Temas Contemporâneos Questões de Gênero
EDIÇÃO 1, DEZEMBRO 2016
Maternidade: o que dizem as mulheres que não têm esse sonho.
Transexuais relatam as dificuldades dos relacionamentos na era digital
Muitas vezes, as mulheres não são protagonistas de seus próprios partos. Mas cabe a quem decidir?
Expediente
Ana Flavia Monteiro Editora de Arte
Carta ao Leitor A Revista Athena foi criada por cinco alunos do 6º semestre do curso de Jornalismo da Universidade Anhembi Morumbi para a matéria de Produção de Revista, ministrada pela Professora Maria Cristina Brito Barbosa. Abordando o tema sobre Questão de Gênero dentro da editoria de Ciência e Tecnologia, nossa revista traz matérias sobre o direito da mulher sobre seu corpo nos mais diversos âmbitos, as características e, principalmente, as dificuldade que transgêneros encontram para se relacionar no meio digital, um pouco sobre a cirurgia de mudança de sexo e o “porque” de mulheres muitas vezes preferirem frequentar ginecologistas do mesmo sexo. Esperamos que tenha uma experiência prazerosa e que aqui consiga encontrar as informações que deseja sobre o assunto.
João Victor Siqueira Editor de Texto
Lívia Teixeira Repórter
Natália Nunes Repórter
Pamella Massola Editora Assistente
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Fotos: Arquivo Pessoal
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Sumário Em Busca da Inclusão Digital........................................................................................................... 4 Maternidade Não é Dom, É Escolha!............................................................................................. 7 Meu parto é minha decisão!.......................................................................................................... 10 Hora de Mudança.............................................................................................................................. 16 Saúde e a Vida Sexual da Mulher.................................................................................................. 18 Outra Visão........................................................................................................................................... 19 Revista produzida por alunos do 6º semestre do curso de Comunicação Social - Jornalismo Universidade Anhembi Morumbi Reitor Prof. Dr. Paolo Tommasini Pró-Reitor Acadêmico Prof. Dr. Ricardo Fasti Diretor da Escola de Ciências Humanas e Sociais Prof. Dr. Luis Alberto de Farias Coordenador do curso de Jornalismo Prof. Dr. Nivaldo Ferraz Coordenador Adjunto do curso de Jornalismo Prof. Me. Alexandre Possendoro Professora da disciplina e orientada desta edição Profa. Maria Cristina Brito Barbosa Redação e diagramação Ana Flavia Monteiro João Victor Coelho Lívia Teixeira Natália Nunes Pamella Massola Data desta edição Dezembro de 2016 CAPA Modelo: Andressa Moraes Fotógrafo: João Victor Siqueira PÁG. 3, DEZEMBRO 2016
Em busca da inclusão digital_ Transexuais relatam como se sentem sobre a inclusão de gênero, ou a falta dela, nos aplicativos de paquera. - Natália Nunes
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omem ou mulher? O que você faria se não se identificasse com nenhuma dessas opções? É o que enfrentam os transexuais usuários de aplicativos de paquera que não incluem outras categorias de gênero além do “masculino” e “feminino”. Os aplicativos do tipo tiveram um “boom” nos últimos anos com a chegada do Tinder e do Happn, que viralizaram entre pessoas de todas as idades com uma nova forma de “juntar” possíveis casais: o “match”, que em português significa que duas pessoas combinam. Nesse tipo de aplicativo, você pode fazer login com o Facebook, que já disponibiliza algumas fotos, informações como profissão ou que faculdade você frequenta e, depois, o usuário deve responder qual o interesse dele: homem, mulher ou os dois, além de assinalar a qual gênero ele pertence: masculino ou feminino. No entanto, as opções limitadas excluem uma série de pessoas que não se identificam com os dois gêneros. A modelo Melissa Hudson, de 22 anos, se inscreveu no Tinder com o objetivo de conhecer pessoas novas, mas quando chegou a parte em que precisava informar seu gênero, percebeu que teria que “mentir” e especificar na descrição que era na verdade uma mulher trans. Mas claro, as fotos de Melissa não apareceriam apenas para quem está interessado em mulheres trans, mas sim para todos, incluindo homens transfóbicos, por exemplo. A falta de opção de gênero parece apenas um mínimo detalhe, mas pode resultar em inúmeras situações constrangedoras para a comunidade trans. “Ataques de preconceito acontecem bastante. Quando você se recusa a sair ou demonstra não ter interesse no cara, eles começam a te ofender e tentam te diminuir, te tratam até no masculino. Mensagens perguntando quanto é o programa também são comuns, já que pessoas trans são automaticamente vistas como profissionais do
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sexo, muitos deles menosprezam aquelas que não tem o corpo todo feito, rosto bonitinho e corpo desenhado”, desabafa Melissa. Além do Tinder, a modelo já tentou usar outros aplicativos como, Hot or Not, Adore um cara, Hornet e Luxy. Em um deles Melissa foi expulsa por um motivo que não fazia sentido: “fui expulsa do Hornet. Eles alegaram que minha conta havia sido bloqueada por ser falso, o que não faz sentido algum. Além desse episódio, já fui expulsa outras vezes em aplicativos diferentes que nunca se pronunciaram sobre o motivo de terem me banido”. O CEO do Tinder, Sean Rad, anunciou durante uma conferência sobre tecnologia na Califórnia, em julho deste ano, que atenderá aqueles que não se enquadram nos grupos “masculino” ou “feminino” e se reconhecem como transexuais ou outras definições. Tudo começou depois que, em junho do ano passado, uma usuária trans chamada Sol Solomom foi banida do app quando um de um de seus “matches” a denunciou por sua identificação de gênero, que no caso era mulher. Revoltada com o que aconteceu, Solomom resolveu expor a situação nas redes sociais, o que fez com os executivos do Tinder começassem a repensar a ideia de gênero. Ainda sem data exata para atualização, o aplicativo, com mais de 10 milhões de usuários só no Brasil, deve se inspirar em outros dois exemplos que já existem destinados à comunidade LGBT: o Transgnder e o Thurst. Para a comerciante Sophia Bernardes, de 21 anos, a inclusão deve melhorar a experiência de pessoas trans no Tinder: “eu acho que deveria ter a opção transexual, por exemplo, para você não passar constrangimento. Se tivesse essa opção, o usuário do aplicativo já iria saber o que ele está procurando, pelo menos você não passa vergonha, porque todo mundo já sabe que você é trans”.
"Ataques de preconceito acontecem bastante. Quando você se recusa a sair ou demonstra não ter interesse no cara, eles começam a te ofender e tentam te diminuir, te tratam até no masculino".
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Ilustrações: Natália Nunes
A fala de Sophia reflete a opinião da maioria dos transexuais sobre o assunto. Uma página do Facebook, chamada Transder da Depressão, mostra diversos exemplos de constrangimentos e ataques de preconceito vivenciados pelos usuários trans em plataformasdepaquera.Commaisde5milcurtidas,a comunidade compartilha capturas de tela de conversas enviados pelos próprios seguidores da página. Na maioria dos casos, os homens ficam nervosos quando descobrem que estão conversando com uma trans. Alguns partem para agressão verbal, outros mudam o tom da conversa para o lado sexual, fazendo propostas indecentes e ofensivas. Por outro lado, a inclusão de opções como “transexual” ou “travesti” nas configurações, levanta um debate polêmico sobre o assunto. Se por um lado há quem defenda que é necessário existir inclusão de outros gêneros nos aplicativos, há também quem defenda que o simples fato de precisar distinguir “mulher” de “mulher transexual”, por exemplo, já está errado, porque como dizia Simone de Beauvoir, “Ninguém nasce mulher.Torna-se mulher”, portanto se ela se sente uma mulher, deveria ser vista como tal. A youtuber Thayna, de 30 anos, também levanta alguns pontos negativos para a inclusão de opções no Tinder e outros aplicativos: “tem muita gente que só procura trans para satisfazer suas fantasias sexuais. Os homens que curtem transexuais geralmente usam esses sites ou PÁG. 6, DEZEMBRO 2016
aplicativos de relacionamento para encontrar uma travesti, realizar suas fantasias e depois nunca mais olhar na nossa cara. É muito comum que olhem para nós como objeto sexual e não como um ser humano que tem sentimentos”. Quando questionada sobre os pontos negativos da mudança, Sophia concordou em partes com Thayná: “acho que por um lado essa mudança seria muito boa, porque o cara ou a mulher já saberia o que está procurando e não teria problemas com o fato de você ser trans, mas, por outro, teria muita ‘sacanagem’, porque na maioria das vezes levam a conversa só para o lado sexual. Eu acho que tínhamos que ser levadas a sério, a gente devia ser tratada com mais respeito”. O debate sobre a diversificação de gênero em sites ou plataformas de relacionamento levanta mais uma vez a questão da homofobia e da transfobia, mostrando que a tecnologia reflete, muitas vezes, o pior do ser humano. Durante a entrevista coletiva na Califórnia, o CEO do Tinder afirmou que terá suporte de especialistas no assunto, já que as novas opções serão pensadas junto com a GLAAD, uma organização americana que luta pelos direitos dos LGBTs. Ainda assim, apesar da mudança significar um grande passo para inclusão de gêneros diversos na sociedade, antes de tudo é preciso resolver a raiz do problema: o preconceito e a hipocrisia, que estão presentes no nosso dia-dia, no trabalho, na faculdade, na internet, e agora também, nos aplicativos de paquera.
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MATERNIDADE
É DOM, É ESCOLHA! Por que ainda há preconceito com as mulheres que não querem ser mães? - Pamella Massola
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esde pequenas, as meninas são ensinadas a crescer, casar, ter filho e, somente assim, ser feliz. O primeiro brinquedo é sempre uma boneca que faz tudo o que uma criança também faria, e ainda diz “mamãe”. Na adolescência, quando ocorre a primeira menstruação, a menina-mulher passa a ouvir de todos à sua volta “agora já pode engravidar”. A maternidade é encarada pela sociedade como um dom, algo mágico e sublime, muito além de um ciclo natural e biológico. Ser mãe é praticamente uma obrigação da mulher. E quando mulheres alegam não ter o desejo de ter filhos? “Mas você não gosta de crianças? Tem algum problema de saúde?” Segundo Claudia Rodrigues, jornalista e terapeuta reichiana, mulheres que não são mães, sofrem dificuldades em assuntos relacionados à educação e crianças. “Mulheres não-mães não são bem-vindas em debates sobre educação e crianças, é comum que escutem coisas do tipo ‘você não sabe como é ser mãe, não devia opinar’”, diz. Segundo as estatísticas da última pesquisa do IBGE, em 2010, 14% das mulheres brasileiras PÁG. 8, DEZEMBRO 2016
não têm planos de engravidar. Na pesquisa anterior, a porcentagem era de 10%. Além disso, o Censo mostra que as mulheres com mais instrução (mais de 7 anos de estudo) estão sendo mães mais tarde, depois dos 30 anos, e a média de filhos por mulher diminuiu drasticamente - de 6,1 para 1,9 nos últimos 50 anos. “O desenvolvimento de métodos anticoncepcionais deu às mulheres a opção de adiar a maternidade ou de simplesmente evitar por tempo indeterminado a maternidade”, afirma Claudia. A entrada da mulher no mercado de trabalho também contribuiu para que essa decisão de ser mãe ou não fosse levada em conta, mas não impediu que as que têm o desejo da maternidade desistam desse sonho para se dedicarem ao trabalho. “Quando olho ao meu redor, muitas colegas de trabalho são mães e isso não as impediu de crescer profissionalmente, ter uma carreira de sucesso e ainda ser mãe”, diz Neusi Rolim, enfermeira de 56 anos que optou por não ser mãe. As pessoas costumam falar que a partir dos 30 anos o relógio biológico feminino apita e as mulheres sentem a necessidade de serem mãe.
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Fotos: Ana Flavia Monteiro
Neusi brinca e fala que o dela estava quebrado: “acho que meu relógio não funcionou direito, não senti esta necessidade”. O relógio biológico é sinônimo de fertilidade, ao longo dos anos, após a primeira menstruação, a produção de óvulos vai diminuindo e as dificuldades para engravidar aumentam. Por que em pleno século XXI ainda discutimos algo que diz respeito somente as próprias mulheres? “Porque vivemos em uma sociedade que ritualiza o papel de mãe como pura, casta, bondosa, porque a mulher na nossa sociedade deve ‘honrar’ esse papel e não o da liberdade de escolha sobre como desejam levar suas vidas. A mulher não-mãe é apenas um prato cheio para os horrores sociais em relação ao feminino, porque ela joga na cara da sociedade que não quer compartilhar sua vida com uma criança e isso é considerado quase um ato obsceno, um desamor para o símbolo maior do amor, que é a maternidade. Sendo ou não mãe, ser livre, ser uma pessoa livre, que viaja, anda, toma chope, sai com amigos homens é visto como uma afronta à sociedade. Assim que o problema não está nessa opção, mas no significado atribuído ao
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Por que, em pleno século XXI, ainda discutimos algo que diz respeito somente às próprias mulheres?” - Claudia Rodrigues
imaginário de que uma mulher que não é mãe, é o ser mais livre do universo e, portanto, perigoso, um grande desarticulador social”, afirma a terapeuta. Muitas mulheres optam pela maternidade por medo de envelhecerem sozinhas, ao contrário do que pensa a auxiliar de saúde Ivonete Barbosa de 43 anos. “A solidão não é sanada por um filho ou por um marido. Você envelhece conforme você vive, construindo as relações com as pessoas e a solidão é reflexo do vazio de experiências, perspectivas, sonhos e realizações”, afirma. “Liberdade” é a palavra para todas questões referentes a esse tema. A liberdade de escolher se a maternidade é seu sonho, se o mercado de trabalho será a sua prioridade ou se a sua vontade será conciliar os dois. A decisão não é de mais ninguém a não ser da própria mulher. A vida é dela, os sonhos, desejos e vontades devem também serem decididos por ela. PÁG. 9, DEZEMBRO 2016
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Meu parto é minha decisão! As mulheres são donas do próprio corpo e sabem o que é certo para elas e seus bebês. Por outro lado, os médicos entendem o que é melhor para a saúde dos dois e podem acompanhar o procedimento de perto. Afinal, a escolha do parto deve ser de quem? - João Victor Siqueira
Fotos: João Victor Siqueira
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m 2015, a Organização Mundial de Saúde (OMS) divulgou uma pesquisa que diz que o Brasil é líder na lista de países que mais optam por cesáreas no mundo. De acordo com a organização, 55% dos partos no Brasil ocorreram por meio do procedimento cirúrgico em 2014, e esse número têm aumentado no decorrer dos anos. O médico obstetra, Luciano Tavares, graduado pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, afirma que influencia a grande maioria de suas pacientes a realizar o parto com auxílio da medicina. “Com a cesárea, o parto é mais seguro, já que a mulher conta com ajuda dos médicos durante todo o procedimento” afirma o médico. Por outro lado, mulheres que prezam pelo parto natural, dizem que essa escolha deve ser única e exclusivamente delas mesmas, não dos maridos e médicos. A escolha pelo parto com auxílio da medicina ao invés do natural já faz parte do protocolo há muito tempo, já que muitas mulheres se sentem intimidadas a tratarem de seus próprios corpos com outras pessoas por opressão da sociedade. Dessa maneira, a mulher acaba não sendo a protagonista de seu próprio parto, algo que deveria ser primário, e o procedimento acaba sendo menos humanizado. A enfermeira obstetra, doula e mãe, Lorena Andrade, nos contou que o parto, mesmo sendo tão importante para a biologia da mulher, ainda é colocado em segundo plano. Ela é coordenadora do site gerando.com.br, um espaço para gestantes, casais grávidos, mães e pais compartilharem a concepção pelo parto natural, amamentação e educação infantil.
ATHENA: Você é doula, mas temos que admitir que esse termo ainda não é muito conhecido. Então, afinal, o que é uma doula? LORENA: Na prática é a profissional que acompanha a mulher durante a gestação, parto e pós-parto com aporte informacional e emocional. Mulheres procuram a doula, geralmente, quando querem um tipo de parto e querem poder contar com a ajuda e a orientação de uma profissional que entenda sobre o desenrolar de um parto. Além disso, elas também sabem que uma doula é capaz de fornecer alívio não -farmacológico para as dores do trade parto. Para ter o auxílio da doula, é necessário que o parto seja normal, natural ou humanizado? E para não confundir, qual é a diferença entre os três? PÁG. 12, DEZEMBRO 2016
A maioria esmagadora procura um parto normal ou o mais natural possível. Parto normal é aquele parto vaginal que contou com alguma intervenção farmacológica como anestesia ou ocitocina sintética ou que precisou de alguma intervenção do profissional que assiste o parto, como amniotomia (rotura da bolsa amniótica) ou fórceps. Parto natural é aquele que ocorreu sem nenhuma necessidade de internação, ou seja, aconteceu totalmente sem nenhum tipo de “ajuda” da equipe que assistiu o parto. Parto humanizado é aquele que contou com o protagonismo da mulher fazendo escolhas e consentindo a realização de intervenções, quando necessárias e para isso, é preciso que haja um profissional com a prática respaldada pela Medicina Baseada em Evidências. Sobre esses estilos de parto, quais são as vantagens e qual a importância deles, tanto para a mãe, quanto para o bebê? Quando a gente aguarda o desencadear natural do parto é sinal de que o bebê está pronto para nascer, ou seja, as chances de ele ter que ficar em uma UTI conta de questões respiratórias, reduzem drasticamente. Para a mulher, a recuperação do parto é muito mais rápida e menos dolorosa, o vínculo com o bebê tende a ser estabelecido de forma mais natural, o leite tende a descer mais rapidamente, as chances de amamentação com sucesso aumentam, diminuem as chances de hemorragias ou complicações pós operárias como trombose ou embolia pulmonar que são muitos comuns nos casos de cesáreas. Enfim, muitas vantagens. Mas, nem sempre é possível que o bebê nasça de parto normal e para isso existe a cesárea. Nós casos em que o bebê nasceu por cesárea, mas passou pelo trabalho de parto, os ganhos são importantes para o bebê.
Lorena no parque com seu bebê / Reprodução Facebook
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Você conhece alguma mulher que queria ter tido um desses partos, mas foi impedida por causa do marido ou médico? Infelizmente sim, e não são poucas. Eu mesma, nasci de uma cesárea totalmente desnecessária. E é muito comum que os maridos assustados e mal informados, tenham receio que suas esposas passem pela experiência do parto. Por que ainda existe essa imposição sobre como a mulher deve ou não ter o seu filho? Você não acha que ela que tem que ser a protagonista dessa situação? Mulher deveria ser sinônimo de protagonismo no parto, sempre! Acredito que os responsáveis por essa imposição são vários: a mulher assustada que já ouviu vários casos de partos com desfechos ruins e acredita que agendando uma cesárea vai estar imune, o médico que não tem disponibilidade de acompanhar um parto por cerca de 10 horas (ou mais) pois o convênio médico o remunera mal pela assistência e do hospital que quer fluência, previsibilidade e rapidez na ocupação dos leitos e das salas de partos: um parto pode ocupar uma sala por mais de 12h horas, ao passo que uma cesárea dura no máximo uma hora e por fim, a lógica institucional e medicalocêntrica do sistema obstétrico que não insere novos atores (enfermeiras obstétricas e obstetrizes) na cena do parto, sobrecarregando o profissional médico. Você acha que o movimento a favor dos partos sem o auxílio da medicina está
crescendo no Brasil? Qual é a importância disso? Acredito que é importante ressaltar que a tecnologia tem se especializado de forma fantástica, mas é mais importante saber que nem todas as mulheres vão precisar de todos os recursos tecnológicos. As mulheres que hoje procuram passar por um parto natural ou humanizado não estão negando o auxílio da medicina, pelo contrário, querem apenas que as intervenções sejam feitas apenas quando necessárias e com seu consentimento e não de rotina e sem passar por cima das suas subjetividades. Você se lembra de algum caso interessante/curioso de alguma de suas clientes com relação ao parto dela? Todos os partos são lindos, profundos e absurdamente emocionantes, mas hoje em dia, dada essa loucura de cesáreas desnecessárias, um tipo de parto que muito me comove é o VBAC (vaginal birth after c-section/parto normal após cesárea). O sorriso da mulher que consegue parir após ter sido submetida a uma cesárea desnecessária é algo de encantador e estimulante! Tenho 2 experiências fantásticas de ter assistido mulheres em VBAC’s e depois do parto ambas se tornaram profissionais envolvidas no cenário obstétrico; uma está se tornando enfermeira obstetra e outra se tornou doula. Orgulho e grande referência por ter vivido essas histórias!
É muito comum que os maridos assustados e mal informados tenham receio que suas esposas passem pela experiência do parto. PÁG. 13, DEZEMBRO 2016
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Ciência e Medicina
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Hora de Mudança A cirurgia de mudança de sexo, mesmo que conhecida, ainda é alvo de muito preconceito. Como se já não fosse difícil o suficiente a pessoa se aceitar e tomar as medidas necessárias para que a cirurgia ocorra com sucesso — levando em conta o tratamento psicológico que a acompanha —, quem faz a cirirgua de mudança de sexo ainda sofre bastante preconceito. - Ana Flavia Monteiro Foto: Pamella Massola
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A cirurgia de mudança de sexo ficou conhecida popularmente há pouco tempo, mas sua história vem de muitos anos. Em 2015, o diretor cinematográfico Tom Hooper produziu o filme A Garota Dinamarquesa, que contou, e tornou mais conhecida, a história de Lili Elbe, a primeira transexual do mundo. Nascida Einar Wegener, Lili foi a primeira pessoa registrada ao passar por um procedimento de mudança de sexo. Primeiro, a então artista se submeteu à retirada de seu órgão sexual sob a supervisão do médico alemão Magnus Hirchsfeld, conhecido por fundar a primeira associação de defesa de homossexuais e transexuais. Em 1933, iria ser implantado em Lili um útero, além de ser criada uma vagina artificial, mas ela não resistiu à cirurgia e morreu dias antes de completar 50 anos. As técnicas de transgenitalização vêm avançando muito nos últimos anos e apresentam menos riscos à vida do que naquela época, mas continua sendo complicada e mais um tabu na sociedade. Dentrodesseâmbito,existem duas possíveis mudanças: mudar as genitálias característica do sexo feminino para o masculino ou vice-versa. A transformação da genitália masculina em feminina é a mais disseminada e também a que atingiu melhor resultado até agora. Isso se dá porque para construir uma vagina “artificialmente”, usa-se o pênis para formar a estrutura. Já para construir um pênis é preciso estimular o clitóris para que ele se desenvolva, além de retirar o útero, ovários e anexos. O processo necessita de, em média, cinco cirurgias para que se faça completo e
também é necessário que seja feito com um profissional que seja bom e de confiança. Abrangendo muito mais do que a fisiologia propriamente dita, a intervenção vai bem além do momento dentro da sala de cirurgia. São necessários vários anos de preparo físico e, principalmente, emocional para que o procedimento seja o mais bem-sucedido possível.“Todos sabem que o processo não é simples, mas é preciso que o paciente faça um acompanhamento extenso e sério”, diz o cirurgião Francisco Donato Júnior. “A cirurgia requer que, por pelo menos dois anos, vários profissionais tenham acompanhado aquela pessoa. Nessa equipe devem ser incluídos psiquiatras, ginecologistas, urologistas, endocrinologistas, cirurgiões plásticos, mastologistas, fonoaudiologistas e otorrinolaringologistas, além de uma boa equipe de enfermagem”. O acompanhanto psicológico se faz muito importante, porque, além de ter que lidar com a mudança física, é necessário também se preparar para possíveis questionamentos e até ataques preconceituosos que a pessoa virá a sofrer. Fortalecer a mente é necessário para a auto-aceitação e felicidade. De acordo com o Ministério da Saúde, para fazer a cirurgia pelo Sistema Único de Saúde (SUS) – disponível desde 2008 – é preciso ter pelo menos 18 anos para poder se submeter a ela. O tratamento psicológico e hormonal pode começar mais cedo, a partir dos 16 anos. No Brasil ocorrem, em média, duas cirurgias de redesignação sexual por dia.
“É preciso que o paciente faça um acompanhamento extenso e sério antes de realizar as cirurgias”, Dr. Francisco Donato Júnior.
ELES JÁ FIZERAM VALENTINA SAMPAIO Com apenas 20 anos, Valentina diz que, desde crinaça, se sentiu uma menina e que o processo de descoberta e aceitação foi bem natural. A modelo brasileira, do Ceará, foi o grande destaque da última edição do SPFW e foi capa da edição de novembro da ELLE Brasil, além de ser, ao lado de Grazi Massafera, embaixadora da L’oreal Paris.
CHAZ BONO Filho da cantora Cher e de Sonny Bono, o ator e produtor diz que desde criança já se sentia “fora dos padrões”, mas que sabia que ia além de sua sexualidade. Em 2006, ele começou o processo de mudança de sexo, que contou com injeções de hormônio e cirurgias e demorou 3 anos para ser concluído. Após alguns anos, lançou o documentário Becoming Chaz, que mostra sua trajetória e aceitação.
LAVERNE COX A atriz de Orange Is The New Black foi a primeira transexual a ser indicada à “Melhor Atriz convidada numa série de comédia” no Emmy Awards. Em inúmeras entrevistas já disse ter sofrido ataques homofóbicos e racistas. Além de atriz, Laverne também escreve sobre diversos temas atuais em sites como o Huffington Post.
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Saúde e vida sexual da mulher - Lívia Teixeira A escolha do gênero do profissional de saúde que realiza consultas ginecológicas no Brasil ainda é uma questão que gera polêmica. Muitas mulheres ficam intimidadas ao falar sobre vida sexual com profissionais do sexo masculino. Além disso, o temor de sofrerem abuso sexual também pode afastá-las dos consultórios dos ginecologistas. O que é reforçado por relatos divulgados em jornais e revistas como o médico brasileiro, Roger Abdelmassih de 72 anos, que foi acusado de ter cometido abuso sexual e irregularidade médica com 37 pacientes e outras 37 que estão sendo investigadas, entre 1990 e 2008. Esse é o caso da estudante Isabelle Martins, de São Paulo: “São tantas histórias e notícias que vemos por aqui, que infelizmente acabam nos influenciando na hora da escolha. Não estamos generalizando, mas com certeza ficamos mais receosas”, ela conta. Com exceção de mulheres que se sentem constrangidas ao realizar exames ginecológicos com um profissional do mesmo sexo, mulheres que vão em ginecologistas homens alegam também sentir-se mais acolhidas pelo sexo oposto. “Fico tranquila. O meu ginecologista procura entender sobre minhas dores, apesar de não conhecer a intensidade delas, é cuidadoso e preocupado”, complementa Natália Biazi, de 26 anos. Paciente e ginecologista no consultório / Foto: Lívia Teixeira
E dentre tantos relatos, ainda é grande o número de pacientes que se sentem constrangidas ao realizar exames com pessoas do mesmo sexo. Por trás de cada escolha existem questões regionais e culturais que influenciam na hora da decisão. “Na minha opinião, ginecologista é algo bem pessoal, que requer confiança (o que demora um certo tempo para criar) e precisa ter um bom histórico”, diz Leticia Pereira, de 19 anos. “O que frequento realizou o meu parto e também cuida da saúde intima da minha mãe e avó há anos. Só assim consegui me sentir segura na escolha. De acordo com o ginecologista e obstetra Pedro Pretti, para a paciente se sentir confortável no consultório na hora da consulta, é de extrema relevância que a mesma tenha empatia pelo seu médico, e sinta-se à vontade. Entender quais são as dificuldades, esclarecer as dúvidas e não tratar a paciente com indiferença. O médico dar o máximo de atenção para cada detalhe da conversa e passar confiança é fundamental para que se sinta segura. “Tenho costume de sempre perguntar para paciente se ela tem preferência do lugar onde vai ser realizado os exames, pois temos que sempre respeitar a vontade de quem está sendo consultado”, comenta.
O médico ginecologista é o responsável por cuidar da saúde da mulher de forma geral. É capaz de ter funções básicas da clínica médica e orientar suas pacientes em relação a hábitos de vida saudável, maneiras de se elevar níveis de bem-estar, sexualidade, entre outros assuntos. Como obstetra, esse profissional oferece todo suporte necessário antes, durante e após a gestação. O ginecologista também realiza cirurgias ginecológicas como remoção de cistos ovarianos e cessaria. Além disso, este profissional atua no planejamento familiar, elabora fertilidade, realiza exames, entre outras atividades. Portanto, é de extrema relevância independente do sexo do profissional, procurar sobre seus trabalhos já realizados, relatos de pacientes que frequentam e se consultar com o profissional que realmente confia.
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Outra Visão Eu estava em uma aula de sociologia, quando o tema de mudança de sexo foi abordado em sala. Alguns amigos meus opinaram sobre o tema, dizendo que era normal, que a pessoa sentia que havia nascido no corpo errado e que o gênero com o qual ela se identifica não condiz com seu sexo. Eu nunca entendi isso. Como se pode nascer em um corpo errado? Eu nasci e cresci assim, aprendi a me portar como homem e pronto. Nunca me senti errado em meu próprio corpo e, na verdade, nunca tinha parado para pensar e refletir que aquilo era possível. Era o último ano da faculdade e entrou um menino na minha sala, Rafael era seu nome. Ele era muito legal e logo se aproximou de mim e de meus amigos. Até convidamos ele para jogar futebol conosco um dia, e olha que não é qualquer um que pode entrar na nossa liga! Depois do treino, sentamos na lanchonete do lado da quadra para tomar um açaí e conversar. Rafael disse que não podia, que ia sair dali direto para sua aula de dança. Um outro dia que fomos treinar, ele não precisava sair correndo dali e resolveu se juntar a nós para conversar. Durante o bate papo ele contou um pouco mais sobre sua cidade natal e o que motivou sua família a se mudar de lá. Era o trabalho de sua mãe. Eu já tinha ouvido falar de famílias que mudavam de cidade por causa do trabalho do pai, mas pelo da mãe? Essa foi a primeira. Um outro dia Rafael e eu fomos ao cinema juntos. O resto da galera não podia. Andando pelo shopping, percebi vários olhares estranhos em cima de nós. Algumas risadas maldosas. Eu me abalei, fiquei revoltado, já ele parecia não se importar. Quando nos encontramos na escola no dia seguinte, perguntei a Rafael se ele não tinha percebido os olhares, e ele, rindo um pouco de mim, disse que sim, mas que já estava acostumado com aquele tipo de olhar e julgamento. Que as pessoas os julgavam por ser gay. “Gay?!” eu pensei comigo mesmo. Nunca tinha enxergado o Rafael como meu amigo que é gay. Claro que já havia notado, mas nunca usei isso para defini-lo e nem para julgá-lo. Rafael era meu amigo e ponto. Naquele mesmo momento, senti que ele queria falar mais, se abrir, mas como havia acabado de perceber que ele sofria por ser quem era, não sabia se estava preparado para ouvi-lo e mais, ajudá-lo. Depois de alguns dias, chamei Rafael para ir em casa e conversarmos. Eu sabia que seria bom
- Ana Flavia Monteiro
para ele ter um amigo com quem pudesse se abrir e contar seus medos. Resolvi ser aquele ombro amigo que ele tanto precisava. Conversa vai e conversa vem e consegui sentir que ele ficou aliviado por externar todo aquele sentimento. É claro que ele tinha amigos leais em sua antiga cidade, tinha até comentado comigo sobre alguns deles que viriam passar o próximo feriado por aqui. Me senti bem. Após dois meses e muitos jogos de futebol, Rafael perguntou se tudo bem se conversássemos de novo, sem o resto da galera. É claro que eu disse sim. Chegando na casa dele naquela tarde, Rafael começou a me contar que, há algum tempo, estava pesquisando um pouco mais sobre a cirurgia de mudança de sexo e que queria saber o que eu achava daquilo. Levei um baque, não sabia o que fazer. Como ajudar alguém e dar a minha opinião – que eu nem sabia qual era – para um assunto tão importante e delicado assim? Já fiquei desesperado! Vendo a minha reação imediata, Rafael riu. Ele disse para não me desesperar e parar de suar frio, como eu estava fazendo – e, honestamente, nem tinha percebido. Ele, com a mesma calma de sempre, veio me explicar que as ideias ainda eram frescas na cabeça dele, que estava em fase inicial de pesquisa e que, por mais que já tivesse expressado essa vontade incerta para seus pais, aquilo era mais uma curiosidade do que planos de fato. Pensei durante alguns segundos e disse a primeira coisa que veio em minha mente:“muita força e serenidade, meu amigo. Independente da sua decisão, eu sempre estarei aqui para te apoiar e para te defender. O corpo é seu e só você sabe o que é melhor. O importante é você trabalhar para sempre se sentir confortável em ser quem é e prezar sempre sua felicidade”. Rafael me olhou com os olhos marejados e disse que era exatamente por aquele motivo que quis me contar. Ele disse que sabia que as minhas palavras seriam de apoio, independentemente de sua decisão e que, mesmo falando que não entendia nada sobre o assunto, eu conseguia vê-lo acima de tudo como meu amigo. “É difícil, mas não são todos que me apoiariam nesse momento, alguns até me fariam sentir culpado e errado por pensar sobre isso. Agradeço por você me ver além dos rótulos e colocar minha felicidade e bem-estar como prioridade nesse momento”. PÁG. 19, DEZEMBRO 2016