Revista Transformar

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Transformar Temas Contemporâneos

Universidade Anhembi Morumbi | Curso de Jornalismo | 6º Semestre | Turma CE Manhã | 2016-2

Do presente ao passado

Desafios para a implementação da agenda LGBT nas escolas

Respeito

Projetos buscam consicentização

Tolerância

Aceitar um filho homossexual

Crônica

Jovem relata preconceito vivido

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expediente

Temas Contemporâneos Revista produzida por alunos do 6º semestre do curso de Jornalismo da Universidade Anhembi Morumbi. Reitor Prof. Dr. Paolo Tommasini Pró-reitor Acadêmico Prof. Dr. Ricadordo Fasti

Carolina Rosa, 22 Estudante de jornalismo da Universidade Anhembi Morumbi. Militante feminista e do movimento negro.

Diretor da Escola de Ciências Humanas e Sociais Prof. Dr. Luiz Alberto de Farias Coordenador do Curso de Jornalismo Prof. Dr. Nivaldo Ferraz Coordenador Adjunto do Curso de Jornalismo Prof. Me. Alexandre Possendoro Professora da disciplina e orientadora | desta edição Profa. Ms. Cristina Barbosa

Diego Lucato, 22 Estudante de jornalismo da Universidade Anhembi Morumbi. É apaixonado por esporte, política e educação.

Redação e diagramação Carolina Rosa Diego Lucato Lucas Oliveira Maurício Moreno Victor Rosa Wevertton Araújo Data desta edição Novembro de 2016

Lucas Oliveira, 25 Estudante de jornalismo da Universidade Anhembi Morumbi, pretende seguir carreira no jornalismo esportivo e cultural.

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Editorial

Maurício Moreno, 21 Estudante de jornalismo da Universidade Anhembi Morumbi. Pretende seguir carreira no jornalismo esportivo.

Victor Rosa, 21 Estudante de jornalismo da Universidade Anhembi Morumbi. Militante do movimento LGBT.

O progresso do ser humano passa pela capacitação até a prática. Que é proporcionado através da educação, que ao melhorar o indivíduo atinge toda a sociedade. Abordamos aqui, especificamente, a Educação de Gênero, que ainda não tem o seu devido espaço no âmbito escolar ou das universidades sendo discutido. Antes de tudo, capacitar profissionais para promover e incentivar crianças, jovens e adultos a entenderem a relevância do tema. Este é o caminho para um mundo mais igualitário, onde o respeito às diferenças prevalecerão. Por anos o Estado, através de péssimas administrações, negligenciou o debate e o direito de mulheres e grupos LGBT a uma educação de qualidade. Corroborando, implicitamente, para o aumento da violência misógina e homofóbica em corredores de escolas, casas de famílias e ruas do país. As políticas públicas de incentivo pouco surtem efeito. Hoje, são as iniciativas de grupos sociais que buscam melhorias e trazem incentivos à promoção da educação de gênero. Quando o diálogo sobre gênero é levantado, o mesmo é carregado de preconceito e deturpações, que ao invés de propor a educação, deseduca ainda mais aqueles que já possuem uma ideia errada, não por culpa dos mesmos, mas por não terem repertório e carregarem a herança cultural de um país construído sob uma ótica machista, patriarcal. Para o educador Paulo Freire “se a educação sozinha não transforma a sociedade, sem ela tampouco a sociedade muda”. Educação como ferramenta para a transformação. Educar para acabar com os estereótipos que a sociedade criou, de como fomos “educados”. Educar para sermos iguais, sem distinção de classe, raça ou gênero. Por Lucas Oliveira

Wevertton Araújo, 22 Estudante de jornalismo da Universidade Anhembi Morumbi. Pretende seguir carreira em jornalismo cultural.

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sumário

Perfil com Symmy Larrat ‘‘Todo espaço que existe, é transfóbico’’ Pág. 5

Apoio psicosocial a pais de filhos homossexuais Como os pais lidam com a sexualidade de seus filhos. Pág. 16

Do presente ao passado Desafios para a implementação da Agenda LGBT nas escolas. Pág. 08

Educar é a chave para conviver O ódio gratuito nas escolas não é mera concidência. Pág. 10

Crônica Jovem relata preconceito vivido desde a infância. Pág. 12

Respeitando diferenças em busca da igualdade Projetos educacionais buscam a conscientização em relação à igualdade de gênero. Pág. 14

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Educar para transformar Projeto pioneiro da prefeitura paulistana busca qualificar profissionalmente travestis e transexuais. Pág. 18


Perfil

Perfil com Symmy Larrat

Como Symmy Larrat lidou com a descobreta de sua sexualidade tardia, e como foi o processo de acitação Autor: Victor Rosa E é melhor você sair da frente, porque vou falar de uma pisciana com ascendente em escorpião. Vou falar de uma mulher que não é só mulher; de uma mulher que não cabe em toda a sua singularidade feminina; de uma mulher sobrevivente, que luta todo santo dia para conseguir ficar em pé dentro dessa sociedade machista e transfóbica. Honra e responsabilidade estão do meu lado nessa narrativa, e eu não poderia esperar menos falando de e com Symmy Larrat, que havia marcado de me receber naquela sexta-feira de clima incerto típico de São Paulo. Depois de me perder no Largo do Arouche, consegui chegar ao Centro de Cidadania LGBT, que, veja só a minha confusão, fica na Rua do Arouche, no quarto andar do número 23, no centro de São Paulo. Por conta da minha falta de atenção e da falha do GPS de meu celular, me atrasei quinze minutos, e isso já me deixou muito apreensivo de não conseguir a tão almejada pontualidade. Contrariando qualquer situação paralela que eu tivesse imaginado, Symmy Larrat me recebeu, ainda na recepção, com um enorme sorriso, agitada e apressada, isso porque, depois da nossa conversa, ela já tinha tarefas a cumprir; sendo assim, obviamente tudo deveria acontecer mais rápido do que o esperado. Sem questionar o atraso,

a coordenadora do projeto Transcidadania logo me convidou para entrar em sua sala, que é bem aconchegante e, particularmente falando, com uma linda vista para o centro da cidade. Depois de ter sentado, comecei a reparar, com todos os sentidos aflorados, quem era Symmy Larrat, a primeira travesti a ocupar a função de coordenadora-geral de Promoção dos Direitos LGBT da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República. É alta, bem mais alta que eu, e com sua altura muitíssimo bem valorizada por seus lindos cabelos louros, esses que contornavam um rosto que falava sozinho, que me pareceu berrar resistência e força, nada de fragilidade ou cansaço. Ao contrário, Symmy disse que milita desde a época da escola. Nesse período, sua militância se dava por conta do questionamento e da inibição comportamental, uma vez que, ainda esteticamente masculina, Symmy tinha traços femininos em sua voz, em suas relações pessoais e na forma como buscava se distrair, tendo em vista suas constantes aventuras com as bonecas da sua irmã mais velha, o que, obviamente, não acabava sendo bem interpretado por outras crianças e jovens no ambiente escolar. Criada em ambiente católico, Symmy Larrat me contou que já sabia, desde criança, que ela não se assemelhava aos outros

meninos e que pessoas próximas e familiares também repararam nisso. Cresceu com sua mãe e sua irmã mais velha, morando com essas lá em Marambaia, em Belém (PA), até conseguir cursar Comunicação Social, no fim de sua adolescência, pela UFPA (Universidade Federal do Pará), onde também atuou como dirigente estudantil. Sem assumir sua identidade de gênero, mas já recebendo olhares e ouvindo comentários, a travesti acha que o paraense, como qualquer outro brasileiro, não deixa de ser transfóbico por não ser tão objetivo; na verdade, Symmy diz que a transfobia, na maior parte do Brasil, é de forma indireta, ou seja, é um preconceito velado. Mas isso não abalou e não abala Symmy Larrat, que hoje, depois de muita dedicação, suor e trabalho pesado com a comunidade LGBT, conseguiu visibilidade em lugares jamais ocupados por uma travesti antes. Symmy Larrat tem compromisso transparente com questões sócio-políticas; ela ressalva que não se enxerga fazendo outra coisa enquanto viva, até porque a história dela, somada aos números mais vergonhosos de transfobia no mundo, aqui no Brasil, só continua sendo escrita graças a seu incessante questionamento político e insatisfação social. Estou falando de uma nortista corajosa, uma paraense que é símbolo de resistência, quando se trata de

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Perfil

Symmy Larrat - Cordenadora do programa Transcidadania (Foto: Victor Rosa)

re c o n h e c i m e n t o d a identidade de gênero. A falta de referências, a hostilidade social e o medo de machucar sua mãe fizeram com que Larrat assumisse sua identidade de gênero aos 30 anos. Hoje, com 38 anos, formada em Comunicação Social, pela UFPA, pontua que, mesmo com o cargo e a popularidade que ela atingiu, ainda não se sente inserida. Na verdade, Symmy Larrat diz ainda se sentir excluída, além de deixar bem claro que qualquer ambiente, em qualquer sociedade existente, é transfóbico, de modo que não houve (e não há) uma dialética capaz de esclarecer sexualidade e identidade de gênero nas sociedades.

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Agenda LGBT

Do presente ao passado

Nos últimos anos, número de casos de agressão por homofobia foram reduzidos, entretanto, é necessário uma mudança cultural Autor: Diego Lucato

Bianca Soares - diretora E.E. Estudante Herique Fernando Gomes (Foto: Bianca Soares)

Em 2005, Bianca Soares, 40, foi demitida da EMEF Maria Elisa Chaluppe, em sa ocasião, os pais dos alunos enviaram uma reclamação ao prefeito da cidade, lan, alegando que não gostariam que seus filhos tivessem uma professora prestes a iniciar um processo de transição. ”Fui rejeitada por buscar a minha felicidade”,

Barueri. NesRubens Furque estava disse Bianca.

Situações como essa ainda são comuns no cotidiano de muitos professores e alunos do país . Segundo Bianca, devido ao avanço da legislação em relação à homofobia, a situação dos homossexuais e bissexuais melhorou de forma significativa nas instituições de ensino. Porém, a vida das transexuais ainda continua complicada. “Muitas não chegam nem a se matricular na escola, e não pelo fato de não poderem efetivar a matrícula, mas pelo ambiente que ainda é muito hostil”. Márcia Nassar, ex-professora da rede pública, discorda de Bianca em relação a situação dos homossexuais e bissexuais. Para ela, por mais que a legislação tenha avançado, as pessoas ainda seguem tendo a mesma consciência de antes. “O que existe é o medo da punição, talvez isso tenha feito com que os casos de homofobia diminuíssem um pouco. Mas não basta, é preciso que a cabeça das pessoas mude.’’ Por conta de casos como o de Bianca ,o Governo federal lançou em 2004 o “Programa Brasil Sem Homofobia”, que tem como objetivo promover a cidadania e os direitos humanos de lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais (LGBT), a partir da equiparação de direitos e do combate à violência e à discriminação. Por mais que a meta do programa seja humanizar o aprendizado referente à questão de gênero, com a finalidade de promover maior inclusão da comunidade LGBT, ainda são muitas as dificuldades de aprovação por parte do Poder Legislativo. Em 2011 , o documento foi rejeitado pelo Congresso Nacional após movimentos ligados à bancada religiosa liderarem uma grande campanha na sociedade, afirmando que a agenda iria influenciar o “homossexualismo” nas escolas.

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Agenda LGBT Para Bianca, a distribuição dos materiais didáticos seria fundamental para acabar com o mito de que pessoas distintas não podem conviver juntas. “Esse material é de extrema importância. Ele tem como objetivo orientar os jovens a praticarem o respeito mútuo desde cedo, só assim eles aprenderão a conviver com aqueles que são diferentes”, afirma. Wagner Mota, professor do Colégio da Polícia Militar de Santo Amaro, acredita que a reação dos deputados demonstra apenas o quanto a sociedade brasileira ainda está atrasada em relação a esse tema. “Percebo que estamos regredindo muito em relação a tudo isso. O Congresso Nacional nada mais é do que a representação da sociedade em que vivemos. Se eles estão lá, é porque alguém votou neles.” As palavras de Wagner demonstram que as mudanças estruturais não vem de “cima para baixo” . Para o professor, campanhas que tenham como objetivo conscientizar a maior parte da população devem fazer parte do processo. “É necessário promover campanhas na televisão , pois é o principal instrumento de difusão de pensamento. Os debates acadêmicos com a participação dos pais dos alunos também são fundamentais. Eles tiveram uma educação mais conservadora , e, por conta disso, conservam mais os códigos. É importante que eles tenham maior conhecimento sobre as pautas do projeto”, continua.

Segundo a ex-professora, os proUm estudo divulgado em 2004 fessores devem se aproximar aos pela Organização das Nações movimentos que lutam pela causa Unidas para a Educação, a Ciência LGBT e pessoas que já tenham e a Cultura (Unesco), revela que sofrido algum tipo de preconcei35% dos pais dos alunos não gos- to dessa espécie. “Os professores tariam que seus filhos tivessem co- conservam os valores e costumes legas que fossem homossexuais. da sociedade em que vivem. É de extrema Importância que haja uma articulação com os movimentos que tratam sobre essa questão”, conclui.

Wagner Mota - Professor de inglês (Foto: Wagner Mota)

Hoje, a Escola Estudante Henrique Fernando Gomes, em que Bianca é diretora, os professores já trabalham com alguns materiais que tratam sobre questões referentes ao gênero e esteriótipos. Segundo a diretora, como essa é uma iniciativa muito recente, ainda não é possível medir os resultados.

“O que existe é o medo da punição, talvez isso tenha feito com que os casos de homofobia diminuíssem um pouco. Mas não basta, é preciso que a cabeça das pessoas mude.’’ Por conta de dados como esse, Márcia acredita que a escola pública é o primeiro local onde essas medidas podem ser colocadas em prática. “Na escola particular, os alunos são clientes, e há uma pressão muito grande por parte dos pais que, muitas vezes, se acham donos da escola. Se a escola não ceder, o pai tira o filho e a escola perde receita”. Dados da mesma pesquisa realizada pela UNESCO também apontam que 60% dos professores dizem não ter conhecimento suficiente para lidar com esse tema em sala de aula.

Aos poucos, a comunidade LGBT vem conquistando o seu espaço. Dos anos 80 até hoje, o movimento cresceu e conseguiu alguns progresso . Mas as mudanças estruturais foram mínimas e a exclusão ainda é muito grande. Assim como Bianca e Marcia, esperamos que as pessoas aprendam a conviver com a diversidade. Como disse Wagner, “O que está em questão é a igualdade.

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Reportagem

Educar é a chave para conviver com a diversidade O ódio gratuito nas escolas não é mera coincidência, se trata de uma chaga cultural que deve ser tratada. Autora: Carolina Rosa

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A violência dentro das escolas contra alunos LGBT’s teve um crescimento considerável nos últimos anos. Estudos feitos pelo IBGE apontam evasão de 37,9% dos alunos no âmbito escolar. Boa parte desses alunos são jovens, com idades que variam de 9 à 18 anos e o que os motivam abandonar a escola é o preconceito e a violência por conta de suasexualidade. A maioria dos alunos entrevistados alegam que já sofreram algum tipo de preconceito dentro da escola, por meio dos colegas de sala e professores ou funcionários da instituição. Tanto ofensas físicas como verbais eram comuns no cotidiano desses jovens. No decorrer da pesquisa produzida para a matéria, fomos em busca de conversar com alunos e instituições de ensino para saber sobre sua posição essa questão que de certa forma esteja em alta, ainda é considerada tabu por boa parte da sociedade. Em depoimento, alunos e ex-alunos de diferentes escolas alegam que a homofobia sofrida muitas vezes partem dos próprios professores e orientadores quando compactuam com brincadeiras vinda dos alunos. Risadinhas pra lá pra cá são comuns, o fato do professor não intervir ajuda a reforçar o problema. Um de nossos entrevistados, Lucas Garcia de 22 anos, ex-aluno de uma rede religiosa de ensino,conta como foi a experiência de passar por todo currículo acadêmico dentro da política de ensino que não o compreendia e ainda o excluía por ser homossexual. “As piadas por eu não curtir futebol por exemplo, era a algo comum pra mim.. semanalmente algum garoto da classe queria vir tirar uma com a minha cara.”


Reportagem

“Não fomos ensinados respeitar as pessoas que são diferentes da maioria, por isso digo que o trabalho é árduo. E tenho convicção de que a escola tem um papel importantíssimo nessa luta.”

A vida e a sexualidade do Lucas não era motivo para brincadeiras, até porque ele conta que nunca deu evidências do que gostava, talvez por não ter certeza do que sentia. “A falta de diálogo dentro da sala de aula, era crucial para que abrisse brechas para piadas de mau gosto. Não existia nenhum tipo de incentivo a informação, nem que fosse para que nós alunos pesquisássemos em casa, longe da escola, mas não, isso não existia. “ - “Isso porque não cheguei a me assumir homossexual, nunca falei nada na escola, a homofobia é algo cultural e por estar ligado ao âmbito feminino é massacrante.” É importante ressaltar que são poucos os alunos que já tem noção e convicção da sexualidade de fato, essa falta de convicção está diretamente atrelada a falta de diálogo e informação vinda de casa na educação dentro de casa e descaso das instituições. Não que seja regra, nem obrigatório que alunos nessa fase já saibam se são gays ou héteros, não existe um tempo determinado para que isso aconteça. Entretanto a importância da discussão dentro de sala e com colegas é essencial e precisa ser tratado com naturalidade. Dentro dos corredores das escolas (e inserida na sociedade de modo geral), o conceito de gênero ainda é sustentado por ideologias e doutrinas baseadas na fé dos dirigentes , logo a dificuldade de orientar alunos se agrava. Para fomentar essa ideia retrógrada circula um projeto de lei que proíbe que professores falem sobre o assunto com seus alunos. Situação que reforça o estereótipo de “meninos afeminados” e “meninas machinho” como diversas vezes são chamados.

O coordenador pedagógico Thiago Leite de uma escola da zona sul de São Paulo, explica que tratar deste assunto dentro da sala de aula embora seja teoricamente simples é bastantes complexo pois esbarra no conservadorismo de muitos pais. “Para nós, como escola não existe problema algum tratar a homofobia, nossa maior dificuldade são os pais que não concordam conosco e querendo ou não, são eles que financiam o funcionamento da escola.” Quando questionado sobre o fato de alunos serem alvo de discriminação, até por comportamentos como esse de “não afrontar o conservadorismo dos pais”, Thiago argumentou que esse é um problema estrutural na sociedade em que vivemos e reconhece a falta de diálogo num cenário geral: “Não fomos à ensinados respeitar as pessoas que são diferentes da maioria, por isso digo que o trabalho é árduo. E tenho convicção de que a escola tem um papel importantíssimo nessa luta. Porém antes de desconstruir os alunos, temos que trabalhar seriamente a cabeça dos pais e professores que não foram apresentados a diversidade.”

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Crônica

‘‘Eu conheci a homof da minha homo Autor: Victor Rosa

Hoje, depois de muita luta e de muitos problemas, eu me sinto bem e me sinto livre. Quando eu era mais uma criança no jardim de infância, a malícia das outras crianças, quanto aos padrões sociais, agredia-me muito. Isso inibia a forma como eu falava com as pessoas, a maneira como eu tentava esclarecer minhas pequeninas opiniões. A criança LGBT, infelizmente, ainda sofre. Sofre sim e sofre muito. Não estou questionando aceitação familiar, tampouco em outros grupos de convívio, mas questiono a sociedade, a cobrança de uma descabida, falsa e estética heterossexualidade; questiono o peso que crianças e adolescentes carregam porque a sociedade ou não sabe, ou não consegue, ou não quer esclarecer identidade de gênero e sexualidade. Isso é sério. Poucos conseguem enxergar, realmente, o buraco que vamos cavando quando ignoramos o debate de gênero, sobretudo quando ignoramos debate de gênero com terrestres novatos. Invisibilizando o debate de gênero, sua contribuição paterna ou materna deixa de ser contribuição; ao invés disso, você prejudica a realidade de mulheres e LGBTs. Ao invés disso, você prejudica a realidade do seu filho. Ora bolas, não devemos criar nossos filhos da melhor maneira possível? Eu mesmo fui ter contato com o debate de gênero

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Victor Rosa - Estudante de jornalismo (Foto: Henrique Perugine)

através das suspeitas que eu tinha da minha própria sexualidade. Pudera eu ter a chance de questionar hetero, homo e bissexualidade com meus pais, de forma clara, honesta e respeitável. É um sonho, que, pra se tornar realidade, precisa da contribuição inovadora da nossa geração; e mesmo assim, a tarefa não acaba aí, já que cabe às outras gerações passar tais valores. O que aconteceu é que desde pequeno me foi apresentada a ideia de uma família baseada em heterossexualidade; uma família feita por um homem, uma mulher e um filho (dois, se houver recursos financeiros suficientes). Não aceitei isso desde pequeno, mas como até então eu mesmo não sabia da minha homossexualidade, apenas declarei (como todas as crianças declaram: aos berros) que não iria me casar e que não iria ter filhos. Veja como a vida é: hoje eu quero me casar e quero ter uma

filha. Na escola, quando pequeno, os apelidos eram frequentes, variados e imparáveis. E essa mesma agressão moral não partia só dos meninos. Já cheguei a ouvir de uma colega da sétima série que eu tinha inveja dela porque ela era mulher. Olha o absurdo que uma criança de treze anos consegue falar, quando o debate de gênero se torna ausente. Há um momento do qual não me esqueço, no meu primeiro dia de aula do jardim de infância. Cheguei na minha escola como qualquer outra criança chega: perdido. Bem, eu não sabia exatamente onde eu estava e o que eu tinha de fazer, mas sabia que não estava feliz ali. Até então, nada relacionado com a minha sexualidade, mas somente com o fato de não querer estar ali. Além de meus pertences, carregava também uma lancheira verde, que rapidamente foi jogada no chão do pátio, abrindo-se e espalhando todo o lanche no chão. O garoto que tinha feito aquilo, marcou-me e por muito tempo e não me deu tranquilidade, sempre procurando alguma coisa em mim que o motivasse a me apelidar ou implicar comigo. A falta de malícia não me fazia reparar que eu andava rebolando, ou que eu falava num tom de voz fino, ou que houvesse qualquer problema no fato de eu preferir brincar com bonecas a brincar com carrinhos. Na verdade, fui eu saber de tudo isso quando os meninos, geral-


Crônica

fobia antes de saber ossexualidade’’ mente coleguinhas de classe, me apontavam e me julgavam sem dó nem piedade. Infelizmente eu, como tantas outras crianças LGBT, conheci a homofobia antes de saber que eu era homossexual. Isso é bizarro. Além disso, na minha posição de criança, eu comecei a transformar a aversão que eles me passavam em ódio por eles, não em dó ou compaixão. Gradativamente, todas essas situações homofóbicas começaram a encher meu peito de raiva. Eu não gostava de me aproximar dos meninos, não só por eles, mas por mim mesmo. Não me sentia acolhido no meio dos meninos; não queria brincar como os meninos brincavam; não queria falar do que os meninos falavam. Esses episódios somados às diversas agressões que vez ou outra eu recebia dos meninos que não eram da minha escola me fez, durante a infância, odiar o sexo masculino com todas as minhas forças. A reversão disso veio com meu amadurecimento cronológico e contato com obras que me fizessem ficar curioso pelo que havia fora da caixa; e me saí tão bem que, com catorze anos, me assumi para toda e qualquer e pessoa que passasse em minha frente. Nessa época, eu ainda estudava em uma escola adventista (Colégio Prelúdio), lugar onde além de não ter paz, também não guardava boas lembranças. Quando o

‘‘Eu não sabia exatamente onde eu estava e o que eu tinha de fazer, mas sabia que não estava feliz’’ fato chegou aos ouvidos da coordenadora da escola, fui realmente tratado como uma das piores pessoas do mundo! A coordenadora havia chamado minha mãe para uma conversa, que por sua vez ainda estava, como ela mesma diz, digerindo tudo aquilo. Minha mãe também era vítima da homofobia cultural, assim como aquela coordenadora, mas as duas não se julgavam nessa situação; na verdade, ambas estavam cegas pela ordem normativa da puta que pariu. De início, achava que a conversa fosse sugerir que eu voltasse pra dentro do armário e negasse o que eu realmente era, mas foi mais horrendo que isso: Fabiana, coordenadora do Colégio Prelúdio, sugeriu a minha mãe uma consulta ao psicólogo porque eu estava com a mente “bagunçada” e não entendia o que acontecia com o meu corpo. Não, sinceramente, naquele momento, fiz um esforço tremendo para não morrer subitamente, porque essa foi a minha vontade quando aquela sentença foi solta no ar. Veja só, eu estava

sentado ao lado da minha mãe, com a coordenadora do meu antigo colégio na nossa frente, sendo julgado por simplesmente gostar do mesmo sexo que o meu. Se isso fizer sentido para você, leitor, então eu sugiro um esforço para sair dessa sua caixinha. O pior, nesse constrangimento todo, foi ter visto a minha mãe concordar com a Fabiana e achar que eu realmente precisava de ajuda. Naquele mesmo ano, eu fiz de tudo para ser expulso, ou como o próprio Colégio Prelúdio escreveu, convidado a me retirar. Convite muito bem aceito, madame. Lentamente eu e a minha mãe conversávamos, discutíamos e, principalmente, nos aproximavámos novamente. Foi um processo devagar e dependente de um diálogo bem estabelecido. Hoje, depois de muita luta e de muitos problemas, eu me sinto bem e me sinto livre.

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Reportagem

Respeitando diferenças em busca da igualdade Atualmente há projetos educacionais, mas os problemas estão longe de acabar

Autor: Lucas Oliveira Quando pensamos em uma sociedade comprometida com a Educação de Gênero, falamos em educação para todos. Certamente não se trata de um único grupo de pessoas, mas de cidadãos com diversas identidades. Reconhecer e integrar as diferentes identidades nas práticas sociais e educativas é um desafio que se impõe frente as melhorias que queremos na sociedade. A educação como fator primordial nas relações humanas tem em seu papel de base a formação cultural contra a ignorância e qualquer tipo de violência. De acordo com Nieztsche, tudo está dentro do sujeito; “se a formação conduz à identidade, a transformação abre-se para a diferenciação? ” A ideologia contemporânea do filósofo nos classifica como seres sociais e únicos, em que estamos sujeitos a viver entre pessoas que, se não completamente, são em algum aspecto diferentes de nós e as diferenças que se escancaram vão desde culturais, raciais e de gênero. A professora do Programa de pós-graduação em História da Universidade Federal de Grande Dourados, Ana Maria Colling, 65, que também faz parte do Laboratório de Estudos de Gênero, História e Interculturalidade (LEGHI) acredita que “a escola, a educação são ferramentas transformadoras em uma sociedade. A desigualdade de

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Curso Formação Inicial Política Família Stronger (Foto: Lucas Oliveira)

gênero é construída num primeiro momento em dois lugares: o lar e a escola. Mais tarde outros meios como a mídia por exemplo, vão reforçando os estereótipos.” Antes de qualquer atitude, precisamos aprender a lidar com o que é diferente. Dentro desse contexto, como a educação de gênero pode ajudar a quebrar os tabus sociais? Para o representante do grupo Família Stronger, Elvis Justino, 30, “ a educação de gênero desconstrói o machismo, a homofobia e tudo aquilo que nós conhecemos na sociedade. Ela iguala os gêneros. Permite que o ser humano possa pensar por si só combatendo o preconceito. ”

“A educação de gênero desconstrói o machismo, a homofobia e tudo aquilo que nós conhecemos na sociedade. Ela iguala os gêneros.”

Promover a discussão e criar políticas públicas que implementem a educação de gênero no âmbito educacional deve-se partir de uma iniciativa do Estado. “ O Estado deve ou deveria ter esse olhar de ensinar sobre gênero, mas o que nós vimos ao longo dos anos foi o fundamentalismo tomando conta dos programas de educação, impedindo que a palavra gênero pudesse ser citada dentro das escolas. ” Afirma, Elvis. Olhando para este cenário, o Governo do Estado de São Paulo criou, em 2009, a Coordenação de Políticas para a Diversidade Sexual com o objetivo de elaborar políticas públicas para a promoção dos direitos da população LGBT. A iniciativa promove programas visando a efetiva atuação em favor do respeito à dignidade da pessoa humana e da população LGBT, independente da identidade de gênero. Algumas ações têm sido implementadas sob a perspectiva de uma aproximação entre movimentos LGBT e Estado. Em


Reportagem 2004, foi criado o programa Brasil sem Homofobia e a partir de 2005 algumas iniciativas foram postas em prática para a apresentação de projetos voltados ao combate e à prevenção da homofobia e para a qualificação de profissionais da educação nas temáticas de orientação sexual e identidade de gênero. Se os programas do Estado destinados a educação de gênero não funcionam ou não se vê crescimento e mudança sobre o tema, iniciativas de grupos e movimentos sociais aparecem como alternativa para uma mudança. Empoderar é a palavra. Formado em 2006, no centro de São Paulo, o grupo Família Stronger surgiu para militar frente aos problemas que os grupos LGBT enfrentam. Atualmente, o coletivo promove o Curso de Formação Inicial Política com reflexões sobre questões de gênero, direitos LGBT, militância e saúde sexual. O representante do núcleo de saúde do coletivo, Matheus Emílio, 20, falou sobre a iniciativa. “ A gente sempre percebeu no contato com as pessoas, dentro dos ambientes que frequentamos, que muitas pessoas queriam aprender mais sobre os movimentos LGBT e se empoderar dentro dessa questão. Desde os primeiros cursos nós chamamos alguns palestrantes para falar sobre os temas e, mais que isso, nós buscamos dar voz para as pessoas. ”

Se os programas do Estado destinados a educação de gênero não funcionam ou não se vê crescimento e mudança sobre o tema, iniciativas de grupos e movimentos sociais aparecem como alternativa para uma mudança. Empoderar é a palavra. Formado em 2006, no centro de São Paulo, o grupo Família Stronger surgiu para militar frente aos problemas que os grupos LGBT enfrentam. Atualmente, o coletivo promove o Curso de Formação Inicial Política com reflexões sobre questões de gênero, direitos LGBT, militância e saúde sexual. O representante do núcleo de saúde do coletivo, Matheus Emílio, 20, falou sobre a iniciativa. “ A gente sempre percebeu no contato com as pessoas, dentro dos ambientes que frequentamos, que muitas pessoas queriam aprender mais sobre os movimentos LGBT e se empoderar dentro dessa questão. Desde os primeiros cursos nós chamamos alguns palestrantes para falar sobre os temas e, mais que isso, nós queremos dar voz para as pessoas. ” Outro exemplo é o Laboratório de Estudos de Gênero, História e Interculturalidade (LEGHI) da Universidade Federal de Grande Dourados que traz em sua conjuntura pesquisadores que trabalham diretamente com as

Curso Formação Inicial Política Família Stronger (Foto: Lucas Oliveira)

relações de gênero e aprofundam a discussão do tema em palestras e artigos científicos. Segunda a professora e representante, Ana Maria Colling. “Estes movimentos sociais tem uma atuação maravilhosa para a virada de foco dos discursos. Mas, muitas pessoas se sentem incomodadas e até “violentadas” na exposição destes movimentos como a Marcha das Vadias e as Paradas Gays. Entendo que devemos atuar em todas as frentes. Só consigo entender democracia quando todos e todas serão respeitados da mesma maneira, com as mesmas oportunidades, sem violências, sem agressões, sem medos. ” A iniciativa dos coletivos possui um valor em si mesma, por isso não podemos dizer que se trata apenas de um instrumento com viés político. Mas que esses projetos trazem duas dimensões que se interligam entre política e pedagógica e que, acima de tudo, mostram a necessidade dos diferentes segmentos se expressarem. “ Os movimentos são a resistência, são tudo aquilo que a sociedade não quer que exista. Eles se impõem politicamente. Eles falam, sim, eu existo. São os movimentos que constroem a base para a desconstrução desse sistema opressor. ” Afirma, Elvis.

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Reportagem

Apoio psicosocial a pais de filhos homossexuais

Muitos pais enfrentam a dificuldade de aceitar seus filhos homossexuais, entretanto o debate está cada vez mais explícito e exposto dentro de casa, a aceitação deve ser um processo natural e tranquilo

Autor: Maurício Moreno

“Às vezes eu acho que a situação era tão confusa, que eu precisei me enquadrar em um segmento e assumir pra mim mesmo que eu era homossexual para poder, internamente, lidar com essa situação.’’

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Felipe Farina de 21 anos, durante boa parte de sua infância, acreditava se enquadrar nos padrões heteronormativos estabelecidos em nossa sociedade, dizendo inclusive lembrar o nome de algumas meninas que lhe encantaram. Porém, sempre acreditou ser uma criança diferente por ter trejeitos e postura que não se adequavam com as dos outros meninos, (que depois de um tempo ele entendeu como heteronormatividade). Por crer que a sua realidade era complicada, chegou a afirmar que se fosse menina, tudo seria mais fácil. “Às vezes eu acho que a situação era tão confusa, que eu precisei me enquadrar em um segmento e assumir pra mim mesmo que eu era homossexual para poder, internamente, lidar com essa situação. Já é muito complicado pra uma criança ou pré-adolescente lidar com o despertar sexual na condição que eu me encontrava, com pouquíssima informação e a discussão acerca do assunto absolutamente nula dentro da sala de aula, ou eu me rotulava ou eu iria entrar em colapso total” afirma ele. Maria da Graça, mãe de Felipe, afirma que a adequação foi absolutamente tranquila. Eles

conversaram pouquíssimas vezes sobre isso, mas o processo de auto-aceitação de Felipe foi concomitante com o processo dela de entender a situação toda, então, no geral, aconteceu de forma equilibrada. Entretanto com pai dele não ocorreu da mesma maneira. “Com o meu pai foi meio diferente, mas isso diz muito das expectativas que os pais insistem em depositar nos filhos. Muito me foi dito, por ele, da frustração de não ter netos, por exemplo. Não acontecia de uma forma absolutamente agressiva, mas machucava um pouco... eu acho que as pessoas precisam entender e respeitar a liberdade individual dos outros e parar de esconder preconceito e homofobia atrás de discursos formais.” Ainda para Felipe, se ele tivesse mais informações do que teve na época, o processo teria sido menos árduo e complicado, levando a opinião de que a internet e as mídias sociais são importantíssimas para o desenvolvimento e o diálogo acerca do tema dentro do ambiente familiar. “Meus pais vieram de outra época, com outras informações e tiveram que rever conceitos já pré-estabelecidos para aceitar e respeitar o próprio filho e eles não falharam nesse sentido”


Reportagem “Com o meu pai foi meio diferente, mas isso diz muito das expectativas que os pais insistem em depositar nos filhos. Muito me foi dito, por ele, da frustração de não ter netos, por exemplo.’’

Felipe Farina - Estudante de arquitetura (Foto: Maurício Moreno)

Ainda para Felipe, se ele tivesse mais informações do que teve na época, o processo teria sido menos árduo e complicado, levando a opinião de que a internet e as mídias sociais são importantíssimas para o desenvolvimento e o diálogo acerca do tema dentro do ambiente familiar. “Meus pais vieram de outra época, com outras informações e tiveram que rever conceitos já pré-estabelecidos para aceitar e respeitar o próprio filho e eles não falharam nesse sentido” A terapeuta Edith Modesto, em 1992 descobriu que um dos seus filhos não era heterossexual. Ao procurar ajuda, não encontrou ninguém para a apoiar na época. Com o tempo ela foi conhecendo outras mães na mesma situação. Em 1999 as mães se fortaleceram e foi criado o Grupo de Pais de Homossexuais, com o intuito de buscar apoio e apoiar mães com filhos homossexuais, e o grupo hoje já cresceu com a adesão de outros membros. O grupo foi fundado com intuito de suprir a falta de um ambiente seguro e acolhedor onde pais e mães pudessem tro-

car informações e experiências sobre seus filhos e, se fosse o caso, solidarizarem-se durante o difícil processo de aceitação. Dentre os projetos do grupo, eles recebem o apoio do Projeto Purpurina que pratica o “protagonismo juvenil”, isto é, os próprios jovens escolhem os assuntos de seu interesse e coordenam a reunião, monitorados por especialistas. De modo geral, o objetivo é trabalhar em profundidade a elevação da auto-estima do jovem GLBTTT, desenvolvendo todos os assuntos considerados importantes para isso, entre os quais a aproximação dos jovens aos seus pais e familiares. Edith ajudou jovens e seus pais a lidarem com a homossexualidade. Existem muitos pais de filhos homossexuais como Felipe, que necessitam de ajuda, e hoje em dia existem meios para que seja efetuada, com grupos e pessoas como Edith Modesto.

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Reportagem

Educar pra Transformar Projeto pioneiro da prefeitura paulistana busca qualificar profissionalmente travestis e transexuais. Autor: Wevertton Araújo Em uma sociedade transfóbica e machista, travestis e transexuais lutam para conquistar espaço no mercado de trabalho. O preconceito afasta essas pessoas do ambiente escolar e sem qualificação fica difícil conseguir um emprego. “Todo o espaço que existe, seja de poder público, seja de iniciativa privada, seja na rua, seja na casa da pessoa, o quarto que ela está é transfóbico”, diz Symmy Larrat, coordenadora do programa. O Transcidadania quer resgatar oportunidades que essas pessoas perderam em sua trajetória e torná-las menos vulneráveis no mercado de trabalho. “A educação pra gente é uma ferramenta pra gente chegar nesse espaço, no mundo do trabalho, e como uma ferramenta importante para a gente mudar essa realidade”, afirma Larrat. O programa foi criado pela Prefeitura de São Paulo em 2015 depois que o prefeito Fernando Haddad cobrou da Secretaria de Direitos Humanos uma ação voltada à população trans e se prepara para formar sua primeira turma. A coordenadora Symmy Larrat foi peça-chave para a realização desse projeto trabalhando desde o início ao lado da prefeitura.

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Paraense, trans e militante da causa, já ajudou a criar uma carteira de identidade com nome social que substitui o RG em sua terra natal. Ela conta que o programa é uma ferramenta de transformação também para os profissionais envolvidos. “A gente está preparando pessoas ali que convivem com 200 pessoas que estão conosco e que com certeza vão ter uma dinâmica, uma postura diferenciada” O beneficiário recebe uma bolsa-auxílio e deve cumprir seis horas diárias de atividades em cinco áreas: elevação de escolaridade, qualificação profissional, formação cidadã, trabalho e estágio. As cinco áreas são divididas durante dois anos em módulos. O programa tem 200 vagas e o Centro de Cidadania é responsável em receber os interessados. O Centro também gerencia a lista de espera. As pessoas que aguardam uma vaga no programa vão sendo atendidas com outras demandas como retificação de nome, por exemplo. O número de desistência no programa é muito baixo. Há uma equipe preparada e uma rede de equipamentos públicos referenciados para atender e dar todo o suporte necessário ao aluno. “Se a

gente percebe que a pessoa está faltando, a gente vai trazê-la para o atendimento e vai identificar qual o problema”, afirma a coordenadora. “A gente vai tentar de tudo dentro da rede municipal e alguns parceiros, rede estadual, universidades, enfim, equipamentos que possam com essa pessoa superar essa dificuldade para que ela se mantenha no programa.” Empregos com carteira assinada, casos de privação de liberdade e óbito são motivos que acarretam o desligamento do aluno no projeto. O estágio é a última etapa do processo e o programa ainda encontra dificuldades em fazer parcerias. “As empresas que são sensíveis com a causa são empresas que querem pessoas com uma qualidade curricular que nós não temos para oferecer”, diz Symmy. “O que a gente precisa são empresas menores e essas empresas ainda não estão sensibilizadas”, ela conclui. O programa pretende driblar esse problema encaminhando seus alunos para empresas terceirizadas que hoje prestam serviço para a Prefeitura de São Paulo.


Reportagem O Transcidadania vem sendo divulgado em conferências para outras cidades. São Paulo segue pioneira no Brasil e até agora nenhuma outra administração pública tem um programa desse porte. Fora do Brasil, há uma cidade próxima de Buenos Aires com um projeto similar. “A única diferença é o formato da bolsa que não é uma bolsa integral. É uma bolsa medida da quantidade de ação que as pessoas fazem”, conta.

Com a eleição do magnata João Doria, o clima é de incerteza. A promessa é de ampliação do programa, no entanto, Symmy desacredita que outra gestão dê a mesma importância orçamentária e política para o andamento do projeto. “Só o orçamento não basta, a gente precisa de diálogo com todas as esferas de governo e não é simples a gente chegar com uma demanda e as pessoas entenderem a importância dessa demanda.”

“A educação é uma ferramenta importante pra gente mudar essa realidade”

Symmy Larrat - Cordenadora do programa Transcidadania (Foto:Wevertton Araújo)

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Lista de grupos e serviços Família Stronger Lgo. Do Arouche, 346 Contato: familiastronger@live.com facebook.com/familiastronger Centro de Cidadania LGBT Rua do Arouche, 23, 4º andar Segunda à sexta-feira, das 9h às 19h Telefone: (11) 3106-8780 Contato: centrodecidadanialgbt@prefeitura.sp.gov.br GPH - Grupo de Pais de Homossexuais maes-de-homos@uol.com.br www.gph.org.br/home.asp Coordenação de Políticas para a Diversidade Sexual Largo Páteo do Colégio, 148, Térreo Telefone: (11) 3291-2700 Contato: diversidadesexual@sp.gov.br

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