ANO 1 - EDIÇÃO 1
MUTATI
A REALIDADE DO MUNDO LGBT
PAI OU MERO PROGENITOR?
10 MULHERES QUE FIZERAM HISTÓRIA
MULHERES NA POLÍTICA
TRIPLA DIFICULDADE
SER MULHER, NEGRA E DA PERIFERIA É MAIS DIFÍCIL
Questões de Gênero
EDITORIAL
A
Revista Mutati é uma edição exclusiva criada no ano de 2016, um dos períodos mais turbulentos da política brasileira. O borbulhar das manifestações do ano anterior ainda reflete nos dias atuais em forma de opinião, desejo e luta. Com o objetivo de mostrar e propor uma reflexão sobre esse momento, elencamos alguns dos principais pontos em debate no âmbito político para destacar nessa edição especial, como: o movimento negro, os direitos LGBT, o papel das mulheres ao longo dos anos, a importância dos pais na criação dos filhos, entre muitos outros temas com sua intensidade, característica, relacionados ao cenário político. Uma junção de suor e dedicação resultou nestas páginas de um trabalho acadêmico recheado de aprendizado e histórias reais desvendadas por cinco meninas. De forma leve e contextualizada, a Mutati foi produzida em todos os seus mínimos detalhes por cinco estudantes em fase pré-conclusiva do curso de Jornalismo da Universidade Anhembi Morumbi, trazendo consigo a missão de empoderar, esclarecer e principalmente fazer pensar. Aproveitamos para agradecer a todos que colaboraram com o projeto, como a Profª Maria Cristinae os entrevistados e pessoas que auxiliaram de alguma forma para que a Mutati se tornasse uma produção legítima e tangível.
Ana Cecília Faria Colunista
Andressa Moraes Repórter
Brenda Prestes Editora-Chefe
Jade Passo Diagramadora
Boa leitura!
Larissa Avilez Revisora
MUTATI
aNO 1 - eDiÇÃO 01
ReitOR Prof. Dr. Paolo Tommasino PRÓ-ReitOR Prof. Dr. Ricardo Fasti DiRetOR Da esCOLa De CiÊNCias HuMaNase sOCiais
A Frágil Relação Entre Pais e Filhos Recém-Nascidos 04 Uma Oportunidade, Por Favor? 08
Prof. Ms. Luis Alberto de Farias COORDeNaDOR DO CuRsO De JORNaLisMO Prof. Dr. Nivaldo Ferraz COODeRNaDOR aDJuNtO DO CuRsO De JORNaLisMO Prof. Me. Alexandre Possendoro PROFessORa Da DisCiPLiNa e ORieNtaDORa Desta eDiÇÃO
Profa. Ms. Maria Cristina Brito Barbosa PROJetO GRÁFiCO
Jade Passo
“As Sufragistas” de Sarah Gavron 13 A Minoria Dentro da Minoria 14 A Vida Dura da Mulher Forte 18
ReDaÇÃO
Ana Cecília Faria Andressa Moraes Brenda Prestes Jade Passo Larissa Avilez
A luta não acabou, tampouco começou agora 20
DiaGRaMaÇÃO
JaDe PassO
Temas Contemporâneos Questões de Gênero
Revista Mutati
A FRÁGIL RELAÇÃO
ENTRE PAIS E FILHOS
RECÉM-NASCIDOS Nova lei de licença paternidade aumenta para 20 dias o período de ausência dos pais no trabalho POR ANDRESSA MORAES
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provada em março de 2016, a nova lei diz respeito às políticas públicas voltadas à primeira infância e confere ao homem a prorrogação da licença paternidade por mais 15 dias, o triplo oferecido anteriormente. Assim, a partir de janeiro de 2017, pais poderão se ausentar por 20 dias de seus trabalhos. O papel do ‘’pai de família’’ sempre foi vinculado à Idade Média, na qual a mulher tinha como função exclusiva cuidar da casa, dos filhos e do marido. Enquanto ele tinha como obrigação trabalhar para garantir o sustento e o conforto de seu lar. O dia a dia atarefado acabava imped-
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indo que eles acompanhassem de perto o crescimento dos filhos e isso se estende para os dias atuais. Hoje, os papéis de pai e mãe já não estão completamente divididos. As responsabilidades estão bem distribuídas e, mais do que isso, os pais querem estar perto de seus filhos recém-nascidos, ajudar a educá-los, compartilhar suas fases e auxiliar a mãe nesse momento de fragilidade com os cuidados do novo membro da família. Gabriela Allesina, 28, é mãe de Manuela, 2, e Miguel de apenas dois meses e, para ela, a mudança foi muito válida, principalmente pela idade próxima dos filhos. Uma ajuda a mais, e, principalmente, vinda
Fotos: Giovana Rampini e Andressa Moraes
Gabriela mostrando um pouco mais do dia a dia com seu filho mais novo.
Ricardo Pereira, pai de Manuella e Miguel da figura paterna, facilita a criação de um vínculo maior na vida do bebê. Além de ser de direito deles também estar presentes em momentos delicados, como em consultas médicas e horas de banhos. Para Rogério Pena, pai de João de apenas sete meses, 20 dias já é um bom início para acompanhar um pouco mais de perto o comecinho da vida do bebê, mas ainda acha insuficiente. “Da mesma forma que minha mulher esperou ansiosamente por esta criança, eu também esperei, na mesma intensidade. Portanto,
Temas Contemporâneos Questões de Gênero
“São momentos únicos, que não voltarão mais e passam muito rápido!” Rogério Pena
Miguel, com apenas dois meses de vida precisamos de um pouco mais de espaço para nos dedicar a vida pessoal. São momentos únicos, que não voltarão mais e passam muito rápido!’’, diz. Dos cinco dias oferecidos, três, Rogério passou no hospital acompanhando sua esposa no inicio de pós parto e apenas dois em casa. Ou seja, tudo aconteceu de forma muito corrida. O novo benefício engloba tanto os servidores públicos da administração direta e indireta, quanto da iniciativa privada das empresas que aderiram ao Programa Empresa Cidadã, ficando assim excluídas do
direito empresas que fazem a declaração de Imposto de Renda pelo lucro estimado, Microempreendedores Individual e instituições que fazem opção pelo Simples Nacional, um regime diferenciado com descontos para pagamentos de contribuições. A licença maternidade também passará de 120 para 180 dias. No caso de adoção, o assunto é tratado de forma igualitária, sendo válida para crianças de até 12 anos de idade. Eventualmente, se o Governo permitir o benefício para todas as em-
presas, ocorrerá uma perda significativa na arrecadação fiscal, ou seja, beneficiaria diretamente o empregado, mas prejudicaria ele próprio com a diminuição na arrecadação de taxas que são revertidas para toda a população. O advogado trabalhista José Augusto Gonçalves, 46, diz que ainda não há uma solução propriamente dita para cessar a desigualdade de responsabilidades entre pais e mães. “Uma boa alternativa seria promulgar uma lei, estendendo-a de modo geral para todas as empresas. Porém, isso aumentaria ainda mais o déficit da Previdência Social. O que realmente falta no país é uma politica pública voltada para o real interesse e para a necessidade dos trabalhadores” comentou. 7
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UMA OPORTUNIDADE,
POR FAVOR? Usuárias do Centro de Cidadania LGBT revelam o lado obscuro da sociedade brasileira com transexuais, e a abertura de portas com a criação do projeto POR BRENDA PRESTES
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lguma vez você já entrou em uma lanchonete e viu um transexual atendendo atrás do balcão? Certamente, sua resposta foi um sonoro não. Essa segregação acontece, pois a comunidade LGBT há muitos anos vem sofrendo preconceito e exclusão diária. Um olhar diferenciado, um comentário maldoso, isso pode parecer pouco para quem faz, mas é o que acaba deixando essas pessoas à margem da sociedade. E a única opção de sobrevivência que resta para elas é a prostituição. Pensando nisso, em 2015, o atual prefeito de São Paulo, Fernando Haddad, e a Secretaria dos Direitos Humanos tiveram um olhar singularizado para esse grupo e
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Fotos: Brenda Prestes
Entrada do Centro LGBT em Santo Amaro, Zona Sul de São Paulo abraçaram a necessidade de criar algo específico voltado para essa comunidade. Assim, foram criados os Centros de Cidadania LGBT, na capital. Gisele de Souza, 33, é assistente social do Centro de Cidadania LGBT de Santo Amaro e explica um pouco sobre como surgiu a ideia: “O Haddad conta uma história bem interessante. Ele fala que saiu de casa e viu uma dessas meninas e pensou: ‘o que eu posso fazer para mudar a vida dessas pessoas? ’ Então, nesse momento, ele pensou junto com a Secretaria dos Direitos Humanos e acabaram criando 10
o Programa Transcidadania, que faz uma transferência de renda no valor de R$ 924 para que integrantes dessa comunidade possam estudar e fazer cursos por pelo menos seis horas diárias”. A assistente social também conta que juntos eles fazem todo o atendimento social, psicológico e jurídico das pessoas. Depois, encaminham-nas para redes de serviços, como as UBS, além de monitorarem se o cidadão foi mesmo atendido. O lugar ainda disponibiliza palestras, oficinas e atividades voltadas exclusivamente para a comu-
nidade LGBT. Gisele diz que os atendimentos são direcionados para todo o grupo, mas o maior número de solicitações vem mesmo das transexuais. O Centro não foi uma proposta superficial, ele chegou com a ideia de mudar vidas como a de Joyce Lamarque Costa, 39. Ela é auxiliar de limpeza do Centro de Cidadania LGBT de Santo Amaro (SP). Joyce diz que solicitou a mudança do seu nome de batismo ,e que isso era um desejo antigo dela. Entretanto, como não tinha informação, ela só conseguiu iniciar o processo recente-
Temas Contemporâneos
Questões de Gênero
“Aqui é como se fosse minha segunda casa”
Joyce Lamarque
Escritório de atendimento do Centro LGBT mente. A auxiliar também revela que o Centro abriu portas para muita gente, principalmente para as transexuais e isso fez com que diminuísse um pouco no preconceito da sociedade em geral. “Aqui é como se fosse minha segunda casa, porque além de trabalhar nesse lugar, as pessoas que trabalham comigo são excelentes, uns amores. Nos damos muito bem”, comenta Joyce. Após muitos anos sem oportunidades, ela afirma que ao descobrir a existência do Centro ficou muito feliz, porque sabe que agora está em
um lugar que é dela. Então, ali ela tem convicção que vai ser respeitada pelo nome que escolheu e do jeito que quer ser. Uma história muito parecida aconteceu com a Joice Felix da Silva, 43. Ela é ex-garota de programa e atualmente trabalha como recepcionista do Centro de Cidadania LGBT, também em Santo Amaro. Joice conta que precisou do Centro em um dos momentos mais difíceis de sua vida e foi acolhida pela psicóloga, a quem chama carinhosamente de ‘anjo da guarda’. Joice também sofreu com a discriminação e, depois de longos anos,
Joyce Lamarque Costa, 39
nos relatado um momento transformador de sua vida. “Esses dias eu estava em um lugar onde eu sempre me prostituía, trabalhando na Unidade Móvel (do Centro LGBT). Nesse momento, um policial veio, apertou a minha mão e me tratou como senhora. Nossa, eu fiquei maravilhada, porque ali era 11
Joice Felix posando para foto no final da entrevista
“Meu maior sonho é ser feliz. Já sofri muito nessa vida, agora quero viver igual uma diva” Joice Felix
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onde eu sempre fugia da polícia e, nesse mesmo lugar, um policial me cumprimentou. Nunca pensei que um dia isso fosse acontecer”, disse Joice. Joice tem um sorriso contagiante e um bom humor invejável, mas ao longo de sua vida não foi sempre assim. A recepcionista destacou que o seu maior sonho é ser feliz, pois já sofreu muito e agora quer viver igual uma diva: acordar cedo, tomar café da manhã e se arrumar para ir ao trabalho. O que para muitos é uma rotina entediante, para Joice é como um sonho que se realizou: “Quero terminar minha vida assim”, completa.
Até o momento, existe um centro de apoio na Zona Sul, Zona Leste e recentemente, foi inaugurado outro na Zona Norte de Sáo Paulo. O projeto também possui unidades móveis que circulam por essas regiões da cidade, promovendo atividades e serviços, com o objetivo de acolher um público ainda maior. São recebidas em torno de 35 a 40 pessoas por mês, totalizando cerca de 600 atendimentos desde a criação do Centro na Zona Sul. Sem contar todos os testes de HIV com amostra de fluído oral que também são realizados no espaço, tornando a sua atividade cada dia mais relevante para a comunidade.
Temas Contemporâneos
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RESENHA “As Sufragistas” de Sarah Gavron
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O filme “As Su f r ag ist as” apresenta uma história que se passou há mais de 100 anos, no início do século XIX, no Reino Unido. Após décadas de manifestações pacíficas, as mulheres britânicas ainda não possuíam o direito de voto e decidiram optar por uma abordagem mais agressiva. O longa revela claramente o cenário de industrialização do século XIX e o momento de transição em que as mulheres se mudavam do campo para trabalhar nas fábricas da cidade. No entanto, com condições desumanas de trabalho e remunerações miseráveis, rapidamente elas começaram a se conscientizar sobre seus direitos e se recusaram a continuar subordinadas a isso. A partir desse instante, o filme faz um recorte de uma das campanhas do movimento sufragista, introduzindo o telespectador a uma ínfima parcela da luta sofrida das mulheres britânicas. Aos
POR BRENDA PRESTES
poucos, somos tomados pela apreensão ao assistir de camarote a batalha entre a opressão machista e a ânsia feminina de lutar a qualquer custo. Em diversos momentos, me coloquei no lugar daquelas mulheres e pude sentir a dor de ser humilhada e tratada como escória da humanidade. Elas se cansaram de não ser ouvidas e partiram para a desobediência civil, mas de imediato foram reprimidas com violência pela polícia. Como se não bastasse a isenção moral e política, a liberdade de expressão foi vedada. E como punição, as ativistas foram encarceradas. O roteiro apresenta causas e conflitos padrão em filmes, que integra as personagens em destaque brilhantemente representadas por Carey Mulligan, Meryl Streep e Helena Bohnam Carter. Nos primeiros minutos do enredo, Mulligan estava relutante e se recusava a participar do movimento sufragista, pois tinha medo de alguma forma ser afastada de seu filho ainda
pequeno. Mas com o passar do tempo, ela foi percebendo que era impossível viver nesse universo machista opressor e abraçou a causa impulsionada ferreamente pelas palavras de Streep e Carter. Diante da injustiça e da violência física e moral, com que as mulheres são tratadas nas cenas baseadas em fatos históricos, o espectador a essa altura há de transparecer sua revolta – ainda maior se for uma espectadora. “As Sufragistas” é um longa poderoso e ao mesmo tempo assustador, que coloca o espectador na parede, obrigando-o a refletir sobre os acontecimentos e comparar-los com o cenário atual dos movimentos feministas do século XXI. O filme é recente e instiga o telespectador a colocar em pauta a luta legítima que foi travada há anos e a compreender que dela muito foi conquistado; mas deixa claro, na mente de todos, que infelizmente a luta ainda não acabou. 13
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A MAIORIA DENTRO DA MINORIA A importância de discutir e entender as particularidades do feminismo negro POR JADE PASSO
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vertente negra dentro do feminismo começou a ganhar força no final dos anos 1970. Na época havia uma forte manifestação do Movimento Negro que tinha uma face sexista e opressora que inibia as ativistas de ocuparem uma equidade próxima do homem negro. Outra razão para a criação dessa linha de pensamento, surgiu porque o Movimento Feminista ainda tinha sua face racista, contemplando apenas as pautas das mulheres brancas. Desse modo, houve a necessidade e a urgência de criar um movimento social liderado por mulheres negras, com o propósito de trazer a elas visibilidade, defesa e promoção de seus direitos. Uma das vozes em frente a esta luta é Aline Kátia Melo, uma das organizadoras do co
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letivo Nós, Mulheres da Periferia. Para ela o que acontece é que algumas demandas não são sequer conhecidas, ou discutidas por alguns grupos que desconhecem o dia a dia da mulher da periferia. “É como se fosse um feminismo da patroa ir discutir direitos enquanto a empregada cuida dos filhos da patroa e os filhos da empregada se criam sozinhos porque a mãe precisa trabalhar. Infelizmente nem toda mulher está preocupada com os direitos de suas empregadas enquanto mães e mulheres também”, conta. A maioria das mulheres negras vivem nas periferias, que também têm as demandas que envolvem questões de classe e problemas sociais que não estão ligados à questão racial. Muitas vezes, essas questões deixam de ser levantadas em alguns grupos feministas não convivem com essa realidade, “Por estarmos
Foto:s Jade Passo
Integrantes do coletivo Nós, Mulheres da Periferia
“Ser mulher e da periferia torna a missão duas vezes mais difícil”
mais longe dos bairros centrais, muitos serviços nos são negados. É impossível trabalhar por perto. Estudar por perto. Não há empregos nesses lugares, por isso percorremos longas distâncias, indo da zona norte a zona sul da cidade. Não há um número grande de faculdades nas regiões periféricas, o que nos obriga a sair cedo de casa e voltar depois da meia noite. Não há opções de lazer também e sair de casa para se divertir significa voltar no primeiro ônibus do outro dia. Ser mulher nas perife-
rias de São Paulo é conviver com as diferenças geográficas impostas por um sistema que afasta o pobre cada vez para mais longe, enquanto a especulação imobiliária encarece tudo, até mesmo em nossos bairros”, completa. Em uma sociedade machista, ser mulher já é um grande desafio. Ser mulher, negra e da periferia torna essa missão pelo menos três vezes mais difícil. O movimento de mulheres negras avançou bastante, mas ainda há muito o que conquistar em um país em que o mapa da
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“Queremos enfatizar os direitos civis, políticos e sociais das mulheres ” 16
violência mostra que a brutalidade contra mulheres brancas diminuiu e contra as negras só aumentou. Na Pesquisa Nacional de Amostra de Domicílios (PNAD) de 2011, 61% dos óbitos de feminicídios são de mulheres negras, 61% das mulheres que exercem trabalho doméstico remunerado são negras, pobres, de baixa escolaridade, e a maioria sem formalização do vínculo trabalhista. Das mulheres negras no Brasil, 39% vivem em situação de pobreza. Apenas 10,9% das mulheres negras atingem o ensino superior.
Aline conta que o grande desafio para representar esse grupo é estabelecer um diálogo ainda maior e buscar condições financeiras que as possibilite criar espaços presenciais de reflexão coletiva, promover descobertas culturais e pessoais entre as participantes. Além de ampliar o campo de atuação e as formas de divulgação do trabalho; extrapolando o campo virtual, tornando as histórias e falas dessas mulheres ainda mais valorizadas. O objetivo do coletivo é fomentar o empoderamento
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“Nós vamos estar nas ruas com nossos cabelos crespos”
das mulheres da periferia e dar visibilidade aos direitos não atendidos delas, problematizar acerca dos preconceitos e estereótipos limitadores, que se cruzam com as questões de classe social, etnia e raça, muito presentes em razão da localização geográfica das residências das moradoras das bordas da cidade. “Temos como objetivo pautar a grande imprensa, servindo de ponte entre a mídia e as mulheres da periferia. O coletivo Nós, Mulheres da Periferia pretende contribuir para o empoderamento das mulheres moradoras da periferia de São Paulo, promovendo espaços de reflexão, debate, informação, troca de conhe-
cimento, experiências e visibilidade sobre seus protagonismos, histórias e dilemas”. Charô Nunes, representante do coletivo e do site Blogueiras Negras, conta que um dos propósitos é utilizar a história das próprias fundadoras do grupo para mobilizar outras mulheres e utilizar como ferramenta de luta e resistência para a promoção da igualdade racial e social, conseguindo assim, fazer com que elas se sintam representadas, apoiadas e respeitadas em um lugar onde possam se expressar e não serem julgadas ou ridicularizadas. Outra integrante do Blogueiras Negras, Dani Bastos, complementa “Buscamos discutir a questão negra através de ações
políticas, como participar de debates públicos e marchas, promovendo e celebrando a cultura afrodescende por meio de uma discussão com a sociedade”. Dani ainda acrescenta que, por meio de uma ação educativa, querem enfatizar a importância dos direitos humanos, civis, políticos, econômicos, sociais e culturais das mulheres negras na sociedade brasileira. O intuito desta comunidade é sempre vir a público e vocalizar as demandas das feministas negras, “Nós vamos estar nas ruas com nossos cabelos crespos e usando pinturas que remetem a cultura africana”, enfatiza Charô.
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A VIDA DURA DA
MULHER FORTE Ingressar na política já não é simples, e quando ela não chega lá, as dificuldades apenas começam POR LARISSA AVILEZ
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m uma lista com 190 países, o Brasil ocupa a 116ª posição quando se trata de representatividade feminina na política. Apenas 9% das cadeiras da Câmara são ocupadas por mulheres e somente outros 13% dos cargos no Senado Federal estão nas mãos do sexo feminino. Os números baixíssimos, em descompasso com a sociedade brasileira majoritariamente feminina, colocam o país atrás daqueles que compõem o Oriente Médio – região vista como extremamente machista. “O número de mulheres na política desses países é pequeno, e conseguimos estar ainda pior. Vivemos um círculo vicioso. As próprias estruturas política e partidária na cionais dificultam a entrada da
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mulher no campo político, fazendo com que a sociedade se acostume a associar este cenário aos homens. Um erro. É preciso transformar este pensamento cultural e buscar uma igualdade entre os gêneros para uma representação mais democrática”, analisa a jornalista e doutora em sociologia Isabelle Anchieta. Tentando mudar esse panorama, mulheres de diferentes perfis se candidataram às prefeituras e às cadeiras das Câmaras Municipais nas últimas eleições, em outubro. Professora da Rede Municipal de São Paulo e ex-candidata à vereadora da cidade, Adriana Vasconcellos relata pelo menos duas dificuldades enfrentadas pela mulher na tentativa de ingressar na política. Em primeiro lugar, o machismo e a estrutura patriarcal
Foto: Arquivo Pessoal
Foto:: Larissa Avilez
Foto: Arquivo Pessoal
Isabelle Anchieta da sociedade brasileira. Em segundo, um menor - ainda que relativo - apoio financeiro. “Historicamente, as mulheres foram criadas para cuidar do lar e, consequentemente, construiu-se a ideia de que política ‘não é lugar de mulher’. Sem dúvidas, isso é resquício do machismo, reproduzido muitas vezes até por elas próprias. Entretanto, nós somos extremamente politizadas”, analisa. “Lógico que a questão econômica pesa, mas não é a principal, pois hoje os partidos investem mais naqueles que têm um maior potencial de vitória nas eleições, independentemente do gênero”. Atualmente, uma lei assegura 30% das candidaturas às mulheres. “As cotas existem para reparar um déficit já existente de determinado grupo em comparação a outro. Entretanto, o sistema social nunca vai parar de ser desigual se não investirmos em educação de base. Quero viver o suficiente para ver a palavra ‘cota’ ser obsoleta, quando, então, todos terão atingido um nível de igualdade”, comenta Thabata Barbosa, pedagoga e também ex-candidata a ingressar na Câmara
AdrianaVasconcellos Municipal da capital paulista. Superada a luta para ocupar um cargo na política brasileira, as mulheres ainda precisam ultrapassar outros obstáculos. “Quando já está lá dentro, aquele continua a ser um local majoritariamente masculino. Para conseguir aprovar um projeto, por exemplo, a mulher precisa passar pela objetificação. Em princípio, eles não te enxergam como alguém que está ali para fazer política, que tenta estabelecer um diálogo. Exaltam tudo, principalmente a aparência física, menos sua inteligência e capacidade”, ressalta Adriana. Quando, enfim, conseguem ser ouvidas e respeitadas, as imagens das mulheres passam a ser atreladas à masculinidade, e elas muitas vezes passam a sofrer questionamentos pejorativos a respeito da orientação sexual. “O sociólogo Pierre Bourdieu afirmou que os gêneros se caracterizam por antagonismos. Resquício de uma bipolaridade cultural. Então, a força acabou ficando associada aos homens. Esse raciocínio, porém, é maniqueísta e banal. Existem homens e
Thabata Barbosa mulheres, fortes e fracos”, defende Isabelle. Apesar de tudo, no próximo ano, São Paulo contará com mais mulheres na política. Composto por cinco vereadoras em atual exercício, o time feminino contará com oito representantes em 2017 – um total de 14,5% das 55 cadeiras. “O número e o crescimento podem parecer pequenos, mas significam um grande avanço, porque elas estarão lá para incomodar, para resistir e para buscar uma maior representatividade feminina na política”, afirma Adriana, convicta e esperançosa. Talvez fruto de um maior engajamento político catapultado pelas manifestações de 2013, o cenário também parece favorável à Thabata. “Enxergo com bons olhos a mudança do pensamento dos candidatos eleitos. Mulheres e homens outsiders da política são um sopro de ar fresco para todos que acreditam na liberdade do indivíduo. Acho que cada vez mais o cidadão vai se empoderar da política, fazendo com que ela continue sempre mudando e evoluindo de forma mais agregadora”. 19
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A LUTA NÃO ACABOU,
TAMPOUCO
COMEÇOU AGORA História revela que a luta de mulheres pela igualdade de gênero vem de décadas POR ANA CECÍLIA FARIA
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ntes tida como inferior por sua condição física, as mulheres, ao longo da história, foram confinadas ao espaço da vida privada e sem direitos de manifestarem suas vontades e de participarem da discussão sobre a vida pública. Coube a algumas delas se oporem às restrições impostas, em busca de conquistar seus direitos e de equiparar dos seus direitos perante a sociedade. Foram essas grandes mulheres que quebraram paradigmas e influenciaram a mudança de mentalidade das pessoas de seu tempo e também das que vieram depois. No Brasil não foi diferente.
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Visto como um campo masculino, a política, até os dias de hoje, ainda dispõe de uma participação um pouco tímida por parte das mulheres. Mas se pensarmos na história da luta política das mulheres em um sentido mais amplo, considerando movimentos, como o feminismo, e também a luta coletiva ou individual de mulheres fortes que, trazendo assuntos – antes tidos como privados – para a esfera pública e política, elas conquistaram seu espaço e seus direitos, reinventando e alterando até mesmo o campo, tão masculino, da política institucional. Foi a luta feminina que promoveu a transformação na “cultura política” do Brasil e ga
reforça a importância, principalmente, da luta coletiva na busca dos direitos das mulheres. Como, por exemplo, na luta pela carestia, por creches, pelo fim da violência doméstica, do estupro, entre outros. “A maior contribuição da atuação feminina e feministanoBrasil, semdúvida,éa problematização do conceito de política para além dos postos administrativos que historicamente são destinados à presença masculina e que exigem características como: virilidade, competição e imposição – traços desencorajados no comportamento feminino até mesmo nos dias de hoje” afirma a historiadora.
Foto: Ana Cecília Faria
rantiu direitos decisivos na busca da igualdade de gênero no país. Com a ajuda da historiadora Carolina Ramkrapes, graduanda em História pela UNICAMP, selecionamos grandes nomes e os principais acontecimentos do feminismo e da luta pela igualdade para uma linha do tempo que, detalhadamente, mostra que a luta não terminou, tampouco começou agora. Carolina, mestranda em História Cultural pela Universidade Estadual de Campinas, se dedica, principalmente, aos estudos sobre movimentos de resistência ligados a “estéticas da existência”, voltados ao estudo da feminismo, ao gênero e à biopolítica. Ela revela a importância des sas mulheres na história, mas
Historiadora da Universidade de Campinas, Carolina Ramkrapes
Temas Contemporâneos Questões de Gênero
“A maior contribuição da atuação feminina e feminista no Brasil, sem dúvida, é a problematização do conceito de política para além dos postos administrativos”
LINHA DO TEMPO
Revista Mutati
1694
Bertha Lutz (1894-1976): Bióloga e fundadora da Federação Brasileira para o Progresso Feminino (FBPF), em 1919, lutou pelo direito de voto das mulheres no Brasil, conquistado em 1932. Tinha como bandeira as mudanças na legislação trabalhista com relação ao trabalho feminino.
1919
Dandara: Guerreira negra, líder no Quilombo dos Palmares. Chegou ao grupo ainda menina e se casou com Zumbi, homenageado como símbolo de resistência à escravidão no Brasil. Valorizava a liberdade e se opunha aos acordos de rendição apresentados pelo governo brasileiro. Quando capturada, em 1694, Dandara se suicidou. 22
1923
Laudelina de Campos Melo (1904-1991): Empregada doméstica desde os sete anos de idade, fundou o primeiro sindicato de trabalhadoras domésticas no Brasil. Filiou-se ao Partido Comunista Brasileiro em 1936. Em 1961 criou a Associação Profissional Beneficente das Empregadas Domésticas, iniciativa que culminou na criação do Sindicato dos Trabalhadores Domésticos, que em 2015 ampliou as conquistas trabalhistas.
1936
Maria Lacerda de Moura (1887-1945): Anarquista brasileira e autora dos livros “A mulher moderna e seu papel na sociedade”(1923) e “A mulher é uma degenerada?”(1924), muito criticados por conservadores. Criou a Liga para a Emancipação Intelectual da Mulher e lutou pelo sufrágio feminino no país.
1962
Elizabeth Teixeira (1925-): assumiu a liderança do maior sindicato agrário do Brasil, na Paraíba, em 1962, após o assassinato do marido, João Pedro Teixeira. Foi presa durante a ditadura militar por questionar a histórica concentração fundiária no país, e teve que se manter na clandestinidade por onze anos.
1985
1995
Rosana Paulino (1967-): artista visual, pesquisadora e educadora. Doutora em Artes Visuais pela USP, seus trabalhos têm como foco a posição da mulher negra na sociedade brasileira. Em séries como “Ama de Leite”, de 2005, a artista problematiza o lugar das amas-de-leite na sociedade escravocrata brasileira do século XIX.
2005
Maria Amélia Teles (1944-): líder estudantil na década de 1960 pelo PC do B, ela foi presa e torturada pela Operação Bandeirantes entre os anos de 1972 e 1973 e teve seus dois filhos afastados da família a mando dos militares. Em 1995, fundou a Comissão de Mortos e Desaparecidos Políticos no Brasil.
Questões de Gênero
Dilma Rousseff (1947-): Economista, política e militante estudantil durante a ditadura militar, Dilma foi presa e torturada entre os anos de 1970 e 1972 pela Operação Bandeirante. Em 2011, tornou-se a primeira mulher a ocupar o cargo de presidente do Brasil.
2006
2011
Fotos: Arquivo Pessoal de Carolina Ramkrapes
Maria Luiza Fontenele (1942-): Primeira mulher a se tornar prefeita de uma capital no Brasil. Eleita em 1985 pelo PT, contrariando todas as pesquisas oficiais. Atuou junto a movimentos sociais e partidos de esquerda, sendo boicotada pelo governo do estado do Ceará. Fundou o Movimento Feminino Pela Anistia (MFPA), no Ceará, em 1976, e a União das Mulheres Cearenses (UMC), em 1981.
Temas Contemporâneos
Maria da Penha Maia Fernandes (1945-): Farmacêutica, denuncia a violência doméstica, da qual era vítima (ficou paraplégica após tentativa de homicídio do então esposo), e mobiliza a criação da lei que pune agressões físicas e psicológicas contra as mulheres, em 2006. Em 2017, foi indicada ao Prêmio Nobel da Paz. 23