRA – Conselho Nacional de Praticagem Av. Rio Branco, 89/1502 – Centro Rio de Janeiro – RJ – CEP 20040-004 Tel.: 55 (21) 2516-4479 conapra@conapra.org.br www.conapra.org.br
índice index
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Introdução
Praticagem, a eficiência em benefício do interesse público
Ricardo Falcão Apresentação
Vice-alte. Claudio Portugal de Viveiros
Palavras Iniciais da autoridade marítima brasileira
diretor-presidente Ricardo Augusto Leite Falcão diretores Alexandre Koji Takimoto Carlos Alberto de Souza Filho Lauri Rui Ramos Linésio Gomes Barbosa Junior diretor / vice-presidente sênior da IMPA Otavio Fragoso planejamento Otavio Fragoso / Flávia Pires / Claudio Davanzo edição e redação Maria Amélia Parente (jornalista responsável) MTb/RJ 26.601 revisão Maria Helena Torres tradução Celimar de Oliveira Roberto James Ramsay Paola Gómez Salvador projeto gráfico e design Katia Piranda pré-impressão / impressão DVZ/Davanzzo Soluções Gráficas fotos Fábio Moreira Salles
Severino Almeida
Os trabalhadores no desenvolvimento da atividade marítima e portuária
Michael R. Watson
Praticagem: atividade essencial e de interesse público. O paradigma internacional, a importância da regulação social e econômica
Gurpreet Singhota
Uma visão geral das orientações da IMO incluindo a Resolução A.960 e as regras Solas relativas à praticagem
Joseph Angelo
Avaliação e expectativas da Intertanko em relação ao serviço de praticagem
Siegberto Rodolfo Schenk Jr.
Gerenciamento de risco nas atividades do prático
John Pearn
A regulação inadequada e suas consequências: o exemplo do Reino Unido
Paul Kirchner
Comparação do modelo brasileiro com modelos de praticagem de outros países: a praticagem nos Estados Unidos
Hans-Herman Lückert
Comparação do modelo brasileiro com modelos de praticagem de outros países: a praticagem na Europa
Ronaldo Fiani
Características econômicas da praticagem, competitividade e regulação econômica
Pablo Pineda
As consequências da concorrência no serviço de praticagem: o exemplo da Argentina
Edson Mesquita
_ Infraestrutura portuária e aquaviária: dragagem e levantamento batimétrico parâmetros e planejamento
Eduardo Tannuri
As informações e opiniões veiculadas nesta publicação são de exclusiva responsabilidade de seus autores. Não exprimem, necessariamente, pontos de vista do CONAPRA.
A simulação como ferramenta para o desenvolvimento de terminais e vias de acesso
Simon Pelletier
A evolução tecnológica da navegação marítima: e-navigation e VTMIS. O prático será substituído pela tecnologia?
Jean-Philippe Casanova
Qualidade e eficiência no serviço de praticagem
Eliane Octaviano
Aspectos Jurídicos do serviço de praticagem: o armador estrangeiro, suas representatividade e responsabilidades
Jaime Machado
A necessidade da estabilidade institucional, jurídica, operacional e econômica para a eficiência do serviço de praticagem
Ricardo Falcão Encerramento
Praticagem, a eficiência em benefício do interesse público Práticos não estão diretamente vinculados à atividade portuária; afinal, o exercício desses profissionais aquaviários se completa exatamente com a atracação do navio no porto, momento a partir do qual a atividade portuária efetivamente tem início. Entretanto, o debate que tem como palco principal o Congresso Nacional, em torno da revisão do marco regulatório do sistema portuário, popularizado pela intensa cobertura da imprensa, tem incluído com frequência o serviço de praticagem entre os setores da infraestrutura portuária que precisam ser "modernizados" visando garantir a eficiência logística necessária para fazer frente à previsão do crescimento do comércio marítimo nos próximos anos. Visão equivocada, gerada principalmente pela falta de informação sobre a atividade, mesmo entre aqueles que, não sendo usuários diretos do serviço, são beneficiados por sua boa qualidade e serão prejudicados se essa qualidade for comprometida. De fato, mesmo não sendo os práticos portuários, sua atuação é fundamental para a utilização segura e eficiente dos portos e de suas vias de acesso. Os práticos, entretanto, não são a pedra no caminho para a eficiência do comércio exterior brasileiro. Ao contrário, da mesma forma que evitar as pedras e outros perigos submersos e garantir o tráfego seguro das embarcações na costa brasileira constituem sua atividade diuturna, a busca da eficiência tem sido a marca do desenvolvimento desses profissionais desde que, em 1808, em seguida à abertura dos portos às nações amigas, D. João VI regulamentou o exercício da profissão. Nada mais oportuno, no momento em que o foco da discussão é a eficiência, do que apresentar ao público o padrão que caracteriza o serviço de praticagem nas nações marítimas tidas como referências internacionais de qualidade, padrão ao qual a praticagem brasileira nada fica a dever. Com essa finalidade o Conselho Nacional de Praticagem realizou nos dias 9 e 10 de maio, no Rio de Janeiro, o seminário "O serviço de praticagem no Brasil e a experiência internacional", reunindo profissionais e especialistas de diversos países. A intenção foi mostrar a realidade nos diferentes países em que esses profissionais atuam, bem como evidenciar as qualidades do modelo brasileiro, cujas características e resultado são comparáveis aos dos melhores exemplos internacionais. Desde 1808 o serviço de praticagem foi provido ou regulado pela Marinha do Brasil, que responde pela segurança da navegação em nossas águas. Recentemente foi incorporada à estrutura de regulação a Comissão Nacional de Assuntos de Praticagem − CNAP, com representantes de outros setores do governo federal e com a finalidade de assessorar a autoridade marítima brasileira na coordenação dessa atividade estratégica para o interesse nacional. Mais uma boa razão para a realização desse seminário que pôde proporcionar aos membros do CNAP − a maioria iniciando seu aprendizado nas questões relacionadas com a atividade de praticagem − um panorama extenso e detalhado da organização do serviço. Os primeiros registros do serviço de praticagem remontam a tempos babilônicos. Conhecemos a importante função social de nossa atividade e a responsabilidade de garantir a movimentação segura e sem regime de preferências dos navios e, por consequência, a livre circulação de mercadorias. Estamos convictos da necessidade de aprimorar cada vez mais os serviços e oferecer nossa contribuição ao desenvolvimento sustentado do país. Esperamos, em contrapartida, que nossos legisladores e governantes tenham iguais responsabilidade e visão pública na elaboração da legislação pertinente e na gestão do serviço. Nesta edição da Rumos Práticos o leitor terá acesso a todo o conteúdo do seminário realizado pelo CONAPRA, em maio, no Rio de Janeiro. Divulgamos a seguir os discursos e as palestras do evento a fim de que fique registrado em nosso periódico esse importante momento da praticagem brasileira, quando especialistas brasileiros e estrangeiros se debruçaram sobre uma profissão tão importante quanto silenciosa. Uma profissão que faz jus à máxima britânica “No news is good news”. Ricardo Falcão 4
Ricardo Falcão Diretor-presidente do CONAPRA
Silêncio: o som da segurança nada tiveram de graça e que, pelo esforço de alguns setores destacados da economia, fomos capazes de transformar muitas das desvantagens iniciais em poderosos trunfos, à custa de muito trabalho, dedicação e inventividade. A praticagem brasileira é parte ativa desse processo de desenvolvimento há 205 anos. Permanentemente disponível, estruturada com profissionais habilitados e qualificados, sempre teve como característica principal a capacidade de superar desafios. Na verdade a praticagem foi mais e além, assumindo inúmeras funções típicas de uma autoridade portuária e substituindo com tecnologia e atuação próprias as lacunas de levantamento hidrográfico e balizamento. A busca de excelência na prestação do serviço tem permitido que a praticagem É com imensa satisfação que dou as boas-vindas a todos!
brasileira se mantenha na linha de frente do contínuo desenvolvimento de nosso país, muito adiante dos investimentos nos portos
O seminário “O serviço de praticagem no Brasil e a experiência
e suas vias de acesso.
internacional” é evento histórico, e muito nos honra estarem aqui reunidos distinguidos profissionais e especialistas de diversos
A importância da praticagem para a competitividade nacional
países para abordar, com amplitude, serenidade e isenção, este
passa pela presença qualitativa e quantitativamente destacada do
tema tão em pauta e, infelizmente, tão distorcido no Brasil: o
serviço nos portos, rios e demais vias navegáveis, bem como pelo
serviço de praticagem.
papel fundamental no crescimento dos navios que frequentam nossos portos e no volume de cargas transportadas sem que inves-
A competitividade do Brasil é tema recorrente na mídia, e essa
timentos proporcionais em infraestrutura tenham sido feitos. Os
discussão sempre nos remete à história da formação do país e a
maiores navios do mundo, sejam petroleiros da classe ULCC,
dois questionamentos: por que não nos tornamos um país desen-
graneleiros valemax, navios de passageiros como o impressio-
volvido, como a quase totalidade das nações da Europa ocidental e
nante Queen Mary II, enfim navios aceitos em pouquíssimos portos
da América do Norte, com os quais compartilhamos forte herança
do mundo, frequentam os nossos, com práticos sempre prontos a
sociocultural? E por que com um parque industrial amplo e diversi-
garantir segurança e eficiência. Não estamos falando a respeito de
ficado, nossa vantagem comparativa sempre se concentrou em
um projeto de futuro, pois praticagem de primeiro nível, de
matérias-primas e manufaturados de baixa tecnologia? Há diversas
excelência, é a realidade já disponível em nosso país. Não fossem
teses que pretendem explicar essa diferença, que não é condição
a proatividade, os investimentos próprios em estrutura e trei-
apenas do Brasil, mas da maioria dos países latino-americanos.
namento, a integração e, sobretudo, a capacitação e a perícia dos
Não pretendemos responder a essas questões nem nos prolongar
práticos brasileiros, que a regulação atual tem possibilitado, o
nessa discussão. Queremos registrar apenas que os brasileiros
Porto de Santos, por exemplo, não teria condições de receber 5
navios com 330 metros de comprimento, praticamente o dobro do
ria, ocorrido em Londres, a organização da praticagem brasileira foi
que sua estrutura permite. No Porto de Manaus, o terminal cons-
apresentada com seu atual modelo regulatório e reconhecida como
truído em 1907 e projetado para navios de até 35 mil toneladas
padrão de eficiência, de qualidade de prestação de serviço e prin-
não estaria operando com embarcações três vezes maiores.
cipalmente pelo baixíssimo nível de acidentes: na faixa de poucos
O Porto de Itaqui não estaria recebendo, com total segurança,
milésimos porcento, tal como o dos Estados Unidos, a despeito das
navios com capacidade para transportar 400 mil toneladas de
restrições de infraestrutura e da precária qualidade e quantidade
minério de ferro.
de ferramentas de apoio aqui existentes.
A praticagem brasileira é referência
Assim, a grande questão é: “o que e
mundial! Nosso maior problema é a
como deve ser mudado?”
falta de manchetes anunciando o quanto somos eficientes e eficazes. As senho-
O último estudo abrangente sobre a
ras e os senhores jamais lerão alguma
praticagem nos Estados Unidos ocupou
manchete anunciando a não ocorrência
170 verdadeiros especialistas durante
de acidentes: o som da segurança é
um ano e meio, gerando relatório final
o silêncio.
de 500 páginas. Na Europa outros tantos especialistas se debruçaram sobre a
Reitero a importância histórica deste
questão durante dois anos, para uma
seminário!
conclusão de 400 páginas. Ambos os
estudos, contando sempre com a par-
Nestes dois dias, reconhecidos
ticipação das praticagens nacionais,
profissionais marítimos, cientistas e
recomendaram a manutenção do para-
intelectuais do mar, renomados juristas
digma mundial de organização da ativi-
e outros peritos, do Brasil e do
dade, o mesmo adotado no Brasil.
exterior, compartilharão uma parcela de sua experiência e de seu conhecimento, lançando muita
Senhoras e senhores, qualquer manobra com embarcações de
luz sobre o assunto.
grande porte em águas restritas envolve riscos enormes.
Como já manifestei publicamente em outras ocasiões, a criação da
As discussões sobre o serviço de praticagem estão muito incipientes
Comissão Nacional para Assuntos de Praticagem, da qual vários
e contaminadas por meias verdades. Nem de longe houve tempo
membros se encontram presentes, foi muito bem recebida pela
suficiente para alcançar o aprofundamento necessário à produção de
praticagem brasileira.
alterações significativas nessa área extremamente sensível.
Ela representa uma nova oportunidade de desmitificar a profissão,
O interesse público deve prevalecer acima de tudo.
consolidando tudo de positivo que foi desenvolvido por mais de 200 anos de atuação regulamentada e aprimorando pequenas
Daí, a relevância de um evento desse porte.
imperfeições que porventura ainda subsistam. Sejamos receptivos! Mantenhamos nossas mentes abertas! Senhoras e senhores, um de nossos práticos é o vice-presidente
Participemos dos debates! E, sobretudo, busquemos a resposta
sênior da International Maritime Pilots Association − IMPA, o
a uma só questão: que serviço de praticagem queremos para
segundo maior cargo na associação mundial dos práticos.
o Brasil?
No final do ano passado, durante o Congresso Mundial da catego-
Muito obrigado!
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Vice-alte. Claudio Portugal de Viveiros Diretor de Portos e Costas
Palavras iniciais da autoridade marítima brasileira nal. Considero importante ressaltar a grandeza do nosso país, com a diversidade de portos, rios e canais, segmentados em 22 zonas de praticagem (ZP), que agrupam práticos trabalhando em cenários distintos, e que neste evento terão a oportunidade de compartilhar suas vivências, aprimorando ainda mais a expertise desses competentes profissionais. O serviço de praticagem, desde sua criação oficial em 1808, com o primeiro decreto imperial regulamentador, tem merecido especial atenção da Marinha do Brasil, por sua vinculação direta com a segurança da navegação, prestando assessoria essencial aos comanIlmo Sr. Ricardo Falcão, diretor-presidente do CONAPRA – Conselho
dantes das embarcações quando navegando em águas restritas.
Nacional de Praticagem; oficiais da MB e representantes da CNAP; Ilmo Sr. Michael Watson, vice-presidente do International Maritime
A atividade de praticagem envolve também aspectos importantes de
Pilots Association; Ilmo Sr. Severino Almeida, presidente do
cunho econômico, social e ambiental, como o comércio exterior, as
Sindicato Nacional de Oficiais da Marinha Mercante; IImo Sr.
relações com o Estado e com os tomadores de serviço, a proteção do
Gurpreet Singhota, representante da Organização Marítima
meio ambiente, a salvaguarda da vida humana, o custo do seguro e
Internacional; Ilmos Srs. presidentes das associações e empresas
muitos outros que deixarei de elencar, mas que integram essa
de praticagem; Ilmos Srs. práticos brasileiros e práticos repre-
dinâmica atuação em prol dos componentes do Poder Marítimo.
sentantes de associações e entidades de outras nações; Ilmos Srs. representantes de empresas, associações, sindicatos e arma-
Historicamente, são incontestáveis as excelentes referências sobre
dores; Ilmos Srs. professores; Ilmos Srs. palestrantes; bom dia!
a qualidade, o profissionalismo e a sólida formação dos nossos práticos, e acredito que a principal contribuição de todos os
Neste seminário e encontro com os práticos, de que participo pela
agentes que atuam como representantes da autoridade marítima
primeira vez como diretor de Portos e Costas, gostaria de inicial-
para a manutenção dessa capacitação técnica é buscar,
mente transmitir-lhes a minha satisfação em poder dirigir-me aos
diuturnamente: o aperfeiçoamento das Normas da Autoridade
senhores, proferindo estas breves palavras.
Marítima para o Serviço de Praticagem (Normam-12); manter em alto nível o processo seletivo e os programas de qualificação
Agradeço a gentileza do convite do Sr. Ricardo Falcão, diretor-
e habilitação dos praticantes de prático; com o apoio do
presidente do CONAPRA, e quero parabenizá-lo pela idealização
Conselho Nacional de Praticagem (CONAPRA), realizar os
deste evento, que se reveste de especial significado ao reunir tão
Cursos de Atualização de Práticos (ATPR) e, enfim, como
seleto grupo de palestrantes para abordar o serviço de praticagem
previsto em diplomas legais, regular o serviço de praticagem
no Brasil, incluindo neste debate a valiosa experiência internacio-
com o máximo empenho, aliás, como tem sido conduzido desde 7
o reinado de D. João VI até a entrada, em 1997, da Lei 9.537, comumente conhecida como Lesta. A época para a realização deste seminário é também oportuna, haja vista que se encontra em andamento a adoção de várias medidas e ações governamentais para o setor atinente ao tema, ensejando relevantes modificações que geram expectativas otimistas no meio marítimo e que, certamente, contribuirão para melhorar a eficiência de nossos portos, de forma a dar conta da crescente movimentação de cargas e do incremento das atividades marítimas e fluviais. Para não me alongar na abertura deste seminário, de forma que os senhores possam tirar o máximo proveito dos ensinamentos que certamente aqui serão trazidos, quero concluir com a seguinte mensagem: que a DPC e seu diretor manterão o relacionamento franco e profícuo com o CONAPRA, com as associações de práticos e com os práticos de forma geral. Ressalto que a expressão máxima de um serviço de praticagem, seja em nível nacional ou internacional, é atingida quando essa atividade se desenvolve com maturidade e consciência profissional, de modo a que a autoridade marítima, competente para exercer a supervisão e o controle, possa estar tranquila e convicta, sabedora de que a segurança da navegação, a salvaguarda da vida humana e a prevenção da poluição ambiental no mar e nas hidrovias interiores estão asseguradas. Por fim, desejo-lhes para estes dois dias um produtivo seminário. Muito obrigado!
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Severino Almeida Bacharel em ciências náuticas. Presidente do Sindicato Nacional dos Oficiais da Marinha Mercante – Sindmar. Presidente da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Transportes Aquaviário e Aéreo, na Pesca e nos Portos – Conttmaf. Vice-presidente da International Transport Workers Federation – ITF.
Os trabalhadores no desenvolvimento da atividade marítima e portuária Bom dia a todos e a todas. Para não nominar cada um, saúdo todos
Infelizmente essa visão não é consensual nem no Brasil, nem,
os palestrantes presentes na pessoa do presidente do CONAPRA,
provavelmente, em nenhuma região do mundo, independente da
companheiro Ricardo Falcão, e os demais presentes neste semi-
ideologia reinante. Ainda mais na relação capital/trabalho, no
nário na pessoa do almirante Viveiros, atual diretor de Portos e
sistema capitalista. O próprio sistema busca o lucro, seu objetivo
Costas, representante da autoridade marítima brasileira. Além de
maior. Pode até haver alguma sensibilidade social ou compromisso
satisfação imensa em dirigir a palavra a vocês, fiquei um pouco
de distribuição de riqueza, mas fato é que há prioridade muito clara
surpreso com o convite. Pediu-me o CONAPRA que apresentasse
na acumulação de riqueza, através do lucro. Assim é o sistema.
uma visão de nossa organização, o que poderia significar o que
Nosso país, neste momento, nos desafia a fazê-lo crescer.
seria desenvolvimento na nossa atividade. Então vou-me permitir
Não nos esquecendo de que o compromisso maior não
expressar-me muito mais como presidente de confederação do que
deve ser com a concentração dessas riquezas, mas com
como presidente do Sindicato dos Oficiais da Marinha Mercante.
sua distribuição.
A questão básica que se apresenta diante do desafio que me colo-
Assim como cada um de vocês, eu gostaria que nosso crescimento
caram é como a representação dos trabalhadores do setor maríti-
fosse maior do que o ocorrido nos dois últimos anos. Estamos
mo e portuário expressa o que seus representados entendem
crescendo, é verdade. Mas a alegria maior é o fato de que estamos
como desenvolvimento na atividade. Aparentemente simples, essa
conseguindo distribuir melhor nossa riqueza. Nosso setor é
questão é extremamente complexa dependendo dos interesses,
extremamente estratégico para o país. O que eu vou dizer todos
das perspectivas do que é desenvolvimento. Vou expressar nossa
vocês sabem; provavelmente todos lembram, mas a sociedade
visão, a do trabalhador do setor. Só faz sentido para nós dizer que
brasileira de um modo geral nem sequer se lembra disso. Ao sair
alcançamos desenvolvimento em determinada atividade quando
de casa, ao tomar seu café da manhã – aqueles que podem – nem
desenvolvimento implica aumento de eficiência, sem exclusão
sequer se lembram de que o trigo passou num porão de navio. Ao
social, justa distribuição de riqueza produzida, com valorização do
vestir a roupa não passa pela cabeça do cidadão brasileiro que
trabalho e contribuição para um país mais rico e justo.
aquele material passou efetivamente por um navio. Ao tomar um ônibus, um táxi, não lhe passa pela cabeça que o combustível passou pelo nosso setor. É absolutamente impossível uma sociedade moderna se organizar e existir sem a nossa participação. Costumo dizer que enquanto não inventarem uma máquina que transporte uma mercadoria de um ponto A para um ponto B através de um sistema que lhe garanta desaparecer do ponto A e aparecer repentinamente no ponto B, a nossa continuará sendo uma das atividades mais 9
estratégicas do mundo. Podemos comprar e vender mercadorias
Talvez pelo fato de nossa sociedade só ver navios quando está na
pela internet, dispensar a ida física a estabelecimentos bancários,
praia; até o acesso a nossos portos para contato maior com
fazer negociações usando meios eletrônicos; muita coisa pode-se
homens e mulheres desse setor é quase impossível de ser alcan-
fazer neste mundo de hoje sem necessariamente a presença física.
çado pela sociedade organizada.
Mas ainda não inventaram uma forma de concretizar todas essas negociações e trocas necessárias para que uma sociedade
Ao contrário de diversos países − em mais de 14 anos de exercício
moderna possa existir sem que nós estejamos presentes.
profissional como marinheiro, testemunhei no exterior que a visitação a navios é até estimulada e que o trabalho desses homens e mulheres merece reverência da sociedade. Em alguns países e cidades portuárias muitos são os monumentos em honra a esses trabalhadores. Aqui de um modo geral a sociedade brasileira não nos vê, não nos conhece e tem uma ideia equivocada em relação a nós. Vou-me ater a alguns tópicos para reflexão de todos vocês, pois é claro que me interessa formar, naqueles que não estão na atividade hoje, opinião favorável à importância do trabalho que exercermos. Comentarei o histórico da representação dos práticos e demais trabalhadores do setor; as características das empresas no setor de transporte marítimo no Brasil; o papel estratégico da pratica-
Isso nos faz muito especiais e responsáveis; exige que todos nós,
gem no desenvolvimento do transporte marítimo; o processo
em nosso setor, tenhamos plena consciência do nosso papel
de estigmatização da imagem do prático; o modelo da relação de
nesse processo. Não podemos nem devemos permitir que o
trabalho; e, finalmente; o usuário do transporte marítimo como
desenvolvimento nessa atividade venha favorecer grupos
instrumento de pressão por mudanças e consequências.
específicos ou possa deixar nosso país dependente de controle externo. O capital estrangeiro neste país − pelo menos é assim que
O primeiro tópico é aquele de que sentimos falta. Nós não temos
os trabalhadores pensam − é muito bem-vindo. Mas temos
conseguido passar para a sociedade brasileira a nossa identidade,
que aceitá-lo mantendo nossa soberania e sabendo utilizá-lo da
a nossa origem no mar. O que é lamentável, dada a importância da
forma que nos interessa, dando contrapartida àquele que investe.
atividade... Um dos primeiros atos da Coroa portuguesa quando
Desde os anos 90 é evidente em nosso país o esforço de
tangida da Europa pelo Exército de Napoleão foi tentar estabelecer
armadores e operadores portuários em responsabilizar os
regras para a praticagem. Isso há mais de dois séculos.
trabalhadores marítimos e portuários pelos altos custos e
Precisamente em 1808. Curioso o fato de que um dos primeiros
ineficiência operacionais do setor. A mídia em regra amplifica
atos do Brasil República (no final do século 19) foi decretar uma
esse entendimento formando opinião nesse sentido.
regulamentação para essa atividade. Estamos diretamente envolvidos com o Estado e sob sua custódia no que se refere à certificação
Desafio qualquer um que viva em nosso país a afirmar desconhecer
das condições do exercício profissional desde 1926.
que o tripulante brasileiro é extremamente caro, que o sistema portuário é um problema grave porque, além de ineficiente, atra-
Será que diante de um histórico como esse é cabível que alguém
vanca especialmente através de sua organização sindical o desen-
possa referir-se ao trabalho de praticagem como um trabalho com-
volvimento portuário brasileiro. Duvido que alguém aqui não saiba
parável ao de um grupo de flanelinhas arrumando carros em um
através da mídia que o serviço de praticagem é abusivo, extrema-
estacionamento? Muitos não sabem, mas nós, aquaviários, somos
mente caro, realizado de forma absurda porque não se justifica. É
muito diferentes. Não somos melhores nem piores do que qualquer
assim que nós que fazemos esse setor no Brasil somos conhecidos.
outro trabalhador. Nós começamos no mar. Aprendemos nosso
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ofício – seja o estivador, o marinheiro, o prático na sua origem –
subsidiária da Petrobras. O monopólio do transporte é algo muito
vivenciando, olhando e sentindo o mar. Hoje a maioria esmagadora
curioso. Todos vocês sabem que ninguém consegue transportar um
dos nossos práticos tem experiência de mar, seja como oficiais
simples contêiner de sapatos, por exemplo, de Rio Grande a
mercantes, seja como oficiais da Marinha do Brasil. Mesmo
Fortaleza, ou vice-versa, sem passar necessariamente por uma
aqueles que não têm um passado diretamente ligado a essas
empresa brasileira de navegação. Não existe cabotagem brasileira
atividades, até mesmo sem saber, já incorporaram muito da nossa
sem monopólio da Empresa Brasileira de Navegação, que na sua
identidade com origem no mar.
maioria é de capital estrangeiro.
Talvez por isso seja o setor que, além de estratégico, mais tem
Quem de fato vive numa realidade dessa pode reclamar de
resistido no Brasil às mudanças prejudiciais que deslocariam o
monopólio? Por mais críticas que os senhores e senhoras tenham
controle de nossos portos. Outro aspecto que muitos desconhe-
em relação a monopólio, ninguém que vive num cenário desses
cem: nós não somos antigos apenas em termos de atividades. Os
pode falar mal de monopólio. Por que monopólio só incomoda
primeiros sindicatos no Brasil são da última década do século 19.
quando é de alguma forma utilizado a favor dos trabalhadores? Por
O primeiro, formalizado como associação, dos oficiais sapateiros,
que essa boca torta devido ao uso de um cachimbo indevido? Tanto
foi fundado em 1896. Em nosso setor a primeira associação data
se falava em monopólio do Estado, dos sindicatos etc.... Passados
de 1903; já estamos fazendo 110 anos. Em 1905 já tínhamos três
esses anos todos, desde a aprovação da Lei 8.630, em 1993, o que
associações. Os oficiais – numa época em que nem comando nem
nós temos hoje? Trocamos um monopólio do Estado por um verda-
chefia de navio eram exercidos por oficiais brasileiros – em 1917 já
deiro oligopólio privado em nossos portos. E preocupem-se com
se estavam organizando de forma unificada. Quando muitas cate-
isso. O fenômeno de concentração dessas empresas, com esse
gorias iriam organizar-se 20, 30, 40 anos depois, e algumas sequer
oligopólio, vai colocar o usuário do transporte refém desse siste-
existiam, nós já estávamos nos organizando há muito tempo.
ma. Acredito que por essa razão o Estado brasileiro através de seu governo esteja tentando impedir um controle acionário significativo
Talvez toda essa história de experiência, resistência e luta é que
de empresas armadoras dentro dos terminais privados brasileiros.
tenha contribuído para que possamos sobreviver diante das investidas que sofremos. Quem é do setor sabe, não é novidade
Quanto à segurança das operações portuárias, na ampliação do
para ninguém. Por exemplo: Montevidéu e a dificuldade de fechar
volume de carga operada e em suporte ao controle do tráfego
acordos já há uns três anos dentro do Mercosul. Ora, 60% do
aquaviário, Ricardo Falcão já falou. Em relação a essas questões,
Porto de Montevidéu está reservado para carga de transbordo da
a primeira observação que eu gostaria de fazer é a respeito
empresa Maersk. Ao não se aceitar essa carga de transbordo
do acidente que aconteceu em Gênova há um par de dias.
dentro do acordo do Mercosul, por que a Argentina iria aceitar
A imprensa internacional divulgou o fato com muito mais
um acordo como esse? Eu pergunto até mesmo por que o Brasil aceitaria? Em tese já aceitou, o que é lamentável. Isso não é bom para um país; nós não podemos permitir que o processo de concentração que vou abordar logo a seguir possa tirar-nos o controle de nossos portos. Nós, trabalhadores, iremos contribuir para que isso não ocorra. No próximo tópico destacarei aspectos que não podemos esquecer. A imprensa não vai lembrar isso para vocês, mas nós hoje somos o setor que efetivamente, em sua esmagadora maioria, existe em função de investimentos estrangeiros. Hoje os principais empregadores do marítimo brasileiro são empresas de capital estrangeiro. A única brasileira grande hoje é, aliás, do Estado, a Transpetro, 11
interrogações do que certezas sobre o que teria ocorrido. É
É bom perguntar sempre ao armador ou a qualquer outro que
curioso que, se ocorresse esse tipo de acidente no Brasil – e a
defenda mudanças ou precarização nessa prestação de serviços se
praticagem tem orgulho de mostrar índices que afastam essa
o usuário em algum momento vai receber alguma vantagem nessa
possibilidade, e contamos que continue assim –, as manchetes
busca de redução de custos. Já vivi o suficiente no meio dessa
seriam: “Manobra de prático no Porto X mata seis e faz três
armação para saber que o usuário normalmente só serve para
desaparecerem”. Seria essa a manchete, não haveria interrogação!
pagar a conta. Já negociei na minha vida milhares de acordos
Contudo, segurança − além do que Ricardo muito bem disse:
coletivos de trabalho no Brasil e no exterior até porque sou
“O som da segurança é o silêncio” −, eu digo a vocês: segurança
chairman desse setor para a nossa região. Para países no Caribe,
custa caro. Segurança não rima com gratuidade. E se queremos
na América do Sul e em outras regiões. Cansei de sentar à mesa
ter operações seguras precisamos ter disposição em investir em
de negociação. Eu nunca recebi como negociador compreensão da
bons profissionais e ótimas condições de trabalho.
armação, nem sequer nos Anos Dourados, antes de 2008, quando o sistema levou um baque. Naquele ano, houve trimeste em que o
A segunda observação desse tópico é que nós, que conhecemos o
armador aumentou seu frete em 48%. E nem sequer, num ato de
tráfego portuário, as manobras e como se dá nossa realidade nos
magnitude, nos foi repassado 2%, por compreensão. O modelo
portos, sabemos que o prático não é uma figura isolada que sobe a
de relação de trabalho está no cerne de toda essa questão.
bordo, munido de walk-talk que provavelmente lhe foi doado na rua e surge a bordo como geração espontânea. O prático às vezes é
Outro ponto. O marítimo brasileiro tem uma organização sindical
tratado como se fosse a prova contundente de que Lavoisier estava
forte? Isto não interessa à interlocução, à relação capital/trabalho.
errado. A geração espontânea existe! E de repente surge o prático
Empregador, e não apenas o armador, gosta de subordinação.
a bordo, ajudando a manobra segura do navio. Não! Existe todo um
Trabalha para isso, para obter dependência. Extrema compreensão
sistema, uma estrutura dando-lhe suporte. E ao adentrar o pas-
do trabalho em relação às necessidades do capital. Prático não é
sadiço esse sistema já foi colocado em ação: desde o transporte,
empregado de empresa alguma. Nem de armador, nem de
desde o preparo dos homens, equipamentos para manobra da
operador. É um prestador de serviço, recebe pelo serviço prestado
embarcação. Isso representa custo. Só que normalmente coloca-se
previamente contratado e negociado. Não é a melhor relação de
o valor da praticagem como se aqueles milhões de reais fossem
trabalho deste mundo capitalista, para um tomador de serviço.
diretamente para aquela figura que costuma contrariar Lavoisier,
Há ausência de subordinação! O prático leva em consideração
aparecendo repentinamente no passadiço dos navios.
sua consciência e competência além de seus compromissos profissionais para tomar a decisão quanto a fazer ou não esta ou
O outro tópico é o processo de estigmatização da imagem do práti-
aquela manobra porque coloca em risco a segurança das pessoas,
co. Isso é o que mais choca e revolta. Porque não é dirigido apenas
do navio e da carga!
ao prático. No nosso setor, o marítimo e o portuário brasileiros passam por isso. A menção a uma figura abjeta, porque imprópria – o
Ele não está subordinado à vontade de um empregador, que pensa:
flanelinha – não é gratuita, porque quanto mais se reduz a importân-
“... mas a cada hora está me custando milhares de reais”. Não
cia desse trabalho – o papel estratégico do prático em nosso portos
existe o “... mas, meu empregador, essa operação não é segura”,
– mais se torna absurdo o custo da praticagem. Mais convencem-se
ou o “faça ou está demitido”. Isso incomoda. A praticagem conti-
as forças políticas deste país a promover mudanças em direção a
nua há mais de dois séculos estritamente ligada ao papel funda-
outros interesses. O serviço de praticagem é essencial por força de
mental do Estado. Não é prático quem quer. Tem que se certificar
lei. Está escrito na Lei de Segurança do Tráfego Aquaviário, é
e tem que obedecer a critérios estabelecidos pelo Estado, definidos
classificado como um serviço essencial. E não o é porque o redator
pela autoridade marítima. Não se pode ter neste país quatro, cinco
estava procurando palavras fortes para incluir numa legislação
mil práticos numa fila monstruosa de práticos desempregados
ordinária. Não! Ele é essencial há mais de dois séculos. E não
pedindo: “Pelo amor de Deus, me dá pelo menos uma ou duas das
pode ser aceito que seja tratado como trabalho de quinta ou
mais de 13 mil operações anuais de Santos”. Aqui no Rio seriam
quarta categoria se pudermos classificar trabalho por categoria.
19 mil. Isso não existe, é um cenário desejado pela armação que
12
não existe no Brasil e, repito, isso incomoda. O armador pensa
um setor que se concentra. Anualmente a Maersk, por exemplo,
“Isso precisa ser mudado...”. Mas a questão é: onde fica a segu-
empresa que conheço razoavelmente bem, promove um encontro
rança operacional, onde fica o serviço de praticagem independente,
em regiões diferentes e tenta convencer de sua visão toda a malha
forte e seguro? E, finalmente, quem vai efetivamente agregar os
sindical que está envolvida. Talvez não devesse estar falando da
serviços complementares da praticagem? Porque o prático não é
Maersk, talvez porque eu tenha um carinho especial por ela. Ela
uma prova de contrariedade à Lei de Lavoisier.
gosta de me bater, e eu gosto de bater nela. Uma questão de amor mal resolvida.
E finalmente reservei dois ou três minutos para o nosso querido usuário, aquele que paga a conta. Não tenho a menor dúvida de
Esses eventos reúnem portuários, trabalhadores de apoio por-
que os usuários, de modo geral, são caldo de cultura muito apro-
tuário, marítimos, toda uma malha para discutir políticas de
priado à motivação por mudanças, até porque para o usuário
integração de sua rede no mundo. Eu pergunto ao usuário se ele já
quanto menos pagar mais interessante é. Tenho bem forte na
pensou em ficar dependendo de um oligopólio restrito a muito
memória, nos anos 80, quando tínhamos um outro modelo, sem
poucas empresas concentradoras de todo esse serviço. Do
entrar no mérito de vantagens e desvantagens, o usuário pagou
começo do serviço até a entrega no ponto B. Se já pensou nas
muito caro pelo transporte marítimo. O usuário normalmente é um
consequências disso. Se é interessante que nós venhamos a tirar
aliado nesse processo de mudança. Agora, como vai ficar esse
a voz do marítimo, tirar a independência da praticagem, eliminar a
usuário no futuro? Como todos sabem, talvez mais de 70% de
organização dos trabalhadores portuários, destruir a nossa
contêineres sejam controlados por três ou quatro grandes
identidade e a nossa capacidade de resistir. Deixo a pergunta e
empresas. Desafio vocês a listar dez empresas megacarries em
agradeço a paciência de me escutarem durante esses minutos.
cada tipo de transporte: granel, líquidos, cargas especiais... Esse é
Bom dia e obrigado. 13
Michael R. Watson Presidente da Associação dos Práticos dos Estados Unidos da América (APA) eleito em 2000 e reeleito em 2004, 2008 e 2012. Vice-presidente da Associação Internacional dos Práticos (IMPA) eleito em 2002. Atual presidente da IMPA eleito em 2006 e reeleito em 2010.
Praticagem: atividade essencial e de interesse público. O paradigma internacional, a importância da regulação social e econômica É realmente uma honra dirigir-me à ilustre plateia deste seminário.
Vou começar minha apresentação dizendo que todo governo corre
No breve tempo que terei com vocês, pediram-me que falasse sobre
grande risco se subestimar a importância de manter um sistema de
o inestimável serviço que os práticos prestam ao público;
praticagem obrigatório abrangente, eficiente e moderno. O traba-
sobre a importância de se implantar um sistema de praticagem
lho de pilotar navios oceânicos é desgastante e exige conhecimen-
organizado, no qual a praticagem seja obrigatória e os práticos
tos e habilidades especializados, atenção e vigilância constantes,
tenham autonomia para exercer juízo independente na execução
além de tomadas de decisão das mais complexas. Um prático deve
de suas obrigações de serviço público; sobre a importância de
estar extraordinariamente familiarizado com cada uma das carac-
haver apenas uma associação de práticos em cada zona de prati-
terísticas das áreas de praticagem. Ele ou ela deve conhecer – e
cagem; e sobre a necessidade de regulação governamental abran-
ser capaz de enumerar instantaneamente, em todas as condições
gente para assegurar que a praticagem – que é o melhor instru-
de clima e visibilidade, e muitas vezes em circunstâncias
mento para garantir a segurança marítima – não seja deixada à
estressantes – cada canal, ponte, obstrução, equipamento de
mercê de forças de mercado destrutivas e desestabilizadoras.
auxílio à navegação, bem como as características hidrográficas e geográficas. Um prático deve entender os efeitos das marés,
Antes de iniciar minha discussão sobre essas importantes questões
correntes, ventos e a hidrodinâmica das embarcações que se
políticas, gostaria de dizer algumas palavras sobre o respeito que
deslocam por vias de acesso estreitas. Cada embarcação apre-
os práticos brasileiros conquistaram na comunidade marítima
senta novo desafio, pois cada uma tem características únicas de
internacional. O capitão Otavio Fragoso foi recentemente reeleito
manobra e governo, e reage de forma diferente ao meio ambiente.
vice-presidente sênior da IMPA, um dos cargos mais importantes
Um prático também deve estar preparado para enfrentar a
do corpo executivo da Associação, e sou grato pelo fato de ter um
multiplicidade de equipamentos presentes no passadiço de
profissional tão motivado, qualificado e talentoso em minha equi-
embarcações oriundas de portos de todo o globo, bem como para
pe. Os serviços prestados pelo capitão Fragoso e sua reeleição
lidar com tripulações de navios de diversas nacionalidades.
como vice-presidente sênior demonstram que ele conquistou a confiança e o respeito do conjunto de membros da IMPA em todo o
Mudanças drásticas no tamanho dos navios atuais, na indústria de
mundo, o que inclui oito mil práticos de mais de 50 países. Quero
shipping e na visão da autoridade portuária também impactam as
igualmente agradecer ao capitão Ricardo Falcão, atual presidente do CONAPRA, ele também um verdadeiro profissional, que rapidamente mereceu o respeito de seus colegas presidentes de associações nacionais de práticos. É prova da influência internacional de ambos o fato de terem conseguido reunir um painel tão impressionante de especialistas em praticagem e navegação, entre os quais um dos diretores da Organização Marítima Internacional.
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atribuições do prático. O tamanho dos navios – comprimento, boca
cada e perigosa, com a navegação por “controle remoto” vai piorar.
e calado – aumenta rapidamente. Isso vai continuar. Todos nós,
Diante disso, faz-se ainda mais importante manter sistemas
que trabalhamos junto ao governo a fim de obter verbas para
eficazes de praticagem obrigatória, que posicionam no passadiço
dragagem, sabemos: os canais de navegação não crescem em
de navios profissional treinado, experiente e independente para
velocidade proporcional à do crescimento dos navios. Por conse-
orientar a navegação.
guinte, as autoridades portuárias vão continuar a pedir aos práticos que “nadem com a corrente” e aceitem menores lazeiras abaixo da
Os práticos de hoje prestam um dos serviços de segurança maríti-
quilha, bem como a esperar que os práticos manobrem navios
ma mais importantes disponíveis para o setor de navegação e,
imensos a metros de estruturas fixas e em vias confinadas. Essa
sobretudo, para o público. Todos nós, que temos responsabilidade
tendência de crescimento dos navios à frente da expansão dos
pela movimentação segura e ambientalmente saudável de
canais vai jogar ainda mais pressão sobre os práticos e sobre
mercadorias e pessoas em nossas hidrovias, devemos assegurar
nossas habilidades.
que os regimes regulatórios que regem a praticagem e a qualificação e habilitação de práticos sejam abrangentes, voltados para a segurança e efetivamente aplicados. Um dos pontos mais importantes que desejo enfatizar neste painel é que a praticagem não é simplesmente um negócio. Na verdade, é bastante diferente até mesmo de outros serviços profissionais, a maioria dos quais é normalmente prestada através de contrato privado com consumidor voluntário. A praticagem marítima obrigatória é uma norma de segurança de navegação – talvez sua principal forma –, e a responsabilidade primordial do prático deve ser proteger os interesses do governo que emite a habilitação e
Também se evidencia que, no futuro, muitos navios vão operar com
regulamenta a operação de praticagem. O principal cliente do
tripulações ainda menores. Embora certamente existam alguns
prático não é o navio nem o armador, mas o interesse público. Ao
armadores que são focados na segurança e trabalham em parceria
examinar os custos associados a um sistema de praticagem de
com os práticos para melhorar as práticas de navegação, alguns
primeira classe, profissional e abrangente, esse aspecto de serviço
armadores e alguns governos vão continuar a forçar os limites da
público da praticagem deve ser mantido em primeiro lugar na
definição de “tripulação mínima de segurança”. Infelizmente, a
mente dos formuladores de política. A praticagem jamais deve ser
contínua diminuição no tamanho da frota vai ser acompanhada por
vista simplesmente como mais um custo comercial da navegação.
redução ainda maior na competência dos marinheiros. Não se trata de reflexão sobre os marinheiros de hoje, mas sobre alguns, no
Em todo o mundo marítimo, a experiência mostrou que os benefí-
setor de navegação, que insistem em manter tripulações mal
cios máximos da praticagem obrigatória só são possíveis quando
remuneradas e mal treinadas. Isso também vai aumentar a pressão
ela é fornecida através de um regime regulatório governamental
sobre os práticos, o que me leva diretamente ao próximo ponto.
abrangente. Como presidente da IMPA, organização que reúne associações de práticos de dezenas de países, tenho pleno conhe-
Alguns interesses da área de navegação e alguns governos acredi-
cimento do fato de que os sistemas de praticagem compreensivel-
tam que qualquer problema de navegação pode ser resolvido pela
mente variam conforme as necessidades locais e demandas espe-
tecnologia. Essa tendência vai ajudar a solidificar a relutância de
cíficas de portos e hidrovias. Existem, porém, alguns atributos
segmentos do setor em valorizar pessoas – especialmente seus
básicos que os regimes regulatórios de praticagem devem apre-
próprios práticos. A desvalorização da função dos marinheiros já
sentar, entre os quais se encontram: (1) exigência de praticagem
está levando muitos no setor e alguns governos a pressionar por
obrigatória; (2) exigência de disponibilidade de 24 horas/7 dias na
mais controle das embarcações em terra. Essa obsessão, equivo-
semana/365 dias por ano; (3) práticos livres para exercer seu juízo 15
profissional, que deve ser totalmente independente dos interesses
recebimento de pedidos e distribuição dos práticos, escalas
econômicos da embarcação; (4) escala única de rodízio de práticos
de rodízio e todos os demais tipos de equipamentos e serviços de
num determinado porto ou área portuária; e (5) controle do número
apoio necessários a uma operação de praticagem moderna,
de habilitações de prático emitidas. Vou falar brevemente sobre
eficiente e segura. Isso, evidentemente, requer significativo
cada um dos atributos necessários a um sistema de praticagem
investimento de recursos.
profissional e moderno. Um regime regulatório de praticagem eficaz também deve garantir Os regimes regulatórios de praticagem devem assegurar que cer-
que os práticos estejam protegidos das pressões econômicas que
tas embarcações numa área portuária sejam obrigadas a se sub-
as empresas de navegação sofrem ao movimentar mercadorias e
meter à orientação e ao controle de um prático devidamente certi-
pessoas. Como mencionei, grande parte da operação de pratica-
ficado que tenha treinado com os demais práticos daquele porto e
gem consiste em julgamento. Num sistema de praticagem real-
que com eles trabalhe em cooperação. A área portuária em sua
mente abrangente, os práticos são livres para exercer seu juízo
totalidade e as comunidades adjacentes ficam mais seguras
profissional e independente, que vai ao encontro do interesse
quando toda a navegação de grande porte está sob esse controle
público. Muitas vezes um prático precisa decidir entre diferentes
de praticagem. Num regime regulatório abrangente, os práticos
procedimentos. Por exemplo, se o navio deve prosseguir sob
trabalham juntos para garantir o cumprimento das restrições de
neblina densa ou outra condição inesperada; se o navio deve
navegação locais e se consideram, corretamente, parte de uma
aguardar condições de maré ou corrente específicas; se uma rota
rede de segurança maior. A exigência de praticagem obrigatória é,
ou manobra deve ser usada em vez de outra que pode levar mais
de longe, o mecanismo mais eficiente disponível para um governo
tempo; ou se um navio deve deslocar-se numa velocidade maior do
proteger suas águas, garantir a segurança da população e do meio
que a normal, a fim de manter sua programação. Ao tomar essas
ambiente, e facilitar o comércio marítimo. É eficiente porque coloca
decisões, é absolutamente essencial que o prático seja
no passadiço do navio um indivíduo cujo propósito de ali estar é
independente do navio e que esteja protegido contra pressões, de
proteger o interesse público. A decisão de embarcar um prático
operadores de navios ou terminais, contrárias às necessidades
deve ser mandatória e não pode ser deixada a critério das empre-
de segurança.
sas de navegação. Os donos e operadores de embarcações estão naturalmente focados nos aspectos econômicos e comerciais do
Talvez o meio mais eficaz para assegurar que o prático não seja
transporte marítimo. Para alguns interesses de navegação de
indevidamente afetado pelas pressões econômicas associadas
menor responsabilidade, a praticagem pode não ser considerada
com a navegação comercial seja garantir que os práticos operem
norma de proteção ambiental e de segurança de navegação, mas
sob regime regulatório no qual não se vejam obrigados a competir
custo que se pode reduzir ou mesmo eliminar. Esse pensamento
entre si. Um prático que precisa disputar trabalho com outro
pode beneficiar o resultado financeiro de curto prazo de uma
prático sabe que, para garantir seu meio de vida, deve agir NÃO no
empresa, mas é arriscada política pública, que pode ter consequên-
interesse do governo e da população, mas da pessoa que controla
cias catastróficas para um porto e sua comunidade adjacente.
a escolha do prático. Quando a função de um prático está comprometida dessa maneira, a segurança da navegação, que é o objetivo
Além de tornar obrigatórios os serviços de praticagem, um regime
vinculado à exigência de praticagem obrigatória, é frustrada.
regulatório de praticagem eficaz também deve procurar assegurar que práticos treinados, competentes e fisicamente capazes este-
A verdade é que, trabalhando num sistema competitivo, os práticos
jam disponíveis 24 horas por dia, 365 dias por ano e que todos os
vão tomar atitudes que não tomariam, por razões de segurança,
navios sejam tratados com igualdade e sem discriminação. A fim
num ambiente não competitivo tradicional. Num sistema em que
de alcançar isso, um sistema de praticagem deve exigir que os
precisam competir entre si por trabalho, os práticos normalmente
práticos estejam disponíveis para atender a todos os navios que
vão preferir e buscar os clientes que oferecem o trabalho mais
são obrigados a embarcar um prático, e que mantenham programas
regular, de maior volume, mais lucrativo ou mais fácil. Em resumo,
de treinamento, lanchas de prático, estação de controle para o
num sistema competitivo, alguns práticos podem querer atender só
16
à ‘nata’. Um navio que chega a uma boia ou que está pronto para
poníveis a qualquer tempo e para qualquer navio, em termos de
deixar um ancoradouro pode descobrir que o prático que estava
igualdade. Com a escala única de rodízio, cada navio leva o próxi-
sendo aguardado preferiu assumir um trabalho mais vantajoso ou
mo prático da escala, quando o navio precisa de um desses profis-
atender outro navio sob contrato exclusivo. Essas situações
sionais e não quando é conveniente para o prático. Além disso, ao
encorajam abatimentos informais, propinas e outras ações ilegais
distribuir o trabalho entre os práticos, o rodízio oferece maior
quando tanto práticos quanto navios buscam tratamento preferen-
garantia de que o prático estará descansado o suficiente e física e
cial. Essa situação seria ruim para a navegação, ruim para os
mentalmente preparado para a tarefa. Além de os serviços de
práticos, mas, sobretudo, ruim para a segurança da navegação.
praticagem se beneficiarem da escala única de rodízio, também as atividades administrativas e de apoio, bem como de treinamento,
Para evitá-la, na maioria dos países marítimos, no mundo inteiro, o
podem ser realizadas regular e ordenadamente. Por fim, a escala
governo julgou que um sistema abrangente de regulação econômica
de rodízio assegura que os práticos mantenham em dia sua
e uma supervisão atenta das atividades profissionais dos práticos é
experiência com todos os diferentes tipos de navios e tarefas de
preferível a deixar o objetivo da segurança de navegação da pratica-
praticagem. Não há como cumprir exigência de disponibilidade
gem à mercê das forças do mercado aberto. Posso afirmar que,
de 24 horas diárias 365 dias por ano e rodízio regular num contexto
apesar da política nacional de longa data e da arraigada cultura nos
em que os navios podem selecionar e escolher seus práticos.
Estados Unidos favorecendo os mercados livres, as autoridades governamentais em meu país reconheceram que algumas atividades,
Outra característica que os sistemas de regulação do serviço
particularmente aquelas que envolvem segurança pública, não
de praticagem devem ter é um método para limitar o número de ha-
devem ser ditadas por quem pode oferecer o serviço mais barato,
bilitações de prático emitidas. Como indiquei, ao contrário de
mas que são mais bem fornecidas por operações altamente regula-
esquemas de habilitação simples de outras profissões, as normas
das, sujeitas a estrita supervisão governamental. Um bom exemplo
de praticagem constituem um sistema de segurança de navegação
desse entendimento pode ser encontrado nos estatutos de pratica-
abrangente, através do qual um governo exige que as embarcações
gem do estado da Flórida, que incluem a seguinte declaração: “A
embarquem um prático habilitado e assegura que toda embarcação
praticagem é serviço essencial, de importância tão superior, que sua
que leva um prático receba um profissional descansado, treinado e
existência contínua deve ser assegurada pelo Estado, e não ser
competente, fornecido sem discriminação nem atrasos.
deixada aberta às forças de mercado.” Limitando o número de habilitações emitidas, a autoridade goverImportante benefício de uma operação de praticagem altamente
namental pode garantir que os práticos recebam a quantidade
regulada, na qual os práticos não precisam competir entre si por
“certa” de trabalho. A quantidade certa de trabalho consiste em
trabalho, é eles se poderem organizar numa escala única de
trabalho suficiente para que os práticos possam ganhar o bastante
rodízio. Tal escala ajuda a garantir que os práticos estejam dis-
para pagar os substanciais custos de infraestrutura de uma opera-
17
ção de praticagem eficiente e moderna, e para que cada prático permaneça atualizado em sua experiência com um amplo leque de tipos de embarcações e localizações geográficas. A quantidade “certa” de trabalho também não deve ser tal que o prático se veja sobrecarregado e, por conseguinte, fatigado. Determinar a quantidade “certa” de trabalho para um prático é um importante componente da função de supervisão regulatória do governo. Embora a praticagem seja um serviço pessoal, prestado por um indivíduo, as operações de praticagem configuram atividade de capital relativamente intensivo. Dentro de uma área portuária, os práticos precisam ter recursos suficientes para manter programas de treinamento sólidos, lanchas de prático seguras e modernas,
Também desejo enfatizar a importância de se ter apenas uma
com tripulações bem treinadas, redes de comunicação, distribuição
associação para cada zona de praticagem. Em razão do grande
de práticos, escalas de rodízio, serviços de apoio e hoje, cada vez
investimento de capital exigido para as operações de praticagem
mais, sofisticados equipamentos eletrônicos de navegação. Manter
modernas e com serviço completo, quando dois ou mais grupos
a infraestrutura necessária para operar um serviço de praticagem
operam em uma zona de praticagem ocorre inevitavelmente a
de primeira classe seria difícil para um prático individualmente. É,
duplicação de muitos custos, tais como lanchas e estações de
portanto, importante que os práticos de um determinado porto ou
praticagem. Sendo o objetivo da determinação da tarifa de pratica-
zona de praticagem se organizem em associação local.
gem assegurar que os preços da praticagem não sejam mais altos do que o necessário, essa duplicação de custos é contrária aos
Essas associações locais desempenham papel vital para garantir
interesses públicos e da navegação. Nenhuma das partes com
praticagem eficiente e segura a determinado porto. Coletivamente,
interesse numa praticagem eficiente – nem o governo, nem a
são fundamentais para a eficiência de um sistema nacional de
navegação, nem os práticos – deve querer mais de um grupo de
praticagem obrigatória. As associações facilitam as atividades
práticos numa área portuária.
conjuntas essenciais, tais como administrar a distribuição dos práticos e a escala de rodízio; identificar o bom uso da tecnologia
Até agora, falei sobre algumas das consequências negativas que,
de navegação; garantir a segurança e a eficiência das operações
conforme mostra a experiência, ocorrem quando a praticagem é
das lanchas de prático; auxiliar na coordenação do tráfego por-
tratada meramente como outro empreendimento comercial. Quero
tuário; e executar a miríade de funções contábeis e administrativas
rapidamente discutir um aspecto diferente desse problema.
e os serviços de apoio necessários a uma operação de praticagem
Deixando de lado por um momento os danos que as forças de
eficiente e moderna. Além de aumentar a confiabilidade e a eficiên-
mercado causarão à independência, efetividade e eficiência da
cia da praticagem e aumentar as críticas eficiências comerciais
praticagem, algumas pessoas equivocadamente acreditam que
e de apoio, as associações desempenham papel importante na
permitir a concorrência entre os práticos pode de alguma forma
melhoria do treinamento dos práticos. Também podem trabalhar
diminuir a necessidade de regulação governamental da praticagem.
de perto com as autoridades para ajudar a executar atividades de
A história e a experiência nos dizem que o contrário é verdadeiro.
praticagem de acordo com as normas governamentais. Sem as associações locais, cada prático teria de fornecer sua própria
A experiência com exemplos de concorrência na praticagem
estrutura de apoio à praticagem e seu próprio programa de trei-
mostrou que os ônus impostos às autoridades regulatórias são
namento. Nenhuma economia de escala seria obtida, haveria
muito maiores, particularmente nas áreas de habilitação, treina-
pouco investimento em novas tecnologias e poucas melhorias em
mento e preços de praticagem. No contexto altamente regulado de
treinamento e operações, e as operações de praticagem seriam
associação de práticos única, não há incentivo para os práticos
pouco eficientes, mais caras e muito menos efetivas.
tomarem atalhos no processo de habilitação ou treinamento, a fim
18
de adicionar rapidamente outros práticos, oferecer abatimentos ou adotar outros tipos de práticas ilegais de preços. Quando a praticagem é deixada à mercê das forças do mercado aberto e os práticos buscam vantagem competitiva sobre outros práticos, faz-se necessário grau de supervisão governamental mais elevado, a fim de monitorar as atividades dos práticos e assim evitar esses tipos de abuso. O treinamento também apresenta difícil problema regulatório num ambiente competitivo. Apesar dos recentes avanços na instrução com simulação e em sala de aula, o principal ingrediente no treinamento de um prático ainda é um programa do tipo aprendizado – treinamento prático no passadiço de um navio sob a orientação de um prático sênior. Quando grupos concorrentes operam numa zona, muitas vezes um praticante de prático não consegue fazer as viagens necessárias em todos os tipos de embarcação e em toda a área de sua zona de praticagem para se tornar plenamente qualificado e proficiente. Ainda que fosse possível exigir que os práticos treinassem seus futuros concorrentes, um relacionamento baseado em cooperação e confiança necessário ao treinamento não pode ser imposto. As autoridades da praticagem nos poucos locais onde existe concorrência constataram ter de supervisionar os detalhes do treinamento em nível que se torna desnecessário em ambiente de associação única e não competitivo. Em outras palavras, deixar a praticagem à mercê das forças do mercado aberto leva à necessidade de mais, não menos, regulação. Como conclusão, gostaria de destacar um último ponto. Embora se considere que os práticos alcançaram o auge da profissão marítima e ocupam um dos cargos mais importantes no setor, grande parte do público não está ciente da imensa contribuição desses profissionais à proteção do meio ambiente marítimo, mantendo sem sobressaltos o tráfego de embarcações em nossos movimentados portos e garantindo o transporte seguro de milhões de pessoas e bilhões de dólares em comércio marítimo. É através de encontros como o de hoje que esse trabalho vital, mas difícil e perigoso, obtém reconhecimento. Agradeço a todos por isso e por me oferecerem esta oportunidade de trazer meu depoimento até vocês. Estou à disposição para responder a suas perguntas.
19
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Gurpreet Singhota Capitão de longo curso, mestre em ciências pela Cranfield University, Inglaterra. Diretor adjunto da Divisão de Segurança Marítima e secretário do Subcomitê de Segurança da Navegação – NAV da Organização Marítima Internacional – IMO, com responsabilidade sobre este e o Subcomitê de Radiocomunicações, Busca e Salvamento (Comsar), também da IMO.
Uma visão geral das orientações da IMO incluindo a Resolução A.960 e as regras Solas relativas à praticagem Bom dia a todos. Bom dia, ilustres participantes. Antes de tudo,
de praticagem nas áreas em que esse serviço contribuiria para a
gostaria de agradecer ao presidente do Conselho Nacional de
segurança da navegação de modo mais eficaz do que outras
Práticos, Sr. Ricardo, e ao almirante Viveiros.
possíveis medidas e, onde aplicável, definir os navios e as classes de navios para os quais o emprego de um prático seria obrigatório.
É um privilégio e uma honra para a IMO estar aqui hoje, e em nome
Essa foi a primeira resolução da Assembleia sobre praticagem
do secretário-geral da IMO gostaria de agradecer ao CONAPRA
emitida pela IMO.
o convite. Em seguida vamos para novembro de 1973, quando tivemos a Vou falar sobre a orientação que a IMO desenvolveu ao longo dos
Resolução A.263(8) da Assembleia da IMO; o número 8 entre
anos sobre praticagem. Basicamente, vamos voltar a 1967, quando
parênteses indica que foi a oitava sessão da Assembleia da IMO
pela primeira vez tivemos uma resolução da Assembleia da IMO,
que adotou uma emenda à Resolução A.517 sobre escadas de
referente à recomendação sobre as escadas de prático e sobre a
prático e pilot hoists, e convidou os governos em questão a
qualidade e os equipamentos das escadas de prático para pesca-
aceitá-la o quanto antes. Em paralelo, tivemos a Resolução A.275,
dores. A verdadeira recomendação sobre praticagem, porém, veio
que trouxe a recomendação sobre padrões de desempenho para
da Resolução A.159, de 27 de novembro de 1968. Há muito tempo,
pilot hoists.
portanto; há 45 anos, e essa resolução recomenda que os governos devem – a palavra principal aqui é “devem” – organizar os serviços
Avançando, tivemos a Resolução A.332 da nona sessão da Assembleia da IMO referente à recomendação sobre os procedimentos de embarque e desembarque de práticos em navios muito grandes. Foi quando o assunto começou realmente a ficar sério. O tamanho dos navios vinha aumentando, e a resolução recomendou que todas as embarcações nas quais a distância do nível do mar ao ponto de acesso do navio, a qualquer tempo, ultrapassasse nove metros deveriam também ter uma escada de portaló de cada lado, para facilitar o embarque do prático. Em seguida, há toda uma série de resoluções adotadas pela IMO. A primeira foi a Resolução A.426, que revogou a A.332, em novembro de 1979. E depois, na 12a sessão da Assembleia da IMO, em novembro de 1981, adotamos uma resolução muito importante: as 21
“Recomendações sobre treinamento, emissão de certificados e
palestrante Paul Kirchner, da APA, também vai explicar a resolução
procedimentos operacionais para práticos que não os práticos
com um pouco mais de detalhes, pois era o presidente do grupo de
de alto-mar”.
redação, e acho que ele merece reconhecimento. Muito reconhecimento, por gerenciar tarefa tão difícil.
Oito anos depois, tivemos a Resolução A.667(16), sobre os procedimentos para transbordo do prático, e então, em 1999, uma nova
Essa resolução adotou duas recomendações, constantes no
resolução da Assembleia revogou todas as aqui mencionadas.
Anexo 1 e no Anexo 2. O Anexo 1 traz as “Recomendações sobre o treinamento e emissão de certificados de práticos, que não os
Finalmente, tivemos a Resolução A.1045(27), sobre os procedimen-
práticos de alto-mar”, e o Anexo 2, as “Recomendações sobre
tos para transbordo do prático, que revogou até mesmo a anterior,
os procedimentos operacionais para práticos, que não os práticos
A.889(21). Foi nessa época que também adotamos, como mostrarei
de alto-mar”. Portanto, ela especifica as recomendações da IMO
adiante, as emendas ao Capítulo 5 da Solas.
para os governos-membros sobre como estabelecer autoridade da praticagem e como treinar práticos.
A mais relevante resolução da Assembleia é a A.960(23), que revogou, como mencionei, a A.485(12) e trata das “recomendações
Na seção sobre escopo, o Anexo 1, recomenda encorajar o governo
sobre treinamento, emissão de certificados e procedimentos
a estabelecer ou manter autoridades competentes da praticagem
operacionais para práticos que não práticos de alto-mar; em seu
para administrar sistemas de praticagem seguros e eficientes.
parágrafo preambular informa que tem dois anexos, urge os
Todas as resoluções das Assembleias da IMO empregam a palavra
governos a pôr em vigor essas recomendações tão logo possível e
“deve”; são, portanto, recomendações, a palavra “será” não é
solicita ao Comitê de Segurança Marítima, que é o órgão técnico
empregada. “Será” é o termo usado no texto da Convenção;
máximo da IMO, que mantenha as recomendações sob exame e as
então é obrigatório. A Convenção trata da autoridade competente
emende conforme necessário, à luz da experiência adquirida com
da praticagem. Diz que todo governo deve estabelecer uma
sua implementação.
autoridade competente da praticagem, e o que isso significa? Significa que o governo nacional ou regional, ou grupos e
Então, basicamente, foi um período de 22 anos, desde a Resolução
organizações locais, por lei ou tradição, administram ou fornecem
A.485 até a A.960(23), e esta última foi muito bem debatida e
um sistema de praticagem. Cabe aos governos informar as
planejada. Tivemos algumas discussões sobre isso no subcomitê
autoridades competentes da praticagem sobre as disposições
NAV, que promove o melhor consenso possível na IMO. Meu colega
desse documento e incentivar sua implantação. A avaliação da experiência, das qualificações e da adequabilidade de um candidato à certificação ou ao licenciamento é responsabilidade de cada autoridade competente da praticagem. A resolução descreve o que as autoridades competentes da praticagem devem fazer. Elas devem estabelecer os requisitos de admissão e elaborar as normas para obtenção do certificado ou da licença, exigir a manutenção das normas elaboradas, especificar os necessários pré-requisitos, experiência ou provas para assegurar que os candidatos à certificação ou ao licenciamento como práticos sejam adequadamente treinados e qualificados, e também providenciar para que os relatórios sobre as investigações de incidentes estejam disponíveis e sejam levados em consideração no treinamento dos práticos marítimos.
22
Em seguida, trata do certificado ou da licença de praticagem. Significa que todo prático deve ter um certificado ou uma licença de praticagem adequada, emitida pela autoridade competente da praticagem e que estabeleça para quais áreas a licença é válida. Aptidão médica: todo prático deve provar à autoridade competente da praticagem que tem aptidão médica e que esta atende aos requisitos da Convenção do STCW. Um prático que tenha sofrido ferimento ou doença deve ser reexaminado a fim de garantir que cumpre as normas de aptidão para retornar a suas funções. O Anexo 2 trata das recomendações sobre os procedimentos Somente a autoridade competente da praticagem tem todas as
operacionais para práticos, que não os práticos de alto-mar.
responsabilidades para assegurar que as normas de treinamento e
Estabelece em geral quais são as diretrizes e afirma que a coorde-
de certificação ou licenciamento sejam cumpridas. O prático deve
nação efetiva entre prático, comandante e pessoal do passadiço é
ser treinado em gerenciamento de recursos de passadiço, e as
muito necessária para operações seguras de praticagem. Detalha
autoridades competentes da praticagem devem ser encorajadas a
as atribuições do comandante, dos oficiais do passadiço e do
oferecer treinamento de atualização e aperfeiçoamento. Isso
prático, e, evidentemente, a regra básica é sempre composta por
significa que, após obter sua licença, o prático deve continuar o
ordens do comandante e conselho do prático, o que não absolve o
treinamento ou fazer cursos de aperfeiçoamento. E a proficiência
comandante de nenhuma de suas responsabilidades quanto a
contínua é essencial.
acidentes pessoais. Aborda o ponto de embarque de praticagem e cabe à autoridade competente da praticagem estabelecer e
No Anexo 1 há um sumário sobre a certificação ou licenciamento
divulgar a localização dos pontos seguros de embarque
para praticagem. Eu não a incluí aqui, mas o presidente do
e desembarque do prático. Sei que estão marcados nas cartas,
CONAPRA informou-me que cópias da Resolução A.960(23) estão
mas é responsabilidade das autoridades competentes da
disponíveis em português e em inglês do lado de fora do salão de
praticagem informar aos oficiais em questão que os pontos estão
conferências, então eu incentivo os distintos delegados a pegar um
na carta, mas a informação também está disponível para
exemplar, para ter uma melhor ideia dos requisitos.
os armadores e para os usuários do porto.
23
Depois há os procedimentos para solicitar um prático. A autoridade
um tempo em que os países tinham companhias de navegação
competente da praticagem deve estabelecer, divulgar e manter os
estatais. Isso não era um grande problema, mas hoje é. A
procedimentos para solicitar um prático para um navio entrando ou
resolução da Assembleia da IMO enfatiza que os práticos devem
saindo, ou para movimentar um navio dentro de uma área portuária,
conhecer o vocabulário-padrão de Comunicação Marítima da IMO;
e evidentemente as horas previstas de chegada e de partida devem
é uma resolução da Assembleia e também está disponível como
ser fornecidas às autoridades da praticagem tão logo possível.
livro, publicado pela IMO. Além disso, estabelece que as comunicações a bordo entre o prático e o pessoal do passadiço devem ser
Esse é um ponto vital, a troca de informações entre comandante e
feitas no idioma inglês ou em outro idioma que seja comum a todos
prático. Foi discutido muitas vezes nos fóruns, subcomitês e no
os envolvidos na operação.
STW, e mesmo no subcomitê NAV, e é muito, muito importante que o comandante e o prático troquem informações para garantir a
Em caso de acidente, o prático deve relatar qualquer incidente ou
praticagem segura. O anexo diz que, no início da praticagem, o
acidente que tenha ocorrido durante o processo de praticagem. E
comandante e o prático devem trocar informações em relação
depois há a recusa de prestar serviços de praticagem. O prático
a procedimentos de navegação, condições e regras locais,
deve ter o direito de recusar a praticagem quando o navio é
e as características do navio. Sei que é um requisito que as
considerado um perigo para o meio ambiente ou para a segurança
características de manobras do navio sejam exibidas no passadiço,
da navegação. Evidentemente, deve haver uma base sólida ou
curvas de evolução e tudo o mais, mas pode ter havido um defeito
uma boa razão para a recusa. Depois, há a obrigação do prático de
durante a viagem. Quando um equipamento não está funcionando,
estar apto para o serviço.
é dever do comandante informar isso ao prático. Essas foram as resoluções da Assembleia, mas também há Outra questão muito importante é o idioma de comunicação, pois
as regras da Convenção Solas que concernem à praticagem. A
atualmente temos tripulações de múltiplas nacionalidades. Houve
primeira é a Solas V/23 sobre os procedimentos de transbordo do
24
prático, que foi adotada no MSC 88 em 3 de dezembro de 2010 e entrou em vigor no ano passado, em
1o
como e quando necessário para atender a um novo regime
de julho. A norma Solas
regulatório. Nessa tarefa, a IMO foi assistida a cada estágio do
II-1/3-9 trata das escadas de portaló para uso no embarque e
processo de maneira muito construtiva pela IMPA. E devo deixar
desembarque dos navios. Foi adotada em maio de 2008 e entrou
registrado o excelente relacionamento que a IMO estabeleceu ao
em vigor em
1o
de janeiro de 2010.
longo dos anos com a IMPA. Na verdade, todas as organizações observadoras trabalharam muito próximo à IMPA no que concerne
Há uma nota de rodapé nessa norma e na Resolução A.1047 sobre
à praticagem.
os procedimentos de transbordo do prático. Existem também circulares relevantes do MSC que oferecem diretrizes para a
Quero concluir dizendo que a implementação da diretriz da
administração e para as autoridades de praticagem em relação aos
IMO é, evidentemente, prerrogativa dos governos, mas também
procedimentos de transbordo do práticos. Em termos de hierarquia,
é muito importante que os governos-membros adotem as
as resoluções da Assembleia ocupam a posição mais alta,
recomendações constantes da Resolução A.960(23).
seguidas pela circulares do MSC, pela segurança de navegação e depois outras circulares.
Muito obrigado.
Além disso, há três circulares do MSC que são de relevância: MSC.1/Circ.1402, sobre a segurança dos procedimentos de transbordo do prático; depois a MSC.1/Circ.1428, sobre os procedimentos de embarque necessários para práticos. Uma cópia dessa circular também está disponível do lado de fora do salão de conferências. Depois há a MSC.1/Circ.1331, sobre as diretrizes para construção, instalação, manutenção e inspeção dos meios de embarque e desembarque. Isso está relacionado com a regra Solas V/23, que é uma referência cruzada com a resolução da Assembleia A.1047. A MSC.1/Circ.1402 é muito importante, pois trata da segurança dos procedimentos de transbordo do prático. Essa circular encoraja os governos a incluir, formalmente, a inspeção realizada pelo Estado do Porto (PSCO e FSCO) nesses arranjos. Reconhecemos que a segurança do prático é fundamental e deve ser parte do processo de inspeção do Estado. Conclusões Como vocês veem, de 1967 em diante, a IMO elaborou orientações suficientes e detalhadas para os problemas de praticagem. Mantivemos o processo sob análise e, quando tomamos conhecimento de preocupações de governos-membros de que existia a necessidade de revisar determinada diretriz, nós o fizemos; mas o processo não foi acidental. Por exemplo, a Resolução A.960 foi revisada após quase 22 anos. Portanto, isso não mudou da noite para o dia. A diretriz foi emendada/atualizada 25
Joseph Angelo Diretor-geral adjunto da Associação Internacional de Armadores Independentes de Navios Petroleiros – Intertanko, tendo sido diretor-geral (2011-2012). Diretor de Assuntos Regulatórios e das Américas (2005-2010). Primeiro diretor (1995) de Padrões de Segurança da Navegação, Salvaguarda da Vida Humana e Prevenção da Poluição Hídrica da Guarda Costeira Americana. Chefiou (1980-2004) inúmeras delegações dos EUA nas comissões de Segurança da Navegação e Prevenção da Poluição – NAV, MSC e MEPC da IMO.
Avaliação e expectativas da Intertanko em relação ao serviço de praticagem Muito obrigado. Em nome da International Association of
O terceiro comentário é que – mencionei isso ao Ricardo ontem à
Independent Tanker Owners (Intertanko), gostaria de agradecer
noite –, como sou o único representante dos armadores a falar,
ao Ricardo e ao CONAPRA o convite para falar neste seminário
espero que não tenham preparado uma cilada para mim, para que
tão importante.
eu sofra a ira dos armadores. Mas, mesmo que seja uma cilada, no que concerne à Intertanko, acreditamos que o que estamos fazendo
Primeiro comentário. Trabalhei durante muitos, muitos anos, para
é correto e o que vou lhes dizer é a maneira certa de lidar com
a Guarda Costeira dos Estados Unidos. Meu chefe era sempre o
essa questão.
almirante. Estou muito impressionado, almirante Viveiros. Na Guarda Costeira, um almirante de três estrelas vem, faz o discurso
Com isso, vamos passar à minha apresentação. Gostaria de
de abertura e depois vai embora, nunca permanece depois do
dividi-la em três áreas, basicamente. Primeiro, gostaria de falar
intervalo. Eu lhe agradeço por ficar e escutar. Isso me diz como é
um pouco sobre a Intertanko, para que vocês saibam quem
importante para a Marinha brasileira lidar com essa questão.
somos, quem representamos e qual é nosso foco. Segundo, gostaria de falar sobre o relacionamento que a Intertanko
Meu segundo comentário. Examinei a programação e descobri
mantém com a IMPA, a Associação Internacional de Práticos
ontem à noite que sou o único palestrante representando arma-
Marítimos. E terceiro, e o mais importante, é claro, a Intertanko
dores. Assim, a esse respeito, farei os seguintes comentários: pri-
e nosso relacionamento atual com o Brasil e com várias entidades
meiro, estou aqui representando a Intertanko. Não vim falar sobre
no Brasil.
esse assunto em nome de todos os armadores. Isso é importante. Então, primeiro, uma pequena propaganda. A Intertanko é a Associação Internacional de Armadores Independentes de Navios Petroleiros. Somos uma organização sem fins lucrativos, e aqui vocês podem ver quais são nossos objetivos. Minha intenção não é ler cada slide. Vou deixá-los ler este, mas o mais importante é que nós trabalhamos pela segurança no mar e pela proteção do ambiente marinho para nossos membros. Esse é nosso foco principal. A missão que estabelecemos para nós é oferecer liderança ao setor de petroleiros e fornecer ao mundo transporte marítimo seguro, ambientalmente correto e eficiente de petróleo e produtos químicos. 26
Brasil, na Argentina, no Chile, no Peru, no Equador, na Venezuela e na Colômbia, e não devo excluir o México, que também faz parte da América Latina. Representamos mais de 70% da frota mundial de petroleiros independentes. No ano passado, nosso conselho, que é nosso órgão normativo, decidiu que devíamos adotar um plano estratégico de cinco anos. São sete os principais itens que eles adotaram como parte de nosso plano estratégico de cinco anos, e destaco para vocês os dois primeiros itens. O primeiro é a sustentabilidade do setor de petroleiros. Se não sabem, o setor de petroleiros está com problemas financeiros bastante significativos. Existem petroleiros demais agora. Então, estamos tentando garantir a sobrevivência de nossos membros. Associados a essa missão, identificamos sete objetivos que queremos alcançar. Não vou falar sobre todos eles; apenas sobre o mais
O segundo item da lista é segurança e desempenho dos petro-
importante e que nossos membros quiseram impor a si mesmos.
leiros. Para essas duas importantes questões (não vou falar sobre
Isso não é para o secretário; isso é para os membros que operam
todas elas, só essas duas), que resultado desejamos? O que que-
os petroleiros. Eles decidiram que queriam liderar o aperfeiçoa-
remos obter em cada uma delas? Quanto à sustentabilidade,
mento contínuo do desempenho do setor de petroleiros, esforçan-
queremos assegurar que nossos membros tenham acesso às
do-se para alcançar os objetivos de fatalidade zero, poluição zero
ferramentas, aos modelos e às informações de que precisam para
e detenção zero. Houve discussões sobre se queríamos usar o
continuar a operar com segurança. E, quanto à segurança e ao
zero como objetivo, algumas pessoas poderaram que isso não é
desempenho dos petroleiros, queremos que nossos membros
viável. Mas a filosofia foi a de que é melhor ter o copo meio cheio
sejam posicionados proativamente para um alto desempenho.
do que meio vazio, e é por isso que eles escolheram esse objetivo.
Enfatizo tudo isso porque existe um tema comum que se vê aqui. Segurança. A Intertanko quer garantir, todos os nossos membros
A associação reúne proprietários independentes de petroleiros.
querem garantir, que estejamos operando nossos petroleiros de
Companhias de petróleo, operadores de proprietários de petro-
maneira segura em todo o mundo. Temos uma estrutura de comitês
leiros estatais não são proprietários independentes de petroleiros,
que nos ajuda a realizar isso. Temos um comitê técnico, um comitê
e, portanto, não se qualificam para ser membros da Intertanko;
ambiental, um comitê de navegação. Eu não queria entediar vocês
podem, contudo, ser membros associados. E, como membros asso-
com todos os detalhes, ainda que pertinentes a este seminário
ciados, temos aqueles que estão relacionados com o setor de
específico, mas temos um grupo de trabalho de praticagem.
petroleiros. Isso pode incluir sociedades classificadoras, estaleiros,
É formado por membros que oferecem voluntariamente seus
prestadores de serviços, escritórios de advocacia, clubes de P&I
serviços para aconselhar especificamente a Intertanko sobre
etc. Temos alguns lidando com isso. Então, se alguém tem
quais são as questões que devemos abordar, o que devemos fazer
interesse em fazer parte da Intertanko, como membro ou como
com relação aos problemas de praticagem. Nosso foco está em
membro associado, é claro, fale comigo, por favor.
duas principais questões: promover os relacionamentos com as associações de práticos, tanto nacionais como internacionais, e
Esta é nossa atual posição com relação aos associados. Começando
também revisar e fornecer contribuições e recomendações sobre
em 2013, temos pouco mais de 220 membros, mais de 3.200 petro-
qualquer dos mais recentes requisitos ou diretrizes emitidos
leiros com mais de 280 milhões de toneladas. Estamos presentes
pela IMO ou em qualquer parte do mundo. Essa foi uma breve
em 40 países. Tenho orgulho de dizer que temos membros no
visão geral da Intertanko. 27
Vamos tratar agora do nosso desenvolvimento com a IMPA, começan-
alguma coisa, de praticagem, além do que Mike me dissera. Vou
do com alguns fatos básicos, alguns, aliás, já identificados.
falar sobre isso num segundo. Então, fiquei ali escutando a discussão de nosso comitê executivo, e, para ser franco, a maneira
Fato 1. Penso que todos vão concordar, todos queremos a navega-
como se falava a respeito dos práticos nessa reunião era a
ção segura das embarcações em todos os portos e vias navegáveis
mesma como se fala dos piratas hoje. O relacionamento entre
das nações. Me parece que ninguém pode discordar disso.
a Intertanko e os práticos não era boa. Sempre havia brigas, confrontos e diferenças de opinião, sem que tentassem o trabalho conjunto.
Fato número 2 que temos de aceitar. Os práticos são obrigados, pela legislação nacional, a dar assistência à navegação segura das
Com base em minha experiência na IMO, como chefe da delegação
embarcações nas águas daquele país.
americana em muitas reuniões, disse que precisávamos encontrar uma maneira melhor de lidar com isso. A primeira coisa que
E o terceiro fato, já mencionado, me parece, e que não pode ser
perguntei a eles foi: Vocês têm certeza de que todo incidente
mudado: os membros da Intertanko não escolhem o prático que vai
que ocorre com um prático a bordo é culpa dele? É uma pergunta
a bordo de seus navios.
simples que fiz como engenheiro, um engenheiro lógico. E, é claro, a resposta que recebi foi: Não, não temos. Então, minha primeira
A partir desses três fatos básicos, o que os membros da Intertanko
proposta foi adotar nova abordagem. Acho que nossa filosofia para
esperam? Bem, queremos práticos com conhecimento sólido e
enfrentar esses problemas deve ser a de que toda história tem dois
treinamento adequado para assegurar que as viagens em zonas de
lados. Vamos saber qual é o outro lado da história e depois vamos
praticagem sejam livres de acidentes. E, devo acrescentar, a um
ver se podemos chegar a uma situação favorável a todos. E, para
custo justo e razoável. Observem que eu não disse ao menor custo
fazer justiça ao nosso comitê executivo, eles têm a mente aberta,
possível. A um custo justo e razoável é o que consideramos o modo
pensaram a respeito e disseram: sim, vamos proceder dessa
certo de lidar com isso.
maneira, Joe, com você à frente. Para isso, é preciso começar por algum lugar, estabelecer um diálogo construtivo. E esse diálogo
Evidentemente, quando tudo está correndo bem, não se vê nada na
construtivo tem de começar pela confiança. De onde vem essa
imprensa. Quando ocorre um acidente, porém, as questões surgem.
confiança? Eu tive sorte. Como já mencionei, chefiei a delegação
Quais são essas questões de que falamos na Intertanko? Qual foi
americana na IMO. Eu era chefe da delegação americana que
a causa? De quem é a responsabilidade? Quem é o responsável
negociou a Resolução IMO A.960, sobre a qual todos nós tanto
legal? Nossos proprietários estão muito preocupados com isso.
ouvimos falar. E quem estava na minha delegação que me
Houve treinamento apropriado tanto da tripulação quanto do
aconselhou sobre a A.960? Mike Watson, presidente da IMPA, e
prático, e houve profissionalismo na maneira de tratar o problema?
Paul Kirchner, diretor-executivo da APA. Ele era muito importante.
São questões centrais que abordamos na Intertanko.
Era o presidente do grupo de trabalho. Confiei nele na época, como chefe da delegação. Eu disse: “Mike, Paul, façam o que for melhor
Ingressei na Intertanko há cerca de oito anos e meio. Quando compareci a minha primeira reunião do comitê executivo, em fevereiro de 2005, um dos assuntos na pauta era praticagem. Um breve histórico de meu percurso. Frequentei a mesma escola marítima que Mike Watson. Ele se formou muitos anos antes de mim; é por isso que posso dizer que sou mais novo do que todos os que falaram até agora. Mas ele era o mais inteligente. Ele se formou como oficial de praticagem, depois foi a capitão e depois a prático. Eu era engenheiro. Ficava na casa de máquinas do navio. Não sabia para onde o navio se dirigia, só garantia que estivesse funcionando. Então eu conhecia muito pouco, se é que conhecia 28
para os Estados Unidos em relação à praticagem. Vou confiar em
Na minha opinião, porém, houve o que chamei de momento defini-
vocês.” Na época, eu era do governo. Eles confiavam de verdade
dor. Do lado da Intertanko, nessa reunião, estavam nosso diretor de
em mim? Não sei. Quem confia no governo? Mas acho que
náutica – capitão de longo curso, com muitos anos de navegação
confiaram, e chegamos à elaboração da A.960. A partir de então,
num navio –, o presidente de nosso grupo de trabalho de pratica-
essa foi a base para a confiança. E, na verdade, foi Mike que
gem – outro capitão de longo curso, com muitos anos de navega-
chegou para mim e disse: “Temos um relacionamento ruim com a
ção num navio – e eu, o engenheiro, tentando ser o facilitador. Para
Intertanko, você e eu temos um relacionamento antigo. Talvez
mim, o momento definidor foi quando Paul e Mike estavam
possamos trabalhar juntos para tentar melhorar o relacionamento
explicando para nós o papel do prático nos EUA, e Paul explicou
entre Intertanko, IMPA e API.” Respondi: “Mike, essa é minha
que, por causa das obrigações exigidas de um prático em águas
função, vamos trabalhar juntos.” E foi assim que iniciamos esse
americanas, o prático obrigatório não é um integrante da equipe
esforço de cooperação em 2007. Começamos com algumas
do passadiço. A essa altura, o presidente do grupo de trabalho de
conversas informais, mas foi preciso uma demonstração de boa-fé
praticagem e nosso diretor de náutica disseram que agora
para dar a partida. E, na minha opinião, senti que cabia à Intertanko
entendiam por que a IMPA adota a abordagem que adota, e como
dar o primeiro passo nessa demonstração.
lidamos com essas questões.
A Resolução A.960 foi adotada na IMO, aprovada por todos os
Esse foi o momento definidor entre Intertanko, IMPA e APA, para
estados-membros, mas as associações de navegação importantes,
seguir em frente numa direção muito mais positiva. E foi muito útil
incluindo a Intertanko, não concordavam com ela necessariamente,
do nosso ponto de vista.
porque a resolução não era abrangente o bastante. As associações do setor puseram propostas na mesa durante as negociações para
Desde então, evidentemente, a IMPA, a Intertanko e a APA assina-
ampliá-la mais. Essas ampliações não foram aprovadas pela IMO.
ram um acordo de cooperação histórico, para aumentar a segu-
A A.960 ficou como está, mas a Intertanko e outras associações
rança dos petroleiros. Seu propósito é ampliar e manter a parceria,
de navegação produziram um documento contendo o que
a cooperação e o diálogo construtivo e aberto para promover a
nossa orientação achou que deveria ser, que ultrapassava
segurança marítima e de navegação nas zonas de praticagem. Isso
esses requisitos.
gera uma lista de objetivos que temos e que estamos tentando alcançar por meio desse acordo. Até onde eu sei, somos a única
Então, como demonstração de boa-fé da Intertanko, em julho de
associação de navegação que tem um acordo dessa natureza com
2007 escrevemos uma carta à IMPA dizendo que deveríamos dar
a IMPA e a APA.
total apoio à Resolução A.960, e fomos à Câmara Internacional de Navegação e dissemos a eles que retirassem nosso nome do Guia
Quando o acordo foi assinado o capitão Mike Watson, presidente
de Procedimentos no Passadiço da ICS. Esse foi nosso primeiro
da IMPA, disse no final de suas declarações: “Este acordo pode
passo para seguir em frente, e acho que isso foi o degrau que nos
servir de exemplo para todo o setor de navegação.” Nosso presi-
ajudou a avançar de forma positiva para obter confiança.
dente, Graham Westgarth, ficou muito satisfeito com a declaração
Concordamos em formar um grupo de discussão dali em diante e
de Mike, porque gosta de ser proativo e preparar o terreno para o
fizemos reuniões. Alguns tópicos que debatemos em nosso grupo
setor. É por isso que foi muito positivo.
de discussão foram: gestão de recursos para o passadiço, interação prático e comandante/tripulação do passadiço, Resolução A.960,
E, de nossa perspectiva, nosso presidente, Graham Westgarth,
providências para transbordo seguro de práticos e e-navigation.
expressou sua opinião, que foi a de que “esse acordo vai
Quando conversamos sobre essas coisas, nem sempre concorda-
demonstrar o quanto a Intertanko aprecia a função dos práticos e
mos com tudo. A questão é que tivemos um diálogo aberto. E, por
o papel que eles desempenham”. Portanto, nada de críticas nega-
ter um diálogo aberto, conhecíamos as ideias deles, e eles, as
tivas, mas uma forma positiva de construir e lidar com a situação.
nossas, sobre o que estava acontecendo. Esse foi o ponto importante do que estava acontecendo entre Intertanko, IMPA e APA.
Atualmente, temos discussões contínuas nas reuniões de grupo, 29
desde 2008, sobre as questões de interesse comum. Conversamos
Alguns exemplos do que fizemos juntos desde a assinatura do
sobre uma variedade de assuntos, incluindo a criminalização de
acordo de cooperação incluem a revisão do Anexo 6 sobre emis-
acidentes marítimos, falhas de motor e de condução, segurança
sões atmosféricas, o programa de trabalho da IMO e coisas assim.
do prático etc. Vamos passar agora à Intertanko e ao Brasil. Fizemos nossa última reunião em março. Novamente, concordamos em todos os tópicos? Não, mas temos um diálogo aberto, e eles
Número 1. A Transpetro, da Petrobras, é um membro associado da
compreendem de onde estamos vindo.
Intertanko aqui no Brasil. Apreciamos sua participação. Há um cavalheiro, Elizio Neto, que comparece a nossas reuniões, bem
Uma das coisas que fizemos através desse acordo foi deixar muito
como alguns outros, mas Elizio começou isso, e estamos muito
claro para nossos membros e, naturalmente, para os membros da
orgulhosos de tê-lo presente. Vou falar sobre ele e alguns outros
IMPA, que, se eles tiverem qualquer problema com qualquer
em um segundo.
questão de praticagem, em qualquer lugar do mundo, quero que me informem. Quando recebo esse feedback, ligo para Mike e conto a
Número 2. Desde que assumi como secretário do painel latino-
ele o que um de nossos membros relatou. Então Mike examina
americano da Intertanko, assegurei que viéssemos ao Rio o
a situação e conversamos sobre o que podemos fazer para
máximo possível. Estivemos aqui duas vezes. Primeiro, em 2006
resolvê-la. Esse diálogo aberto ajuda bastante a lidar com essa
e depois no ano passado.
questão. E só posso considerar isso positivo, pois, há quase dois anos não recebo nenhuma queixa de nenhum de nossos mais de
Em nosso painel latino-americano, no ano passado, convidei o
220 membros, sobre nenhum problema de praticagem em todo o
capitão Otavio Fragoso, que também é vice-presidente sênior da
mundo. Portanto, isso nos parece muito positivo.
IMPA, ex-presidente do CONAPRA e ex-presidente da Rio Pilots.
30
Nessa reunião aqui no Rio, em 31 de outubro de 2012, Elizio Neto,
aprender se, ainda assim, algum ocorrer, para que possamos
gerente executivo da Expansão da Frota da Transpetro, fez uma
evitar que ocorram no futuro.
apresentação sobre os planos da Transpetro para a modernização da frota de petroleiros, que foi muito abrangente e informativa.
Finalmente, concordamos que a continuação do bom relaciona-
Otavio também falou − sobre questões de praticagem, tanto da
mento de trabalho entre a IMPA, o CONAPRA e os membros
perspectiva da IMPA como do CONAPRA. Mais especificamente,
da Intertanko é baseada no respeito e apoio mútuos, o que
Otavio apresentou uma visão geral muito boa da organização do
consideramos positivo para o setor de navegação, e devemos
CONAPRA, como eles estão organizados aqui no Brasil, sua
manter esse diálogo.
história e mandatos legais. A informação sobre os requisitos de formação foi muito importante, porque permitiu que nossos
Em conclusão, resumindo tudo isso, eu simplesmente diria que, do
membros soubessem quão abrangentes eles são aqui com o
ponto de vista da Intertanko, as parcerias entre os operadores
CONAPRA. Ele também falou sobre as 22 zonas de praticagem
de petroleiros e práticos são essenciais para aumentar a segurança
existentes no Brasil e os planos do CONAPRA de aumentar o
da navegação. Uma abordagem cooperativa é a mais correta
número de práticos a fim de atender ao crescimento do tráfego de
para fazê-lo. A abordagem de confronto não foi bem-sucedida.
embarcações no Brasil, mas entendo que também há alguns outros
Aprendemos com isso e é por esse motivo que estamos adotando
motivos para esse aumento. Além disso, Otavio nos deu uma visão
uma abordagem cooperativa. Para garantir essa boa abordagem
geral do novo Superporto do Açu, que engloba dois terminais, com
cooperativa, é preciso garantir que se tenha confiança.
um terminal de petróleo no TX1 e TX2 com um estaleiro. Ele informou aos nossos membros e ao painel latino-americano a
De certa forma, tivemos sorte no relacionamento com Mike, mas
diversidade que está ocorrendo no Brasil nesse campo. Isso, por
isso não significa que qualquer outro setor, associação ou empresa
sua vez, resultou numa discussão muito boa a respeito no painel
não possa construir essa confiança com quem quer que seja.
latino-americano. Evidentemente, do nosso ponto de vista,
Quando você parte de fundamentações sólidas e está disposto a
concordamos que a expansão da indústria petrolífera e do uso de
dar o primeiro passo, boas coisas acontecem.
petroleiros ao largo da costa brasileira é importante para o Brasil, é importante para o CONAPRA e é importante para os membros da
E, finalmente, provamos ao mundo da navegação que a confiança
Intertanko. Significa mais negócios, supondo-se que a Petrobras
pode construir um relacionamento forte de cooperação, e vamos
use nossos petroleiros-membros, esperamos que seja assim.
mantê-lo pelo máximo de tempo possível.
E concordamos com a ideia de que a IMPA, o CONAPRA e os membros da Intertanko devem cooperar para evitar incidentes
Com isso, deixo minha última palavra, e única em português,
nesse novo cenário brasileiro, bem como trabalhar juntos e
obrigado.
31
Siegberto Rodolfo Schenk Jr. Bacharel em ciências navais pela Escola Naval – Marinha do Brasil, condecorado com o prêmio Greenhalgh, especialização em hidrografia pela Diretoria de Hidrografia e Navegação – MB, MBA em finanças pelo Ibemec-RJ. Prático da Zona de Praticagem do Estado do Espírito Santo há 15 anos, com larga experiência em projetos na área de qualidade, segurança e gerenciamento de risco no serviço de praticagem.
Gerenciamento de risco nas atividades do prático quando ela ocorre muito próximo da costa, nas chamadas águas restritas. O que esses acidentes têm em comum além de sua localização? Raramente acontecem. Mas o impacto de seus efeitos é enorme. A magnitude dos prejuízos, sejam eles materiais, ambientais ou sociais, chama nossa atenção.
Autoridades presentes, senhoras e senhores. Como prático, minha atividade cotidiana é gerenciar riscos em águas restritas. Enquanto o comandante de um navio é um profissional treinado para manter a embarcação o mais longe possível de qualquer obstáculo, o prático, ao contrário, é treinado para manobrar o navio, com
A sociedade e seus governantes são então demandados, com
segurança, muito próximo a obstáculos.
frequência crescente, a ponderar sobre os benefícios e os riscos, e a lidar com as incertezas associadas às suas decisões. É necessário gerenciar os riscos dessa navegação da forma mais eficiente possível. Assim, esta apresentação pretende cooperar nesse sentido através de uma abordagem resumida de alguns conceitos de gerenciamento de risco e através de exemplos de situações ligadas aos práticos e à atividade da praticagem que provoquem a nossa reflexão. E para esta breve discussão, baseio-me na norma ISO 31000 e seus complementos, uma síntese abrangente e objetiva dos princípios e diretrizes relativos ao gerenciamento de risco. Para começar: o que é risco? O risco é sempre negativo ou pode ser
Eventualmente, quando ocorre um acidente maior, a extensão dos
visto como positivo? Risco é formalmente definido como o “efeito
danos causa espanto no público, que é forçado a lembrar do risco
que as incertezas podem causar sobre os objetivos”. Mesmo ine-
envolvido na navegação desses sistemas complexos, tão depen-
rente à vida e geralmente encarado como negativo, risco pode
dentes da tecnologia e dos seres humanos. Algumas imagens nos
também ser visto como algo positivo e necessário. Os grandes
remetem, particularmente, ao risco representado pela navegação,
saltos da conquista humana foram dados ao encarar e gerenciar
32
efetivamente as incertezas e os riscos envolvidos em nossas ativi-
como fazer para diferenciar o joio do trigo? Aqui entra o conceito
dades. Algumas atividades, embora necessárias, são em sua
de segurança, que é estar livre de riscos inaceitáveis! E isso é pos-
própria essência arriscadas. É esse o caso da navegação marítima,
sível através do processo de gerenciamento de risco, que modifica,
responsável pela maior parcela da tonelagem movimentada na
de forma sistemática, os efeitos negativos das incertezas nos
matriz de transportes mundial. Ainda mais quando consideramos
objetivos. Ele pode ser visualizado neste fluxograma, que evidencia
que os navios estão ficando cada vez maiores. Nas últimas quatro
seu aspecto contínuo, retroalimentado e sem fim.
décadas os armadores se propuseram a assumir mais riscos, sejam eles financeiros ou de redução de margens de segurança, obtendo
Tudo começa pela comunicação e pela consulta, balizadores de
com isso grandes ganhos de escala que visam a maior e justo
todo o gerenciamento de risco, juntamente com o monitoramento
retorno financeiro. Afinal, risco e retorno estão correlacionados.
e análise crítica. São todos os meios que o proprietário do risco usa para compartilhar ou obter informações que irão embasar sua tomada de decisão. Isso se dá através do diálogo com as partes interessadas. Todas as partes interessadas devem ter a oportunidade de ser ouvidas, pois podem fazer julgamentos distintos sobre os riscos, com base em suas próprias percepções, que devem ser identificadas e levadas em consideração. A própria sociedade civil é, quase sempre, uma parte interessada. Convém, então, que esteja representada, geralmente através dos agentes do Estado, atuando no interesse público.Vale ressaltar que a consulta às partes interessadas fornece subsídios, através da influência e não do poder, para apoio à decisão pelo proprietário do
Nosso primeiro problema seria então como mensurar o risco. O
risco. Portanto, não se trata de tomar decisões em conjunto, mas
risco pode ser expresso pela combinação de duas dimensões: sua
de fornecer subsídios adequados.
probabilidade ou chance de ocorrer (que está associada à incerteza) e a consequência da materialização desse risco (o efeito sobre
Vejamos, em um caso real, o que pode acontecer quando essa
os objetivos). Da combinação dessas duas medidas obtemos o
fluidez na comunicação e consulta não funciona. Em 2001, a
nível de risco, ou seja, a magnitude do risco é dada pela chance de
Codesa, autoridade portuária de Vitória, contratou uma consultoria
ele ocorrer em relação à gravidade das consequências de sua ocor-
que sugeriu que os calados máximos permitidos poderiam ser
rência. É interessante notar que, mesmo tendo chance relativa-
aumentados, sem nenhuma dragagem, fundamentando-se no
mente pequena de ocorrer, as consequências de um evento podem
conceito da "lama fluida". Dentro de suas prerrogativas, a Codesa
ser tão indesejáveis, que o nível do risco associado a ele se torna
aumentou os calados máximos, baseando-se nas indicações da
muito elevado. Infelizmente, esse é o caso de alguns eventos
consultoria, mas ignorou as recomendações técnicas para os
classificados como acidentes da navegação.
levantamentos de dados ambientais necessários.
Outro ponto importante é a distinção entre o proprietário do risco
Pouco depois, em julho de 2001, o navio Med Glory encalhou, em
e as partes interessadas nele; proprietário do risco é a pessoa ou
frente ao Palácio Anchieta, sede do governo estadual. Houvesse
entidade que tem a responsabilidade por um risco e a autoridade
sido consultada, a praticagem teria sugerido a adoção da metodo-
para gerenciar esse risco; parte interessada é a pessoa ou
logia da Pianc. Essa abordagem detectaria a inviabilidade de se
entidade que pode afetar, ser afetada ou perceber-se afetada
utilizar o conceito de lama fluida, no caso do porto de Vitória, pois
por uma decisão ou atividade.
estabelece critérios de definição de densidade e métodos de levantamento. Graças à falta de comunicação, ocorreu um encalhe que
Pois bem, se alguns riscos valem a pena ser corridos e outros não,
poderia ter sido evitado. Felizmente sem grandes consequências. 33
É essencial, nesse sentido, criar-se uma cultura de segurança de
lhes que esse arranjo é o resultante do aprendizado de anos de
forma que o processo de gerenciar riscos conte com a real
experiências de colegas que me antecederam, alguns que perderam
participação dos envolvidos e que todas as formas de contato,
a própria vida, para chegarmos até aqui. Por isso ele deve ser
formais ou informais, sejam bem-vindas. Obrigações legais ou
rigorosamente observado. Ele consta da Convenção Solas e foi
regulamentares para que ocorram esses contatos, como as
recentemente revisado pela IMO, pois o aprendizado é contínuo.
existentes nesses documentos balizadores do serviço de
Demonstra que, eventualmente, cair no mar, ao embarcar em um
praticagem, são de grande valia. Mas o ideal é que se construa
navio ou desembarcar, é risco que enfrentamos cotidianamente na
um clima de confiança entre os envolvidos. Isso pode levar anos.
nossa profissão. Esse risco é aceitável dada a frequência com que
E, de acordo com nossa experiência, é perfeitamente alcançável.
ocorre, mas definitivamente deve ser gerenciado. Apenas não da
Atualmente, no Espírito Santo, todos os portos e terminais,
forma vislumbrada naquele questionamento.
incluídos aqueles que ainda estão só no papel, chamam a praticagem para opinar e participar proativamente em seus
Retornando ao fluxograma, entramos agora no núcleo do gerencia-
projetos − sempre sob a coordenação da autoridade marítima.
mento de risco. É o processo de avaliação de riscos. Em inglês,
Hoje, o encalhe do Med Glory teria pouca chance de ocorrer.
risk assessment. Compreende a identificação, análise e avaliação de riscos.
Iniciamos efetivamente o processo de gerenciamento de risco com o estabelecimento do contexto e a definição dos critérios de risco.
Na identificação deve-se gerar uma lista abrangente de todos os
Nessa fase são definidos os parâmetros e o escopo do gerencia-
riscos que possam, de uma ou de outra forma, interferir na realiza-
mento. A definição dos critérios de risco considera os diferentes
ção dos objetivos. Os riscos devem ser descritos considerando-se
pontos de vista das partes interessadas, para estabelecer, clara-
as fontes de risco, os eventos possíveis, suas causas e consequên-
mente, quais riscos são intoleráveis, quais riscos devem ser trata-
cias. O perigo nessa fase é deixar de identificar algum risco,
dos, e quais riscos podem ser negligenciados. Infelizmente, muitas
fazendo com que não seja trabalhado nas fases posteriores. Para
vezes os critérios de risco não ficam claros nem definidos. Até que
isso é interessante a discussão de possíveis cenários de risco e
um dia o risco se materializa. Então, o critério antes indefinido
cadeias de eventos, bem como o brainstorming com as partes
torna-se claro.
interessadas, com análise do histórico de acidentes e dos quase acidentes, a consultoria de especialistas e o emprego de simulações. Outra ferramenta, em nível de execução, são os checklists, como os nossos conhecidos pilot cards e formulários de MPX. Uma vez identificados os riscos, passamos então à sua análise, à sua mensuração, a fim de determinar o nível dos riscos. Isso envolve estimar as probabilidades das consequências que podem ocorrer. Analisam-se todos os riscos identificados e descritos na etapa anterior, que podem, então, ser visualizados facilmente numa matriz de risco. As consequências precisam ser expressas em termos de seus impactos tangíveis, como em números financeiros. Mas também devem ser considerados os impactos intangíveis, como, por exemplo, os custos sociais das consequências. O termo
Podemos exemplificar a questão do contexto e dos critérios de
"probabilidade" pode ser utilizado tanto para análises qualitativas,
risco através da forma como embarcamos nos navios e deles
quantitativas ou em uma combinação das duas, conforme as cir-
desembarcamos. Muitas vezes sou questionado por pessoas fora
cunstâncias e os recursos disponíveis. Organizações menores e
do meio marítimo: por que vocês não usam um cabo (ou “corda”)
com menos recursos tecnológicos terão sempre mais dificuldade
de segurança quando embarcam pela escada de prático? Respondo-
em produzir uma análise quantitativa dos riscos. Mas isso, de
34
forma alguma, deve impedir que um processo de gerenciamento de
de risco tão baixo quanto razoavelmente possível.
risco seja estabelecido e traga resultados satisfatórios, com base em análises apenas qualitativas, desde que bem conduzidas.
Também muito importantes são as análises de custo x beneficio, em que se comparam, de um lado, os custos representados pela
A terceira e última etapa do risk assessment é a avaliação de ris-
implementação das medidas de controle do risco e, de outro, as
cos propriamente dita. Essa é a fase da decisão. Significa comparar
possíveis perdas evitadas.
o nível de risco, medido durante a análise, com os critérios de risco estabelecidos quando o contexto foi considerado. Com base nessa
Aqui devem ser levadas em conta as externalidades. Externalidade
comparação, é o momento de dizer se um risco deve ou não ser
é um conceito da economia. São os efeitos que certas atividades
tratado. E com qual prioridade.
geram para terceiros, não envolvidos na atividade, sem que esses tenham oportunidade de impedir ou obrigação de pagar, por
Toda essa terminologia parece complexa, mas é simples. Para
esses efeitos. Externalidades podem ser negativas, quando geram
mostrar isso, vejamos o maior acidente ambiental de todos os
custos para os não envolvidos; ou positivas, quando geram benefícios.
tempos envolvendo navegação e praticagem. Ou a ausência desta
Estamos nos referindo, então, ao impacto de uma decisão sobre
última. Trata-se do famoso desastre do Exxon Valdez. Prince
aqueles que, mesmo sendo partes interessadas, não participaram
William Sound, no Alaska, é uma área transitada por navios petro-
da decisão. Percebe-se que os acidentes de navegação têm grande
leiros que transportam o óleo extraído na região. Havia ali uma
potencial de gerar externalidades negativas para a sociedade e
zona de praticagem obrigatória até meados da década de 1980.
para o meio ambiente e a economia como um todo. Por outro lado,
Certo dia, as autoridades responsáveis reduziram substancial-
um serviço de praticagem bem estruturado e eficiente, além de
mente a área de praticagem compulsória, tornando-a facultativa.
contribuir para evitar externalidades negativas agrega valor à
Em março de 1989, o petroleiro americano Exxon Valdez após car-
economia, pois gera externalidades positivas. Ao agilizar o fluxo da
regar 1.236.000 barris de petóleo cru no Porto de Valdez desviou-se
cadeia logística e maximizar as possibilidades de utilização de
da rota ideal e encalhou no Recife Bligh, situado na região que
canais de acesso e berços de atracação, em segurança, gera
havia sido tornada de praticagem facultativa. Assim, não havia
benefícios para toda a sociedade, muitas vezes intangíveis. Isso
prático a bordo. Do total da carga vazaram ‘apenas’ 258.000 barris.
explica o porquê da importância social da praticagem e da
Mas o óleo chegou a mais de 600km de distância do acidente. E
necessidade de sua regulação pelo Estado. Existe uma expressão
dada à geografia acidentada da costa, poluiu uma extensão de
popular no mercado de seguros em Londres: "Se você acha que
milhares de quilômetros causando danos catastróficos ao meio
praticagem é caro, experimente um acidente...".
ambiente e, principalmente, à fauna da região, inviabilizando o sustento de vários habitantes. Os danos ao navio e a perda da
A fase de tratamento do risco envolve a seleção e a implementa-
carga somaram pouco mais de 28 milhões de dólares. Mas a lim-
ção de uma ou mais opções para modificar os riscos. Em seguida,
peza e recuperação do meio ambiente, que levaram anos, chega-
é necessário avaliar sua efetividade e, se for o caso, agir para
ram à casa dos dois bilhões de dólares, isso em valores de 20 anos
implementar medidas adicionais, realimentando o processo.
atrás. Como se pode imaginar, depois do acidente a praticagem
Existem quatro estratégias básicas de tratamento de risco: evitar,
voltou a ser obrigatória na região, ou seja, as autoridades, antes do
transferir, reduzir ou reter.
sinistro, entenderam que dar ao armador a oportunidade de ‘economizar’ o custo do prático era um risco que valia a pena ser corrido.
Evitar: trata-se simplesmente de remover a fonte do risco. Evita-se o risco ao não iniciar ou interromper a atividade que daria origem
A fase de avaliação de risco pode utilizar várias ferramentas de
ao risco. Exemplo: as autoridades chinesas vinham agindo dessa
apoio à decisão. Uma delas é a matriz de risco, identificando-se
forma com relação aos valemax. Os chineses alegam que seus
aqueles que se encontrem na região de níveis de risco intoleráveis,
portos não estão preparados para receber com segurança navios
de acordo com os critérios de risco estabelecidos no contexto.
desse porte. Simplesmente proibiram a atracação de navios dessas
Esses riscos devem ser tratados, trazendo-os para a região de nível
dimensões, evitando o risco representado por eles. 35
Outro exemplo. O prático, no Brasil, pode valer-se de prescrições,
Mas a estratégia de tratamento de risco mais comumente em-
contidas nas normas da autoridade marítima, que lhe permitem
pregada é reduzir o risco. Isso envolve tomar medidas e ações para
solicitar ao representante local da autoridade, o capitão dos
diminuir a probabilidade de um risco se materializar. Para diminuir
portos, que declare a impraticabilidade de uma manobra − sempre
as consequências negativas de um eventual risco, quando ele se
que as condições de tempo e mar, ou mesmo do navio, não
materializa. Ou ambas as coisas. Aqui se dá a grande possibilidade
aconselhem sua execução com nível de risco aceitável. Outra
de contribuição da praticagem no gerenciamento de riscos.
forma de evitar o risco de operar com margens de segurança insatisfatórias é estabelecer calados e dimensões máximos para o
Com o restabelecimento da praticagem obrigatória na Baía
acesso dos navios, como preconiza a nossa legislação em revisão
Príncipe William no Alaska, ficou consideravelmente diminuída a
no Congresso. Ideal é quando esse processo ocorre não de forma
possibilidade de ocorrer um novo Exxon Valdez.
empírica, mas observando-se normas técnicas consagradas, como ABNT, Pianc e Usace.
Outro exemplo: o já famoso acidente do Costa Concordia, que colidiu com uma rocha e naufragou na Ilha de Giglio, Itália. Duas medidas
Outra estratégia para tratar riscos é transferir. Transferir risco não
teriam reduzido, em muito, o risco de um acidente como esse. A
significa diminuí-lo ou eliminá-lo, mas compartilhar o ônus
primeira é se o gerenciamento da equipe do passadiço (o bridge
advindo das consequências com outro ator. Geralmente envolve
team management) houvesse funcionado a contento. Um tripulan-
contratos financeiros, seguros, clubes de proteção mútua ou
te, dada a cultura de decisões verticais, pode se sentir pouco à
instrumentos financeiros derivativos.
vontade de questionar uma decisão do comandante. Mas esse é o papel da equipe do passadiço. A outra: se na Itália fosse obrigatória
É uma estratégia rotineiramente usada pelos armadores, conhece-
a presença de um prático a bordo, num cruzeiro navegando tão
dores que são dos riscos da "aventura marítima”. Geralmente os
próximo da costa. Por exemplo, a Columbia Britânica, no Canadá,
riscos específicos e quantificáveis da navegação, tais como, casco,
destino turístico que recebe mais de 200 navios de cruzeiro por
máquinas e carga, são cobertos por seguradoras convencionais.
ano, requer que todos os grandes navios que naveguem a menos
Porém, as seguradoras relutam em cobrir riscos mais amplos e
de três quilômetros da linha da costa tomem práticos. As autori-
indeterminados, como aqueles que podem ser gerados por um
dades italianas acenam com providências semelhantes a partir
grande acidente. Para essas coberturas, os armadores recorrem
desse acidente.
aos clubes de P&I, Protection and Indemnity, que são associações cooperativas de proteção mútua, das quais os próprios armadores
A presença de um prático a bordo pode não ser suficiente para se
são mutuários.
evitar um acidente. Mas pode minimizar as suas consequências. Um caso emblemático, em que a correta atuação do prático não
Bem, nada é perfeito, e até mesmo os clubes de P&I só cobrem
evitou, mas reduziu em muito as consequências de um acidente,
custos de acidentes até certos limites. Assim, são cada vez mais
aconteceu, em 1996, em Nova Orleans, Estados Unidos. O car-
comuns navios que ostentam o emblema de algum grande
gueiro Panamax Bright Field, descia o Rio Mississipi, quando uma
armador, mas nos quais esse armador atua apenas como
falha numa bomba de lubrificação cortou automaticamente a ali-
afretador. Quando se procura verificar quem é o proprietário do
mentação da máquina principal, parando-a. Sem máquina, o navio
navio e portanto, o responsável por alguma eventual reparação,
perdeu governo, em meio a uma curva fechada do rio, dirigindo-se
não se encontrará o armador famoso, mas alguma empresa
diretamente a um cassino flutuante atracado na margem, em que
bem menos conhecida, muitas vezes registrada em um paraíso
havia 800 pessoas. Na trajetória do navio estavam, ainda, dois
fiscal e operando sob bandeira de conveniência. Provavelmente
navios de cruzeiro, além de um shopping center e um complexo
operando um único navio! É uma estratégia de blindagem do
hoteleiro construídos junto à margem. O prático a bordo atuou
armador contra, entre outros, possíveis reparações por danos
prontamente. Comunicou-se com o controle de tráfego solicitando
não cobertos pelo clube de P&I, uma forma de gerenciar seu
a evacuação da área e realizou uma hábil manobra de emergência,
próprio risco.
utilizando os ferros do navio. Com isso, conseguiu que o navio
36
‘atracasse’ na vaga entre os cruzeiros e o cassino, evitando o
navegarem por ali sem prático a bordo, retendo o risco de aciden-
abalroamento dessas embarcações. Não houve fatalidades. Não
tes como o do Sea Diamond.
fosse pela pronta e correta atuação do prático, as consequências teriam sido bem mais trágicas.
Enfim, na hipótese de reter riscos, as ferramentas muitas vezes são subjetivas. Passam pela conscientização e cultura de entidades, de
São várias as ferramentas que podem contribuir para a redução
organizações e das pessoas envolvidas, a fim de que tomem
de risco na navegação em águas restritas. O uso de rebocadores de
decisões conscientes e muito bem embasadas.
escolta. Melhorias na sinalização náutica. O correto gerenciamento de recursos do passadiço. Do lado regulamentar, nas normas locais
É bom lembrar que o tratamento de risco, independente da estra-
da autoridade portuária e/ou da autoridade marítima, a adoção de
tégia utilizada, pode, por sua vez, gerar novos riscos. O monitora-
janelas de condições ambientais, com correntes de marés
mento desse processo, então, é fundamental. E fecha o ciclo de
favoráveis e observação de período diurno para certas operações.
tratamento, reiniciando o processo.
Assim como a adoção de novas áreas de praticagem obrigatória, pela autoridade marítima, quando alguma situação nova assim
O processo é contínuo e deve ser seguidamente realimentado e
recomendar. O próprio emprego de práticos pode ter seu alcance
revisado, através do monitoramento e da análise crítica. As ferra-
ampliado com treinamento em simuladores de passadiço e em
mentas a serem empregadas devem considerar como objetivos
modelos tripulados. E com a utilização de novas tecnologias, como
principais do monitoramento: detectar mudanças nas circunstân-
os PPUs, que agregam maior quantidade de informações de apoio
cias; verificar se as medidas de controle de risco estão funcionando
à decisão. Além de atalaias bem equipadas e treinadas para coor-
a contento; revisar as estratégias de comunicação; e criticar as
denar as operações com eficiência e para fornecer informações
premissas utilizadas nas análises.
relevantes aos práticos, em tempo real. Poderão ser criados indicadores para medir os resultados. É imporFinalmente, a última estratégia de tratamento é reter o risco. Reter
tante a documentação não só dos acidentes, mas também e princi-
significa aceitar o possível benefício ou consequência daquele
palmente dos quase acidentes, conhecidos em inglês como near
determinado risco. É impossível, a menos que se evite o risco,
misses. São aquelas situações em que todas as condições para a
reduzi-lo a ponto de se considerar que não haja mais risco algum.
ocorrência de um acidente estavam presentes. Mas medidas de
Apesar de todo tratamento, sempre haverá algum risco residual,
controle ou até mesmo o próprio acaso impediram que o acidente
que pode estar identificado ou não.
ocorresse. Esse tipo de documentação é importante, pois muitas vezes a realidade está mais próxima de nós do que imaginamos.
Vejamos o caso do Sea Diamond. O Arquipélago de Santorini é um
Menos de um mês antes de ocorrer a tragédia do Costa Concordia,
destino turístico nas ilhas gregas, para onde acorre um grande
o cruzeiro Costa Pacifica quase abalroou o MSC Orchestra, em
número de navios de cruzeiro. Entretanto, não existe ali uma zona
Búzios, no litoral do Rio de Janeiro. O monitoramento dos riscos
de praticagem. Apesar da proximidade de terra, os navios são
pode vir a recomendar que, no futuro, se estabeleça ali uma zona
manobrados pelos próprios comandantes. Em abril de 2007 o navio
de praticagem.
Sea Diamond encalhou em Santorini, num recife vulcânico. Os passageiros foram evacuados em cerca de quatro horas. O navio aca-
Finalmente, mas não menos importante, deve-se destacar que o
bou indo a pique no dia seguinte com todo o seu óleo combustível
elo principal dessa cadeia é o ser humano. O fator humano é um
ainda nos tanques, e esse perigo potencial de poluição perma-
dos mais importantes elementos que contribuem tanto para causar
nece ainda hoje a mais de 100 metros de profundidade. Embora o
como para evitar acidentes. Todas as atividades que envolvem ris-
turismo represente uma das principais fontes de renda da Grécia,
cos, assim como as medidas propostas para gerenciar esses
Santorini continua sendo área sem praticagem. Isso indica que as
riscos, dependerão, em última análise, dos seres humanos.
autoridades gregas, nos cenários que visualizam em suas análises de risco, continuam considerando aceitável o risco de os cruzeiros
Felizmente, nossa autoridade marítima sempre esteve atenta à 37
qualificação dos práticos. Em 2004, quando a Organização Marítima
e dimensões máximas, bem como regras de utilização de berços e
Internacional publicou a Resolução A.960, contendo recomenda-
canais de acesso etc.
ções para treinamento, certificação e procedimentos operacionais para práticos, a autoridade marítima brasileira foi uma das primei-
E, finalmente, no contexto da segurança do tráfego aquaviário, a
ras do mundo a cumprir integralmente os preceitos ali constantes.
autoridade marítima é a proprietária do risco, que envolve geren-
Inclusive implantando, em colaboração com o CONAPRA, o ATPR,
ciar a segurança do tráfego, no interesse de toda a sociedade.
um moderno programa de atualização de práticos, totalmente aderente às recomendações daquela resolução. Tentando fazer um fecho sobre tudo o que foi dito, podemos dizer que, dentro de cada contexto, o proprietário do risco deve ter a consciência de buscar gerenciá-lo de acordo com os critérios de risco aceitos por todas as partes interessadas, através das estratégias que estão à sua disposição. Assim, no contexto da faina de praticagem, o prático é o proprietário do risco. Deve zelar por estar descansado, manter-se atualizado, executar a manobra com atenção, lançando mão de todos os conhecimentos e recursos disponíveis para esse fim. No contexto do serviço de praticagem, a organização de práticos é
Os critérios de risco devem ser muito bem definidos dentro de cada
a proprietária do risco. Isso envolve administrar a escala de serviço
contexto. É importante definir quais riscos são intoleráveis, quais
e prover os meios necessários ao apoio dos práticos, tais como
riscos devem ser tratados para que sejam mantidos em nível
lanchas, atalaia, sistemas de comunicação, logística, despacho e
razoável e quais podem ser negligenciados. Porém, um risco acei-
monitoramento do tráfego.
tável para uma parte interessada pode não o ser para outra. E por isso é importantíssimo desenvolver a cultura de comunicação e
No contexto do complexo portuário, a autoridade portuária é a
consulta em que se busque um processo franco e de confiança
proprietária do risco. A ela cabe regular o tráfego, definir calados
mútua entre os proprietários de risco e as partes interessadas. Sempre que se detectar um nível de risco maior que o critério de risco, deve-se tratar esse risco. Não sendo possível, em nenhuma hipótese, ignorá-lo. E, nesse caso, quais são as nossas opções? A primeira é evitar o risco. Geralmente, só é considerada quando o nível de risco for inaceitável. Postergar uma atividade até que melhores condições estejam presentes é viável. Já impedir a vinda de determinados navios, como a China vem
38
fazendo com os valemax, talvez não. Até que ponto evitar é eco-
dos da estrutura de apoio necessária, há condições objetivas de
nomicamente justificável? É a única opção disponível?
reduzir as chances de acidentes ou de mitigar suas consequências quando, de todo, não for possível evitá-los.
A segunda é transferir o risco. Uma opção frequentemente adotada pelos armadores, que compartilham os maiores riscos da aventura marítima com os clubes de P&I, que, entretanto, só cobrem os danos até certos limites. E quando as externalidades negativas se avolumam, quem paga a conta excedente? Acabará sobrando para a sociedade? A terceira é reter o risco. Nesse caso, todas as outras opções foram consideradas? As organizações e os indivíduos, estão preparados para exercer de forma consciente e bem embasada essa opção? E arcar com as consequências caso o risco se materialize? E por fim, reduzir o risco, situação em que certamente temos mais possibilidades de tomar atitudes para diminuir a probabilidade de que o risco se materialize e ou para diminuir suas consequências negativas. Qual o alcance dos meios que já são empregados em
Felizmente, esse parece ser o caso do Brasil. Que tem índice de
nosso país, com sucesso, para reduzir o risco da navegação
acidentes, com participação de erro do prático, comparável ao
em águas restritas? Uma possibilidade para esse fim, no interesse
de países como Estados Unidos, Bélgica e Austrália, por exemplo.
público, e que está sempre ao alcance dos governos bem
Ainda que muito baixo, esse valor demonstra que sempre restará
intencionados é, certamente, contar com um serviço de praticagem
algum risco residual. Que deve permanecer sempre dentro de
bem estruturado.
limites razoavelmente aceitáveis.
Colocando-se a bordo dos navios práticos capacitados, bem treina-
Muito obrigado pela atenção! Coloco-me à disposição para
dos, descansados, independentes de pressões comerciais e provi-
outros esclarecimentos.
39
John Pearn Capitão de longo curso, mestre em direito ambiental e bacharel em gestão portuária pela Academia Marítima Lloyds. Presidente da Praticagem de Milford Haven, Inglaterra, na qual ingressou em 1992 e foi prático instrutor durante cinco anos. Vice-presidente da Associação de Práticos do Reino Unido de cujo comitê executivo foi membro durante oito anos.
A regulação inadequada e suas consequências: o exemplo do Reino Unido Muito obrigado pela apresentação. Infelizmente, não a entendi.
Depois de receber minha licença de capitão, tornei-me prático em
Espero que tenha sido positiva. Em primeiro lugar, gostaria de
outubro de 1992, no porto de Milford Haven, no Reino Unido.
expressar meus agradecimentos a Ricardo, Otavio, Marcelo e Flávia pela organização de um seminário cinco estrelas, em
Hoje vou examinar a legislação de praticagem no Reino Unido,
instalações cinco estrelas, realizado por uma instituição cinco
pela perspectiva de um acidente, o do Sea Empress, navio-tanque
estrelas, que é o CONAPRA dos práticos brasileiros.
que, em 1996, encalhou com efeitos catastróficos. Gostaria de explicar as consequências do acidente, principalmente para
Minha carreira começou em 1979. Fui praticante de prático em
que vocês possam avaliar como o efeito de um desastre desse
Liverpool, no Reino Unido. Depois de concluir meu aprendizado,
porte pode afetar uma ampla variedade de pessoas e
fui para o mar numa variedade de navios, e minha última viagem
interessados. Em seguida, vou falar sobre a legislação que
foi do Rio de Janeiro exportando frutas para a Antártica, porque
estava em vigor na época e também a que foi desenvolvida
eles não cultivam muitas frutas por lá.
desde então.
40
OK. Esse é o porto de Milford Haven. Na parte inferior esquerda do mapa, vocês podem ver duas boias. É a entrada do porto de Milford Haven. Em 15 de fevereiro de 1996, o Sea Empress estava marcado para atracar às 20h, imediatamente antes da maré baixa, na refinaria de petróleo da Texaco, seis milhas para dentro da entrada. Ao se aproximar das boias de entrada do porto, a embarcação sofreu um forte e inesperado deslocamento para estibordo. O timoneiro relatou perda de direção. Quase que de imediato, uma forte vibração foi sentida por todos a bordo, e o navio desenvolveu inclinação de 21 graus a estibordo. O cheiro de petróleo bruto foi percebido por todos a bordo. Os motores do navio foram imediatamente desligados na popa e duas âncoras foram lançadas dentro da distância de uma milha. Além disso, a embarcação encalhou ainda mais na entrada.
para que a embarcação fosse levada para o porto e o canal de navegação fosse liberado. Muitos navios ficaram presos no porto porque não podiam sair, e muitos ficaram parados do lado de fora, com carga para as refinarias, sem poder entrar. Além disso, houve graves consequências para muitos outros usuários do porto. Agora eu gostaria de discutir algumas das consequências para o pessoal envolvido. Não podemos nos permitir pensar que um acidente é simplesmente um conceito acadêmico, uma consideração política ou um conceito teórico. Pessoas de verdade, tanto aquelas envolvidas no acidente como aquelas totalmente inocentes, podem ter a vida arrasada e, nos casos mais graves, morrer, como fomos hoje informados: dez mortos em Gênova.
Na verdade, o encalhe inicial causou apenas danos mínimos. Menos de aproximadamente 1.000 toneladas, creio, o que ainda é
Em geral, imediatamente após um acidente há intensa cobertura
uma quantidade considerável. Isso porque, além de um tanque de
da mídia. Os jornais e a televisão vão seguir todos os
carga, o tanque de carga número 1 lateral de estibordo, o dano
protagonistas, vão acampar diante de suas casas, vão seguir o
principal foi no tanque de lastro segregado, que sofreu ruptura,
prático, o capitão do porto, vão seguir sua família, tentando
causando a súbita invasão de água, o que aumentou o calado de
garantir entrevistas exclusivas. Vão lançar mão de suborno,
15,7 metros para 21 metros.
chantagem, qualquer coisa para conseguir uma reportagem exclusiva a ser apresentada no telejornal.
O aumento do calado significou grande limitação nas opções para movimentar a embarcação. Com aquele calado, ele não conseguia
A atenção da mídia não termina logo depois do acidente. Ela
deslocar-se mais para dentro do porto e, para sair e afastar-se do
ressurge quando a investigação é anunciada, quando os resultados
perigo, havia apenas uma passagem, pequena demais.
da investigação são anunciados, quando o processo judicial começa, no resultado do processo judicial e, com bastante
A operação de salvamento subsequente causou o derramamento
frequência, no aniversário do incidente. Além disso, quando
de 72 mil toneladas de carga, o que gerou consequências
ocorrem outros incidentes, a mídia quer falar com o protagonista
tremendas para todos os envolvidos. Demorou quase uma semana
para saber seu ponto de vista. 41
Quanto às consequências para o porto, as autoridades do Reino Unido, por meio da Agência Ambiental, realizaram minuciosa investigação de todos os aspectos do incidente. Na conclusão de suas investigações, o prático não foi acusado formalmente. Decidiu-se, no entanto, processar a autoridade portuária e o capitão do porto. As acusações contra a autoridade portuária de Milford Haven foram feitas de acordo com a Lei de Recursos Aquáticos de 1991, que cria um conceito legal de responsabilidade civil objetiva. Efetivamente, não existe defesa. A autoridade portuária não teve opção a não ser declarar-se culpada, e recebeu multa de quatro milhões de libras. Não se esqueçam de que isso foi há 17 anos. Esse valor foi subsequentemente reduzido mediante Obviamente, após qualquer acidente há uma investigação. No
apelação, porque a autoridade portuária conseguiu demonstrar
Reino Unido, a Agência de Investigação de Acidentes Marítimos
que havia rebatido muitas críticas e que tinha um procedimento
conduziu uma investigação independente. A conclusão foi que
operacional muito mais robusto e rigoroso. Felizmente para o
houve erro do prático, má gestão da equipe do passadiço,
capitão do porto, as acusações contra ele foram retiradas. O porto
relacionamento ruim entre o prático e o porto, e graves problemas
também teve de lidar com seus grupos de interessados. Na época,
administrativos com a administração do porto e os práticos.
Milford Haven contava com três refinarias de petróleo. Tinha também uma frota de pesqueiros, um terminal de balsas e um
Depois, é inevitável que haja culpa. Com frequência, uma
terminal de cargas gerais. Muitas dessas pessoas, pescadores,
autoridade portuária ou um regulador, num esforço para se desviar
proprietários locais de barcos de lazer, todos buscaram indenização
das críticas, busca punir publicamente as pessoas envolvidas.
da autoridade portuária, especificamente depois que ela foi
Nesse caso, o prático. Ele foi investigado. Disseram-lhe
considerada criminalmente culpada.
claramente que não levasse um advogado, pois seria considerado culpado. Quando isso aconteceu, ele se defendeu com o apoio dos
Milford Haven está localizado num parque nacional. Alguns
colegas, e o processo disciplinar movido contra ele, com base na
de vocês talvez tenham estado lá. É uma parte muito bonita do
Lei de Praticagem de 1987, tentou condená-lo por incompetência
sudoeste do País de Gales. Depende altamente do turismo. Logo
ou negligência. Com o apoio dos colegas, ele conseguiu
depois do incidente, que felizmente aconteceu no inverno, os
defender-se dessas acusações, mas os custos legais – estamos
hotéis da área receberam muitos clientes: a imprensa, a mídia,
falando de 17 anos atrás – para as duas partes foi provavelmente
os investigadores, pessoas que simplesmente iam dar uma olhada.
de meio milhão de dólares, e tratava-se apenas de mera
Entretanto, depois que as fotografias do petróleo na praia
investigação disciplinar interna.
chegaram à mídia, todas as reservas para as férias de verão desapareceram, e a praia passou de um local com gente surfando
O estresse pessoal dos protagonistas e suas famílias não deve ser
e nadando para a imagem que vocês veem, de pessoas limpando
subestimado. Muitos envolvidos receberam ameaças anônimas por
o petróleo da praia. Essa era a impressão que o resto do país
telefone e por carta. Alguns, até 15 anos depois do incidente, ainda
tinha agora de Milford Haven.
estavam recebendo ameaças anônimas do tipo “sabemos onde você mora, sabemos que escola seus filhos frequentam. Se algo
Milford Haven também era um importante porto de pesca. Muitas
acontecer, vamos atrás de você”.
frotas pesqueiras da Bélgica, França e Espanha pegam seus peixes naquele porto, devido à sua proximidade dos bancos de pesca do
Assim, muitas pessoas, especificamente os práticos e o capitão
Atlântico. Entretanto, após o incidente, ninguém queria que sua
do porto, precisaram de muitos níveis de proteção, vigilância e
pescaria fosse associada com essa área, e muitos levaram seu
investigação policial. Isso não sai no jornal, infelizmente.
negócio para outro lugar. Os pescadores locais não podiam mais
42
ganhar a vida. A área imediatamente adjacente à entrada do porto
Em 1514, o rei Henrique VIII, famoso por ter seis mulheres, formou
ficou fechada para pesca por três meses. A pesca da lagosta e do
uma guilda chamada Trinity House e, pelos 450 anos seguintes,
caranguejo foi interrompida por mais seis meses depois disso, o
essa guilda, junto com diversas comissões de praticagem locais,
que teve terrível efeito sobre muitos dos pequenos operadores, que
manteve a norma de praticagem no Reino Unido. Com muito
encerraram seus negócios. Além disso, provavelmente mais
poucas exceções, a maioria dos práticos era autônoma; eles
famosas são as consequências para o meio ambiente. Mais da
trabalhavam individualmente ou em cooperativas para o porto.
metade da carga foi derramada de uma posição uma milha ao largo da costa. O resultado imediato foi uma limpeza em larga escala.
Após intenso lobby político dos interesses comerciais, sobretudo
Mesmo assim, 15 mil toneladas de emulsão alcançaram mais de
autoridades portuárias e a indústria de navegação, em 1987, o
200 quilômetros do litoral. Como resultado da grande operação
governo introduziu a Lei de Praticagem, que transferiu a
de limpeza e da dispersão natural – como eu disse, era inverno, o
responsabilidade da Trinity House e dos comissários da praticagem
tempo estava muito ruim –, no fim do verão havia apenas 500
local para o controle direto dos portos comerciais. O resultado,
toneladas desaparecidas.
porém, é que, hoje, o Reino Unido não tem uma legislação nacional de praticagem. Existem cerca de 70 organizações de praticagem.
No auge da resposta, mais de 50 embarcações, 19 aeronaves e 25
Todos os portos são independentes uns dos outros e podem atuar
organizações encontravam-se diretamente envolvidas. Isso incluiu
com autonomia. Muitos deles concorrem mutuamente. Por
mais de 250 pessoas no mar e 950 em terra. A disposição dos
exemplo, no Tâmisa temos Medway, Londres e Felixstowe, todos
resíduos em si foi uma grande dificuldade, e esperava-se que o
importantes portos de contêineres, todos exercendo a praticagem
custo total ultrapassasse, em estimativas conservadoras, 60
na mesma área. Esses portos estão em concorrência mútua direta,
milhões de libras. Essa cifra não reflete o impacto financeiro do
e parte dessa estrutura portuária envolve o custo de praticagem.
turismo nem da pesca comercial, que podem ser calculados em
Portanto, obviamente, hoje os portos consideram a praticagem um
outras dezenas de milhões. Mais uma vez, lembro que isso
centro de custos.
aconteceu há 17 anos. O custo hoje seria muito maior. O principal propulsor econômico dos portos é a obtenção de lucro. Eu poderia prosseguir durante horas falando sobre os fatores que
Desde 1987, os portos consideram a praticagem uma fonte de
contribuíram para o incidente com o Sea Empress, mas hoje vou
renda mais do que um serviço a ser prestado. Esse foco nos lucros
concentrar-me na legislação, nos fatores regulatórios que estavam
tem o efeito de distrair a atenção dos tipos de navios e de comércio
em vigor na época.
em desenvolvimento que podem exigir adaptações na prestação do serviço e no treinamento da praticagem. Um exemplo disso é a
Primeiro, vou falar sobre a mudança na legislação antes do Sea
introdução de fundos duplos nos tanques de lastro segregados. O
Empress. Desde que venho ao Brasil acho que existem alguns
último palestrante fez uma boa demonstração disso, mostrando
paralelos notáveis entre o que aconteceu, o que está sendo
que foi um excelente desenvolvimento. E é muito bom. No entanto,
considerado agora para os práticos brasileiros e o que aconteceu
como consequência involuntária, certas embarcações são fisica-
com os práticos do Reino Unido em 1987.
mente maiores do que os portes brutos sugeririam. Devido à introdução do fundo duplo nos tanques de lastro segregados, não
No Reino Unido, os registros da praticagem resultam daqueles
se pode mais determinar o tamanho da embarcação com base
elaborados no século 12, muito antes de a existência do Brasil
puramente em seu porte bruto.
passar pela imaginação de alguém. Os habitantes da Ilha de Oleron, na França, haviam elaborado um sistema para a
No porto de Milford Haven, os práticos eram tradicionalmente
praticagem. Naquele tempo, se um prático perdesse seu barco, sua
designados para as embarcações com base na tonelagem líquida.
punição era ser levado até o guincho e ter a cabeça decepada.
Quando isso foi revogado em 1987, essa prática foi mudada para
Felizmente, os direitos humanos intervieram, e essa punição foi
porte bruto. Como consequência imprevista, o Sea Empress passou
reduzida a ser enforcado no mastro!
de uma embarcação que exigia um prático de primeira classe e um 43
assistente, com restrição de só entrar no porto duas horas antes da
gem bruta, como já explicado. Antes demorava três anos. Agora,
maré alta, para a exigência de apenas um prático de segunda
nenhum prático pode avançar para a classe de embarcação
classe, com permissão de entrar naquele porto a qualquer tempo.
seguinte sem que todos os demais práticos daquele porto aprovem,
Investigações feitas após o incidente mostraram conclusivamente
dizendo que estão satisfeitos com o progresso.
que uma embarcação daquele porte jamais entrara antes no porto naquelas condições de maré, ou seja, uma hora mais ou menos
Foi estabelecida uma norma de treinamento rigorosa e robusta.
antes da maré baixa. Isso está mais relacionado com a direção da
Envolve um curso de simulador de uma semana entre cada classe,
baixa de maré na entrada do que com quaisquer restrições
antes que se possa ser promovido. Faz-se um curso com modelo
de profundidade.
tripulado no início da carreira de praticagem e, depois que se é prático de primeira classe, faz-se uma atualização a cada cinco
Após o incidente, várias opções foram consideradas sobre como
anos. Fazemos o treinamento com reboque de escolta a cada
eliminar essa dificuldade, e descobriu-se que a solução era
dois anos num simulador, fizemos cursos de gestão de recursos
simplesmente trabalhar em tonelagem bruta. Por conseguinte,
marítimos, cursos de ECDIS, todos operamos com um PPU e, para
hoje, em Milford Haven, toda embarcação com mais de 65 mil
um prático de primeira classe, existe um sistema robusto de
toneladas brutas é considerada um VLCC, que requer dois práticos,
desenvolvimento profissional contínuo. E tenho de dizer que, se
com restrições de horário de entrada. Além disso, deve ter
procurarmos nossa autoridade portuária e acreditarmos que há
reboques de escolta. O Sea Empress pesava 77.500 toneladas
uma boa justificativa para um programa de treinamento, se
brutas. Coincidentemente, Milford Haven é hoje o maior
pudermos convencê-la, vamos conseguir.
importador do norte da Europa de LNGs. Agora manobramos navios dos tipos Q-Max e G-Flex de até 345 metros de comprimento. Por
Além disso, o reboque de escolta é agora obrigatório para todos os
causa disso, o porto mudou a maneira de carregar os navios,
LNGs, VLCCs e também embarcações menores. O porto de Milford
de porte bruto para tonelagem bruta, convenientemente
Haven é muito bem considerado pelo modo como dirige a pratica-
aumentando sua fonte de renda da praticagem.
gem e os sistemas de gestão de segurança, e com frequência recebemos visitantes do mundo inteiro para conhecer nossas
A resposta legal após o caso veio de Justice Steel. Ao resumir o
operações, em particular com relação ao comércio de LNG.
caso para o processo contra a autoridade portuária de Milford
Podemos dizer que é uma pena que eles não tenham aprendido
Haven, ele fez a seguinte declaração: “Os armadores e
a lição antes do acidente. Teria sido bem mais barato.
comandantes devem contratar um prático. Eles devem incluir no valor nominal o treinamento, a expertise e a experiência do
Agora vou fazer uma comparação com os desenvolvimentos
prático.” E prosseguiu: “A autoridade portuária impõe uma cobran-
regulatórios no Reino Unido. Como resultado do Sea Empress, o
ça pela praticagem, mas ao mesmo tempo tem a vantagem
Departamento de Transportes do Reino Unido desenvolveu um
adicional de que o prático é tratado como um empregado do
código de segurança marítima dos portos. Ele estabelece o
armador para fins de responsabilidade civil. Tudo isso demanda as
princípio de uma norma nacional para todos os aspectos da
normas mais rígidas possíveis da parte da autoridade portuária.”
segurança da navegação no porto e visa aumentar a segurança de seus usuários ou trabalhadores. Isso se aplica às operações de
É preciso dar crédito à autoridade portuária de Milford Haven pela
navegação do porto, os bem-estabelecidos princípios da avaliação
maneira como reagiu àquele julgamento. Eles aceitaram os comen-
de risco e dos sistemas de gestão de segurança. O código fornece
tários do juiz, sujeitaram-se a muitos estudos de gestão e aceita-
uma medida pela qual as autoridades portuárias podem ser
ram muitas críticas que receberam, e sua administração da prati-
responsabilizadas pelos poderes e pelas obrigações legais que têm
cagem desenvolveu-se de modo a incorporar as lições aprendidas.
para dirigir o porto de maneira segura e ajudar a executar suas
Por exemplo, a progressão dos práticos está mais rigorosa. São
obrigações com eficiência. É um excelente documento, muito
necessários cinco anos e meio para passar de praticante de prático
completo. Tem, entretanto, uma grande falha. Devido à pressão
a prático de primeira classe. Isso é baseado nas classes de tonela-
comercial das autoridades portuárias, ele não é obrigatório. São
44
simplesmente diretrizes. É um pouco como os Piratas do Caribe, o código de conduta dos práticos, estando mais para diretrizes do que para código. Alguns portos, porém – isso tem de ser dito –, são muito atentos aos requisitos. Outros optam por cumprir apenas algumas seções, e alguns mal prestam atenção ao código. Os portos, por sua vez, precisam escrever ao regulador, ou seja, a Agência da Guarda Costeira Marítima, a cada três anos, para declarar que estão em conformidade com o Código de Segurança Marítima dos Portos. É sua única obrigação. É impressionante que
Embora os práticos do Reino Unido tradicionalmente sejam
cerca de 60% dos portos do Reino Unido não o fazem.
recrutados para capitães de longo curso, na verdade não existe um requisito nacional que defina as normas de entrada. Cada porto
Infelizmente, a guarda costeira não tem recursos nem inclinação
pode estabelecer as próprias normas. Como expliquei, cada
para policiar o código. Os portos inspecionam-se uns aos outros.
porto é, efetivamente, sua própria autoridade de praticagem
Alguns deles de fato convidam um porto local para inspecioná-los,
independente.
e em troca o inspecionam. Um grande operador de portos possui 21 portos no Reino Unido. Em Em resposta a algumas críticas, os portos desenvolveram o Guia de
um deles, o porto de Southampton, é exigida a qualificação de
Boas Práticas, que tem por finalidade complementar o Código
capitão de longo curso. No porto de Humber, um dos maiores
de Segurança de Navegação dos Portos e contém informações
da Grã-Bretanha, o anúncio para o recrutamento de práticos
úteis, diretrizes mais detalhadas sobre várias questões relevantes
simplesmente menciona experiência recente em alto-mar e o
para as autoridades portuárias e diretrizes gerais sobre como uma
direito de residir no Reino Unido, o que pode significar qualquer
autoridade portuária deve cumprir seus compromissos em termos
pessoa dos 27 países da União Europeia.
de conformidade com o código. Outro porto, Cardiff, no sudeste do País de Gales, está atualmente Para evitar confusões, em sua página introdutória há este conselho
tentando treinar um timoneiro de lancha de prático por um período
extremamente útil: como o código, este guia não tem valor jurídico.
de cerca de seis meses. Então, espera-se que ele adquira a
Mas, a mensagem para os portos é bem clara.
experiência e o discernimento de alguém que anteriormente tivesse uma carta de capitão. Isso é algo que não consideramos
Por sua vez, o Departamento de Transportes declarou que gostaria
particularmente adequado, e que estamos levando ao
de ver uma norma ocupacional nacional para os práticos. Os
conhecimento das autoridades regularmente.
práticos do Reino Unido trabalham em estreita colaboração com as associações dos portos para desenvolver normas ocupacionais
O mais recente golpe na praticagem veio há menos de duas
nacionais. Essas normas, que as associações dos portos ajudaram
semanas. O Reino Unido já dispõe de um dos regimes de isenção
a desenvolver, estão anexadas ao Código de Segurança Marítima
de praticagem mais liberais. Com a Lei de Praticagem de 1987,
dos Portos e, lembro a vocês, não são obrigatórias. Então, as
qualquer pessoa de boa fé, o comandante ou imediato de uma
associações dos portos que receberam a tarefa de introduzir tais
embarcação podem candidatar-se a um certificado de isenção se
normas, não as estão aplicando, na maior parte. Muitos práticos do
sua embarcação visita regularmente o porto. Isso significa que,
Reino Unidos se defrontam com autoridades portuárias
em geral, pequenas embarcações costeiras, uma vez tendo
competentes, mas só fazem o mínimo do treinamento, com base
feito meia dúzia de viagens saindo e chegando, poderão fazer
no argumento de custos.
um teste e assim ficar isentas. Devido às normas trabalhistas 45
europeias relativas a horários de trabalho, balsas e dragas
ambiente costeiro. Acidentes não acontecem apenas com os
oceânicas agora têm seu horário de trabalho controlado.
outros. Eu era o prático a bordo do Sea Empress. Ninguém vai
Então, em vez de embarcarem um prático para guiar seu navio
trabalhar buscando sofrer um acidente, nem cria deliberadamente
através da parte mais perigosa da viagem, as zonas de
uma legislação para diminuir a segurança. Há na legislação em
praticagem congestionadas, com fortes correntes e rochas, e
vigor as consequências involuntárias de se criar um ambiente no
tráfego intenso, eles fizeram um lobby bem-sucedido por
qual o foco da operação e dos prestadores de serviço se afasta
mudanças na lei. Assim, desde duas semanas atrás, qualquer
da segurança.
oficial de convés pode conduzir seu navio em zonas de praticagem. Em suas palavras de abertura, Ricardo perguntou: “Por que não Concluindo, a política de portos do Reino Unido é impulsionada
somos uma nação desenvolvida?” Sugiro que vocês têm uma
pelo lobby comercial por meio da Associação de Portos Britânicos,
vantagem: podem aprender com nossos erros, em vez de repeti-los.
do Grupo dos Maiores Portos do Reino Unido e da Câmara de Navegação. A principal motivação é o lucro, e as preocupações com a segurança e a proteção ambiental ocupam posição bastante secundária. Gostaria apenas de resumir o que vimos até aqui. As autoridades devem tomar muito cuidado ao elaborar normas para sistemas de praticagem. O propósito fundamental da praticagem é a segurança da navegação e a proteção dos portos e do meio ambiente. Qualquer legislação referente à praticagem deve garantir que isso continue a ser sua finalidade principal. Normas ineficazes em si mesmas não produzem operadores ineficazes, mas permitem que eles funcionem. A regulação e a prestação dos serviços de praticagem não devem estar sujeitas às pressões comerciais. A regulação focada nos aspectos comerciais da praticagem pode ser prejudicial aos melhores interesses da segurança e da praticagem eficiente. Se você acredita que a prestação de um serviço de praticagem robusto e eficiente custa caro, considere o custo de um acidente − para a pessoa não só em termos financeiros, mas para a vida dos envolvidos, para o porto e seus clientes; para a economia local, para o meio ambiente costeiro e, não menos importante, para a reputação e credibilidade daqueles considerados responsáveis por permitir que o acidente acontecesse, o que poderia facilmente recair sobre os reguladores ou legisladores. Normas rigorosas e treinamento eficiente evitam acidentes. Corte de custos, não. O fornecimento de práticos marítimos altamente treinados, que podem fazer uso de suas habilidades e experiência de forma independente, livre de pressões comerciais, é a melhor salvaguarda que se pode dar à infraestrutura dos portos e do meio 46
Muito obrigado por sua atenção.
Paul Kirchner Advogado em Washington-DC, especializado em direito marítimo desde 1978. Diretor executivo e diretor jurídico da Associação dos Práticos Americanos. Representante dos práticos e seus interesses junto ao Congresso Americano, agências federais, órgãos legislativos e administrativos e à IMO.
Comparação do modelo brasileiro com modelos de praticagem de outros países: a praticagem nos Estados Unidos O sistema de praticagem estadual
É uma grande honra estar aqui, ter sido convidado a juntar-me a esses importantes especialistas e palestrantes.
Uma das primeiras leis de nosso primeiro Congresso foi a Vou falar sobre o sistema de praticagem nos EUA. Há dois artigos,
Lighthouse Act, de 1789. Nessa lei, depois de examinar as
que os organizadores colocaram numa bela capa, que acompa-
atividades marítimas do país, o Congresso fixou quais atividades
nham minha apresentação no powerpoint. Eles estão disponíveis
seriam de responsabilidade do governo federal e quais caberiam
do lado de fora da sala, na mesa à direita da porta. Um deles é um
aos governos estaduais. Como vocês podem imaginar com base no
artigo de revisão de lei sobre a regulação da praticagem nos
nome da lei, o Congresso considerou primeiro os faróis. E decidiu
Estados Unidos. Não vou lê-lo, mas tudo que falaremos aqui está
que o novo governo federal deveria assumir a operação de todos
explicado no artigo com mais profundidade e detalhe. Há também
os faróis do país. Na seção 4 da lei, porém, os congressistas
um artigo de uma página sobre o papel e a responsabilidade de um
analisaram a praticagem e chegaram à conclusão oposta: que
prático nos EUA. Vou ler alguns trechos adiante.
a praticagem deveria continuar a ser regulada pelos estados.
Existem dois pontos principais sobre o sistema de praticagem nos
Essa decisão baseou-se em dois fatos. Naquela época, os estados
Estados Unidos que desejo destacar, sendo o primeiro referente à
(as antigas colônias) tinham sistemas de praticagem próprios havia
sua extrema regulação. Na verdade, temos duas instâncias de
pelo menos 100 anos, e tais sistemas pareciam funcionar bem. O
regulação de praticagem: a do governo federal e, mais importante,
Congresso decidiu que o novo governo federal já tinha trabalho
a dos governos dos estados. Como vocês devem saber, os Estados
suficiente sem se envolver em algo de que os estados já estavam
Unidos têm 50 estados; 24 deles têm costa, e navios oceânicos
cuidando.
chegam e partem de seus portos. Além disso, e mais importante, o Congresso determinou que, deviA segunda característica relevante do sistema de praticagem
do à sua natureza, a praticagem seria mais bem regulada no
americano – e me parece importante que este grupo entenda – é
âmbito estadual; por causa das variações nas condições de um
que os práticos nos Estados Unidos são cidadãos particulares, mas
porto para o outro, uma abordagem nacional não seria a melhor
com responsabilidades públicas. Isso se liga ao que o capitão
solução, e sim manter a regulação em nível local. Com isso, foi
Watson mencionou hoje mais cedo, quanto ao fato de a praticagem
criado, em 1789, o Sistema de Praticagem Estadual, que está em
obrigatória integrar a regulação de segurança da navegação.
vigor desde então.
Trata-se de um serviço público. Isso une esses dois pontos: sendo um serviço público, é totalmente apropriado e correto que o
Esse é, hoje, o sistema de praticagem predominante nos Estados
governo o regule fortemente.
Unidos. Em qualquer discussão sobre práticos de embarcações 47
comerciais internacionais, sabe-se que, nos Estados Unidos, eles
Em termos ideais, todas as atividades de uma comissão de práticos
são estaduais. São indivíduos que têm licença emitida por um
devem estar ligadas a essa tarefa fundamental. Nos Estados
governo estadual. Cada um dos 24 estados costeiros tem um esta-
Unidos, uma típica comissão de práticos estadual emite as licenças
tuto de praticagem e um conjunto de normas de praticagem
de prático, supervisiona o treinamento e faz cumprir a exigência de
próprios. E em 23 deles, a entidade responsável pela regulação
praticagem obrigatória. Com relação a este último aspecto, é
dos práticos é uma “comissão de práticos”. Sua composição e
importante reconhecer que uma comissão de práticos não regula
responsabilidades variam de estado para estado. O modelo de com-
apenas os práticos, mas a praticagem. Deve, portanto, lidar tanto
posição mais comum é a representação cross-sectional de grupos
com os operadores de navios como com os práticos.
interessados. Em geral, há um número igual de usuários de práticos (interesses dos operadores de navios); há os chamados
No Sistema de Praticagem Estadual, o estado supervisiona os
membros públicos; pode haver representantes de entidades
preços da praticagem. Cada estado americano com um sistema de
ambientais e funcionários do governo. Em alguns estados,
praticagem estabelece os preços. As taxas de praticagem não são
conforme seus estatutos, não há práticos na comissão de práticos.
uma questão de acordo privado entre o prático e o operador do navio. O processo de precificação, porém, estimula que práticos e
Nos Estados Unidos, cada comissão de práticos estadual corres-
operadores de navios se reúnam e cheguem a um acordo sobre os
ponde à definição internacional de autoridade de praticagem
preços quando possível. Esses acordos, porém, devem ser aprova-
competente, ou CPA. A tarefa mais fundamental, essencial, de uma
dos e adotados pela entidade de fixação de preços e publicados
comissão de práticos estadual ou de qualquer outra autoridade de
como preços públicos.
praticagem é administrar a exigência de praticagem obrigatória. Resumindo o que as autoridades de praticagem competentes
Os estados também supervisionam as operações de praticagem.
fazem, é isso. Todo o resto dá suporte a esse trabalho. O sistema
As comissões de práticos querem assegurar que a operação de
de praticagem que a autoridade supervisiona está na natureza de
praticagem seja mantida atualizada e que os usuários recebam
um pacto que diz a um operador de navio: “Vamos exigir que você
serviço de qualidade. Isso está relacionado à função estadual de
leve um prático habilitado, mas, em troca, nós (o governo) vamos
fixação de preços. O objetivo da fixação dos preços é garantir não
assegurar que você tenha um prático sem demora e sem discrimi-
só que eles sejam justos e razoáveis para os usuários, mas que
nação. Esse prático será treinado, competente, estará descansado,
produzam receita suficiente para pagar os custos do tipo de
habilitado e completamente preparado para prestar serviços
operação que o estado determina que quer e de que necessita
especializados de praticagem. Não só isso, o prático terá o apoio
para proteger suas águas e manter o comércio funcionando sem
operacional que dispõe de tudo que uma operação de praticagem
problemas. Em outras palavras, os preços não devem ser altos
eficiente e moderna deve ter. Terá, por exemplo, lanchas de prá-
demais nem baixos demais.
tico de primeira categoria, sistema de distribuição de práticos, escalas de rodízio, equipamentos de comunicação, PPUs, rádios
Finalmente, a regulação do estado inclui a responsabilização
e estrutura administrativa bem dirigida.”
profissional. Se um prático tem desempenho deficiente, se ocorre um acidente resultante do erro de um prático, se um prático apresenta conduta imprópria, a comissão de práticos vai analisar as queixas sobre os práticos, vai investigar os acidentes e, se necessário, tomar providências para responder a problemas no desempenho dos práticos. Em resumo, o Sistema de Praticagem Estadual é abrangente. As amplas atividades das autoridades de praticagem competentes dos estados fazem parte da responsabilidade governamental de garantir que o interesse público na segurança da navegação, na
48
proteção ambiental e no comércio aquaviário eficiente esteja resguardado e que os operadores de navios recebam serviço de praticagem de primeira categoria e especializado, em troca de sua obrigação de solicitar o serviço do prático. Regulação federal da praticagem Como mencionei, existe também uma instância de regulação federal nos EUA. A Guarda Costeira dos Estados Unidos emite as licenças federais de prático. No entanto, as normas para essas licenças são muito menos rígidas do que para as estaduais, porque a federal serve a diversos propósitos. Cada um dos 1.200 práticos
americana. Essas operações não são numerosas e requerem
estaduais nos Estados Unidos também tem licença federal que
apenas um prático portador da licença federal. No entanto, a maio-
serve, nesse aspecto, como norma mínima nacional.
ria desses navios – muitos, hoje, são petroleiros – vai embarcar um prático com licença estadual, pois ele também tem licença federal,
Existe um sistema de praticagem dos Grandes Lagos, configurando
e o operador de navios reconhece as vantagens de levar um prático
uma operação restrita, para a qual há 32 práticos americanos. Por
que atenda às normas estaduais mais rígidas.
causa de suas águas internacionais, é necessário um sistema regulatório federal. De acordo com a Constituição dos Estados
O papel do prático
Unidos, nenhum estado pode estabelecer acordos com um governo estrangeiro; portanto, para celebrar acordos com o Canadá sobre
Nos materiais disponíveis na mesa no saguão de entrada, há uma
as operações de praticagem nos Grandes Lagos, precisamos de
explicação de uma página sobre o papel do prático e as respectivas
uma entidade federal encarregada da praticagem na região.
responsabilidades de práticos e comandantes sob a lei americana.
Quando o sistema St. Lawrence Seaway foi expandido, em 1960,
Vocês vão perceber que a explicação inclui a declaração de que o
para que grandes – na época – navios oceânicos pudessem usar os
prático obrigatório não é um membro da equipe do passadiço. Essa
portos dos Estados Unidos e Canadá nos Grandes Lagos, o
declaração recebeu muita atenção desde que a explanação foi
Congresso aprovou a Lei de Praticagem dos Grandes Lagos. Essa
formalmente adotada pela APA, em 1997. A finalidade da declara-
lei, de 1960, criou um sistema de praticagem inteiramente novo
ção foi conseguir que as pessoas reconheçam que a praticagem
para a região, inspirado no sistema estadual. Na época, um
obrigatória, ao menos nos Estados Unidos, e na verdade em muitos
escritório do Departamento de Comércio dos Estados Unidos foi
outros países, é um serviço público e que os práticos precisam
designado para dirigir o sistema de praticagem na região, seme-
exercer seu juízo independente.
lhante ao Sistema de Praticagem Estadual. Por conseguinte, os práticos dos Grandes Lagos têm licença federal, mas também um
Isso significa que há momentos em que o prático tem de dizer
“registro”, análogo a uma licença estadual, com normas mais
“não”. Se o operador de um navio quer partir sob condições nas
rígidas e treinamento adicional, além e acima da licença federal.
quais o navio não deve partir, o prático tem de dizer “não”. Se o
Os preços são regulados e existem limites para o número de práti-
operador quer fazer algo que o prático julga ser inseguro, o prático
cos registrados. O sistema de praticagem dos Grandes Lagos,
deve ter liberdade e autoridade para dizer “não”. O prático não
atualmente administrado pela Guarda Costeira dos Estados Unidos,
está ali simplesmente para fazer o que o comandante ou a compa-
tem a maioria dos atributos do Sistema de Praticagem Estadual,
nhia operadora do navio lhe diga para fazer. Felizmente, os exemplos
embora seja dirigido de maneira um pouco diferente.
desse tipo de conflito são extremamente raros, mas acontecem. Os práticos estaduais são avisados de que, se não se mantiverem
Finalmente, na praticagem federal, existe isenção da regulação
firmes e não fizerem o que é necessário e viável para defender os
estadual para as operações de navios de cabotagem de bandeira
interesses do estado, serão responsabilizados. Tivemos casos em 49
que isso ocorreu, quando um acidente resultou de uma decisão do
de conselheiro. No entanto, não vamos tentar varrer do mapa o
comandante do navio com a qual o prático não concordou, e este
clichê prático-como-conselheiro fora de nossa tradição marítima.
foi punido por não manter sua posição e não agir para fazer valer
Simplesmente queremos evitá-lo em discussões sérias sobre
os interesses do estado e evitar um acidente.
o que os práticos fazem e quais são suas responsabilidades e obrigações legais.
Costumava-se dizer que o papel do prático é proteger o navio dos perigos apresentados em um porto. Hoje, por outro lado, o papel do
Como seu estado espera que o prático exerça seu juízo profissional
prático é proteger o porto dos perigos que o navio representa. O
independente no interesse público, existem diversas característi-
público espera que os práticos evitem acidentes. Obviamente, os
cas do Sistema de Praticagem Estadual que buscam proteger o
práticos têm de equilibrar isso com sua obrigação de prestar bons
prático de pressões que podem comprometer sua segurança e seu
serviços ao navio − esse é um dos aspectos singulares a seu
julgamento. Falarei sobre essa característica a seguir.
respeito. Os práticos têm posição muito firme sobre o transporte comercial. São marítimos, fazem parte do setor de navegação;
Concorrência
sentem-se responsáveis pela saúde e bem-estar econômico de seu porto, querem manobrar navios. No fundo de todas as suas
Somos frequentemente indagados a respeito de concorrência.
decisões, porém, está a responsabilidade básica de evitar um
Tenho o prazer de informar que, nos Estados Unidos, adotamos a
acidente, se puderem.
praticagem não competitiva. Cada estado e o escritório da Guarda Costeira que regula os práticos dos Grandes Lagos limitam o
Portanto, se vocês lerem essa explanação de uma página, verão
número de licenças que emitem. O capitão Watson falou esta
como se busca conciliar esses dois aspectos. O texto começa com
manhã sobre o objetivo dos reguladores da praticagem de determi-
o princípio básico de que a navegação é responsabilidade compar-
nar e manter o número “certo” de práticos.
tilhada por prático, comandante e tripulação do passadiço. Quando preparamos uma primeira minuta, com a assessoria dos operado-
Nos Estados Unidos e nos Grandes Lagos não existe um lugar no
res de navios, em 1997, eles ficaram muito contentes com a decla-
qual os práticos estaduais e os práticos dos Grandes Lagos concor-
ração. Consideraram que se tratava de uma grande concessão por
ram por trabalho. Só no estado de Connecticut, principalmente nas
parte dos práticos. Não pensamos isso. Pensamos, é claro, na época
águas do estuário de Long Island, existem vários grupos de práti-
e ainda agora, que a tripulação do passadiço e os práticos têm de
cos que operam dentro da mesma área. Entretanto, todos devem
compartilhar a responsabilidade e que cada um tem uma função
participar de uma escala de rodízio conjunta, e o objetivo disso
importantes para desempenhar na navegação do navio. Eles
é evitar que concorram por trabalho. Em Connecticut, portanto, é
precisam respeitar suas respectivas funções e trabalhar juntos.
possível haver diversos grupos de práticos, mas a escala de rodízio obrigatória evita os efeitos nocivos da concorrência. Nesse siste-
A declaração seguinte é que o prático dirige a navegação da
ma não há incentivo para que existam vários grupos de práticos.
embarcação sujeito às ordens gerais do comandante. Isso está
Na verdade, o incentivo é para que eles se unam e operem como
totalmente fora da jurisprudência nos EUA há mais de 100 anos.
uma unidade, a fim de reduzir despesas e atingir economias de
Esse é o relacionamento real do comandante e do prático. Vocês
escala. Acredito que isso vai acontecer com o tempo.
podem perceber que evitamos usar o termo “conselheiro” para descrever o prático. Esse termo é enganoso. O prático faz mais do
A praticagem não competitiva nos EUA é resultado de uma deter-
que simplesmente aconselhar, e o público e a lei esperam dele
minação política específica por parte dos estados, segundo a qual
mais do que isso. Ao nos opormos ao uso de “conselheiro”, reco-
a regulação econômica, mais do que as forças de mercado, é a
nhecemos que referir-se aos práticos como conselheiros é parte da
melhor maneira de manter a praticagem de interesse público e
tradição marítima. Pessoas que respeito muito vão citar a tradicio-
proteger a segurança da navegação. O estatuto da Flórida mencio-
nal entrada no diário de bordo: “ordens do comandante, conselho
nado pelo capitão Watson pela manhã explica essa determinação.
do prático”. Alguns práticos se sentem confortáveis com o rótulo
A legislação da Flórida sentiu que era importante dizer, antes de
50
tudo, na primeira disposição de seu estatuto de praticagem, por
Muitas vezes observamos que não é tão importante o tipo de pes-
que eles acreditam que a praticagem não deve ser deixada à mercê
soa que entra no sistema de seleção e treinamento, mas sim a
das forças de mercado.
pessoa que dele sai. O objetivo de todo sistema é produzir, ao fim do programa de treinamento, um prático que tenha as habilidades
Seleção e treinamento de práticos
e o conhecimento necessários aos trabalhos de praticagem naquela zona. Nos EUA, os estados são encorajados a focar sua
De onde vêm e como são treinados os práticos nos Estados
regulação de praticagem nas necessidades locais. Portanto, as
Unidos? Assim como para outras perguntas sobre praticagem
variações entre os programas estaduais não constituem um ponto
americana, a resposta breve é que cada estado tem um sistema
fraco do Sistema de Praticagem Estadual; são antes um grande
próprio. As qualificações e o processo de seleção para novos práti-
ponto forte do sistema.
cos mudam de estado para estado. Alguns deles, em particular os da costa leste, tradicionalmente têm usado pessoas sem experiên-
Cada estado tem requisitos para o treinamento contínuo. O modelo
cia de navegação. No entanto, quanto menor a experiência ou
mais comum é um ciclo, em geral de três ou cinco anos, de
formação marítima exigida na seleção, mais longo o período de
treinamento contínuo em áreas como manobras de emergência,
treinamento. Esses grupos de práticos vão treinar essas pessoas
navegação eletrônica, BRM para práticos (BRM-P), prevenção/
“do zero”. Outros locais exigem experiência anterior, em alguns
mitigação da fatiga e segurança pessoal. O treinamento é
casos como comandante de navio de longo curso.
fornecido por meio de métodos tais como simuladores Full Mission Bridge, modelos tripulados e instrução em sala de aula.
Um bom exemplo das variações nos critérios de seleção e
Recentemente estabelecemos diretrizes para treinamento em
programas de treinamento nos EUA pode ser encontrado no Rio
ECDIS para práticos, por exemplo, e temos um programa de
Columbia, no Oregon. Dois grupos de práticos operam lado a lado.
treinamento em BRM desde 1993. Naquele ano, a APA recomen-
Todos os práticos da barra do Rio Columbia são ex-comandantes
dou formalmente que os práticos recebessem treinamento em
de navios de longo curso. Eles levam o navio através da barra e,
BRM e o renovassem a intervalos regulares, hoje estabelecidos
assim que entram, o entregam a um prático do Rio Columbia.
em cinco anos. Aprovamos os cursos de BRM de acordo com as
Todos os práticos do Rio Columbia são oriundos do setor local de
diretrizes que elaboramos com a assessoria do Conselho Nacional
rebocadores-barcaças fluviais. Os dois grupos de práticos têm
de Segurança nos Transportes dos Estados Unidos.
formações completamente diferentes, mas ambos operam no mesmo estado e são habilitados pela mesma comissão de práticos.
Nossas diretrizes para o treinamento em BRM conceberam cursos
Seus programas de treinamento, devido às diferenças de formação
significativamente diferentes dos cursos de BRM oferecidos para
dos aprendizes, são completamente diferentes.
as tripulações de navios – porque as tarefas e os desafios da navegação para os práticos são bastante diferentes daqueles para
Embora os práticos da barra e os práticos do rio no Oregon se
as tripulações de navios. Os práticos encontram ambiente dife-
respeitem mutuamente e respeitem suas respectivas habili-
rente quase a cada vez que embarcam num navio. Enquanto o BRM
dades, cada um acredita que seu sistema é o melhor. Esse é um
para tripulações de navios enfatiza rotinas e práticas padronizadas,
sentimento bastante universal entre os diferentes grupos de
os práticos precisam ser flexíveis em sua abordagem, dependendo
práticos nos EUA e, imagino, em todo o mundo. Cada grupo
do que encontram em cada navio. Por conseguinte, a ênfase num
acredita firmemente que seu sistema é o melhor. E o interessante
curso de BRM-P está em duas tarefas essenciais para um prático
sobre isso é que todos têm razão. Cada um tem o melhor sistema
– avaliar e adaptar. Embora os práticos venham fazendo isso há
para suas condições e necessidades específicas. Ao longo dos
centenas de anos, um dos objetivos do curso é fazê-los pensar
anos, os requisitos de qualificação e programas de treinamento
sobre como, ao chegar, avaliam os recursos do navio, tanto em
em cada estado se desenvolveram e produziram os melhores
termos de pessoal como de equipamentos, e depois como devem
práticos possíveis, dadas as demandas específicas da zona
adaptar suas práticas para utilizar da melhor maneira o que encon-
de praticagem.
tram. Por exemplo, se um prático vê um navio de primeira classe 51
com tripulação engajada e muito profissional, ele vai manobrar de
Há também penalidades civis e multas aplicadas pelos governos
uma determinada maneira. Se o trabalho seguinte envolve um
estadual e federal − não necessariamente relacionadas a
navio mal equipado e mal conservado, cujo comandante parece
acidentes com navios. Se o desempenho de um prático foi
pouco profissional e não interessado no que vai acontecer durante
negligente, se ele violou alguma regra ou apresentou conduta
o trabalho de praticagem (e frequentemente os práticos deparam
inadequada, pode haver multa substancial.
com essa circunstância), o prático terá de adaptar sua ação. Cada vez mais – e esse é o constrangimento aqui – existe o risco Como nosso BRM-P existe há 20 anos, muitos práticos americanos fre-
muito real de ação penal para um prático infeliz o bastante para
quentaram cinco ou seis cursos de BRM-P ao longo de suas carreiras.
estar num navio que se envolveu num acidente do qual resultou morte ou, ainda pior, derramamento de óleo. Não tenho tempo para
Situação profissional dos práticos americanos
discutir isso em detalhe, mas a realidade hoje é que, se houver óleo na água ou morte, alguém deverá sofrer uma ação penal. Isso
Em geral, os práticos estaduais são profissionais autônomos.
também se aplica aos práticos, e há alguns anos vimos um deles
Pertencem a uma associação com o objetivo de dividir despesas e
ser processado.
serviços de apoio, a fim de atingir eficiências de operação e economias de escala. A esse respeito, eles operam de maneira seme-
Os processos civis também constituem grande preocupação. Por
lhante a um escritório de advocacia ou grupo de médicos. Cada
diversas razões que estão além do escopo dessa discussão,
prático estadual tem um grande investimento financeiro de risco na
normalmente os práticos não são processados pelos danos resul-
operação do grupo. Eles não são empregados; não recebem salário.
tantes de um acidente. Isso, no entanto, está mudando. Os práticos
Na maioria dos lugares, têm de pagar para entrar no grupo. Depois
estão sendo processados com mais frequência. Para tratar essa
que se tornam práticos plenos, precisam comprar uma participação
questão, dez dos 24 estados adotaram alguma forma de limitação
no negócio. A justificativa para isso é que eles estão obtendo a
de responsabilidade civil estatutária. Embora sejam apenas dez,
vantagem da infraestrutura pela qual os práticos que são integran-
eles são os estados com os maiores números de práticos − então
tes do grupo já pagaram.
bem mais de 50% dos práticos nos EUA operam em zona que dispõe de um sistema de limitação de responsabilidade civil.
Nos Estados Unidos há apenas um porto diferenciado, Los Angeles, cujos práticos são funcionários municipais. É uma situação espe-
Tais sistemas assumem uma de duas formas. Alguns estados têm
cífica. Nem o porto de Los Angeles nem o porto vizinho de
teto para o valor dos danos recuperáveis de um prático. Por
Long Beach fazem parte do Sistema de Praticagem Estadual.
exemplo, esse teto é de US$ 1.000 no Texas e de US$ 5.000 no
Os práticos desses dois portos não têm licença estadual. Em
estado de Washington. Existe outra forma de limitação de
Long Beach, uma empresa privada, a Jacobson Pilots, recebeu
responsabilidade civil que consiste num sistema relativamente
do porto concessão por muitos anos.
complicado. É com frequência chamado de sistema de preço duplo. Em troca de um preço de praticagem mais baixo, que é na verdade
Responsabilização profissional
o preço de praticagem habitual, um navio concorda em retirar todas as queixas contra o prático e em indenizar e isentar de
Um prático estadual num navio que se envolve em acidente marí-
responsabilidade o prático contra queixas de terceiros. Esse é o
timo vai ser investigado. Se ficar constatado que um erro seu foi
sistema, por exemplo, que está em vigor em São Francisco. Foi
a causa do acidente, podem ser tomadas providências contra a
aplicado no caso do acidente com o Cosco Busan em 2007, e o
licença do prático, tanto pelo governo estadual quanto pelo
prático de São Francisco que se achava a bordo do navio estava
federal. As opções básicas são: a licença pode ser revogada ou
coberto por esse sistema.
suspensa. Algumas das autoridades habilitadoras vêm-se mostrando um tanto criativas ao aplicar outras medidas, tais como
Em todos esses sistemas, a limitação de responsabilidade civil não
exigir treinamento adicional, viagens de observação etc.
se estende à suposta negligência ou conduta dolosas. Portanto,
52
qualquer limitação que conste do estatuto não se aplicará no caso
Terceiro, no Sistema de Praticagem Estadual os práticos são
de um prático considerado gravemente negligente ou culpado de
protegidos das pressões econômicas que poderiam comprometer
conduta dolosa.
a segurança. O sistema estadual é concebido para oferecer aos práticos essa proteção.
A limitação de responsabilidade civil existe há muito tempo. É aceita pelos estados e, na maioria dos lugares, pela comunidade
Quarto, os práticos têm interesse profissional e financeiro no
de operadores de navios, porque é economicamente eficiente. Não
sucesso da operação de praticagem em seu porto. Isso porque eles
existe seguro capaz de cobrir um prático pelo risco potencial de
não são empregados nem recebem salário. O que eles ganham –
responsabilidade civil – de muitas centenas de milhões de dólares
sua renda – baseia-se no trabalho que fazem. Se sua operação de
– em que incorre a cada vez que embarca num navio. Considerado
praticagem e seu porto estiverem bem financeiramente, eles
esse risco, uma tarifa de praticagem num contexto de responsabi-
também estarão.
lidade civil ilimitada teria de cobrir o custo do seguro de responsabilidade civil para o prático, se disponível (que seria proibitiva-
Quinto, há compensações financeiras para os práticos nos EUA.
mente caro em relação ao preço normal de praticagem), ou o risco
Essas compensações atraem pessoas de alta qualidade e
econômico que o prático está assumindo toda vez que vai trabalhar.
motivadas. Ser prático é atingir o auge da profissão de marítimo,
Isso não só seria prejudicial ao setor de navegação, como não
e os práticos são remunerados de acordo.
serviria a nenhum propósito válido. Os navios já têm seguro contra erros dos práticos; portanto, faz sentido que a responsabilidade
Finalmente, a regulação da praticagem nos EUA é um processo
civil do prático seja limitada ou transferida para o navio, que está
democrático. É transparente. Nos EUA, os práticos, os usuários da
segurado. Isso evita o duplo seguro ineficaz.
praticagem e o público participam do sistema; podem dirigir petições ao governo. A praticagem é totalmente direta e aberta;
A questão importante ao se considerarem as diferentes conse-
não há acordos de bastidores.
quências de um erro ou mau desempenho de um prático nos EUA é que existe responsabilidade. Mais do que isso, a carreira de um
Essa é uma breve descrição da praticagem nos EUA. Terei prazer
prático está em jogo toda vez que ele vai a bordo de um navio.
de responder às perguntas e agradeço a atenção de todos.
Benefícios do sistema de praticagem americano A regulação da praticagem no sistema americano não é perfeita. Mas é claramente bem-sucedida. Está em vigor há muito tempo e tem benefícios significativos – para os operadores de navios, para o público e para os práticos. Primeiro, é um verdadeiro sistema do tipo “quem paga é o usuário”. Não há subsídios do governo. Os contribuintes não são responsáveis pelo pagamento dos práticos. O custo da praticagem recai sobre os usuários do serviço. Não obstante, o público dele muito se beneficia. Segundo, existem duas instâncias de supervisão regulatória. Às vezes isso pode ser complicado, e às vezes os sistemas regulatórios estaduais e federal podem entrar em conflito. Nenhum prático, todavia, vai passar despercebido na regulação governamental. 53
Hans-Herman Lückert Capitão de longo curso. Prático do Canal de Kiel e do Báltico Ocidental desde 1993. Presidente da Associação de Práticos do Canal de Kiel e Báltico Ocidental desde 2005. Presidente da Associação Alemã de Práticos desde 2009. Vice-presidente da Associação Internacional de Práticos – IMPA.
Comparação do modelo brasileiro com modelos de praticagem de outros países: a praticagem na Europa OK. Antes de tudo, quero dizer obrigado e que é uma grande
conhecimento algum. Então, contratavam pessoas que
honra para mim, senhoras e senhores, ser convidado a vir aqui
tinham conhecimento para conduzir um navio. Esses homens eram
e fazer uma rápida palestra. Agradeço especialmente ao Otavio,
chamados de pilotos. Acho que esse foi o primeiro relacionamento
ao Marcelo e a vocês. Muito obrigado a todos.
de confiança entre armadores e práticos.
Gostaria de falar um pouco sobre o sistema de praticagem alemão
A primeira vez que encontramos praticagem, ou alguma
e um pouco sobre os sistemas de praticagem europeus que
regulamentação de praticagem, foi durante o período hanseático.
temos aqui.
No século 14, pescadores locais atuavam como práticos do mar. Duzentos anos depois, as Normas de Praticagem de Hamburgo Primeiro, volto rapidamente ao pas-
existiam, mas um comentário sobre os hanseáticos: atualmente
sado, à história. Existem diferen-
circula uma piada em meio a cidadãos, comerciantes e negociantes
tes nações na Europa, com diferentes
hanseáticos. Eles dizem que os hanseáticos venderiam a avó e
idiomas, e, portanto, vamos nos referir
os hamburgueses, que também são hanseáticos, de fato a
a loods, ludsman em russo; lotsman,
entregariam! E, apenas para sua informação, a Hamburg Süd
em sueco; piloto. Piloto, por exemplo:
está localizada em Hamburgo.
antigamente, há dois séculos, especialmente na região do Mediterrâneo, os
A primeira estação de práticos situava-se na costa báltica, perto de
armadores possuíam navios e deseja-
Kiel. Naquela época, o canal de Kiel não existia. Sou prático
vam ser os comandantes desses navios, mas não tinham
do Canal de Kiel, e aquela foi a primeira estação sob supervisão governamental. A primeira Federação Alemã de Práticos foi fundada em 1919, logo após a Primeira Guerra Mundial, e na época foram estabelecidas algumas diferentes avaliações de práticos. Há algumas frases muito importantes, por exemplo, a do poeta Joseph Conrad: “Os práticos são a personificação da confiabilidade”; e acima vocês veem a charge “Dropping the Pilot”, sobre a demissão do chanceler Otto von Bismarck. Não seria a Alemanha se tudo não fosse regulamentado por normas e algumas leis. De uma, porém, tenho muito orgulho. É a Lei Alemã de Praticagem, que entrou em vigor em 1954 e descreve tudo que se relaciona à praticagem. Zonas de praticagem, como vemos aqui no mapa muito claramente, temos sete, diferentes,
54
mas todas sob as mesmas normas. Temos a parte oeste, próximo à fronteira com a Holanda, o Rio Ems, depois temos o Rio Weser, o Rio Elbe, o Porto de Hamburgo, o Canal de Kiel, parte leste e parte oeste, e os Países Bálticos. Ao todo, somos cerca de 900 práticos em todas as zonas. A Lei de Praticagem também descreve como formar os jovens práticos, como calcular os preços e o rendimento do prático, o tempo de trabalho, a supervisão, os sistema de transbordo, responsabilidade civil, gestão da qualidade, organização e administração etc. Tudo está de fato contido na Lei de Praticagem. É, portanto, um caminho muito longo, e agora temos tido proAgora vamos examinar a praticagem alemã. Podem ver que em
blemas para encontrar jovens, homens e mulheres, que queiram
2008 tivemos mais de 200 mil manobras de praticagem na
tornar-se práticos. Começamos a discutir o novo sistema, mas são
Alemanha, e depois, devido à crise financeira em 2009, esse
necessários dois anos para estabelecer um sistema tão grande.
número caiu para 130 mil, e, no final de 2012, nos aproximamos do correspondente ao ano de 2005 novamente.
Aqui, vocês podem comparar o número de manobras e o número de práticos. Vejamos o ano de 2008. Temos um
E quanto à formação e ao treinamento avançado? Pelo menos,
grande número de práticos, um menor número de práticos e
aqueles que gostariam de se tornar práticos devem ser aprovados
muitas manobras de praticagem, e depois exatamente o oposto.
na escola pública, com a graduação, e depois devem trabalhar no mar durante pelo menos dois anos como aprendizes. Em seguida, devem ir para a escola de navegação e concluir o STCW; precisam no mínimo de um bacharelado. Depois de passar pelo STCW ilimitado, trabalham novamente no mar para completar três anos de experiência. E, então, podem tornar-se práticos, e a Administração de Águas e Navegação vai examinar se todos os requisitos estão preenchidos. Eles têm mais oito meses de formação em alguma zona de praticagem específica, e só depois vem a prova. Aprovados, começam como práticos juniores, durante três anos, com limite quanto ao tamanho do navio. Depois disso tornam-se práticos seniores, sem limite algum. 55
Essa crise foi boa para os práticos, que fizeram muitas horas
cos e a supervisão do governo são ambas responsáveis pela gestão
extras. Tínhamos atravessado um deficit de pelo menos 40% de
da qualidade. A associação dos práticos deve investigar e fazer o
práticos; foi bom para pensar na vida, relaxar um pouco. O período
treinamento de segurança regularmente, a análise de acidentes,
anterior à crise foi realmente muito difícil para nós.
novos desenvolvimentos. Cabe-lhe também o ônus da prova, conforme o parágrafo 26 da Lei Alemã de Praticagem. E a supervisão do governo vai trabalhar em paralelo, especialmente no sistema de serviços de tráfego de embarcações.
Às vezes, porém, temos problema. O prático tem de reportar-se o tempo todo à Administração de Águas e Navegação, mas nossa orientação é: primeiro nos contate para informar ao presidente da associação de práticos local, ou aos advogados, e depois então reporte-se à autoridade. Assim, a supervisão legal é uma questão central na Alemanha. Todas as sete zonas de praticagem alemãs têm a mesma Agora, quanto ao sistema de transbordo do prático, antigamente,
supervisão legal da Administração de Águas e Navegação.
essa parte era do governo; uma parte muito cara. Então, o governo
Consideramos muito importante ter um sistema comum para todo
transferiu isso para o Bundeslotsenkammer, que estabeleceu,
o país.
em 1964, uma empresa chamada Lotsbetriebsverein. A Lotsbetriebsverein é responsável por todo o transporte dos
E de onde vem o dinheiro? Existe uma tarifa de praticagem.
práticos e emprega 450 pessoas. Nosso orçamento anual é
Ela é paga por todo navio acima de 300AB, e é cobrada pela
de 60 milhões de euros. O sistema é o seguinte: todos os
administração. Primeiro tiramos o dinheiro para o transporte dos
equipamentos, todas as lanchas pertencem ao governo, mas
práticos, ou seja, 60 milhões por ano, depois distribuímos para
toda a manutenção cabe a nós. Portanto, é um bom sistema.
cada associação de práticos e deduzimos o custo de nossa
Os práticos também estão à frente do sistema de transbordo
administração. O resto é enviado a cada prático em partes iguais;
e de transporte. Usamos diferentes tipos; usamos helicópteros;
trata-se do último sistema comunitário em toda a Europa, acredito.
nessa foto podem ver a tecnologia SWATH, é um sistema novíssimo, muito bom, mas muito caro.
Como eles definem a tarifa? Todo ano discutimos com o ministro dos Transportes. Ele define o preço da praticagem, e todo ano
Chegamos à gestão da qualidade. É a coisa mais importante na
temos uma discussão sobre isso, mas o contrato é que o rendi-
Alemanha. Adotamos o seguinte sistema: a associação dos práti-
mento do prático vai aumentar de acordo com o aumento médio
56
do rendimento do empregado alemão. Esse é o acordo. Precisamos ter conversas especiais quando queremos algo importante, como, por exemplo, estabelecer um sistema PPU, ou algo assim.
Temos um problema especial com o tamanho dos navios. Por exemplo, essa é a eclusa de Kiel, e o tamanho dos navios que usam o canal de Kiel só está aumentando. No Rio Weser e no Rio Elbe, nos últimos cinco anos, o tamanho aumentou cerca de oito mil A Resolução IMO A.960 está integralmente implementada na
toneladas brutas. No canal de Kiel, aproximadamente duas
Lei de Praticagem. Assim, de acordo com essa norma, todos os
mil toneladas brutas. Então precisamos fazer um treinamento
práticos alemães fazem o treinamento avançado.
especial para os práticos no simulador, para que eles possam manobrar navios tão grandes. Agora vamos ver um pouco da Europa. Em geral, a Europa é um problema, devido às diferentes nações. Somos 26 membros na UE agora. Duas semanas atrás, o mais novo membro era a Croácia. Então, 26 nações, e cada nação teve um desenvolvimento diferente no passado. O principal problema relativo à praticagem está nos diferentes sistemas usados. Por exemplo, os práticos são autônomos na Alemanha, França, Holanda; são empregados dos portos, ou supervisionados pelos portos, no Reino Unido; empregados pelo governo na Bélgica, Noruega e Dinamarca. A maioria dos práticos europeus é empregada pelo governo.
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O principal problema, que já mencionei, é que ao longo dos últimos
Sabemos, porém, pela nossa experiência na Europa Ocidental, que
20 anos, depois da queda da Cortina de Ferro, a maioria dos novos
não podemos lidar com isso. A praticagem deve ser um sistema
membros da União Europeia veio da antiga parte comunista da
estritamente regulamentado. A competição é como se você
Europa. Na Europa, estamos perto de cinco mil práticos.
comparasse com uma brigada de incêndio: há um incêndio e realmente não dá tempo de fazer uma oferta, só dá tempo de chamar
O problema para o sistema é que, na Europa Oriental, eles tiveram
um único número, e a partir daí a operação seguir em frente.
uma atividade absolutamente regulada, e agora as pessoas oriun-
É um grande erro.
das desses países gostariam de ter total desregulamentação. Existem muitas áreas nas quais é perigoso estar totalmente
A posição alemã é muito clara. Não é apenas a minha posição, é a
desregulamentado, e a praticagem na Europa é uma delas. Deve
posição do Parlamento alemão. Teremos um sistema de praticagem
ser regulamentada. Temos a Comissão Europeia, temos o Conselho
regulamentado. Somos contra a competição e precisamos da
Europeu e temos o Parlamento Europeu. E agora o caminho é a
praticagem obrigatória em todos os portos, e é absolutamente
Comissão Europeia; o comissário para a DG MOVE, da Estônia, faz
inacreditável para a Alemanha que a ordem venha de Bruxelas
algumas propostas e vai para o Conselho, formado pelos
sobre o que temos de fazer em águas alemãs, por exemplo.
primeiros-ministros ou presidentes de cada estado-membro, e depois para o Parlamento Europeu. E a questão é que, por exemplo,
Portanto, somos estritamente contra a proposta do Sr. Kallas, mas
o Sr. Kallas fez uma proposta de desregulamentação total e
estamos em meio a uma discussão, e o Sr. Kallas e a União
estabelecimento de um sistema competitivo, e assim por diante.
Europeia vão fazer propostas durante o verão. Estou otimista de que poderemos defender a praticagem e manter um sistema regulado na Europa. Trata-se de um grande problema para nós, mas acho que, se estivermos unidos, seremos fortes e bem-sucedidos também em Bruxelas. Esse é nosso principal objetivo. OK, é isso. Estou à disposição para perguntas, obrigado pela atenção.
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Ronaldo Fiani Doutor em economia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro Professor-associado do Instituto de Economia da UFRJ. Foi assessor do Ministério da Fazenda, da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis.
Características econômicas da praticagem, competitividade e regulação econômica Em geral os benefícios para a sociedade aumentam com a
resultantes de sua atividade produtiva, os quais possuem impacto
introdução de competição. A razão disso é que, com a competição,
adverso sobre a fauna que habita o rio, incluindo-se aí os peixes
a quantidade ofertada aumenta, e os preços declinam, permitindo
dos quais os pescadores extraem seu sustento.
que mais pessoas possam consumir os bens ou serviços ofertados, e, assim, o bem-estar da sociedade aumenta. No serviço de prati-
Trata-se, assim, de uma externalidade negativa, pois a produção da
cagem, contudo, a introdução de competição pode provocar danos
fábrica gera um custo para os pescadores: a redução na população
à sociedade, que superam em muito os benefícios oriundos de
de peixes e o consequente aumento nas horas de trabalho para
eventuais reduções nos preços. Isso se explica pelo fato de que a
obter quantidade de pescado igual à que recolhiam antes da insta-
praticagem é afetada por significativas ‘externalidades’. Diz-se
lação da fábrica. Contudo, como não há um ‘mercado’ para as
haver externalidades quando as decisões de um agente afetam
águas do rio, os custos de operação da fábrica não incorporam os
outros agentes, sem que o agente que afetou os demais negocie
custos da utilização da água, que é um recurso produtivo da socie-
esses efeitos em um mercado. As externalidades podem ser nega-
dade (pois serve para lançar os dejetos da fábrica, assim como é
tivas ou positivas. Há externalidades negativas quando as ações de
dela que são obtidos os peixes consumidos).
um indivíduo ou empresa geram custos para outros indivíduos ou empresas, sem que o agente que adotou as ações seja cobrado por
Assim, os custos da fábrica serão menores do que deveriam, pois
isso. Diz-se haver externalidades positivas no caso de um agente
não incluem os peixes que não são mais pescados, em função da
gerar benefícios para outros, que não pagam por esses benefícios.
diminuição de sua população, ocorrida como resultado da atividade fabril. Em decorrência, dados os preços dos produtos químicos
Vamos ilustrar o problema das externalidades com dois exemplos.
produzidos pela nossa hipotética fábrica, seus lucros serão maio-
Suponhamos que uma fábrica de produtos químicos se instale às
res do que deveriam ser se incorporassem os custos que gera para
margens de um rio onde vive uma comunidade de pescadores. A
a sociedade, por conta da redução no volume de peixes. Sua
fábrica faz uso das águas do rio para lançar dejetos industriais,
produção será superior àquela que seria interessante do ponto de vista social (considerando-se a redução na satisfação dos pescadores e dos consumidores de peixe pela diminuição da quantidade de pescado). É fácil identificar que esse tipo de problema ocorreria também no caso de um serviço de praticagem inadequado que retardasse os fluxos comerciais ou mesmo provocasse acidentes com embarcações. Os prejudicados seriam todos os envolvidos nas atividades de exportação e importação no país, mais as populações das proximidades dos portos ou dos rios navegados, mas esses vários 59
cial e afetam positivamente toda a rede logística ligada ao comércio exterior. Dessa forma, os lucros de um serviço de praticagem eficiente se difundem pela economia. Entretanto, como os práticos não serão remunerados pelos vários agentes beneficiados, estariam sendo geradas externalidades positivas para todos esses agentes favorecidos. Por conseguinte, em decorrência da não remuneração dos benefícios gerados, os práticos poderiam não se sentir inclinados a incorrer no custo e no risco de investir no longo prazo em sua atividade, embora isso fosse do interesse da sociedade. Assim, o volume de investimento nesse tipo de atividade seria inferior ao nível deseagentes não seriam ressarcidos pelos responsáveis pelo provi-
jado do ponto de vista da sociedade, um resultado que é típico da
mento do serviço. Teríamos a geração de externalidades negativas.
presença de externalidades positivas. Contudo, essa tendência é
Um eloquente exemplo foi o encalhe do navio-tanque Exxon Valdez,
contrabalançada pela presença de ‘quase rendas’ no serviço de
em 1989, no Alasca, ocasionado por falha de navegação. O navio
praticagem. Quase rendas são rendas que se originam do fato
carregava 1.263.000 barris de petróleo, e o acidente causou
de que, sendo os ativos envolvidos em uma atividade muito
prejuízo de US$ 25 milhões em reparos do navio, perda de carga
específicos, há grande diferença entre o valor do serviço para quem
avaliada em US$ 3,4 milhões e danos ambientais catastróficos,
o demanda – que é muito elevado – e seu custo operacional – este
cuja reparação teve custos finais que excederam US$ 2 bilhões.
último muito reduzido. Vejamos como isso ocorre.
Não havia prático a bordo, pois a praticagem na região tinha sido considerada desnecessária. Esse processo foi revertido, e a
Essas quase rendas (q) seriam dadas pela expressão: q = y - c - t,
praticagem reestabelecida na área do acidente.
em que y é a receita total do serviço de praticagem, c é o custo operacional esperado do serviço (o gasto com combustível e
Esse risco, por si só, justifica a regulação na forma de limitação e
manutenção das lanchas, energia elétrica etc.), e t é seu custo de
controle em relação a quem está autorizado a exercer o serviço de
oportunidade esperado, isto é, o valor que se pode obter do serviço
praticagem. Uma liberalização do serviço incorreria no risco
de praticagem em seu melhor uso alternativo. Ocorre que devido à
de atrair profissionais sem o preparo adequado, com o que o
especificidade da formação do prático, cujos conhecimentos e
risco de externalidades negativas aumentaria perigosamente.
habilidades são úteis apenas para uma zona de praticagem (ZP) específica, seu custo de oportunidade t é muito baixo (o valor de
Vistos exemplos de externalidades negativas, passemos agora a
seus conhecimentos e habilidades em outras atividades é pratica-
um caso de externalidades positivas. Nessa situação, o próprio
mente nulo). Como o custo operacional c também é muito baixo em
serviço de praticagem oferece mais um exemplo direto. Um serviço
relação ao valor do serviço, a receita que expressa esse valor do
de elevada qualidade, de modo que as manobras, além de seguras,
serviço y é muito maior do que a soma dos custos operacionais e
sejam rápidas, eficientes e bem coordenadas, resulta em ganhos
de oportunidade. O resultado é que as quase rendas que resultam
não apenas para a empresa proprietária da embarcação, mas para
da diferença y - c - t são muito elevadas.
todos os demais agentes envolvidos indiretamente naquela atividade – por exemplo, o exportador e ou importador das mercadorias
Ocorre que é possível, no curto prazo, manter a oferta do serviço de
embarcadas, que ganham com a agilização do transporte ou ainda,
praticagem apenas remunerando o custo de oportunidade e o custo
os portos e terminais, que contam com os benefícios cumulativos
operacional, pois eles cobrem o custo imediato do serviço de
dessa mesma agilização, sob a forma de maior disponibilidade de
praticagem. Resulta daí que há um incentivo para o comprador do
berços de atracação. Além disso, serviços de praticagem eficien-
serviço tentar capturar a quase renda para si, tentando reduzir o
tes, bem coordenados e de boa qualidade aceleram o fluxo comer-
valor do serviço apenas a c + t. Esse incentivo produz ameaças de
60
hold-up, que nada mais é do que a suspensão ou apenas a ameaça de disputa em relação aos termos anteriormente contratados, afetando o desenvolvimento esperado da transação, em função de demandas de revisão das condições originalmente estipuladas em acordo ou contrato. Em casos mais radicais, pode haver a pura e simples interrupção da transação, até que uma das partes tenha seu pleito atendido. A ameça de hold-up torna-se particularmente grave quando uma das partes, que realizou investimento em um ativo específico com poucas possibilidades de uso alternativo – como é o caso do aprendizado de um prático em uma ZP –, fica vulnerável a ameaças da outra parte de encerrar a relação. Essa ameaça pode permitir a uma das partes obter condições mais vantajosas do que as do início da transação. Obviamente, se as ameaças de hold-up obtêm sucesso, há o risco de desestímulo à prestação do serviço de praticagem no longo prazo. Daí a necessidade também da regulação como forma de solucionar conflitos, garantindo adequada oferta do serviço de praticagem ao longo do tempo.
61
Pablo Pineda Capitão de longo curso. Diretor (desde 2006) da Praticagem do Rio da Prata, na qual ingressou em 2001.
As consequências da concorrência no serviço de praticagem: o exemplo da Argentina Caros colegas, autoridades presentes, ilustres senhores, é uma
• Os serviços ligados a praticagem, embarque e desembarque
grande honra estar com vocês, e quero agradecer o convite das
puderam ser cumpridos livremente pelos usuários e pelos práticos.
autoridades do CONAPRA para participar deste seminário. • O valor dos serviços de praticagem, até então decidido entre os Faz tempo que praticamos com colegas do CONAPRA, no âmbito de
práticos e o cliente, foi fixado pelo Estado na tarifa máxima.
fóruns e congressos, intensa troca de informação sobre a situação da praticagem em nossos países; e hoje tenho a oportunidade de
• A praticagem constitui serviço público de interesse para a
contar-lhes a forma com que, segundo meu ponto de vista, nos
segurança na navegação.
últimos 20 anos tem avançado ou retrocedido a praticagem na Argentina. Em minha exposição vou fazer referência à pilotagem
Qual foi o principal objetivo do decreto segundo as autoridades?
no Rio da Prata, que é a região em que trabalho; o Prata é um rio
Obter mais economia para os usuários de maior agilidade operativa
longo, de 100 milhas náuticas, mas o canal é muito estreito, pouco
e administrativa. Sem dúvida, o principal objetivo foi reduzir custos
profundo e com fluxo cruzado.
ou, como se diz comumente, diminuir o custo argentino. Era lógico pensar que a competição entre colegas e a livre contratação pelos
A praticagem, desde o início da desregulação, vem experimentan-
usuários iriam desencadear uma guerra entre práticos, e que a
do muitas mudanças, e, para falar a seu respeito, temos que nos
estratégia seria a redução da tarifa. O que, porém, não aconteceu.
situar temporalmente e conhecer o contexto naquele momento. Se
A tarifa, cujo valor poderia ser estabelecido entre os funcionários
falamos sobre desregulação, temos que nos remeter a dezembro
e usuários, não mudou; manteve-se igual. E qual foi o papel dos
de 1991. A globalização começava a nos deslumbrar, e um governo
práticos nos primeiros anos da competição?
neoliberal na Argentina tentava nos convencer de que um negócio nas mãos do Estado não era um bom negócio. Em dezembro de 1991 o governo lançou seu decreto com cinco pontos fundamentais. • Os práticos habilitados pela autoridade puderam ser contratados livremente pelos usuários para prestar serviços com o status de profissionais independentes. • Abre-se o registro para a habilitação, incorporação de novos práticos, sem limite de número, a todo profissional que tenha as condições. 62
Antes da desregulação, os práticos eram profissionais que traba-
que todas as empresas foram desmembramentos da cooperativa
lhavam sob o regime da Prefeitura Naval Argentina, recebendo
original não pela falta de serviço, mas pelo abuso dos empresários,
todos remuneração igual, fixada pelo Estado, e todos faziam igual
gerando insatisfação por parte dos empregados, que reagiram e
quantidade de trabalho. Como todo serviço público a navegação
criaram outras.
tinha um número limitado de práticos, e o Estado respondia a processo jurídico por responsabilidade civil.
Acrescente-se a questão da segurança, porque fazer mais de 20 viagens por mês significa trabalho sem descanso e quase sem
A abertura do Rio da Prata acontece dois anos depois do decreto
retorno ao lar. Logo, para fazer uma síntese da primeira etapa da
da desregulação. Com o apoio da maioria dos práticos jovens e
competição devemos incluir:
com a promessa de ganhar mais dinheiro, um prático se converte em empresário e cria a primeira empresa com práticos emprega-
• fracasso do Estado; as tarifas mantiveram-se, assim como o
dos, que logo se apodera de 60% do mercado para dividir entre
custo que só se repartiu de outra forma;
apenas 30% dos práticos. Dessa forma, poucos colegas, donos de 60% do mercado, deviam realizar, cada um, até 20 manobras
• enorme desigualdade entre rendas referentes ao trabalho
de praticagem por mês.
realizado por colegas empregados e pelos que continuaram vinculados a uma empresa IMPA.
A empresa original, que chamaremos de Cooperativa IMPA, ficou com 70% dos práticos e apenas 40% do mercado, fazendo, cada
Segunda etapa da competição
um, quatro ou cinco manobras por mês, ou seja, muito pouco trabalho. Quando mencionamos práticos no Rio da Prata fazendo
Ao longo de anos os práticos continuaram sua luta visando obter
20 manobras ao mês, é necessário informar que a praticagem na
maior mercado. A situação começou a mudar com a entrada de
região leva não menos de 15 horas, considerando transporte ter-
práticos jovens na Cooperativa; sem nada a perder, como último
restre e aquático. Temos aqui a grande diferença econômica entre
recurso, ameaçaram o sistema com a possibilidade de oferecer o
as duas empresas. Isso gerou o seguinte fato: outros colegas,
serviço diretamente a armadores e carregadores no exterior por
com as mesmas ambições, criaram novas empresas. O curioso é
tarifa mínima. Estamos falando do ano 2000, e, agora sim, parecia
63
que depois de seis anos de competição no Rio da Prata, o objetivo
do concessionário do canal − simples recomendações, entretanto.
do Estado estava quase por se cumprir, já que dessa forma as
“O calado máximo recomendado é de 34 pés”, mas ninguém pode
tarifas se reduziriam drasticamente.
impedir que os carregadores e charteadores fechem seus contratos por mais de 36 pés, que é o que está acontecendo. No entanto, as
O que aconteceu, no entanto? Os intermediários, ante a clara pos-
agências recomendam aos clientes carregar os navios menospre-
sibilidade de sua extinção, acalmaram as águas e eles mesmos
zando os práticos, já que também elas competem entre si.
começaram a partilhar mais equitativamente o mercado, para evitar o fim do negócio.
Quando um navio está com excesso de carga deve esperar uma preamar de magnitude para poder sair do Rio da Prata. Trata-se de
Até agora, só falei da praticagem como negócio que foi bom para os
marés que, em geral, em presença de um vento sul, acontecem
intermediários, mas não tão bom para o Estado, os práticos e os clien-
periodicamente, provocando atrasos nos navios, que, no entanto,
tes. Não fiz referência às diferenças mais importantes desse sistema
raramente superam quatro ou cinco dias.
com alto impacto negativo sobre a profissão do prático, a segurança da navegação, o cuidado do ambiente e nossas vias navegáveis.
Não apenas a passagem em canais estreitos, com folga abaixo da quilha reduzida, é arriscada, mas além disso o prático tem que ser
O sistema tem um número limitado de práticos. Não existe um
mágico em vez de prático para conhecer os dados relativos à
padrão que estabeleça a relação ideal entre as quantidades de
maré, posto que o sistema carece de indicadores (marégrafos).
trabalho realizado e de descanso. Por isso a tradicional antinomia
A maioria dos marégrafos está fora de serviço. Então o prático
fadiga versus conhecimento adequado continua sem ser resolvida.
deve iniciar a navegação contando apenas com o dado da tabela
Isso, entretanto, não é tudo; hoje a Marinha argentina, depois
mais uma avaliação pessoal sobre a influência que possa ter o
de um processo de recuperação, tem um número significativo de
vento na região. Bem, assim funciona a coisa, e lembro que não
comandantes de navios em condições de atuar como práticos,
temos limite quanto à responsabilidade civil.
bastando-lhes somente fazer alguns exames. A navegação em grande parte do Rio da Prata se faz com corrente Como consequência, talvez em curto prazo haja muitos práticos
cruzada. “O comprimento máximo autorizado para cruzamento de
novos sem emprego − quero dizer que provavelmente teremos
navios no trecho é de 150 metros com um calado de 34 pés." Com
de compartilhar o trabalho de hoje com muito mais pessoas e,
a chegada de navios pós-panamax, o eventual cruzamento de
com certeza, por pagamento menor. Podemos perceber que se trata
embarcações gera uma situação de risco máximo, já que a soma
de uma situação sem controle. E todos sabem que o número
das duas bocas aparentes se aproxima da largura máxima do
limitado de práticos é o pilar para manter o sistema em equilíbrio
canal – situação, aliás, que se repete diariamente.
estável entre práticos, garantidos o descanso necessário e o conhecimento adequado. Depois de muitos anos de negociação e
Fato também cotidiano diz respeito às pressões comerciais no
mesmo com o apoio recebido da IMPA, ainda não pudemos
início da competição. Nenhum colega estranhava ter que
mudar essa situação.
embarcar num navio que se achava fazendo bunker sem poder evitar o embarque na faixa de barlavento, já que, na outra faixa,
Falemos agora sobre responsabilidade civil. Com o novo decreto,
encontrava-se amarrada a barcaça. A premissa não era a
nós, os práticos, não temos limite quanto à responsabilidade civil.
segurança do prático, mas que ele não atrasasse o navio depois
De acordo com nossa lei, o prático é culpado até que se prove o
de finalizada a operação do bunker. Também não nos podíamos
contrário. Temos uma grande quantidade de demandas milionárias.
opor a navegar sem agulha giroscópica, ainda que o navio saísse
Refiro-me, certamente, a simples varações ou colisões contra cais.
carregado com calado máximo.
Com relação a calados excessivos, não há, na regulamentação argentina, limite de calado máximo para determinado porto ou
Senhores, essa é a história de nossa convivência com a
canal. Existem apenas “recomendações da autoridade marítima” e
competição em mais de 20 anos. Muito obrigado.
64
Edson Mesquita Bacharel em ciências náuticas, pós-graduado em análise de sistemas, mestre e doutor em ciências da hidrodinâmica do navio pelo COPPE-UFRJ. Professor-associado do Magistério Superior da Marinha do Brasil desde 1990.
Infraestrutura portuária e aquaviária: dragagem e levantamento batimétrico – parâmetros e planejamento “Professional pilots controls ships in a way that makes the
- Análise da manobrabilidade do navio no ambiente previamente
traditional channel width with division illogical” (manual de
definido na análise das condições náuticas.
engenharia do Exército americano 1110-2-1100, parte V). A análise das condições náuticas de um canal de acesso é feita Devido ao aumento do tamanho dos navios, tem-se verificado não
através do emprego das normas brasileira ABNT – 13.246, de
só no Brasil, mas em todo o mundo, o problema da limitação
fevereiro de 1995, da Associação Permanente Internacional de
geométrica dos canais de acesso. Esse problema é de solução
Congressos da Navegação (Pianc) – PTC II-30, de julho de 1997,
complexa e esbarra em condições críticas que não se limitam
e americana – manual de engenharia número 1110-2-1613, de
apenas à dragagem (mesmo quando ela é admissível).
31 de maio de 2006, do Exército americano (Usace).
Os critérios técnicos de segurança que definem os padrões para
A padronização para referências bibliográficas, quando tratando
entrada e saída de navios em portos e terminais são preliminar-
do relacionamento entre o navio e o porto, é dada pela
mente definidos por:
Organização Marítima Internacional (IMO), órgão da Organização das Nações Unidas (ONU), através do Comitê de Facilitação,
- Análise das condições náuticas, em que a geometria do canal, a
na circular Fal. 6/14, de 2 de março de 2006, recomendando que
bacia de evolução, os fundeadouros etc. são avaliados em função
todos os países-membros levem em consideração uma lista de
da conformidade com normas de segurança.
publicações indexadas. Nessa circular, as normas que tratam de canal de acesso, bacia de evolução, berços e atracadouros, incluídos os flutuantes, estão, em sua maioria, associadas às normas da Pianc. As normas do Corpo de Engenheiros do Exército Americano atendem aos padrões Pianc e recebem adaptações para configurações locais. A norma ABNT está desatualizada e já se encontra em processo de revisão, mas, de forma geral, atende aos principais critérios de segurança prescritos na norma da Pianc. No Brasil, em portos organizados, a responsabilidade pela manutenção de canais de acesso, bacias de evolução, fundeadouros é da autoridade portuária sob coordenação da autoridade marítima, de acordo com a nova Lei dos Portos, Lei n. 12.815, de 05 de junho de 2013. 65
De acordo com as Normas da Autoridade Marítima para Tráfego e Permanência de Embarcações em Águas Jurisdicionais Brasileiras (Norman-08/DPC), o capitão dos portos pode, para estabelecer parâmetros aceitáveis de segurança da navegação em águas restritas, recorrer às normas Pianc PTC II 30 e da ABNT 13.246. É importante ressaltar que a sistematização do projeto de canais de acesso a áreas portuárias definido pelas normas tem como escopo apresentar recomendações e informações que permitam formular o projeto conceitual de um canal para um navio-tipo ou conjunto de navios. O propósito das normas técnicas é fornecer aos engenheiros em exercício, gerentes de tráfego portuário, comandantes de navios e práticos, diretrizes e dados que lhes permitam projetar e avaliar a segurança de um canal para um dado navio ou misto de tipos de navios ou, alternativamente, possibilitar a avaliação da compatibilidade de um canal existente com uma proposta de mudança no tipo de navio ou de operação. A intenção é fornecer diretrizes práticas que sejam prontamente utilizáveis e de fáceis entendimento e justificativa. Através das recomendações é possível analisar a adequação de um canal existente, em função das definições dadas para o conceito de segurança da navegação para um canal, permitindo assim, melhor avaliação de trechos em que possam existir condições de risco maior.
66
Podem existir dúvidas, principalmente junto à autoridade marítima,
menta de projeto que auxiliará a satisfazer essas exigências de
quanto aos riscos à segurança da navegação. Em casos de
Projeto Detalhado é o modelo de simulação de manobra de navios...”
dúvida quanto ao risco envolvido e de conflitos é recomendável o emprego de simuladores de manobra.
A mesma metodologia de segurança também é adotada pelo Usace, que, aliás, dispõe de um simulador de manobras próprio,
Cabe ainda lembrar que a simples adequação às normas de
para fins de otimizar custos e recursos federais empregados em
projeto não contempla diversos outros fatores associados à
obras de dragagens.
segurança da navegação em um canal de acesso, tais como características do casco, potência da máquina, variação de
Existem casos em que o estudo em simuladores e em modelos
empuxo do propulsor, governabilidade e ação do leme, respostas
reduzidos não é suficiente, e dúvidas com relação ao comporta-
do movimento à excitação de forças de governo e ambientais,
mento do navio ficam pendentes. A solução só é conquistada com
ação do prático etc.
a avaliação da manobrabilidade do navio real, em águas rasas, fazendo-se testes-padrão de controlabilidade, como já feito no
Na própria publicação Pianc, pode-se constatar:
Brasil, em conjunto com práticos, com o navio Login Tambaqui, quando de sua entrada no estreito do Bacabal. As informações
“Os clientes podem querer que a segurança e o risco sejam demons-
sobre a resposta do navio deixaram de ser suposições para ser
trados de maneira tangível e mensurável de modo que fiquem
dados concretos, que, no caso, demonstraram que o navio estava
convencidos de que a largura (e o alinhamento) do canal e áreas de
apto a manobrar em condições-limite inferiores às prescritas nas
giro e atracação a ele associadas sejam satisfatórias. A ferra-
normas técnicas. 67
As normas técnicas de projeto de canais de acesso são conserva-
A controlabilidade do navio é muito dependente do fator humano,
tivas e limitadas com relação à definição de manobrabilidade do
e a chave do sucesso da entrada e saída de um navio em um dado
navio. Por exemplo, um navio que tenha boa manobrabilidade em
porto é função da habilidade dos operadores, no caso, o prático e
águas profundas pode apresentar índices ruins em águas rasas, e
o comandante do navio, como citado pelo Dr. Brard, na clássica
vice-versa. De modo geral, as normas são estabelecidas visando ao
publicação Princípios de arquitetura naval. Como comparação,
projeto das obras, ou seja, fixar as dimensões (profundidades,
um prático pode garantir condições ótimas de controle em um
larguras, áreas etc.) em função do navio-tipo, e não o contrário.
canal de acesso, assim como um bom piloto de Fórmula 1
Assim sendo, as normas devem ser devidamente adaptadas às
pode obter do carro muito mais resultado do que o planejado
situações de canais existentes.
por engenheiros.
68
Eduardo Tannuri Engenheiro mecânico graduado em automação e sistemas pela Escola Politécnica da USP (1998), onde cumpriu doutorado (2002), pós-doutorado (2003) e livre-docência (2010). Professor-associado do Departamento de Engenharia Mecatrônica da Escola Politécnica da USP e coordenador do Tanque de Provas Numérico. Membro do Comitê de Manobras do 270 ITTC (2012-2014).
A simulação como ferramenta para o desenvolvimento de terminais e vias de acesso Introdução O projeto de vias de acesso e áreas de manobras de navios baseiase em normas e recomendações que definem suas dimensões e configuração geométrica básica. Dentre elas destacam-se as recomendações da Permanent International Association of Navigation Congresses (Pianc) − Approach Channels, A Guide for Design), a ROM 3.1-99 (Proyecto de la Configuracion Maritima de los Puertos, Canales de Acceso y Areas de Flotacion), do US Army Corps of Engineers (Usace) e a norma brasileira ABNT-NBR 13246 (Planejamento portuário − Aspectos náuticos). A enorme variabilidade das condições de cada porto, entretanto, demandam muitas vezes estudos mais aprofundados e adaptados, devendo-se para tanto utilizar ferramentas de análise e dimensionamento mais complexas. Esses estudos podem apontar a necessidade de adicionar margem de segurança ao recomendado pela norma ou a possibilidade de reduzir as margens recomendadas, dependendo do caso. A norma brasileira ABNT-NBR 13246 explicita em seu item 2.5 que “podem ser adotados critérios mais restritos de dimensionamento, desde que justificados pelo projetista” ou, em seu item 2.4, que “O dimensionamento geométrico feito com base nos critérios mínimos recomendados nesta Norma deve ser verificado para as condições de uso requeridas na instalação”. elemento humano no controle da manobra. A Figura 1 apresenta o Nesse contexto, os simuladores de manobra são as ferramentas
simulador marítimo hidroviário desenvolvido pelo Tanque de Provas
mais adequadas para esse estudo das condições locais do porto,
Numérico (TPN-USP). Descrição completa dos modelos matemáti-
pois permitem sua representação visual, a aplicação de complexos
cos e componentes de um simulador de manobras pode ser encon-
modelos matemáticos para os fenômenos físicos e a inclusão do
trada em Tannuri (2013). 69
Figura 1 − Simulador marítimo hidroviário do Tanque de Provas Numérico (TPN-USP)
Assim, a Figura 2 ilustra a forma de trabalho para a correta
Tipos do simulador de manobras
definição de terminais e vias de acesso portuários. Os simuladores de manobra, em conjunto com a experiência prévia de práticos, são
Para a execução dos estudos mencionados, dispõe-se de dois tipos
usados em dois momentos do projeto. Inicialmente, devem ser
de simuladores de manobras. Os simuladores fast-time são contro-
realizados estudos preliminares que definirão os parâmetros de
lados pelo computador, através de algoritmos de posicionamento
entrada para a aplicação das normas e recomendações, tais como
automático semelhantes aos usados em pilotos automáticos ou
movimento em ondas e grau de manobrabilidade dos navios-tipo.
sistemas de posicionamento dinâmico (DP). Com esses simula-
Em seguida à aplicação das normas, define-se a configuração do
dores, as manobras são realizadas em tempo acelerado, pois não
terminal ou via de acesso, que compreende a profundidade e parâ-
há elemento humano no comando. Uma manobra de uma hora é
metros geométricos, como largura, raios de concordância, distân-
realizada em menos de um segundo, dependendo da capacidade de
cias de segurança e comprimentos. Utiliza-se, então, novamente o
processamento do computador utilizado. Com simuladores fast-
simulador de manobras para uma validação do arranjo proposto,
time podem ser realizados estudos prévios das condições ambien-
em que é possível ao prático identificar riscos à segurança da
tais críticas (as que exigem maior capacidade dos rebocadores),
navegação em função das particularidades das condições ambien-
bem como uma pré-análise de viabilidade e segurança. Esses
tais e operacionais do local. Com isso pode-se realizar um refina-
simuladores não exigem sistema de visualização realista e
mento do projeto.
requerem recursos computacionais mais modestos. Os modelos matemáticos, entretanto, devem ser tão validados e abrangentes como os usados nas simulações real-time. As simulações real-time são executadas na escala de tempo real, e um prático ou comandante executa efetivamente a manobra. Um sistema de visualização tridimensional e realista é necessário para que o ambiente portuário seja representado de forma adequada, provendo a resposta visual necessária para o comando da manobra. Instrumentos, cartas náuticas e radares devem estar disponíveis também. Em função da realização em tempo real, só é
Figura 2 − Etapas para a definição do arranjo portuário e vias de acesso
70
possível ser feito um número reduzido de manobras, limitado aos
casos críticos definidos na fase de simulações em fast-time. Como
Profundidade
o elemento humano está presente nesse estudo, questões como tempo de reação são incluídas nos resultados.
A definição da profundidade recomendada de um porto ou do calado máximo dos navios é exemplo da aplicação da metodologia
A Figura 3 ilustra manobra realizada em fast-time e em real-time.
proposta na Figura 2. O aprofundamento de um canal não reflete
Logicamente, no caso do controle por computador, as trajetórias
diretamente o aumento do calado permitido para navegação. Deve-
são em geral mais próximas da ideal, dado que o tempo de
se realizar estudo com auxílio de ferramentas numéricas e simula-
resposta aos desvios é menor.
dores, uma vez que se altera a manobrabilidade do navio com esse novo calado, bem como os outros fenômenos físicos que definem o calado máximo, tais como o squatting (afundamento do navio durante a navegação), movimento em ondas e correnteza no canal. A Figura 4 apresenta a metodologia aplicada ao presente caso, de estudo de profundidade mínima ou calado máximo. Inicialmente, procede-se estudo hidrodinâmico do campo de ondas na locação, complementado por medidas de campo e de preferência que envolvam longo tempo de amostragem (representatividade de aproxima-
FIGURA 3 − SIMULAçÃO DE MANOBRA: (ESQ.) EM FAST-TIME (DIR.) EM rEAL-TIME
damente dez anos). Em seguida, para os navios-tipo calculam-se os movimentos máximos da quilha quando sob ação dessas ondas,
Aplicações do simulador de manobras
utilizando-se programas de comportamento em ondas que podem ser considerados simuladores do tipo fast-time, pois não necessi-
Os simuladores de manobras são utilizados para a previsão da
tam do elemento humano no controle. Estima-se também o afunda-
segurança da navegação em áreas abrigadas (portos e canais) e
mento do navio em avanço (squatting), aplicando-se formulações
para o treinamento. O foco principal deste artigo é relativo à pri-
matemáticas previamente validadas. A norma NBR-13246 é então
meira dessas aplicações. O parágrafo a seguir, retirado de Webster
aplicada, prevendo-se as margens de segurança necessárias em
(1992), resume os conceitos que serão aprofundados.
função do tipo de solo e assoreamento.
“Um número limitado de simulações utilizando um simulador não
Ao final, é necessária a realização de simulação do porto na nova
perfeito, alguns navios-tipo, condições ambientais extremas carac-
configuração, dado que o navio com maior calado possuirá diferen-
terísticas do local, e alguns práticos com perícia e proficiência em
tes características de manobrabilidade.
manobras no local são suficientes para se obter uma útil avaliação do projeto portuário.”1 Alguns pontos devem ser ressaltados dessa afirmação e ilustram de maneira concisa as vantagens e a forma adequada para o uso dos simuladores. Os simuladores nunca são perfeitos, pois os modelos matemáticos são simplificações da realidade. Logo, devem ser usados sempre em conjunto com a experiência de práticos e operadores com conhecimento e experiência das condições locais. Como mencionado, a utilização de normas e recomendações também deve acompanhar os estudos portuários.
FIGURA 4 − METODOLOGIA DE PROJETO ADEQUADA PARA ESTUDO DE DRAGAGEM/CALADO
“A limited number of simulations using a less-than-perfect simulator, a few select (design) ship types, a few select environmental conditions over extreme ranges characteristic of the local area, and a few pilots with representative local expertise and shiphandling proficiency are sufficient to obtain a useful appraisal of waterway design.”
1
71
Geometria do arranjo portuário e canais de acesso
guina fortemente para boreste. Há portanto o risco de encalhe no limite norte do canal. Através de exaustivo estudo por simulações
O simulador permite a execução de diversas manobras em
fast-time e real-time da manobra desde o canal até a região
condições extremas, com diversos navios-tipo e em condições de
abrigada, foi possível definir uma expansão da área dragada (com-
avaria e/ou falhas de comando. Com isso, obtém-se a envoltória da
primento e largura adicional) no trecho final do canal, de forma a
trajetória do navio em condições ambientais e operacionais que na
acomodar as trajetórias do navio quando em redução de velocidade.
realidade acontecem poucas vezes durante o ano e é possível dimensionamento mais adequado de canais, bacias de evolução e
Obras civis
áreas de escape. O simulador deve também ser usado para a verificação do impacto As normas e recomendações definem algumas propriedades geo-
de obras civis, tais como a construção de novos berços e quebra-
métricas básicas da área navegável, tais como largura de canais,
mares. Muitas vezes, a simulação de manobras deve ser associada
diâmetro das bacias de evolução e raios de concordância entre
a um estudo hidráulico para prever a alteração do campo de ondas
canais de acesso. Alguns parâmetros, entretanto, não são discuti-
e correnteza devido a essas obras. A Figura 6 apresenta estudo de
dos e devem ser estudados por meio de simulação. Um exemplo é
caso correlacionado a esse tópico, no Porto de Salvador (BA).
apresentado na Figura 5, referente ao canal de acesso ao Porto do Suape (PE). Embora a largura e profundidade do canal tenham sido
Com a futura construção de um novo terminal de contêineres,
devidamente projetadas por normas e recomendações, a pratica-
realizou-se o projeto da expansão norte do quebra-mar, para abri-
gem alertou para o problema da geometria ao final do canal. Em
gar os navios atracados nesse terminal. A proposta original de
função de condições ambientais, muitas vezes é necessária
expansão (esquerda) foi estudada em termos de difração de ondas
navegação com velocidade de cinco a sete nós para garantir a
e verificou-se ser adequada por garantir operacionalidade integral
manobrabilidade e o rumo do navio dentro do canal. Assim, ao se
aos navios ali atracados. O estudo mostrou-se incompleto,
aproximar da área abrigada, é necessário dar máquina a ré com
entretanto, pois não avaliou o impacto dessa expansão na manobra
meia força ou toda força, e o navio, por efeito pá, muitas vezes
dos navios. Com a expansão, os navios de maior porte devem
Figura 5 − Simulação de manobra para definir largura adequada de canal e área de escape
72
realizar o giro na região desabrigada, onde ocorre, durante o
conteineiros de porte de até 400m no Porto de Salvador (BA).
inverno, a incidência de ondas que impedem a ação adequada dos rebocadores. O simulador de manobras mostrou que apenas com
Operações especiais
meios próprios não é possível realizar o giro do navio para atracação de boreste. Propôs-se então alteração da expansão do quebra-
Operações não convencionais, tais como atracação a contrabordo
mar, tal como mostrado na figura à direita. Essa alteração foi veri-
e manobras de cascos de futuras plataformas FPSO, também
ficada por meio de estudo de abrigo e difração de ondas, e também
devem ser analisadas previamente por simulação. A Figura 7 apre-
garantia a atenuação necessária para a região do novo terminal.
senta dois estudos por simulação de operações especiais desses
Além disso, com a nova expansão, é possível abrigar também a
tipos. Os estudos permitem definir os riscos associados a tais
bacia de evolução, e o giro do navio passa a ser executado com
operações, definição das janelas ambientais mais adequadas e
auxílio de rebocadores. Essa solução permitirá a entrada de navios
testes da sinalização náutica necessária.
Figura 6 − Porto de Salvador: (esq.) proposta original de expansão do quebra-mar (dir.) revisão da expansão em função do estudo de manobrabilidade
Figura 7 − Operações especiais: (esq.) entrada de VLCC (casco nu) em estaleiro na Baía de Guanabara (RJ) (dir.) Impacto de navios a contrabordo no Porto de Itaqui (MA)
73
Outras aplicações
não prescinde da opinião de práticos e comandantes quando à avaliação de riscos e condições inseguras. O simulador pode e
Além disso, quando canais e curvas de acesso estiverem com
deve ser usado para a quantificação desses riscos e/ou definição
dimensões muito próximas ou inferiores às recomendadas pelas
de condições operacionais-limite, sempre em conjunto com o
normas, é fundamental a execução de simulações que verifiquem
julgamento humano.
os riscos associados às condições operacionais extremas e, possivelmente, a definição de janelas ambientais para a operação.
Considera-se, portanto, que o projeto portuário adequado é aquele feito contemplando as normas e recomendações, embasado por
A análise dos resultados das simulações pode também ser usada
estudos técnicos e por simulações, e com o apoio e participação de
para a definição do projeto de sinalização (localização e tipo de
práticos experientes e conhecedores das condições locais e dos
boias) e planos de contingência. Número, disposição e bollard-pull
riscos inerentes ao local.
de rebocadores para garantir o posicionamento seguro dos navios podem também ser avaliados com o uso dos simuladores. Referências Conclusões e considerações finais WEBSTER, W.C., 1992. Shiphandling Simulation: Application to Este artigo descreveu as diversas aplicações de um simulador de
Waterway Design. Washington DC: National Academies Press.
manobra como ferramenta para projeto portuário em conjunto com as normas e recomendações. O simulador de manobras é ferra-
TANNURI, E.A., 2013. “Uso de simuladores para avaliação de
menta disponível para a avaliação da segurança da navegação, que
manobras”, Rumos Práticos, ano XIV, n. 38.
74
Simon Pelletier Capitão de longo curso. Prático do Rio St. Lawrence desde 1996, importante liderança na Corporação de Práticos de St. Lawrence, de que foi presidente (2004-2007). Presidente da Associação Canadense de Práticos – CMPA desde 2009. Vice-presidente da Associação Internacional de Práticos – IMPA desde 2008. Na Organização Marítima Internacional – IMO concentra-se em tecnologia e desenvolvimento de e-navigation.
A evolução tecnológica da navegação marítima: e-navigation e VTMIS. O prático será substituído pela tecnologia? Obrigado, senhor presidente.
Marítimos, responsável por garantir a plena participação da associação nas deliberações da IMO sobre a e-navigation, tive
Estou muito contente por estar mais uma vez com meus amigos e
muitas oportunidades de discutir tecnologia no contexto da
colegas do CONAPRA, e por ter a oportunidade de compartilhar
navegação e da praticagem. Fico feliz de compartilhar com vocês,
algumas ideias sobre praticagem e tecnologia com um grupo tão
hoje, algumas de minhas ideias sobre o tema.
ilustre, representando quase todos os setores da comunidade de transporte marítimo no Brasil e em toda a América Latina.
É evidente que a tecnologia desempenha papel central em nossa vida. Ela permeia praticamente tudo que fazemos. A velocidade
Parabéns ao CONAPRA por convocar esta conferência sobre prati-
com que os avanços tecnológicos surgem nunca foi tão grande.
cagem e envolver tantas partes interessadas do setor. A pratica-
E, muito provavelmente, essa aceleração na inovação tecnológica
gem é da maior importância para a segurança, mas, em última
vai continuar.
análise, a segurança é responsabilidade compartilhada e só pode ser alcançada com todas as partes interessadas do setor de
Usamos a tecnologia para ‘ampliar nossas habilidades’. Usamos a
navegação – e com os práticos – trabalhando juntos. Estou certo
tecnologia para facilitar e aumentar a produção, para nos comuni-
de que este encontro só vai aprofundar as linhas de comunicação
car com mais facilidade, para viajar mais depressa ou transportar
e o senso de fraternidade necessário para que todos nós possamos
mais mercadorias por distâncias maiores, com mais segurança
manter o transporte marítimo seguro.
e eficiência.
Pediram-me que falasse em termos gerais sobre tecnologia e o futuro
Mas, como acabo de dizer, usamos a tecnologia ‘para ampliar nos-
da praticagem. Trata-se de tópico fascinante e muito importante.
sas habilidades’, e não para as substituir. A meu ver, isso significa que o elemento humano – as pessoas – continua a ser o compo-
Durante os últimos anos, passei muito tempo, tanto no Canadá
nente mais importante de qualquer sistema tecnológico.
como internacionalmente, discutindo esse assunto. Ele está na base de quase todas as análises de práticas de navegação atual-
Começo, portanto, respondendo primeiro à grande pergunta: serão
mente em curso, sejam dirigidas pela Guarda Costeira Canadense,
os práticos substituídos pela tecnologia?
pela Organização Marítima Internacional (IMO), pela Associação Internacional de Autoridades de Faróis ou diversos órgãos e
Numa palavra, não.
agências governamentais de todo o mundo. Se quiserem uma resposta mais longa, vou citar um homem muito Como presidente da Associação Canadense de Práticos Marítimos
sábio, o juiz Yves Bernier, que escreveu um relatório para o governo
e também vice-presidente da Associação Internacional de Práticos
do Canadá há 45 anos. Esse relatório continua a ser a base do 75
sistema canadense de praticagem até hoje. Ele disse: “Práticos
A e-navigation tornou-se uma espécie de fenômeno mundial. Tem
com mais conhecimento do que eles têm hoje serão necessários
significado bastante preciso e não devemos perder essa definição
para manobrar com agilidade navios maiores e mais rápidos, pois
de vista.
todos os instrumentos e auxílios à navegação serão tão eficientes quanto aqueles que os utilizarem.”
Deixem-me lembrá-los do que se trata: coleta, integração, intercâmbio, apresentação e análise de informações marítimas, a bordo
Considero essas palavras tão verdadeiras hoje quanto o eram
e em terra, por meios eletrônicos, tudo devidamente harmonizado.
na época.
O que a IMO está fazendo, o que na verdade está sendo feito em muitas jurisdições do mundo, é desenvolver e implantar estraté-
A tecnologia sempre teve papel importante na navegação segura
gias que vão estabelecer sistemas eletrônicos de navegação,
do tráfego marítimo. Hoje, esse papel é mais sofisticado e mais
abrangentes e totalmente integrados, baseados na mais recente
importante do que nunca.
tecnologia disponível e flexíveis o bastante para mudar quando necessário. A iniciativa internacional da e-navigation está indo bem. A IMO desenvolveu e aprovou estratégia e plano de implantação que devem ser adotados no próximo ano. Os principais componentes da estratégia são: 1. determinação das necessidades do usuário – para entender melhor as demandas dos usuários baseados em terra e a bordo;
A tecnologia de navegação – cartas eletrônicas, portable pilot
2. análise da arquitetura do sistema existente – para avaliar o
units (PPUs), radares, sistemas de gerenciamento de tráfego
escopo das tecnologias atualmente disponíveis;
de embarcações, boias meteorológicas avançadas –, porém, só pode desempenhar seu papel adequadamente quando usada
3. análise de lacunas entre as tecnologias existentes e as
para complementar, validar e incrementar a expertise e o
necessárias – para identificar que adições devem ser feitas para
julgamento de práticos devidamente qualificados na condução
atender às demandas dos usuários; e, finalmente,
de embarcações. 4. análise de custos e riscos – para avaliar melhor o impacto e o Nada pode substituir as habilidades, o conhecimento local espe-
benefício das mudanças propostas.
cializado e o julgamento dos práticos para garantir a passagem segura de embarcações em águas difíceis e condições desafiadoras.
A IMO é composta de 169 estados-membros, 61 organizações intergovernamentais e 80 organizações não governamentais inter-
Por causa disso, os práticos sempre apoiaram o desenvolvimento
nacionais, todas com interesses, pontos de vista e prioridades
e a inclusão de novas tecnologias de navegação que possam
diferentes. Por causa disso, a IMO é norteada pelo consenso e
promover trânsitos seguros e eficientes.
assegura que haja tempo e espaço para considerar todas as opiniões e levar em conta todos os interesses. Isso significa forte
Os práticos acolhem toda inovação tecnológica prática e útil
ênfase na consulta e na discussão, o que ajuda a explicar o
disponível. É por esse motivo que estamos ativamente engajados
processo que vou descrever agora.
na implantação da e-navigation, particularmente em nível internacional, através da IMO. 76
Três subcomitês da IMO formaram grupos de trabalho relacionados
ao desenvolvimento dos quatro componentes estratégicos que
O processo está dando certo. Nos últimos dois anos foi desen-
acabei de mencionar. Esses subcomitês são os seguintes:
volvida uma visão canadense da e-navigation, bem como objetivos e princípios para sua implantação. As partes interessadas traba-
• Segurança da Navegação (NAV);
lharam juntas a fim de definir as necessidades dos usuários e um conceito de operações. O próximo passo é determinar como dados
• Radiocomunicações e Busca e Salvamento (Comsar);
e serviços devem ser fornecidos aos marítimos. Em seguida, o processo de implantação.
• Normas de Treinamento e Serviço de Quarto (STW). Ao fazer isso, a meta dos práticos canadenses se equipara Para coordenar o trabalho desses três subcomitês, foi criado outro
àquela articulada na declaração da posição formal da IMPA sobre
coletivo, conhecido como Grupo de Correspondência, coordenado
e-navigation, que contém três princípios básicos:
pela Noruega. 1. Predominância do elemento humano O Grupo de Correspondência – do qual a IMPA é membro – está atualmente examinando o trabalho efetuado pelos subcomitês e
A e-navigation deve refletir o fato de que os marinheiros são o fator
realizando outras análises para fornecer atualização consolidada
mais crítico na navegação segura. Isso quer dizer que o especia-
sobre os avanços, com recomendações para decisões finais.
lista no passadiço deve estar no centro das tomadas de decisão.
Supondo-se que tudo corra bem, o Comitê de Segurança Marítima
2. Atendimento às necessidades da equipe do passadiço e
(MSC) da IMO vai aprovar o Plano de Implantação de Estratégias
do prático
em 2014. A e-navigation deve – em primeiro lugar e acima de tudo – ter Práticos marítimos de todo o mundo continuam a apoiar firme-
como prioridade responder às necessidades da equipe do
mente a e-navigation e a desempenhar papel construtivo no
passadiço e do prático, e facilitar as tarefas que eles executam.
desenvolvimento de estratégias de implantação. 3. Olhar pela vigia continua a ser essencial A e-navigation deve reconhecer o valor das informações obtidas por outros meios. Para garantir uma navegação segura, os dados da e-navigation devem ser complementados e validados por todos os outros métodos tradicionais disponíveis para os práticos. Nas zonas de praticagem compulsória, a presença no passadiço de práticos habilitados e livres para exercer seu juízo profissional de especialistas continua a ser a maior garantia de navegação segura e a melhor proteção possível para o meio ambiente e o interesse público. Por exemplo, no Canadá, a Guarda Costeira Canadense promoveu uma mesa-redonda nacional para oferecer aconselhamento sobre
Com a e-navigation, a ideia não é descartar nossa abordagem
sua implantação. Os participantes incluem quase todas as partes
de navegação segura, mas aprimorá-la. O objetivo certamente
interessadas, entre as quais a Associação Canadense de Práticos
não é ter embarcações navegando os sete mares ‘berço a berço’
Marítimos.
com base apenas em equipamentos eletrônicos. Ao contrário, é 77
aperfeiçoar a navegação por meio de um melhor uso das
e procedimentos de práticos habilitados.
ferramentas eletrônicas. Muitos grupos de práticos de todo o mundo agora possuem e A iniciativa da e-navigation é, sem dúvida, a melhor alternativa. É
operam centros de simulação. Esse é o caso no Canadá, mas
o assunto no qual todo o mundo marítimo está focado. Mas não
também tenho conhecimento de grupos de práticos nos Estados
é a única questão de tecnologia que merece nossa atenção.
Unidos, na Alemanha e na França, entre outros.
Vale a pena dedicar um momento para pensar sobre alguns desses
O fato de os práticos estarem na vanguarda da tecnologia de
outros avanços tecnológicos e no que eles significam para a praticagem.
simulação é um ótimo exemplo de como seu conhecimento de especialistas das águas locais tem papel significativo na
Em geral, a tecnologia de navegação aper-
obtenção do máximo valor de um avanço
feiçoada deve reduzir a necessidade de
tecnológico, no melhor interesse tanto do
sistemas de tráfego de embarcações basea-
público quanto do setor.
dos em terra. Estamos vendo isso no Canadá. O comissário da Guarda Costeira Canadense
Acredito que, até agora, só tocamos a super-
anunciou recentemente uma consolidação dos
fície do que essa tecnologia representa para
centros de Serviço de Tráfego e Comunicações
a nossa profissão e acho que os práticos do
Marítimos (MCTS) e Serviço de Tráfego de
mundo inteiro precisam explorar mais como
Embarcações (VTS).
podem extrair um valor ainda maior dessa tecnologia não só em termos de treinamento,
Isso vai resultar na eliminação de quase
mas também para facilitar o desenvolvi-
metade desses centros em todo o Canadá.
mento da infraestrutura marítima futura.
Serão reduzidos de 22 para 12, sem nenhum impacto sobre a prestação dos serviços ou sobre a segurança.
Minhas ideias finais sobre a praticagem e o futuro da tecnologia de navegação são sobre processo. Vocês me ouviram discutir o papel
Essa redução no Canadá contrasta com sugestões que ouvimos em
que os práticos estão desempenhando na IMO e no Canadá com
outros lugares que tornariam o gerenciamento do tráfego de
relação às iniciativas de e-navigation.
embarcações mais dependente desses centros. Fato é que as melhorias na tecnologia de navegação, como, por exemplo, os
Em todos esses casos, os práticos não são observadores passivos
PPUs, podem fortalecer a capacidade a bordo de garantir a
de novos desenvolvimentos e novas tecnologias. Estamos envolvi-
passagem segura de navios e diminuir a dependência de instala-
dos ativamente na definição do papel que essas tecnologias terão
ções baseadas em terra.
na navegação marítima e assegurando que nossa profissão seja proficiente no uso das novas tecnologias, com todo o seu potencial.
Outro exemplo de tecnologia usada para fins relacionados à praticagem é o papel dos simuladores como ferramenta
Portanto, minhas últimas palavras a vocês são de incentivo.
de treinamento, como estipulado na Resolução A.960 da IMO,
Envolvam-se nessas iniciativas; assegurem-se de que seu grupo de
que trata do treinamento, da certificação e dos procedimentos
práticos esteja atualizado quanto às novas tecnologias e de que
operacionais para práticos marítimos. Como a maioria de
sua voz seja ouvida onde são tomadas as decisões sobre como
vocês sabe, essas simulações de navegação geradas por
a tecnologia será usada. Se fizerem isso, será bom para os
computador, mas altamente realistas, são de enorme valor no
práticos, mas, sobretudo, teremos a garantia de um transporte
treinamento necessário na qualificação dos indivíduos para
marítimo seguro.
a obtenção das habilitações de prático. Também são inestimáveis para o treinamento avançado em novas tecnologias 78
Obrigado!
Jean-Philippe Casanova Capitão de longo curso, atua desde 2002 na Praticagem de Marselha, França. Responsável desde 2006 pela Gestão da Qualidade na Federação Francesa de Práticos, da qual é secretário-geral desde 2012. Vice-presidente tesoureiro da Associação Europeia de Práticos.
Qualidade e eficiência no serviço de praticagem Obrigado pelas palavras gentis. Obrigado, Simon, por me conceder
competente é o Ministério dos Transportes. Existem normas rígidas
mais tempo. Como minha apresentação será longa e muito chata,
nos níveis nacional e regionais para a organização como um todo,
terei 15 minutos a mais. Muito obrigado por tudo. Bem, senhoras e
mas vamos mostrar isso mais tarde. Há um controle estrito da APC
senhores, é uma grande honra e um grande prazer dirigir-me a
todos os anos – APC é a Autoridade de Praticagem Competente.
vocês com esta apresentação, em nome da Associação Francesa
E, além disso, desenvolvemos um SGQ, um Sistema de Gestão
de Práticos.
da Qualidade.
Antes de tudo, quero fazer um agradecimento muito sincero ao
Como o organizador me pediu que falasse sobre a qualidade na
CONAPRA pelo convite e pela perfeita organização deste evento, e
praticagem, essa será a primeira parte de minha apresentação.
também a Otavio, Marcelo, Ricardo, e a Flávia, por toda a paciência
Esse assunto é considerado um bom sonífero, então vou fazer
que ela teve comigo.
o possível para torná-lo mais aceitável para todos. Vou fazer o possível, mas não sei se terei sucesso. Durante a palestra, vou
Peço que aceitem minhas desculpas pelo meu considerável
tentar resumir nosso SGQ. Foi o único sistema que a Associação
sotaque franco-corso. Nasci na Córsega, onde infelizmente o
Francesa de Práticos considerou satisfazer os requisitos do STCW
idioma de Shakespeare não é o primeiro dialeto; lamento.
95. Quero afirmar que não tenho nada para vender esta tarde. Na verdade, minha apresentação hoje pretende mostrar a nossa
Agora tenho que apertar o botão… É claro que, neste distinto lado
experiência, e não convencê-los a endossar um ou outro sistema.
da família, todos sabem o que é um prático marítimo. Por via das
Na segunda parte vamos examinar rapidamente a organização e
dúvidas, entretanto, apenas um slide para mostrar sobre quem
regulação dos práticos franceses.
vou falar. Por que os práticos franceses escolheram implementar um SGQ, O prático é um marítimo altamente qualificado, que embarca nos
embora a praticagem continue obrigatória, sem concorrência
navios por uma escada de prático ou talvez por um helicóptero. Ele
e com regulação muito forte? Essa é a pergunta a que vou
toma a frente da equipe do passadiço e garante a segurança da
tentar responder.
manobra. Para quê? Para a proteção ambiental, para a segurança marítima e para a fluidez do tráfego econômico do porto. Ele é o
Desde 1995, a Federação francesa buscava uma ferramenta que
sujeito que vocês veem no meio do passadiço, indicado pela seta
atualizasse regularmente o conhecimento dos práticos; o sistema
vermelha. Apenas algumas palavras sobre os práticos marítimos
precisava ser aceito pelas administrações de praticagem e ser
na França. No momento, somos 338 práticos autônomos, em 31
robusto o suficiente para garantir que os práticos encontrassem
distritos independentes, na França e territórios ultramarinos.
uma ferramenta nova e confiável para melhorar continuamente sua
Temos também 400 empregados e mais ou menos 100 lanchas de
proficiência. Nesse sentido, deveria estar de acordo com a IMO
prático e três helicópteros. Nossa autoridade de praticagem
A.485, antes da chegada, mais tarde, da A.960. 79
A solução eleita pelos franceses foi a norma de certificação ISO. Como diversos fornecedores estavam aptos a oferecer várias vantagens em diversas empresas, a Federação francesa comparou esses fornecedores e selecionou a ISO 9002, por ser mundialmente conhecida e utilizada por indústrias e órgãos de navegação. Além disso, a abordagem do sistema ISO era uma oportunidade para a praticagem aperfeiçoar aspectos comerciais ao lado da melhoria da prestação de um serviço seguro. Apenas um slide sobre o histórico do processo. Esse é o calendário No início, a opção de iniciar essa jornada no SGQ deveu-se
da entrada em vigor do SGQ francês na organização de práticos.
à demanda de nossas autoridades no sentido de estar em
Começamos essa jornada em 1995. Vemos que a primeira
conformidade com o STCW 95, porque elas não queriam acres-
certificação foi em 1997. Na época, acho que fomos os primeiros
centar uma nova norma na legislação francesa para a praticagem
no mundo a obter essa certificação. Não é como no esporte, não é
marítima. Nessa época dos anos 1990, era também uma forma
como no futebol.
de comunicar a total confiabilidade da praticagem francesa e de convencer a administração disso, num clima hostil devido a
O que é um SGQ aplicado à organização de práticos? O sistema de
acidentes recentes, que mencionamos ontem.
gestão da qualidade é relevante para o que está no slide: gerenciamento das ordens dos agentes marítimos e organização e
Vamos começar com a escolha das normas do SGQ. Para atender
prestação de serviços de praticagem, incluindo o monitoramento
a nossos requisitos, a primeira opção era um sistema produzido
da aproximação dos navios do local de embarque do prático e as
internamente, projetado por práticos, para práticos. Não tinha
operações de transbordo do prático (embarque e desembarque).
reconhecimento internacional algum e, ainda hoje, não tem credibilidade.
Como fizemos? Devido ao fato de a organização nacional de praticagem não ser uma empresa, o esquema de certificação foi
A segunda opção era implementar o código ISM, o que poderia ter
baseado em duas entidades: a Federação francesa, como a parte
atendido aos requisitos da Federação francesa. Era, entretanto, um
central do órgão, e ao lado as estações de práticos aplicando
código focado unicamente em metas de segurança que os práticos
a norma.
franceses consideraram muito limitadas. A escolha dessa solução teria definido a posição da praticagem como um serviço do Estado,
A implantação do processo levou dois anos, devido a dificuldades
longe da vontade dos clientes e longe das necessidades do mercado.
encontradas durante o estabelecimento da arquitetura, relativas principalmente à percepção negativa do código ISM por parte dos
A terceira era a implementação de uma norma de SGQ externa.
práticos que o haviam experimentado por si mesmos, e também
Esse sistema atende a todos os requisitos, cobre o campo da rela-
porque os práticos, como trabalhadores independentes, mostra-
ção cliente/prestador de serviços e permite a atualização dos
vam-se às vezes relutantes em adotar um comportamento de
conhecimentos do prático e a proficiência contínua.
grupo, bem como em função de complicações burocráticas para a redução dos documentos da qualidade.
De fato, na França, o contrato de praticagem é chamado de sui generis, pois é muito específico e estabelece obrigações para
Princípios e operação do SGQ
ambas as partes. Trata-se, portanto, de um contrato comercial, mesmo que os práticos não sejam vendedores; esse aspecto
O eixo central do SGQ ISO nos ajuda a manter o foco na abordagem
comercial, contudo, é componente de uma abordagem adequada
de prestador de serviços ao cliente, preparando-nos para
do processo de qualidade que leva à satisfação do cliente.
desenvolver um esquema de monitoramento da satisfação do
80
cliente. Não cabe aqui falarmos em detalhe da arquitetura. Vou
As ferramentas de avaliação, tais como não conformidades,
apenas esboçar o arranjo geral do design do sistema, a seguir.
proporções, auditorias, pesquisas ou observações da empresa de certificação, são altamente consideradas. A auditoria interna é
A base da política geral de qualidade é a antecipação dos requisi-
também ferramenta de educação usada pelos auditores, bem
tos de qualidade e a confiabilidade das ações de praticagem. O
como define a política uma vez por ano.
manual de qualidade, organizado pela Associação Francesa de Práticos, é comum a todas as estações de práticos, e cada grupo
Objetivos e metas são definidos anualmente numa revisão da
de práticos adiciona ao primeiro seu próprio manual de qualidade,
gestão da qualidade; essa reunião é realizada em cada grupo e
no qual se encontram explicadas as particularidades da estação.
durante o congresso anual da Federação. A revisão monitora a melhoria necessária para atender à norma concebida pelo órgão
Evidentemente, o objetivo do sistema inclui um mínimo de seis
externo que está certificando o grupo.
procedimentos obrigatórios e uma descrição exata do processo. Existem seis processos, que vou mostrar em alguns slides. Como
Por exemplo, um de nossos objetivos é a implementação da
funciona? É muito simples. O processo é naturalmente o centro
resolução A.960.
do sistema. Descreve como as entidades são reunidas no SGQ e conduz as diferentes atividades envolvidas na organização
Além da arquitetura global do SGQ e da previsão de gestão anual,
de praticagem.
a Federação e cada grupo se comprometem oficialmente numa Carta da Qualidade, expressando vontades e objetivos locais. Ela
Na condição inicial, temos os requisitos do cliente. A embarcação
materializa a direção do comportamento desejado pelo grupo.
se aproxima e, para atracar, precisa de um prático. Na condição
Trata-se de compromisso forte.
final, o navio está atracado, atracado pronto para se deslocar ou está do lado de fora. Então, do que precisamos? Processo número
Quais são os pontos-chave dessa política de carta? Antes de tudo,
3, precisamos solicitar um prático. Processo número 2, precisamos
a observação e conformidade com os documentos da quali-
ir a bordo. Processo número 1, precisamos manobrar a embarca-
dade; a prestação segura de serviços e a troca de informações
ção. Essas são as atividades centrais do nosso sistema. O SGQ
entre comandante e prático; o envolvimento na regulação do
estabelece a diferença entre os processos de recursos (4) e os
tráfego do porto de acordo com os requisitos de segurança e a
processos que levam à satisfação do cliente (5).
cortesia, é claro; um dos mais importantes, a independência dos práticos; a informação aos agentes de navegação; a comunicação
A Federação não presta nenhum serviço de praticagem. Trata-se de
de acidentes, incidentes ou deficiências; e por que fizemos o
associação que protege os interesses globais da profissão; uma
sistema de gestão da qualidade, é claro, a atualização contínua
associação responsável pelo SGQ encarregada do sistema global e
do conhecimento.
que tem delegados locais em cada grupo de práticos. Vamos dar uma olhada nas ferramentas. Depois que o SGQ foi O esquema de gestão está centrado na revisão da gestão. É
escolhido, o design e a revisão da gestão foram feitos, e a Carta da
organizado uma vez por ano em cada estrutura de praticagem
Qualidade foi publicada, o SGQ pode iniciar sua vida, e precisa
francesa, a Federação incluída, a fim de analisar resultados,
de ferramentas para vincular todas as entidades.
promover a melhoria dos resultados e programar o planejamento de qualidade.
Essas ferramentas são os registros que alimentam o ciclo de monitoramento, tais como não conformidades ou a comunicação
A política é decidida pelo Congresso de Práticos Franceses durante
de deficiências, as quais foram informadas às autoridades.
o qual o presidente se compromete por atos escritos. O sistema de
Incluem também a pesquisa de satisfação do cliente, que pode
qualidade garante que em todas as estruturas e em cada atividade
ser realizada para corrigir um ou outro ponto fraco no grupo;
haverá metas de melhoria relativas a pessoas e recursos.
auditorias internas ou externas, realizadas para avaliar o nível 81
de competência; e, evidentemente, os objetivos que devem ser
contínua; certificação externa por um órgão independente; e
indicados diariamente.
também é importante para o marketing.
Essa é uma das ferramentas que acabei de mencionar. Vocês
Como conclusão sobre o SGQ, eu diria que, para nós, envolver a
podem ver nesse slide uma folha da pesquisa de satisfação
associação no SGQ foi lucrativo para a Associação Francesa de
do cliente quanto à operação de praticagem em quatro anos
Práticos não só pela produção de papel, mas também na
diferentes. A pesquisa é respondida pelo comandante durante sua
abordagem proativa de clientes, como eu disse antes, para o
escala em nossos portos.
setor e para as comunidades portuárias, para a segurança da navegação e para a proteção ambiental.
Isso indica a filosofia de realimentar o sistema com alguns documentos de rastreamento que monitoram tendências sobre
Agora, sem intervalos, enquanto esperamos um pouco o café,
objetivos como cortesia, segurança e confiabilidade dos serviços
vamos dar uma rápida olhada na Organização Francesa de Práticos.
de praticagem prestados aos clientes.
A praticagem marítima é regida pelo artigo L5341-1 e seguintes do Código de Transportes francês (Regulamento n0 2010-1307, de 28
No âmbito da organização global, a fim de melhorar o serviço e o
de outubro de 2010) e pelo decreto de 19 de maio de 1969,
sistema de relatórios, a Associação Francesa desenvolveu uma
atualizado em 2009. O trabalho das estações de praticagem está
ferramenta de relatórios chamada Risap. Trata-se de um banco de
sob a supervisão do ministro dos Transportes. Anteriormente,
dados que armazena todas as deficiências registradas em todo o
a regulação era baseada na lei de 28 de março de 1928. Com a
país. Todos os práticos podem acessar o banco de dados e adaptar
transposição para o código dos transportes não houve grandes
a prestação de serviços ao histórico de eventos do navio. Nesse
mudanças, apenas algumas atualizações.
slide, vocês veem a versão desenvolvida para smartphones. Tenho orgulho de acreditar que os legisladores construíram um Em seguida, se você é um bom aluno, deve passar por testes. Os
bom sistema em 1928, pois ele passou por vários governos
testes do SGQ são as auditorias realizadas pela empresa de certi-
diferentes sem grandes mudanças e ainda funciona bem. O que me
ficação do SGQ. Para nós, consistem na ISO através da LRQA e no
parece engraçado agora, com o projeto da EU de concorrência, é
teste global, que é a renovação da pesquisa de certificado condu-
que talvez estejamos reescrevendo a história, porque antes de
zida a cada três anos. Praticamente a cada seis meses o auditor vai
1928 havia concorrência na praticagem francesa.
a três ou quatro distritos franceses a fim de conferir toda a organização francesa durante o período de validade do certificado
A praticagem na França se baseia em três pilares. Primeiro, a esta-
(três anos). E uma observação num distrito tem de ser resolvida em
ção de práticos. É o núcleo da organização dos serviços públicos de
todos os distritos. Não se trata apenas de produzir toneladas
praticagem. A estação de práticos cobre as atividades essenciais
de papel nem de matar todo o tempo livre dos práticos.
da praticagem marítima na área pertinente. A coletividade dos práticos é a verdadeira proprietária dos materiais necessários à
Nesse slide falo também dos clientes, e vocês certamente ouviram
execução do serviço. Depois temos a Associação de Práticos. Na
essa palavra muitas vezes desde o início de minha apresentação.
verdade, a Associação é ferramenta jurídica criada para coordenar
Estou sempre falando sobre clientes, clientes, clientes, e quando
e organizar os práticos e seus empregados na área pertinente. Por
falo a respeito de clientes, estou falando sobre os armadores,
que eles escolheram a Associação em vez de uma cooperativa ou
embora não só eles − toda a comunidade portuária deve ser con-
sociedade? Porque o importante é saber que a estação de práticos
siderada cliente, e assim podemos falar a cada cidadão na área.
não tem personalidade jurídica. E o prático na França é autônomo. Atuando a bordo ele está fazendo seu trabalho em seu próprio
Como o sistema é lucrativo para nós? É uma ferramenta de
nome. E, como Paul Kirchner disse ontem sobre os americanos, eu
comunicação muito interessante; permite melhores registros; é
diria que os práticos franceses são cidadãos particulares, profis-
demonstração universal de qualidade; processo de melhoria
sionais com responsabilidades de serviço público.
82
Como se tornar prático na França? No nível nacional, é preciso
Além disso, o treinamento é especificado e conferido em nosso
estar em conformidade com algumas qualificações. Há certos
SGQ. Todo ano, os práticos marítimos têm de realizar diferentes
requisitos de idade, é preciso obter o certificado de comandante
tipos de treinamento para atualizar seu conhecimento. Estamos
pleno, e há também alguns requisitos de habilidades de navega-
utilizando simulador, manobras em modelos tripulados, gerencia-
ção. É preciso passar seis anos no mar. Depois disso, o recruta-
mento de recursos do passadiço, e temos muitos briefings entre os
mento é feito em nível local. Há uma banca examinadora, presidida
práticos dentro do distrito para analisar todos os incidentes e
por um oficial da Marinha, com a autoridade marítima represen-
atualizar os conhecimentos da área.
tada por um inspetor; um capitão da Marinha mercante; dois práticos da área. Em seguida, se o candidato for bem-sucedido
Bem, tendo então o prático treinado, vou falar sobre o funciona-
no exame, é comissionado pelo Ministério dos Transportes.
mento dos serviços de praticagem na França; sobre o serviço, os equipamentos, os preços, a praticagem obrigatória e sobre o que
Uma vez comissionado, o prático deve ser instruído e treinado. O
chamamos de PEC.
treinamento inicial dura entre um e quatro meses na academia, antes que possa embarcar sozinho num navio, em geral de pequeno
Por equipamentos quero dizer lanchas de prático, carro, helicóptero,
porte, evidentemente, e são necessários de cinco a dez anos para
prédio. Os equipamentos são propriedade dos práticos. O compar-
ser plenamente habilitado.
tilhamento é uma prerrogativa, mas não é tão simples, porque os práticos não podem vender sua participação, que por sua vez não
No meu porto, primeiro trabalhamos em dupla durante quatro
pode ser hipotecada. Essa propriedade dos equipamentos funciona
meses, e depois podemos embarcar em navios pequenos num local
sob um controle muito rígido das autoridades de praticagem
específico, no qual não há navios transportando cargas perigosas,
competentes. Um exemplo desse controle rígido: para um novo
por exemplo. Depois, vai demorar cerca de dez anos até podermos
investimento e/ou substituição, os práticos devem pedir
manobrar todos os tipos de embarcações em qualquer condição.
autorização ao diretor de Assuntos Marítimos. 83
Agora vamos falar sobre preços. No nível nacional, os preços
de Union Maritime, que é a representante da indústria
tomam por base o volume da embarcação. Comprimento total,
portuária.
largura máxima e calado máximo de verão. Depois, as taxas de praticagem são decididas anualmente em nível local pelo préfet
Os demais participantes são o diretor de Assuntos Marítimos, o
de région, que é um representante do governo francês, e são
diretor do Porto, a autoridade competente que está presente
publicadas num regulamento. Esse regulamento é emitido depois
quando a assembleia comercial está discutindo a tarifa, e temos
de consulta aos grupos interessados no que chamamos de
também o representante da Marinha quando a assembleia
Assemblée Commerciale.
comercial está discutindo a zona de praticagem.
O objetivo desse comitê de usuários é opinar sobre a organização
Então, temos os práticos, a indústria e o preço; e como funciona?
e interferir nos preços dos serviços de praticagem. Às vezes é
Vamos analisar a praticagem obrigatória e o que chamamos de
difícil proteger todos os interesses. No entanto, a eficiência
PEC, que é o Certificado de Isenção de Praticagem (Piloting
necessária é decidida localmente por grupos com o mesmo
Exemption Certificate).
interesse na promoção do porto em que trabalhamos. Eu diria que, como nos EUA, para nossas carreiras pessoais, temos
O marco regulatório é fornecido pela lei em âmbito nacional, mas
um interesse financeiro no sucesso da operação de praticagem
sempre tratado localmente. O ponto-chave nesse caso é o que
em nosso porto, porque não somos empregados.
chamamos de comissão local, que trata, portanto, dos aspectos técnicos dos serviços de praticagem e dos exames de PEC.
O comitê de usuários é, evidentemente, a instância em que as indústrias podem pedir o aumento ou a redução dos preços de
Os membros do comitê técnico são o diretor da Autoridade
praticagem, mas não apenas isso. Como vocês sabem e como
Marítima, o diretor do Porto, o capitão do Porto, um comandante de
escutaram esta manhã, o prático tem um conhecimento sólido
navio que vem frequentemente ao porto, e também, é claro, o
sobre a manobra de navios nas zonas de praticagem. A singular
prático da zona de praticagem.
expertise do prático permite a utilização máxima das dimensões do porto, em termos de espaço geográfico e tempo.
Para a praticagem obrigatória na França, todas as embarcações cujo tamanho ultrapasse um comprimento total (LOA) decidido
A questão da fluidez do tráfego é abordada com frequência pelos
localmente precisam embarcar um prático. Normalmente, nos
interessados durante essa assembleia no caso, por exemplo, de
diferentes portos franceses, esse tamanho situa-se entre 40 e
um novo projeto ou para otimizar os existentes. Realmente, e
70 metros.
tenho certeza de que vocês têm conhecimento disso, os práticos podem reduzir o tempo de fundeio indevido ou outro período de
Agora, vamos falar sobre os PECs. Há um marco regulatório nacio-
tempo desperdiçado ao permitir escalas seguras e rápidas. E,
nal para o PEC, e depois uma decisão local para implementá-lo. O
como mencionou o professor Mesquita esta manhã, para otimizar
PEC pode ser concedido a um comandante, a uma embarcação, ao
o procedimento, utilizando sua expertise.
porto ou a um berço específico nesse porto. Esse comandante precisa ter bom conhecimento do idioma francês e ser aprovado
Nesse comitê de usuários, temos oito pessoas, oito
num exame médico. Não são concedidos PECs para petroleiros ou
representantes sem direito a voto. Temos dois represen-
embarcações levando carga perigosa, e também há algumas outras
tantes dos armadores, dois outros usuários do porto, dois
disposições na lei, como, por exemplo, a validade de sua emissão:
representantes da administração do porto e dois práticos.
dois anos.
Esses têm direito a voto. Os demais usuários do porto são em geral agentes de navegação, mas também
A decisão local é tomada pelo comitê local, que vai decidir a área
podem ser barqueiros ou empresas de rebocadores.
do porto em que o regime de PECs pode ser usado. O comitê decide
E eles são propostos pelo que chamamos em francês
o número de escalas necessárias para passar no exame; se haverá
84
alguma restrição, como condições meteorológicas, se a embarca-
aos aspectos tanto comerciais como técnicos, e um regulamento
ção usará rebocador ou não. Em geral, quando há assistência
emitido pelo préfet de région.
de um rebocador, o prático embarca no navio. O prático local marítimo embarca no navio. O comitê também vai decidir o tipo
Vamos falar sobre esse regulamento, que chamamos de règlement
de propulsão do navio. Portanto, em certos portos, você pode ter
local. Nesse regulamento encontram-se todos os itens referentes
uma hélice e um propulsor de proa, mas na maioria dos casos
à organização de praticagem no âmbito local. O número de práti-
são embarcações de duas hélices e um propulsor de proa.
cos, os equipamentos necessários para a execução do serviço, os limites da zona de praticagem obrigatória, o tamanho e o tipo de
Agora, como os PECs funcionam na prática.
embarcação para a qual um PEC pode ser concedido e as taxas de praticagem. Todos os anos altera-se um anexo do regulamento
Número 1 – Uma embarcação bem equipada para manobras.
com a mudança nas taxas de praticagem.
Número 2 – Temos um comandante muito habituado a fazer esca-
Tenho certeza de que vocês estão pensando como eu, que falei
las nesse porto e, quando estou me aproximando do porto, às vezes
demais esta tarde e que está na hora de concluir.
só há um berço dedicado exclusivamente na entrada. Se é preciso passar por eclusas ou pontes, não é possível obter o PEC.
Em todo o mundo existem cerca de 14 mil práticos. Sabemos que a indústria de navegação transporta aproximadamente 90% das
Número 3 – Muito importante. É necessário ter total controle da área
mercadorias. Vocês viram que nas diferentes partes do mundo os
de navegação por meio de um centro VTS. Como não há um prático
práticos podem ser profissionais autônomos, servidores públicos
a bordo, é preciso verificar o tempo todo o que o navio está fazendo.
ou empregados, mas sempre sob a supervisão de uma autoridade de praticagem competente. O que é importante observar é que
Número 4 – Podem ocorrer condições específicas e limitadoras,
essa autoridade de praticagem competente deve ser sempre o
aliás, já mencionadas: condições meteorológicas, assistência do
mais independente possível das diferentes partes interessadas, e
rebocador, tráfego marítimo na vizinhança, área muito sensível
assegurar que os práticos também se mantenham sempre o mais
no porto, como, por exemplo, uma base naval. Como em Toulon, no
independentes possível das diferentes partes interessadas.
sul da França, onde a autoridade marítima não quer conceder PECs. E, evidentemente, haverá taxas especiais para embarcações sob o
Como conclusão, junto-me ao Sr. Singhota da IMO e ao que a IMO
regime de PEC, sendo uma fração da tarifa normal. Na verdade, as
declarou claramente no preâmbulo da Resolução A.960, reproduzi-
taxas de praticagem são uma contribuição para os serviços públicos.
do nesse slide. Em outras palavras, a praticagem é uma questão local e deve ser decidida localmente. Estou certo de que, se for
Em resumo, posso dizer que 95% dos PECs concedidos na França
para lembrar apenas um ponto de minha apresentação, é esse.
são dados a comandantes de balsas de veículos que fazem a travessia entre a França e o Reino Unido, porque eles entram várias
Para encerrar, apenas as únicas palavras que conheço em
vezes por dia no mesmo porto. Por exemplo, em Calais, estão
português: muito obrigado!
fazendo a ligação entre Calais e Dover, e em Calais estão entrando cerca de cinco vezes por dia. Então, 95% são casos como esse, e o restante é concedido para embarcações especializadas usadas para dragagem e operações de manutenção. Tenho apenas mais sete minutos, mas estou quase terminando. Vamos à conclusão sobre a praticagem na França. Existe um marco regulatório nacional para todos os distritos, sempre com tratamento local. Há consulta aos grupos de interessados, em relação 85
Eliane Octaviano Advogada, mestre pela Unesp, doutora pela USP, pós-doutorada pela Universidade Autônoma de Barcelona. Professora do doutorado e do mestrado, e coordenadora da pós-graduação em direito marítimo e portuário da Unisantos. Autora de Cursos de Direito Marítimo volumes I-III.
Aspectos jurídicos do serviço de praticagem: o armador estrangeiro, suas representatividade e responsabilidades O serviço de praticagem
Contratos ou acordos de praticagem
O serviço de praticagem ou pilotagem (pilotage) é atividade consa-
O contrato de praticagem regulamenta os direitos e obrigações rela-
grada desde os primórdios e consigna o conjunto de atividades
tivos aos serviços de assessoria náutica entre o prático e o armador.
profissionais de assessoria ao comandante nos procedimentos de manobra náutica e na navegação.
No Brasil, o contrato de praticagem não encontra normatização específica, sendo raros os posicionamentos no âmbito doutrinário
Constatam-se, como razão fundamental da existência da atividade
e jurisprudencial.
de pilotagem ou praticagem, a maior eficiência e segurança à navegação, a salvaguarda da vida humana, preservação do meio
Tem-se considerado, em geral, a natureza de prestação de serviços
ambiente e proteção do patrimônio público e privado sob
submetendo-se o contrato de praticagem aos dispositivos gerais
interferência do tráfego aquaviário no interior de áreas ou zonas
constantes do Código Civil (CC), concernentes às obrigações e
de praticagem ou de pilotagem (pilotage area).
contratos combinado com os ditames legais específicos à prestação de serviço, complementadas por menções específicas em
Trata-se de atividade de gerenciamento de riscos baseada no
legislações esparsas.1
conhecimento dos acidentes e pontos característicos de áreas marítimas designadas zonas de praticagem realizada, essencial-
Inobstante prevalência dessa vertente, a natureza jurídica do con-
mente, em trechos da costa, em baías, portos, estuários de rios,
trato de praticagem também remete a controvérsias e se questio-
lagos, rios, lagos, rios, terminais e canais.
na, efetivamente, seu enquadramento como contrato de prestação de serviços por obra certa (CC, Artigos 593 a 607) ou contrato de
A atuação da praticagem apresenta características peculiares e
empreitada (CC, Artigos 610 a 626),2 ou ainda em um tertius genus,
mundialmente consagradas: o caráter local, a ausência de vínculo
consignando elementos comuns de ambos os tipos contratuais.3
empregatício e o controle efetuado pelo Estado que regula a atividade e determina as zonas e áreas obrigatórias (compulsory
No contexto da natureza apenas de prestação de serviços, teoria
pilotage area) ou facultativas (facultative pilotage area).
prevalente no direito brasileiro, a atividade de praticagem, em si, é obrigação de meio para obtenção do resultado desejado.
Na generalidade, o exercício da atividade de praticagem envolve, normalmente, tipos distintos de ações relacionadas às manobras
Na tese que considera a natureza de contrato de empreitada, a
náuticas: a pilotagem ou praticagem de singradura ou de atracar,
praticagem assumiria os riscos até o momento da finalização da
desatracar, fundear os navios e outras manobras.
manobra náutica, na típica configuração de obrigação de resultado.
1 2 3 3
Defende a natureza de prestação de serviços. Sampaio de Lacerda, 1984, p. 143 e Gibertoni, 2005, p. 138. O contrato de empreitada tem por objeto a realização de obra material ou imaterial, considerando-se nesse contexto a “obra” como o trabalho ou tarefa. Descartada totalmente a possibilidade de contrato de trabalho, pois o prático não é tripulante nem empregado do armador, inexistindo, ainda, qualquer relação de dependência ou subordinação do prático com o armador ou comandante. V. Lesta, art. 2º e 12. Para aprofundamento no tema consulte Octaviano Martins, 2012, capítulo 14. 87
Considerando um terceiro gênero, na base das considerações desse enquadramento, o prático é convocado para a realização de ‘obra’ imaterial em razão de suas especiais aptidões técnicas e obriga-se, concomitantemente, a assessorar o comandante, configurando prestação de serviços, e a conduzir corretamente a manobra em condições de segurança, resultando em obrigação de resultado, típica da empreitada, a que a praticagem se presta com unidade de ato: o prático assessora desde que a bordo do navio, e
O contrato ou acordo master
o assessoramento termina, sem solução de continuidade, quando
(master agreement ou master contract)
concluída a manobra náutica. O caráter sui generis que remete à consolidação de um terceiro gênero contratual emana das especi-
Na práxis marítima internacional, inexiste standard contract form
ficidades e tecnicidades do serviço de praticagem, e o caráter
ou standard agreement para o acordo ou o contrato de praticagem.6
bifronte, de sua vinculação ao direito público e ao direito privado.4
Como regra, prevalece o princípio da autonomia da vontade das partes, com a interveniência das normativas imperativas vigentes
Resvala-se na pressuposição básica de apresentar a atividade de
nos sistemas jurídicos estatais.
praticagem características peculiares e mundialmente consagradas anteriormente referenciadas, designadamente no que tange ao
Seguindo esse parâmetro, não há um contrato-padrão de serviço
caráter local, à ausência de vínculo empregatício ou subordinação
de praticagem no Brasil.
e ao controle efetuado pelo Estado. No desempenho de suas funções, a praticagem representa, efetivamente, o interesse público
O preço do serviço de praticagem engloba o serviço constituído de
da segurança da navegação e goza de autonomia frente ao coman-
prático, lancha de prático e atalaia, e é devido pelo conjunto dos
dante do navio.
elementos ou para cada elemento separadamente.
Destaca-se, ainda, uma quarta vertente teórica, defendida por
A elaboração do acordo ou do contrato deve consignar a definição
Matusalem Pimenta (2007, p. 123-124), que relega a natureza con-
precisa, objetiva e inequívoca dos elementos fundamentais
tratual a uma relação jurídica híbrida e defende assim configurar-se
intrínsecos à relação entre as partes contratantes para evitar
a relação entre o armador e o prático − como, um “acordo sui generis”
inadimplementos e litígios.
que não constitui relação contratual perfeita, vez que não se fazem presentes alguns princípios básicos que norteiam os contratos.
Constatadas a inexistência de regulamentação internacional ou de
Afirma, ainda, que a relação híbrida ora considerada é contratual em
contrato-tipo ou acordo-padrão e a omissão da legislação brasilei-
sua formatação, mas em sua execução aproxima-se muito mais de
ra, é comum existirem vários acordos até para uma mesma zona
uma relação de trabalho, posto que é exercida sob subordinação.
de praticagem.
5
4 No direito espanhol também se suscitam divergências teóricas sobre a natureza do contrato de praticagem e são constatados entendimentos que defendem a natureza de contrato de arrendamiento de obra, instituto similar ao contrato de empreitada no Brasil, arrendamiento de servicios, contrato de arrendamiento de servicios (prestação de serviços no sistema do Brasil) ou caráter sui generis. Partidário do entendimento da natureza sui generis do contrato de praticagem, afirma Arroyo Martinez (2001, p. 587) que na prestação de serviços, ao contrário do que ocorre na praticagem, a prestação geralmente é diferida ou de trato sucessivo. Destaca ainda que autonomia do prático é característica que também não se constata nos contratos de arrendamiento de obra ou no contrato de arrendamiento de servicios. Em sentido diverso: “Arrendamiento de Obra. Práctico del puerto. No tiene la condición de tripulante del buque. Autonomía en el ejercicio de sus funciones. Distinción entre la responsabilidad del capitán e la del práctico” (TS 1ª. S 13 jun. 2003, Madrid, Espana). 5 “A existência de uma relação contratual pressupões necessariamente a liberdade de contratar, o que não acontece em absoluto com os serviços de praticagem. A praticagem, conforme definida em lei, é atividade essencial de interesse público, não havendo qualquer possibilidade de sua não utilização por parte dos armadores, nem tampouco de sua não prestação por parte dos práticos. Portanto, a relação não nasce da vontade das partes, mas, sim, por imposição legal nos moldes do artigo 15 da Lei 9.537/97 (...). Uma outra característica da relação contratual é a bilateralidade quanto à escolha do seu conteúdo, característica esta extremamente mitigada nos acordos de praticagem. O serviço de praticagem deve ser executado rigorosamente em conformidade com a lei especial e regulamentos pertinentes, devendo estar estampada no corpo do acordo cláusula pétrea para esse fim (...) Ainda como princípio orientador das relações contratuais, tem-se a manutenção do equilíbrio entre as partes, e, na hipótese de desequilíbrio, razão há para rescisão do contrato, ou seu ajuste através do Poder Judiciário. Também não é o que ocorre com os serviços em tela, vez que são executados sob o regime de hierarquia, senão vejamos: quando o prático se apresenta a bordo, para dar início ao serviço seu nome é aposto no diário de bordo seguido das seguintes palavras: “to master’s orders on pilot’s advice” (...) ou seja, sob as ordens do comandante e orientação do prático. Assim, há consenso internacional no que tange à autoridade do comandante sobre todas as pessoas de bordo, sendo essa autoridade expressa na maioria dos ordenamentos jurídicos, a exemplo da lei brasileira” (Pimenta, 2007, p. 125-126). 6 Admite-se, embora não seja de praxe, a forma não escrita iniciando-se com a formalização da solicitação do serviço de praticagem. 88
Os contratos de praticagem se vinculam a um acordo master
Na esfera contratual evidencia-se legitimidade para negociar ou
(master contract ou master agreement) que determina os parâme-
contratar o serviço de praticagem no Brasil às empresas brasileiras
tros gerais das obrigações entre o armador e a praticagem.
de navegação (EBNs), às empresas estrangeiras autorizadas legalmente,8 ao Sindicato dos Armadores Nacionais (Sindarma) e às
Estrategicamente, os master contracts ou master agreements
agências marítimas 9 ou seus respectivos sindicatos que represen-
contêm cláusulas relativas à negociação como um todo e permitem
tem armadores estrangeiros.
continuidade, fluidez e celeridade nas operações. Efetivamente, cada assessoria específica a ser prestada pelo prático está vincu-
A obrigação fundamental do armador é pagar o preço. Nas hipóteses
lada aos termos do acordo ou termo de contrato. Em face da
de inadimplência, há que analisar quem poderá figurar no polo pas-
dinâmica das atividades que envolvem o setor, não é usual (e até
sivo e ser demandado pelo não pagamento do serviço de praticagem.
se consubstanciaria em procedimento inviável) que sejam negociados acordos específicos a cada efetiva prestação de serviços da
Efetivamente, a demanda pode ser proposta contra a empresa
praticagem a determinado navio.
contratante. Se estrangeira (legalmente estabelecida), na pessoa de seu representante legal no país. Em regra, é vedada a contrata-
Considerada a diversidade de acordos e contratos e a confidenciali-
ção de serviços de praticagem por empresas estrangeiras.
dade e sigilo que porventura possam ser consideradas, não há como se analisar, em efetivo, um padrão específico. Inobstante ausência
Nesse contexto, tem-se suscitado a responsabilidade das agências
de paradigma, evidências empíricas evidenciam a elaboração de
marítimas, representantes dos armadores estrangeiros, pelo paga-
contratos, termos de contrato ou acordos de praticagem tradicional-
mento do serviço de praticagem.
mente estruturados em cláusulas introdutórias e cláusulas específiDa representatividade do armador estrangeiro
cas em consonâncias às normas gerais aplicáveis às obrigações. As cláusulas introdutórias contêm, essencialmente, a identificação e
As agências marítimas (owner’s agencies) ou agências de navegação
qualificação das partes. As cláusulas específicas são variáveis de
são empresas que têm como função a representatividade do armador.
acordo com a especificidade da transação, mas geralmente versam sobre o objeto e descrição das atividades, preço e condições de paga-
Na práxis de mercado, o agente exerce a completa representação
mento, obrigações das partes, duração, rescisão, lei aplicável e foro.
do armador em consonância ao que for determinado contratual-
7
mente. Na generalidade, as atividades do agente contemplam a Das partes contratantes
contratação de praticagem, providências relativas ao despacho de chegada e saída do navio, rebocadores, lanchas, atracação,
O contrato de praticagem é o instrumento pelo qual se regulamen-
reparos, suprimentos, víveres, entre outras obrigações.
tam os direitos e obrigações relativos aos serviços de assessoria náutica entre o prático e o armador.
A natureza jurídica da atividade da agência marítima não encontra posição uníssona no direito brasileiro, e se constatam teorias que
A obrigação fundamental do prático se refere à condução da
divergem acerca da natureza da relação entre o armador e a agên-
embarcação em consonância com a segurança da navegação e as
cia, e suscitam-se teorias que defendem a configuração de man-
normativas vigentes.
dato (CC, art. 653 a 658),10 contrato de agência (CC, arts. 710 a
7 8 9 8 8 8 8 8 10
Para aprofundamento no tema consulte Octaviano Martins, 2012, capítulo 14. As empresas estrangeiras para atuar no Brasil devem ter autorização do Poder Executivo. V. Decreto-lei 2.627/40, art. 64 e art. 1.134 do CC. Em sentido contrário: “DECLARATÓRIA − ILEGITIMIDADE ATIVA − EXTINçÃO MANTIDA − DEMANDA COM OBJETIVO DE AFASTAR A OBRIGAçÃO DECORRENTE DE 8 8 ACORDO SOBRE OS PREçOS DE PRATICAGEM PROPOSTA PELO SINDICATO QUE REPRESENTA AGENTES MARíTIMOS − O agente marítimo serve às empresas de navegação para realizar serviços que seriam de sua competência, de um modo geral, auxiliando no transporte e na armação. Há uma relação jurídica de representante do navio em 8 terra em nome do transportador ou armador. Enfim, a relação jurídica estabelecida não alcança certos conflitos, especificamente a discussão sobre a prática de preços, 8 diante da atuação na qualidade de mandatário − Sindicato que atua na qualidade de substituto processual e, em consequência, não é legitimado para a causa (TJSP 8 8 Apelação APL 992080096777; Relator: José Malerbi; Data de Julgamento: 08/10/2010, 35ª Câmara de Direito Privado) CC, art. 653: "Opera-se o mandato quando alguém recebe de outrem poderes para, em seu nome, praticar atos ou administrar interesses. A procuração é o instrumento do mandato". 89
716),11 prestação de serviços, comissão mercantil (CC, art. 693 e
de contêineres, o TJSP considerou a legitimidade ativa ad causam
seguintes) ou representação comercial (Lei 4.886/65).
do agente marítimo por restar caracterizada a relação contratual de
12
13
comissão mercantil entre a agência e a empresa estrangeira que Considerada a natureza de mandato, a agência marítima recebe do
transportou a mercadoria e alugou os contêineres. Reconheceu o
armador poderes para, em seu nome, praticar atos ou administrar
Tribunal que a agência marítima é parte legítima para figurar no
interesses (CC, art. 653).
polo ativo do processo, na defesa de seus direitos subjetivos decorrentes do desempenho de suas atividades, eis que, embora
Na indústria de shipping, os armadores estrangeiros geralmente não
aja segundo as instruções e o interesse da comitente, o faz em
concedem procurações aos agentes marítimos para atuar em seu
nome próprio, contratando com terceiros e assumindo as respon-
nome. Tal representatividade advém dos usos e costumes consoli-
sabilidades daí decorrentes (TJSP, 9143017-34.2006.8.26.0000
dados internacionalmente, que são fontes relevantes de direito.
Apelação Com Revisão / Seguro Relator(a): Itamar Gaino Órgão julgador: 21a Câmara de Direito Privado Data do julgamento:
O agente atua em seu ofício e nos limites do contrato; todavia,
09/05/2007 Data de registro: 04/07/2007).
deve o agente marítimo atuar com diligência e primar pelo cumprimento dos contratos nos quais atua em representatividade do
Inobstante tais casos não versem, efetivamente, sobre os serviços
armador e, se necessário, exigir do armador remessa adiantada
de praticagem, configuram precedentes importantes que podem
de valores necessários para fazer frente às obrigações contratuais.
ser invocados.
Na prática, é usual a exigência de envio antecipado de valores para
Ademais, independentemente da teoria que se defenda, tem-se
o pagamento de algumas taxas que são pagas antes de o navio
consagrado a validade da citação do armador estabelecido no
atracar, como as taxas portuárias. Trata-se de procedimento que
exterior na pessoa do agente marítimo.
poderá ser adotado para evitar inadimplemento na esfera da contratação de praticagem.
Da formação e execução do acordo ou contrato de praticagem
Considerando a natureza de comissão mercantil, destacam-se dois
Na esfera internacional, a formação do contrato ou do acordo de
julgados que versam sobre a responsabilidade da agência pelas
praticagem emana da proposta formalizada pelo contratante ou
despesas de atracação e desembarque de mercadorias e de sobre-
seus prepostos solicitando a assessoria de um prático a bordo. A
estadias de contêineres.
solicitação é feita, em regra, por comunicação do comandante com a estação de praticagem. Admite-se, ainda que considerada
O TJRJ determinou a responsabilidade do agente marítimo pelas
conduta em desuso, a solicitação do prático por meio de sinais.
despesas dos serviços de atracação e desembarque de mercadorias considerando que a representação, que o agente marítimo
Nos termos do Código Internacional de Sinais (CIS) da IMO
exerce em favor do armador do navio, configura o contrato de
(International Maritime Code of Signals) a bandeira alfabética
comissão mercantil, segundo o qual o comissário, embora aja
Golf significa solicitação de prático pelo navio.
em nome próprio, o faz em favor de terceiros (TJRJ, 000765881.1997.8.19.0000; 1997.001.04154 Apelação; Des. Marlan Mari-
No Brasil, em consonância aos ditames das Normas da Autoridade
nho; Julgamento: 04/11/1998; Primeira Câmara Cível).
Marítima para o Serviço de Praticagem − Normam 12, 0313 (d), os serviços de praticagem devem ser obrigatoriamente, requisitados
No mesmo sentido, em sede de ação de cobrança de sobre-estadia
ao Centro de Controle de Operações de Praticagem da Atalaia
11 CC, Art. 710: “Pelo contrato de agência, uma pessoa assume, em caráter não eventual e sem vínculos de dependência, a obrigação de promover, à conta de outra, mediante retribuição, a realização de certos negócios, em zona determinada, caracterizando-se a distribuição quando o agente tiver à sua disposição a coisa a ser negociada. Parágrafo único. O proponente pode conferir poderes ao agente para que este o represente na conclusão dos contratos”. 12 CC, Art. 693: “O contrato de comissão tem por objeto a aquisição ou a venda de bens pelo comissário, em seu próprio nome, à conta do comitente”. 13 Lei 4.886/65, Art. 1º: “Exerce a representação comercial autônoma a pessoa jurídica ou a pessoa física, sem relação de emprego, que desempenha, em caráter não eventual por conta de uma ou mais pessoas, a mediação para a realização de negócios mercantis, agenciando propostas ou pedidos, para, transmiti-los aos representados, praticando ou não atos relacionados com a execução dos negócios”. 90
homologada da respectiva ZP, pelos comandantes das embarcações ou por seus prepostos. rança, faculta-se ao comandante, sob sua exclusiva responsabiliAutorizada a manobra, o prático escalado embarca na lancha de
dade e mediante prévia autorização da capitania, delegacia ou
prático e se dirige ao ponto de espera de prático, estabelecido em
agência (CP/DL/AG), demandar à ZP local abrigado que permita o
coordenadas geográficas na zona de praticagem (ZP), onde é
embarque do prático, observando orientações transmitidas pelo
efetuado o embarque/desembarque do prático no navio por
prático de bordo da lancha de prático.
ocasião do início ou fim de uma faina de praticagem. Nas manobras náuticas de desatracação, o prático adentra o navio No início das atividades, ao entrar no navio o prático dirigir-se-á à
atracado orientando a manobra de desatracação até o ponto de
ponte de comando, sendo apresentado ao comandante, momento
espera de prático, onde desembarca e configura o fim da faina
no qual se transfere a condução do navio ao prático e consolida-se
de praticagem e respectiva resolução do contrato.
a relação contratual inter partes. Na impossibilidade de desembarque do prático com segurança no Na apresentação do prático a bordo, antes do início da faina, faz-se
ponto determinado quando as condições meteorológicas e/ou
constar no diário de bordo o nome do prático seguido da frase: “to
estado do mar impedirem, o comandante da embarcação, sob sua
master’s orders on pilot’s advice”. Trata-se de procedimento-
exclusiva responsabilidade e mediante prévia autorização do CP/
padrão para dar início à faina de praticagem. Evidencia-se, por-
DL/AG, poderá desembarcar o prático em local abrigado e prosse-
tanto, a premissa consolidada internacionalmente de serem dele-
guir a singradura, observando os sinais e orientações transmitidas
gadas a condução do navio e a direção náutica do navio ao prático,
pelo prático, que ficará a bordo da lancha de prático. Configurada
mas permanece o comandante no comando, podendo intervir a
antecipadamente a possibilidade de falta de segurança no desem-
qualquer momento e reassumir a condução do navio.
barque do prático e de que a segurança da navegação desacon-
14
15
selhe seu desembarque antes do ponto de espera de prático, tal A direção do navio pelo prático se mantém até sua completa atra-
situação deverá ser apresentada ao comandante da embarcação,
cação no cais, consignando a resolução do contrato para aquela
devendo o prático estar pronto para seguir viagem até o próximo
específica manobra.
porto caso seja a decisão do comandante e mediante prévia autorização da CP/DL/AG. Em tais circunstâncias, se considera que a
Constatadas condições meteorológicas e/ou estado do mar que
responsabilidade do prático se encerra com o término da faina e
determinem a impossibilidade de embarque do prático com segu-
não se estende até o momento de seu efetivo desembarque.16
14 15 15 15 16 16 16
Conferir Octaviano Martins, 2012, capítulo 14; Pimenta, 2007, p. 123-125 e Normam 12. “Na fase de navegação no canal e durante as manobras de atracação, a responsabilidade pelo tráfego do navio fica com o prático, salvo se suas determinações e ordens não forem endossadas pelo comandante, que a qualquer momento pode reassumir o controle de seu navio se julgar necessário, fundamentando, por escrito, à AM a posteriori seu ato” (Santos Pilot, 2006, p. 8). Considerada a natureza jurídica contratual dos serviços de praticagem, admite-se, ainda que em tese, suspensão ou resolução do contrato de praticagem nas hipóteses de recusa, impraticabilidade, inaceitável risco, condições meteorológicas desfavoráveis e outras hipóteses de caso fortuito ou força maior. Em sentido contrário, v. Pimenta (2007, p. 123-126), que defende a natureza de acordo e não de contrato. 91
Da responsabilidade pelos acidentes da navegação
objetiva (independentemente de culpa) ou do risco profissional, tendências consolidadas nos âmbitos cível e administrativo.18
Consolida-se no direito brasileiro a premissa consagrada internacionalmente: master’s orders, pilot’s advice.
Considera-se, portanto, a responsabilidade do prático no âmbito administrativo, cujos processos tramitam no Tribunal Marítimo e na
No Brasil e na maioria dos portos, o prático não assume o comando
esfera penal.
da embarcação nem dirige as manobras e a navegação. No âmbito administrativo, constitui infração às regras do tráfego Inobstante divergências teóricas, tem-se considerado que o prático
aquaviário a inobservância pelo prático de qualquer preceito da Lei
é assessor ou prestador de serviços de caráter não eventual,
de Segurança do Tráfego Aquaviário (Lesta, Lei 9.537/97), do
inexistindo qualquer relação de subordinação entre as partes do
RLESTA (Dec. 2.596/98) ou de normas complementares emitidas
prático com o comandante e vice-versa. Em posição parcialmente
pela autoridade marítima e de ato ou resolução internacional rati-
divergente, Matusalem Pimenta (2007, p. 125-126) defende que
ficado pelo Brasil, sendo o infrator sujeito às penalidades indicadas
vigora regime de hierarquia mantendo o comandante a
em cada artigo. São consideradas infrações especificamente impu-
responsabilidade pelas condições de segurança, extensivas à
táveis ao prático, sem prejuízo de outras que o prático venha a
carga, aos tripulantes e às demais pessoas de bordo, incluindo
cometer, as condutas descriminadas no RLESTA, art. 25:19
o serviço prestado pelo prático. Afirma que a relação jurídica entre o prático e o armador é híbrida e é exercida sob subordinação.
i) Recusar-se à prestação do serviço de praticagem, cuja penalidade será suspensão do certificado de habilitação até 12 meses ou,
Independentemente dessa polêmica, o comandante mantém sua
em caso de reincidência, o cancelamento;
condição de autoridade máxima dentro do navio, delegando ao prático a condução náutica.
ii) Deixar de cumprir as normas da autoridade marítima sobre o serviço de praticagem, com penalidade de suspensão do certifica-
Na constância do serviço de praticagem mantêm-se os deveres do
do de habilitação até 120 dias.
comandante, sendo ainda designadas algumas regras específicas Referências bibliográficas
emanadas da Normam 12, 0230. Evidencia a norma supra que a presença do prático a bordo não desobriga o comandante e sua tripulação dos deveres e obrigações para com a segurança da embarcação, devendo as ações do prático ser monitoradas permanentemente. No Brasil, inobstante omissão legislativa, ausência de precedentes pretorianos e escassez de análise doutrinária, vislumbra-se na doutrina a prevalência da tendência que exonera a responsabilidade civil do prático salvo hipóteses de acidentes ou fatos da navegação decorrentes de erro específico de navegação ou manobra do prático.17
ARROYO MARTINEZ, Ignazio. Curso de derecho marítimo. 2.ed. Cizur Menor: Tomson Civitas, 2005. GIBERTONI, Carla Adriana Comitre. Teoria e prática do direito marítimo. Rio de Janeiro: Renovar, 1998 e 2005. PIMENTA, Matusalém Gonçalves. responsabilidade Civil do Prático. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007. OCTAVIANO MARTINS, Eliane M. Curso de Direito Marítimo: Teoria Geral. Barueri: Manole, 2012. _________. Curso de Direito Marítimo.Vendas Marítimas. V.2 Barueri: Manole, 2013. _________. Processos Marítimos. Barueri: Manole, 2013. SANTOS PILOT. “Praticagem”. Disponível em: http://www.santospilots.com.br/; acessado em nov/2011. _________. “Praticagem em Santos representa apenas 0,07% das despesas do exportador”. 2009. Disponível em: http://www.santospilots.com.br/release10.pdf; acessado em nov/2011.
A responsabilidade geralmente recai sobre o comandante, na
_________. Serviço de Praticagem. Santos: Santos Pilot, 2006.
esfera de responsabilidade subjetiva e, consequentemente, sobre
SAMPAIO DE LACERDA, J. C. Curso de direito privado da navegação: direito marítimo. V.1. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1984.
o armador ou proprietário, consagrada a teoria da responsabilidade
17 Tese defendida por Matusalem Pimenta (2007, p. 129/130 e 147/149). Para aprofundamento no tema consultar Octaviano Martins, 2012, capítulo 14. As decisões do TM são atos administrativos e configuram prova técnica cuja eficácia é de ordem probatória. São destituídas de efeitos conclusivos e não fazem coisa julgada judicial, sendo passíveis de reexame pelo Poder Judiciário. Na jurisprudência tem-se consolidado a natureza das decisões do TM de laudo, perícia ou de prova técnica. 18
19
92
Jaime Machado Advogado da Banca Rodrigues Barbosa, Mac Dowell de Figueiredo, Gasparian – Advogados. Mestre em direito político e econômico pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Professor universitário.
A necessidade da estabilidade institucional, jurídica, operacional e econômica para a eficiência do serviço de praticagem Serviço de praticagem: o tomador é o Estado
porque não é prestado diretamente pelo Estado brasileiro nem é objeto de concessão para que particulares o prestem em seu nome.
Embora neste seminário outros tenham apresentado as caracte-
Trata-se e, com alguma insistência temos defendido este ponto de
rísticas e particularidades do serviço de praticagem, um aspecto
vista, de um serviço de ‘função pública’.
importante foge à compreensão corriqueira porque depende de análise complexa, ao mesmo tempo econômica, sociológica e
O primeiro aspecto para defender nossa qualificação dos serviços
jurídica: a função pública da praticagem.
de praticagem a considerar é econômico. Não há dúvidas, e o fato fala por si, de que a praticagem brasileira foi o ‘fator oculto’ que
Apesar do tempo limitado que impõe concisão demasiada, não há
garantiu ao país viabilizar o tráfego crescente nas vias de acesso e
como compreender o serviço de praticagem em sua completude
instalações portuárias dentro das limitações de infraestrutura
senão por esse tipo de reflexão que o exercício da advocacia impõe
existentes, que ficaram por décadas sem qualquer investimento
aos profissionais que atuam na defesa dos interesses institucio-
público e que hoje se demonstram mais desatualizadas do que
nais da praticagem. A advocacia institucional da praticagem difere
nunca, embora a União, em especial, tenha empenhado esforços
e muito da defesa individual ou particular da praticagem, porque a
nos dois últimos governos para viabilizar abrangentes e profundas
primeira visa proteger o sistema, enquanto a segunda procura
reforma e ampliação da infraestrutura brasileira. A praticagem,
resguardar os interesses próximos e específicos das sociedades de
com o desenvolvimento técnico e tecnológico impulsionado pelas
práticos ou dos profissionais individualmente considerados.
exigências da autoridade marítima e por iniciativas próprias, dentre as quais destaco a atuação do CONAPRA como centro de ini-
O CONAPRA, nesse sentido, sempre tem demandado estudos e
ciativa e difusão de conhecimentos, conseguiu mitigar deficiências
opiniões que transcendem questões meramente jurídicas ou legais
da infraestrutura para permitir o ingresso do país como importante
sobre a profissão, impondo um desafio adicional aos profissionais
e relevante protagonista do comércio internacional.
envolvidos: o de buscar compreensão, se não holística, ao menos global da praticagem inserida no contexto social, com facetas
O segundo aspecto a considerar é sociológico. Embora a sociologia
econômicas, políticas e de Estado.
pareça a alguns ciência menor ou dispensável, é fundamental para que qualquer sociedade compreenda a si própria ao menos em sua
Nesse sentido, parece-nos que o serviço de praticagem não pode
generalidade. Se o objeto da ciência é estudar as relações sociais,
ser compreendido como um serviço privado comum, ordinário,
a praticagem, nesse contexto, exsurge como importante grupo
embora seja executado por pessoas naturais habilitadas pela auto-
organizado que tem como principal representante o CONAPRA.
ridade marítima. Essa compreensão, enviesada e superficial, tem
Essa representação institucional permite que esse grupo se apre-
fundamento ou apelo somente na literalidade das disposições
sente como protagonista na transformação econômica, técnica e
legais que são insuficientes para explicar a natureza dos serviços.
tecnológica do país, contribuindo para a coletividade com seus
Também não se trata de um serviço público em sentido estrito,
relevantes serviços, especialmente por incessante e permanente 93
interação com o Estado brasileiro, colaborando para agregar os inte-
objeto de un servicio público en sentido estricto (p.ej., el servicio
resses difusos da sociedade brasileira. Não há na praticagem consi-
de seguridad); y
derada em sua totalidade, e faço aqui esta afirmação perante os ilustres dirigentes do CONAPRA, outro interesse que não o de
Segundo, la persona privada que desarrolla la actividad lo hace con
defender e garantir que toda a cadeia logística e, portanto, a econo-
medios y en nombre propio, no imputando su actividad a la
mia do país, progrida a passos largos, em busca do bem-estar social
Administración; ello no impide que, por razones de control, sus actos
ou do que os norte-americanos em sua Declaração de Independência
sean en algún caso recurribles ante la autoridad administrativa. 3
e em sua Constituição Federal chamaram de busca da felicidade. Segundo aí está demonstrado, esse serviço de função pública, Por último, o aspecto jurídico apenas corrobora nossas percepções
mesmo que privado quanto a seu exercício, não representa apenas
econômicas e sociológicas. Compete ao Estado brasileiro e, nos
o ‘interesse público’. Seu conceito, sua natureza jurídica e os
termos da legislação infraconstitucional, dentro das normas de
interesses a que remete são mais amplos, porque é ‘função
atribuição de competência do Poder Executivo federal, à Marinha
pública’ em sentido estrito, ao mesmo tempo que não é prestado
do Brasil promover a segurança na navegação.
ou explorado diretamente pelo Estado, mas por agentes privados
1
em nome próprio e com meios próprios − em um conjunto de ações O serviço de praticagem é exercido por esses profissionais desig-
e efeitos sempre recorríveis à autoridade pública, que é, no caso,
nados como práticos, que são devidamente habilitados pela Mari-
a autoridade marítima.
nha do Brasil. Por isso, afirmamos que o exercício dessa atividade constitui ‘ofício privado’, mas de ‘função pública’, que tem por
Esta primeira conclusão é suficiente para evidenciar que tal ‘função
finalidade garantir a segurança da navegação. Disso resulta, aliás,
pública’ suscita, por suas implicações, o interesse na fiscalização,
sua caracterização pela lei em vigor como serviço essencial.
intervenção e regulamentação pela Administração Pública em grau
2
mais profundo do que o que se verificaria nos serviços de As hipóteses de ‘exercício privado de uma função pública’ são
‘interesse público’. Os serviços de função pública são, verdadeira-
reconhecidas na doutrina. Entre outros, Juan Alfonso Santamaría
mente, funções de Estado e por isso, mesmo que exercidos por
Pastor, professor titular da Universidade de Madri, apresenta os
particulares, devem receber tratamento próprio, mais próximo,
dois elementos fundamentais que permitem identificar e categori-
presente e efetivo da Administração Pública.
zar uma atividade ou serviço, mesmo exercido por ente privado, como de função pública:
Ressalte-se que tal delegação pelo Estado de função sua a um particular não afasta a necessidade da intervenção do primeiro, em
Primero, la actividad constituye una función pública en sentido
moldes que garantam o regular funcionamento, eficácia e atendi-
estricto, no una mera tarea de interés público (como, p. ej., la que
mento, vale dizer, em resumo, da função pública do serviço. Ao
puede realizar un fabricante de pan o un taxista), de donde se
contrário, essa intervenção é até mais necessária, porque a dele-
deduce que los actos concretos en que se desarrolla poseen eficacia
gação vincula, obriga e impõe aos agentes privados incumbidos da
jurídico-pública (p. ej., la dación de fe pública por un notario) o son
função pública, que são os práticos, uma série de obrigações,
A Constituição Federal, em seu art. 21, inc. XII, alíneas “d” e “f”, estabelece a competência da União para explorar, diretamente ou mediante autorização ou permissão, entre outros serviços, os relativos ao transporte aquaviário. Em seu art. 22, inc. X, fixa a competência para, privativamente, legislar sobre “o regime dos portos, navegação lacustre, fluvial, marítima, aérea e aeroespacial”. Determina ainda, em seu art. 178, “a ordenação dos transportes aéreo, aquaviário e terrestre” mediante edição de lei e ainda prescreve, em seu art. 142, § 10, que a definição das atribuições das Forças Armadas e suas normas gerais dependem da edição de Lei Complementar. Editada em 9 de junho de 1999, a Lei Complementar n0 97 trata da organização das Forças Armadas e, em seu art. 17, caput e parágrafo único, confere ao comandante da Marinha, designado para essa finalidade como autoridade marítima, a atribuição, entre outras, de “prover a segurança na navegação aquaviária”, “implementar e fiscalizar o cumprimento de leis e regulamentos, no mar e nas águas interiores” (rios e lagos). Já a Lei n0 9.537, de 11 de dezembro de 1997, que é conhecida como Lesta, depois regulamentada pelo Decreto n0 2.596, de 18 de maio de 1998, conhecido como RLESTA, dispõe sobre a segurança do tráfego aquaviário em águas sob jurisdição nacional. Reafirmando o comando da lei complementar antes citada, a Lesta prevê, em seu art. 40, inc. II, a competência da autoridade marítima para “regulamentar o serviço de praticagem, estabelecer as zonas de praticagem em que a utilização do serviço é obrigatória e especificar as embarcações dispensadas do serviço”. Essa lei ainda fixou, em seus arts. 12 a 14, os princípios gerais aplicáveis ao serviço de praticagem, assim outorgando o legislador à autoridade marítima, sem que caiba qualquer dúvida a respeito desse fato e dessa delegação, competência para regulamentar esse serviço de forma ampla, respeitados os contornos gerais definidos na própria Lesta. 2 Art. 14 da Lei n0 9.537, de 11 de dezembro de 1997. 3 Pastor, Juan Alfonso Santamaría. Principios de Derecho Administrativo General, v. 1, 1. ed. Madrid: Iustel, 2004, p. 502. 4 Conforme § 20 do art. 20 da Lei n0 8.906/1994. 94 1
condutas e controles destinados a que a realização do serviço atenda ao interesse público. Mal comparando, o advogado exerce uma atividade privada, mas de múnus ou função pública,4 porque é essencial à aplicação da Justiça.5 Podem existir tribunais, mas, sem os advogados, esses nem sequer tomam conhecimento dos litígios que se perpetuariam em injustiças. Por essa razão, nossa compreensão jurídica do tema, em que pesem importantes divergências doutrinárias, que incluem os serviços de praticagem no rol de serviços de ‘interesse público’,
Há vários conceitos de regulação. Conceitos jurídicos diversos e
resulta exatamente da compreensão ampla de sua natureza e de
conceitos econômicos. Não cabe aqui a discussão doutrinária
seus caracteres elementares. Assim, não cabe outra conclusão
sobre as diferentes escolas (clássica, neoclássica ou econômica e
senão colocar o Estado brasileiro como verdadeiro e único ‘toma-
de interesse público) que versam sobre o tema. Embora apresen-
dor’ dos serviços de praticagem.
tem visões específicas, preferimos optar pela Escola de Interesse Público que, apesar do nome impróprio, é aquela que apresenta e
Apesar da aparente confusão, porque os serviços são remunerados
defende o que nos parece mais correto e o que tem mais valor:
pelos armadores, o Estado brasileiro, no exercício de suas atri-
o interesse geral da coletividade e do Estado enquanto seu
buições, de sua competência primária de organizar a sociedade e
representante legítimo.
promover a ‘busca da felicidade’, emerge como o verdadeiro tomador dos serviços e o maior interessado na manutenção da excelên-
As escolas clássicas e neoclássicas tendem a aplicar soluções
cia, comparável às mais eficientes praticagens do mundo. Não por
estritamente econômicas sem atentar para as condutas humanas,
acaso a praticagem brasileira figura entre os modelos ou paradig-
que devem ser devidamente consideradas para uma regulação
mas mundiais, o que se revela pela participação ativa no principal
séria e ampla dos objetivos legais.
organismo internacional de praticagem, a International Maritime Pilots’ Association – IMPA. A corroborar essa opinião está o fato
Portanto, regulação, no sentido tratado nesta apresentação, tal
de que no exato momento em que o Brasil comemora a eleição do
como proposto, não significa a autorregulamentação ou ‘desregu-
diplomata Roberto Azevêdo como diretor-geral da Organização
lamentação’ da praticagem, como poderiam os mais precipitados
Mundial do Comércio – OMC, um brasileiro, Otavio Fragoso, ex-
compreender. Para a defesa dos interesses individuais dos práti-
diretor-presidente do CONAPRA, exerce a vice-presidência da IMPA.
cos, como de quaisquer profissionais, a autorregulamentação ou a desregulamentação poderiam parecer, em um primeiro momento,
Pelo exposto, dados os contornos dessa contribuição, passamos a
alternativa interessante, mas certamente seria fadada ao fracasso.
discorrer sobre a regulação e seus impactos na praticagem do
Uma atividade de função pública precisa de regulação mais ampla
ponto de vista institucional, jurídico, operacional e econômico.
que, tal como propõe o professor titular de direito comercial da Universidade de São Paulo, Calixto Salomão Filho, em obra especí-
Regulação: conceito necessário
fica sobre o tema, definiu o conceito de regulação como sendo a atividade que “engloba toda forma de organização da atividade
Considerando os serviços de praticagem função pública, cabe
econômica através do Estado, seja a intervenção através da con-
discutir aqui a regulação desse serviço pelo Estado.
cessão de serviço público ou do exercício de poder de polícia”.6
5 6
Conforme art. 133 da Constituição Federal. Salomão Filho, Calixto. regulação da atividade econômica (princípios e fundamentos jurídicos). São Paulo: Ed. Malheiros, 2008, p. 21. 95
Como visto, o serviço de praticagem não é um serviço público, por
Pois bem, ‘cultura’ é o conjunto de tudo aquilo que, nos planos
isso, não pode ser objeto de concessão. Ainda assim, deve ser
material e espiritual, o homem constrói sobre a base da natureza,
objeto do exercício do poder de polícia pela autoridade competente.
quer para modificá-la, quer para modificar-se a si mesmo. É, desse modo, o conjunto dos utensílios e instrumentos, da obras e ser-
Aqui, finalmente, ingressamos no tema proposto pelo CONAPRA e
viços, assim como das atitudes espirituais e formas de comporta-
abraçado por nós. A regulação, mecanismo ou forma de interven-
mento que o homem veio formando e aperfeiçoando, através da
ção do Estado em uma atividade econômica não deve ser restrita a
história, como cabedal ou patrimônio da espécie humana.
aspectos puramente econômicos, visando simplesmente e de forma enviesada e restritiva à atividade. Novamente, Calixto
Não vivemos no mundo de maneira indiferente, sem rumos ou sem
Salomão Filho nos sugere um norte para o assunto:
fins. Ao contrário, a vida humana é sempre uma procura de valores. Viver é indiscutivelmente optar diariamente, permanentemente,
De um lado temos, em uma abordagem jurídica do problema
entre dois ou mais valores. A existência é uma constante tomada
econômico como a que se pretende ora realizar, a necessidade de
de posição segundo valores. Se suprimimos a ideia de valor, per-
reconhecimento da importância do elemento jurídico na organização
deremos a substância da própria existência humana. Viver é, por
social. A concepção jurídica é, de resto, uma forma eficaz de superar
conseguinte, uma realização de fins. O mais humilde dos homens
os impasses criados pelo economicismo. O direito vê o conheci-
tem objetivos a atingir, e os realiza, muitas vezes, sem ter plena
mento de maneira profundamente diversa das ciências sociais.
consciência de que há algo condicionando os seus atos.
Enquanto para estas o conhecimento é algo eminentemente empírico, para o direito o conhecimento é eminentemente valorativo.
Não há regulação sem a devida análise e compreensão dos serviços em sua completude, para que as regras estabelecidas
Afirmar que o conhecimento é valorativo é nada mais nada menos
não sejam desvirtuadas por visões estritamente econômicas e
que afirmar que os valores de uma determinada sociedade podem
absolutamente apartadas da realidade.
influenciar e influenciam dramaticamente o conhecimento que se tem dela. Se, como afirma a doutrina, não existe uma norma vazia
Nesse sentido, a autoridade marítima, ao longo dos anos,
sem uma pretensão ou interesse a proteger, ou seja, sem um valor
aproveitou-se de sua experiência na regulação de uma das mais
que lhe esteja por trás, então, a sociedade que conhecemos, ao
antigas profissões da humanidade (que remonta à Antiguidade!).
cumprir essas regras, nada mais faz que traduzir esses valores.
Contudo, de maneira correta, considerou elementos novos, por
Desse modo, a sociedade que vemos é uma representação de
exemplo, inovações técnicas e tecnológicas, estipulando regras de
valores sociais democraticamente estabelecidos.
forma precisa que permitiram e exigiram da praticagem como um todo a adoção de medidas que permitiram seu aprimoramento,
A formação democrática de valores e regras deve ser coletiva.
visando garantir o funcionamento da cadeia logística no país e a
‘Coletiva’ não significa necessariamente estatal. Pode referir-se a
manutenção da segurança do tráfego aquaviário.
grupos maiores ou menores de pessoas. Isso não significa que esse conhecimento seja teórico, não vindo da prática ou artificial. O
Entretanto, não foram poucas as iniciativas perniciosas e oportu-
Digesto romano, obra jurídica mais duradora e influente da história
nistas de determinados grupos que visaram destruir uma regulação
da Humanidade, nada mais é que a compilação estruturada de
bem-sucedida, fundada em valores e no interesse da coletividade.
casos práticos.
Essas tentativas, embora legítimas em um ambiente democrático,
7
não visaram a outra coisa senão defender interesses dos próprios Ora, a regulação dos serviços deve resultar, portanto, tal como o
autores, mesmo que contrariamente aos verdadeiros valores a
próprio direito, de uma construção cultural. Para explicar essa
serem tutelados.
construção cultural, recorremos às lições do filósofo do direito Miguel Reale:8 8
96
7 Salomão Filho, op. cit., p. 38 e 39. Reale, Miguel. Lições Preliminares do Direito. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 25 e 26.
A construção cultural da regulação da praticagem, portanto, consti-
doutrinários. Da mesma forma, a Lei de Concordatas e Falências de
tui um valor em si mesma, posto que representa um conjunto de
1946 foi substituída por uma lei ‘oferecida’ pelo Banco Mundial,
valores consagrados e que permitiram que os serviços fossem
que protege os interesses dos credores e afasta outros valores
prestados até hoje em perfeita sintonia com o desejado pelo
mais caros à coletividade, como a manutenção das empresas, dos
Estado e pela coletividade.
empregos e da produção. Sobre o assunto, ainda jovem advogado, escrevi um artigo para o site jurídico Migalhas,9 no qual defendia a
Infelizmente no Brasil, e aqui cito exemplos, não raras vezes toda
alteração pontual da legislação, simples atualizações naquilo em
a experiência acumulada ao longo dos anos pelos intérpretes e
que estivesse superada, velha, desatualizada, exatamente para que
aplicadores das leis é atirada fora pela precipitada e inconse-
os valores fundamentais de uma norma consolidada não fossem
quente substituição dessas normas, que contêm, não raras vezes,
perdidos, não fossem atirados ao lixo, causando todo tipo de dificul-
elementos estranhos à realidade e aos valores da coletividade. A
dades não só para os profissionais do direito, mas para a sociedade.
norma, por si, nada significa; o que vale e é relevante é sua aplicação, realizada após um processo de valoração e interpretação. Para
O bem tutelado e os valores da regulação
que ela seja bem aplicada na regulação, seja pela autoridade competente, seja pelo Poder Judiciário, é necessário que se atente
Não há dúvidas pelo que já foi visto aqui de que o bem jurídico
para a construção cultural, para o que se fez e o que se faz.
tutelado na regulação dos serviços de praticagem é a segurança do tráfego aquaviário.
Nesse sentido, o Código Civil de 2002 substituiu o Código Civil de 1916 e o decreto-lei de 1919, que regulamentava as sociedades
Essa é a razão de ser dos serviços, o porquê de sua existência; e,
limitadas, alterando substancialmente essas e outras diversas
sendo esse o bem tutelado, ao longo dos muitos anos de regulação
normatizações, causando assim imensas dificuldades para sua
pelo Estado foi construído o que, com alguma liberdade literária,
aplicação, que só foram sendo pacificadas recentemente após
chamamos neste momento de valores, todos eles justificados pela
longos e dolorosos processos judiciais e intensos estudos
segurança no tráfego aquaviário.
9
http://www.migalhas.com.br/dePeso/16,MI3698,41046-A+mao+pesada+do+legislador 97
Os valores a seguir tratados, de natureza institucional, jurídica,
Para que haja a manutenção do treinamento, os práticos devem
operacional e econômica, parecem ser os fundamentais para que a
executar manobras mínimas, tal como um piloto de aeronave pre-
prestação dos serviços de praticagem continue a existir a contento,
cisa de um número mínimo de horas de voo em cada tipo de aero-
de acordo com os interesses da coletividade.
nave, para que estejam garantidas, efetivamente, as condições de segurança desejadas e esperadas. Um número excessivo de práti-
O primeiro valor é o prático. Esse profissional é habilitado pela
cos coloca em risco a manutenção do treinamento e, portanto,
autoridade marítima após demonstrar ter os conhecimentos
anula o prático, sua função e toda a qualificação que foi obrigado
teóricos (que chamamos aqui de cultura naval) e práticos
a ter para comprovar ser habilitado a prestar seus serviços.
(específicos de cada zona de praticagem). O terceiro valor é o aprimoramento profissional: técnico e tecO prático é valor a ser considerado porque, para exercer suas
nológico. A autoridade marítima exige da praticagem a realização
atividades, foi obrigado a comprovar: 1) ter formação específica
de investimentos em infraestruturas (por exemplo, atalaias) e o
sobre navegação, 2) dominar idioma ou idiomas estrangeiros e 3)
treinamento contínuo dos profissionais para que a segurança do
ter recebido treinamento suficiente sobre as particularidades de
tráfego seja sempre maximizada de acordo com o estado da arte.
uma zona de praticagem. Além disso, o prático é um ser humano e,
Aqui cabe, novamente, menção honrosa ao CONAPRA, entidade
por essa razão, deve ser tratado com dignidade, valor esse
que, por delegação da autoridade marítima, colabora com a
inalienável. Por isso, não pode o prático ser obrigado pela regula-
homologação de equipamentos utilizados na prestação dos serviços.
ção – nem o é pelas normas em vigor – a arriscar sua própria vida e a de outros (por exemplo o piloto da lancha) para realizar mano-
O quarto e último valor por nós identificado, e pedimos desculpas
bras, mesmo que essas interessem à coletividade, preço muito alto
antecipadas se esquecemos de algum e por isso falhamos em nos-
e algumas vezes pago por alguns profissionais.
sos objetivos, é a negociação do preço. Embora alteração recente da regulamentação possa sugerir uma diminuição da importância
O segundo valor é a escala única de rodízio dos profissionais, que
desse valor construído ao longo dos anos, como vimos na palestra
visa garantir a distribuição equânime do serviço e a manutenção
anterior, a negociação continua a ser um valor importante na
do treinamento dos práticos em determinada zona de praticagem,
eliminação de conflitos potenciais e serve para garantir que os
que explicamos melhor a seguir.
serviços continuem a ser prestados com o grau de excelência exigido pela autoridade marítima brasileira.
A escala única de rodízio existe, em todo o mundo, para garantir o interesse do Estado e a disponibilidade ininterrupta do serviço de
Portanto, esses valores, identificados por nós, parecem ser os mais
praticagem, sem preferências ou discriminação de usuários. É
relevantes e resultam de anos de experiência, constituindo a base
instrumento da autoridade para obrigar os práticos a atende
fundamental para que o bem tutelado, a segurança do tráfego
indistintamente qualquer navio, mesmo os que remuneram menos.
aquaviário, seja preservado. Qualquer alteração na regulação desses valores fundamentais – e de outros que possam ter fugido
Ademais, a autoridade necessita garantir que os práticos não
à nossa estreita compreensão – colocam em risco a segurança do
sejam submetidos à fadiga e, simultaneamente, que todos mante-
tráfego, o que contraria definitivamente o que a coletividade
nham grau uniforme de treinamento. Isso só é possível pela escala
espera da praticagem enquanto protagonista social.
única, viabilizada pela distribuição equitativa do serviço. Por isso, e em reconhecimento a esse valor, em distintas ocasiões o Poder
Riscos da violação dos valores
Judiciário brasileiro manifestou-se favoravelmente à escala única, sempre que fora contestada perante aquele foro.
Diante da brevidade desta intervenção, sem mais delongas, a consequência óbvia de mudanças na regulação é um prejuízo
Como corolário desse valor há o número de práticos designados
à prestação de serviços, que se pode traduzir de várias formas:
pela autoridade marítima para cada uma das zonas de praticagem.
queda da qualidade dos serviços com a consequente ocorrência de
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acidentes a ser suportados pela coletividade através do Estado;
A regulação serve, entre outras coisas, para dar estabilidade, que
desinteresse dos profissionais em exercer a profissão e abandono
pode ser violada pelos poderes constituídos de forma imprópria;
e renúncia da função, com o perdimento de todo o investimento
sem as devidas ponderações, poderão e quase certamente serão
realizado na formação desses profissionais; e aumento de litígios
questionadas judicialmente.
entre os diversos protagonistas. Até mesmo projetos legislativos são levados ao conhecimento do A violação dos valores pode ser desastrosa do ponto de vista
Judiciário, como recentemente a proposta de emenda constitucional
econômico, social, jurídico etc., transcendendo os protagonistas
que pretendia restringir a criação e atuação de partidos políticos.
diretamente envolvidos, atingindo toda a coletividade. Não nos cabe aqui, num exercício apocalíptico, enunciar hipóteses. Cabe-
Mas nada disso é necessário. Há espaços para que a regulação
nos, porém, discorrer sobre uma consequência que conhecemos
seja adaptada à realidade social e aos valores sem que isso impli-
bem: os litígios.
que alteração normativa. Nem sempre as normas precisam ser alteradas diante de novas realidades sociais. A interpretação ou
Os litígios que poderão surgir não dizem respeito somente a conflitos
mais propriamente a valoração das normas da regulação pode
entre o Estado e seus regulados (os práticos), que podem contestar,
mudar completamente sua aplicação. O sistema, ao contrário do
no exercício do direito de ação, as alterações em si mesmas, mas
que se possa pensar, não é estanque, muito menos inflexível,
também entre a praticagem e os armadores, agências marítimas e
exatamente porque depende da ponderação de valores quando da
outros protagonistas, incluídas outras autoridades, como a portuária,
aplicação da norma.
obviamente, a depender da alteração realizada. Vamos ao assunto. Exemplo prático disso era a aplicação do Código Civil 1916 que, apesar de falar em pátrio poder, não restringiu ao homem o direito de exercer certos direitos (e cumprir certas obrigações) perante a prole. E não se diga que isso resulta da promulgação da Constituição Federal de 1988, porque a igualdade entre os cônjuges fora reconhecida antes pela sociedade, como medida de aplicação da Justiça, segundo a modificação dos valores da sociedade brasileira após a Segunda Guerra Mundial. Ou seja, a própria sociedade reconhecia como justo tratar homens e mulheres como iguais, em direitos e obrigações. Judicialização dos litígios
Ora, no mesmo sentido, os conflitos que eventualmente surgem em relação à praticagem também podem ser resolvidos pela
Nesse sentido, cabe ainda nesta apresentação, falarmos sobre o
aplicação das normas em vigor, segundo valores atuais.
risco de judicialização dos litígios em razão de modificações na regulação, se essas forem implementadas sem critérios, estudos e
A Lesta, o RLESTA e a Normam 12 apresentam-se hoje como a
sem estar fundadas nos valores corretos. Não se imagina aqui
síntese de uma construção histórica; foram aprimorados longa-
afirmar que a autoridade marítima ou qualquer outra autoridade
mente e não merecem, em absoluto, ser modificados, a menos
legal e legitimamente constituída não possa promover reformas no
que essas modificações sejam estritamente necessárias para
que for necessário. Tal afirmação seria absurda, mentirosa e levia-
correções pontuais.
na. De qualquer forma, os apontamentos a fazer apenas pretendem chamar a atenção de todos para o sério risco de modificar a
Uma alteração normativa como houve na Argentina, desregulando
regulação sem considerar a consequência de criar litígios que
todo o setor, pode ser trágica para o todo, para a coletividade, que,
terminam por chegar ao Judiciário.
nessa hipótese, certamente demandará um “retrocesso”. 99
Nesse sentido, é importante observar que embora existentes, os
Formas alternativas de resolução de litígios
litígios sobre praticagem são pontuais e raros, o que apenas revela a estabilidade da atividade e de suas normas, que resultaram de
Há três formas possíveis para a resolução de litígios além da
longa construção cultural dessa regulação.
judicial: a conhecida como composição, conciliação ou transação, a mediação e a arbitragem.
Breve comentário sobre o Poder Judiciário brasileiro A composição, conciliação ou transação é o acordo. Na nossa Em que pesem os esforços recentes para modernização e melhoria
experiência como advogados essa é a melhor forma porque as
do Poder Judiciário brasileiro, ele é deficiente em razão do enorme
partes, mediante mútuas concessões, resolvem pôr fim ao conflito.
número de processos e dos parcos recursos (material e humano)
Essa forma deve ser buscada sempre pelas partes envolvidas e
disponíveis.
pela autoridade que regula os serviços. Como é dito corriqueiramente, mais vale um mau acordo do que uma boa demanda.
Diversos artigos, teses e dissertações foram publicados sobre a tendência à judicialização dos conflitos no Brasil, especialmente
Contudo, nem sempre a composição é possível, e, por isso, é
depois da Constituição Federal de 1988, que garantiu, diga-se,
necessário recorrer a outras formas de solução de conflitos.
corretamente, o livre acesso ao Judiciário e o pleno exercício do direito de ação.
A mediação no Brasil, por ausência de disposição legal, não obriga as partes a aceitar o entendimento do mediador. As partes
Segundo informado pelo Conselho Nacional de Justiça − CNJ, os
apresentam suas demandas e suas defesas, e o mediador pode
tribunais brasileiros em 2011 eram responsáveis por mais de 26
simplesmente recomendar-lhes a adoção de uma determinada
milhões de processos. É como se 10% da população brasileira
solução, que pode muito bem ser ignorada pelas partes. Em outros
estivesse a litigar!
países, a decisão do mediador ou mediadores, normalmente
10
pessoa ou pessoas com prestígio entre ambas as partes, passa a Portanto, não parece ser razoável colaborar para o aumento de
ser obrigatória.
litígios e impor aos protagonistas os ônus e despesas de uma demanda judicial quando as soluções para os conflitos podem
Além da mediação há a arbitragem, forma de resolução de litígios
existir com a aplicação das normas existentes segundo os valores
fora do Judiciário. As partes firmam compromisso arbitral,
sociais. O prejuízo é duplo: para a sociedade como um todo, que não
normalmente presente em cláusula contratual, no qual se
encontra um Poder Judiciário capaz de resolver todos os conflitos,
comprometem e se obrigam a submeter a um árbitro ou tribunal
bem como para os protagonistas relacionados com a praticagem.
arbitral o litígio que eventualmente surja. O Poder Judiciário pode não conhecer esse litígio, exceto em situações emergenciais, que demandam medidas cautelares. Só podem ser objeto de arbitragem litígios entre partes capazes e se o objeto tratar de direitos patrimoniais disponíveis.11 Direitos não patrimoniais − por exemplo, algum assunto relativo a menores em qualquer litígio de família − não podem ser objeto de arbitragem. Da mesma forma o patrimônio público, que é indisponível, não pode ser levado ao árbitro ou tribunal arbitral. Nesse sentido, há uma parte reservada à competência do Poder Judiciário. Espero ter colaborado de alguma forma para enriquecer o debate. Obrigado.
100
10
http://www.brasil.gov.br/noticias/arquivos/2012/10/29/numero-de-processos-no-pais-cresceu-8-8-em-no-ano-passado. 11 Conform art. 10 da Lei n0 9.307/1996.
Encerramento Estimados senhoras e senhores, Nestes dois dias a praticagem brasileira, saindo do ‘silêncio’, o som da segurança que caracteriza nossa atividade, mostrou uma pequena parte de sua contribuição ao desenvolvimento nacional e à eficiência de nossa economia, fazendo jus à tradição de superação do povo brasileiro. Dignos palestrantes evidenciaram que os profissionais práticos e toda a estrutura do serviço que suporta seu trabalho a bordo estão presentes na economia de todas as nações. Sem destaque, mas suficientemente forte para caracterizar a importância de nossa atividade, foi a imagem de práticos pagando com a vida seus erros. Os tempos de cruéis punições passaram. Hoje formam o grato folclore que emoldura a atividade no cotidiano da navegação segura em águas restritas ou marcada por fragilidades ambientais. Ficou, no entanto, esclarecido que perduram a imprescindibilidade e importância que acompanham a praticagem desde tempos imemoriais. A expansão do comércio, a competitividade entre as nações e as exigências sociais de segurança ambiental passaram, aliás, a exigir ainda mais eficiência e confiabilidade dessa atividade. Mostrou-se que sua regulação, mais do que necessidade, dado seu caráter essencial, é a forma mais eficiente de o Estado disponibilizar esse serviço. E tivemos a oportunidade de vislumbrar os efeitos nefastos que podem ser verificados quando o Estado abdica dessa regulação e espera que a ‘mão do mercado’ resolva todas as questões. O seminário que ora se encerra apresentou aspectos relevantes da realidade brasileira, comparando-os à experiência internacional. Mostrou que o serviço de praticagem tem importância capaz de merecer especiais atenções da ONU, por intermédio de seu órgão para assuntos marítimos, a Organização Marítima Internacional – IMO, que nos prestigiou neste evento. Mostrou que a praticagem no Brasil não apenas segue paradigmas internacionais de sucesso, mas se destaca como referência. E quais são os paradigmas que verificamos nestes dois dias? Não custa lembrá-los, pois que estão presentes globalmente: (a) estrutura única de praticagem em cada zona, compreendendo três elementos indissociáveis, organicamente organizados: práticos, atalaia e lanchas; (b) execução do serviço por profissionais, cidadãos que atuam no interesse público, adequadamente treinados, habilitados perante o Estado e não concorrentes entre si; (c) distribuição equitativa da carga de trabalho entre todos os práticos, como forma de garantir a prestação ininterrupta do serviço e a inexistência de regimes de preferência, mas também a manutenção de grau de perícia uniforme, sem fadiga; (d) número de práticos limitado em cada zona; 101
Encerramento (e) serviço remunerado pelos usuários, porém com subordinação dos práticos ao Estado, sem que ocorra vínculo empregatício entre práticos e usuários; (f) existência de legislação específica sobre praticagem, com inclusão de mecanismos que permitam padrões adequados de eficiência ao longo do tempo, autonomia do serviço, atualização, reinvestimento e remunerações sustentáveis, desejavelmente sem ônus para o poder público. Este seminário mostrou o preparo técnico e a contemporaneidade do serviço de praticagem. E nossa contribuição para o desempenho da economia nacional e do comércio exterior. Mostrou a essencialidade do serviço e o interesse público ao qual atende e se subordina. Nada, porém, é perene ou perfeito. A Comissão Nacional para Assuntos de Praticagem criada pelo Decreto n0 7.860 de 06 de dezembro de 2012 representa o esforço de nosso governo, e da sociedade, em aperfeiçoar o serviço de praticagem no Brasil. Vimos que esse tipo de processo de revisão, quando realizado em outros países, tomou anos de discussões, com diferentes especialistas e a participação dos maiores conhecedores da atividade de praticagem: os próprios práticos. Também se evidenciou, em diversas apresentações, a importância do relacionamento entre as partes, mediante relação de confiança mútua, a fim de se evitarem assimetrias de informações. Não podemos temer que isso seja interpretado como lobbying ou captura. Trata-se de legítima contribuição ao processo de tomada de decisão. Acreditamos que fizemos nossa parte, que demos nossa contribuição para a sensata discussão dos diversos aspectos dessa nobre atividade. A jornada de mil quilômetros começa com o primeiro passo... Senhoras e senhores, a existência de praticagem regulamentada no Brasil iniciou-se em 1808. Apresenta níveis de eficiência comparáveis aos mais elevados registrados no concerto das nações. Coloca à disposição da sociedade brasileira experiência secular e consagrada, dentro de regulação bem-sucedida promovida pela autoridade marítima brasileira – a Marinha do Brasil. Entramos no século 21 como serviço de ponta. Por certo, temos o que melhorar, mas devemos estar atentos para evitar experiências equivocadas, particularizadas ou mesmo que representem aventura não testada. Não devemos correr riscos, acreditando que podemos criar modelos absolutamente originais para uma atividade que remonta a tempos babilônicos. O Brasil segue paradigma que é global e decorrente da evolução de ‘boas práticas’ milenares. Grato pela atenção de todos e pela honra que suas presenças emprestaram a este seminário.
Ricardo Falcão
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