Universidade Anhembi Morumbi | Curso de Jornalismo | 6º Semestre | Turma VO Manhã | 2016-2
Laerte Representatividade trans na arrte
Ensaio Já te falaram algo chocante?
LGBTs
Em busca de um espaço na TV
As “mina” que rima
É espaço que elas querem, e estão conquistando
_questões de gênero
Temas Contemporâneos 1 _questões de gênero
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Temas Contemporâneos
expediente
Temas Contemporâneos Revista produzida por alunos do 6º semestre do curso de Comunicação Social com Habilitação em Jornalismo da Universidade Anhembi Morumbi Reitor Prof. Dr. Paolo Tommasini Pró Reitor Acadêmico Prof. Dr. Ricardo Fasti Diretor da Escola de Ciências Humanas e Sociais Prof. Dr. Luis Alberto de Faria
Ingrid Teles Uma dançarina que se comunica através do jornalismo, uma estudante de jornalismo que se comunica através da dança.
Mariella Vicentin Uma estudante de jornalismo que tenta tudo e não consegue nada.
Coordenador do curso de Jornalismo Prof. Ms. Nivaldo Ferraz Coordenador Adjunto do curso de Jornalismo Prof. Ms. Alexandre Possendoro Professora da disciplina e Orientadora desta edição Profa. Cristina Barbosa Projeto gráfico Prof. Ms. Ricardo Senise Redação e diagramação Ingrid Teles Mariella Vicentin Marina Alves Tatiane Santana Tiago Minervino Data desta edição Novembro de 2016
_questões de gênero
Marina Ferreira Fotógrafa e estudante de jornalismo do 6° Semestre da Universidade Anhembi Morumbi
Tatiane Santana Estudante do 8º Semestre de Jornalismo que quer seguir carreira gastronômica
Tiago Minervino Um estudante de jornalismo que acredita no poder das palavras e, sobretudo, da informação
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sumário e editorial
Teatro | 5
O passado é logo ali...
Talento e Coragem | 6 Conviver com as diferenças não é tão simples quanto se imagina. Em pleno século XXI, geração Y, era da tecnologia e quebra de padrões, a intolerância à diversidade tem sido, por via de regra, uma constante irrefreável.
LGBTs na TV | 8 Vai Rolar | 10 Matéria de Capa | 12
Ensaio | 16 Crônica | 18 Autoral | 19
Do preconceito de gênero à orientação sexual, da xenofobia à discriminação por cor, intolerância religiosa, preconceito de origem, dentre outros, o passado continua tão presente que a impressão que fica é a de que retroagimos à Idade Média. Os estereótipos são frágeis em sua essência, mas fortalecidos por discursos rasos de ódio que ganham força no medo da perda de privilégios. O caminho para sobrepujar essas barreiras para, justamente, na educação, na cultura e na política. O mundo encara uma onda de conservadorismo há muito não vista. Bancada religiosa, parlamentares que propagam o ódio às minorias sociais e representativas ao ápice da vitória do “presidente do mundo” mais retrógrado em décadas – Donald Trump. Com uma educação que não educa, mas reforça estereótipos e paradigmas sociais que reforçam a cultura de exclusão tão latente nas sociedades modernas e beneficiam o status quo, é necessário que haja mais debates sobre inclusão, aceitação e respeito ao diverso.
Tiago Minervino
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Temas Contemporâneos
teatro
“O teatro é a arte” A atriz transexual que vem invadindo os palcos do mundo para mostrar suas histórias e verdades. Por Mariella Vicentin
Leona Jhovs, atriz transexual
Foto: Arquivo Pessoal/Dario José
O teatro é visto como um universo alternativo, completamente novo, onde se abre inúmeras possibilidades, e nelas se vê, respira, sente, se vive a arte, o novo, o inusitado e imprevisível. Despertando diversos sentimentos a quem lhe é apresentado.
como eu. Faço com amor e respeito e isso reverbera em aceitação e muitas vezes admiração.” conta Leona. Recentemente, em 2015, a atriz foi reconhecida por seu trabalho e recebeu o prêmio da Filmworks Film Festival por Melhor atriz na sua interpretação em Lúcia, um curta produzido por alunos da AIC Em algumas escolas a linguagem teatral é tratada (Academia Internacional de Cinema) em junho de desde crianças á adolescentes, pois ajuda a de- 2014 com direção de Cristobal Hernandez. senvolver o trabalho em grupo, a fala, a timidez e é perceptível uma melhora em situações como im- Leona acredita que “O trabalho dignifica o ser” e proviso e em textos. Esta forma de arte, por ser este atualmente vem trabalhando na Companhia teatral universo alternativo, acaba atraindo diversos tipos Pessoal do Faroeste, companhia na qual é residente de pessoas, estando incluso estas crianças e adoles- na Sede Luz do Faroeste, em São Paulo. Em dezemcentes e até mesmo adultos e idosos, de diversas bro, a cia. Faroeste vem com uma nova programaetnias, pensamentos e sexualidades. ção de uma cena brasileira chamada Quintas do Triunfo, onde é apresentado artes e espetáculos. Um exemplo de mulher e atriz transexual é a Paulistana Leona Jhovs que desde seus 14 anos vem tra- A nova programação faz parte dos estudos do prozendo em seu peito o sonho do teatro, que foi onde jeto shakeSPeare – Lei de Foento ao Teatro pra Cise encontrou e um lugar que a aceitou. “O teatro dade de São Paulo, com entrada gratuita o ciclo de é aberto a diversidade, e vivo um momento ímpar leituras é sempre às 12h. cheio de possibilidades e propostas para mulheres _questões de gênero
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entrevista
Laerte e a representatividade trans na arte Uma das maiores cartunistas do país e símbolo trans conta sobre profissão, sexualidade e aceitação Por Marina Ferreira
Laerte atualmente
Foto: Arquivo Pessoal/Cláudia Ferreira
32 anos. Esse foi o tempo que Laerte Coutinho ficou “no armário”. No alto dos seus 57 anos descobriu a alegria de abrir as portas e se assumir transgênero. Ele virou ela. Surpresa? Sim, ela mesma foi pega desprevenida por essa descoberta depois de tantos anos de estrada. Mas nunca é tarde, o bonito da vida é a arte de ser camaleão, e isso ela sabe fazer com maestria. Foi através do seu trabalho que nasceu o cartunista e foi através do seu trabalho que nasceu A Laerte, aquela que não se cansa de se reinventar.
Revista: Como foi o processo de reconhecimento você? Foi muito discriminada? enquanto mulher trans? Quando você percebeu? L: Não, não foi algo muito severo. Avalio que essa forLaerte: Foi mais ou menos em 2004, quando eu ma branda de estranhamento e a relativa facilidade publiquei uma tira onde a personagem Hugo se de aceitação do meu movimento vêm do fato de ser travestia e leitoras (trans) me sugeriram que isso já conhecida como cartunista - o que até hoje dificulpodia ser um desejo pessoal meu. Fui ver e era. ta que usem a flexão feminina para se referir a mim. R:
Como
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foi
esse
processo
para R:
Quais
foram
as
primeiras
percep-
Temas Contemporâneos
entrevista ções que você teve e quando realmen- como queríamos, houve discordâncias, a associate decidiu se afirmar como mulher trans? ção ainda não se registrou e limita-se, hoje, à manutenção de uma página no Facebook e ao proL: A “fase um”, por assim dizer, foi o reconheci- jeto TransEmpregos, que busca possibilitar que mento e aceitação (depois de 32 anos de armá- pessoas transgênero consigam empregos formais. rio) do meu desejo homossexual. Isso me dei- Estamos considerando alternativas para registro. xou num estado de grande paz interna, que permitiu sondar novos horizontes. Essa bus- R: Em sua opinião, qual a importância da repreca me levou à percepção da transgeneridade. sentatividade trans no cenário da arte brasileira?
“Acho que aumentou bastante o nú-
mero de pessoas que acompanham meu trabalho - o que evidencia a importância que a questão de gênero de fato tem”
L: Acho importante que a transgeneridade seja aceita e vivida por pessoas trans, em todos os níveis - incluindo suas atividades profissionais, o que inclui a arte. É preciso que modelos positivos dessas vivências sejam visíveis. R: Quando você assumiu a transexualidade o debate sobre questão de gênero aumentou bastante. Você acredita que tenha influenciado esse debate?
R: A sua auto-afirmação enquanto mulher trans influenciou na carreira artística? L: Como? Quais são os reflexos dessa influência? e L: Minha expressão profissional não mudou. Continuo sendo a mesma pessoa, os processos criativos continuam seguindo a mesma trajetória. Não dei guinadas por conta da transgeneridade. Só me sinto muito mais satisfeita - o que não é pouco!
Espero casos
que me
sim. Muitas influenciaram
pessoas também.
R: Você era considerada uma das maiores cartunistas do país. Depois de se assumir transexual, você não só continuou sendo uma das melhores cartunistas como virou símbolo de coragem e representatividade trans. Como é sua relação com os fãs? Isso mudou muito de 2004 pra cá?
R: Quando e por que você viu necessidade de criar a ABRAT? Qual objetivo dessa associação? L: Obrigada pela forma elogiosa da pergunta! Acho que aumentou bastante o número de pessoas L: A ABRAT - Associação Brasileira de Transgêne- que acompanham meu trabalho - o que evidencia a ros - foi criada para que quatro amigas trans (a importância que a questão de gênero de fato tem, advogada Marcia Rocha, a psicóloga Leticia Lanz, a despeito das tentativas de pensadores e ativistas a atriz Maitê Schneider e eu) combinássemos nos- conservadores no sentido de distorcê-la e sufocá-la. sas ações em áreas específicas para maior repercussão e proveito. As coisas não correram bem
Charge Ditadura Gay, de Laerte Coutinho
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sociedade
TV reforça preconceito contra LGBTs Em pleno século XXI, novelas e humorísticos ainda produzem personagens caricatos. Por Tiago Minervino
Fabricio Longo, blogueiro e ativista LGBT
Ao longo de mais de cinquentas anos de história, as emissoras brasileiras são alvos constantes de críticas por entidades sociais ligadas à preservação dos Direitos Humanos por suas produções que estimulam o preconceito e fortalecem o status quo. As novelas e os humorísticos lideram a lista de reclamações.
Foto: Arquivo Pessoal
acordo com dados da última Pesquisa Brasileira de Mídia, realizada pela Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República (Secom).
Somando as três principais emissoras do país (Globo, Record e SBT), vão ar de segunda a sábado sete novelas inéditas, sem levar em consideração No livro “A TV No Armário”, o jornalista Irineu as tramas reprisadas e as produções internacioRamos Ribeiro trata dessa questão como algo nais. Programas de entretenimento e telejornais preocupante. Para ele, “nos programas de hu- completam a essência da grade desses veículos. mor e nos de entretenimento, inclusive nos programas jornalísticos, as emissoras produzem Poucos duvidam do poder que os meios de copersonagens exagerados em trejeitos e carica- municação de massa têm em manipular as pestos em comportamento, o que não condiz com soas, quando não raro ditando estilos de vida e a realidade ampla do mundo homossexual”. incutindo estereótipos no subconsciente delas. Irineu dedica a maior parte do seu trabalho na A televisão continua exercendo um papel impor- análise da cobertura dos telejornais das principais tante na sociedade brasileira. O Brasil é um dos emissoras nacional (Globo, Record, SBT, Band, TV países que mais consomem TV no mundo: 95% Gazeta, Rede TV! e Globo News) do maior evento dos brasileiros assistem televisão, 73% diaria- de visibilidade LGBT do país: a Parada do Orgulho mente, em média quatro horas e meia por dia, de LGBT de São Paulo. Segundo o jornalista, em 99%W
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Temas Contemporâneos
sociedade dos casos os jornais tergiversam em suas matérias nar a trama mais palatável ao público conservador. ao não veicular o fato noticioso, ou seja, a Parada, dando preferências para questões de economia e “No cinema existe mais liberdade para os roteiristas segurança, em vez da importância do evento em si. e diretores serem mais ousados, porque não existe preocupação com a audiência. O cinema se permite A falta de responsabilidade social e a ausência de mais. O sexo aparece, os personagens são mais seuma análise política sobre o tipo de representação xualizados, provocativo. Na TV os personagens LGBT necessária é o principal problema na visão do blo- são castos. Eles tiram a sexualidade e o erotismo gueiro e militante Fabrício Longo, que reconhece como forma de passar para as famílias que assistem haver pouca representatividade LGBT em produtos a imagem que eles são primos felizes e não um casal”. culturais como novelas e seriados, mas afirma que tais veículos não têm a “obrigação de tratar a causa”, Ainda de acordo com o cineasta, tanto no cinema, tampouco é correto apontá-la (a televisão) como a quanto na televisão, há uma deficiência no trataprincipal culpada pelos estereótipos, quando, na mento das “T” (travestis, transexuais, transformistas). realidade, o problema é estrutural, ou seja, social. Para ele, o universo “T” da sigla continua sendo um ambiente misterioso e enigmático, que a sociedade “Muita gente reclama que a TV promove um este- ainda não conseguiu assimilar, portanto, carece de reótipo ao mostrar gays efeminados, mas qual é a melhor atenção, tratamento e representatividade. solução disso? Não mostrar? Efeminados não existem? Ou será que eles não são considerados como representação válida para uma comunidade que ainda busca se afirmar através de uma idolatria da masculinidade?”, afirma Longo. “É óbvio que aquilo que aparece na TV reflete o nicho social em que os grupos já se encontram. A bichinha, o negro como serviçal, etc., mas não dá para pensar na TV como uma entidade em si, sempre com desejos e agendas específicas. Ela forma opiniões mas também reflete (o pensamento da sociedade)”, completa. É inegável que houve um avanço na abordagem de lésbicas, gays, bissexuais e pessoas trans ao longo dos últimos seis anos. Vitórias pequenas, mas significativas, foram conquistadas, acompanhadas da decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que aprovou a união entre pessoas do mesmo sexo no país. Houve o primeiro beijo entre dois homens em 2014, protagonizado pelos atores Mateus Solano e Thiago Fragoso na novela “Amor à Vida” (Walcyr Carrasco, TV Globo - 2014), a frequência de casais homoafetivos nas dramaturgias aumentou e até uma cena de sexo já foi exibida. Contudo, para o cineasta e diretor de filmes LGBT’s, Lufe Steffen, a TV ainda é a produtora de ficção mais retrógrada e conservadora, em comparação com o teatro e o cinema. Steffen não ignora a evolução do tema nas peças de ficção na TV aberta, mas alerta para a diferença entre quantidade e qualidade. Segundo ele, ainda existe o ranço do estereótipo, a dificuldade em criar um personagem LGBT mais complexo e a criminalização do sexo gay, criando personagens assexuados, para tor_questões de gênero
Lufe Steffen, cineasta LGBT
Foto: Arquivo Pessoal
TV no Mundo Nos Estados Unidos, personagens LGBTs ocupam 4% do total das produções televisivas, de acordo com a organização não governamental norte-americana Glaad (Aliança Gay e Lésbica contra a difamação). Entretanto, de acordo com a presidente da entidade, Sarah Kate Elis, a quantidade é pouco e carece de significado. Para ela, as emissoras pecam em continuar retratando personagens caricatos, carregados de estereótipos.
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agenda
Vai Rolar O QUE? A Galeria Transarte Brazil é um espaço focado em produções que discutem o mundo trans com a missão artística que consiste em estimular e produzir ações expositivas inesperadas, por meio de convite de artistas residentes. Recebe as exposições de três grandes artistas: Timothy Cummings, Iwajla Klinke e Silvia M. A entrada é franca. ONDE?
Spot Portraits, acervo Transart
Galeria Transarte Brazil Alameda Santos, 1518 - Cerqueira César - São Paulo (11) 3142 9975 (11) 98462 3434 De terça a sexta 13h - 20h / Sábado 13h - 17h / Segunda e domingo fechado
O QUE? A Galeria Olido é um centro cultural localizado ao lado da Galeria do Rock, com diversos espaços dedicados a música, teatro, dança, artes plásticas, fotografias e cinema. A galeria tem diversos espaços dedicados à arte, e possui 293 lugares para espetáculos teatrais e concertos musicais eruditos e a Vitrine da Dança, onde há aulas de dança de salão. ONDE? Av. São João, 463/473 – Centro – São Paulo – Próximo à estação República do metrô. (11) 3331-8399 (11) 3397-0171 De segunda a sábado 9h - 22h.
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agenda
O QUE? O Museu da Diversidade Sexual é o primeiro equipamento cultural da América Latina relacionado à temática, vinculado à Secretaria da Cultura do Estado de São Paulo. Com o foco especialmente nas identidades de gênero, orientações sexuais e expressões de gênero das minorias sexuais para estabelecer um espaço de convivência, manutenção da memória da população LGBT e potencializar estudos da diversidade sexual. ONDE? Piso Mezanino, loja 518 – São Paulo – Dentro da Estação República do Metrô (11) 3882-8080 De terça a dom 10h – 18h | Entrada gratuita | Acessibilidade para deficientes físicos.
O QUE? O Sarau do Burro une poesia e arte de rua e acontece no interior de uma galeria da Vila Madalena, zona oeste da cidade. Não possui utilização de microfones nem inscrições prévias. E só chegar e recitar a poesia. O sarau acontece toda primeira terça-feira do mês.. ONDE? Rua Harmonia, 95B - Vila Madalena, São Paulo – SP (Galeria A7MA) (11) 2361-7876 Primeira terça do mês às 20h
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capa
“As mina que rima” A busca feminina por espaço igualitário dentro do gênero musical proveniente do movimento Hip Hop. Por Ingrid Teles
Foto: Ingrid Teles
Oito mulheres em uma batalha com um só objetivo: eleger a melhor MC (mestre de cerimônias) através de rimas feitas com temas escolhidos pela plateia. Este é o formato da Batalha da Dominação, uma competição de rimas na qual somente mulheres podem participar. O evento que teve a sua última edição realizada no V Fórum Nacional das Mulheres no Hip Hop, nos dias 16 e 17 de setembro, em São Paulo, surgiu através da necessidade de criar mais espaços de protagonismo para as mulheres que já participam ou se interessam em participar da cultura Hip Hop através do elemento do RAP.“ Hoje as minas estão travando uma luta muito forte, que é uma luta de se empoderar,
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empoderar outras minas e bater de frente, falar eu posso, eu estou aqui e eu vou fazer”, explica Sara Donato, organizadora da Batalha da Dominação. As batalhas de rima são comuns, principalmente as do formato conhecido pelos participantes como “sangrento”, no qual um MC rima contra o outro sobre temas livres, geralmente pautados em apontar os defeitos e ridicularizar o adversário. Esse formato também é misto, ou seja, recebe participantes tanto do gênero feminino quanto do gênero masculino. Porém, as MCs e a organização do evento notaram que este modelo de batalha muitas vezes reprime a participação não apenas das mulheres, que muiTemas Contemporâneos
capa aquele tipo de batalha não tinha nada à somar, muito pelo contrário, presenciei até mesmo homens que batalharam comigo e se sentiram tão intimidados que falaram que não queriam batalhar nunca mais. Para mim não é interessante causar isso à ninguém, muito menos para as minhas irmãs”, reflete a MC. Pensando em aumentar e estimular a participação de mulheres em batalhas, o evento opta pelo formato conhecido como “batalha do conhecimento”, no qual temas como a legalização do aborto, a transfobia, entre outros, são sugeridos pela plateia e desafiam as competidoras a mostrar através das rimas o que pensam sobre cada um dos assuntos, e ao final de cada batalha de rima, a plateia escolhe qual MC passa para a próxima fase da competição.
As minas têm muita ideia pra dar Foto: Ingrid Teles
tas vezes recebem ofensas dos seus adversários relacionadas ao gênero, como também dos próprios homens que estão iniciando a sua trajetória dentro do RAP, como observa a Karine Machado, vencedora desta última edição da Batalha da Dominação,“ Eu sempre tive um ótimo desempenho nas batalhas de sangue, não me deixava abater e levava na esportiva, sabia me defender, mas fui notando que
Mesmo grávida de gêmeos e em uma gravidez de risco, a Karine, embarcou em um voo de Florianópolis até São Paulo para participar da batalha e do fórum. O resultado? A conquista do primeiro lugar da batalha. A MC ressalta que a maternidade não precisa ser um obstáculo e que o importante é estar presente e dar voz aos ideais pelos quais ela luta, “ a minha gestação passa uma mensagem forte tanto para as mulheres quanto para os homens pois, geralmente, o homem pensa que quando
Foto: Ingrid Teles
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capa uma mulher se torna mãe, pronto, acabou para ela! Principalmente no RAP... Acabou, vai para casa cuidar do filho e já era. Mas a maternidade não veio para brecar nenhuma mulher, ela veio para somar, pois é uma oportunidade de evolução, e eu como gestante batalhando provo que uma mulher pode ser feminina, pode ser mãe, pode estar grávida e ainda assim ela tem espaço de representatividade, nós não precisamos mais abrir mão da nossa feminilidade para nos igualarmos aos homens em busca de espaço de fala”, conta Karine. A MC enfrentou a possibilidade de não conseguir vir até São Paulo para participar do evento quando percebeu que não teria condições financeiras de arcar com os custos da viagem, mas, recebeu forte apoio das mulheres militantes do movimento e outras MC’s do sul do país que se uniram para juntar o dinheiro através de doações e ações culturais, conseguindo assim, financiar a grande parte dos gastos, “ eu era a única representante do Sul na Liga de Mc’s, então graças às irmãs nós conseguimos fazer uma vaquinha online e hoje eu estou aqui, presente, podendo levar a minha ideia à todas e trocar com as minas de outras regiões que conseguiram colar”, relata.
mos poucos apoiadores do gênero masculino, e ainda assim os que apoiam, é de forma indireta e com uma participação tímida”, observa a militante. Os reflexos desse machismo também são observados pela organizadora da Batalha da Dominação, que relata que, embora os homens sejam convidados a assistirem as batalhas e a participarem dando apoio e prestigiando as mulheres, a presença do gênero masculino é pequena nos eventos aonde o protagonismo feminino é o foco, “o machismo dentro do Hip Hop é uma extensão do que acontece na sociedade em geral, então o problema é que os homens reproduzem dentro do movimento as atitudes machistas que eles foram ensinados a ter desde pequenos, e só alguns manos colam nos nossos eventos, e só os que têm a caminhada certa, por que se tiver a caminhada errada, se não respeitar as minas, a gente não faz questão da presença mesmo”, conta Sara Donato.
“ Hoje as minas estão travando uma luta muito forte, que é uma luta de se empoderar, empoderar outras minas e bater de frente, falar eu posso, eu estou aqui e eu vou fazer.” A união faz a força Outro exemplo de que a união feminina está movendo barreiras é o próprio V Fórum Nacional das Mulheres no Hip Hop, encontro que acontece há 5 anos e que reúne mulheres de todos os elementos do movimento, vindas de todas as regiões do país para criar cultura, aprender e debater principalmente temáticas acerca das questões de gênero dentro do Hip-Hop. A organizadora e militante, Nerie Bento, afirma que o movimento Hip-Hop é predominantemente machista. “ Hoje nós temos um problema muito grande que é fazer os homens nos enxergarem enquanto profissionais, e melhor ainda, profissionais de qualidade. Por isso, nós te-
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Foto: Ingrid Teles
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capa
Foto: Ingrid Teles
As organizadoras de ambos os eventos reforçam que, embora o foco seja a discussão do protagonismo feminino dentro do Hip Hop e do Rap, a participação masculina é bem-vinda. A próxima edição do fórum acontece somente em 2017, mas a Batalha da Dominação possui edições previstas ainda para esse ano que serão divulgadas previamente nas redes sociais do evento.
O movimento Hip Hop é um movimento social e cultural que surgiu nas periferias dos Estados Unidos em meados dos anos 80, e é composto por quatro elementos: o Breaking (dança), o Graffiti (artes visuais), o DJ e o MC (música). O RAP, sigla para Rhythm and Poetry (com tradução para Ritmo e Poesia), é a música proveniente desse movimento. Por isso, todos os artistas que compõe letras e cantam RAP, são conhecidos como MC’s (mestres de cerimônia). _questões de gênero
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sessão de fotos
Assédio e Preconceito O assédio sofrido por parte de mulheres e gays retratado em um ensaio libertador Por Tatiane Santana Fotos Marina Ferreira
Foto: Tatiane Santana
Em tempos onde um short mais curto pode ser um problema para muitas pessoas, trouxemos um ensaio que quebra esteriótipos, onde a liberdade de expressão, de vestir-se como bem entender e de ter sua opção sexual respeitada são os temas centrais. Qual a frase que mais te marcou? Responda essa pergunta com a gente!
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sessão de fotos
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opinião
Machismo: passado e presente Por Marina Ferreira e Tiago Minervino
Dia desses estava pensando em como as pessoas se pautam em sua fé, sobretudo em textos da Bíblia, para interferir na vida alheia, não raro ditando valores e costumes a serem seguidos. Aí paro para refletir: Jesus era militante, estava sempre comandando as manifestações contrárias ao status quo, abraçando pessoas doentes, andando com prostitutas e, inclusive, perdoando ladrões. Nada a ver com seus atuais ‘discípulos’. É fato que vale a pena parar para refletir sobre a bíblia e sua interferência na sociedade ao longo dos séculos: um livro opressor, que serviu como alicerce para o longo processo de escravização da população negra, que prega um caça às bruxas as minorias sociais e representativas (LGBTs, descendentes de matrizes afro, mulheres etc.). No tocante às mulheres, o episódio onde o Filho do Homem sai em defesa de Maria Madalena, uma prostituta, jogando na cara dos hipócritas suas próprias hipocrisias, diz muito a respeito dos povos daquela época e denota o quão pouco as pessoas mudaram. Os “zomi” professam que só se casam com uma mulher virgem, entretanto eles não podem esperar até o matrimônio, afinal, macho que é macho pega todas. E não para por aí: as mulheres têm que ser sempre subalternas, devem ser obedientes, submissas, não podem querer, sequer pensar, em ocupar um posto mais alto que o sexo oposto e tem que aceitar, quieta, receber menos pelo mesmo serviço prestado. “Não se nasce mulher, torna-se mulher”, afirmou a filósofa francesa Simone de Beauvoir, e, embora em épocas distintas, separadas por um futuro longínquo à época, e que hoje é pretérito, Simone e Madalena tinham algo em comum: estavam aquém do seu tempo e da mentalidade dos povos.
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Tiago Minervino graduando em Jornalismo pela Universidade Anhembi Morumbi. Escreve diariamente no blog “Vamos Contextualizar” sobre direitos humanos, política e cultura Pop. Apaixonado por música, livros e parques.
Marina Ferreira é graduanda em jornalista, fotógrafa e estudante. Acredita na desconstrução diária dos preconceitos e tabus da sociedade através do diálogo.
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autoral
“To cansada de ouvir som meloso pra nois ser dedicado Onde tá escrito que mina só curte love song? Pra ser sincera suas rima é tão ruim quanto seu grau de melação Não passo pano pra comédia, fala bosta quer ibope Tem tanto senso comum merece o Prêmio Nobel de loki Cê adora as mina quieta? Eu só desejo que você cale a boca Empoderamento feminino não é sua escolha Hipócrita pra caralho, quer falar mal da minha xota Me broxa esse seu desempenho de bosta Boy de condomínio bate panela e fala asneira No tour pela quebrada só conhece as biqueira Se perde na carreira e uma par segue o embalo Batendo continência pra otário” “Essa é pra você, óh rei da virilidade! Que julgou o ser mulher, um ser de incapacidade Que estupra, mata e enlouquece todo dia E faz da minha buceta o seu troféu pra hierarquia Eu sou a puta, a trepadeira, a vadia Eu já tava lá enquanto você se escondia Traficando informação, muitas claps e as tracks Quem andou com a Dina Di não paga pau pra verme Prepotentes, arrogantes, totalmente sem noção Agora é só porrada que é pra ter educação E quem sabe, zé ruela, você vai entender Quem nasce na favela é diferente de você” “Sei bem porque representatividade incomoda Foda, quer falar das mina em categoria Moda, branco e boy não entende de minoria Tática de silenciamento, desmerecimento da luta Não vive disso 1%, não respeita e nem escuta Quer falar de conduta querendo imposição Nem faz as mina gozar, e quando faz é obrigação Sem condição, Eu passo e não peço licença Cês queria as onça mansa mas nois veio ser presença Então aguenta, Respeita tio, no bagulho” Machocídio Composição: Sara Donato, Luana Hansen, Souto MC, Issa Paz
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