Observatório Consolação
SP
Jornal produzido por alunos de Jornalismo | Universidade Anhembi Morumbi | 2º semestre de 2015
Aumento de energia prejudica comerciantes da região Empresários do comércio e de serviços da região criticam o aumento do custo de energia e falam das dificuldades de repassar isso aos clientes. Há comerciantes que afirmam ter sofrido aumento de até 70% na conta de energia nos últimos meses Com isso, as vendas e o lucro ficam prejudicados. Página 12
Os lados rico e pobre da rua Avanhandava
PERFIL: Tico, o coveiro escritor
Típica representante de uma cidade de contradições, a rua Avanhandava é dividida entre as partes rica e pobre.
Conheça as histórias de “Tico”, um paulistano que fez faculdade, escreveu livros e trabalha como coveiro em um dos cemitérios mais famosos da cidade. Ele também conta a sua história “negra”, marcada por drogas, ruas e loucuras.
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Restaurantes viram bares pág. 16
GLBT’s investem na Frei Caneca pág. 14
Esportes universitários pág. 18
Praça Roosevelt pág. 08
Baladas na Augusta pág. 24
Restaurantes vegetarianos pág. 27
Resgate dos fliperamas pág. 20
Cine Belas Artes pág. 25
Parque Augusta pág. 04
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Editorial
Observatório SP Consolação
Felipe Massahiro O “Observatório SP Consolação” é um jornal universitário desenvolvido por alunos do curso de Jornalismo, da disciplina Produção de Jornal. A cada semestre, um bairro do centro estendido de São Paulo é selecionado e é tema de reportagens produzidas pelos estudantes. A experiência de fazer este que agora você terá a oportunidade de ler nos mostrou que talvez poucos bairros da cidade apresentem uma diversidade cultural tão grande como a da Consolação. São imponentes empresas multinacionais, pequenos comerciantes, divulgadores culturais, gastronomia, divisão entre riqueza e pobreza, instituições educacionais... Tudo isso convivendo em um “pequeno” espaço que, de alguma forma, encontrou um equilíbrio tênue entre subculturas urbanas tão distintas. Não distante dessas diferenças estamos nós, aspirantes jornalistas que lidamos com nossas diferenças para trazer a verdade e a informação. Ao trabalharmos com esse bairro, no entanto, há mais em jogo do que a profissão. Há também uma busca incessante por nossa identidade nesse espaço peculiar. Encaramos nossas diferenças, encontramos
os problemas do dia-a-dia, divulgamos o entretenimento e apresentamos o inusitado. Acredito que numa cidade existem, na verdade, quatro cidades ocultas. O amanhecer revela uma metrópole despertando apressada, na qual estudantes, executivos e comerciantes são banhados pelos primeiros raios de Sol, enquanto disparam para seus afazeres. À tarde, as ruas revelam um jovial movimento, que se mistura como aquarela entre engravatados. No início, as calorosas conversas do almoço. Em seu fim, os olhares cansados e peito estufado pelo dever cumprido. É à noite é quando a cidade começa a despertar sua vida boêmia. Do happy hour à festa de jovens adolescentes, universitários que traçam seus caminhos para o futuro, os “noturnos” começam a despertar para revelarem uma subcultura urbana desconhecida que vive na madrugada. Neste jornal, tornamos-nos, assim, a “ponte” que liga as “quatro cidades” que vivem na Consolação. Somos a liga que fortalece a comunicação entre os universos distintos culturais desse bairro peculiar. São nessas diferenças que encontramos o elemento que nos une: a informação de qualidade.
Para quem é feita a ciclovia Fernanda Longon As obras na ciclovia da Rua da Consolação, no Centro de São Paulo, custaram um valor estimado de R$ 250 mil por quilômetro. A ciclovia terá uma faixa em cada sentido da pista ao lado da calçada, e alcançará entre 1 e 2 quilômetros de extensão. Quando o custo “estimado” de uma obra do governo é publicado, isto significa que o valor será, na verdade, mais alto do que se estima. Isso é uma regra no Brasil. Não é oficial, mas é inegável. Há suspeitas de que o programa do prefeito esteja envolvido em corrupção. A revista Veja SP publicou uma matéria alegando ter feito contas mostrando que cada quilômetro de ciclovia criado custou ao contribuinte paulistano cerca de R$ 650 mil. A prefeitura afirma que o custo de cada quilômetro de ciclovia é de R$ 180 mil; sendo assim, o valor estaria alinhado com o das ciclovias construídas em outras cidades do mundo. Segundo a prefeitura, esse é um projeto de cerca de R$ 112 milhões. Uma comparação: com tal valor, a prefeitura poderia construir cerca de 25 creches, pois liberou R$ 88,3 milhões para construir 19 creches. A ideia de uma política de valorização do transporte ciclístico é comum nas grandes cidades em todo o mundo. A construção de ciclovias em São
Paulo pode ser uma excelente oportunidade para avançarmos um degrau rumo a ordem urbana. Contudo, é necessário, antes, resolver a situação caótica do trânsito com soluções planejadas e permanentes, como a ampliação do metrô, por exemplo. O uso da bicicleta requer rede de ciclovias conectadas a outros modais, como transporte sobre trilhos. A prefeitura implanta as ciclovias sem esses requisitos. Faltam estudos de demanda, número de usuários e planejamento, como já admitido pelo prefeito. Cerca de 90% das faixas foram implantadas sem estudos técnicos - sob o argumento de que as ciclofaixas utilizaram espaço para estacionamento e não faixas de rolamento. Além disso, as ciclovias precisam ir à periferia, onde o impacto seria muito mais forte. Na CPTM os bicicletários são muito mais usados do que os do metrô, que são mais centralizados. Mas o que parece é que o projeto vitrine do prefeito tem um alvo bastante elitizado. No final, todos pagamos a conta e, justamente o contribuinte menos beneficiado fica com a maior parte. A pergunta que fica é: ciclovia pra quem?
Expediente
editorial e artigos
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O jornal “Observatório SP - Consolação” é um jornal laboratório feito por estudantes da disciplina Produção de Jornal, 5º semestre, período noturno, campus Vila Olímpia, São Paulo (SP), do curso de Jornalismo da Universidade Anhembi Morumbi. Todo material jornalístico publicado pelo jornal é protegido pela Lei Federal de Direitos Autorais e não pode ser reproduzido, no todo ou em partes, por qualquer meio gráfico, sem a autorização por escrito da coordenação do curso de Jornalismo, sob pena de infração da legislação que zela pela propriedade intelectual neste país. Os textos assinados são de única e total responsabilidade de seus autores e não expressam necessariamente a opinião do Jornal. DIREÇÃO DA ESCOLA DE COMUNICAÇÃO Luís Alberto de Faria COORD. DO CURSO DE JORNALISMO Nivaldo Ferraz PROF. ORIENTADOR Alexandre Possendoro PROF. ORIENTADOR DE FOTOJORNALISMO Carlos Frucci
PROJETO GRÁFICO Ricardo Senise DIREÇÃO DE ARTE Felipe Massahiro Leonardo Fontes ILUSTRAÇÃO Paulo Zezé ARTICULISTAS Fernanda Longon Leonardo Fontes
REPÓRTERS Amanda Alves Ana Paula Itapema Andressa Stancov Bruno Moura Camila Fernandes Christian Araujo Elenaldo Barbosa Felipe Massahiro Fernanda Longon Gabriela Barreto Gabriela Oliveira Guilherme Masson Isabel Zein
Jessica Franco Jéssica Rodrigues João Paulo Mesquita Leonardo Fontes Letícia Santos Lucas Martins Marie Gomes Paulo Zezé Rubinho Melo Stella Maris
Cultura das necrópoles Leonardo Fontes O Google Street View criou uma nova ferramenta para seu visualizador. Trata-se de um tour virtual por dentro de cemitérios. Tal ferramenta já estava disponível para conhecer um dos mais famosos do mundo, o Cemitério de Père Lachaise, localizado em Paris, França. E o primeiro da América Latina disponível para realização do tour é o Cemitério São João Batista, no Rio de Janeiro. Em São Paulo, três grandes cemitérios estarão disponíveis para “visitação”. Serão eles o do Araçá, o de São Paulo e o mais antigo do Estado, o da Consolação. Essa ferramenta terá grande utilidade para as pessoas que querem conhecer os cemitérios, mas esbarram no medo de estar lá pessoalmente - numa mística que o local possui aqui no Brasil - coisa que acontece diferentemente nos Estados Unidos, países da Europa e México. Esse medo, que pode ser atrelado a filmes como de Zé do Caixão e outras películas nacionais do gênero de terror, pois sempre aconteciam dentro ou próximo a cemitérios. Mas também vendo pelo lado cultural, essa ferramenta freia um dos maiores movimentos que as necrópoles possuem hoje em dia: as visitas guia-
das, podendo conhecer de perto os túmulos de nomes famosos. No cemitério da Consolação, por exemplo, estão enterrados artistas como Mário de Andrade, Oswald de Andrade, Tarsila do Amaral e Monteiro Lobato, o ex-presidente Washington Luis e a Marquesa de Santos, amante de Dom Pedro I. As necrópoles americanas e europeias recebem milhões de pessoas que querem conhecer pessoalmente os túmulos e reverenciar famosos que nos deixaram. Cemitérios como de Arlington, em Washington, abrigam veteranos mortos em guerras e a família Kennedy, onde uma chama eterna foi acesa no momento do enterro do ex-presidente John Fitzgerald Kennedy. Outro é o Cemitério de Highgate, famoso por ter algumas “catacumbas egípcias”. Além disso, o conhecido filósofo e economista Karl Marx ali está sepultado. Outra grande diferença dos brasileiros está em relação aos mexicanos é que, todo ano, na noite do dia 1º de novembro, eles vão aos cemitérios para reverenciar e homenagear os seus familiares que morreram, para “comemorar” o Dia dos Mortos. Já imaginou? A gente aqui, no dia 2 de novembro ,“comemorando” o dia dos finados em cemitérios? As necrópoles brasileiras não têm o mesmo encanto das americanas ou europeias. São feias, mas ainda existe cultura em suas vielas e quadras.
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Moradores lutam por parque Augusta Local, que é um “oásis verde” na Consolação, está no centro de uma disputa entre poderes público e privado
Entrada lateral do parque Augusta. (Foto: Jéssica Rodrigues)
Bruno Moura Jéssica Rodrigues Última área verde do bairro da Consolação, o Parque Augusta, que fica ao final da rua de mesmo nome, está no centro de uma polêmica que envolve moradores, Prefeitura de São Paulo e construtoras. Com cerca de 24 mil metros quadrados, o que equivale a quase meio estádio do Pacaembu, o parque foi fechado pela prefeitura há cerca de dois anos, mas hoje abriga moradores de rua, usuários de drogas e lixo, o que atrai críti-
cas de moradores. “Antes eu conseguia correr no parque no final da tarde. Hoje, tenho medo até de ir na esquina. Já presenciei vários assaltos na frente do parque. Como os usuários de droga ficam lá dentro, quando passamos na frente eles pulam o muro e roubam principalmente as bolsas das senhoras”, alertou a moradora do local Carolina Nogueira, 45 anos, engenheira. O espaço é formado por terrenos privado e público – 80% dele não pode, por lei, ser alterado. E uma parcela sig-
nificativa da população paulistana quer ver o local transformado em parque público, sem edificações em seu interior. “A regularização do terreno é uma briga de muitos anos, se é que podemos chamar de briga, pois parte é tombadapelo patrimônio público e outra parte pertence a construtoras. Por isso, a solução para regularizar o parque é a prefeitura comprar a parte das construtoras”, contou a aposentada Vera Lucia Lopes, 63 anos, moradora do local.
A aposentada nasceu e cresceu no bairro da Consolação e sonhava ver seus netos brincando no parque, assim como ela fazia na infância. Hoje, lamenta o descaso das autoridades e critica a prefeitura por investir em ciclovias pela cidade e deixar o espaço de lado. “A intenção da prefeitura é vender o terreno onde o parque está localizado para construtoras, com o objetivo de construir prédios comerciais e residenciais. Em agosto, fomos até o gabinete do prefeito, mas um secretário fa-
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política lou que estava proibido de passar qualquer informação a respeito do Parque. Como não tivemos nenhuma resposta, continuamos realizando assembleias semanalmente com moradores e representantes da OPA (Organização Parque Augusta), em busca de novas medidas”, acrescentou Vera Lucia. No início deste ano, a prefeitura, juntamente com as construtoras Setin e Cyrella, fecharam o Parque Augusta, a fim de realizar construções comerciais. Ativistas e moradores da região afirmam que não existe alvará para construção no parque. Em março, o Ministério Público abriu um processo para analisar o caso. O jornal entrou em contato com o promotor Silvio Marques, mas não teve retorno. Segundo informações da OPA, a prefeitura prometeu reformar o parque e devolvê-lo à
Visível degradação do parque. (Foto: Jéssica Rodrigues)
população até junho de 2015, prazo que não foi cumprido. “Hoje, o parque encontra-se cercado por gigantescos tapumes. Horrorosos! Não sendo possível, sequer, vê-lo da rua. É um sentimento de sufocamento. A situação só tende a piorar se a tal obra almejada
pelas construtoras sair do papel”, desabafou André Silva, 27 anos, assistente administrativo e integrante da OPA. Segundo o médico Luiz Herbbes, morador local, não existe interesse por parte da prefeitura em regularizar o parque, pois vários abaixo-assinados foram
Muros pichados e abandono fazem parte do parque de hoje. (Foto: Jéssica Rodrigues)
enviados ao gabinete do prefeito Fernando Haddad (PT). Porém, não houve resposta. “O terreno pertence a incorporadoras, mas nele há uma pequena parte de Mata Atlântica. O parque tem uma função ambiental importantíssima para os moradores. A prefeitura deveria fazer um espaço público e preservar essas árvores”, complementou Luiz. A reportagem do Jornal da Consolação entrou em contato com a subprefeitura e com os responsáveis pelas construtoras Setin e Syrella para repercutir o fato, mas não obteve resposta. Semanalmente os defensores do Parque se reúnem na Praça Roosevelt em assembleias para discutir o destino do Parque e lutam para integrá-lo ao ZEPAM (Zona Especial de Proteção Ambiental), como consta hoje no Plano Diretor 2015.
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Observatório SP Consolação
Avanhandava reúne “lado rico e pobre”
Fruto dos investimentos do grupo Mancini, 140 metros da rua lembram primeiro mundo, mas o restante...
Rua Avanhandava, antes e depois da revitalização. (Fotos: Divulgação/Grupo Mancini)
Felipe Massahiro O asfalto de tijolos vermelhos é elevado, e a entrada da rua é estreita. Assim, os carros diminuem a velocidade ao entrar. A água da chuva passa por galerias subterrâneas invisíveis às pessoas. As calçadas amplas cobertas por mesinhas e um antigo chafariz valorizam o bem-estar do pedestre. O cheiro gastronômico mistura-se ao clima europeu, e o ambiente urbano passa a sensação do conceito de traffic calming na rua Avanhandava revitalizada. No comecinho da rua Martins Fontes, qua-
se em frente à boêmia Praça Roosevelt, a Avanhandava proporciona um outro pique. Ela é tranquila, conta com uma grande variedade gastronômica e lojas chiques. Seguranças
teiro de um dos diversos prédios residenciais localizados na área revitalizada. “É tudo sempre tranquilo, também por causa dos restaurantes. Vêm muita gente famosa aqui. O Faustão, o
“Passar por aqui significa estar em outro país.” Leila Guilherme particulares circulam de ponta à ponta na parte revitalizada. “Aqui é seguro, não tem bagunça. Os seguranças ficam 24 horas por dia,” diz Antônio Rogério da Silva Neto, por-
Gugu, sempre tem pessoal da televisão. Muita gente chique,” complementa. Todo esse charme começou quando o empresário Walter Mancini, apaixonado por fontes,
contratou um urbanista para instalar uma em frente a um de seus estabelecimentos gastronômicos. Logo a subprefeitura da região ficou sabendo, e o subprefeito solicitou ao empresário que revitalizasse a rua, pedido que Mancini aceitou. O empresário foi um dos grandes responsáveis pela revitalização da Avanhandava, que foi realizada totalmente em 2007. O empresário abriu na rua seu primeiro restaurante, a Cantina Famiglia Mancini, em 1980. Hoje ele já possui sete empreendimentos no local. São eles os restaurantes Pizza & Pasta,
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cidades Il Ristorante, Migalhas e Madrepérola. Segundo a assessoria de imprensa do grupo, o empresário diz que “não queria vender o mesmo produto sempre. O interessante é alguém vir visitar à rua e escolher uma casa para ser feliz”. Além dos restaurantes, o Grupo Mancini possui duas lojas: a Calligraphia, uma loja e galeria de arte inaugurada na mesma época do término da revitalização da rua e, mais recente, a Gato Bravo, uma loja de artigos vintage (produtos antigos que variam de bicicletas a roupas) aberta em 2013. Devido à revitalização, a rua Avanhandava ganhou imensa popularidade. Segundo o site Glamurama, o local está entre os nove lugares mais bonitos de São Paulo. “Eu admito que tinha um preconceito com o Centro de São Paulo.
Quando as minhas filhas disseram que viriam morar na região, eu fiquei assustada, mas quando cheguei aqui e conheci essa rua, me surpreendi”, disse Leila Guilherme, assistente social aposentada. “O ambiente da Avanhandava é outra coisa. Passar por aqui significa estar em outro país. A rua acolhe todo mundo. As pessoas conversam com você,” afirma. O comerciante Sérgio Brum também aprova o local. “A revitalização trouxe mais clientes. O nível deles e o movimento são muito diferentes. É um outro padrão, e a rua, muito sossegada,” disse. No total, segundo o site da prefeitura de São Paulo, o custo da revitalização foi de R$ 1,5 milhão, entre investimento da própria prefeitura e do Grupo Mancini. O fluxo de pessoas aumentou cerca de 15%.
A fonte que deu início ao que seria o processo de revitalização da Avanhandava.
O viaduto que separa a rua Avanhandava revitalizada e chique da rua Avanhandava mal cuidada e perigosa.
O outro lado da Rua Avanhandava O projeto de revitalização visou os 140 metros iniciais da via que começam na rua Martins Fontes e terminam na rua Martinho Prado. Esse trecho é onde se concentram os empreendimentos do Grupo Mancini, assim como um prédio da Receita Federal. Contudo, a rua possui aproximadamente 800 metros. Os 660 metros restantes da via contrastam com a parte revitalizada. “O outro lado é uma bagunça. Você não pode passar por debaixo da ponte depois das oito horas da noite; é bem perigoso”, disse o porteiro Neto sobre a parte não revitalizada. A assistente social aposentada Leila procura não dar a volta na quadra. “Prefiro evitar. Ando a rua de um lado a outro conversando com as pessoas.” Apesar de achar a rua uma das mais bonitas de São
Paulo, “ainda precisa melhorar” disse, referindo-se ao outro lado da Avanhandava. Do lado revitalizado, aponta em direção a ponte: “antigamente era muito pior. Quando uma floricultura abriu do lado do supermercado, diminuiu bastante. A viela que desce da rua para a 9 de Julho antes era ponto de droga, prostituição e ainda tinha muitos estupros e assaltos.” Pichações, edifícios mal cuidados e trechos com asfaltos esburacados são apenas alguns dos problemas. As calçadas são bem menores para o trânsito de pedestres e também, em algumas partes, estão quebradas. O comércio dá espaço a diversos prédios e sobrados residenciais, assim como escritórios. É como se toda a beleza e charme fossem esquecidos no outro lado da Avanhandava.
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Aumento da conta de luz prejudica comerciantes Empresários relatam que contas tiveram aumentos de até 70%, mas que está difícil repassar o custo aos consumidores
Fachada do salão que fica na rua da Consolação. (Foto: Elenaldo Barbosa)
Ana Paula Itapema Elenaldo Barbosa Guilherme Masson Comerciantes da região da rua da Consolação estão sentindo uma elevação dos custos por causa do aumento do preço da energia elétrica. É o caso de Luiz Moreira, proprietário da banca de jornal Redenção, que fica na avenida Paulista, próximo à Consolação. O comerciante explica que os custos aumentaram porque a energia é muito consumida na banca que fica aberta, na maioria das vezes, 24 horas por dia.
“E não é possível apagar as luzes durante o dia, pois a visibilidade para os leitores observarem as revistas e livros fica prejudicada”, ressaltou o jornaleiro, que ainda não encontrou uma solução para economizar. Ele explica que não consegue repassar esse aumento da energia aos preços dos produtos, pois boa parte dos itens são tabelados. “A única maneira foi colocar como mais um gasto no mês.” O mesmo caso está ocorrendo no salão de cabelereiro “Junior SP Cabelo e Corpo”, na rua
da Consolação. A dona do estabelecimento, Silmara Perozi, conta que está tentando cortar os gastos de energia o máximo possível.
A comerciante relata que a conta de energia elétrica teve um salto de até 70%. Acostumada a pagar cerca de R$ 500,00 por mês, agora
Luzes apagadas durante o dia para ajudar na economia.
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economia está pagando mais de R$ 850,00. “Eu tenho um equipamento chamado autoclave. Ele esteriliza alicates e tudo o que é material de corte do salão. Eu faço o possível para usá-lo pouco. Então, eu junto todo o material e só uso para esterilizar tudo de uma vez”, resume a cabeleireira. Além disso, ela alerta os funcionários a deixarem a luz acesa apenas quando for estritamente necessário. E, por medida de segurança, instalou mais tomadas pelo salão, para distribuir os pontos de energia. Não só o comércio, mas também as empresas de serviço reclamam dos custos. Por exemplo, Beatriz Vieira, diretora administrativa da Urban Jungle, empresa de comunicação que fica na rua Luís Coelho, diz que no começo foi difícil conciliar os gastos de energia elétrica com o consumo. “Tínhamos o costume
Banca de jornal 24 horas. (Foto: Elenaldo Barbosa)
de deixar os computadores ligados a noite inteira, o ar condicionado no máximo para conter o calor e, como estamos no ramo musical, o som estava sempre liga-
do. Mas agora, estamos trabalhando de janelas abertas, o ar condicionado e as luzes ficam desligadas”, disse. Ela lebra que a conta de energia tinha um
custo de em média R$ 300,00 e agora estão gastando o dobro, mesmo com os cortes feitos pelos funcionários que estão ajudando a empresa a economizar.
Aumentos Em meados deste ano, a diretoria da Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica) aprovou um aumento de até 17,04% nas tarifas da Eletropaulo, que atende grande parte da população de São Paulo, totalizando 6,7 milhões de consumidores. Para o comércio, o aumento foi de 11,73%. Entre os motivos para o aumento da energia elétrica está a remuneração dos empréstimos captados no ano passado pelas distribuidoras para cobrir dívidas feitas anteriormente. Outro fator foi a cobertura de encargos setoriais, que consistem em tarifas fixadas pela Aneel para as concessionárias de distribuição. Adequação das tomadas do salão. (Foto: Elenaldo Barbosa)
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Rua Frei Caneca tem boom imobiliário GLBT
Público gay tem impulsionado o mercado na região; segundo corretores, “eles gostam do caro”
A agitada Frei Caneca. (Foto: Marie Gomes)
Fernanda Longon Marie Gomes Mesmo com o país em crise, a movimentação de investimentos no setor imobiliário na rua Frei Caneca e região continua crescendo, por causa do público GLBT, que adotou a região, principalmente o Shopping Frei Caneca, como um “polo gay”. Paralela à Avenida Paulista, centro comercial da cidade de São Paulo, a rua Frei Caneca vem ganhando adep-
tos de lazer e moradia desde o início dos anos 2000, principalmente turistas gays. É o caso do publicitário Marcos Medeiros, que decidiu comprar um apartamento na Frei Caneca há 2 anos, quando deixou Fortaleza (CE) para trabalhar em uma multinacional em São Paulo. “Quando cheguei aqui fui morar com meu primo no Brooklin, até conseguir vender meu apartamento em Fortaleza. Por sempre visitar
São Paulo, já tinha uma ideia muito bem formada sobre a região em que gostaria de morar. Comecei a procurar um novo imóvel e não tive dúvidas: seria na Frei Caneca.” Já Vithoria Bicudo, 21 anos, saiu de Botucatu, interior de São Paulo, para fazer faculdade de Direito. Ela mora na Frei Caneca, em um dos apartamentos de seus avós, que possuem mais quatro em São Paulo. “Sempre gostei muito dessa região e tam-
bém desse apartamento. Mesmo com outras opções em bairros mais nobres, como Higienópolis e Jardins, prefiro este aqui”, disse. “Eu gosto do agito! Quando bate aquela solidão típica de quem mora longe dos pais, eu desço e vou ao bar. Nunca conheci lugar tão fácil de fazer amigos e dar boas risadas!”, brinca Vithoria. Vanessa Pavarini é uma transexual de 28 anos e mora na Frei Caneca desde que terminou a faculdade de Artes
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economia Cênicas na Universidade Estadual de Londrina (UEL). Ela tinha um sonho de ser atriz e aqui encontrou um mundo de oportunidades. “Foi na A Lôka (balada famosa da região) que fiz minha primeira performance. Depois daquele dia, nunca mais quis sair daqui” disse. “A Frei Caneca é arrasadora!”, completou. Para o corretor André Santos, que atua na região, o crescimento imobiliário do local deve-se à proximidade da Avenida Paulista e do Shopping Frei Caneca. Uma região nobre, bastante atrativa para os homossexuais – na grande maioria solteiros e de classe média alta. “Eles gostam do caro!” disse.
Os novos empreendimentos seguem uma tendência: a de imóveis com um ou dois quartos. “Entre 2000 e 2014, cerca de 80% dos edifícios lançados têm essa configuração”, afirma. “A média de idade dos moradores é de 25 a 35 anos”, ressalta Santos. O investimento em apartamentos menores é pela força do público homossexual no local. Os hábitos de consumo determinam as características das plantas. “O prédio deve contar com piscina e sala de ginástica”, afirma Santos. Há também preferência por cyber room, spacegrill, quadra de squash e fitness. O corretor relata que o mercado de luxo não
Edifício Genéve ao lado do Shopping Frei Caneca. (Foto: Marie Gomes)
Vithória Bicudo pronta para ir aos bares da Frei Caneca. (Foto: Vithória Bicudo)
tem crise, principalmente quando se trata do setor imobiliário nessas regiões onde o público GLBT tem muita influência e movimenta a economia local. Neuza Lemos, corretora da Imobiliária Bellutti Imóveis, disse que a maior procura é por locação de imóveis, pois a região é bastante rotativa. “São Paulo é um lugar onde as pessoas vem com a intenção de ganhar dinheiro. Nossos clientes não ficam por mais de dez anos na cidade”, afirmou. O desejo por comodidade, diversão e lazer, como shoppings, restaurantes, hotéis, bares, baladas, cinemas, estações de metrô, entre muitas outras coisas, facilita a decisão das pessoas na hora de fe-
char o contrato. Segundo dados da Bellutti Imóveis, o valor médio do aluguel de um apartamento de apenas um dormitório é de R$ 2.300. Esse preço é o equivalente à locação de um imóvel de 3 dormitórios no bairro do alto da Mooca. A rua Frei Caneca teve um “boom” em 2003, quando a comunidade gay organizou um “beijaço” de duas mil pessoas na praça de alimentação do shopping Frei Caneca, em represália a um segurança que apresentou atitudes homofóbicas contra um casal de homens que trocavam carinhos no interior do shopping. Desde então, o local ficou famoso com o título de “a rua mais gay de São Paulo”.
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Crise faz restaurantes virarem bares na Augusta Empresários se adaptam ao cenário econômico do país e buscam outros recursos para manter a clientela
Número de clientes aumenta com os bares na Augusta. (Foto: João Paulo Mesquita)
Jessica Franco João Paulo Mesquita Restaurantes da Rua Augusta estão mudando o foco de atendimento por causa do atual contexto econômico. Para atrair mais clientes e enfrentar a queda nas vendas, esses estabelecimentos estão se adaptando para também funcionar como bares. Os comerciantes da região estão aproveitando a badalação noturna na região para estender o horário de atendimento e consequentemente aumentar os rendimentos. “O movimento caiu mais de 20% no horário do almoço. Tomamos a decisão de estender o funcionamento até a 1h da manhã”, disse Dita
Freitas, proprietária do bar e restaurante Cuca Ideal. “À noite, o movimento é muito maior, principalmente no calor: cinco vezes mais do que no almoço”, completa. Essa não é uma prática isolada. Marcio Cruz, 28, supervisor do restaurante Yol! Roll’s & Temaki, tem visto uma rotatividade muito alta dos estabelecientos comerciais. Porém, sempre existem novos bares e restaurantes sendo inaugurados. “Hoje, vejo um movimento maior do que o normal após às 21h. Nos finais de semana, costumo sair daqui à meia-noite e vou para algum bar aberto e fico até o amanhecer”, comenta Cruz.
Dita, dona do Cuca Ideal, reclama da concorrência desleal. “Gostaria de ficar até as 6h da manhã com meu estabelecimento aberto. Porém, sigo a lei (do silêncio)”. É diferente de muitos concorfrentes, que apesar de conhecerem a lei, ficam abertos até o amanhecer. O movimento do comércio aumenta consideravelmente com a vida noturna. O gerente do bar Ibotirama, João Carlos de Almeida, reconhece o vigor da lei do silêncio, mas justifica. “Todos os bares da região ficam abertos. Como vou pagar as contas e os meus funcionários se eu não ficar aberto no horário de pico?”, questiona.
Comércios na rua Augusta. (Foto: João Paulo)
gastronomia
Cultura vegetariana e vegana cresce na região
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Proprietários de restaurantes dizem que alimentação saudável e “concepção de mundo” atraem mais adeptos
Fachada do restaurante Apfel. (Foto: Amanda Alves)
Amanda Alves Gabriela Oliveira A procura por restaurantes vegetarianos e veganos – estes mais radicais em não consumir nada que venha do reino animal – tem aumentado na região da Consolação. Quem afirma isso são os proprietários dos restaurantes desse tipo e também os frequentadores. É o caso do jornalista William Maier, que frequenta restaurantes veganos há mais de 10 anos. Porém, ainda come carne. Ele conta que a principal motivação é a qualidade de vida que a comida vegana proporciona. Desde que começou a frequentar o restaurante Sabor e Saúde, ele tem comido cada vez menos carne e vê mudanças na saúde.
Mais do que não comer carne, o veganismo é uma filosofia. É o que diz o publicitário André Buiat, vegano há um ano e meio. Ele conta que virar vegano o fez ficar mais consciente e acredita que essa prática pode alterar a perspectiva das pessoas sobre suas vidas, os animais e as outras
pessoas. “Não é uma questão apenas dos animais, é uma questão global. É uma forma consciente. Quando você começa a ver sua vida, se preocupa com o que consome e o que produz”, complementa André. De acordo com uma pesquisa realizada no primeiro trimestre des-
Cliente se serve no buffet vegetariano.(Foto: Amanda Alves)
te ano pela Associação Brasileira de Supermercados (ABRAS), 8% da população brasileira se declara vegetariana, representando 16 milhões de pessoas. Apesar desse número significativo, a oferta de produtos e serviços voltados a esse nicho ainda é escassa, mas vem aumentando. “Os produtores orgânicos não produzem em grande escala. Tem muita gente no interior que produz, mas que não divulga”, diz Elaine Azevedo, sócia do restaurante vegano Vegacy. Para atrair esse público, os restaurantes apostam em versões veganas de pratos típicos da culinária brasileira, como a feijoada vegana, que substitui a carne tradicional por uma de soja e muitos legumes. Outro prato bastante procurado é o nhoque. No restaurante Apfel, ele é feito de beterraba e servido com pesto de brócolis. Segundo a chilena Milene Signe, proprietária e chef da casa, há uma grande curiosidade sobre a comida e o estilo de vida vegano.
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Universitários conciliam esportes e estudos Estudantes universitários da região da Consolação aliam a vida acadêmica à prática esportiva dentro das escolas
Universitários treinando natação na Universidade Presbiteriana Mackenzie. (Foto: Lucas Martins)
Andressa Stancov Lucas Martins Além dos benefícios do esporte à saúde, à mente, à disciplina, entre outros, universiários que conciliam as atividades acadêmicas com a prática esportiva ainda conseguem bolsas de estudos por representarem suas universidades em competições pelo estado, ou até pelo país. É o caso de Mariana Forte Colombani de
Souza, de 20 anos, estudante de Psicologia na Universidade Presbiteriana Mackenzie, e que possui bolsa para treinar handebol. A aluna treina quatro vezes por semana, pelo menos duas horas por dia. Segundo a atleta, ela consegue conciliar normalmente os estudos com os treinos. E quando precisa estudar, há uma boa tolerância do time, caso ela precise faltar em algum treino para se
preparar para alguma prova, desde que avise com antecedência. “Eu jogo handebol faz 7 anos e sempre gostei muito de esportes. O treino do time de handebol é muito forte na minha faculdade, e por isso os bons resultados aparecem nas competições. Mas dá sim para conciliar com boas notas na média final”, diz a estudante. Já Guilherme Henrique, 22, que pratica
futebol, e Igor Tracci, 24, que faz basquete, ambos do Mackenzie, não possuem bolsas por causa do esporte, mas pelo ProUni/ FIES. Segundo eles, isso facilita à vida esportiva universitária, pois mesmo se estiverem indo mal nas notas, não serão expulsos dos times. “Eu gosto de jogar porque sempre fui muito competitivo e por conhecer o histórico dos jogos percebi que existe muita
esportes rivalidade e competição, além de ser uma oportunidade de continuar fazendo algo que eu gosto e representando minha faculdade”, disse o atleta de basquete. Todos eles disputam competições organizadas pela FUPE (Federação Universitária Paulista de Esportes), além de competições internas como o Olimack, Intermed, JUCA, Jogos Jurídicos Universitários, Economíadas e Interpsico. São campeonatos organizados por centros acadêmicos de várias faculdades, como por exemplo o Dacam, Diretório Acadêmico de Comunicação e Artes Mackenzie.
Giovanna Sperandio, 22, estudante de Medicina na Faculdade de Ciências Médicas Santa Casa de São Paulo, pratica natação pela escola e, por estudar em uma faculdade pública, não precisa de bolsa. O seu tempo de treino é no horário do almoço, sobrando o período da tarde para os estudos. “Minha escolha pelo esporte não foi nem a competição, porque eu sempre fico muito nervosa durante as disputas. Foi mais pra eu me sentir dentro da faculdade, fazer parte de uma equipe”, disse. Diversos centros acadêmicos, vendo a dificuldade de adaptação
dos alunos aos treinos noturnos, passaram os treinos para os finais de semana, para facilitar o desempenho e o interesse dos atletas, como é o caso de Pedro Henrique da Silva Vianna, jogador de handball da PUC Consolação.
15 “Como os treinos são aos sábados, é mais fácil de conciliar”. Na região da Consolação, a faculdade com mais prestígio no esporte universitário é o Mackenzie, com uma ampla soberania nos esportes universitários.
Jogador arremesando um lance livre em um jogo pela atlética TUBA, da Universidade Mackenzie. (Foto: Lucas Martins)
“Eu gosto de jogar porque sempre fui muito competitivo e por ser uma oportunidade de continuar fazendo algo que eu gosto e representando minha faculdade” Igor Tracci, 24, realizando um arremesso pela sua equipe, a TUBA. (Foto: Lucas Martins)
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“Velhos” fliperamas atraem clientes no bairro Lanchonetes e baladas inovam no jeito de agradar o público e colocam máquinas antigas para diversão
Entrada da Blitz Haus, na Rua Augusta. (Foto: Paulo Zezé)
Leonardo Fontes Paulo Zezé Rubinho Melo O bairro da Consolação está resgatando um tipo de entretenimento que muita gente apostava que tinha morrido. São os “velhos” fliperamas, máquinas do tipo pinball, nas quais o jogador deve controlar bolinhas de metal, ou no formato árcade, que são cabines de jogos digitais, como o tradicional Pac-man. É o caso do comerciante Manuel Silva, 43 anos, proprietário da Elite Vídeo Games, que fica na rua Doutor Martinico Prado, que tem na casa mesas de pinball. “É muito difícil nos tempos de hoje manter
máquinas tão antigas funcionando. A manutenção tem que ser praticamente mensal e estar sempre de olho no funcionamento do equipamento. É uma raridade ter uma dessas nos tempos de hoje, quando estamos criando óculos para mergulhar de verdade no mundo dos games”, resumiu Silva. Donos de estabelecimentos que possuem os fliperamas contam que essas máquinas são, ainda hoje, um atrativo para clientes. É o caso da Blitz Haus, casa noturna na rua Augusta que também tem esse tipo de equipamento para a clientela se divertir após tomar algumas bebidas e conversar.
Entre eles, estão simuladores de corridas, jogos de luta, Pac-man, Space Invaders, mesas de pinball, de sinuca e também de pebolim. O pessoal que gosta de games aproveita bastante o tempo dentro da casa. “Eu tento vir com os meus amigos aqui todo mês porque além do lugar ser agradável tem esse atrativo de poder jogar jogos antigos que não conseguimos mais sequer encontrar hoje. São raridades que eles possuem aqui. É bom deixar de lado o PlayStation que tenho em casa para jogar esses ‘velhinhos’ dos games”, disse João Vicente Rodriguez, estudante de 22 anos. Outros estabeleci-
mentos que tem esse tipo de game na região da Consolação são as hamburguerias Rock’n Roll Burger e Texas Burger. Os locais fazem promoções: ao comprar lanches, é possível ganhar fichas para jogar e se distrair um pouco jogando os famosos pinballs de Space Jam e Cavaleiro Negro. Os donos dos dois estabelecimentos disseram que, após colocarem as máquinas e viabilizarem as promoções de fichas, o movimento aumentou. “O pessoal que vinha apenas para comer agora passa mais tempo bebendo e jogando após degustar a nossa comida”, disse a gerente Marcela Vieira, da
cultura e entretenimento
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“É bom deixar de lado o PlayStation que tenho em casa para jogar esses ‘velhinhos’ dos games” - João Vicente
João Vicente Rodriguez, 22, jogando em uma das muitas cabines de arcade dentro da balada Blitz Haus. (Foto: Paulo Zezé)
Rock’n Roll Burger. Outro que tem essas máquinas em um galpão especializado em jogos é o comerciante Carlos Monteiro, de 41 anos. No caso dele, a realidade é outra. O empresário diz estar à beira de fechar o negócio. O motivo? Os altos custos de energia elétrica, que é a matéria-prima básica para os fliperamas. Carlos estima que sofreu um aumento de R$ 200 na conta de energia, que antes era por vol-
ta de R$ 100,00 e agora está na casa dos R$ 300,00. “Hoje eu mantenho uma ou duas máquinas ligadas, dependendo do movimento. Por exemplo, hoje tem você e mais quatro pessoas. Ligo as máquinas conforme as fichas compradas e o desejo do cliente de querer jogar determinado pinball. É um ramo difícil. Perdemos muito para lan houses e para os próprios videogames. Ninguém mais sai de
Texans Burguer Bar, na Rua Augusta oferece além de comida e bebidas, fliperamas para a diversão dos clientes (Foto: Paulo Zezé)
casa para jogar fliperama como antigamente. Quem tem uma máquina dessa hoje em dia pode se sentir privilegiado. São difíceis de encontrar”, afirmou Monteiro. Além do galpão, Monteiro possui outra forma de remuneração. Após formação na área eletrônica, ele conserta máquinas quebradas ou com algum defeito. Mas mesmo esses consertos não conseguem sustentar o local, que deve ser fechado em alguns
meses devido à falta de condições de mantê-lo aberto. Muita gente continua sem imaginar a existência das máquinas na região. A reação das pessoas, ao saber da “velha” novidade é quase consensual: “Ainda existem?”. Alguns, pela visível reação, gostariam de reviver os tempos de um fliperama, e outros, que iriam para suas casas jogar os seus videogames modernos, não pareceram surpresos.
Elite Video Games, que mescla pinball’s antigos e arcades contemporâneos. (Foto: Paulo Zezé)
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O coveiro escritor do cemitério da Consolação Um ser exótico, Tico publicou dois livros, enfrentou as drogas, o álcool e a “loucura”. Hoje, escreve contos e passa sua ideologia fazendo palestras em faculdades
Francisco Pintos de Campos Neto, o Tico, 56, sentado em seu local de trabalho, e sua segunda casa como chama carinhosamente o cemitério. (Foto: Paulo Zezé)
Leonardo Fontes Paulo Zezé Rubinho Melo Francisco Pintos de Campos Neto tem uma história peculiar em seus 56 ano vividos. Tico, como passou a ser conhecido, é um dos coveiros do Cemitério da Consolação e também escritor. Por ter uma mente inquieta, uma
vontade de mexer com o sistema vigente, Tico não consegue ficar invisível por muito tempo. Ex-estudante de Letras na Universidade de São Paulo (USP), autor de dois livros de contos publicados, “As núpcias” e o sucessor “As núpcias do escorpião”, e que atualmente trabalha na criação de uma peça de teatro, o coveiro
já conseguiu até reconhecimento de pessoas ilustres do meio artístico, como José Mojica Martins, o Zé do Caixão, que classificou seu livro como “8,5 numa escala de 10”, sendo que para um dez “só Edgar Allan Poe”, registrou na contracapa do livro. Antes de tornar-se coveiro, Tico foi morador de rua e usuário de
drogas. Já trabalhou em escritório e bancos, experiências que ele mais detestou. “Nunca gostei de ficar preso, e é assim que me sentia nesse tipo de emprego”. Sobre o bairro da Consolação, o coveiro diz: “Lá existe acesso a tudo relativo à cultura, o que é muito bom. Pena que não é para todos. O dinheiro é importante,
perfil
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Ruas do cemitério da Consolação. (Foto: Paulo Zezé)
e as pessoas que aqui moram sabem disso. Elas se fecham propositalmente neste mundo delas. É difícil alguém de fora entrar, alguém de fora ter acesso a tudo isso.” Embora não queira revelar o caso, Tico conta que foi uma “dor” imensurável que o fez sair da rotina, do caminho profissional e ir até o mais fundo dos poços, chegando até a ser usuário de crack. A luz no fim do túnel estava em um cartaz anexado num poste dizendo sobre a abertura de um edital para coveiro. “Eu nada tinha a perder, estava andando
sem rumo, literalmente, quando vi aquele cartaz. A única exigência era ter o ensino fundamental completo. Bom, eu já cursei Letras na USP, então achei que não devia ser tão difícil prestar esse concurso e passar”. Ele passou. Sobre a universidade, Tico, de forma peculiar, desmistifica o fato de já ter cursado a melhor universidade do país. “Cursei e não achei nada demais. Para falar a verdade, era um curso bem fraco. Não tínhamos uma sala fixa e vivíamos tendo de nos mudar. Estudava com uma turma hoje, amanhã era uma galera que
Tico conta que uma vez, quando ainda era novo no Cemitério, se perdeu entre túmulos e quadras. “Eu conhecia pouco ainda do Cemitério, é muito grande. Outro dia me perdi quando fui buscar uma ferramenta e quando voltei me perguntaram o porque da demora. Tive que inventar uma desculpa para não ser zoado né, então disse que a porta do armário havia emperrado e que não havia Cristo que abrisse naquela hora. Saí pela tangente (risos).“
eu nem conhecia. Era como se fosse proibido nos juntarmos, formar um pensamento coletivo. E, claro, houve um pouco de vagabundagem de minha parte, não vou negar”, conta ele, com uma fala tranquila de quem não se arrepende e até sorri ao falar de seus deslizes de juventude. Sua veia inquieta e contestadora do mundo e de tudo a sua volta o levou a ser escritor. Ou talvez tenha sido o oposto: “Sempre gostei de escrever histórias. Mas não me via um escritor”. Uma das inspirações que cercam a mente de Tico é o mundo a sua
volta. Para ele, tudo pode servir de influência, especialmente as experiências de vida. “Já vi muita coisa, nem tudo foi agradável. Fui internado mais de 20 vezes.” Tico, ao finalizar o bate-papo, menciona que tem se afastado de tudo aquilo que um dia lhe tirou o sono, o talento e, por tempos, a vida. “Hoje estou livre das drogas, parei de beber também. Só dou um ‘peguinha’ às vezes. Me sinto bem como estou, em todos os sentidos. Minha saúde, meu filho, um rapaz de 31 anos, meu irmão mais velho... Muito bom tê-los por perto.”
De pensamento anarquista, Tico, desde os tempos de faculdade, era uma pessoa política. Não gostava de quem governava, nem de A, nem de B. Sempre tomou decisões para tentar melhorar as coisas ao seu favor. Na USP, realizava ações de tomada de posse de prédios para que pudessem ter melhores condições de aula, ou de moradia para os alunos. Sempre foi ideologicamente ativo. Sua mente inquieta o faz sempre estar pensando, falando, influenciando as pessoas.
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Sem crise, Augusta tem diversão do punk ao nerd Rua tem diversas opções para beber e curtir os dias de folga com amigos
Entrada da Blitz Haus. (Foto: Gabriela Barreto)
Gabriela Barreto Christian Araújo Endereço dos mais tradicionais de São Paulo, a rua Augusta é um dos locais de maior diversificação para se curtir a noite na cidade. Há tantas opções de baladas que ao sair de uma fica difícil decidir qual será a próxima. “Eu sempre venho no Beco ou no Inferno com meus amigos, não só aos finais de semana. Às quartas-feiras, o Beco sempre tem balada open bar com um preço bem acessível. Então, é bom para sair da rotina e se divertir um pouco”, disse Karoline Muniz de 19 anos, estudante de Publicidade e Propagan-
da, citando alguns dos estabelecimentos mais conhecidos da rua. Outra opção é escolher o Season One Art-
você encontra todo tipo de gente, desde punk até nerd. O bom é que série de TV e cerveja são coisas universais; se
“É bom para sair da rotina e se divertir um pouco” - Karoline Muniz s&Bar, uma casa “nerd” decorada com fotos e frases de séries de TV que pode ser uma opção para quem prefere ficar sentado bebendo uma cerveja e aproveitando a música, enquanto conversa com os amigos. Essa foi a escolha do administrador de empresas Guilherme Rodrigues, de 31 anos. “Aqui
você gosta, não importa como você é, o importante é curtir.” Com tantas opções de baladas, a quantidade de gente que frequenta a Augusta faz com que, mesmo diante da atual crise econômica, os donos das casas noturnas não tenham do que reclamar. Rodrigo Gomes, de
44 anos, gerente da Blitz Haus, uma casa de jogos e balada retrô, disse que por lá não há crise. “Nosso movimento continuou o mesmo ou aumentou. Acho que as pessoas param de gastar dinheiro com besteiras, como acessórios e eletrônicos, para gastar um pouco mais para curtir o final de semana”. Segundo pesquisa feita em 2008/2009 pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), 19% da população gasta em torno de 6 mil reais por ano em baladas e bebidas. “Todo mundo fica estressado durante a semana, e o que mais querem é que os dias de descanso cheguem para que possam aproveitar uma balada ou um barzinho com o pessoal”, completou o gerente. Mas não se esqueça: se beber, não dirija. Os bares e baladas da rua Augusta estão bem localizados entre a avenida mais famosa de São Paulo, a Avenida Paulista, e a zona sul. Táxis são acessíveis o tempo inteiro, via aplicativos ou mesmo nas ruas, e você também pode pegar o metrô Consolação (linha verde) ou Paulista (linha amarela).
entretenimento
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Com horários e preços diferentes, Belas Artes tem público diversificado Patrimônio histórico da cidade, espaço ganha novos frequentadores por causa do horário da madrugada e pelo ingresso mais acessível Camila Fernandes Izabel Zein Letícia Santos Um dos mais conhecidos cinemas de São Paulo, o Cine Caixa Belas Artes está atraindo um público cada vez mais diversificado, diferente do tradicional frequentador “intelectual” de outros tempos. Isso vem ocorrendo pela maior quantidade de horários de sessões, incluindo as da madrugada, e também por causa de um preço de ingresso mais acessível. Para o estudante de jornalismo Gustavo Nascimento, de 22 anos, o Belas Artes está provando que cinema alternativo não é só para os intelectuais. “Detesto essa visão! Vejo gente de todo tipo lá. É um clima bastante diversificado”, resumiu o estudante. Já para Antonio Marcos Lima Costa, médico de 45 anos, o público diferenciado em horários alternativos, como nas madrugadas, é um ponto positivo. O médico diz detestar barulho. Justamente por isso é frequentador do cinema há mais de 20 anos e sempre convida amigos
Anúncios dos filmes em cartaz na entrada do cinema. (Por: Izabel Zein)
para conhecer e se tornar frequentadores. Andreia Oliveira, estudante de marketing de 23 anos, tornou-se frequentadora casualmente. “Era uma sexta-feira de madrugada, eu e mais duas amigas passeávamos pelo bairro e avistamos o cinema aberto. Sem entender muito bem o que estava acontecendo, resolvemos entrar e conhecer. Foi então que conhecemos os filmes da madrugada. E desde então é nosso passeio obrigatório nos finais de sema-
na”. “O que eu mais gosto do Cine Belas Artes é que sempre tem um conteúdo atual. Tempos atrás, exibiram um especial do Tim Burton, juntamente com o lançamento do Big Eyes, e foi sensacional! Eu gosto exatamente disso, desse lance de sempre ter um contexto com o que está acontecendo no mundo do cinema”, conta o estudante de engenharia da computação Diego Mascarenhas, de 25 anos. Sempre buscando
novidades, o cine Belas Artes atrai diferentes olhares e é considerado patrimônio histórico da cidade de São Paulo, além de ser passeio obrigatório nos finais de semana e feriados. O espaço foi reinaugurado no dia 28 de Janeiro de 2014, após três anos fechado. Localizado na Rua da Consolação, esquina com Avenida Paulista, uma das mais movimentadas do país, o estabelecimento é um dos mais antigos e tradicionais da cidade de São Paulo.
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SP Consolação
editoria
Praça Franklin Roosevelt: espaço da diversidade Tradicional e histórica praça de São Paulo reúne um público tão heterogêneo quanto a própria cidade Stella Maris Tem de tudo. Construída na década de 1960, entre as ruas Consolação e Augusta, a praça Roosevelt é um espaço tão diversificado como a própria cidade de São Paulo. De idosos que reclamam do barulho a skatistas que levam a culpa pela bagunça, a praça, que foi revitalizada há três anos, reúne uma série de perfis da cidade e ainda agrada a maioria. O publicitário Sergio Rodrigues Avila, 30, mora na região há três anos, mas conhece a praça como a palma de sua mão. Foi por ali que cresceu. Quando criança, visitas a casa da vó que morava pelos arredores terminavam em brincadeiras na antiga praça. “Ultimamente, o espaço voltou a ser utilizado tanto pelos moradores – carentes de espaços públicos para lazer e cultura – quanto pessoas de todos os cantos da cidade. O acesso é fácil, por ser uma zona central”, argumenta entre uma lembrança e outra. A aposentada Luciana Cristofoli, 67, que mora nas proximidades, concorda. Os anos trouxeram muitos pontos positivos aos olhos de quem passa tanto tem-
Pôr do Sol na praça Roosevelt. (Foto: Sérgio Rodrigues Avila)
po observando o movimento por ali. Mas, em contraponto, trouxeram também um elemento para desagradar qualquer morador pacato: barulho. “Mais pessoas, mais barulho. Principalmente à noite. Não só o barulho dos bares, em que as pessoas costumam ocupar também as calçadas e escadas da praça, grupos que se reúnem para tocar e cantar. Mas Isso é ótimo, é o barulho de gente feliz”, diz Luciana. Além da turma animada que ama uma
cantoria, a praça é frequentada por outras tribos. Os skatistas estão entre eles. Para lá e para cá, entre manobras e tombos, encontraram ali um oásis para a modalidade, com uma área exclusiva com cinco rampas. André Neves, 28, está entre a turma que passa as horas livres em cima do skate, pela praça. Corrimãos, bancos, escadas... tudo vira pista para eles. “O street exige obstáculos naturais. Por isso, a praça é o melhor lugar para praticar. Sem
contar que os skatistas adoram socializar com o resto do público”. A opinião é unânime: sejam os moradores, seja o público que frequenta a praça em busca de lazer, o local é o espaço perfeito para iniciativas públicas e privadas em festivais de música, arte, gastronomia e esportes. Dessa forma, o local vem ganhando cada vez mais um importante papel sociocultural na cena da cidade. E, claro, novas – e boas – mudanças serão sempre bem vindas.