Revista Diversifica Aí

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DA

DIVERSIFICA AÍ! MÚSICA

O MOVIMENTO DA QUEBRADA

CULTURA

ARTE SEM FRONTEIRAS

O PROJETO VISTO PERMANTE BUSCA ENCURTAR O ESPAÇO

O PROFESSOR DE “HIP HOP”, LUKAS RIOS CONTA COMO A DANÇA DE RUA SALVOU A SUA VIDA

ENTRE ARTE E IMIGRAÇÃO NO BRASIL

LGBTQI+

DIVERSIDADE SEXUAL EM SALA DE AULA

PROFESSOR UNIVERSITÁRIO, MAX MILIANO MELO FALA

SOBRE SUA EXPERIÊNCIA E

DISCRIMINAÇÃO NO MEIO EDUCACIONAL

AMOR COMO ATO POLÍTICO

“AMAR”, verbo presente na ida de todo mundo: uma palavra pequenininha, mas que carrega em si uma imensidão de significados EDIÇÃO # 1 - ANO I - JUNHO 2018



EDITORIAL

Reitor Prof. Paolo Tommasini

Gerente das áreas de Artes, Comunicação, Design e Educação Prof. Renato Tavares Coordenador do curso de Jornalismo Prof. Nivaldo Ferraz

Coordenadores Adjuntos do curso de Jornalismo Prof. João Elias Nery Profa. Maria Cristina Rosa de Almeida Produção de Revista Profa. Nara Lya Cabral Scabin

Fotojornalismo e Planejamento Visual II Prof. Elcio Sartori Redação e diagramação Beatriz Fermino Maciel George Augusto Garcia Behaker Isabela Carlos Monteiro Isabela Maximiano de Oliveira Natália Bambini Santos Agradecimentos Coletivo Visto Permanente Lukas Rios Prof. Max Miliano Mello Slam Casa das Rosas

papo

CABEÇA O

lhando para o mundo em que vivemos, a ideia de padronização é, no mínimo, provinciana. Somos quase sete bilhões de pessoas comunicando-se por meio de 6.703 línguas diferentes*. Estamos rodeados por um mosaico de culturas e linhas de pensamento. Não dá para negar: somos diversos.

Esta diversidade está ligada aos conceitos de pluralidade e multiplicidade. Ela também remete ao princípio de tolerância mútua e ao cruzamento de diferentes linhas de pensamento. Por muito tempo, muitos povos reprimiram aspectos de sua identidade em razão da repulsa eurocêntrica e da ilusão de que existiriam “culturas ilegítimas” – esquecendo de que a legitimidade é construída aos olhos de grupos dominantes. Entretanto, ao longo das últimas décadas, foram atribuídos novos significados à noção de “autoidentificação”. A luta pela liberdade de construção da identidade – seja ela cultural, sexual, de gênero – assume protagonismo. Cabe aos meios jornalísticos; no cumprimento de seu papel social, lançar luz sobre essas demandas na esfera pública, apresentando argumentos diversos, promovendo conscientização e contribuindo com o adensamento da cidadania.

Nessa perspectiva, a primeira edição de Diversifica Aí! busca ressignificar as diferenças e colocar em destaque

a necessidade de incorporação da pluralidade cultural pelos sistemas democráticos, desmascarando a suposta uniformidade cultural estimulada pela onda de conservadorismo que insiste em retornar ao Brasil. Não nos resignamos a esse discurso retrógrado e convidamos o leitor a fazer parte deste espaço de discussão, em que as peculiaridades são celebradas.

*Os povos do mundo usam, segundo dados de 1995 do Summer Institute of Linguistics da Universidade do Texas, EUA, 6.703 línguas para se comunicar.

Isabela Maximiano é estudante do 5º semestre do curso de Comunicação Social - Jornalismo, na Universidade Anhembi Morumbi

DIVERSIFICA AÍ! 5º SEMESTRE 2018

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SUMÁRIO

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06 AMOR COMO ATO POLÍTICO

“Amar”, verbo presente na vida de todo mundo: uma palavra pequenininha, mas que carrega em si uma imensidão de significados.

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A INFLUÊNCIA DA MÍDIA NA Isabela Maximiano traz artigo sob cepção social sobre terrorismo

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24 ONE DAY AT A TIME, A SÉRIE

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26 K-POP, O GÊNERO MUSICAL Q

DIVERSIDADE SEXUAL EM SALA DE AULA Professor universitário, Max Miliano Melo fala sobre sua experiência e discriminação no meio educacional AS VÁRIAS MÁSCARAS DO CARNAVAL Natália Bambini traz uma crítica sobre os homens no carnaval

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SLAM DAS MINAS TEM EDIÇÃO ESPECIAL Batalha de poesias aconteceu na Casa das Rosas e é tema do ensário fotográfico

19 ARTE SEM FRONTEIRAS 04

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O projeto Visto Permanente busca encurtar o espaço entre arte e imigração no Brasil DIVERSIFICA AÍ! 5º SEMESTRE 2018

A sitcom é indispensável para que dida certa Fãs brasileiras mostram cada vez coreanos

29 O MOVIMENTO DA QUEBRAD Lukas Rios conta como a dança de

32 NOTAS

Fique por dentro do que está rolan dade


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A PERCEPÇÃO DO TERRORISMO bre a construção midiática da per

E QUE RETRATA A DIVERSIDADE em gosta e pede por humor na me-

QUE ENCANTA MULTIDÕES mais amor pelos grupos e ídolos

DA rua salvou a sua vida

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29 SEÇÕES 03 EDITORIAL 06 LGBTQI+ 14 ENSAIO FOTOGRÁFICO 19 CULTURANDO 23 VAMOS A CRÍTICA! 25 TOCA AÍ! 31 O QUE ESTÁ ROLANDO!

ndo na agenda cultural da diversiDIVERSIFICA AÍ! 5º SEMESTRE 2018

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Amor como ato POLÍTICO “Amar”, verbo presente na vida de todo mundo: uma palavra pequenininha, mas que carrega em si uma imensidão de significados. ■ REPORTAGEM ISABELA MONTEIRO

E

xiste nas mais variadas línguas, pode atravessar fronteiras, não obedece a nenhuma lei ou norma social. “O Amor é dado de graça, é semeado no vento, na cachoeira, no eclipse. Amor foge a dicionários e a regulamentos vários”, já dizia Carlos Drummond de Andrade.

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Dentro dessa pluralidade, movimentos sociais vêm lutando para serem ouvidos, enxergados e terem reconhecido seu direito de amar. É aí que o amor se torna mais do que o fato DIVERSIFICA AÍ! 5º SEMESTRE 2018

de gostar muito de alguém: ele vira um ato político.

Dentro desses grupos que precisam de respaldo e luta para provar que seu amor existe e é legítimo se encontram sub categorias que passam por opressões ainda mais fortes e que continuam vivendo dentro de uma bolha da invisibilidade. Entre eles está o grupo de mulheres que amam outras mulheres, em uma sociedade marcada pelo sistema patriarcal, onde os homens ocupam a maio-


ria dos espaços de poder na sociedade, ser lésbica ou bisssexual é ir de encontro a milhares de ideias pré estabelecidas e estigmatizadas. Dentro desses grupos que precisam de respaldo e luta para provar que seu amor existe e é legítimo se encontram sub categorias que passam por opressões ainda mais fortes e que continuam vivendo dentro de uma bolha da invisibilidade. Entre eles está o grupo de mulheres que amam outras mulheres, em uma sociedade marcada pelo sistema patriarcal, onde os homens ocupam a maioria dos espaços de poder na sociedade, ser lésbica ou bisssexual é ir de encontro a milhares de ideias pré estabelecidas e estigmatizadas.

Para Eduarda Madeira, estudante de Políticas Públicas da Universidade Federal do ABC (UFABC), de dezoito anos, identifica-se como lésbica desde os quatorze. Para ela, esse caminho, na época, foi muito difícil: “Eu não tinha nenhuma referência absoluta de nada na mídia ou na minha família e nos círculos sociais. E eu era muito nova, estava passando por isso na época da escola, então tem toda essa questão do “bullying” e da homofobia, que é quase sistemática”. A estudante ainda fala sobre a relação com a família – que ainda não sabe sobre sua sexualidade – e como isso interferiu no seu desenvolvimento pessoal. “Eu acho que essa rejeição indireta da minha família só me ajudou a desenvolver uma independência e minha autoestima mais rapidamente. Não que isso seja bom exatamente”. A declaração de Eduarda mostra que nascemos envolvidos em um berço heteronormativo, onde qualquer pensamento ou atitude fora desse padrão são vistos de forma depreciativa e preconceituosa. No caso do lesbianismo, todos esses preceitos devem ser observados sobre uma outra ótica, já que as mulheres são vítimas de violências a que os homens não estão sujeitos na sociedade.

Eduarda acredita que as mídias são agentes como disseminadores de ideias que padronizam o comportamento não só das mulheres lésbicas, mas também dos homens “gays” e de

bissexuais, perpetuando o machismo dentro do espectro LGBT. Para a estudante, mesmo tratando-se de preconceitos que devem ser olhados como um problema social, homens e mulheres homossexuais sentem-se de maneiras distintas opressões. “Apesar de os homens ‘gays’ também sofrerem com o machismo, quem mais sofre são mulheres, especialmente as mulheres lésbicas, por causa de toda a questão de sexualização. Parece que, através da mídia, os homens ‘gays’ meio que são mais aceitos, porque são vistos como os melhores amigos das mulheres, enquanto as mulheres lésbicas, quando não são sexualizadas, são vistas como mulheres que se decepcionaram com os homens”, afirma. Apoio familiar

Um assunto delicado que envolve mulheres lésbicas é a família. Além da violência a que estão sujeitas, existe ainda o preconceito no ambiente familiar. “O ideal seria que a gente tivesse apoio dentro de casa, é o que a gente espera, mas normalmente não é o que recebemos. Se tivéssemos esse apoio, as batalhas diárias, lá fora, se tornariam menos cruéis”, afirma Eduarda.

“Um LGBT não tem medo só de levar uma lâmpada na cara, são coisas muito mais complexas. A comunidade passa por coisas até piores que a violência física.”

A estudante de jornalismo da Universidade Anhembi Morumbi Ana Paula Catrib entendeu-se como lésbica aos 27 anos e atualmente é casada com uma mulher há quatro anos. Ela conta que, no início, teve problemas com sua mãe, que não aceitava sua sexualidade, entendendo-a como doença. “Ela brigou, parou de falar comigo, foi um

ano bem difícil. Os meus amigos foram mais de boa. Fui contando aos poucos e todos têm amigos “gays”, então foi bem tranquilo. Alguns acharam estranho, outros disseram que eu sempre tive um jeito de ser diferente e que um dia eu iria me descobrir, mas não tive problemas”, relembra.

Quando perguntada sobre a discriminação sofrida por mulheres lésbicas, Eduarda ressalta que não se sente segura em determinados espaços. Ela sente-se privilegiada por estar em um ambiente universitário, que acredita ser uma exceção dentro na sociedade. A estudante também acredita que a homofobia é uma forma de violência mais profunda e muitas vezes mais sutis do que o modo como costuma ser representada em espaços de discussão: “um LGBT não tem medo só de levar uma lâmpada na cara, são coisas muito mais complexas. A comunidade passa por coisas até piores que a violência física. A maioria já tem uma certa rejeição dentro de casa e já sabe da rejeição da sociedade como um todo. Isso provoca uma pressão, uma violência psicológica muito grande”. Violência

Ana Paula conta que já se sentiu discriminada por estar em um espaço público ao lado de sua parceira. “Uma vez fui dar um selinho na rua na minha namorada, passou um carro e, de dentro dele, gritaram: ‘lésbicas!’. Sem contar que, muitas vezes, as pessoas ficam olhando. Olham torto”. Ela acredita que esse tipo de comportamento está ligado à não aceitação do diferente, o que pode ter bases culturais ou religiosas. A lesbofobia ainda é um termo pouco conhecido, mesmo dentro dos grupos que discutem a violência contra a população LGBT. Atualmente, já existem campanhas que chamam a atenção para o tema, como uma propaganda institucional pela Comissão de Diversidade Sexual da Paraíba em conjunto com o coletivo feminista Cunhã lançada em março de 2016 que mostra mulheres lésbicas em diversas situações do dia a dia e reforça a ideia de que a orientação sexual de uma pessoa não altera a forma de viver de alguém e, tenta conscientizar as pessoas de que esse é um problema social. Para DIVERSIFICA AÍ! 5º SEMESTRE 2018

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Ana Paula, a solução passa pela informação e o respeito, principalmente por parte das novas gerações. “Eu acho que a solução são os jovens, que é uma outra geração, que fala mais sobre o assunto e que tem mais informação”, diz. Lesbocídio

O termo “lesbocídio” caracteriza o assassinato de mulheres que fogem do padrão heteronormativo, o que pode ser associado à persistência de comportamentos misóginos na sociedade. Segundo levantamento da Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social em 2017, a taxa de homicídios de mulheres cresceu, entre 2014 e 2017, 330% em relação aos de homens; parte dessas mulheres também eram lésbicas ou bissexuais.

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Em 2007, o Grupo de Pesquisa Lesbocídio – As histórias que ninguém conta, vinculado à UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), divulgou um dossiê que revela o crescimento do número de mulheres vítimas desse tipo de crime nos últimos quatro anos. DIVERSIFICA AÍ! 5º SEMESTRE 2018

Segundo o levantamento, cerca de 180 mulheres foram mortas no Brasil, entre 2014 e 2017, por serem lésbicas. A pesquisa mostra que grande parte dos assassinos são homens que não admitem que suas ex-parceiras os deixem para começar um relacionamento com outras mulheres. Em muitos casos, não existiam necessariamente laços conjugais ou domésticos entre os casais.

O dossiê também caracteriza oito tipos de lesbocídio. Entre eles, estão os crimes declarados, em que os agressores afirmam ter matado pelo fato de as vítimas serem lésbicas. Existem também os casos de suicídio ou crime de ódio coletivo, citados no documento como um problema sociocultural, político e econômico, já que a sociedade é pautada por um sistema heterossexual hegemônico. O documento destaca ainda os casos de lesbocídio entendidos como expressão de desvalorização das lésbicas, nos quais as vítimas não tiveram em vida a possibilidade de se declararem lésbicas. Nesta última categoria, não há registro da sexualidade em qualquer meio

informativo ou governamental, o que leva à invisibilização do crime.

A pesquisa da UFRJ ainda mostra que outro problema é a falta de amparo judicial que as vítimas encontram. Em muitos casos, conclusões foram tiradas sem embasamento ou checagem. No dossiê, existem informações que evidenciam que parte dos crimes são classificados, ao final do julgamento, não como “lesbocídio” de fato, mas como crimes relacionados ao tráfico de drogas, por exemplo – além de casos esquecidos ou que não passam por análise.

Em 54% dos casos, as vítimas dos ataques eram negras. O que o documento mostra é que, embora possa-se reconhecer a existência de avanços na discussão e em políticas públicas sobre as causas LGBT no Brasil, nem todas as letras da sigla são contemplados da mesma forma. Mulheres lésbicas e bissexuais ainda vivem marginalizadas e invisibilizadas no país e precisam de amparo para que suas vozes ecoem e sejam ouvidas.


Foto: Natália Bambini

Diversidade sexual em

SALA DE AULA

■ PERFIL NATÁLIA BAMBINI

Professor universitário, Max Miliano Melo fala sobre sua experiência e discriminação no meio educacional DIVERSIFICA AÍ! 5º SEMESTRE 2018

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N

ascido em 25 de abril de 1988 em Patos de Minas, uma cidade do interior de Minas Gerais com cerca de 253 mil habitantes, filho de pedagoga com formação tardia e de origem pobre, Max Milliano Melo foi o primeiro de sua família a se formar em um curso superior. Após sofrer agressão física do pai, que não aceitava sua orientação sexual, recusou-se a manter qualquer tipo de proximidade com ele. Desde muito jovem, lida com a discriminação devido à sua sexualidade.

“Todo mundo já sabe que é gay desde criança, o que a gente vive é uma sociedade extremamente homofóbica”. Para Max, a primeira fase de ser homossexual é a autoaceitação, por mais clichê que possa parecer: “Você luta contra aquilo de todas as formas, usa todas as ferramentas que tem, tenta se controlar. Você acha, quando é criança, que, se você fizer determinadas coisas, aquilo vai passar, mas não passa. Pelo contrário: com o passar dos anos, aquilo vai aumentando”. Na infância, era considerado apenas “alegre”, porém, quando a puberdade foi se aproximando, isso foi se tornando um problema. Enquanto todos os seus colegas, em sua maioria heterossexuais, passavam “normalmente” por experiências como o primeiro beijo e o primeiro amor, ele sente que, por ser homossexual, precisou vivenciar esses momentos em silêncio, de uma forma muito mais internalizada do que externalizada. “Descobrir-se gay é isso: um belo dia você descobre que gosta disso, no outro, que você gosta daquilo”, conta Max, que hoje é professor do curso de Jornalismo da Universidade Anhembi Morumbi. A respeito do impacto que morar em uma cidade interiorana trouxe à sua vida, ele afirma: “Espero que isso esteja diminuindo, mas, quando eu morava no interior, eu não tinha referências do que era ser gay, o que um gay faz da vida... Isso era um universo tão distante pra mim”.

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Max cita que, na época, não havia internet, que, segundo ele, teve uma grande importância na vida das pessoas gays. Além disso, a representatividade dos LGBTs na televisão era ainda menos presente do que hoje. “Gay pra mim, na minha cabeça, era o que eu via na loja de tecido a que minha mãe ia. Lá, havia DIVERSIFICA AÍ! 5º SEMESTRE 2018

um estilista que era obviamente gay, que até eu, criança, conseguia perceber. Ou então era o cabeleireiro. Fora essas duas pessoas, eu não conhecia um professor, médico, advogado, engenheiro, comerciante gay – quer dizer, conhecia, mas não sabia que era gay”, relembra.

em sua condição de homossexual. “O Rio é uma cidade, onde por ter muito turista, o olhar do carioca está mais acostumado a ver a diferença, por exemplo, é perfeitamente natural lá você ver uma pessoa falando uma língua desconhecida, ou o clássico estereótipo do turista americano. Talvez por isso, o pessoal Por conta desta falta de referências em treinou a ver mais a diversidade, não é seu cotidiano, durante muitos anos Max que não tenha preconceito, mas é mais achou que, se fosse gay, não conseguiria internalizado, eles guardam pra si.” empregos, não teria uma carreira e, por conta disso, tentava “sufocar” sua Pai de pet “paulistano” sexualidade para conseguir alcançar seus objetivos. “Por isso, eu acho que a Seu último destino foi São Paulo, para representatividade na mídia é tão im- onde veio a fim de atuar na área eduportante: foi só quando eu comecei a cacional. É na capital paulista que vive conviver com gays e ver gays em outros atualmente e trabalha como professor espaços que eu me senti tranquilo para universitário na Universidade Anhembi me assumir para mim mesmo e para o Morumbi. Em relação à terra da garoa, mundo. Esse processo de falar para você vive uma relação de amor e ódio: “A mesmo é difícil, doloroso, demorado e – minha maior dificuldade com São Paulo é a falta do senso de coletividade, e isso é pior – é um processo muito solitário”. uma coisa que eu valorizo muito, não sei Na escola, principalmente no Ensi- se porque vim do interior e tal... Talvez no Médio, sofreu muito “bullying” em por ter uma cultura do trabalho muito função de sua sexualidade, já que era grande aqui ou pela vida das pessoas givisto como um menino “afeminado” e rar muito em torno do trabalho, eu acho “espalhafatoso”. Segundo Max, a dis- que não há essa relação comunitária, as criminação era ainda pior por ele ser pessoas não se importam muito umas aluno bolsista e vir de uma família po- com as outras. E há ainda o fato de ser bre. Era um estudante compwlemente uma cidade em que tudo gira em torno “fora da curva” da escola de que fazia do consumo, o que não é muito a minha parte, um colégio considerado de elite. praia.”

“Descobrir-se gay é isso: um belo dia você descobre que gosta disso, no outro, que você gosta daquilo”

Pai do “Tutuxo”, Max comove-se ao contar a história de superação do cãozinho de estimação, que foi abandonado ainda filhote em uma rodovia e passou grande parte da vida comendo restos de comida em um posto de gasolina. Foi resgatado, já adulto, e adotado por uma senhora, que repassou o cachorro para sua filha. A moça, então, durante um surto psicológico, levou o animal até o Estádio do Pacaembu e o soltou lá. Como ela era amiga do irmão de Max, sempre o deixava em sua casa quando precisava Mudou-se para Brasília em 2006, com viajar. dezessete anos, para cursar jornalismo Por questões financeiras e por ter na Universidade de Brasília (UnB), onde se formou e viveu por sete anos. Tra- morado em dormitório na faculdade enbalhou em diferentes empresas, como quanto estudava, Max nunca havia tido o Banco do Brasil, o Jornal de Brasília e um cachorro antes, mas criou grande o Correio Braziliense. Após esse perío- apego com o “Tutuxo”. Ele fez várias do, mudou-se para o Rio de Janeiro e campanhas em suas redes sociais até frequentou mais duas universidades: a encontrá-lo e, quando conseguiu, entrou Universidade Federal do Rio de Janeiro em acordo com a antiga tutora e ficou (UFRJ) e a Universidade Federal Flumi- com ele. Desde então, são inseparáveis. nense (UFF). Nesta segunda, fez seu mes- “Apesar de não parecer, ele tem dez anos, trado. Foi lá que sentiu mais acolhido já é velhinho, mas tem jeito de cachorro


Foto: Natália Bambini

jovem, quase filhote. Ele pula, vai no colo de todo mundo, é fotogênico [risos]. Isso é legal, ainda mais aqui em São Paulo, com essa sociedade tão fragmentada. É bom alguém ficar feliz quando você volta pra casa”, relata.

foi morar sozinho em Brasília, cidade a que tinha ido apenas uma vez. A maioria de seus colegas estavam na faixa etária entre dezoito e dezenove anos. Quando estava na redação do Jornal de Brasília, atuando na editoria de “Variedades”, seus colegas estavam na casa dos 28 a Sexualidade e profissão 30 anos, enquanto ele tinha apenas 21. Hoje, com apenas 30 anos, atua como Por ser filho de professora, sempre teve professor universitário em uma faculcontato com o ambiente educacional, o dade reconhecida de São Paulo. que tornou a transição de sua carreira de jornalista a professor um processo natural e esperado. “Eu sempre quis ser jornalista, nunca pensei em outra profissão, mas a ideia de ser professor sempre existiu, por minha mãe ser professora. Quando eu não estava na escola, eu estava na escola em que minha mãe trabalhava, e eu sempre gostei muito de estudar. Então, quando eu já estava meio de saco cheio da redação, foi um processo tranquilo. A minha carreira foi quase que desenhada para isso ocorrer em algum momento”. Ser sempre muito jovem nos ambientes que frequenta nunca foi uma questão para Max, que passou no vestibular com dezessete anos, idade em que

“Sobre agressão física na rua, nunca sofri, ainda, mas nunca se sabe o que pode acontecer daqui pra frente”

dades de emprego unicamente por ser gay. “Quando eu morava no Rio, eu estava procurando desesperadamente emprego, me indicaram um lugar e mandei meu currículo. ‘Impressionante, várias formações, muito jovem, o que estavam procurando’ – eles pareciam super interessados em mim. No dia em que que eu fui para a entrevista, nunca nem me responderam, e eu acho que é por eu ser gay, pois, depois disso, eu os vi continuarem procurando por repórteres”, relembra.

Em relação à área educacional, Max afirma: “Como professor nunca sofri isso [discriminação], pelo menos não explicitamente, acho que também devido à área, pois faz uma grande diferença o ambiente da comunicação. Por mais que tenha várias questões, é um ambiente, na minha opinião, muito mais acolhedor da diversidade, de todas elas, professoras mulheres, professores negros, gays, nordestinos, do que outras áreas. Em geral é um pessoal mais inforSua sexualidade, porém, já foi objeto mal, que tá acostumado a conviver com de discriminação em espaços jornalísti- a diversidade, que é o próprio traço da cos, como quando perdeu oportuni- nossa área.” DIVERSIFICA AÍ! 5º SEMESTRE 2018

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Em sua opinião, as relações com alunos heterossexuais são consideradas até mais fáceis para ele, pois as dificuldades que pode vir a enfrentar, nesses casos, são mais previsíveis do que aquelas vivências com alunos gays. Já houve episódios, conforme relata, em que encontrou alunos em baladas homossexuais e eles ficaram constrangido em ter a presença da autoridade de um professor ali. “Já aconteceu de eu encontrar alguns de meus alunos na balada, eles virarem as costas e literalmente sairem correndo”, conta. Em relação aos demais professores, Max sente que o respeito sempre foi mútuo. “Eu acho que talvez haja alguns professores que não sejam tão próximos, porque eles não compartilham a mesma visão de mundo que eu tenho, mais por questão da diversidade de ideias e opiniões”. Empoderamento em dois tempos

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Além das aulas e da pesquisa acadêmica, Max é ativo nas redes sociais, nas quais trata de assuntos cotidianos, questões relacionadas à sua sexualidade, sempre de modo aberto e com transparência, buscando passar um empoderamento pessoal e conscientizar seus seguidores. “Eu suspeito que algumas postagens minhas chocam, mas o objetivo delas em DIVERSIFICA AÍ! 5º SEMESTRE 2018

Foto: Natália Bambini

Em sala de aula, Max afirma assumir uma postura aberta diante de seus alunos e não busca esconder sua sexualidade. Quando perguntado se já sofreu discriminação em sala de aula, afirma que – por mais que já tenha notado uma postura de preconceito velada por parte de alguns estudantes – sente haver um respeito pelo professor universitário no espaço acadêmico, o que impediria que mais pessoas expressem opiniões intolerantes nesse ambiente. Max conta que existem alunos que sentem algum grau de homofobia e utilizam-se de qualquer erro do professor como pretexto para a manifestarem. No entanto, graças a seu bom relacionamento com a maioria dos estudantes, Max sente-se relativamente “protegido” desse tipo de manifestação.

algum nível é chocar. Eu acho que existe não é ‘se’ acontecer, e sim, ‘quando’ auma caixinha que nós somos colocados contecer, pois considero quase que inevia vida inteira, a forma de pensar, de agir, tável isso ocorrer em algum momento.” de falar, e eu não sigo isso”, afirma. Max revela que o tipo de violência A respeito de suas postagens sobre mais frequente no interior eram coisas sua sexualidade em redes sociais, que como levar surras de brincadeira dos ele mostra seu corpo, e como Max trata amigos, ficar de castigo proibido de isso nas redes socias, ele afirma: “Isso falar com algumas pessoas ou ser impetem um sentido de militância mesmo, dido de agir de alguma forma, andar de no sentido de que as pessoas se sintam determinado jeito, jogar seu cabelo, baconfortáveis em falar sobre o que elas lançar a mão ou até mesmo ter que corquerem, mostrar o que elas querem. Não tar seu cabelo a força. “Ter levado uma é uma questão de ego, claro que eu gos- surra explicitamente, até quase morrer, to que uma foto tenha curtidas, mas no foi uma vez, que foi o caso do meu pai. Já meu caso vai um pouco mais além dis- castigo era recorrente, tanto do meu pai so, acho que estou ajudando a constru- quanto da minha mãe.” ir um mundo melhor, não só pra mim “Eu acho que as pessoas veem essa viomas pro outro, ser modelo pros alunos lência muito distante delas, e ela está e pras pessoas que estão em formação, ali o tempo todo... O gay que apanha é o ser o modelo de alguém livre, que tem seu vizinho. Por isso, eu falo que não é uma postura aberta, transparente, e que ‘se’ acontecer, é ‘quando’ acontecer. Prenão está ali perdido na massa, que tem firo pensar assim, é uma forma até de algum tipo de individualidade nesse me manter preparado, como todo gay, sentido de autenticidade.” principalmente o que é explicitamente Após tantas revelações, quase ao final gay. Que nem mulher que sofre abuso da entrevista, tocamos na questão das sexual na rua: pode ser que ela nunca agressões sofridas. Quanto a agressões tenha sido estuprada ou tenha estado verbais, Max diz que não se recorda de tão perto de ser, mas ela sabe, até por um momento, em trinta anos de vida, em experiência de outras pessoas com que que não tenha sido xingado por ser gay. ela convive que isso é uma possibilidade “Sobre agressão física na rua, nunca sof- real na vida dela, então ela sabe que tem ri, ainda, mas nunca se sabe o que pode que tomar cuidado”, finaliza o professor acontecer daqui pra frente. Eu acho que universitário.


As várias máscaras do

CARNAVAL

■ CRÔNICA NATÁLIA BAMBINI

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arnaval, época de glitter, confetes, “pegação”, samba, desfiles, fantasias, mulheres vestidas de homens, homens vestidos de mulheres. Desde sempre, uma das épocas mais importantes – senão a mais importante – do ano para o Brasil. E nossa festa tem se popularizando pelo mundo ao longo dos anos; até os gringos vêm para tentar dançar um samba.

por mulheres para mulheres, buscando um ambiente confortável e livre de assédios, veja bem, há diversas músicas, antigamente conhecidas como hino dos carnavais, e que hoje em dia nem mais se conhece, como a “Cabeleira do Zezé”, por exemplo.. Seja o empoderamento LGBT, liberdade de expressão, e a liberdade de se amar quem quiser, sem preconceitos e sem condições. Ou seja, tudo está caminhando rumo a um A bebida oficial não é o café, e sim a passo civilizatório. Mas será mesmo? cerveja, ou melhor, a “breja”, o horário muda completamente, 6 horas da maDurante os quatro (que viram sete) nhã é a hora que se chega em casa de- dias em que acontecem os famosos e pois da folia. Para muitos não há aula, queridos bloquinhos em São Paulo, é para outros não tem trabalho. Uns ansio- fácil avistar grupos de homens se disos para ver se sua escola de samba fa- vertindo e usando acessórios e rouvorita vai ser finalmente, ou novamente, pas femininas, sejam saias, sutiãs, pea campeã; outros que aguardam perdida- rucas, maquiagem. Mas quantos deles mente os bloquinhos de rua, seja para ao longo de todo o resto do ano já não dançar ou para talvez tentar encontrar cometeram algum tipo de homofobia o amor de sua vida. Há ainda os que ou transfobia? Quantos deles já não nem sequer curtem essa zona toda e discriminaram alguém que considerem escapam viajando ao contrário de todo “afeminado demais” ou “machona deo fluxo. Seja o que for, há quem ame e mais”? Quantos já demonstraram alquem odeie o Carnaval. Quem sabe essa gum tipo de preconceito com o outro? época não se tornou até mais impor- Quantos ainda podem já ter agredido – tante que as eleições, ou que jogos de física ou verbalmente – alguém por sua futebol, quem sabe... sexualidade?

Mas até o Carnaval, que é composto baQue mágica será essa que varre para sicamente por folia, está evoluindo cada baixo do tapete todo o preconceito exisvez mais. Vários tipos de empoderamen- tente ao longo do ano? Por dia ouve-se to, seja o feminino, com eventos feitos várias vezes no rádio, na televisão, se

lê em matérias de jornais, milhares de compartilhamentos nas redes sociais sobre alguma agressão física, verbal, ou até mesmo mortes, por apenas diferenças de orientações sexuais. Seria por puro preconceito partindo de pessoas com mentes fechadas em suas bolhas?!

Será que são essas mesmas pessoas que se vestem do sexo oposto e aproveitam a festa passando uma imagem de forma liberal e empoderada, como se não houvesse preconceito, que abominam gays e lésbicas durantes todos os outros 359 dias? Não importa a época, não importa a década, o século. Não importa o tempo: o preconceito sempre esteve nos acompanhando, “maquiado” ou não. O que se mostra talvez, cada vez mais aparente, é a indiferença e ignorância mediante os fatos, onde há discriminação com um homossexual por ser afeminado, mas neutralidade e “graça” com um hétero fantasiado e brincando de ser afeminado. Mas, afinal, o que será que tanto os incomoda, aos agressores? A liberdade? A diferença? O amor?

Carnaval, época em que não só os homens estão mascarados e fantasiados: o preconceito também veste – ainda mais que nos outros dias – suas máscaras.

Natália Bambini é estudante do 5º semestre do curso de Comunicação Social - Jornalismo, na Universidade Anhembi Morumbi DIVERSIFICA AÍ! 5º SEMESTRE 2018

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Slam das minas tem

EDIÇÃO ESPECIAL ■ ENSAIO FOTOGRÁFICO ISABELA MONTEIRO

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riado em 2015 no Distrito Federal, as batalhas de poesias que tem como objetivo dar protagonismo e empoderamento para mulheres, ganha sua versão na capital paulista e, já reúne centenas de pessoas em cada uma suas apresentações. Todas são convidadas a participar, só é preciso cumprir algumas regras, são permitidos textos autorais de até três minutos; não é permitido usar figurino, nem objeto cênico; o júri é convocado na hora; as notas vão de zero a dez; somente mulheres podem se inscrever para as batalhas.

Os eventos acontecem em centros culturais e em espaços públicos, nesta edição quem abrigou as poetisas foi a Casa das Rosas no centro de São Paulo, no entorno do palco pessoas diversas, algumas que já conheciam o coletivo e foram para ver as batalhas até aqueles que aproveitaram o passeio de domingo e deixaram alguns minutos para assistir um pouquinho e puderam ver as ganhadoras, Luiza Romão e Kimani, que entre as quinze participantes foram escolhidas por suas poesias. Ao final das apresentações quem estava presente pode ainda ver um pocket show da cantora transsexual de rap, Dana Lisboa.

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As idealizadoras do Slam das minas iniciando o evento que foi realizado na Casa das Rosas em São Paulo. DIVERSIFICA AÍ! 5º SEMESTRE 2018


Participantes se apresentando durantes as batalhas de poesia:

DIVERSIFICA Aร ! 5ยบ SEMESTRE 2018

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Público assistindo as apresentações do Slam:

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As vencedoras das batalhas do Slam - Kimani e Luiza Romão:

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Arte sem

FRONTEIRAS

Da esquerda para a direita: Arthuro Alves (25), Daniela Solano (28), Anaís González (25) e David Rubio (33) - Foto: Isabela Monteiro

O projeto Visto Permanente busca encurtar o espaço entre arte e imigração no Brasil ■ REPORTAGEM ISABELA MONTEIRO

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ra por volta das dezesseis horas quando toquei o interfone daquele prédio com paredes coloridas ao lado do Metrô Vila Mariana, zona sul de São Paulo. Depois de passar pelas escadas, entramos em um pequeno refúgio que já se mostrava um lar de amantes da arte. Havia muita cor pela casa, mas o mapa mundi fixado na parede da sala tomava toda a atenção. Ao sentarmos no sofá, dividimos espaço com Daniela Solano,

Anaís Gonzalez, David Rubiu e Arthuro Alvez, representantes do Coletivo Visto Permanente. Começamos a conversa falando um pouco sobre a história do projeto que busca dar visibilidade para imigrantes artistas na cidade de São Paulo. Tudo começou quando Arthuro, que é brasileiro e cineclubista, juntou-se com mais alguns artistas que decidiram criar vídeos para registrar

projeções artísticas. A primeira ação, teve auxílio da Associação Rede Rua, resultou em 30 vídeos de artistas de diversos lugares do mundo. O projeto foi crescendo e novos integrantes surgiram, cada um com uma história diferente, tanto em relação ao contato com a arte quanto sobre questões de imigração. Um deles é Davi que nasceu na Colômbia e, em 2008, passou por váriDIVERSIFICA AÍ! 5º SEMESTRE 2018

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os países da América Latina até chegar ao Brasil, onde ficou por dois anos. Após passar um tempo em sua terra natal, voltou para o Brasil em 2014 e, desde então, está vinculado a projetos artísticos e a educação. Começou a escrever histórias e fazer traduções de textos, o que o levou à contação de histórias. Acabou conhecendo o Sarau das Américas, projeto que também tem foco em arte e cultura latinoamericana e atua junto do Visto Permanente em algumas apresentações. Hoje Davi se dedica não só aos textos, mas também a performances. “No momento, eu quero pesquisar mais e chegar em outros pontos com a contação de história e essa expressão corporal e contato com o público que leva uma mensagem. É uma coisa na qual eu acredito e sinto a partir da vivência que eu tenho”, afirma. Outra integrante do coletivo Visto Permanente é a venezuelana Anaís, que mora no Brasil há onze anos e descobriu na fotografia, arte passada a ela pelo padrinho, uma forma de se integrar aos movimentos ligados à imigração: “Meu padrinho foi uma pessoa muito próxima de mim toda a infância. Ele é fotógrafo, então me trouxe essa referência. Eu conheci o Miguel, que é um dos fundadores, como o Arthuro. Ele falou em um festival de cinema internacional, comentou sobre o Visto Permanente e naquele momento falou do Cine Debate [exibição de filmes produzidos por imigrantes seguidas de discussões]. No fim do ano, ele me convidou pra participar da oficina de audiovisual e foi um momento bastante importante pra mim, por causa da minha relação com outros imigrantes aqui”, conta

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Dani é colombiana, como Davi, e saiu do seu país há dezesseis anos. Ela teve seu primeiro contato com a arte a partir do teatro. Quando chegou ao Brasil, decidiu que queria seguir com essa escolha. “Entrei no mundo da arte, eu achava quando adolescente que eu ia mudar o mundo fazendo arte, então acho que entrei por causa disso. Hoje eu não acho mesmo com tão afinco. Então desde sempre. Quando eu cheguei no Brasil, afinquei mais de que queria fazer teatro mesmo, sempre queria trabalhar com pessoas que estivessem DIVERSIFICA AÍ! 5º SEMESTRE 2018

na mesma situação que eu”, conta. Imigração e arte no Brasil

Mesmo com avanços que surgiram a partir de muita luta, todas as questões que circundam arte e imigração ainda são bastante complexas no Brasil. Um dos desafios enfrentados pelo coletivo Visto Permanente é a burocracia que envolve a documentação exigidas para que haja custeamento do governo por meio de programas de incentivo, como editais criados para o fornecimento de verba e espaços direcionados à arte e cultura. Boa parte desses programas acaba excluindo artistas oriundos de outros países. Segundo Dani: “Efetivamente políticas públicas para a arte de imigrantes, em São Paulo não existe, mas tem esses editais que abrem uma possibilidade¨.

“O projeto traz também esse tom para um dilema, que é tirar essa visão de ‘coitadinho’ e a mistificação de que o refugiado veio porque fez uma coisa errada ou veio procurando outras oportunidades de vida."

Embora ainda existam inúmeras dificuldades para a realização de projetos artísticos, em 2016 o coletivo organizou os chamados TAÍ (sigla para Território Artistas Imigrante), mostras culturais realizadas por artistas das mais diversas nacionalidades em São Paulo. A oportunidade surgiu a partir do Fórum Social Mundial de Migrações

(FSMM), como um “esquenta” para outras atrações do evento. Realizada em parceria com o Coletivo Digital, a proposta abarca inúmeras expressões artísticas, que vão de cine debates até apresentações musicais foram feitas. Imigração heterogênea

Mesmo o Brasil sendo um país aparentemente acolhedor aos que vêm de fora, ainda existem muitas pautas que precisam ser pensadas. Todos os integrantes do coletivo Visto Permanente entendem suas ações artísticas como uma forma de desmistificar ideias ainda pré-estabelecidas sobre imigrantes e refugiados no país. Dani defende que a arte possui papel fundamental para evidenciar a importância da imigração para um país: “É legal que o projeto traz também esse tom para um dilema, que é tirar essa visão de ‘coitadinho’, essa mistificação de que o refugiado veio porque fez uma coisa errada, que o imigrante veio procurando outras oportunidades de vida. Ele dá outro tom para a imigração, o que eu acho muito importante”.

Outra questão abordada pelo coletivo é a forma como enxergamos os imigrantes que chegam até o Brasil. Seus integrantes acreditam que ainda existe o pressuposto de que toda imigração acontece da mesma forma para todos, porém existem muitas especificidades que precisam ser levadas em conta quando se lida com algo tão delicado e que afeta uma camada importante, mas ainda marginalizada da sociedade. Para Davi, o projeto serve como auxiliador nesse caso também, pois ajuda na compreensão acerca da diversidade que existe entre os povos que saem de seus países de origem até o Brasil. Para que esse entendimento exista, é necessário que conexões menos superficiais sejam feitas. “Eu sinto que o Visto Permanente procura por novas migrações, o que é uma coisa que amplia nossa percepção sobre esse conceito. Podemos encontrar informações sobre o tema nas revistas ou até na internet, mas essa pesquisa pode acontecer exatamente no dia a dia, nesse encontro com o outro, porque nós aqui somos um livro andando, cada um é uma parte do conhecimento. Então, se a gente juntar aqui três, quatro, cinco pessoas, já juntou um conhecimento


Fachada do prédio onde parte do coletivo se reúne. - Foto: Isabela Monteiro

um pouquinho maior do que o daquele um que estava aqui sozinho”, afirma.

Na conversa durante a entrevista, o grupo ainda ressalta a diferença que existe na forma como a sociedade recebe certos imigrantes em detrimento de outros. Para seus integrantes, existe certo preconceito, principalmente quando se fala de São Paulo, em acolher certas culturas como um elemento que faz parte da cidade. Dani acredita que a xenofobia por aqui ainda é grande. “É uma xenofobia bastante grande, mas que acolhe, até certo ponto. Porque quem é acolhido muito bem são essas migrações esbranquiçadas, que são aceitas e já fazem parte da cultura daqui: japonesa, alemã, italiana – todas são super bem aceitas. Todas as festas e festividades deles são consideradas parte da cultura paulista. Se bem que eu também entendo que é uma questão de tempo, essas foram há muitos anos e por muitos anos. Mas, por exemplo, a boliviana é uma cultura que migra pra cá há muitos anos também, e ela não é vista como uma

cultura que faz parte desse mosaico cultural de São Paulo¨.

O Visto Permanente, em suas ações, tenta incluir artistas de nacionalidades diversificadas para que todos sejam contemplados, a fim de ampliar a representação de culturas diferentes. Mas ainda existem dificuldades relacionadas ao contato com grupos específicos de imigrantes. Arturo conta que o acesso a comunidades oriundas do leste asiático é mais difícil. “É o caso de chineses e coreanos, por exemplo. porque nós queremos pegar tudo que é imigrante, até porque buscar culturas de todos os lugares tira essa visão de estar dando um assistencialismo, e torna essa arte que vem de fora como uma nova ideia de paulistanidade¨ O espaço entre a arte e imigração

O coletivo, que coloca literalmente no palco pautas que levam cultura e arte para o público, busca mostrar a importância da união de expressões artísticas que transcendem de muros e fronteiras, ultrapassam barreiras

linguísticas e sociais, alcançam pessoas de diversas etnias e superam padrões ou limites territoriais. Seus integrantes entendem que sua missão é poder unir povos e promover o aprendizado a partir do contato com o diferente, sem deixar de lado as subjetividades individuais, para promover um olhar menos estigmatizado para as diferenças.

O projeto tem o objetivo de continuar montando vídeos encurtando o espaço que existe entre artistas imigrantes e brasileiros. “O legal do Visto é você poder enxergar o outro. Eu acho que tem uma coisa universal e individual, e o Visto propõe que as culturas imigrantes sejam enxergadas como parte da cultura paulista. Que o outro possa ser enxergado como um indivíduo igual a você”, afirma Dani.

Atualmente, o grupo possui um acervo de mais de 40 vídeos que contam histórias de artistas oriundos de diferentes países. O material pode ser acessado no site: https://www.vistopermanente.com. DIVERSIFICA AÍ! 5º SEMESTRE 2018

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CULTURA

A influência da MÍDIA na percepção do TERRORISMO ■ ARTIGO ISABELA MAXIMIANO

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cobertura de ataques terroristas é uma das maneiras mais simples de identificar os reflexos da mídia e a forma como ela exerce jornalismo; esse tipo de incidente revela, principalmente, a linha de pensamento, princípios e valores de veículos de imprensa. Essa reação pode ser nitidamente visualizada após o atentado terrorista contra o World Trade Center (queda das Torres Gêmeas) em 2001, os conflitos entre Palestina e Israel e os confrontos no Oriente Médio. A partir desses eventos, os veículos noticiosos colocaram-se em estado de alerta.

Essa forma de fazer jornalismo, em que a cobertura da mídia reforça um sentimento de pânico e desconfiança em relação a qualquer indivíduo de origem árabe ou muçulmano, está em atividade porque, na maioria das vezes, a primeira fonte de informação sobre conflitos durante os primeiros momentos de ataque é a mídia. É por meio dela que o cidadão toma conhecimento quase que imediato do que está acontecendo do outro lado do mundo, antes mesmo do comunicado oficial das autoridades.

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Seguindo essa linha de pensamento e estabelecendo uma correlação entre mídia e terrorismo, foi possível observar, durante a cobertura dos eventos de setembro de 2001, como a mídia desempenhou papel fundamental na “Guerra ao Terror” – campanha do governo Bush como resposta ao ataque terrorista em Nova Iorque –, sendo ela o ponto de convergência entre as intenções do governo e a opinião pública. “Foi aberta uma nova era de ameaças aos Estados Unidos e ao mundo com foco no terrorismo e na necessidade de combatê-lo em nível global”, explica Cristina Pecequilo, professora da USP e autora de “Os Estados DIVERSIFICA AÍ! 5º SEMESTRE 2018

Unidos e o século XXI”. Isso acabou tornando as pessoas suscetíveis ao ponto de vista dos meios de comunicação.

Atualmente, o Islã está presente em mais de oitenta países e abarca de 21 a 23% da população mundial. É uma religião monoteísta, fundamentada nos ensinamentos de Mohammed - ou Maomé - e estruturada pelo Alcorão, que é considerado como a palavra literal de Alá (Deus, em árabe). “Islã” tem como significado a submissão total à lei e vontade de Deus. Por mais óbvio que pareça, é importante salientar que os muçulmanos, como são denominados os seguidores do Islamismo, não são todos praticantes do terrorismo. Dentro da religião, assim em outras tantas, existem grupos fundamentalistas – entre eles, a Al Qaeda, o Boko Haram e o Estado Islâmico. São estes os grupos que realizam ataques contra os não-muçulmanos e de forma alguma representam as convicções da fé islâmica ou de todos os muçulmanos. Ingrid Gomes, professora do curso de Comunicação Social na UFU (Universidade Federal de Uberlândia), em um artigo escrito em 2012 sobre a cobertura jornalística de fatos envolvendo o Islamismo, afirma que o histórico de discórdia entre o mundo árabe e o Ocidente existe desde antes do 11 de setembro. Esse embate gera justificativas para guerras e fortalece as diferenças culturais entre os povos, salientando a subordinação do muçulmano e a glorificação ocidental. Os resultados desses desdobramentos sempre são infelizes e dão abertura para preconceitos, xenofobia e outras práticas de discriminação. Quando abordadas de forma rasa, por meio de estereótipos, são estimulados pela mídia, não necessariamente de forma deliberada, mas por meio de práticas sugestivas ou da teoria do agendamento.

Em “Teorias da Notícia e do Jornalismo”, o professor Jorge Pedro Sousa explica que a mídia possui a capacidade de agendar temas e demarcar os assuntos pelos quais o debate público na sociedade deve se pautar, influenciando a agenda pública e a política. Esse fenômeno contribui para que o jornalismo tenha o poder de desestruturar governos, fomentar causas sociais ou colaborar com a manutenção dos padrões de violência e injustiça. Em um contexto de guerra ao terrorismo, que é perpetuado até os dias de hoje e atualizado a cada minuto por meio de tweets em tons de ameaça por representantes governamentais, a mídia se torna extremamente sensível à velocidade com que os atos violentos alcançam as pessoas e convocam a atenção do público. A fluidez da internet e das mídias sociais também permite a disseminação quase instantânea dos acontecimentos, o que favorece a construção de uma percepção social imediatista sobre determinado assunto, apenas com base na leitura de uma notícia ou mesmo uma manchete.

A partir da importância que a mídia adquire no cenário político internacional, é fundamental que documentos como o Código de Ética dos Jornalistas Brasileiros e o manual lançado pela Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura) em março de 2017 sobre como retratar o terrorismo sejam os guias de cabeceira dos profissionais de comunicação. Por estar no papel de formadora de opinião, a imprensa não pode se tornar refém da polarização causada por intolerâncias. É imprescindível que as instituições responsáveis pela transmissão de informações para a sociedade criem um ambiente livre de xenofobia, intolerância ou qualquer tipo de preconceito contra o mundo islâmico.


Foto: Divulgação

One Day At a Time, a série que retrata a DIVERSIDADE A sitcom é indispensável para quem gosta e pede por humor na medida certa ■ CRÍTICA BEATRIZ MACIEL

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unca fui muito fã de séries de comédia, principalmente das chamadas “sitcoms” ou comédias de situação – aquelas que têm seus episódios gravados enquanto uma plateia, ao vivo, reage às cenas de humor com muitas ou poucas risadas. Por isso, ignorei quando uma amiga falou que eu deveria assistir a “One Day At a Time”, já que a série se enquadra nesses padrões, que não aprecio muito. Erro meu. Logo que a segunda temporada foi a público, em janeiro deste ano, não pude mais esperar. As redes sociais à minha

volta clamavam para que eu assistisse à produção, e resolvi dar uma chance. Decidi que assistiria a apenas um episódio. Não me arrependi. Em menos de três dias, terminei todos os capítulos já lançados e, claro, comecei a torcer pela renovação da próxima temporada, que até então não havia sido divulgada pelo serviço de “streaming” Netflix. Lançada em janeiro de 2017, “One Day At a Time” é um “remake” de uma série, de mesmo nome, exibida nos Estados Unidos nos anos 1970. A série retrata o dia a dia dos Alvarez, uma família americana que possui raízes

em Cuba. Penelope (Justina Machado) é uma mãe recém-divorciada e ex-militar que divide seu tempo entre seu trabalho e a criação de seus dois filhos, a adolescente Elena (Isabella Gomez) e o caçula Alex (Marcel Ruiz). Ela divide o apartamento com sua mãe cubana, a extremamente conservadora Lydia (Rita Moreno). Na história, também conhecemos Schneider (Todd Grinnell), o dono, vizinho e zelador do prédio, que acaba se tornando um grande amigo para todos da família. A primeira temporada conta com treze episódios. Já no primeiro deles, DIVERSIFICA AÍ! 5º SEMESTRE 2018

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vemos Penelope tentando lidar com os traumas que viveu enquanto servia o Exército Americano. O uso de antidepressivos e a aceitação da família nesse momento são importantes para que ela aceite que precisa se recuperar. Vemos também sua filha, Elena, que é feminista, tentando fazer com que a mãe e sua avó desistam da ideia de fazer a “quinceanera”, uma grande festa para comemorar a chegada dos seus quinze anos – e claro, num grande estilo cubano. Não há um personagem que não cative o público na série. Todos são bem construídos e introduzidos no momento certo, para que nada perca o sentido. Até mesmo Schneider, que é tão diferente de todos ali – um homem hétero, rico e branco –, passa a pertencer à família também. Ao mesmo tempo em que faz o público rir, a “sitcom” trata de assuntos importantes como imigração, homofobia, racismo, religião, sexismo, misoginia, doenças mentais, porte de armas, feminismo, xenofobia, direitos LGBT – entre outros tantos que foram abordados com maestria e na medida certa pelos roteiristas. O humor nunca fica de fora: a cada episódio, é colocado de uma forma diferente para que os temas abordados possam ser mostrados sem que percam seu foco. Em vários momentos, cenas que de-

veriam nos fazer rir fazem-nos chorar por conta da delicadeza como os problemas dos personagens são abordados. Muitas vezes, me peguei chorando enquanto assistia aos episódios. Mas se engana quem acha que isso me impediu de acompanhar a série: é incrível acompanhar a humanização que os roteiristas, diretores e atores conseguiram trazer para as cenas e personagens.

"Não há um personagem que não cative o público na série. Todos são bem construídos e introduzidos no momento certo, para que nada perca o sentido"

Mesmo sob risco de ser cancelada, a série foi renovada para a terceira temporada (um grande alívio para muitos fãs, inclusive para mim). “One Day At a Time” é tudo o que se espera de uma

boa comédia. Com roteiros envolventes, personagens humanos e temas importantes, não há nada que não se encaixe no roteiro – e tudo isso em apenas trinta minutos de episódio. Não lamento por ter dado uma chance para essa série maravilhosa que, mesmo tendo episódios difíceis de assistir por conta da presença de temas muitas vezes “pesados”, nunca deixa de fazer jus ao título de “comédia”. Para saber mais A primeira versão da série foi baseada na vida de uma das criadoras, Whitney Blake, que foi mãe solteira e criou seus três filhos após o divórcio de seu primeiro marido. Essa versão de One Day At a Time teve 9 temporada, com um total de 209 episódios. A sitcom contava a história de Ann Romano (Bonnie Franklin) que tinha acabado de se divorciar em pleno anos de 1970. Ann tinha duas filhas, Julie (Mackenzie Phillips) e Barbara Cooper (Valerie Bertinelli), que eram jovens com muitas opiniões formadas. O ator Pat Harrington Jr. interpretava o personagem Dwayne F. Schneider, zelador do prédio em que a família morava.

FICHA TÉCNICA Criação: Gloria Calderon Kellett e Mike Royce.

Produção: Michael Garcia, Gloria Calderon Kellett, Mike Royce Brent Miller e Norman Lear. Elenco: Justina Machado, Rita Moreno, Isabela Gomez, Marcel Ruiz e Todd Grinnell. Lançamento: 6 de janeiro de 2017, EUA. Emissora: Netflix.

Sinopse oficial: Na nova versão do clássico da TV sobre uma família de imigrantes cubanos, a mãe recém-divorciada e a avó careta criam uma adolescente e um pré-adolescente. 24

Nota: 5/5

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K-pop, o gênero musical que

ENCANTA MULTIDÕES

Fãs brasileiras mostram cada vez mais amor pelos grupos e ídolos coreanos ■ REPORTAGEM BEATRIZ MACIEL

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termo “hallyu” – ou “onda coreana” – apareceu pela primeira nos anos 1990. Com a popularização da cultura sul-coreana pelo mundo por meio da exportação de dramas televisivos, como “Autumn Fairy Tale” e “Winter Sonata”, as produções foram ficando ainda mais conhecidas e aclamadas pelo público. Em 2012, com o sucesso de “Gangnam Style”, do rapper conhecido como Psy, a música sul-coreana tomou outras proporções. Seu clipe foi o primeiro a atingir um bilhão de visualizações no YouTube, um marco histórico para a plataforma e para a música pop.

Desde então, o K-pop (abreviação de “Korean pop”, música pop coreana) vem ganhando cada vez mais espaço nas “playlists” dos fãs ao redor do mundo. Grupos como Big Bang, Girls’ Generation, Super Junior, Beyond The Scene, Twice e Shinee abriram ainda mais as portas para o mercado das músicas sul-coreanas. Hoje, o K-pop é um dos gêneros musicais mais escutados no Brasil e no mundo.

Há alguns meses, o grupo Big Bang detinha o recorde de 348 milhões de visualizações em seu “music video” – “vídeo de música”, em tradução livre – “Fantastic Baby”, quebrado apenas por “DNA”, de Beyond The Scene, lançado em setembro de 2017. Popularmente conhecidos como BTS, os sete meninos tornaram-se o grupo de K-pop com mais visualizações na plataforma do Youtube.

Foto: Natália Bambini

Após tornar-se o primeiro grupo de K-pop a receber um prêmio Billboard Music Awards – premiação que homenageia artistas da indústria musical – o BTS tornou-se mundialmente conhecido. Vencedor na categoria “Top Artista Social” por dois anos consecutivos, 2017 e 2018, o grupo concorreu com grandes nomes da música, como Ariana Grande, Justin Bieber, Selena Gomez e Shawn Mendes. Em maio deste ano, os garotos estrearam no palco da Billboard, na primeira apresentação na televisão do novo “single” “Fake love”.

Os sete garotos já vieram ao Brasil três vezes e mesmo sendo um fenômeno mundial, não são todos os fãs que se apaixonam por eles na primeira vez em que os escutam. É o caso da estudante de design gráfico Marcela Letícia Horst Maitinez, de dezenove anos. Apresentada ao K-pop em 2011, quando ainda tinha treze anos, a catarinense não ligou muito logo de cara. Foi preciso que os anos se passassem para que a influência e a vontade de escutar as músicas crescessem. Nem mesmo quando ouviu um pouco do BTS em 2015, Marcela Maitinez encontrou a ligação que têm hoje com o gênero musical. Foi apenas no início de 2017 que a garota começou a gostar realmente do K-pop, processo em que BTS foi fundamental, ao lado da influência das amigas.

“A gente tem um grupinho na faculdade que tem eu e mais três pessoas. Duas já gostavam de K-pop, e eu e a outra menina, não. Essas duas começaram a falar bastante disso, mostrar os vídeos, os MVs [“music vídeos”] e os programas de variedade, e aí o buraco começou a se afundar”, revela Marcela Maitinez. A estudante conta também que gostar desse gênero musical a aproximou bastante de suas amigas e que, no começo da faculdade, elas não eram tão ligadas, o que mudou com o tempo e os gostos parecidos. “A gente se vê todo dia, saímos bastante juntas, principalmente para falar de K-pop, ver coisas de K-pop”, afirma. Assim como Marcela Maitinez, a moradora da cidade de São Vicente, litoral de São Paulo, Ana Carolina Costa Saraiva, 20, também teve influência para aprender a gostar do gênero. Contudo, antes mesmo de conhecer mais a fundo o K-pop, Ana Carolina fez sua própria descoberta. Em 2013, quando o grupo Shinee veio ao Brasil, a estudante de fisioterapia começou a se interessar e a ouvir as músicas deles. Mas foi só com a aproximação de sua amiga Larissa que ela DIVERSIFICA AÍ! 5º SEMESTRE 2018

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foi apresentada ao que hoje considera uma paixão. “Ela era fã de K-pop há bem mais tempo que eu. Então eu falei que tinha gostado do Shinee, que eu tinha ouvido algumas coisas, e ela começou a me mostrar um monte de coisa, um monte de grupo”, relembra. Ao mesmo tempo em que Ana Carolina era apresentada ao pop coreano, ela mostrava a banda inglesa One Direction para a amiga. Aos poucos, tornou-se conhecedora da música sul-coreana e seus grupos.

nero se reinventa constantemente. “O que costumava ser atrativo para mim antes e o que é atrativo para mim agora depois do K-pop se tornou coisas muito diferentes”, afirma. Seu primeiro contato com o pop coreano se deu em 2016, depois que resolveu, finalmente, dar uma chance para o estilo. A moradora da cidade paulista de Campinas conta que antes tinha certo preconceito, mas, por influência também das amigas, decidiu que estava na hora de conhecer aquilo que para ela não tinha tanto valor como tem hoje.

Impacto

O “conceito”, no K-pop, é basicamente o tema que os grupos tratam no clipe de música que vai ser lançado. Isso pode acabar sendo estendido para outros MVs ou o mesmo grupo pode mudar o conceito nos próximos.

Ana Carolina conta também que pensar em Shinee hoje em dia é difícil: “Eles são um grupo há bastante tempo. Infelizmente foi o grupo do cara que se suicidou, o Jonghyun [em 2017]. Então é meio difícil até falar de Shinee, porque foi o grupo que me levou para o K-pop e teve essa tragédia agora. Eu não tenho nem palavras para explicar”.

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O que o K-pop tem que vêm chamando tanta atenção nos últimos anos? A estudante de psicologia Angela Luzia Gomes da Cruz, 20, acredita que o gêDIVERSIFICA AÍ! 5º SEMESTRE 2018

Misturando diversas referências musicais, o K-pop combina, na maioria de suas produções, música eletrônica, pop, rock, blues e hip-hop. Mas, isso não quer dizer necessariamente que todos os grupos fazem essa combinação. Cada grupo tem o seu jeito, seu conceito.

Foto: Natália Bambini

Ana Carolina dá o exemplo dos grupos femininos: “eles podem ter diferentes conceitos, como o conceito fofo, o sexy, o inocente ou o gótico”, os quais variam de ano para ano dependendo do que o grupo quer mostrar. O grupo Twice, por exemplo, segue o conceito “fofo”, que foi mostrado em seu último “comeback” no MV “What is love”. Já o Monsta X, em seu último MV “Jealousy”, mostra um conceito mais “sexy”. Um ponto forte do K-pop são as coreografias. Os grupos dão aos fãs uma experiência completa: eles cantam, dançam, atuam, dão um ritmo para o que produzem. Tanto nos MVs quanto nos shows, isso é uma característica marcante. Muitas vezes os próprios fãs identificam-se com os grupos em função das coreografias desenvolvidas, mesmo que eles não saibam dançar. Para Gabrielle Vieira Marcelino, 19, moradora da cidade de Hortolândia, em São Paulo, ver os ídolos ali, dançando, dá a ela a vontade de um dia aprender os passos. “Eu tenho vontade de aprender a coreografia e dançar junto com a música, porque eu acho muito


gostoso você acompanhar uma música dançando”, comenta. Ela conta também que o que chamou mais sua para o K-pop foi justamente a combinação entre música e dança. Ainda hoje isso é uma característica marcante para a estudante de Letras. Outra característica desse gênero musical é a mistura do idioma coreano com o inglês nos versos de muitas canções. Embora isso possa causar estranhamento aos ouvidos iniciantes, quem acompanha o K-pop há mais tempo acaba se acostumando. Angela Luzia demorou a acostumar com essa mixagem de idiomas, mas hoje entende que essa característica ajuda os grupos a se aproximarem dos fãs internacionais “Eu acho legal quando colocam [diferentes idiomas em uma música], mas, quando não colocam, ‘ok’. Não é uma coisa totalmente necessária ficar misturando”, explica. Já sua irmã, Amanda Aparecida Rodrigues da Cruz, 15, tem um gosto especial pela mistura de línguas. “Eu acho que o inglês e o coreano combinam muito, e essa mistura de idiomas fica bem bonita”, afirma.

Embora muitos fãs gostem de ouvir K-pop mesmo sem entender o que as letras dizem, muitos se preocupam em ir além. Muitas vezes o coreano é necessário para acompanhar entrevistas e notícias dos grupos, como afirma Marcela Maitinez: “Tem algumas redes sociais em que a gente se comunica direto com os grupos. E é importante saber coreano nessas horas, porque a maioria deles não sabe inglês. Então, se você quer mandar uma mensagem para eles, precisa saber coreano”.

Para aqueles fãs que sabem ao menos um pouco, ainda é preciso lidar com as críticas e questionamentos de outras pessoas. Gabrielle Marcelino já passou por isso, e explica que o coreano é uma língua difícil e que pouca gente conhece. Até por preconceito, muitos colegas a questionam sobre por que aprender um idioma tão “exótico”. Ela acredita que o aprendizado lhe traz realização pessoal. Preconceito

Por ser um gênero musical ainda pouco conhecido no Brasil, o K-pop enfrenta muitos preconceitos. “Olha,

o problema do preconceito é que as pessoas não aceitam nada que não venha do Brasil ou dos Estados Unidos atualmente, no máximo da Inglaterra”, comenta Angela Luzia.

Segundo os fãs, a ideia de grupos de K-pop ganhando ou “tomando” lugares que antes eram ocupados por ingleses, norte americanos e canadenses gera incômodo. O BTS é um exemplo de grupo que vem ganhando proporções significativas tantos nas mídias sociais quanto nas apresentações. Para Gabrielle Marcelino, há muita gente que não gosta de ver esse crescimento: “tem um pouco dessa rixa, porque os meninos do BTS são os únicos que estão ali competindo contra outros ‘monstros dos Estados Unidos’”.

“As pessoas geralmente acham que o K-pop é coisa de criança e acabam esquecendo que é só um estilo musical como todos os outros”

Nesse sentido, muitos fãs do gênero também se sentem vítimas de preconceito. É o caso de Amanda Cruz: “as pessoas geralmente acham que o K-pop é coisa de criança e acabam esquecendo que é só um estilo musical como todos os outros”. Ela relata que a discriminação veio de pessoas do seu convívio, e que preferiu não discutir para que a situação não ficasse pior. Já Marcela Maitinez leva as “piadinhas” bem na brincadeira, porque entende que “é mais brincadeira do que verdade”. Se os comentários chegam ao ponto de se tornarem piadas preconceituosas contra a Coréia ou contra os asiáticos, ela pede ao interlocutor para parar e mostra que a pessoa está errada. “Mas, sobre o K-pop em si, eu levo bem na brincadeira”, afirma Paixão

Viajar mais de dez horas para ver um grupo é uma experiência que muitos

fãs vivenciam quando os ídolos decidem fazer os shows em cidades mais conhecidas. Foi esse o caso de Marcela Maitinez para ver seu grupo favorito em São Paulo. Ela, que mora em Criciúma, Santa Catarina, reservou hotel e combinou com as amigas a viagem para ver o grupo A.C.E (Adventure Calling Emotions), que se apresentou na capital paulista em março deste ano. “Eu dormi praticamente só uma hora naquele dia e estava uma pilha de nervos, mas valeu muito a pena, foi uma experiência incrível”, relembra.

Para Ana Carolina, que mora em São Vicente, a experiência foi um pouco diferente, já que foi acompanhada da prima para a capital de São Paulo, onde veriam o show do grupo misto Kard em setembro de 2017. “Foi muito legal porque foi um show em que eu me senti bem independente. Nós fomos sozinhas, de ônibus, pegamos metrô sozinhas pela primeira vez. Conseguimos nos achar, fizemos amizades na hora. O show foi também uma experiência sensacional”, conta a estudante. Como parte do dia a dia de muitos jovens, o K-pop é extremamente importante na vida dos fãs. “Eu viajei por causa disso, eu compro coisas por causa disso, desenho por causa disso. Os últimos desenhos que eu estou fazendo praticamente é fanart [arte de fã] do grupo de K-pop”, revela Marcela Maitinez. Para Ana Carolina, acompanhar o estilo musical a distrai e a ajuda a escapar da realidade. “Eu vejo foto, música, vídeo, coisa para fã, coisa para te animar. E esqueço os problemas, distraio bastante, dou muita risada. Então eu acho que o K-pop serve justamente para entretenimento”, conta. Chance ao K-pop

Mesmo com o preconceito por parte de pessoas que não conhecem o estilo, as fãs de K-pop não desistem de incentivar aqueles que aceitam dar uma oportunidade para a música sul-coreana. “Escutem como se estivesse escutando qualquer outro tipo de música, a única diferença é que está num idioma que para você não é familiar”, incentiva Ana Carolina. “Eu acho que é uma oportunidade para conhecer uma cultura totalmente nova, um estilo de música diferente. Sério, dá uma chance!”, empolga-se Marcela Maitinez. DIVERSIFICA AÍ! 5º SEMESTRE 2018

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c MÚSICA

O movimento da

Foto: Isabela Maximiano

QUEBRADA ■ PINGUE-PONGUE ISABELA MAXIMIANO

“Se não tivesse começado a dançar, teria um dos dois destinos: estaria morto ou preso”. Foi com estas palavras que Lukas Rios, nascido e criado no Jardim São Luís, bairro da zona sul de São Paulo, introduziu sua história. O dançarino, de apenas 22 anos, dança há doze e acredita que o “hip-hop” e as danças de rua salvaram sua vida. Desde criança, Lukas é apontado como estrela entre os amigos, por sempre ter expressado interesse por música e coreografia. Contudo, ele precisou encarar alguns desafios para fazer da arte seu sustento, de Joyce – sua esposa – e de seu filho, Théo, de um ano e meio de idade. Antes de se profissionalizar na área, o dançarino viajava três horas para ter aulas – às quais ele assistia de muleta, devido a um acidente no joelho que sofrera aos quinze anos. Chegou até a dormir na rua em nome de seu sonho.

Hoje, o professor de dança licenciado emprega seu conhecimento em “street dance” em apoio às crianças e jovens das comunidades da zona sul de São Paulo, por meio de aulas remuneradas e trabalho voluntário. Lukas assegura que a atividade artística é a responsável por tê-lo distanciado da criminalidade e acredita que ela é capaz de ampliar o conhecimento cultural dos bairros periféricos.

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No dia da entrevista, a equipe de Diversifica Aí acompanhou o professor no evento de danças urbanas que aconteceu no último dia 20 de maio, no CEU (Centro de Artes e Esportes Unificados) Casa Blanca. Diversos coletivos de dança se apresentaram para a plateia, que vibrava junto com os dançarinos. DIVERSIFICA AÍ! 5º SEMESTRE 2018


c Diversifica Aí: Como começou sua história na dança? Lukas Rios: Foi aos dez anos de idade. Comecei a dançar, porque, se eu não dançasse, eu provavelmente teria um dos dois destinos: estaria morto ou preso. O lugar onde cresci não é muito favorável. Agora está melhor, por conta da arte que está entrando, mas antigamente não era. Meus irmãos não gostavam de ficar na rua. Só eu gostava dessas paradas. Então, como passava muito tempo fora de casa, a probabilidade de fazer merda era maior. Minha mãe via isso e quis me tirar daquele meio. Primeiro me colocou para jogar bola. Fui, machuquei o joelho e tive que parar [risos]. Até que um dia, na escola, um professor foi fazer uma apresentação de dança e eu fiquei babando igual a um idiota e pensei: “preciso aprender isso de qualquer jeito”. Conversei com o professor e ele falou que dava aulas em um projeto social, próximo à minha quebrada. Então, eu falei pra minha mãe que queria dançar. Ela deu risada. Resolvi ir em uma aula experimental, dancei a primeira vez e não saí de lá nunca mais. Fiquei um ano e meio fazendo aula com ele, até que ele foi embora. Depois disso, treinei dois anos sozinho, só eu, sem mais ninguém dançando. Depois montei meu próprio grupo, aos treze anos, e nos apresentamos em vários lugares da cidade; aqui [no CEU Casa Blanca], na Câmara Municipal de São Paulo... E como você construiu sua carreira como professor?

Sempre sonhei em ser professor de danças urbanas. Quando fiz aula em uma Casa de Cultura, minha professora se machucou e parou de dançar. Como estava com ela há mais tempo, ela pediu para me colocarem no lugar dela. Dei minha primeira aula com quinze anos de idade, sem saber quase nada. De lá pra cá, tenho conseguido trabalhos, mas não trabalho com dança desde aquela época. Trabalhei com telemarketing a vida inteira , quando fiz dezessete anos, resolvi me dedicar só à dança. Não deu certo. Mas desde o início de 2018, depois de ter tirado minha certificação, comecei a investir pesado na dança e agora posso dizer que vivo dela.

Você tem algum projeto paralelo? Tenho meu grupo, o F Street Crew. É a galera que vocês viram dançar agora, que eu amo de paixão. O grupo existe há seis anos, com várias formações. Sou o único remanescente da formação primogênita. A galera nem dança mais, mas o nome persiste. Fiz essa tatuagem em homenagem ao grupo, há duas semanas [mostra o desenho do símbolo do grupo no antebraço]. Também dou aulas no CCA (Centro para Crianças e Adolescentes), que é um projeto social para crianças de cinco a quinze anos, às segundas. Dou aula em seis lugares diferentes: no CCA do Jardim Piracuama, na Dance Arts, que é uma escola de dança, Arena de Artes, Colégios Paradigma e São Jerônimo, além de aulas particulares para três alunos, na casa de um deles.

“Não vejo o movimento “hip-hop” artístico simplesmente como dança ou festinha. Vejo como salvação de vidas.” Você disse antes que, se não tivesse entrado no mundo da dança, você estaria morto ou na cadeia. Como é a diferença do cenário antes e depois da cultura ter ganhado mais espaço na periferia? Costumo dizer que a pessoa que trabalha com artes não tem coragem de tocar em uma arma. Quem me falou isso foi meu professor. Todas essas pessoas que vocês viram hoje foram salvas. Não vejo o movimento “hip-hop” artístico simplesmente como dança ou festinha. Vejo como salvação de vidas. As pessoas que eu trouxe para meu grupo são pessoas que salvei. A diferença de quando eu era moleque pra agora é gritante. Eu não tinha coragem de olhar nos olhos das pessoas, por medo de ser julgado pelo lugar de que

tinha vindo. Hoje tenho a cara e a coragem de mostrar quem sou. A cultura está mais forte na periferia, mas, antes, dizer que era professor de dança era motivo de chacota, das pessoas acharem que eu era marginal. A aceitação da arte está mais fácil, mas ainda existem lugares onde a dança é muito separada. Onde tem balé e teatro muitas vezes não tem danças urbanas. Elas ainda são um pouco malvistas. Do que, exatamente, a arte o salvou?

Quando eu tinha nove anos, eu fui aviãozinho. Estava levando drogas pros outros, sem saber, na mochila. Foi isso que fez minha mãe acordar. Aos nove anos, eu via nego com arma na mão na minha frente e achava aquilo a coisa mais natural do mundo. Você tem apoio da sua família?

No início, quando estava fazendo coisa errada e a dança me tirou daquilo, tinha apoio. Depois que cresci, lá pelos meus quinze, dezesseis anos, minha mãe falava que eu tinha que começar a trabalhar, para ajudar nas contas em casa. Então, eu tinha que trabalhar e dançar. Eu mentia pra minha mãe, dizendo que estava fazendo aulas em Santo Amaro, quando eu estava fazendo aulas na Casa do Hip Hop, em Diadema, a três horas da minha casa. Ela acabou descobrindo, porque uma vez eu tive que levar o papel da mensalidade pra casa, que inclusive meu professor pagava, porque eu não tinha setenta reais todo mês pra tirar do bolso, e ela viu que no papel estava escrito Diadema. Fui expulso de casa duas vezes, porque eu começava a trabalhar, mas saía para dançar. Eu ganhava dinheiro com o trabalho, mas era triste. Então, minha mãe me disse que, se eu não trabalhasse, tinha que sair fora. Eu saí e dormi na rua. Gosto de contar isso, porque fez parte da minha luta para continuar. Depois de duas noites, minha mãe me ligou, pedindo pra eu voltar. E depois me mandou pra fora de novo. Até o dia em que eu falei pra ela não pedir pra eu voltar, porque eu ia continuar dançando. Uma professora minha passou a me ajudar, e durante quatro meses dava 450 reais pra minha mãe, pra ajudar nas contas de casa e me manter dançando. Essa é a minha mãe na dança, a Ana Sharp. Foi DIVERSIFICA AÍ! 5º SEMESTRE 2018

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c ela quem pagou a minha certificação DRT e daí pra frente comecei a trabalhar com dança. Como é essa certificação?

O DRT [sigla denominada a partir da Delegacia Regional do Trabalho] é um carimbo na sua carteira de trabalho, que comprova que você é artista licenciado pra trabalhar com dança. Os artistas circenses também têm, assim como músicos, por exemplo.Todas as pessoas que trabalham com artes possuem DRTs diferentes. E é bem difícil de tirar. É uma prova de três minutos, com um monte de jurados. Tem que fazer um portfólio artístico, com tudo o que você fez na arte e levar pros caras analisarem. Aí você marca uma prova de três minutos, prepara uma apresentação e fala por que você dança, por que você quer ser professor, o que você quer fazer com seu DRT etc... Isso fez com que eu começasse a ganhar dinheiro com dança. O que o motivou a se tornar professor?

Observar meus professores. Eles são respeitados e têm amizade com todo mundo. Também sempre quis compartilhar o que vivi. Eu não ia falar, porque sempre choro ao falar disso, mas quando eu via no meu professor o pai que eu nunca tive… [emociona-se]. Quando meu pai me viu dançando, ele falou que eu era um marginal. Meu primeiro professor, Eduardo Sô, me dava conselhos, me chamava pra trocar ideia. Ele me jogava pra cima, enquanto meu pai jogava pra baixo. Eu queria fazer pelas pessoas o que meus professores fizeram por mim. Hoje sou feliz. Mesmo se eu não ganhasse dinheiro com isso, eu dançaria. Porque acredito que a dança muda a trajetória das pessoas.

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Todas as pessoas que estão aí dentro dançando vão falar a mesma coisa. Todo mundo tem um motivo pra estar ali. Hoje posso dizer que trabalho com o que eu gosto. Foi difícil, apanhei muito, tomei muito “não” na cara, surra da minha mãe por ter saído escondido, mas todas as dificuldades me incentivaram a continuar. Nesse banco aqui do lado, tive o acidente mais sério da minha vida. Bati o joelho e fiquei dois meses sem pôr o pé no chão. O méDIVERSIFICA AÍ! 5º SEMESTRE 2018

dico falou que eu não ia dançar nunca mais. Eu vinha assistir às aulas de muleta. Fazia as coreografias sentado. Fiz 36 sessões de fisioterapia a laser pra conseguir voltar a mexer o joelho. Foi quando o médico disse que, se eu voltasse a dançar, eu sentiria dor todos os dias, e que, se eu fizesse cirurgia, perderia metade dos movimentos. Então eu danço, todos os dias, com dor no joelho. Você é bem jovem. Como conseguiu tudo isso em tão pouco tempo?

Isso é um ponto positivo e negativo. Se eu chegar em uma escola de dança agora, eles não vão me levar a sério por causa da minha idade. Por isso, sempre pedi assinatura dos meus professores e tenho registro em fotos e vídeos do meu trabalho. Meu currículo é extenso. São doze anos de felicidade, mas de muito sofrimento também.

“Meu currículo é extenso. São doze anos de felicidade, mas de muito sofrimento também.”

Como é o seu projeto em conjunto com a Fábrica de Cultura? Em 2012, a Fábrica abriu. Eu já estava lá. Assim que abriu, peguei uma sessão de espaço e comecei a dar aulas gratuitamente. E aí surgiram todos os projetos que tenho. A Fábrica de Cultura é a melhor coisa que fizeram naquela região. Foi isso que fez aquela quebrada parar de ser o foco de criminalidade que era. Ela mudou as coisas totalmente, com canto, circo, violão, música, teatro, fotografia, artes plásticas, artes cênicas – tem curso de tudo. Lá é o foco das danças urbanas daqui dessa quebrada. Toda essa galera que está vindo dançar aqui é de lá. São mais de 25 grupos. Por isso, dos projetos sociais que existem lá na minha quebrada, a Fábrica de Cultura foi o maior e o que mais deu certo. Eu já dei aula lá voluntariamente. Agora, apenas uso o espaço para ensaiar com meu

grupo de dança.

Como é sua relação com sua família agora? São minha base. Eles que me dão força [nesta hora, começam a anunciar no teatro principal que a batalha de dança iria começar]. Meu irmão mais velho é meu pai. Ele foi o cara que me incentivou. Inclusive minha mãe, que me dava porrada sempre, me incentivava a voltar quando eu pensava em desistir. Hoje não sou mais tretado com meu pai, mas é ele no canto dele e eu no meu. Meu pai abandonou minha família quando eu nem tinha nascido. Minha esposa eu conheci dançando, ela é capoeirista, quer viver disso, mas ainda não conseguiu. Ela e meu filho são minha base. ***

De dentro do teatro, os dançarinos dão início à batalha. Lukas fica inquieto para entrar, pois estávamos do lado de fora, e encerramos a entrevista. Ao ingressar no círculo de dançarinos – quase nenhum mais velho do que ele –, que se movimentam ao som de “rap”, “hip-hop” e “funk”, o professor apresenta sua arte. O dançarino arrisca um “freestyle” e passa a guiar o grupo na dança. O brilho nos olhos é inegável: Lukas viera para mudar a história daqueles a quem conduz o ritmo. Para saber mais Originado durante a década de 1970, o “hip-hop” é um gênero musical que surgiu em Nova Iorque, entre as comunidades afro-americanas, latinas e jamaicanas. Foram estabelecidas quatro manifestações artísticas principais que sustentam a cultura do hip hop, de acordo com o precursor do movimento, Afrika Bambaataa: o “graffiti”, “breakdance”, “DJing” e o “rap”. No Brasil, o “hip-hop” destacou-se nos anos 1980 por meio do “breakdance”, entre as comunidades negras e pobres das cidades grandes, como instrumento de debate, ativismo e forma de integração social de jovens periféricos. Thaíde, Racionais MC’s, Dj Hum e Rappin Hood foram um dos pioneiros do movimento artístico no país.


Série americana que fala sobre racismo dentro das universidades Retratando o sistema racista e opressor dentro das universidades de elite dos Estados Unidos, a série americana “Dear white people”, lançada em 2017. Em maio deste ano, ela ganhou uma nova temporada com dez episódios de cerca de quarenta minutos cada, já disponível na plataforma de “streaming” Netflix. A história dos alunos da Ivy League segue com inúmeros dramas e mistérios a serem desvendados. Ficha técnica

Criação: Justin Simien Produção: Jamie Neese, Stephanie Allain e Julia Lebedev. Elenco: Logan Browning, Drandon P.Bell, DeRon Horton, Antoinette Robertson, John Patrick Amedori, Ashley Blaine Featherson, Marque Richardson e Giancarlo Esposito. Lançamento: 28 de Abril de 2017, Estados Unidos Emissora: Netflix Sinopse oficial: Alunos negros de uma conceituada universidade norte-americana enfrentam desrespeito e a política evasiva da escola, que está longe de ser "pós-racial". Serviço: Endereço: Rua Visconde de Parnaíba, 1316, Brás, São Paulo – SP. Horário: De terça a sábado: 9h às 17h. Domingo: 10h às 17h. Investimento: Ingressos a R$ 10; bilheterias abertas das 10h às 17h. Site: museudaimigração.com.br

23ª Feira do imigrante reúne música e arte no centro de São Paulo Na sua 23ª edição, o evento, que começou em 3 de junho e acontecerá também nos dias 9 e 10, tem como objetivo resgatar a memória das famílias de imigrantes que vieram viver em São Paulo no começo do século 20. Na festa, que acontece no Museu da Imigração, os visitantes podem conhecer um pouco da culinária, da arte, da música e da dança de diversas nacionalidades.

Quarta Semana de Diversidade da Escola Politécnica acontece em junho Nos dias 13 a 20 de junho, na Poli-SP (Escola Politécnica da Universidade de São Paulo) e na Poli-Santos (Escola Politécnica da Universidade de São Paulo, em Santos), acontece a 4ª edição da SEDEP (Semana de Diversidade da Escola Politécnica) – e ela está de cara nova. O evento, que foi originalmente idealizado pela Frente PoliPride, agora conta com a colaboração dos coletivos Poli Negra, PoliGente e Politécnicas .R.existem. O evento será realizado com o apoio da Diretoria da Escola Politécnica e contará com exposições, palestras, mesas redondas, exibição de filmes, apresentações culturais, workshops, “working day” e “networking” com profissionais de empresas referência em políticas de diversidade. Todas as atividade são gratuitas e estão abertas tanto aos estudantes da Universidade de São Paulo quanto ao público externo. Serviço: Endereço São Paulo: Av. Prof. Luciano Gualberto, 380 - Butantã, São Paulo - SP Endereço Santos: Praça Narciso de Andrade - Vila Mathias, Santos - SP, 11013-560 Horário: 13 de junho às 22:00 a 20 de junho às 1:00 Investimento: Gratuito

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Chi-Fu: a China dentro de São Paulo

Biyou´z: visite a África sem atravessar o oceano

O ambiente agradável – com decoração que faz o cliente se sentir como se estivesse dentro de um palácio do maior país asiático – aliado ao sabor inigualável de pratos muito bem servidos e a um preço amigável (R$ 40 o menu fechado que serve pelo menos duas pessoas) fazem relevar o fato de o estabelecimento não aceitar cartões e cheques e de os funcionários não falarem ou mal falarem português. Não espere um atendimento convencional, pois os garçons não vão à sua mesa de tempo em tempo.

A ideia da camaronesa Melanito Biyouha era criar um espaço para os imigrantes, com pratos de países africanos como Camarões, Angola, Nigéria, Congo e Senegal, mas deu tão certo que pessoas de todas as partes vão ao restaurante para saborear pratos como o Fumbua (creme de amendoim com camarão seco, mandioca cozida e carne) ou o Malang (banana-da-terra frita com uma carne a escolha do cliente), que custam a partir de R$ 20.

Serviço: Endereço: Praça Carlos Gomes, 200 - Liberdade, São Paulo – SP. Horário de funcionamento: Segunda a sexta-feira: 11h às 16h e 18h às 22h. Sábado e domingo: 11h às 17h. Facebook: RestauranteChiFu Telefone: (11) 3101-8888

Serviço: Endereço: Alameda Barão de Limeira, 19 Campos Elíseos, São Paulo – SP. Horário de funcionamento: todos os dias, das 12h às 22h. Site: http://biyouzresto.com.br/ Telefone: (11) 3221-6806

Congolinária: descobrindo sabores do Congo Pensando em dividir a cultura, história e especialmente a gastronomia da República do Congo, o refugiado congolês, ator, advogado, produtor cultural, professor e ativista Pitchou Luhata Luambo, com a ajuda de sua filha Marie Luambo, trouxeram para a capital paulista os sabores da cozinha de seu país natal – com um diferencial: tudo é vegano, portanto nenhum ingrediente de origem animal é utilizado na realização dos pratos. Localizado no bairro do Sumaré, em um espaço despretensioso, o Congolinária prioriza ingredientes naturais e livre de aditivos químicos. A produção das sambusas, couve na mwamba, fufu, choux e outras delícias congolesas é totalmente artesanal e acompanhada da simpatia de seus fundadores. Serviço: Endereço: Avenida Prof. Alfonso Bovero, 382 - Sumaré, São Paulo – SP. Horário de funcionamento: 12h às 15h e 19h às 22h (fechado às segundas-feiras). Site: congolinaria.com.br Telefone: (11) 94376-2912

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