Questão de Gênero
EXPEDIENTE
Revista produzida por alunos do 6º semestre do curso de Comunicação Social com Habilitação em Jornalismo da Universidade Anhembi Morumbi
Fabrício Luz Diretor de Redação
Reitor Prof. Dr. Paolo Tommasini Diretor da Escola de Ciencias Humanas Prof. Dr. Luiz Alberto de Farias Coordenador do curso de Jornalismo Prof. Dr. Nivaldo Ferraz Coordenador adjunto do curso de Jornalismo Prof. Me. Alexandre Possendoro Professores orientadores Profa. Ms. Maria Cristina Brito Barbosa
Bárbara Santos Repórter
Matheus Bessan Repórter
Edwardo de Jesus Repórter
Redação e diagramação Fabrício Luz Bárbara Santos Matheus Bessan Edwardo Jesus Larissa Braga
Larissa Braga Repórter
Data desta edição Novembro de 2016
DESTAQUES Abuso das Mulheres nos Games Pg. 4
Cena Drag no Brasil Pg. 10
O poder das Mídias Sociais Pg. 7
Histórias de viagem Pg. 16
Foto: Divulgação
// TECNOLOGIA
O ABUSO DA MULHER NO MUNDO DOS GAMES Existe hiperssexualização nos jogos eletrônicos? MATHEUS BESSAN
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procura por jogos eletrônicos se intensificou muito nos últimos anos com o avanço da tecnologia. Isso conseguiu, literalmente, colocar a pessoa no mundo virtual graças ao enorme avanço gráfico. Como consequência, a busca pelos jogos de aventura e luta é enorme, e uma tendência nada boa surgiu ao longo dos tempos: o abuso da mulher. Lançado em fevereiro deste ano, o Street Fighter V, da renomada série produzida desde 1987 pela CAPCOM, causou polêmica devido a sua primeira personagem brasileira, chamada Laura. Ela é morena e usa roupas
nas cores do Brasil, ou seja, o verde e o amarelo. Porém, seu enorme decote chama a atenção de maneira negativa, reduzindo a procura de meninas nesta edição da conhecida franquia. Dayane Akamini, de 21 anos, estudante de física na Universidade Presbiteriana Mackenzie, é uma das pessoas que se sentiram afetadas pelo novo game. Em conversa com nossa reportagem, ela define que as características de Laura acabaram com seus interesses pelo lançamento.
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Foto: Matheus Bessan
// TECNOLOGIA
Essa opinião se iguala a do jogador profissional de jogos eletrônicos e estudante de Design de Games na Universidade Anhembi Morumbi, Matheus Tagami da Silva. Mesmo com 20 anos, ele mostra personalidade ao afirmar que as vendas não são motivadas pelas mulheres, mas sim devida à “jogabilidade” do jogo: Matheus Tagami, durante a Brasil Game Show 2016 “Fiquei muito feliz quando li que o novo Street Fighter, que eu jogo há anos, teria uma brasileira. Mas quando descobri detalhes dela, desisti na hora” Dayane Akamini
O jogo é simulador de luta em terceira pessoa e tem como objetivo superar todos os adversários que aparecem durante a história. Para melhorar a integração do jogo com o gamer, cada lutador contém vários ataques especiais. Outra personagem também chamou atenção por conta da vestimenta, e foi a loira Rainbow Mika. Seus principais ataques usam o corpo para prejudicar o oponente e, quando é vitoriosa, comemora dando um tapa na bunda e mandando um beijo para o derrotado. Dayane foi clara sobre o assunto, dizendo que Mika pode ser considerada como uma prostituta. “Acredito que tenha um pouco disso por dentro da elaboração da Rainbow. O que mais me estranha é ela ser uma das mais fortes do game. Espero que seu
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corpo não seja o motivo disso tudo, senão imagino que ela é uma prostituta.” Mesmo com a polêmica, Street Fighter V já vendeu mais de 1,4 milhões de cópias. O principal motivo para alto número é o modo de jogo, muito elogiado pelo jornalista especializado em tecnologia, Marcelo Sacilotti Pascon, da Rádio Bandeirantes. Pascon é claro ao afirmar que essa polêmica é deixada de lado graças ao modo divertido do game: “Sinceramente, não cheguei a pensar em nenhum momento sobre isso. O jogo é extraordinário e muito bem feito. Por isso, acabo me divertindo com minha família, durante meu tempo livre.” O jornalista, que atualmente é analista de negócios na empresa Wix, também afirma que esta história de hipersexualização é um exagero. Ele lembra que muitos personagens masculinos sequer usam roupas. “É engraçado isso tudo. O Sagat, Fei Long e Zangief, alguns dos homens do jogo, não usam camisa. Por que ninguém comenta este assunto? Por isso não dou muita atenção para este detalhe”.
“Acho que o ponto principal de venda esteja na história e na falada “jogabilidade”, não nas mulheres” Matheus Tagami Procurada pela reportagem, a CAPCOM, via assessoria de imprensa, tirou alguns esclarecimentos sobre seu novo jogo. A produtora afirma que “as personagens têm essas características desde a primeira edição como, por exemplo a Chun Li, presente também no Street Fighter V. O que pode causar essa polêmica é a qualidade dos nossos gráficos, que realçaram as curvas e deixaram os personagens parecendo reais. É importante esclarecer que a nossas vendas não caíram e o novo jogo é um sucesso.” A CAPCOM já começou a planejar o sétimo jogo de Street Fighter, que só deve ser lançado em 2018, e ainda não se sabe se o padrão dos novos personagens. Mas sabendo a posição da produtora, a polêmica sobre a hipersexualização das mulheres irá continuar. É esperar para ver.
// COTIDIANO
Fotos: Arquivo Pessoal
O PODER DAS MÍDIAS SOCIAIS Representatividade LGBT e sua influência LARISSA BRAGA
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á canais só com gays, outros só com lésbicas e também canais com todo mundo junto e misturado. Essa diversidade é importante para mostrar ao mundo que a sexualidade não transforma alguém em um extraterrestre. Toda essa alegria transmitida nos vídeos contagia e anima o público para não ter vergonha de ser quem é, de ter um pensamento divergente, uma opinião formada sobre as coisas e levanta a auto estima para continuar lutando por seus direitos. Por isso, esses youtubers conquistam milhares de fãs na internet. O canal Chá dos 5 é um dos exemplos. Um programa independente no Youtube, formado por Rafael Bolacha, Marcell Filgueiras, Renato Plotegher e Tiago Marinho. Ele é inspirado nos programas de debates e aborda assuntos atuais, com humor e muito entretenimento com um convidado especial a cada episódio – o “5º sabor do chá”. Em uma entrevista exclusiva para nossa revista, Marcell Filgueiras, integrante do Chá dos 5, conta um pouco o que pensa sobre a representatividade LGBT nas novas mídias sociais.
Gêneros: Vocês têm alguma inspiração para fazer os vídeos? Chá dos 5: Não, a gente admira muitos canais e vários youtubers, mas não chegam a ser inspirações. Talvez o programa Saia Justa, da GNT, seja a nossa maior inspiração. Buscamos sempre novos temas e novas participantes para inovar e abordar diversos assuntos em nossos vídeos.
Da esquerda para direita: Tiago Marinho , Rafael Bolacha, Renato Plotegher e Marcell Filgueiras formam o Chá dos 5.
ENTREVISTADO DESTA MATÉRIA: Marcell Filgueiras, integrante do Chá dos 5.
G: Como você acha que isso influencia na vida de quem assiste? C5: Fazer as pessoas pensarem, refletirem, de maneira leve e divertida é o nosso maior objetivo. Recebemos muitos feedbacks de pessoas de várias idades, de todo o canto do país e isso nos deixa muito felizes e honrados. É a prova de que nosso trabalho está sendo bem feito. G: Você acha que conseguem ajudar outras pessoas a lutar contra o preconceito com seus compartilhamentos? C5: Sem a menor dúvida, afinal de contas, informação é a maior arma contra o preconceito. G: Como suas atitudes interferem na cultura? C5: O conceito de cultura é muito amplo. Mas acho que a forma como que nos expressamos acaba formando opiniões e interferindo bastante na forma machista e retrógrada que algumas pessoas enxergavam a vida. G: Qual a sua opinião sobre a representatividade LGBT nas novas mídias sociais? C5: A internet deu voz a muitas pessoas, pessoas com muito con-
teúdo e pessoas sem qualquer tipo de responsabilidade pelo que estão dizendo. Acredito que estamos bem representados de certa forma. Tem muita gente bacana fazendo bastante coisa legal. G: Qual o lado Bom, e qual o ruim disso tudo? C5: Não existe lado ruim. Agora temos mais voz, mais autoestima e mais força para lutarmos pelo que acreditamos. Essa representatividade só veio para somar. G: Falta alguma coisa para melhorar na representatividade LGBT nas mídias sociais? C5: Não, a única coisa que falta é mais gente colocando “a cara do sol”, para que cada vez mais a gente ocupe o nosso espaço de igualdade na sociedade. G: Você acha que as mídias sociais são uma importante ferramenta para o combate ao preconceito? C5: Grande ferramenta. Através dela a informação se propaga de maneira mais ágil e chega a lugares que definitivamente não teríamos voz antes.
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Fotos: Divulgação Warner Bros. http://bit.ly/2fR4w0B
// CRÔNICA TECNOLOGIA
O PAPEL DA MULHER NO CINEMA Esquadrão Suicida ou Caça-Fantasmas? O que o cinema está nos contando sobre as mulheres BÁRBARA SANTOS
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o último dia 17 de setembro fui ao cinema assistir “Esquadrão Suicida”. Havia lido sobre pessoas que r eclamaram da personalidade e figurino da personagem de Margot Robbie, a vilã Arlequina.
A história do filme é que o governo dos Estados Unidos decide juntar os vilões mais perigosos para uma missão praticamente impossível de combater uma entidade enigmática que é interpretada por Cara Delevigne, a Magia, outra personagem que me intrigou pelas vestimentas. No filme há uma “romantização” do relacionamento de nossa personagem ja mencionada Arlequina e o famoso vilão do Batman, Coringa. Li que muitas jovens estavam se espelhando nesse relacionamento e querendo ter um igual para si, mas a verdade o relacionamento de Alerquina e o Coringa é abusivo. A vilã anteriormente era uma psicóloga do Asílo Arkhan, onde conheceu o Coringa e foi sua principal médica, quando então se apaixonou por ele e tentou ajuda-lo a fugir. A relação deles é baseada no poder que o Coringa tem de manipular Arlequina, além 8
das agressões físicas e verbais. Durante o filme pude comprovar o que ja tinha lido antes. As roupas das personagens eram extremamente curtas e coladas, há alguns planos de câmera onde o foco é o corpo de Harley Quinn, além de passar a imagem de uma vilã boba e inocente. Para uma pessoa que foi chamada para uma missão onde os personagens masculinos eram totalmente protegidos por roupas e preparados para a batalha, Harley parecia não estar pronta nem para sair de casa. Além da própria Arlequina, a Magia, como falei no começo, usava poucas vestimentas, quase como um biquíni, mostrando boa parte do seu corpo. E isso só acontecia com as personagens femininas do filme. Cada vez mais nós mulheres conquistamos nossos direitos, a luta ainda é longa, principalmente contra o assédio. Com essa pauta em alta na atualidade, o que pensou a DC Comics ao lançar um filme em que sexualizava suas personagens femininas? Por que isso atrai ainda tantos jovens? Defendo o direito de mulheres de ir e vir com a roupa que quiserem usar, mas a questão é que elas foram colo-
cadas no filme apenas para atrair o público masculino, que aparentemente defende que isso não é nada demais, será? Então por que será que quando saímos de casa, independente de roupas que usamos, ainda há muitas cantadas e comentários machistas? Em contraponto a esse filme apelativo, tivemos o também recém-laçado “CaçaFantasmas” totalmente protagonizado por mulheres ( e muito atacado por isso). O filme conta com diversas ironias e ataques ao machismo, além de mostrar personagens que são diferentes entre si e que normalmente não representariam o “padrão de beleza”. E sobre esse filme vi uma matéria que me comoveu e me deu um pouco de esperança em nossa luta. Eram duas garotinhas vestidas como caça fantasmas que cumprimentavam uma das atrizes do filme e com olhar de admiração. Por qual dos dois filmes você acha que as garotas e adolescentes se sentem maior representadas? Caça-fantasmas com certeza dá a elas uma visão de podem ser quem e o que quiser, inclusive uma CaçaFantasma, por exemplo.
// PERFIL Fotos: Arquivo Pessoal
GERÔ, A PORTA-VOZ DE HELIÓPOLIS
Transgênero promove cidadania na maior comunidade de São Paulo EDUARDO JESUS
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bairro cidade Nova Heliópolis possui aproximadamente 1 milhão de metros quadrados e abriga cerca de cerca de 200 mil habitantes. Apontada como a maior comunidade do Brasil, não tem apenas números que chamam atenção. A locutora porta voz de Heliópolis também é um atrativo à parte. É lá que Gerô, famosa em Heliópolis, passa boa parte do seu tempo. Todos os finais de semana, entre 15 e 17 horas, Gerônimo Barbosa, ou simplesmente Gerô, vira o centro das atenções de Heliópolis através da 87,5 FM. Estrela da rádio local, ela comanda o programa de maior audiência, o “Tarde do babado”. O programa é uma espécie de parada de sucessos que toca as músicas mais pedidas pelos ouvintes, a diversidade musical impera na programação. Pode ligar para a rádio, fazer pedidos nas redes sociais de Gerô ou até pessoalmente. Quem olha a popularidade da líder comunitária pode até perguntar: de onde vem tanto sucesso? A resposta fica em como Gerô sempre pensou no próximo e procurou fazer o bem. Formada em jornalismo e pedagogia, ela não tem tabu com sua sexualidade. Ele ou ela, o sexo indefinido não é nem de longe um problema. Afinal, uma hora você pode encontrar Gerô com trajes masculinos, camiseta e tênis, outra hora encontrá-la deslumbrante, maquiada e dentro de um vestido preto em cima de um salto, como a encontrei no dia da entrevista. A melhor definição para ela é: dignidade. “Não gosto quando me perguntam quando me tornei gay. Eu sou assim desde que nasci e ponto. Nasci homem, tenho o corpo masculino, mas me visto como mulher. Ninguém precisa me aceitar, mas tem que me respeitar”, afirma Gerô.
É com muita dignidade que ela está à frente da rádio Heliópolis desde 1997, ano em que foi criada. Sempre com um sorriso estampado no rosto e um jeito descontraído independente do que aconteça, a transgênero vira o centro das atenções onde trabalha. Ela sempre está antenada nas necessidades de Heliópolis e aproveita a sua popularidade para fazer benfeitorias na região. Nos intervalos entre as músicas, a apresentadora manda recados dos moradores e prestigia o comércio local, citando os nomes dos proprietários e funcionários dos estabelecimentos. “Vou a todos os churrascos, batizados e aniversários que me convidam. Se ninguém me chama, fico triste” disse Gerô. Suas entradas são bem-humoradas: ela manda beijos, comenta a vida de seus conhecidos da comunidade e também elenca os principais acontecimentos políticos. “Se vejo algo errado na comunidade coloco a boca no microfone e falo mesmo. Um exemplo é o nosso lixo. Heliópolis sofre muito com descarte de entulho e lixo domiciliar. Venho trabalhar caminhando para saber as novidades, quando passo e vejo lixo na rua fora do horário permitido eu reclamo, dona Maria da rua tal e número tal, seu lixo está na rua fora do horário. Não pode dona Maria, tem que colocar no dia e hora certa”. Hoje a locutora ajuda multidões em diversas áreas e coleciona histórias de sucesso na sua longa trajetória de vida e doação. Por onde passa é recebida com sorriso. Para ela, o melhor de tudo é ver as pessoas de Heliópolis cidadãos ao pé da letra com melhor qualidade de vida.
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Ikaro Kadoshi ĂŠ um dos principais Ăcones da cena drag nacional
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// MATÉRIA DE CAPA
A FORÇA DRAG NO BRASIL
Fenômeno na TV por assinatura, RuPaul’s Drag Race conquista fãs pelo mundo e movimenta cena drag no Brasil FABRÍCIO LUZ FOTOS: FABRÍCIO LUZ
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Superstar, mas a rivalidade e performances das drags tornam a atmosfera original e viciante. O sucesso da fórmula é tamanho que já são oito temporadas com fôlego para mais.
Originalmente criado para a MTV norte americana, RuPaul’s Drag Race estreou em 2009 no canal Logo TV e desde então continua no ar. A essência do programa possui influências do reality America’s Next
Cada episódio termina com a dublagem das duas que conseguiram menos pontos e cabe ao juri, formado por cantores e atores famosos decidir quem vai para casa. A palavra final, no entanto, é de nada mais nada menos que do idealizador de tudo isso: RuPaul.
arisma, singularidade, coragem e talento. Ao longo de provas de costura, beleza e dublagem, a drag norte americana RuPaul Charles, ou simplesmente RuPaul, faz sucesso com seu reality show RuPaul’s Drag Race e está ganhando mais e mais fãs pelo Brasil.
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O sucesso do reality show gerou curiosidade nos fãs e fez com que eles saíssem de casa para ver o mundo real, os verdadeiros shows de drag. No Brasil, por exemplo, existem diversas festas que hoje possuem os participantes do programa como convidados. Eles, em conjunto com as nossas drags nacionais, fazem um espetáculo que deixa o público deslumbrado. “Minhas maiores referências vêm das drags dos anos 80, 90, como Divine”, comenta Bruno Capelato, 28. Ele começou a fazer performances em casas noturnas há 1 ano, mas não dá como justifica apenas o reality show. “O programa dá maior visibilidade, mas pessoalmente não foi decisivo para que eu me montasse”. Assim como muitos quando se “montam”, Bruno vê sua personagem como uma forma libertadora. “Me sinto muito à vontade quando me monto e de certa forma me sinto realizando em drag coisas que não são bem vistas quando não estou montado”. A realidade de Bruno é diferente de Matheus, ou como é mais conhecido na noite, Alexia Twister. Já na estrada há 20 anos e com uma lista enorme de performances, Alexia é um dos maiores nomes da cena drag de São Paulo e coloca o reality como um dos principais motivos da popularização das festas. “Assim como no programa, também existem rivalidades durante uma performance e outra. A diferença é que a vida real não é televisionada”, diz 12
“Eu sinto que ele [o programa] ajudou, de certa forma, mas não foi só isso. A internet, redes sociais e as drags usarem mais seus perfis online também foram importantes para tirar o jovem gay de casa para os shows”. Alexia Twister
ao lembrar de seus shows por SP. Quando questionada sobre qual o lugar mais estranho que já tocou, ela é direta ao lembrar de uma vez em cima de uma fogueira. “Foi bizarro, mas tive que fazer”. A rotina acaba não sendo mil maravilhas. Morando no Arouche, região central de São Paulo, Alexia diz que é difícil se manter, mas os shows dão din-
heiro para ter uma vida sem muito luxo. “Nada de viagens extravagantes, mas tem como sobreviver com a grana que ganho das casas em que me apresento. Hoje, por exemplo, me vejo mais caseira e mais família. Antes de vir para cá estava visitando minha avó, lá em São José dos Campos. Ela estava mal e eu quis muito ver como estava”.
Da esquerda para a direita: Alexia Twister, Kim Chi e Gina Yamamoto
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Ikaro Kadoshi apresenta uma das performances da festa Priscilla
Festas pelo Brasil à fora Com um cenário em plena ascenção, as festas temáticas do gênero estão surgindo cada vez mais. Só em São Paulo existe a CoverGirl, Grind e Priscilla, sendo esta última uma das maiores do país e principal responsável por trazer as participantes de RuPaul’s Drag Race para o Brasil. Nas palavras de Sérgio Oliveira, 29, idealizador da festa, a ideia surgiu ainda no final de 2015, quando o programa ganhou fama em terras brasileiras graças ao serviço de streaming Netflix. Na época, a festa acontecia apenas em São Paulo, mas logo ganhou edições no Rio de
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Janeiro, Campinas, Fortaleza, Curitiba e Belo Horizonte. Para Sérgio, a Priscilla surgiu como uma nova opção de entretenimento para festas drag. “Muita gente vê na Priscilla uma oportunidade de ver as artistas da TV pessoalmente”. A ideia da Priscilla ajudou a criar a festa WoW, que acontece em Vitória, Espírito Santo. Murilo Caldas, 24, produtor responsável, explica que a proposta começou no pré-carnaval de 2016, mas apenas em maio tiveram a ideia de focar apenas em performances drag, com grandes atrações.
Ao contrário do que acontece em São Paulo, onde existem opções do estilo quase todos finais de semana, a cena drag de Vitória é fraca. “Enquanto em SP já existiam shows internacionais há anos, aqui só começou mesmo em maio deste e ano, que infelizmente não foi rentável. A onda drag aqui chegou muito tarde. No começo até existiam alguns shows aqui e ali, mas nunca exclusivo com performances e dublagens, apenas uma oportunidade para o público se montar”.
A baixo; Courtney Act foi uma das sensações do programa e veio recentemente ao Brasil
“Enquanto em SP já existiam shows internacionais há anos, aqui só começou mesmo em maio deste e ano, que infelizmente não foi rentável. A onda drag aqui chegou muito tarde. No começo até existiam alguns shows aqui e ali, mas nunca exclusivo com performances e dublagens, apenas uma oportunidade para o público se montar” Murilo Caldas
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// TURISMO
PARA TODA MULHER QUE QUER CONHECER O MUNDO
Blogueiras de viagem contam suas experiências viajando sozinhas BÁRBARA SANTOS
Isso o que aconteceu com a dona do blog Amanda Viaja. Amanda Noventa em sua primeira viagem sozinha: “Foi a falta de companhia. Eu, mais uma vez, não tinha ninguém para ir comigo
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mas decidi ir sozinha mesmo. A parte mais difícil foi não ficar entediada. Mas isso é prática e com o tempo você acaba se acostumando.” De acordo com dados da Federação Brasileira de Albergues da Juventude, 55% dos associados são mulheres, reflexo da independência financeira e do aumento da capacidade de compra. Isso é o que comprova Marcus Hentz, da agência de viagens Virazóm: “Existe uma grande demanda desse público, e o crescimento é constante.” O mais importante no planejamento da viagem é se programar e conhecer antes as leis e costumes do país que se vai conhecer, para não passar por problemas ou constrangimentos, é o que conta Amanda: “Não chamar muita atenção, evitar tais roupas,
Foto: Bárbara Santos
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ode ser uma simples férias de estudos ou de trabalho. Um momento de necessidade de se descobrir e recomeçar ou apenas uma vontade de conhecer algum lugar. Viajar é uma das melhores atividades para se fazer, mas pode se tornar complicado quando uma mulher não encontra alguém para acompanha-la. As amigas estão ocupadas, o namorado trabalhando, os pais não gostam de viajar de avião. Tudo conspira para que você não viaje. Mas e se no lugar do medo, der lugar à iniciativa de conhecer algum lugar somente com você mesma?
Para Gaía Passarelli, escritora do recente lançado livro “Mas você vai sozinha?” e dona do blog How to Travel Light, uma coisa que ajuda a espantar o medo é planejar a viagem. Ela diz para comprar um guia de viagem e sair pesquisando quais são as coisas que você quer fazer. A animação com a viagem vai aos poucos substituir seus medos. Entrar em fóruns de discussão na internet e fazer contato com outras mulheres que fizeram as mesmas viagens que você quer fazer também ajuda. No geral, conversar com outras mulheres vai fazer você se sentir menos solitária.
Foto: Arquivo Pessoal
Apesar de ouvirmos que temos má fama no exterior, saber que é brasileira não te traz olhares feios, mas por sermos conhecidos pela simpatia e pela alegria, faz com que a população local nos vejam com outros
Foto: Arquivo Pessoal
andar sozinha à noite em ruas desertas e todos aqueles outros cuidado que tenho que tomar na minha própria cidade no Brasil. Uma pena ter que tentar ser invisível, mas ainda é assim que é”. Ela aconselha a praticar antes alguns exercícios como ir ao cinema, jantar e fazer coisas sozinha na própria cidade.
olhos. “Só de falar que é brasileira muitas portas se abrem”, diz Rachel Spencer, colaboradora no Blog Mulher na Estrada. Gaía ainda acrescenta : “Falar o nome do Brasil normalmente gera uma atitude de simpatia e faz lembrar aqueles clichês de futebol, praia, sol e boa música. Uma coisa que ouvi sobre turistas brasileiros na Ilha de Páscoa e nunca esqueci: ‘vocês têm essa atitude de sempre enxergar o lado bom de tudo’”.
Além disso, Amanda Noventa e Gaía Passarelli concordam que se sentem mais aceitas viajando pelo Brasil. Amanda acredita que não seja por viajar sozinha, mas por verem que é brasileira, não a tratam diferente. “Para uma brasileira viajar no Brasil é mais fácil por causa da língua, da familiaridade com a moeda e a comida”, diz Gaía. Mas o mais difícil é ter que lidar com o machismo dos lugares que visita, alguns onde a lei perpetua a objetificação e a inferiorização da mulher. Na Bahamas, por exemplo, o homem pode ter sexo sem consentimento da esposa desde que ela tenha 14 anos, e Amanda Noventa presenciou uma situação descriminatória como essa : “Na Bolívia estava num refúgio no meio do deserto que fazia parte de um tour que eu havia pago. Neste lugar havia uma placa na porta do banheiro que era para ambos os sexos com um desenho incentivando o assédio dos homens às
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O maior receio das mulheres é com o assédio que podem sofrer durante a viagem, ainda mais se perceberem que está desacompanhada. “As mulheres são muito corajosas e independentes, mas esse é um problema externo, que não depende delas e por isso bate o medo. “. Gaía ainda complementa: “Mas acredito que existe muito temor do julgamento também. Mulher sozinha é vista como “disponível” ou “coitadinha” (ou as duas coisas juntas) e isso nos causa insegurança.” “Por isso é importante planejar bem a viagem, saber onde vai, ter dinheiro, e em último caso, lembrar que pode sempre pegar um taxi, ir para o aeroporto e ir pra casa!”, diz Rachel. Para as blogueiras, a melhor parte é poder fazer o que quiser, quando quiser e ainda fazer novas amizades. Amanda confirma isso quando diz : “Não tem que esperar ninguém acordar, não tem briga com horário, com lugar para visitar nem nada. E tem uma outra coisa super importante para uma viagem: quando você viaja sozinho você presta mais atenção nas coisas ao seu redor e assim consegue fazer uma imersão maior no lugar e na cultura.” Gaía Passareli, em seu livro “ Mas você vai sozinha?” relata suas viagens,algumas delas sozinha. Ela conta de onde veio a inspiração: “Veio de tantas garotas que já viajam ou são a fim de viajar sozinhas que encontro por aí. Todas nós temos histórias, algumas boas e outras nem tanto, e uma coisa legal 18
Fotos: Bárbara Santos
mulheres.” Isso não a assustou,e mesmo com medo de viajar para diversos países, iria mesmo assim.
que aprendi viajando é que em geral mulheres se ajudam em qualquer lugar do mundo. Então talvez o recado principal do livro seja que você está bem menos sozinha do que pensa.” De acordo com Marcus, o principal destino de mulheres que viajam desacompanhadas varias com a faixa etária. Jovens procuram mais a América do Sul, Caribe e Estados Unidos. Mulheres acima do 40 preferem países europeus e destinos mais exóticos. A média de preço da agência é de acordo com o destino. Mas dentro da gama de clientes, a viagem fica em torno de R$ 12.750,00 e tempo médio em viagem de treze dias. As recomendações que a agência costuma dar para as viajantes são específicas de acordo com o país. “Países muçulmanos é sempre bom evitar ficar com ombros de fora, saias e short curtos, etc. Evitar andar na rua pela noite, ou em ruas pouco movimentadas.”, conta ele. Ele ainda afirma que Europa e América do Norte recebem bem mais viajantes nesse perfil e que no Brasil ainda há um pouco de preconceito. Viajar sozinha
é superar o machismo que te prende por medos e inseguranças, enfrentar obstáculos, ser forte e se conhecer, ser feliz. Tente, é libertador. Info do Livro: Mulheres que viajam sozinhas com certeza já ouviram essa pergunta. Seja em outro continente ou na cidade vizinha, é sempre um ato de coragem decidir conhecer um lugar por conta própria. Neste livro, Gaía Passarelli fala com sinceridade e bom-humor sobre suas aventuras sozinha pelo mundo. Ela não vai te dizer pra largar tudo e sair por aí, nem te dar dicas de como ser cool em Nova York. Estas são histórias sobre ser consolada por um xamã andino, molhar os pés nas águas do mar do extremo sul da Índia e dormir debaixo de uma mesa de bar no Texas. É sobre viajar e voltar pra casa. Acima de tudo, este é um livro que fala sobre ser mulher e, ao mesmo tempo, ser livre pra viajar por aí sem companhia, sem medo e sem preconceito. Vendido nas principais livrarias por R$39,90.
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