Revista Prorrogação

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Revista produzida por alunos de Jornalismo da Universidade Anhembi Morumbi

PRORROGAÇÃO ESPORTE ALÉM DO ENTRETENIMENTO

FUTEBOL DE VÁRZEA Longe dos holofotes, tradição do esporte raiz sobrevive e se reinventa E mais: Atividade física na terceira idade - Etilização do derby - Psicologia do esporte eletrônico - Um dia de autódromo - A história e prática do curling


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Sumário

Revista-laboratório produzida para as disciplinas de Produção de Revista, Planejamento Visual e Fotojornalismo II, no quinto semestre da graduação em Jornalismo da Universidade Anhembi Morumbi, sob a temática de "Esporte e Sociedade" e tutoria dos professores Carlos Frucci, Ricardo Senise e José Augusto Lobato

EXPEDIENTE Reitor Prof. Paolo Tommasini Gerente das áreas de Artes, Comunicação, Design e Educação Prof. Renato Tavares Coordenador do curso de Jornalismo Prof. Nivaldo Ferraz Coordenadores Adjuntos do curso de Jornalismo Prof. João Elias Nery Profa. Maria Cristina Rosa de Almeida Produção de Revista Prof. José Augusto Lobato Fotojornalismo e Planejamento Visual II Prof. Carlos Frucci Prof. Ricardo Senise Redação e design Caíque Guimarães Evelyn Mackus Fernando Watanabe Gustavo Tolezzani Matheus de Lucca Vitor Muniz Data desta edição Junho de 2018

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6 Educação Física mobiliza futuros profissionais

10.

Atividade física na terceira idade

18.

Os palácios do derby

22.

Um dia de pista

30.

Psicologia do e-sport

36.

Crônica

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CAPA - Futebol de várzea


Editorial Em meio a uma sociedade prioritariamente branca e um histórico de preconceito contra minorias, a Copa do Mundo chegou à Rússia. Com a grandiosidade do evento, a cobertura da mídia inevitavelmente se concentra nos embates travados dentro dos gramados russos. Diante deste cenário, torna-se importante a produção de um jornalismo que ressalte os diferentes papéis que o esporte cumpre na sociedade. Seja como forma de combate aos diferentes tipos de miscigenação, seja como prática que movimenta a economia, seja como parte de uma rotina mais saudável. Com essa missão lançamos Prorrogação, uma revista produzida por amantes do esporte para amantes do esporte, com o objetivo de expor as diversas camadas que a prática desportiva ocupa dentro da cultura brasileira e mundial. Os personagens, os eventos e as análises que passam despercebidos pela abordagem mais tradicional da imprensa. Nessa edição, mostramos como uma equipe de várzea se tornou elemento indispensável na vida dos moradores do bairro da Cidade Líder, na zona leste. Discutimos a importância da acessibilidade no automobilismo em um track day em Interlagos. Passamos pelo Derby Paulista e pelos problemas sociais causados pelas novas arenas, pela relevância da psicologia e de seus profissionais dentro do e-sport e a importância da educação física e da prática esportiva, tanto na infância quanto na terceira idade. Esperamos, assim, que o leitor identifique nessas páginas uma revista feita com a mesma paixão encontrada nas arquibancadas, quadras e pistas do País, consciente de que o esporte é, além de entretenimento, um estilo de vida.

Escalação Matheus De Lucca

Tem 21 anos e é apaixonado pelo futebol do Santos Futebol Clube

Fernando Watanabe

Tem 20 anos e é fã do Fernando Alonso, piloto da Mclaren de F1

Evelyn Mackus

Tem 19 anos e é torcedora do Team SoloMid, do League Of Legends

Caique Guimarães

Tem 20 anos e acompanha o Brooklyn Nets, da NBA

Vitor Muniz

Tem 22 anos e é um entusiasta de esportes com interação urbana

Equipe Prorrogação

Gustavo Tolezzani

Tem 20 anos e é fã dos San Francisco's 49ers, do futebol americano

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De olho nos profissionais do futuro

Educação física mobiliza jovens na busca de espaço no mercado de trabalho REPORTAGEM E FOTOGRAFIA: Vitor Muniz

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esde os primeiros vestígios do surgimento do esporte no antigo Egito, por volta de 1500 a.C., em que os faraós faziam exibições públicas para demonstrar suas habilidades na caça e os pugilistas em Creta lutavam até a morte, o esporte sempre foi usado como ferramenta para unir a sociedade. A partir daí, diversas formas de estudo sobre o esporte foram realizados para nortear a sociedade sobre a importância da Educação Física. Aqui no Brasil, a primeira escola preparatória de profissionais da área foi criada em 1910 pela Polícia Militar, chamada de Força Pública do Estado de São Paulo. Mas, já no Brasil Império, o ensino da “gymnastica” foi incluído no projeto de reforma do

ensino primário, pelo intelectual e estadista Rui Barbosa. Mas apenas em 1940 o curso foi oficializado com o surgimento da Escola Superior de Educação Physica do Estado de S. Paulo. Dias atuais De fato, o ensino da Educação Física se torna divertido para quem ensina e para quem aprende, já que grande parte da grade é prática e, muitas vezes, a disciplina não se restringe a ensinar às crianças o esquema de rodízio do vôlei, a quantidade de jogadores em um time de basquete ou a anatomia do corpo humano. A Educação Física contribui diretamente para a formação do caráter de um indivíduo, estando ligada ao desenvolvimento físico, social e emocional. Vai muito além do esporte.

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Um olho no peixe e outro no gato: Luiz Henrique pratica esporte com prazer, porém pensa no futuro Todas estas características de ensino são facilmente absorvidas pelas crianças, fazendo com que a vontade de, um dia, cursar Educação Física em uma universidade venha à tona logo nos primeiros anos da pré-adolescência. O aluno do último ano do ensino fundamental Luiz Henrique dos Santos, 13 anos, destacou para a equipe do Prorrogação sua vontade de cursar Educação Física na faculdade; o ensino da disciplina na escola o vem influenciando nessa escolha. “Eu já vinha pensando o que eu faria depois da escola, porque quanto mais cedo a gente pensar sobre isso, melhor. Decidi que vou estudar Educação Física. Gosto muito de esportes como futebol, vôlei e basquete e queria aprender mais sobre isso, para um dia poder ensinar as pessoas

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também”, apontou. A partir deste relato, fica notável como esta disciplina pode ser, aos olhos das nossas crianças, maravilhosa. O uso do esporte como ferramenta perpetua o interesse destes jovens pela Educação Física, e faz com que eles se sintam à vontade e confortáveis para tomarem uma decisão tão importante para o futuro – a escolha do curso na faculdade e de uma profissão. Depois de formados Na prática, será que os profissionais de Educação Física ainda têm o brilho nos olhos em relação ao ensino? Em entrevista, a educadora Shirley Gomes, 30 anos, destaca que os anos de experiência fez os obstáculos que, no começo de sua carreira, eram mais desafiadores se tornarem mais fáceis de serem driblados.

“Quando me formei, me deparei com um cenário muito diferente. Gostava de todo tipo de esporte, e isso foi crucial para a escolha do que faria. Mas a Educação Física não é superficial da forma que muita gente imagina; não é apenas dar uma bola paras as crianças e fim”, relata. “Nós, educadores da área, lidamos com o emocional da criança, ensinamos de forma prática a ser um bom perdedor ou um vencedor humilde, lições que elas levam para a vida”, destacou a professora, que atua na rede pública de ensino. Podem se passar 30, 50, 100 anos e o esporte ainda será um dos moldadores mais eficazes de nossa sociedade. A mistura entre diversão e aprendizado pode até não ser a mais inovadora, mas é funcional.


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Saúde e velhice em sintonia

Prática de exercícios garante o bem-estar e a qualidade de vida na população idosa REPORTAGEM E FOTOGRAFIA: Matheus De Lucca

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orres e Sá observou que “a velhice tem sido encarada como um mal necessário do qual não há como se escapar. Dessa forma o idoso também é encarado como um mal necessário, como alguém que já viveu sua parcela de anos, trabalhou, cuidou da família, restando agora esperar pelo fim da vida”. Com a evolução das pesquisas na área da saúde, hoje uma pessoa chega aos 60 anos com a probabilidade de viver mais e melhor do que há 20 anos. O envelhecimento é um processo gradual que provoca uma perda progressiva do organismo. Há redução de mobilidade, do equilíbrio e das capacidades fisiológicas

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(circulatórias e respiratórias). A velhice necessita ser compreendida em todos os aspectos – não somente os associados a doenças e mortes, mas também de maneira saudável e com maior perspectiva de vida. Para a Organização Mundial da Saúde (OMS), um dos componentes mais importantes para se ter uma boa saúde é o estilo de vida adotado pelas pessoas, o qual pode ser entendido pelas ações realizadas no dia-a-dia – incluindo a alimentação, a prática de atividades físicas e o uso de drogas lícitas e ilícitas. A prática de esporte pelos idosos possui benefícios que vão além da saúde, mas devem


ser realizados com cuidado para que seja adaptado aos seus limites físicos, geralmente realizados com menos intensidade e tempo. Os exercícios físicos – mesmo que moderados como uma simples caminhada diária – são determinantes para que um idoso mantenha sua saúde em dia e consiga realizar suas atividades sem precisar da ajuda de alguém. Essa afirmação foi divulgada pela Universidade da Flórida, nos Estados Unidos, junto com outros sete centros de pesquisa norte-americanos, que realizaram um estudo sobre os benefícios do exercício físico em idosos. Os pesquisadores observaram que os idosos

que praticaram caminhada tiveram um risco 18% menor de perder a mobilidade física em comparação com os participantes do outro grupo. Isso tudo somente praticando caminhadas de 400 metros por dia – distância muito baixa, mas com um grande benefício para a saúde. “O idoso saudável” São Caetano do Sul é uma cidade localizada no ABC Paulista. Além de ter o maior Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) de São Paulo e um dos maiores do País, possui uma grande população idosa: a taxa de envelhecimento entre 2000 e 2010 passou de 4,83% para 5,83% e 7,36%, respectivamente. Nossa equipe

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de reportagem foi em busca dos idosos que praticam exercícios na cidade de São Caetano. A cidade possui ampla infraestrutura para realizar esportes, com parques e pistas, além de quatro centros integrados de saúde e educação para a terceira idade, mantidos pela prefeitura do município, onde são feitas ações para promover o lazer, a saúde e a educação social, cultural e recreativa. Na avenida Kennedy, onde fica localizado o centro integrado de saúde e educação da terceira idade, há um amplo espaço onde são praticadas aulas de balé, artesanato, futebol, sinuca e outras modalidades. Além de incentivar as pessoas da terceira idade a praticar atividades físicas, os centros possuem locais de atendimento aos idosos, para sessões de

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fisioterapia e exames simples. Carlos Dos Santos Bartolomei, idoso de 70 anos, faixa preta em judô, tica caminhadas longas todos os dias. Sua aparência de um “jovem idoso” impressiona nossa equipe à primeira vista; aparentava ter no máximo seus 50 anos com um corpo saudável; seu rosto não traz aquelas velhas rugas que a idade nos deixa de lembrança. Pelo contrário, tinha um espírito novo, muita energia e uma mente equilibrada. O centro onde Carlos pratica o judô e a avenida em que prática longas caminhadas são locais fundamentais para entender o comportamento saudável. “A paixão pelo esporte começou aqui mesmo nessa rua”, brinca Carlos, com um sorriso no rosto. “Minha paixão por praticar esportes sempre veio desde muito cedo. Meu pai me

dizia que, para uma criança ser disciplinada, o esporte pode ser o melhor caminho. Hoje vejo que o esporte manteve meu corpo muito mais ativo e saudável.” Segundo Edilene Castro, médica cardiologista formada pela faculdade federal da Santa Casa no Rio de Janeiro, “todos podem praticar atividades físicas, independente de sua idade”. “É importante realizar um exame, para detectar problema cardíacos ou musculares. E, claro, sempre respeitando a limitação de sua idade e físico”, conta. Os esportes para os idosos precisam ser incentivados; todos envelheceram um dia e precisaram se adaptar aos seus limites físicos e psicológicos. Assim como Carlos, todos podem ter uma vida saudável, um passo de cada vez.


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Várzea e raiz

Longe da fama, negociações e contratos milionários, times como Botafogo da Líder são um exemplo de resistência a gourmetização do futebol

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ultas milionárias, patrocinadores, marcas esportivas, torcedores que só batem palmas, estádios modernos, ingressos caros. O futebol deixou de ser “raiz” e passou a ser “nutella” há muito tempo. A cada dia que passa, o futebol se separa do povo e se junta à elite. Para a nossa sorte, existem milhares de times de várzea no Brasil que hasteiam a bandeira que outros clubes já largaram. Esses times ainda possuem

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um contato fiel com o bairro onde estão localizados, com as pessoas que trabalham no clube – e principalmente com os seus torcedores. O Botafogo da Líder, que surgiu numa conversa no bar entre o senhor Irineu Rodrigues, atual presidente do conselho, e um amigo, está há 38 anos (ou 37, se contarmos pelo ano da inscrição do time na Federação – para Irineu, porém, são 38) localizado no bairro Cidade Líder, na zona leste de São Paulo.

Traz o futebol, o churrasco, a cervejinha e a resenha para o mesmo lugar. Durante a semana, o lugar tem atividades que envolvem os idosos. Eles tomam café da manhã e têm aulas de bordado e ginástica. E como funcionam as partidas?

A arbitragem

O trio de arbitragem da várzea é formado por apenas uma pessoa: ela é juiz e faz a função dos dois bandeiras. Possui um cartão amarelo e um vermelho, um apito e precisa ter olhos de


REPORTAGEM E FOTOGRAFIA: Gustavo Tolezzani

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Cerveja, hang-loose e cornetadas, mais raiz do que isso? lince para os impedimentos. No final do jogo, os times se reúnem e dão uma caixinha para quem apitou o jogo. O jogo A reportagem assistiu a um amistoso entre Botafogo da Líder x Veredas II (uma difusão do Veredas, do bairro homônimo), válido pela categoria do Cinquentão. O jogo começou às 10h, com sol forte e uma temperatura de 33 graus. No primeiro tempo da partida o Botafogo começou jogando mal, tanto é que saiu perdendo de 1x0. Depois do gol, começaram a tomar o controle e conseguiram virar para 2x1, mas, no final do primeiro tempo, o time da Cidade Líder sofreu um gol e foi para o intervalo empatando por 2x2. No decorrer da partida, os torcedores que compareceram acompanharam o jogo em volta do campo, colados na grade, perto dos jogadores. Eles estavam sentados em cadeiras, na grama, que existe em volta do campo e nas áreas onde

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se cobra o escanteio; a maior parte do campo é composta de areia. Com o andamento do jogo, a impaciência com o resultado começava a tomar conta de quem assistia. O Botafogo jogava melhor, mas não conseguia chegar ao terceiro gol. E da arquibancada

"Depois disso, o futebol se alastrou pelas periferias, foi ganhando adoradores e atletas"

vinham as cornetadas: “Tá cansado sai, porra”, “Toca bola logo, caralho”. O segundo tempo foi todo do Botafogo da Líder, que teve as melhores chances e a posse de bola; porém no final do jogo, no único ataque do Veredas II naquela etapa, eles marcaram o terceiro gol e venceram o jogo pelo placar de 3x2. História da várzea No ano de 1920 e nas várzeas do Rio Tietê, o futebol

foi cada vez mais conseguindo cativar o brasileiro – que acabou deixando de lado outros esportes como o críquete e a cavalgada. Depois disso, o futebol se alastrou pelas periferias, foi ganhando adoradores e atletas. A partir disso, partidas começaram a ser realizadas entre times de bairros diferentes, e isso fez com que a várzea ganhasse mais força. Com a profissionalização dos times e dos atletas, as empresas montavam times para jogar com outras empresas. Nesse período, o futebol de várzea sofria muitos altos e baixos; só em 1995, com a Copa Kaiser, houve um importante resgate dessa modalidade. Em 2008, foi fundada a Federação Paulista de Futebol Varzeano (FPFV), com a iniciativa de resgatar toda a tradição nesse campo. A federação conta com mais de 3 mil times cadastrados e tem 440 campos para a realização dos jogos.


e o

Você sabia? No início da década de 1970, a TV Record criou um torneio de futebol de várzea e deu a ele o nome de Desafio ao Galo. De acordo com as regras, o time que ganhasse o jogo poderia voltar na semana seguinte – e o desafiante era anunciado no intervalo da partida. Os jogos passavam às 10h no domingo e era feito ao vivo, o que era raro na época. Em 1996, o torneio de várzea parou de ser transmitido e deixou de existir. O Desafio ao Galo revelou nomes para o futebol profissional, como Cafú, Viola, Casagrande, Denilson e Juninho Paulista, além de dar visibilidade a nomes para o jornalismo esportivo brasileiro, incluindo Fausto Silva, Silvio Luiz e Tiago Leifert. Na década de 1990, a Federação Paulista de Futebol (FPF) desistiu de organizar a Copa da Cidade, campeonato de várzea

no município de São Paulo. Em 1993, a cervejaria Kaiser e a Gazeta Esportiva patrocinaram um torneio que não teve apoio da FPF. Apenas em 1995 a FPF reconheceu e apoiou o torneio, juntamente com a Secretaria Municipal de Esportes, e a competição recebeu o nome de Copa Kaiser. Em 1997, a Kaiser contava com 160 equipes e rebaixamento, para dar oportunidade aos outros times. Na edição de 1999, o campeonato foi patrocinado pela cervejaria Antarctica, mas, no ano seguinte, a Kaiser voltou a patrociná-lo. De 2014 a 2016, o torneio não aconteceu e só voltou a ser disputado em 2017. Durante esses anos, alguns jogadores foram revelados e tiveram a chance de disputar profissionalmente e até vestir a camisa da seleção brasileira. Entre os nomes estão Serginho Chulapa, Denner, Zé Roberto, Leandro Damião, Elias e Ricardo Oliveira.

Ou vai, ou racha - jogos são muito disputados e não existe bola perdida

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OS PALÁCIOS DO DERBY


Rivais históricos, Palmeiras e Corinthians se aproximam no processo de elitização do público após a construção de suas novas arenas

REPORTAGEM E FOTOGRAFIA: Caíque Guimarães


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m 6 de maio de 1917, no antigo estádio do Parque Antártica, Palmeiras e Corinthians se enfrentaram pela primeira vez na história. A equipe alviverde (na época ainda com o nome de Palestra Itália) venceu o embate por 3x0, com três gols de Caetano. Nascia assim, o Derby Paulista, a maior rivalidade futebolística do estado de São Paulo. Desde então, Palmeiras e Corinthians se tornaram polos opostos em quase tudo, seja na linha vermelha do metrô paulistano ou nos estádios que já receberam o clássico. Após a realização da Copa do Mundo de 2014, um fenômeno pode ser presenciado em todo o futebol brasileiro,

Rivalidade entre os clubes é tanta que os vidros do teto foram substituídos no Itaquerão pois ficavam verdes sob o sol

Estacionamento da arena conta com grafites que resgatam a história do clube

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como a privatização do estádio do Maracanã no Rio de Janeiro. Mas em nenhuma outra cidade isso fica tão claro como em São Paulo. A partir da construção de suas novas e modernas arenas, os dois clubes parecem ter encontrado um ponto em comum: a elitização de suas arquibancadas.

A mansão de mármore em Itaquera A Arena Corinthians foi a realização do sonho da casa própria pela torcida corintiana. Anunciada e construída para ser a sede de São Paulo na Copa do Mundo de 2014, a arena erguida no bairro de Itaquera, onde 58% dos moradores fazem parte da classe C, teve custo final de R$ 985 milhões. Com faixada imponente, em mármore branco, o estádio doma todo o espaço em sua volta. Não se pode negar a efetividade esportiva que o estádio parece ter: desde sua inauguração, o Corinthians faturou dois campeonatos paulistas e dois campeonatos brasileiros. No entanto, em outros aspectos, os resultados não são tão positivos. “Pra tirar lá de dentro, tem que pagar o tour”, alertou o segurança ao me ver tirando fotos nos arredores do estádio. “Pra estudante, é 20 reais”, completou. Me contentei em tirar fotos do exterior do estádio, mas, por 20 reais, a opção do tour, realizado em dias sem jogo, não é tão ruim para quem quer conhecer o espaço; afinal, os preços para as partidas são bem mais salgados. A implantação do programa “Fiel Torcedor” segrega a torcida de acordo com o valor pago no plano anual e privilegia na compra dos ingressos os corintianos que pagam o plano mais caro (os valores anuais vão de R$ 108 a R$ 720). Na compra de ingressos para a final do Campeonato Paulista, a fiel torcida encontrou o preço dos ingressos por, em média, R$ 73. As grades econômicas separam o estádio do restante do bairro que o sedia, tanto quanto as grades físicas. As justificativas do Corinthians no encarecimento de suas arquibancadas começam na construção. Os juros elevaram a conta para R$ 1,2 bilhão, extrapolando os cofres do clube, que depende das rendas dos jogos para tentar quitar a dívida bilionária com a Caixa Econômica Federal. Para isso, muda-se o público majoritariamente paras as classes A e B. O sonho corintiano se tornou pesadelo, principalmente pelo afastamento do “Time do Povo” de sua massa.


O Castelo de Prata da Turiaçu O Palmeiras não encontrou os mesmos problemas econômicos na construção de seu estádio. Construída pela empresa WTorre na Barra Funda, mesmo local do antigo Parque Antártica (aquele do primeiro Derby em 1917) com o preço de R$ 645 milhões, a nova arena já nasceu com o seu batismo comprado: Allianz Parque. É também multiuso, já tendo recebido shows de Justin Bieber, Elton John e Paul McCartney, por exemplo. Menos imponente que o mármore corintiano, a arena palmeirense é um gigante espremido em um bairro que não parece ter mais espaço para isso. Mas sua coloração verde e prateada a destaca em meio aos prédios e ao shopping com o qual divide o quarteirão. Do lado de dentro, no entanto, as semelhanças aparecem. O Palmeiras possui a média de ingresso mais cara entre todas as equipes da primeira divisão do campeonato brasileiro. O “Sócio Avanti”, possui planos entre R$ 14,99 e R$ 649,99 por mês, também com a prioridade de ingressos proporcional ao preço pago mensalmente.

"A transformação do futebol em produto pode ser um caminho sem volta que ataca a essência daquilo que o tornou o esporte mais amado do mundo" Tanto do ponto de vista economico como do esportivo, o Allianz Parque pode ser considerado um sucesso. O Palmeiras arrecadou em média R$ 2,3 milhões por jogo e já foi campeão brasileiro e da Copa do Brasil desde a inauguração da arena. Deu sorte. Mas, então, qual é o grande problema da elitização do futebol paulistano? A transformação do futebol em produto pode ser um caminho sem volta que ataca a essência daquilo que o tornou o “esporte mais amado do mundo”, rejeitando aqueles que criaram suas tradições ao longo do tempo, para comercializar um ambiente que tenta, com pouco sucesso, simular essas mesmas tradições.

Para Luiz Henrique de Toledo, professor de antropologia da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) e autor do livro "Torcidas Organizadas de Futebol" (Editora Autores Associados, 2006), na atual estratégia dos clubes “importa menos usufruir do imaginário do torcedor, da paixão contrastiva e seus efeitos estéticos multiplicadores nos estádios que aprimorar, fora deles, os mecanismos tangíveis de extração absoluta de uma espécie de 'mais valia afetiva' convertida em souvenires, pay-per-view, comodidades e hábitos de classe ainda inacessíveis ao torcedor popular”. Perde-se o povo e se perde uma expressão cultural crucial na formação de São Paulo.

O Allianz Parque é considerado uma das arenas multiúsos mais modernas do mundo (Foto: divulgação)

Antiga entrada é o único resquício do Palestra Itália

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Muito mais que um dia de pista

Conferimos um evento de track day no Autódromo de Interlagos e descobrimos que lá, o tempo de volta é o menos importante

23 REPORTAGEM E FOTOGRAFIA: Fernando Watanabe


Havia dois tipos de carros: os de pista que frequentavam a rua e os de rua que dĂŁo as caras nas pistas

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despertador toca. Acordo um pouco cansado, por conta da noite mal dormida. Mas em poucos segundos já estou de pé, animado, pois sei que o que me impediu de dormir a semana inteira está chegando. Eu tomo o café da manhã rápido, com pressa. Parece um dia comum de trabalho. Até agora, tudo que realizo faz parte de minha rotina, tirando o sorriso fixo no rosto e o frio na barriga que estou sentindo. Desço na garagem e avisto de longe o meu bem mais precioso. Como num ritual, abro a porta, sento e me acomodo nos bancos. É hora de dar a partida. Um ronco grave e rouco toma conta do ambiente: it’s alive!!! Assim como seu dono, o carro está “acordado”, mas precisa de um pouco de tempo até estar 100% para sua missão. Além de um café da manhã com muita gasolina de alta octanagem, seus calçados também terão de ser ajustados. Uma parada no

posto de gasolina para calibrar acessíveis do que os R$ 1.000 os pneus e uma última checada cobrados há pouco tempo atrás. no nível de fluidos. Agora está tudo certo. O carro está pronto *** para um dia de track day. O caminho até Interlagos é *** longo e o Waze acusa tráfego intenso na Marginal Pinheiros. O Muito populares nos Estados trânsito, que num dia qualquer Unidos e na Europa, os track irritaria, é irrelevante. No carro, days (“dia de pista”, na escuto minha música favorita tradução literal) são eventos e, por um momento, esqueço em autódromos em que um que estou a poucas horas de motorista comum pode dirigir vivenciar uma experiência seu próprio carro no circuito, única, mas o ronco grosso do mediante o pagamento de uma motor ao fundo não me deixa taxa. Diversos autódromos no esquecer de que ele está ali, Brasil estão disponibilizando pronto para meus comandos. seus espaços para a prática, Chegando ao Autódromo, como o Autódromo de Interlagos. em função da adrenalina em Esse tipo de evento sempre meu sangue, meus sentidos ocorreu no Brasil, porém de estão mais aguçados, e, forma muito restrita: sempre assim, consigo perceber cada foram caros, sendo praticados cheiro, imagem e som. Todo em grande maioria por donos tipo de carro está presente. de supercarros. Mas, de cinco De superesportivos a sedãs de anos para cá, a prática vem luxo, e cada um deles apresenta se popularizando. É cada vez um som único. O cheiro de mais comum encontrar eventos gasolina misturado com a partir de R$ 200, bem mais borracha queimada também se

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Volkswagen Up TSI País: Brasil Motor: Dianteiro, transversal, 3 cilindros, 12V, comando duplo variável, injeção direta, flex Cilindrada: 999cm³ (1.0) Potência: 104 cv a 5.000 rpm Torque: 16,8 kgfm a 1.500 rpm Câmbio: Manual de cinco marchas, tração dianteira Independente McPherson na dianteira e eixo de torção na traseira 0-100 km/h: 9.5s Consumo: Urbano: 11,3 km/l Rodoviário: 14,7 km/l

Porsche 911 GT3 RS (991.1) País: Alemanha Motor: Traseiro, Boxer, seis cilindros em linha, 24V, comando duplo, injeção direta Cilindrada: 3.996 cm³ (4.0) Potência: 500 cv a 8.250 rpm Torque: 48,9 kgfm a 6.250 rpm Transmissão: Automática de sete marchas e dupla embreagem, tração traseira Suspensão: Independente McPherson na dianteira e multibraços na traseira 0-100km/h: 3.3s Consumo: 7,8km/l faz presente. Ao descer do carro nos boxes, meus olhos veem tantas cores e formas que é difícil se concentrar. Agora, mais um sentido se torna presente, o tato. Passo as mãos sobre a carroceria de uma Mercedes A45 AMG, como se estivesse cumprimentando-a. Se tudo acabasse ali, já estaria mais do que satisfeito.

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*** Fui conferir um track day que ocorreu em Interlagos no dia 8 de abril, organizado pela empresa Crazy for Auto, e pude observar de tudo: desde um Volkswagen Up TSI até um Porsche 911 GT3 RS, ambos vermelhos, uma das poucas semelhanças. Os dois saíram em baterias diferentes, não nos dando a chance de ver

um “pega” entre eles, apesar de ser clara a vantagem do Volkswagen sobre o Porsche. Brincadeiras à parte, esta diversidade também se refletia nos boxes do autódromo, onde havia a presença tanto de pilotos casuais, com seus próprios veículos, como a de pilotos profissionais, com mecânicos, diversos jogos de pneus e equipamentos para


Último check-up. Está na hora de acelerar. E frear nos 50 também

ajustar precisamente o carro. Um dos principais receios dos motoristas quanto ao track day é o ambiente. É tudo muito novo, como se fosse seu primeiro dia de aula na escola ou no trabalho. Por isso, muitos acabam desistindo. É normal e compreensível, mas no fim você vai notar que o clima de um track day é muito amistoso. Não é um ambiente competitivo, muito pelo contrário. Amigos são feitos porque todos ali têm pelo menos uma paixão em comum: carros. E além do mais, todo mundo que está lá já teve sua primeira vez, assim como tudo na vida. Uma dica é: chegue com antecedência no autódromo, para já ir se ambientando. Converse com alguém mais experiente e que te dê dicas sobre o circuito. Foi assim com Matheus Aly, dono de um Audi RS6 Avant preparado. Ele contou que era o seu segundo track day, e que

já fez muitos amigos. “Participo de grupos no Facebook, além de encontros com outros caras”. Matheus conta que já presenciou de tudo em track days e outros eventos do tipo. “Em um evento de arrancadas, um Lamborghini Aventador perdeu o controle e pegou fogo. O cara teve um belo de um prejuízo.” E, de fato, consultadas, tanto as montadoras como as seguradoras afirmaram que não cobrem acidentes dentro do autódromo, tanto na garantia como no seguro. O jeito é tomar muito cuidado. Para isso que serve o briefing antes das voltas. Nele, todas as instruções de como se comportar no autódromo são passadas. Como ultrapassar em segurança (lembre-se de que não é uma corrida; cada um tem seu ritmo), velocidade nos boxes, acidentes etc. Alguns eventos chegam até a não permitir a entrada de pilotos na pista se não tiverem comparecido ao briefing. Portanto, vale a pena se informar e chegar com antecedência. *** Chega a hora de entrar na pista. Minhas mãos suam. Sinto meu coração bater mais forte. Eu e outros motoristas fazemos fila para a saída dos boxes. Os funcionários permitem a entrada. Acelero e vou me mantendo a direita, me adaptando a situação nova. Um a um os outros vão me ultrapassando. Mantenho o ritmo lento também para esquentar meu carro. Assim como nós, que não acordamos

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e vamos direto fazer uma maratona, o carro precisa esquentar, se “alongar”. A reta principal se aproxima e eu já subo o giro do motor. O carro chega fácil aos 200 km/h e me leva rapidamente a curva 1. Era uma excelente hora para os freios estarem funcionando. Ainda um pouco frios, eles chiam ao tirar o pé e retomar ao acelerador. Tudo certo, o S do Senna, uma das curvas mais famosas do mundo, foi contornada por mim. Com o tempo, o medo vai embora, e em troca vem a confiança. Meus movimentos vão se tornando mais progressivos, começo a frear mais tarde, e o carro vai me recompensando. Fazer uma volta inteira sem nenhum erro é muito compensador. *** Você deve prestar atenção na forma de como se comportar na pista não apenas por sua integridade física, mas também pelo seu bolso. Além de as seguradoras não cobrirem acidentes dentro de autódromos, todo o custo de reparo da pista fica por conta do condutor, como afirma Marcos Graber, organizador de eventos como esse. O custo

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não é barato: um simples muro de proteção pode sair mais de R$3000,00. Segundo Graber, no entanto, o risco ainda vale a pena. Segundo ele, se todos souberem se comportar na pista, os acidentes serão muito difíceis de ocorrer. Além do mais, é muito mais seguro correr num autódromo, dentro de um ambiente controlado, do que nas ruas, aonde, além da insegurança, pode haver acidentes com vítimas que não tinham nada a ver com sua vontade de acelerar. Esse pode ser colocado com um dos papéis dos track days: além de divertir, eles também propiciam um ambiente seguro, conscientizando de que lugar de correr é no autódromo. Matheus não acredita nisso. Segundo ele, “os eventos são para você ter uma experiência de piloto de corrida, mas os reflexos e noções que um piloto deve ter numa pista são diferentes do que um motorista precisa no trânsito”. Ele ainda afirma que o número de acidentes cairia se fossem eventos específicos para isso, como aulas de direção Ainda no autódromo, defensiva e campanhas de conversei com outras pessoas, conscientização. e todas elas afirmaram a mesma coisa: eventos como *** este deviam acontecer com mais frequência. Podemos então notar que, mais do que uma diversão, para alguns, é uma terapia. Dirigir, encontrar os seus limites e os limites do seu carro, fazer amigos. Você não consegue isso em muitos outros lugares. Após um dia inteiro de velocidade, é hora de ir para casa. Outrora ansioso, agora


me sinto satisfeito. Eu pude curtir meu carro na pista e meus amigos nos boxes. Sim, amigos. Porque é impossível sair de lá sem fazer alguns. Numa simples troca de informação com alguém que possui o mesmo carro, se perdem horas discutindo sobre outras mil coisas. Deixo o autódromo com o mesmo sorriso com que entrei, mas com um sentimento a mais. De que o dia inteiro foi meu... E, é claro, do meu carro.

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As mentes por trás da vitória

Psicólogos se aliam a técnicos em competições de esporte eletrônico para reduzir impactos nos jogadores REPORTAGEM E FOTOGRAFIA: Evelyn Mackus A tensão da perspectiva do rebaixamento não afetava o time da INTZ e-Sports no último sábado do Campeonato Brasileiro de League Of Legends (CBLoL), que teve sua primeira etapa de 2018 finalizada em abril. A equipe tricampeã brasileira teve o pior desempenho da sua história nos três meses anteriores àquele dia, terminando a fase de pontos em 6º lugar (de oito). A importância das duas partidas que seriam disputadas a seguir pelo INTZ havia sido declarada, mas a tensão não era vista nas feições dos jogadores – transmitidas ao vivo pelo Youtube, Twitch (site especializado em transmissão de games) e pela SporTV. Se vacilassem nas disputas do último sábado da competição, correriam o risco de perder sua vaga na elite do LoL brasileiro para o Flamengo eSports, que vinha com força da segunda divisão. Essa movimentação pertence a um campo específico da prática esportiva: os e-sports, que levam os games ao pódio das modalidades tradicionais, têm campeonatos próprios e emulam os mesmos princípios do esporte “analógico” – torcidas, competitividade, burocracias,

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negociações caríssimas, especulação e, é claro, pressão psicológica, por conta da necessidade de ter melhores resultados. Esse meio, quase um universo à parte na perspectiva de leigos, é o objeto de estudo e trabalho do psicólogo Claudio Godoi desde 2016, quando foi contratado pela INTZ para fazer parte da comissão técnica da equipe de League of Legends. Por uma falha na inscrição dos jogadores, o time iniciou o campeonato com seis pontos negativos na tabela — que foram recuperados de maneira invicta, gravando o brasão intrépido na história do CBLoL quando a taça de campeões brasileiros foi levantada. Na época, pouco se falava sobre psicologia entre as organizações de e-sport. Considerado hoje um dos melhores do Brasil, Claudio fala sobre “dar a cara a tapa” quando o assunto é trabalhar na área — “eu criei um plano de melhora e otimização de resultados com base na psicologia do esporte e contatei todas as organizações do CBLoL”, conta. Com a iniciativa do profissional, a INTZ o contratou e ele foi parte essencial nos três

campeonatos brasileiros em que seu time levantou a taça. De 2016 para cá, a formação lendária que trabalhou com Claudio em 2016, o conjunto batizado pelos fãs de Exodia (em referência a Yu-Gi-Oh!), composto por Yang, Revolta, Tockers, MicaO e Jockster, se separou e, em 2018, deixou por completo a camisa da INTZ. O psicólogo, no entanto, ficou — e acompanhou a equipe na saúde e na doença, especialmente no momento insalubre onde comecei essa narrativa. No dia da série de promoção, os jogadores subiram ao palco e Claudio veio à sala de imprensa, onde me cumprimentou. Recebi seu “olá” com uma pergunta frequente, mas errônea: “eles estão tranquilos?”. Ele me repreendeu. “Não faz tanta diferença assim se eles demonstram tranquilidade, sabia? A psicologia do esporte não serve para tranquilizá-los. Eles estarem tranquilos não garante que o melhor desempenho será mostrado no palco”, explicou. “Minha função tem muito mais a ver com canalizar as emoções deles para que eles transformem tensão, an


Claudio Godoi é psicólogo e trabalha com a equipe da INTZ desde 2016. Em 2018, assumiu a comissão técnica da equipe de Rainbow Six da Team Liquid, campeã mundial em maio do mesmo ano.

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siedade, raiva ou mesmo tranquilidade em motivação, para que consigam dar o melhor de si”, esclareceu, no tom didático usual que auxilia para que suas palavras sejam levadas a sério, mas que ao mesmo tempo garante conforto a quem ouve.

ROTINA Em outra ocasião, sem a agonia inaparente de uma possibilidade de rebaixamento, Claudio me explicou detalhes sobre sua atuação com a INTZ, que acontece de quatro a cinco vezes por semana na iminência dos campeonatos. Segundo ele, no início do acompanhamento, é feito um levantamento de perfil dos jogadores em cada mudança no time, além de uma análise de como essa equipe se estrutura. “É preciso trabalhar

até como essas pessoas se relacionam, a convivência e aspectos individuais, como controle de ansiedade, estabelecer ativ-

“Minha função tem muito mais a ver com canalizar as emoções deles para que eles transformem tensão, ansiedade, raiva ou mesmo tranquilidade em motivação”

Quando começa, há um rastreamento e depois intervenções. “A pressão e a cobrança fazem com o que o jogador jogue mais por impulso e menos racionalmente, por conta da ansiedade –   tende a cometer mais erros. Quanto mais controle tem nisso, mais controle das suas ações e das do adversário. Não é só sobre lidar com a cobrança e a pressão”, explicou.

Questionei se ele chega a conviver com os jogadores, pois a relação de confiança é visívidades de melhora de foco, en- el quando a equipe passa em tre outras coisas.”, esclareceu. conjunto com o psicólogo. “Eu participo de muita coisa, mas Ele me contou que o acompan- não moro lá: é importante ter hamento psicológico acontece esse distanciamento, até para em qualquer situação pessoal conseguir ter uma visão mais ou profissional que influencie ampla frente a situações que negativamente no desempenho. estão ocorrendo. Se você está

Claudio ao lado de sua equipe, INTZ E-Sports, prestes a levantar a taça de campeões brasileiros de League of Legends em 2016 (Foto: Divulgação/Riot Games Brasil)

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100% no ambiente, é capaz de às vezes perder alguma coisa por estar junto no turbilhão”, acredita. “Nesse tempo, é criada uma relação, porque é importante você ter uma relação de confiança com esses atletas. Depende muito de jogador para jogador: tem uns que recorrem mais e outros que vêm menos a mim. Por isso, é importante que eu esteja atento, porque mesmo se algum não demonstrar necessidade, eu intervenho.”

IMPACTO Dias após a série dramática disputada pela INTZ, fui a uma palestra na Pontifícia Universidade Católica, em São Paulo, onde Claudio foi um dos convidados a falar sobre psicologia do esporte eletrônico, ao lado de Natália Zakalski e José Anibal Marques, profissionais do CNB e-Sports Club e da Pain Gaming. Do outro lado da mesa, o jogador Gabriel “Turtle” Peixoto, ex-jogador da INTZ e atual CNB, dava seu ponto de vista, ao lado do atual companheiro de time Yan “Yampi” Petermann e do jogador aposentado Rodrigo “Digolera” Haddad. Gabriel “Turtle” passou um ano no clube de Claudio. Nesse período, chegou ao topo da tabela nos dois campeonatos brasileiros disputados, caindo apenas nas semifinais. O jogador contou que, antes da ação do psicólogo, o medo de subir ao palco e a ansiedade o atrapalhavam, e ele se sabotava no momento mais decisivo: o de colocar seus treinos e sua dedicação em ação e conquistar a vitória. “Parecia que eu tinha medo de jogar. Conversando

Claudio Godoi foi convidado para palestrar sobre psicologia do e-sport na Pontifícia Universidade Católica, onde se formou com o Claudio, ele esclareceu que a Nat, como eles chamam meus medos, me fez entend- a psicóloga na equipe, auxiliou er por que eu sentia aquilo e, para que cada um dos membros com isso, me passou confi- se entendesse e, assim, todos ança. Entender o que eu estava os problemas da equipe fossem sentindo impactou nos meus solucionados individualmente resultados e me fez conseguir para depois serem resolvidos em dar o meu melhor”, relatou. grupo e pelo grupo. “Foi tudo sobre esclarecimento. Ela me auxAtualmente, o jogador é acom- ilia como jogador, mas principalpanhado pela profissional mente como pessoa”, atestou. Natália Zakalski, que atua no CNB eSports Club — e é quase Yan “Yampi”, seu companheiro uma pupila de Claudio, que a de posição, teve contato com outaconselhou no início de sua car- ros psicólogos antes de Natália, reira, antes que ela ingressasse como Rafael Pereira, que atuava em um dos maiores times bra- em sua posição anteriormente. sileiros no e-sport. Turtle relata De acordo com ele, a psicologia

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Natália Nakalski é psicóloga do CNB e-Sports desde 2018 e, assim como Claudio, se formou na PUC do e-sport teve ainda mais impacto nele, que, por ter chegado à equipe muito novo, tinha ainda mais medo de fazer seu trabalho do que seu amigo e veterano. A ação de Rafael alinhou seus pensamentos e cuidou de suas inseguranças, masterizando suas atuações quando se fez necessário.

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Já o trabalho de Natália, mais recente, apareceu em momento oportuno — o CNB passou por um início de temporada sofrido no começo do ano. Foram duas séries perdidas e uma tensão inimaginável no centro de treinamentos, que fez com que o time se tornasse desunido, conse-

quência fatal para um esporte em que o trabalho em equipe é primordial. “O Rakin [Rafael Knittel, jogador do meio da equipe], principalmente, estava sofrendo muito, tanto que teve que ir pra casa nessa época. Pra consertar esse turbilhão, a Nat puxou a gente e fez com que um


acabam refletindo em várias esferas e nem sempre as coisas “Tinha alguns comentários que são bem resolvidas sozinhas. a gente fazia nos treinos ou en- A convivência é sempre uma tre a gente que, para nós, eram faca de dois gumes, e a gente inofensivos, mas acabava pe- convive o dia inteiro. A psicogando um pouco na confiança logia alinha isso”, esclarece. de alguém. Por exemplo: uma vez o Turtle jogou com o Lee APLICAÇÃO Sin [campeão controlado pelo jogador no LoL], e não jogou Na última edição do Campeonato tão bem, então isso acabou se Brasileiro de League of Legends, tornando uma piada. ‘Mais cego o CNB e o INTZ tiveram desemque o Lee Sin do Turtle’, a gente penhos aquém do esperado pela falava, e isso acabou deixan- torcida e, principalmente, de seus do ele mais inseguro pra jogar jogadores, que se esforçam dia com esse campeão, por exem- após dia pelos resultados, e de plo. A Nat foi consertando ess- seus psicólogos, Natália e Claudio. es problemas”, disse o jogador. No segundo final de semana de junho, vi estampados em seus rosTurtle completou, rindo da sit- tos os sorrisos de quem começou uação relatada por seu colega. a trilhar mais uma jornada com “Quando a gente convive com potencial para ser vitoriosa. As pessoas, os comportamentos duas equipes bem-acompanhaajudasse o outro”, conta Yampi.

das iniciaram suas trajetórias na segunda etapa de 2018 com vitórias que honram seu esforço — 3 pontos garantidos com um desempenho bonito de ser assistido. É impossível prever quão longe as equipes de Natália e Claudio irão nessa temporada. Quando os questiono, a intenção é clara e não parece haver dúvida: “vencer”. Ser campeão brasileiro e representar o país no Mundial de League of Legends. Os psicólogos provam, com tanta sede de vitória quanto seus jogadores, que canalizar os sentimentos e alinhar os pensamentos de seus profissionais é vital para que o topo seja alcançado. E o que nos resta é acompanhar o show que suas equipes pretendem dar na temporada atual, sempre com a cabeça limpa e os pensamentos centrados.

Yampi e Turtle, jogadores da equipe de Natália, não poupam elogios à profissional e destacam sua importância para um bom desempenho no palco do CBLoL

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Crônica O maior espetáculo futebolístico da Terra Por Caíque Guimarães

Existe um método fácil de separar são jorradas nas quadras dos coaqueles que já jogaram futebol da- légios do Brasil em busca da glória queles que nunca tocaram numa estudantil. Rivalidades são criadas bola que não fosse a do FIFA. Bas- e alimentadas durante anos letivos ta, na verdade, uma só pergunta: inteiros e se resolvem em embates “Qual o campeonato mais impor- em que, muitas vezes, a bola é um tante da Terra?”.

mero detalhe.

“A Copa do Mundo!”, responderá Os prêmios são muitos: a medalha aquele mais desavisado, trajando de Honra ao Mérito, a menos ima camiseta amarela que usava de portante delas; as zoadas no interquatro em quatro anos, mas que re- valo aos perdedores durante todo centemente vem usando com mais o ano seguinte tem grande valor, frequência para eventuais passeios ainda mais se envolverem alguma na Avenida Paulista. “A Champions aposta feita antes do começo do League”, responderá alguém mais campeonato; o respeito dos seus jovem, fardado com o uniforme do colegas de classe (pelo menos até “seu Paris Saint-Germain”. Talvez o próximo campeonato ou até a um mais ousado, dono do perfil próxima coisa idiota que você dis“Huddersfield Town Brasil” no Twit- ser em aula). ter, murmure sobre a competitivida- A atenção (e tomara que algo mais) de da Premier League.

da Natália do 2ºC...

Todos errados.

E mais importante, as memórias

Para quem já jogou futebol, de cor- (talvez essa você não perceba na po e de alma, sabe que não existe hora). torneio maior do que o Interclasses. E que a bola nunca pare de rolar no Sangue, suor e lágrimas jamais Interclasses, o maior espetáculo fuderrubadas em qualquer mundial tebolístico da Terra!

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