Afonso Henriques

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GRANDES PROTAGONISTAS DA HISTÓRIA DE PORTUGAL

D. AFONSO

HENRIQUES



G R A N D E S P R O TAG O N I S TA S DA H I ST Ó R I A D E P O RT U G A L


© Editora Planeta DeAgostini, S.A. | Lisboa | 2004 Direitos reservados para a língua portuguesa COORDENADOR CIENTÍFICO: António Simões do Paço AUTORIA: Manuel Margarido PROJECTO GRÁFICO: Alexandra Paulino PAGINAÇÃO: Alexandra Paulino IMPRESSÃO: Cayfosa – Quebecor Santa Perpètua de Mogoda [Barcelona] Impresso em Espanha – Printed in Spain Depósito Legal 203371/03 ISBN 972-747-882-4


G R A N D E S P R O TAG O N I S TA S DA H I ST Ó R I A D E P O RT U G A L

D. AFONSO HENRIQUES

Manuel Margarido


A FORMAÇÃO DO CONDADO PORTUCALENSE

D. HENRIQUE E D. TERESA. Pormenor de pintura do século XVII, de autor desconhecido.

Filho de um ambicioso nobre borguinhão, um jovem vai ser educado desde tenra idade para encabeçar o mais improvável dos desígnios: dar corpo a um reino encravado entre a poderosa coroa de Leão e a consolidada presença muçulmana na Península Ibérica. Apenas a obstinação quase cega, a sua teimosia infatigável e uma coragem a toda a prova poderiam dar origem ao reino de Portugal.

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DOIS FIDALGOS DA BORGONHA No início de 1080 um acontecimento vai ter consequências marcantes para o nascimento da nação portuguesa. Afonso VI de Leão, Castela e Galiza é alertado para uma grande concentração de forças inimigas, reunida pelo emir de Marrocos, tendo em vista a invasão dos seus territórios. Afonso VI não perde tempo. Afinal, ele tinha feito da decisão e da coragem com que enfrentara os muçulmanos a chave da sua glória de rei unificador. Sabe que tem de conseguir congregar o maior número de homens para fazer frente aos almorávidas de Iussuf. Alia-se imediatamente ao rei Sancho de Aragão e, ao mesmo tempo, reúne homens de armas de todas as suas províncias, da Galiza e das Astúrias. De igual modo atrai para o seu lado poderosos cavaleiros franceses que, acompanhados pelos seus séquitos, vêm em busca de glória e de riqueza. Dois desses cavaleiros franceses virão a desempenhar um papel crucial na evolução política dos estados cristãos da Península. Raimundo, filho de Guilherme I, conde da Borgonha; e Henrique, filho de Henrique da Borgonha, sobrinho direito da rainha Constança de Leão e sobrinho-neto de S. Hugo, abade de Cluny. O conflito desencadeia-se. Afonso VI, autoproclamado imperador de todas as Espanhas, toma a importante praça de Toledo, chega a Santarém e a Lisboa em 1094. Em paga dos serviços dos nobres franceses, Afonso VI oferece a D. Raimundo a mão de Urraca, sua filha legítima. Raimundo tornava-se, deste modo, senhor da Galiza. A D. Henrique

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CONDE

é concedida a mão de D. Teresa, filha ilegítima de Afonso VI e da dama Ximena Moniz. O casamento realiza-se em

D. HENRIQUE E

D. TERESA

1096. O território que lhe é concedido para governar, a Sul da Galiza, estende-se do Minho ao Mondego, a título hereditário. É o Condado Portucalense. Raimundo experimentou desde logo dificuldades na administração dos seus vastos territórios. A partir de 1096, já as terras que iam do Minho até ao Tejo eram administradas por Henrique, diminuindo consideravelmente o poder de Raimundo. O marido de D. Teresa governava agora, de facto, a província portucalense e era senhor de importantes propriedades no seu interior.

HENRIQUE DA BORGONHA GANHA FORÇA O governo e a vida de D. Henrique encontram-se pouco documentados, como é aliás natural naquele tempo. É certo que terá lutado em diversas ocasiões contra os muçulmanos, mas também aproveitado as divisões entre

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estes, cindidos entre os partidários de Iussuf (Marrocos) e os naturais dos territórios do Sul da Península. É conhecida a peregrinação de Henrique a Santiago de Compostela. Mais duvidosa é a sua presença na segunda cruzada aos territórios da Síria, em 1101. Se nela participou, pouco por lá se deteve, porque existem registos da sua presença em Portugal no ano de 1105. A homens com o poder e a ambição de Henrique e Raimundo, este agora confinado aos territórios da Galiza, deveria desagradar a vassalagem que tinham de prestar ao velho Afonso VI, embora os seus títulos fossem hereditários. A pouco e pouco deve ter germinado no espírito de Henrique a ideia da autonomização, a passagem do seu território à categoria de reino. Raimundo, por seu lado, em virtude do casamento com a D. RAIMUNDO DA

BORGONHA.

Tumbo A, catedral

herdeira legítima, Urraca, aspirava ao trono de Leão por morte de seu sogro. Mas os caprichos dos amores e as sortes ditadas

de Santiago

pela vontade do mais forte iriam baralhar estas preten-

de Compostela.

sões. Afonso VI tinha um filho da bela Zaida, filha do emir de Sevilha, Ibn-Abed. Chamava-se o moço Sancho e era meio-irmão de Urraca e de Teresa. Urraca, porém, apesar

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de mulher, tinha uma vantagem na corrida à sucessão: era filha de mãe cristã. Mas, por outro lado, contrariava-a uma enorme desvantagem: Afonso VI pretendia que Sancho fosse o seu herdeiro e futuro rei, tendo mesmo elaborado um testamento nesse sentido, que legitimava amplamente Sancho.

UMA ALIANÇA DE CONVENIÊNCIA Henrique e Raimundo vêem os seus interesses ameaçados. Então fazem um acordo secreto para, em coligação, obterem pelas armas o que o velho rei lhes negava. Em 1106 negoceiam em segredo, oferecendo Raimundo, a troco do apoio de Henrique, a província de Toledo ou a Galiza e parte de um tesouro. Henrique ficaria, assim, senhor de todos os territórios até à margem direita do Tejo e com as mãos livres para conquistar o Sul aos muçulmanos. Porém, uma sucessão dramática de acontecimentos vem baralhar esta intrincada teia de ambições. Em 1107 Raimundo falece e os planos de Henrique caem por terra. No ano seguinte é a vez de Sancho, o favorito de Afonso VI, morrer em luta contra os mouros. Envelhecido e provavelmente amargurado com a morte do filho dile cto, Afonso VI entrega a alma ao criador em 1109. Deste modo, por golpes do destino, a ambiciosa Urraca muda subitamente de estatuto. Agora é viúva. E rainha. Para ela, a ordem de importância destas duas condições terá im-

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portância variável, conforme os interesses do momento e os apetites de ocasião. Henrique era agora vassalo da meia-irmã de sua mulher. Tal facto deve ter em muito contrariado o nobre borguinhão, que se sentia profundamente ligado ao condado que administrava e para o qual desejaria, certamente, a autonomia. De novo se lhe coloca a hipótese do uso da força, pelo que, em 1110, parte para França, já a cunhada havia sido aclamada rainha, para buscar o conselho do abade de Cluny, seu protector, ou mesmo procurando reunir D. HENRIQUE DA

BORGONHA.

Tumbo A, catedral de Santiago de Compostela.

uma força militar. Não se sabe como, mas será preso antes de atravessar os Pirenéus, em circunstâncias misteriosas. Acabou por se escapar. Entretanto, pouco depois de ser coroada, Urraca casa em segundas núpcias com o belicoso Afonso I, rei de Aragão. A pequena história fala dos apetites carnais insaciáveis de Urraca, que a terão apressado para um casamento extemporâneo. Na verdade, as razões de Estado tiveram um papel muito importante, aliando dois Estados que eram potenciais inimigos. Em breve se verificaria, contudo, que os entendimentos políticos conviviam mal com os desentendimentos do casal de soberanos.

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D. Henrique da Borgonha Henrique da Borgonha foi o pai de D. Afonso Henriques, primeiro rei de Portugal. Terá nascido em Dijon por volta de 1057 e morreu em Astorga em Abril ou Maio de 1112 (há quem diga que em 1114). Era o quarto filho do duque Henrique da Borgonha e tinha origens bem nobres, sendo bisneto de Roberto I, rei de França. O magno conflito contra os muçulmanos levou-o, por convite, a alinhar nas forças de D. Afonso VI. Veio para a Península com o seu parente Raimundo da Borgonha. Estes príncipes depressa demonstraram muito valor em combate, tendo realizado importantes feitos bélicos. Como recompensa do seu precioso apoio, Afonso VI, rei de Leão, entrega a mão de sua filha legítima, D. Urraca, a Raimundo, e a de D. Teresa ou Tareja (que era bastarda), a Henrique. Em 1093 Afonso VI cruza o Mondego e conquista territórios que vão até Lisboa, ampliando as possessões cristãs até ao Tejo. Toma então a iniciativa de dividir, debaixo da sua soberania, vastas partes do seu imenso território. A Raimundo concede o condado da Galiza, e a Henrique, o Condado Portucalense, mas sob a autoridade de Raimundo, até em função do estatuto diferente das suas filhas. Parte do Condado Portucalense é reconquistada pelos muçulmanos em 1095. Então Afonso VI decide entregar plenos poderes a Henrique, desobrigando-o da dominância de Raimundo, tanto que este, em 1097, já governava independentemente o seu condado. Com os seus territórios estabilizados, Henrique toma a decisão, comum à época, de partir em cruzada. Em 1101 parte

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de Portugal. Sabe-se que esteve em Roma e é possível que tenha ido até Jerusalém. Torna aos seus territórios em 1105, sem se saber que façanhas militares cometeu. Além de grande homem de armas e governador, D. Henrique vai mostrar-se mestre no jogo diplomático, assestando a sua atenção em minar a tutela de Afonso VI. Ele bem sabia que Raimundo tinha aspirações ao trono de Leão e Castela, visto Afonso VI não ter filho legítimo varão e ser D. Urraca, mulher de Raimundo, legítima herdeira. Afonso VI, contudo, tinha uma preferência especial pelo seu filho ilegítimo, D. Sancho. Ambos os borgonheses tinham a temer que o poder fosse entregue a este jovem. Por isso, os dois primos da Borgonha vão estabelecer um pacto para anular um eventual testamento desfavorável, mediante o qual Henrique apoia a causa de Raimundo e Urraca, concedendo-lhe este o domínio da Galiza ou Toledo e um terço do seu tesouro. Raimundo, porém, morreu em Outubro desse mesmo ano. D. Sancho, pouco tempo depois. Henrique vê a oportunidade de receber de mão beijada para a sua Teresa e para ele a herança do velho Afonso VI, que entretanto estava no fim dos seus dias. Restava, porém, D. Urraca e o seu filho, Afonso, fruto da união desta com Raimundo. D. Henrique não consegue os seus intentos. Entretanto, D. Urraca casa com D. Afonso, rei de Aragão e Navarra (casamento que viria a ser anulado pelo papa, em virtude do grau de parentesco). Entre os recentes marido e mu lher estabelece-se o conflito, e Henrique vai tomar o partido da cunhada. É nestas reviravoltas que se desloca o fidalgo borgonhês a Astorga, local onde falece. O seu corpo está sepultado numa capela da Sé de Braga.

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UM ESTRANHO CASAL Urraca e Afonso I depressa se inimizam com uma intensidade invulgar, obrigando à intervenção da Igreja, que pede ao papa a anulação do casamento, com o conveniente argumento do grau de parentesco demasiado próximo dos cônjuges. Todos os reinos e províncias de Espanha se agitam. Na Galiza explode a revolta. Alegavam os fidalgos galegos que o testamento de Afonso VI previa que, em caso de segundas núpcias

de

D.

Urraca,

reinaria na Galiza o filho desta e de D. Raimundo, Afonso Raimundes. D. Afonso de Aragão vai responder com extrema agressividade, expulsando o bispo de Toledo, que assinara a bula do divórcio, prendendo os bispos de Leão e de Burgos, substituindo os principais administradores de Castela e Leão por homens da sua confiança. Invade a Galiza

AFONSO VI DE

à frente de poderoso exército, numa guerra predatória, ar-

LEÃO E CASTELA.

rasando tudo à sua frente. Urraca já só podia contar com o apoio da Galiza para fazer frente a este seu segundo

Catedral de Santiago de Compostela.

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marido, mas as resistências estavam a enfraquecer. Será, contudo, capaz de expulsar o aragonês, que se vê obrigado a regressar a casa. Então ocorre uma surpreendente reviravolta. Urraca reconcilia-se com o marido. Será a primeira de várias peripécias neste tumultuoso casamento, que têm como pano de fundo os conflitos latentes entre Castela e Leão, por um lado, e Aragão, por outro. Entretanto o que sucedeu a Henrique, conde portucalense? Sabe-se que esteve ao lado de Afonso I de Aragão na batalha de Valtierra contra o rei de Saragoça, em Janeiro de 1110, prestando-lhe serviço de vassalagem. Aguardava melhores dias, e eles viriam.

VOLTAS DO DESTINO A oportunidade política surge como consequência de mais uma das reviravoltas sentimentais, ou intrigas políticas, de D. Urraca. Aliando-se aos nobres de Leão e Castela, apoiada pela Galiza, a rainha declarara, de novo, guerra ao seu marido. Este, perante forças de tal monta, propõe de novo a Henrique o restabelecimento do pacto secreto de aliança que ambos haviam celebrado. Henrique junta as suas tropas às de D. Afonso de Aragão e, nos campos de Espina, em Outubro de 1110, trava-se uma batalha em que D. Urraca é derrotada, tendo ainda nela perecido o seu amante, o que demonstra que na guerra, como no amor, Urraca não perdia tempo, apesar de perder algumas batalhas.

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A PENÍNSULA IBÉRICA em princípios do século XII.

Afonso de Aragão ataca então o reino de Leão e a Galiza, derrotando os partidários de D. Afonso Raimundes, que se aprestavam a aclamá-lo. Onde estava o nosso D. Henrique? Estaria ele ao lado do seu aliado, combatendo nesta furiosa expedição vingadora? Não, D. Henrique não acompanhou D. Afonso de Aragão pelo simples motivo de que, secretamente, se tinha encontrado com Urraca, a qual teve artes de com ele se reconciliar, prometendo-lhe o mesmo que o segundo marido lhe havia prometido. No jogo da intriga e da traição, Henrique demonstrava não possuir menor talento que os demais.

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IRMÃS DESAVINDAS Em Janeiro de 1111, na conferência de Palência, D. Urraca reparte os seus estados com D. Teresa e D. Henrique. Entretanto, faz as pazes com Afonso de Aragão, pelo que Henrique, furioso com a má fé da rainha, vai cercar o casal em Sahagún, com a ajuda de Afonso Raimundes. A ameaça dos almorávidas obriga Henrique a retornar às suas terras portucalenses. Um novo desentendimento entre a rainha de Leão e o rei de Aragão ainda lhe alimentará as esperanças de uma aliança que lhe traga finalmente um reconhecimento dos seus interesses. Voltará a assinar um acordo com a cunhada. Porém, para ele, já era tarde. Encontrando-se na cidade de Astorga, morre em Abril ou princípios de Maio de 1112. Chora-o D. Teresa. Deixa um filho varão de 3 anos, chamado Afonso Henriques, nascido em 1109, segundo a maior parte dos historiadores. Teresa vai prosseguir integralmente os objectivos do marido. Necessariamente mantida na sombra pela acção do ambicioso cônjuge, chega agora, para ela, o momento da ribalta. Mudará D. Teresa os modos e as práticas políticas que marcaram anos sucessivos de intrigas e traições familiares? De maneira nenhuma. Afinal, era irmã de Urraca, e não lhe diferia muito em temperamento, talvez à excepção das inclinações luxuriosas, apesar do que depois muitos historiadores sobre esse assunto escreveram. Além disso, fora mulher de Henrique e com ele muito deve ter

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aprendido, senão mesmo ensinado. Agora, D. Teresa vai prosseguir os mesmos fins pelos mesmos meios.

TÚMULO DE D. HENRIQUE. Sé de Braga.

Recebida na corte, D. Teresa convence D. Afonso de Aragão de que a sua irmã Urraca o está a tentar envenenar, facto no qual o ingénuo e belicoso Afonso imediatamente acredita, acusando a mulher publicamente e expulsando-a. D. Urraca não dá parte de fraca, acolhe apoios em todas as partes do reino e o marido tem de fugir às pres-

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sas para Aragão. Em seguida ferve-lhe o desejo de vingança pela traição da irmã Teresa, que é obrigada a refugiar-se nas suas terras. Vendo que a sua causa se encontrava muito debilitada, é uma submissa D. Teresa que se apresenta na cúria régia de Oviedo, em 1115, para prestar vassalagem à irmã. Mas é mais que certo que este fosse um gesto de pura oportunidade táctica e habilidade política, um gesto para ser esquecido logo após ter sucedido.

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O NASCIMENTO DE UM REI

ACLAMAÇÃO DE AFONSO HENRIQUES.

Para o Condado Portucalense, mais uma vez será a situação política na Galiza a ditar as reviravoltas da História. Os nobres galegos, liderados por Pedro Froilaz e Pedro Nuñes, partidários de D. Afonso Raimundes, vão sublevar-se contra D. Urraca que não reconhecia, por razões de poder, os direitos do seu filho. As tropas da rainha de novo se levantam contra os nobres da Galiza e, numa fase inicial, parece que vencerão a contenda. Porém, Pedro Nuñes persiste na resistência e apela à ajuda da condessa portucalense. D. Teresa, já esquecida dos votos de vassalagem, vai encontrar a oportunidade de vingança.

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ACONTECIMENTOS DRAMÁTICOS Unida aos líderes galegos, D. Teresa cerca a irmã no castelo de Suberoso. O conflito pende para o lado de Urraca, mas à custa de negociações que darão novas terras à condessa, nomeadamente os bispados de Ourense e Tui. Era uma espécie de meia vitória, apenas contrariada pelas renovadas incursões dos árabes no território do condado, tendo ultrapassado o Mondego. Nos anos seguintes, as hostilidades continuariam em toda a Península, apenas sustidas pela enérgica acção do cunhado de Teresa, D. Afonso de Aragão. Finalmente, os conflitos abrandaram. A condessa podia respirar um pouco e pôr em ordem os seus territórios. Até quando? O partido de Afonso Raimundes continuou sempre activo. Aproveitando a eleição de Calisto II como novo dono da cátedra papal, o incansável bispo Gelmines, que sempre conspirara contra a rainha leonesa, vê a oportunidade de fazer valer os interesses do presuntivo monarca galego. Afinal de contas, o novo papa era tio de Afonso Raimundes. Assim, o bispo da Galiza vai conseguir que o arcebispado de Braga seja transferido para Compostela, a troco do apoio a Raimundes. D. Urraca não perde tempo. Fazendo-se acompanhar pelo próprio filho, Afonso Raimundes, assegura o apoio de importantes fidalgos galegos, afirmando a necessidade de combater Teresa, que alegadamente usurpara Tui. Gelmines, fazendo igualmente jogo dúplice, acompanha-a na expedição, que tem como cenário as margens do rio Minho. Mas, em breve, as tropas de D. Urraca atra -

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vessam o rio, descendo até ao Douro, deixando para trás campos e aldeias saqueados a ferro e fogo. Desta vez é Teresa que fica cercada no castelo de Lanhoso, com forças inferiores e em situação muito precária.

MAIS CONSPIRAÇÕES Entretanto, o bispo Diogo Gelmines pensa em mudar de partido. Com o pretexto de ter de se deslocar a um concílio, abandona Urraca, que imediatamente percebe a tramóia. Esta deixa-o partir, mas compreende que é urgente voltar à Galiza, sob pena dos danos que a rédea solta do bispo lhe podem causar. Então, mais uma vez as cir cunstâncias favorecem D. Teresa. As pazes são feitas com a irmã, que inesperadamente lhe concede vastos domí nios do próprio reino de

D. URRACA DE LEÃO E CASTELA. Catedral de Santiago de Compostela.

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Leão e lhe garante, paradoxalmente, os bispados de

Página do

Ourense e Tui, que haviam sido o motivo para aquele con-

APOCALIPSE DO

LORVÃO

flito. D. Teresa mal acredita nos acasos do destino que se

com iluminuras

viraram a seu favor.

de cavaleiros.

De rompante, D. Urraca reentra na Galiza, prendendo o poderoso bispo. A lendária rainha, a mulher dos mil caprichos e traições, vai defrontar, uma vez mais, a acérrima oposição dos nobres mais valorosos da Galiza, entre os quais Pedro Froilaz de Trava e o seu próprio filho, Afonso Raimundes. Obrigada a libertar o bispo, Urraca está perante uma derrota, que será a definitiva. É claro que D. Teresa colaborou com os galegos, mais uma vez traindo a irmã. As forças da orgulhosa monarca desvaneciam-se. Morre em Março de 1126, deixando o trono ao seu filho, Afonso Raimundes, coroado como Afonso VII, o seguidor em nome de seu avô. O filho do nobre borguinhão que chegara à Península à procura de aventura e riqueza era agora rei. Aceitaria ele a ideia de um novo reino entre o Minho e o Tejo? Nos cinco anos que medeiam entre 1121 e 1126 D. Teresa vai dedicar-se à administração do seu condado. Afinal, ela havia quase duplicado o território portucalense, que ocupava agora parte da Galiza e de Leão e se estendia até às águas taganas. Contudo, o problema político de fundo persistia. O seu marido fora obrigado a prestar vassalagem a seu pai, e ela, a sua irmã. Agora tinha de prestar de novo votos de vassalagem ao seu sobrinho, o novo rei de Leão e Castela, D. Afonso VII. No seu peito ardia o desejo que já animara o marido. A independência e a coroa de Portugal.

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CASTELO DE

LANHOSO.

Aqui se defendeu D. Teresa, em 1121, do ataque das tropas de sua irmã D. Urraca.

A GÉNESE DE UM NOVO REINO Quem eram, nessa altura, as forças importantes no Condado Portucalense? De um lado havia a velha nobreza e os ricos-homens do condado, fiéis a D. Henrique e certamente animados pela bandeira da independência daquele território que consideravam seu; mas uma nova classe de fidalgos ganhava peso junto de D. Teresa, fruto dos anos de alianças mais ou menos consolidadas: os nobres galegos que acompanharam a condessa nas suas andanças

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estavam agora solidamente implantados junto desta e eram os seus conselheiros favoritos. Entre este grupo de origem galega encontrava-se Fernão Peres de Trava, filho de Froilaz de Trava, o conde galego que tanto batalhara contra Urraca. Fernão Peres em breve se transforma numa espécie de regente de facto do condado, alimentando especulações de concubinagem com Teresa, que viriam a servir de pretexto futuro para a legitimação de Afonso Henriques como sucessor natural à liderança das terras portucalenses. E o que era feito do jovem Afonso Henriques? Não é de esperar que, com a agitada vida política e militar que D. Teresa levava, tivesse muito tempo para cuidar do seu rebento. Pelo contrário, havia que o entregar aos cuidados de um fidalgo de cepa antiga, indiscutível portugalidade e convicções firmes. Assim é que, desde tenra idade, Afonso Henriques é entregue aos cuidados de Egas Moniz e de sua família. Egas Moniz era um daqueles nobres de velha cepa, que se havia distinguido tanto no campo militar como na administração prudente dos seus importantes domínios.

Egas Moniz Era irmão de Ermígio Moniz, que, até à morte, ocorrida em 1135, foi homem de posição significativa no território do Condado Portucalense, exercendo importantes funções que se extinguiram com o seu desaparecimento.

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Com a morte do irmão, Egas Moniz torna-se uma figura relevante e o mais destacado na corte de D. Afonso Henriques, durante os complicados momentos políticos e militares que este viveu. Assume o cargo de mordomo-mor, o mais importante junto do rei, e certamente teve papel de relevo no aconselhamento diplomático e bélico, quer se tratasse de contendas com reinos cristãos vizinhos, quer o assunto fosse a reconquista cristã das terras dominadas pelos muçulmanos. Receberá do rei generosas doações em terras. Deste modo, possuía uma vintena de terras e coutos, que se situarão sobretudo nas margens do Douro e em diversas localizações beirãs. Egas Moniz é objecto de uma das mais famosas e coFragmento do TÚMULO

origem de Portugal. Numa manobra política terá dado a sua

EGAS

palavra por D. Afonso Henriques ao imperador de Leão e Cas-

DE

MONIZ, no mosteiro

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moventes histórias de fundo lendário que se contam desde a

tela. No incumprimento do prometido, apresenta-se com a

de Paço

família perante o imperador com cordas no pescoço a fim de

de Sousa.

lavar com honra a sua palavra, mesmo que para tanto apenas


houvesse reparação com a sua morte. Esta história, provavelmente criada no reinado de D. Afonso III, é um dos mitos cavaleirescos fundadores de uma identidade nacional, que dá um relevo imorredouro ao nome de Egas Moniz. Homem de fundo carácter religioso, Egas Moniz fará, perto do fim da vida, múltiplas doações a instituições de carácter religioso, especialmente ao mosteiro beneditino do Salvador de Paço de Sousa, onde foi sepultado. Aí se mandou fazer, na segunda metade do século XIII, nova sepultura com baixos relevos que descrevem visualmente a saga da honra deste singular homem, cujo nome ficará sempre indissociavelmente ligado a D. Afonso Henriques.

A EDUCAÇÃO DO JOVEM AFONSO A educação de Afonso Henriques terá sido feita à boa maneira medieval, própria da nobreza, adestrando-se nas artes da guerra, da caça, do salão. Mas Egas Moniz terá, igualmente, induzido no jovem Afonso Henriques a ideia de que este estava destinado a cumprir o desígnio de seu pai, tornando o condado numa nação independente. Por isso, o fidalgo tinha uma clara noção do valor precioso do destino do jovem que lhe fora confiado. É lendário, mas revelador, que Egas Moniz repetisse ao rapaz vezes sem conta as últimas palavras de D. Henrique: «Filho, toma esforço em meu coração, toma a terra que eu deixo (...) não percas dela coisa alguma.»

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Ainda segundo a lenda, o jovem nasceu defeituoso das pernas, chegando a dizer-se que as tinha coladas às costas. Nada disto se pode comprovar, nem plausível se apresenta. É natural que, com as condições do seu tempo,

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o rapazito algum defeito apresentasse. Certo é que se livrou dele, a ponto de crescer com envergadura invulgar para a época, sendo as poucas fontes relativas (e incertas) con-

D. AFONSO HENRIQUES. Estátua proveniente

cordantes que D. Afonso Henriques viria a ser um homem

da igreja de

muito grande, «quase um gigante» para aquela época. Mas

Santa Maria

a lenda da cura do defeito do futuro rei não deixa de fa -

da Alcáçova, em Santarém

zer sentido no contexto místico-religioso da época, con-

(hoje no Museu

ferindo-lhe, com esse mito, uma espécie de predestinação

do Carmo, em

divina.

Lisboa).

O NOVO REI DE LEÃO E CASTELA Nas móveis relações de força da época, o jovem rei de Leão e Castela precisava de definir prioridades. Para além da infindável luta contra os mouros, as hostilidades para com Afonso I de Aragão, seu padrasto, estavam naturalmente acesas. Empenhado em defrontar inimigos de tal monta, D. Afonso VII decidiu temporariamente manter calmas as querelas que o opunham à tia a propósito do renitente Condado Portucalense. Tanto assim é que se desloca a Zamora e com ela assina um acordo de amizade, na presença de Fernão Peres. Eram tréguas breves. Em breve as pazes são feitas com Aragão e o jovem rei sente que é agora a altura para colocar a irmã de sua mãe no sítio que mais lhe agrada. No início de 1127 reúne poderosas tropas na Galiza e entra na região de Entre-Douro-e-Minho, arrasando tudo por onde passa. De uma penada, D. Teresa era obrigada a

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prestar vassalagem ao sobrinho e perdia todas as terras que havia ganho desde o tempo de Afonso VI. Nada podia desagradar mais aos fidalgos portugueses, indispostos ainda por cima com a influência que os galegos tinham junto de D. Teresa. Para os portugueses de linhagem, com palavra na condução dos destinos do condado, desejando vivamente a sua independência, D. Teresa não passava de uma regente enquanto seu filho não adquirisse a maioridade. É este sentimento que vai, paulatinamente, gerar a existência de dois partidos: os defensores de D. Afonso Henriques, enquanto legítimo herdeiro do Condado Portucalense; e os apaniguados de D. Teresa, com Fernão Peres à cabeça, dispostos a tudo para manter a situação privilegiada em que se encontram. A dependência do Condado Portucalense da Galiza era a linha orientadora desta facção que ia contra a tradição da fidalguia do Minho e dos nobres portucalenses que mantinham o espírito e o ideal do conde D. Henrique.

SURGE UM LÍDER NATURAL D. Afonso Henriques permaneceu em casa de Egas Moniz até cerca dos seus doze anos. Tendo nascido possivelmente em 1109, era agora, a caminho da adolescência, um jovem resoluto e com uma falange determinada de apoios. Em contrapartida, sua mãe encontrava-se cada vez mais desamparada, rodeada de uma clique de interesses que não viam na manutenção do poder mais do

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que a possibilidade de expandirem riqueza e influência.

Estátua de

Quando Afonso Henriques chega aos catorze anos, D. Tere-

D. AFONSO

sa é já uma mulher na defensiva. E sabe o que a espera. É com esta idade que o jovem exerce, por suas próprias mãos, um gesto de grande simbolismo. Armou-

HENRIQUES situada junto do castelo de Guimarães.

-se a si próprio cavaleiro em Zamora, acto apenas permitido a um príncipe real. Era esta a dimensão das ambições de Afonso Henriques, «companheiro dos fidalgos». Dominar um condado que devia vassalagem a Leão, dele fazer um reino, dele ser o rei. As condições estavam maduras. O futuro reino tinha já, nessa época, uma estrutura administrativa, jurídica e militar equiparável a um verdadeiro reino. Mas faltava ainda muito penar para atingir tal objectivo. A começar por um problema dila cerante: afastar a mãe do poder. Ao armar-se cavaleiro, Afonso Henriques estava, de facto, a desafiar o partido da mãe. Inicialmente D. Teresa vai agir com alguma prudência. É certo que manda prender D. Paio, arcebispo de Braga, partidário do jovem Afonso Henriques. E cada mais vez outorga poderes a Fernão Peres, a ponto de muitos historiadores alvitrarem a possibilidade de serem amantes.

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Para Fernão Peres de Trava, um casamento com a condessa seria um óptimo passo, confirmando de facto os poderes que já possuía. Mas, para a hábil Teresa, isso significaria o fim do seu desejo de independência tendo-a a ela, ou ao seu filho, como soberanos. É por isso possível que D. Teresa tenha dado algumas esperanças ao fidalgo galego, sem contudo as concretizar. Interessava-lhes certamente uma forte aliança com a mais forte casa galega, o poderoso clã dos Trava. Mas nenhuma fonte permite afirmar que se tenha realizado o casamento.

D. Teresa, a mãe adversária Era filha ilegítima de Afonso VI de Leão. Casou com Henrique de Borgonha, que assim se tornou conde de Portucale, por volta de 1096. Como dote recebeu justamente o Condado Portucalense e o de Coimbra. Torna-se regente do condado com a morte do marido e vai procurar, como ele, ampliar e consolidar os seus domínios. Em 1116 alia-se à família galega dos condes de Trava. D. Teresa vai então estabelecer pactos contra a sua irmã Urraca, defendendo o sobrinho D. Afonso Raimundes e os seus direitos. Quando morre D. Urraca e Afonso Raimundes se torna Afonso VII, o confronto entre os nobres portucalenses e D. Teresa eclode, tendo esta sido vencida em S. Mamede (1128) e destituída pelo filho, refugiando-se na Galiza, onde morreria ao fim de dois anos.

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TÚMULO DE D. TERESA. Sé de Braga.

UM CONFLITO FAMILIAR Enquanto isso, o partido de Afonso Henriques forta lecia-se. O rapaz revelava-se cada vez mais audacioso e empreendedor, assumindo atitudes e comportamentos de um verdadeiro chefe. Egas Moniz já não esconde o seu incondicional apoio. Mas, com ele, estão igualmente Gonça-

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lo Mendes da Maia, que passaria à história como O Lidador, tais foram os seus feitos militares, e os ricos-homens, mesnadas de concelhos, alcaides. Enfim, a maior parte dos homens que contavam no condado, acompanhados pelos seus séquitos. D. Teresa, por seu lado, contava apenas com o apoio dos galegos, o que não era pouco. De Fernão Peres de Trava ao seu pai, Pedro Froilaz, passando pelo sempre activo bispo Gelmines, todos conspiravam para integrar o condado nos domínios da Galiza. D. Teresa era verdadeiramente refém deste desígnio. Fernão Peres, que possuía o título de conde de Coimbra e manobrava de facto os destinos do reino, vai fazer tudo por tudo para abortar os intentos daqueles que, agora, eram claramente vistos como insurrectos. Nem D. Teresa se deixava enganar. Mas uma nova humilhação a esperava, que iria desencadear os dramáticos acontecimentos que se lhe seguiram. D. Afonso VII, livre dos conflitos que o apoquentavam nos territórios orientais da Península, obriga a tia a vir prestar-lhe vassalagem. Para a nobreza portuguesa é o fim. A mulher de D. Henrique deixou de lhes merecer qualquer espécie de respeito e os preparativos começam. D. Afonso Henriques tem dezassete anos. Para aquele tempo era um homem feito e temperado, que já se exercitava havia tempo conquistando terras a eito, conforme a ocasião se proporcionava. Agora era a mãe que tinha de enfrentar. Não hesitou. Estando D. Teresa em Guimarães, apresenta-se Afonso Henriques com os seus homens. Nos campos de São Mamede as duas forças avistam-se. Corre o dia 24 de

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CASTELO DE

Julho de 1128. A batalha, violenta e sanguinária para al-

GUIMARÃES.

guns, apenas um recontro ajustado, para outros, trava-se. As forças de D. Teresa cedem a pouco e pouco. Finalmente é a debandada dos partidários da mulher de Henrique da Borgonha. D. Teresa foge para as suas terras da Galiza. É nesses domínios que virá a morrer em 1 de Novembro de 1130, sem que alguém já lhe desse apoio. Fernão Peres depressa se tornará amigo do jovem Afonso Henriques. Leal, ao que parece. O Condado Portucalense está, finalmente, nas mãos do filho de D. Henrique, o fidalgo estrangeiro que viu nas terras de seu pai o sonho de construir uma nação inde-

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pendente. Imbuído do espírito do seu pai, cuidadosamente alimentado por Egas Moniz, Afonso Henriques terá, agora, que enfrentar o mesmo dilema que qualquer um dos seus progenitores sofreu: como libertar aquele embrião de reino das garrras de Leão e da vassalagem a D. Afonso VII, seu primo?

Carta de doação da igreja de S. Bartolomeu de Campelo por D. Afonso Henriques, 1129, onde primeiro aparece a palavra PORTUGAL.

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BRAÇO DE FERRO COM O REI DE LEÃO

EGAS MONIZ PERANTE O REI DE LEÃO, por Roque Gameiro (pormenor).

As notícias dos acontecimentos de S. Mamede, e da tomada do poder por parte do seu jovem primo não deixam indiferente D. Afonso VII de Leão e Castela. Deverá ter avaliado cuidadosamento o novo perigo constituído pela intrepidez do fidalgo, e encarado imediatamente como prováveis os seus objectivos de soberania.

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UM PRIMO PERIGOSO D. Afonso VII sabe que se torna vital travar a tempo qualquer veleidade do condado à independência. E deseja que, o mais depressa possível, Afonso Henriques lhe preste vassalagem, como já antes os seus tios, contrafeitos, haviam feito. Por isso, o soberano leonês não hesita. Livre dos conflitos com o padrasto de Aragão, diri ge-se rapidamente ao Condado Portucalense, com forte exército. Não deixa de ser admirável (e podemos verificá-lo ao longo da narrativa de todos os acontecimentos desta época) a espantosa destreza com que estas massas humanas, pesadamente armadas, certamente mal abastecidas, se deslocam ao longo de vastos territórios. D. AFONSO VII DE E

LEÃO

CASTELA.

Certo é que, em 1129, as forças de D. Afonso VII, pujantes e em número muito

Catedral

superior às de Afonso Henriques, cercam o castelo de

de Santiago

Guimarães. Tudo indica que apanham os portucalenses

de Compostela.

de surpresa. Prova-o o facto de não terem mantimentos para suportar um longo cerco. Ao rei sobravam múltiplas

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hipóteses: submeter pela vassalagem, aprisionar ou mesmo destroçar as forças do primo. Neste cerco começa um dos mais obscuros, e igualmente lendários, episódios da história de Portugal. Todas as fontes são apócrifas, pelo que qualquer narrativa terá um fundo de lenda, sendo difícil distinguir com precisão os detalhes do ocorrido. Mas certo é que a intervenção de Egas Moniz, e o seu dramático desenlace futuro, retratam a envergadura moral de um homem de carácter heróico, à idealizada maneira medieval, por contraste com a política mesquinha, de alianças e traições, meias verdades e grandes mentiras usuais naquele tempo.

UMA AMARGA MENTIRA Conta-se que D. Afonso Henriques não desejava prestar vassalagem ao primo. Pelo menos mostrou perante essa inevitabilidade a maior relutância. Então, o velho Egas Moniz toma a decisão mais difícil da sua vida. Sabe que a parte dos portucalenses está condenada, não tendo hipótese alguma de manter prolongadamente o cerco. E avalia com justeza as consequências. Vencido Afonso Henriques, era o fim do sonho de criar um reino, o termo de qualquer veleidade no nascimento de Portugal. Então terá descido do castelo, indo ao encontro de Afonso VII. Apesar de a lenda referir que a ele se dirigiu sozinho, tal não parece crível. Deverá ter sido acompa -

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nhado por um pequeno séquito, tendo eventualmente chegado a estar a sós com o rei, procurando concretizar o difícil objectivo a que se propunha. Afonso VII sabe quem ele é e qual a sua importância. Não lhe escapa que era um dos mais importantes fidalgos portucalenses e aquele que teria, certamente, maior influência sobre o jovem rebelde. É um homem que importa ouvir. E o que Egas Moniz, senhor de Ribadouro, tem Pormenor do TÚMULO DE

EGAS MONIZ.

para lhe dizer reveste-se de uma profunda delicadeza. No fundo, nada mais era que uma habilidade, que lhe viria a sair muito cara na honra e na consciência.

Em primeiro lugar, Egas Moniz deve logicamente ter lembrado ao rei Afonso VII que estava a perder o seu tempo em Guimarães, quando tantas batalhas o esperavam

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contra os infiéis. Este argumento tinha, efectivamente, um peso de significado naquele tempo. Depois, ter-lhe-á afirmado que Afonso Henriques, ao enfrentar sua mãe, apenas estava a lutar pelos seus direitos contra os nobres galegos que tentavam usurpar o governo do condado das mãos de D. Teresa. Também esta razão se apresenta lógica, crível, para o monarca de Castela e Leão.

O VALOR DA PALAVRA DADA Mas D. Afonso VII queria mais e vai dizê-lo, sem detença, a Egas Moniz. Se D. Teresa havia prestado vassalagem ao rei de Leão, forçoso era agora que o seu filho renovasse esse laço. De outro modo seria um insurrecto e nada mais lhe restaria senão manter o cerco ao castelo de Guimarães e tomá-lo pela força ou pela paciência. Ora este era o nó central de toda a questão. Perante a situação, o velho fidalgo encontra uma tortuosa via, que compromete a sua honra. Para não obrigar a palavra de D. Afonso Henriques, afirma gravemente que o jovem filho de D. Teresa lhe iria prestar vassalagem nas primeiras cortes que tivessem lugar. Como garante, Egas Moniz apresentou... a sua palavra. Há subtileza e brutalidade no acto. Ao dar a sua palavra, Egas Moniz não tinha falado pela língua de Afonso Henriques. Era a sua língua que falara, pormenor subtil que fazia toda a diferença. Por outro lado, ao dar como boa a palavra dada, mais que suspeitando, sabendo não ser esse o interesse de Afonso Henriques, Egas Moniz deu-

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-se conta da brutalidade de uma trama que viria a abalar os alicerces da sua consciência. Esperava-o, com toda a certeza, a desonra. O rei leonês ponderou. Vinda de quem viera, aquela afirmação bastou-lhe. Nada mais exigiu. Confiou naquele que era o homem mais influente junto do jovem rebelde. De imediato deu ordens para levantar o cerco, levando as suas tropas para outras paragens, para outras pelejas mais a sul, para o eterno combate aos infiéis. No fundo estava satisfeito. Não perdera homens, não desgastara o seu exército, não demorara muito tempo. O tempo encarregar-se-ia de lhe mostrar com crueza o erro que cometera. Sozinho, Egas Moniz deve ter vivido as amarguradas horas em que um homem de bem percebe com clareza que perdeu o tesouro maior que possuía. A honra.

TRAIÇÃO Plenamente convencido com a palavra de Egas Moniz, D. Afonso VII vai de novo retomar as pelejas com o seu padrasto (1129) não descuidando as fronteiras sempre esbatidas e belicosas com o mundo islâmico. No Condado Portucalense, o jovem conde não se conformava com a perda das terras galegas ganhas a D. Urraca no tempo de sua mãe. Dá então início a uma longa série de ofensivas e recuos, que caracterizarão para sempre os seus primeiros anos de comando.

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Com o primo a pelejar em terras da Catalunha, Afonso Henriques rompe as hostilidades, inutilizando para sempre a palavra do velho Moniz. Em boa verdade não fôra ele quem dera a palavra. Por isso, no dealbar dos seus vinte anos, ruma à Galiza com um exército valoroso, em 1130. Afonso VII, mesmo à distância, percebe imediatamente o perigo, mas não foi necessário acorrer à refrega. D. Afonso Henriques não consegue obter o apoio dos fidalgos galegos com que contava para engrossar as fileiras. Prudente, retorna aos seus territórios. O acto tem, contudo, uma consequência dramáti-

CAVALEIRO MEDIEVAL.

ca. Egas Moniz sente que a sua palavra fôra quebrada. Reúne os filhos, chama junto a si a sua mulher, Teresa Afonso, e parte ao encontro do rei de Leão e Castela para saldar a dívida de honra que sentia dentro de si. O penhor, o resgate, era a sua vida, e a dos seus. Longa e penosa deve ter sido a viagem, no final da qual impendia, sobre toda a casa de Egas Moniz, o castigo mortal. Consigo leva até os servos e diz a lenda que, ao chegarem junto de D. Afonso VII, todos vestiam as vestes dos sentenciados, uma mortalha branca de pano cru, ostentando ao pescoço as cordas com as quais seriam enforcados.

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EXPIAÇÃO E PERDÃO Pode imaginar-se o espanto do rei e da sua corte perante este cenário que, se não fosse dramático, seria patético. A confusão, a perplexidade é geral. O que fazer com este homem que se apresenta não só a si, mas toda a sua família, para pagar com a vida um compromisso de honra, num tempo em que a palavra política varia ao sabor dos temperamentos e dos acontecimentos? Parece que a primeira pulsão de D. Afonso VII foi sentenciar o portucalense, deste modo desagravando a ofensa, a traição. Mas prontamente foi exortado por todos os que o rodeavam, admirados pelo carácter e pela honradez de Egas Moniz. Então o rei decide em direcção diametralmente oposta. Tão grande manifestação de dignidade merecia apenas uma e uma só decisão. Estava Egas Moniz livre, bem como todos os seus familiares. E não apenas livre. Declarou o rei que a sua palavra se encontrava, a partir de agora, intacta e restituída, pelo que podia partir em paz. No condado, provavelmente desconhecendo estes acontecimentos, Afonso Henriques afadigava-se em trabalhos, lutando contra alguns renitentes fidalgos galegos que ainda eram do partido de sua mãe, travando breves escaramuças com os mouros, dirimindo litígios entre os povos e maus administradores. A pouco e pouco consoliEGAS MONIZ

dava o seu poder e liderança, afirmando uma personali-

PERANTE

dade que a todos cativava, conquistava ou infundia temor.

O REI DE

LEÃO,

por Roque Gameiro.

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Mas a inclinação da conquista estava-lhe no sangue tanto quanto o desejo de independência. Cinco anos de-


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pois da sua primeira arremetida em terras galegas, ei-lo de novo à frente das suas tropas, invadindo, saqueando, deixando atrás de si um rasto de destruição. Mais uma vez a sua tentativa será em vão, sendo expulso pela fidalguia galega. Não desiste, porém. Refaz as tropas e atira-se com valentia contra quem o havia derrotado, sendo desta vez vencedor. Chega a erigir um castelo (Celmes), mas desta vez a parada é mais alta. Sabedor dos atrevimentos do primo, D. Afonso VII vem ao combate com as suas tropas. Cerca a fortificação e nela serão aprisionados muitos dos mais importantes fidalgos portugueses.

O JOVEM INTEMPESTIVO De novo nas suas terras, Afonso Henriques congemina vinganças, como seu pai fizera, como sua mãe não deixara nunca de fazer. Bastam-lhe dois anos para uma nova ocasião. Humilhado por D. Afonso VII, Garcia Ramires, rei de Navarra fôra igualmente obrigado a prestar homenagem ao monarca de Leão e Castela. O inconformismo dos dois, Henriques e Ramires, vai uni-los numa causa comum: dar combate a Afonso VII. Assim decidem a invasão por ocidente e por oriente das terras do poderoso monarca. Ao conde portucalense juntam-se alguns condes galegos que lhe aumentam o poder militar. Com estas forças, Afonso Henriques provoca uma tremenda razia na Galiza, conquistando terras e praças umas atrás das outras com uma facilidade que, mesmo a ele, dizia surpreender.

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Mas é então que novo golpe do destino se vem opor aos seus planos. Não na frente de batalha galega. Muito mais a sul surgiam notícias alarmantes. Os muçulmanos investiam pelo território portucalense adentro e ameaçavam já Leiria, castelo da maior importância estratégica para a defesa do território e charneira para qualquer acção de conquista futura. Apesar da excepcional defesa de Paio Guterres, alcaide de Leiria, o castelo acabou por ser ocupado, tendo o alcaide escapado por pouco, reunindo-se ao seu senhor portucalense. Afonso Henriques consegue suster a ofensiva mourisca, mas depressa lhe chegam ao conhecimento as consequências da sua expedição galega, o reverso da medalha.

CASTELO DE

LEIRIA.

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Após ter vencido o aliado navarro de Afonso Henriques, D. Afonso VII toma conhecimento das pesadas derrotas que o infante portucalense havia infligido nos seus territórios. Furioso, ruma à Galiza enquanto o jovem filho de D. Teresa mede forças com os mouros. Em Tui, o monarca castelhano força a reunião dos nobres com o objectivo de invadir o Condado Portucalense e punir severamente a traição. Uma vez mais Afonso Henriques encontra-se no fio da navalha.

O ÚLTIMO COMBATE DO

LIDADOR,

por Roque Gameiro.

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Gonçalo Mendes da Maia, o Lidador Este famoso barão português dos séculos XI e XII, era filho de um bastardo do rei Ramiro II de Leão. O seu cognome deriva da fama que grangeou no combate denodado que, em inúmeras lides de armas, desencadeou contra os Mouros. Filho de D. Mem Gonçalves, terceiro chefe da casa dos Maias, em Gonçalo Mendes da Maia se baseia uma narrativa do Nobiliário do conde D. Pedro, que o imortaliza como a figura principal de uma célebre acção guerreira perto de Beja, contra o rei Almoliamar, quando o velho portucalense contava já 95 anos de idade.

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A INDEPENDÊNCIA DE PORTUGAL

Retábulo da capela do Salvador em Terroso, Póvoa de Varzim, representando D. AFONSO HENRIQUES A AGRADECER A DEUS O «MILAGRE DE OURIQUE».

A velha escola diplomática dos seus ancestrais vai salvar D. Afonso Henriques da fúria do primo. Propõe-lhe um acordo de paz, no qual faz importantes cedências. Jura-lhe amizade e respeito territorial, promete auxílio contra qualquer inimigo, obriga-se a subjugar nobres rebeldes contra D. Afonso VII, propõe-se restituir terras.

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UM PACTO DE CONVENIÊNCIA Para selar este pacto de amizade, assinado em 1137, são convocados os mais altos dignitários da igreja, com destaque para o arcebispo de Braga, D. Paio. Parecia que o destino do Condado Portucalense estava encontrado. Permanecer em vassalagem na esfera do reino de Leão. Mas isso era ignorar o carácter e a persistência de D. Afonso Henriques. Apenas esperava, como já anteriormente o fizera, a melhor oportunidade para de novo quebrar os acordos celebrados com o seu primo. Afinal, para ele, as terras que seu pai lhe legara, e pelas quais lutara com a própria mãe, eram mais importantes que quaisquer tratados, acordos ou vínculos que pudesse tacticamente estabelecer. Agora, era tempo para reorganizar os seus territórios, equipar as tropas, fortalecer os ânimos. Novas ocasiões se apresentariam. Disso estava Afonso Henriques certo. De novo o tempo lhe veio a dar razão. É evidente que D. Afonso Henriques foi obrigado a remeter-se a uma atitude discreta durante algum tempo. Afinal de contas fôra severamente pisado pela bota do seu primo, comprometendo-se com cedências que só a custo, mas com astúcia, se vira compelido a aceitar. E, mais uma vez, com renovada energia, D. Afonso Henriques se vira para as terras da Galiza. De novo toma Tui, mas é travado pelos homens de Fernão Joane e ele próprio sai ferido da contenda. Profundamente irritado com mais esta aventura traiçoeira do primo, Afonso VII reúne as suas tropas e invade o Condado Portucalense,

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dando caça ao jovem infante. Mas este resiste, infligindo pesadas baixas à guarda avançada do monarca de Leão.

O RECONTRO DE VALDEVEZ Estão, agora, reunidas as condições para o acontecimento decisivo na instauração da soberania portuguesa. Afonso Henriques conduz o seu exército para enfrentar o corpo principal das tropas de Afonso VII, que se aquartelara nas terras de Valdevez. Os exércitos estão, finalmente, à vista um do outro. Seguindo a tradição medieval, antes da batalha, travaram-se justas que opunham os melhores cavalei ros de cada um dos lados. A superioridade que os leoneses sentiam em breve se revela vã. Os cavaleiros portugueses vencem

JUSTA.

os homens de Afonso VII, que ficam, de acordo com os costumes da época, prisioneiros da parte vencedora. Ainda assim a superioridade do exército leonês é evidente. Mas a perda dos seus principais chefes e a impressão causada pela valentia dos portucalenses causa profunda impressão aos homens de Afonso VII. Quando a batalha de Valdevez finalmente se vai travar estão já fa-

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talmente desmoralizados. O monarca espanhol decide prudentemente não perder as suas tropas, pedindo tréguas, negociadas pelo arcebispo de Braga. As pazes são feitas. Estamos em 1140 e Afonso Henriques acabara de obter uma vitória muito importante. Mesmo a tempo. Aproveitando-se do afastamento das tropas cristãs, os mouros haviam desencadeado furiosa investida, tomando o importante castelo de Leiria, destruindo o castelo e avançando para norte, chegam até Trancoso, que destroem. De novo tem o jovem chefe dos portucalenses que defender as suas terras. Cruza o Douro em Lamego e desbarata as tropas dos «infiéis» em duas fulminantes surtidas bélicas nas terras de Valdevez.

AFONSO VII CONFORMA-SE A partir do recontro de Valdevez, Afonso VII parece desistir de colocar na ordem o primo. Preocupado com os atribulados trabalhos de manter em ordem os reinos de Castela e Leão, defrontando sistematicamente os mouros, tendo a braços o conflito com Aragão e Navarra, é como se desistisse de manter em vassalagem o insistente infante do condado ocidental. Não admira que D. Afonso Henriques se tenha começado a intitular rei de Portugal após Valdevez. Talvez mesmo antes se arrogasse já ao título, que nenhum valor teria se não fosse aprovado pela única instância que estava acima dos reis da cristandade: o próprio papa.

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Por enquanto, era tempo para Afonso, quase de facto se lhe poderia agora chamar Afonso I, arrumar a casa. Ou seja, levar o mais longe possível a consolidação do território a sul e, se possível, conquistar terras aos sarracenos. Os alvos eram evidentes. Santarém, importante cidade moura com uma excepcional situação geográfica para a defesa, e Lisboa, a riquíssima urbe, considerada por todos inexpugnável, graças às suas fortificações. Afonso

Henriques

sabe fazer alianças, aproveitar as oportunidades. Sabendo da existência de uma frota francesa fundeada ao largo de Gaia, a caminho das cruzadas do Oriente, alicia os estrangeiros para

invadirem

Lisboa,

prelúdio da entrada, posterior, em Santarém. A tentativa foi vã. Não tinham as duas forças conjuntas, os franceses por mar e os portugueses por terra, meios para tomarem tão difícil objectivo. Os de França partem, carregados dos despojos possíveis. Afonso de Portugal retira, dedicando-se a tarefas menos belicosas, mas

CASTELO DE

SANTARÉM.

Restos da muralha árabe

igualmente imperativas. Vai proceder, nomeadamente, à reconstrução do castelo de Leiria, de grande importância estratégica.

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REINO E REI, FINALMENTE! O poder de D. Afonso Henriques estava, definitivamente, consolidado. Então, como se se dissesse resignado, D. Afonso VII convoca-o para um encontro em Zamora. Corria o ano de 1143, e nesse local são estabelecidas pazes duradouras, apagados todos os desagravos e, de facto, reconhece-se o Condado Portucalense como uma entidade política autónoma de Leão. Nascia Portugal. Afonso Henriques, o obstinado e conflituoso herdeiro de Henrique da Borgonha e D. Teresa, tornava-se, na prática, o primeiro rei de Portugal. Ainda que formalmente dependente de Afonso VII, na prática D. Afonso Henriques deixava de prestar vassalagem ao primo. CARTA DE 1139

Agora governava um território que, para todos os

onde, pela

efeitos, era independente. Apenas precisava da aprovação

primeira vez,

papal para se considerar de direito um dos reinos ibéricos.

Afonso Henriques se intitula rei

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Era um pormenor. Mas um pormenor com imensa importância.


Em primeiro lugar, havia que colocar o jovem Estado sob a protecção da Igreja, jurando-lhe fidelidade e obediência. É o que o jovem rei vai fazer, enviando a Inocêncio II, através do cardeal Guido de Vico, missiva ao papa na qual lhe reconhecia a soberania sobre o novo reino, o que, na prática, implicava que Roma o reconhecesse.

UMA RESPOSTA INSATISFATÓRIA Como Inocêncio II tivesse morrido, o processo passa para as mãos do novo papa, Celestino II, que virá igualmente a morrer em pouco tempo. É então Lúcio II que se encarregará do problema. Vai fazê-lo de modo dúctil, ou, em linguagem corrente, dando «uma no cravo, outra na ferradura». Tratará Henrique como dux (chefe) em vez de rei, designará o condado como «terras» em vez de reino. Se reconhecia a separação de Leão e Castela, não lhe outorgava a condição a que D. Afonso Henriques aspirava. Terão de decorrer quase quarenta anos (1179), para que, finalmente, o senhor da cátedra de Roma, Alexandre III, à custa de generosas ofertas pecuniárias, se dignasse a reco nhecer o estatuto real do novo Estado. Era nessa altura Afonso Henriques já muito velho. Mas nem por isso deve ter ficado menos feliz. Na sequência da missiva dúbia de Lúcio II, o rei de Leão e Castela ainda protestará quanto aos seus termos, apesar de tudo favoráveis aos interesses de Afonso Hen-

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riques. Mas Afonso VII, no seu íntimo, estava já resignado à existência daquele pequeno reino resiliente, comandado por um chefe persistente e tenaz que apenas via na consolidação da independência a consumação dos desígnios de seu pai, de sua mãe e da nobreza que desde cedo acalentara nele as esperanças de uma liberdade inimaginável nos tempos medievais, apenas possível graças a tremendas ousadias e incríveis feitos de armas. Era, portanto, Afonso Henriques rei de facto. O destino do Condado Portucalense, do agora reino de Portugal, pertencia-lhe. O que fazer? Sempre e sempre o mesmo: lutar. Pelejar contra os mouros, defender, alicerçar e expandir os territórios do Sul. Afinal de contas, esta era a guerra mais legítima que um rei cristão podia travar.

D. João Peculiar, arcebispo de Braga Nascido por volta de 1100 na região de Coimbra, passou a juventude em França, onde estudou. Regressado a Portugal cerca de 1126, fundou (ou reorganizou) o mosteiro de S. Cristóvão de Lafões. Em 1131 fundou o mosteiro de Santa Cruz de Coimbra. Em 1136 foi nomeado bispo do Porto e, dois anos depois, transferido para Braga. Pode dizer-se que foi, junto com D. Afonso Henriques, um dos grandes artífices da independência de Portugal, trabalhando incansavelmente pelo engrandecimento do estatuto de Braga

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como arquidiocese, contrariando as pretensões hegemónicas de Santiago de Compostela e de Toledo. Nesse contexto se insere a integração das dioceses de Lamego, Viseu, Lisboa e Évora como sufragâneas de Braga contra as pretensões das suas concorrentes peninsulares. Muito provavelmente deve também ter sido D. João a inspirar a diligência diplomática de, em 1143, Afonso Henriques colocar os seus territórios sob vassalagem directa à Santa Sé. Foi ele, aliás, quem se deslocou a Roma para entregar ao papa a carta Claves regni prestando vassalagem ao papa. No recontro de Valdevez, foi D. João Peculiar o medianeiro entre Afonso Henriques e o rei de Leão. E em 1147 esteve na conquista de Lisboa, tendo sido ele a dirigir a alocução aos cruzados convocando-os para o combate. Morreu em Braga a 3 de Dezembro de 1175.

CARTA DE COUTO AO

MOSTEIRO DE

TIBÃES.

O documento mais antigo em que Afonso Henriques é referido como rei

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O DESEJO DE CONQUISTA De novo se lhe afiguram como alvos os mais importantes centros dos «infiéis». Lisboa e Santarém. As dissenções entre os Almorávidas e os Almóadas, partes rivais no complexo mosaico dos muçulmanos peninsulares, vão dar-lhe uma valente ajuda. Mas são sobretudo a astúcia e o ardil, tão peculiares em D. Afonso Henriques que se diria ter alma de caçador furtivo, que vão contribuir sobremaneira para os seus feitos de armas nos anos que se seguiriam. Seriam os anos das grandes conquistas. Santarém foi o primeiro objectivo. Mas era um osso duro de roer. A urbe árabe, situada num alto morro, era rodeada de amplas e férteis planícies, fáceis de controlar. Por isso era considerada impossível de tomar. Afonso I vai recorrer à sua melhor arma: a manha. Envia um dos seus homens de confiança, Mem Ramires, em missão secreta, para analisar cuidadosamente a urbe, as suas fortificações, arruamentos, acidentes geográficos. Ramires cumpre a sua missão e, chegado à corte que se reunia então em Coimbra, afirma com certeza que a cidade era tomável e que ele próprio desejaria seguir à frente da ofensiva. Mas como? Um belo dia, Afonso Henriques dirige-se a Santarém rodeado apenas de alguns cavaleiros, em vez de um exército poderoso. Qual seria o plano dos portugueses? Estava-se em Março de 1147, e na manhã do terceiro dia de caminhada os homens pararam nas cercanias de Santarém. Afonso Henriques manda então avançar dois dos seus ho -

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mens para parlamentarem com o alcaide da cidade. Comunicam-lhe aqueles a presença do rei português.

A batalha de Ourique O local onde se terá travado esta importante batalha tem sido longamente discutido pelos historiadores, que ora a situam na região de Leiria ou no Ribatejo, ora no Alentejo. Não é aqui o lugar para desenvolver este tópico, nem tomar partido por uma das localizações indicadas. A importância que foi dada à batalha resulta, mais do que das forças muçulmanas em presença, da vontade de atribuir-lhe um significado mítico, como legitimadora da fundação da nacionalidade. Afonso Henriques teria aí sido aclamado rei, sendo erguido pelos seus guerreiros sobre o pavês (escudo cerimonial), à moda germânica. Assim se explicaria,

AFONSO HENRIQUES invoca Cristo antes da batalha de Ourique.

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segundo José Mattoso, que o seu escudo viesse a ser guardado quase como uma relíquia sobre o seu túmulo em Santa Cruz de Coimbra. Para reforçar este simbolismo, teria sido ainda invocada uma intervenção divina a confirmar Afonso Henriques como paladino da «verdadeira fé» no combate contra o Islão. Simbolismos à parte, o certo é que a batalha de Ourique, travada em 1139, constituiu a primeira grande vitória de Afonso Henriques contra forças numerosas dos mouros.

SANTARÉM CONQUISTADA Evidentemente que o alcaide de Santarém reforça as defesas durante o período definido pelos portugueses. Mas este decorreu sem que nada de especial ocorresse. Ao fim dos três dias, abranda a guarda. Excelente, pensou o líder dos cristãos. Dirige-se para sul e levanta acampamento em Pernes. Aí traça os seus planos. Divide os homens em doze grupos de dez unidades, as quais, com escadas, subiriam por um lado da fortificação que se encontrava desguarnecido. Mal aí chegassem, deveriam seguir lestos ao longo da corredoura da muralha e abririam a porta que permitiria a entrada das tropas situadas no exterior. A manobra foi difícil. Apesar de facilitada pela escuridão nebulosa da noite, os homens, pesadamente carregados com as suas armaduras, vislumbram duas sentinelas. Não eram elas, em si mesmas, o perigo, mas sim

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o alerta que poderiam lançar. Houve que esperar pacientemente que estes se deixassem dormir. Os cristãos subi-

BATALHA DE

OURIQUE.

Painel

ram então a encosta, com Mem Ramires à frente. Tentam

de azulejos

fixar as escadas e, em momento dramático, são des-

do Pátio

cobertos. Mas, com resolução, neutralizam as sentinelas. Mais escadas se fixam, mais homens sobem abruptamente.

dos Canhões, Museu Militar, Lisboa.

Correm aos gritos das tropas de Afonso Henriques: «São Tiago!... São Tiago!...». Os cristãos que se encontram no interior da fortaleza tentam, em vão, abrir a porta pelo lado de dentro. Acaba por ser a golpes de marretada que as tropas de Afonso Henriques, do lado de fora, abrirão a renitente entrada. O que se segue é indiscritível, mesmo para os padrões do tempo. Todos os sitiados que se encontram são

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passados pelo fio da espada, a cidade é submetida a ferro e fogo, saqueada, pilhada, inteiramente vencida. Não havia distinção entre populações civis e sitiados em armas. Todos os que foram apanhados conheceram a morte, uma imagem de marca da actuação de conquista de D. Afonso Henriques que viria a espalhar-se como fogo em palha seca nas populações muçulmanas do Sul de Portugal, e que muito contribuiria para a fama do rei cristão, cruel e impiedoso, furioso e implacável.

D. Mafalda, primeira rainha de Portugal D. Mafalda, ou Mahaut. Também conhecida como D. Matilde. Primeira rainha de Portugal, mulher de D. Afonso Henriques,

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com quem casou em 1146. Era filha de Amadeu II, conde de Sabóia e Piemonte, vassalo do imperador romano-germânico e da condessa Mafalda de Albon. O casamento de D. Afonso Henriques correspondeu a um desejo de estabelecer relações fora da órbita de Leão e Castela,

ILUMINURA de Simon

nomeadamente com os condados da Sabóia e da Borgonha, num

de Beninc

esforço de afirmação de independência política.

(século

Teve sete filhos : Henrique, Mafalda, João, Sancha, D. Sancho I, Urraca e Matilde.

XVI). Museu Britânico.

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A CONQUISTA DE LISBOA

TOMADA DE LISBOA AOS MOUROS, pintura a óleo de autor desconhecido.

Santarém, a porta do Tejo, a inexpugnável fortaleza que dava acesso a Lisboa, estava tomada. Não pela guerra frontal de dois exércitos, a prática convencional e com a qual Afonso Henriques nunca teria muita sorte. Mas pelo ardil de um homem que tinha alma de salteador astuto, de ardiloso congeminador de planos capazes de derrotar as praças mais importantes das províncias do Sul. Em Santarém demonstrou-se, como em nenhuma outra conquista, o génio e o estilo peculiar do filho de Henrique da Borgonha.

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OBJECTIVO: LISBOA O destino era agora evidente: Lisboa. E mais uma vez as circunstâncias do acaso vão ajudar o nóvel rei cristão. Em Junho de 1147 cinco embarcações fundeiam na foz do Douro, fugidas de uma terrível tormenta no mar. Faziam parte de uma gigantesca frota que, vinda das terras do Norte da Europa, seguia para as cruzadas e se dispersara no mar. A frota tinha o Porto como ponto de encontro e, em breve, aí se encontram 190 navios das mais diversas procedências, com quase 15 000 homens a bordo. Alemães e flamengos, bretões e britânicos, normandos, lorenos e aquitanos. Uns tinham-se entregue à cruzada por verdadeiro espírito cristão. Outros, como os bretões, eram piratas profissionais, que da expedição apenas aspiravam ao saque. O objectivo de tão vasta expedição era a Palestina, a defesa do Santo Sepulcro e das ordens Templária e Hospitalária, que dele haviam tomado cuidado. Por terra seguiam já o imperador da Alemanha e o rei de França com os seus exércitos. Afonso Henriques, mal sabe desta notícia, encontrando-se ainda em Santarém, envia imediatamente uma missiva ao bispo do Porto, D. Pedro, de modo a que este convencesse tamanha força expedicionária a uma nova tentativa de tomada de Lisboa. Para os homens embarcados a perspectiva parecia tentadora. Por um lado, teriam de fundear nas proximidades de Lisboa; por outro, a fama das riquezas da opulenta cidade da foz do Tejo fez aguçar a cobiça de saque daquelas tropas, muitas delas consti-

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FORAL DO PORTO.

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tuídas por homens das mais baixas condições sociais das suas próprias nações. O bispo do Porto vai reunir os chefes da missão num cemitério da cidade. Podemos imaginar a cena. Centenas de homens, falando as mais diversas línguas, de caracteres e disposições diferentes, ouvindo a inusitada proposta de invadir uma cidade que nem lhes tinha sequer passado pelos planos. D. Pedro pronuncia-se em latim. A confusão deve ter sido grande. Mas, graças ao esforço dos que sabiam traduzir, acabam por se entender.

ALIADOS PROBLEMÁTICOS Por um lado, D. Pedro acena com o apelo da cruz, fazendo ver a grandeza de recuperar tão importante cidade aos «infiéis», que nela se encontravam há já quatro séculos; por outro lado, alicia com o vil metal, descrevendo as enormes riquezas de Lisboa e o valor do saque que a sua conquista proporcionaria. Por fim, os chefes expedicionários das diversas nacionalidades concordam na aventura bélica. Os dados estão lançados e todos se dirigem à Lisbunah dos mouros. Era um desígnio tremendo. Pela sua importância estratégica, em primeiro lugar. Uma vez tomada, Lisboa abria as portas para a conquista de todo o Sul; mas, fundamentalmente, pela extraordinária qualidade das fortificações lisboetas erguidas pelos árabes. Uma sólida e compacta muralha, dentro da qual se edificara a cidade, colo-

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cada numa colina de muito difícil acesso. E, sobretudo, uma guarnição de 15 000 homens bem armados e preparados, em princípio capazes de resistir a qualquer tentativa de invasão, por muito forte que fosse. A armada larga do Porto a 26 de Junho, trazendo consigo o bispo do Porto e o arcebispo de Braga, D. João Peculiar, que sempre haveria de ser um dos mais fiéis apoiantes de Afonso Henriques. Dois dias depois chegam à foz do Tejo. Alguns dos homens desembarcam imediatamente, envolvendo-se em recontros esporádicos que apenas tiveram o condão de alertar os sitiados, que recolheram às bem fortificadas muralhas do castelo. No dia seguinte, Afonso Henriques chega a Lisboa, acompanhado por vastas e bem treinadas tropas. Desde logo se reúnem as duas forças atacantes. Para planear o ataque? Não! Para discutir a distribuição dos lucros que a tomada da urbe proporcionaria. São longas as discussões. Afonso Henriques alega que o seu reino é pobre, mas que a cidade é rica e recompensará devidamente todos. Os chefes normandos, essencialmente piratas, duvidam das intenções do rei. Afinal, ainda estavam recordados do anterior assalto a Lisboa, e bradavam que, dessa vez, Afonso não cumprira o prometido.

EM MARCHA Porém foi possível estabelecer um acordo. Os termos do mesmo eram mais que generosos para os es-

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trangeiros. Os bens m贸veis capturados seriam distribu铆dos exclusivamente pelos forasteiros, tal como os resgates. Todos os cruzados que se quisessem fixar em Portugal obteriam casa e terra, sem necessidade de pagamento de determinados impostos. E D. Afonso Henriques foi obrigado

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a jurar que não abandonaria a luta a não ser em caso de perigo mortal. O pacto estava traçado. O assalto ia começar. A primeira preocupação do rei cristão foi propor a

CERCO DE

LISBOA.

Em cima, forças de Afonso

rendição pacífica ao alcaide árabe. Manobra mais diplo-

Henriques;

mática que outra coisa. Bem sabiam os mouros o que os

à esquerda,

esperaria caso se rendessem. Isto apesar de o arcebispo

ingleses, aquitanos

de Braga, o emissário enviado a parlamentar, ter prometi-

e bretões;

do a integridade de pessoas e bens em caso de rendição.

à direita,

Nisso se não fiaram os sitiados, e com razão. Ninguém

flamengos e alemães.

poderia evitar que, em caso de pacífica entrega do castelo, as hordas de soldados estrangeiros pilhassem e saqueassem a seu bel-prazer. O alcaide terá, em consequência, negado a rendição e respondido: «Fazei o que couber em vossas forças, nós faremos o que for da divina graça.» As forças dispuseram-se estrategicamente. Afonso Henriques ocupou a actual colina da Graça, sitiando o castelo pelo norte. Flamengos e alemães ocuparam a parte oriental pelo rio, e grande influência viriam a ter no decorrer dos acontecimentos, pela sua disciplina e sentido táctico. No lado poente postaram-se os ingleses e os normandos.

PLANOS GORADOS Foi combinado atacar no dia seguinte, mas estes abriram imediatamente hostilidades na zona ocidental, na zona da actual baixa pombalina, tal era o desejo de

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TOMADA DE

LISBOA

AOS

MOUROS,

acção que os movia. Apesar de se defenderem bem, lançando enormes quantidades de flechas e de pedras, os mouros

pormenor

cederam terreno, deixando nas mãos dos atacantes parte

de têmpora

do casario fora das muralhas. À medida que a noite caiu,

de Almada

o terreno torna-se uma traiçoeira contrariedade, esprei-

Negreiros.

tando perigo em cada rua, em cada esquina. Percebendo que não podem recuar, os chefes ingleses decidem investir até chegarem a um cemitério onde reuniram forças e repeliram os inimigos para dentro das muralhas. Na escuridão da noite, o casario da parte oci-

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dental ardia. Na manhã seguinte chegam reforços. Mas os homens que tanto queriam conquistar aquela praça depressa se aperceberam de que a empresa não seria fácil. O avanço dos ingleses e dos normandos teve uma consequência inesperada, de que nem mesmo eles inicialmente se aperceberam, mas que se viria a revelar decisiva para o desfecho da contenda. Nos terrenos conquistados encontrava-se, em amplos armazéns subterrâneos, a reserva de alimentos da cidade. Todos os cereais e vegetais, em enormes quantidades, deixavam agora de poder servir de alimento aos sitiados. Nos longos meses de cerco que se seguiriam, a fome, mais do que qualquer acção militar, ditaria a lenta agonia dos sitiados, que se aguentaram admiravelmente com tão rigorosa privação. Também os flamengos e os normandos não conseguiram esperar pelo dia seguinte. Entraram pelas estreitas ruas do lado oriental com rapidez e grande violência, acabando por se envolver em lutas corpo-a-corpo, e conquistaram sólidas posições.

IMPASSE Agora, as forças árabes haviam recuado para dentro das primeiras muralhas, pelo que tudo o que as rodeava estava em mãos cristãs. Significava isto que o caminho da vitória seria mais fácil? Puro engano. Ao longo dos dias que se seguiram tentaram os cristãos toda a espécie de ataques, rápidos e vigorosos, numa tentativa de des-

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gastar os sitiados. Estes, igualmente, faziam surtidas com a velocidade de um relâmpago, atacando fulminantemente e refugiando-se tão depressa quanto tinham investido. Se eram perseguidos pelas tropas aliadas, imediatamente uma chuva de flechas, pedras e todos os objectos capazes de agredirem caíam das muralhas sobre os perseguidores que subiam a encosta. Estes logravam, por vezes, chegar às muralhas com escadas, a fim de tentarem uma entrada na inexpugnável defesa mourisca. Mas os defensores acabavam sempre por incendiar as escadas, ou então lançar pez a ferver sobre os poucos temerários que se atreviam a subi-las. A demora começa a enervar profundamente os normandos, que começam a avaliar se não valeria muito mais a pena estarem nesse momento a saquear tranquilamente navios árabes nas águas do Mediterrâneo. Na verdade, todos concordavam que, atacando como estavam a atacar, jamais conseguiriam tomar o castelo. Tudo vai ser tentado. Constroem-se catapultas, na tentativa de bombardear as muralhas e assim abrir brechas. Chega a erguer-se uma torre com cerca de vinte me tros de altura, puxada por bois, na tentativa de anular a desvantagem que a altura proporcionava aos defensores. O enorme trabalho que deu construir estes engenhos foi destruído num ápice, quando os árabes os queimaram com um cerrado ataque de flechas incendiárias. Este facto desesperou ainda mais os sitiantes. E tão impotentes se sentiam, que chegaram mesmo a congeminar o plano de cavar um túnel que pudesse fazer entrar os homens no reduto dos muçulmanos. De novo a empresa

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se revela vã. Os homens que tentavam escavar o túnel eram imediatamente mortos pelos defensores, pelo que depressa se desistiu de tal ideia.

UM NOVO CURSO PARA A CONQUISTA A exasperação grassava nas hostes cristãs. Os dias passavam e não havia maneira de tomar Lisboa. Para se entreterem, dando vazão à sua frustração, as forças estrangeiras dedicaram-se à pilhagem, um pouco por todo o lado. Arrasaram os campos de Sintra, então ainda em mãos dos mouros. Atacaram perto de Almada, regressando a Lisboa com oitenta cabeças de inimigos espetadas em varas, que mostraram aos sitiados, os quais suplicaram a graça de os sepultar, o que lhes foi concedido. Do lado dos mouros talvez a esperança ainda residisse no auxílio dos seus irmãos de Palmela, Alcácer ou Évora. Mas tal socorro nunca veio e a fome começava a fazer muitas vítimas no interior do castelo. Quase duas centenas de milhar de pessoas, refugiadas muralhas dentro, definhavam a pouco e pouco. Para eles, a situação era desesperada, ainda que houvesse água em abundância. O desfecho da contenda acabaria, contudo, por acontecer. A oriente das muralhas, os alemães e os flamengos, os mais organizados sitiantes, começaram a escavar um grande buraco, um túnel, aproveitando a topografia do local, que os defendia dos projécteis inimigos. Conseguiram escavar até debaixo da muralha da alcáçova. Mas o ob-

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jectivo não era penetrarem na fortificação. Em vez disso, encheram o túnel de madeira, à qual lançaram fogo. O calor produzido pelo incêndio do material combustível foi de tal ordem que parte da muralha ruiu. Estava finalmente aberta uma passagem que só à força de homens podia ser defendida. Este feito, realizado a 16 de Outubro, mudou radicalmente o curso dos acontecimentos. Inicialmente os mouros defendem-se com excepcional valentia, batendo-se durante horas e repelindo os flamengos e os alemães.

VALENTIA SEM LIMITES Também os portugueses e os ingleses tinham retomado a iniciativa, construindo nova torre, mais alta que a primeira e defendida do fogo por um revestimento de couro cru e por um sistema de molha com água. A 21 de Outubro conseguem, finalmente, entrar dentro da almedina, abrindo as portas que deixaram entrar os primeiros cristãos. É neste transe que nasce a conhecida história de Martim Moniz, talvez de fundo lendário, na qual o fidalgo, atravessando-se entre uma das portas e a umbreira, não permitiu aos mouros que a fechassem, apesar de lhe ter sido cortada a cabeça. A posição dos sitiados estava perdida. CERCO DE

LISBOA,

por Roque Gameiro.

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Estala, entretanto, a discórdia entre os aliados. Os mouros haviam pedido tréguas, e como penhor das suas intensões, entregam alguns reféns a D. Afonso Henriques.


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Logo parte dos estrangeiros, sobretudo os normandos, se subleva, alegando que o combinado com o rei lhes dava a eles a guarda de reféns e respectivo resgate. Parece que D. Afonso Henriques teve uma das manifestações de cólera que caracterizavam o seu temperamento. Reúne os chefes estrangeiros e diz-se pronto a enfrentar pelas armas os amotinados. Só a prudência e a diplomacia dos chefes estrangeiros conseguiu evitar o pior, submetendo, com dificuldade, os seus encarniçados seguidores.

A carta a (de?) Osberto de Bawdsley Ao longo da sua presença no cerco de Lisboa, um cruzado inglês vai escrever a Osberto de Bawdsley um extraordinário relato dos acontecimentos, que permanece, pela sua rigorosa descrição, como um dos documentos fundamentais para a compreensão global da conquista de Lisboa. (Em rigor, não se sabe se a carta-relatório foi escrita a Osberto ou se foi escrita por ele mesmo: inicia-se por «Os'b. de baldr. R. salutem», o que não permite determinar quem foi o seu autor.) Aqui se transcrevem alguns excertos, vivos e de grande pitoresco, que nos dão bem conta da visão e da mentalidade medievais perante um acontecimento de tão grande transcendência. [...] Expedição a Almada. Represálias Sucedeu ... que certo dia alguns dos nossos passaram o Tejo

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para irem pescar do lado de Almada. Efectivamente, o areal daquela praia era mais favorável para os pescadores. Caíram sobre eles os mouros daquela zona, mataram bastantes e levaram com eles alguns cativos, cinco dos quais eram bretões. Os nossos ficaram indignados com isso e, discutido o assunto entre todos, foi decidido que duzentos cavaleiros com qui nhentos peões seriam enviados a Almada para a saquearem. À hora de fazerem a travessia, os colonienses e os flamengos, por má vontade ou por receio, ou por outro motivo que não conheço, retiraram os seus do nosso grupo para não atravessarem. Por essa razão, os normandos, os ingleses e os que se mantinham connosco e estavam do nosso lado, malogrados na constituição de grupo que abrangesse a todos, entregaram a expedição prevista a Saério de Archelle com uns trinta cavaleiros e uma centena de peões, para mais. Depois de terem matado em combate mais de quinhentos mouros, trazendo cerca de duzentos cativos e mais de oitenta cabeças, o que não deixou de ser motivo de grande alegria para os nossos e de grande abatimento dos inimigos, regressaram eles vitoriosos no mesmo dia, tendo perdido um apenas dos nossos. (...) Inicia-se a construção de uma torre móvel e a escavação de uma mina (16 de Outubro) É então que, por sua vez, os nossos se empenham mais no trabalho e se lançam a escavar um fosso subterrâneo entre a Torre e a Porta de Ferro, com o fim de deitarem abaixo a muralha. Porque estava demasiado acessível aos inimigos, ao ser descoberta depois de iniciado o cerco à cidade, foi extremamente danosa para os nossos, tendo-se gasto muitos dias a defendê-

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Traçado

-la sem êxito. Além disso, são levantadas pelos nossos duas

da muralha

balistas: uma, colocada junto à margem do rio era accionada

ou CERCA MOURA

pelos marinheiros, outra situada frente à Porta de Ferro esta-

(repare-se

va às ordens dos cavaleiros e dos seus acompanhantes. Es-

no antigo

tavam todos eles organizados em grupos de cem e, mal se ou-

braço do Tejo que

via o sinal para saírem os primeiros cem, outros cem entravam;

subia da

de forma que no espaço de dez horas tinham sido disparadas

Baixa até

cinco mil pedras. Acção desta natureza extenuava extrema-

ao Palácio da Indepen-

mente os inimigos. É então a vez de os normandos, os ingleses

dência).

e os que com eles se encontravam começarem a fazer uma torre móvel de 83 pés de altura. Os colonienses e os flamengos re-

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começam a escavar novo fosso subterrâneo frente à muralha da parte mais alta do castelo a fim de a deitarem abaixo; era uma construção de merecer elogios, com cinco entradas, com um pouco menos de 40 côvados de largura na frente, e concluíram-na em menos de um mês. (...) Desmoronamento dum lanço da muralha; avança a torre móvel. Minada, pois, a muralha e atafulhada com lenha para arder, nessa mesma noite, ao cantar do galo, um pano das muralhas de cerca de trinta côvados ruiu por completo. No entanto, já antes se tinham ouvido os mouros que estavam de vigia às muralhas gritarem angustiados que, para porem fim de imediato a um trabalho ininterrupto, estavam dispostos a partilhar o dia supremo com a morte e que não tinham medo de a enfrentar, mas seria para eles satisfação máxima se eles se trocassem a si mesmos pelos nossos. Na realidade, era fatal ir até um ponto de onde era inevitável não voltar; em boa verdade, se em qualquer parte a vida acabasse bem, não se diria que ela era breve; de facto, duraria quanto devia, não quanto podia e não seria contada por quanto tempo tinha durado, mas pelo modo como tinha corrido bem, e impor-lhe-iam apenas uma cláusula boa. Os mouros, pois, acorrem todos, cada de sua parte, a defender a brecha da muralha, tapando-a com uma barreira de cancelas. Foram então os colonienses e os flamengos e tentaram entrar, mas foram rechaçados. Efectivamente, embora a muralha tivesse ruído, a configuração do terreno impedia-lhes a entrada pelo simples aterro existente. No entanto, como não

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podiam atacá-los de perto, atormentavam-nos com o arremesso de setas incessantes e violentas, de tal forma que eles, para se defenderem e como que evitando não ficar feridos, ao manterem-se imobilizados, pareciam ouriços de espinhos. Assim se defenderam dos atacantes até à hora prima do dia, altura em que se retiraram para os seus acampamentos. Por sua vez, os normandos e os ingleses, que vêm armados para renderem os seus companheiros, aprestam-se para tomarem em primeira-mão a entrada aos inimigos que já houvessem sido feridos e estivessem esgotados. No entanto, ainda que impressionados com a vozearia, foram impedidos de o fazerem pelos comandantes dos flamengos e dos colonienses, os quais instavam connosco para que intentássemos a entrada, com as nossas máquinas, por onde quer que fosse possível, pois diziam que aquela abertura fora conseguida por eles e não por nós. Desta forma, porém, são rechaçados da entrada por todos os modos durante alguns dias. Finalmente foi levada a bom termo a nossa máquina de guerra, envolvida a toda a volta por vimes e couro de boi para evitar que fosse atingida pelo fogo ou pela violência das pedras. Foi além disso intimado a todos os dos navios que fizessem mantas de guerra e abrigos entrançados com varas. (...) O combate final Afugentados os inimigos da torre e da muralha, vizinha da nossa máquina, com a chegada da noite descansámos um pouco, tendo todos regressado ao acampamento, mas deixando de guarda cem cavaleiros dos nossos e cem dos franceses, com frecheiros e besteiros e alguns jovens ligeiramente armados.

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TOMADA DE

LISBOA

AOS

MOUROS, têmpora de Almada Negreiros, 1947.

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Ora, na primeira vigília da noite, a maré-cheia envolveu a máquina e impedia que os nossos tivessem caminho para sair ou para entrar. Tendo os mouros descoberto que a maré nos isolava, a pé, atacaram a máquina com duas companhias de homens através da dita porta, enquanto outros, em multidão inacreditável, por cima das muralhas, tendo acarretado materiais de lenha com pez, estopa e azeite com substâncias incendiárias de toda a espécie, começam a atirá-los à nossa máquina. Outros ainda lançavam sobre nós uma chuva insuportável de pedras. Havia, porém, debaixo das asas da máquina, entre ela e a muralha, um abrigo de vimes que em língua vulgar toma o nome de gato valisco, em que se mantinham sete mancebos da província de Ipswich que tinham trazido sempre esse abrigo atrás da máquina. Ali debaixo, juntamente com os que se encontravam em andares inferiores, alguns dos nossos procuravam, tanto quanto lhes era possível desfazer os materiais inflamáveis, mas em vão. Outros, por seu lado, tendo aberto covas debaixo da máquina e aí permanecendo, dispersavam as bolas de fogo. Uns, nos andares cimeiros, através de postigos regavam de cima os couros que se retesavam; aí havia uns renques de vassouras de cauda, pendentes da parte de fora, que molhavam toda a máquina. Os restantes, porém, dispostos em linha de batalha, resistiam com ardor aos que tinham avançado desde a porta. Foi assim a máquina defendida nessa noite em esforço digno de admiração, por um punhado dos nossos, sob a ajuda de Deus, sem grandes feridas, enquanto a maior parte dos mouros, pelo contrário, mais perto ou mais longe, tinham caído mortos.

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(...) A Lisboa mourisca rende-se aos cristãos. (21 de Outubro, terça-feira) Cerca, porém, hora décima, na baixa-mar, os nossos juntam-se na praia para aproximarem a máquina até quatro pés das muralhas e assim lançarem uma ponte com maior facilidade. A defender esta parte da muralha chegam os mouros vindos de toda a parte. Ao verem, porém, a ponte já içada uns dois côvados e nós já prestes a entrar, como se nem a vida viesse a ser deixada aos vencidos, gritam em grandes brados e, à nossa vista, depõem as armas, baixam os braços e suplicam tréguas, ao menos até ao dia seguinte. Intervindo Fernão Cativo, por parte do rei, e Hervey de Glanville, pela nossa, foram concedidas tréguas e recebidos logo de seguida cinco reféns, tendo sido acordado em como durante a noite não atacariam as nossas máquinas ou como eles, entretanto, não procederiam a qualquer reparação que revertesse em nosso prejuízo; além disso, durante a noite, deviam deliberar como é que nos entregariam a cidade no dia seguinte; se é que era assim que queriam decidir entre eles, pois, caso con-

ALCÁÇOVA

trário, o resto ficaria sujeito à sorte das armas.

CASTELO DE

S. JORGE.

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ALARGAMENTO PARA SUL

Iluminura de Simon de Beninc para a ÁRVORE GENEALÓGICA DA CASA REAL DE PORTUGAL, século XVI, onde pode ver-se uma panorâmica de Lisboa.

Afonso conseguiu, impondo a sua força e o poder real, meter na ordem todas as tropas aliadas. A 23 de Outubro de 1147 reúnem-se os chefes de todas as facções e juram fidelidade ao rei ao longo do tempo em que se encontrassem em território português.

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A RENDIÇÃO DE LISBOA É então estabelecida a ordem pela qual as tropas entrariam na cidade: à frente os ingleses e normandos, seguidos dos flamengos e alemães. A eles entregariam os mouros todo o ouro e bens de valor que possuíam. As casas seriam revistadas e, caso algo de valor fosse encontrado que não tivesse sido entregue, seria o proprietário punido com a morte. Os acontecimentos não decorreram exactamente como o previsto. Os flamengos e os alemães entraram primeiro, levando consigo, ainda por cima, mais que os 260 homens estipulados, aproveitando-se da brecha que haviam aberto na muralha; os normandos e os ingleses tiveram que se resignar com a segunda plateia deste deprimente espectáculo, onde os esquálidos e humilhados muçulmanos vinham entregar as riquezas que a sua comunidade acumulara ao longo de quatro séculos de domínio da cidade da foz do Tejo. Por fim, entraram os portugueses, com o arcebispo de Braga à frente, elevando nas mãos uma grande cruz. Por fim, entraram D. Afonso Henriques e os chefes estrangeiros. Mal findou a triste cerimónia de rendição e entrega do espólio, deu D. Afonso Henriques a tão aguardada liberdade de saque. Como loucos, os mercenários correram pelas vielas, matando, roubando o que ainda havia para roubar, violando as mulheres, entregues que estavam à demência de uma violência sem peias. A 25 de Outubro abrem-se as portas da cidade para, uma vez terminado o saque, deixar sair a pobre população

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AS PRIMEIRAS IGREJAS EM LISBOA: à esquerda, Capela de Santa Maria dos Mártires; dentro das muralhas, a Sé Patriarcal; à direita o convento de São Vicente de Fora

SÉ PATRIARCAL E O CONVENTO DE SÃO VICENTE DE FORA em representações do século XVI

que sobrevivera. Eram ainda milhares e milhares de almas, exaustas pela fome, abatidas pela desgraça e pela humilhação. Foram quatro dias de uma imensa procissão de pessoas que se diriam mortas-vivas, dirigindo-se, campos fora, para terras de mouros, onde se pudessem sentir seguros. A 29 de Outubro de 1147, exactamente quatro

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meses após o início das hostilidades, tudo estava consumado. A conquista de Lisboa era o maior feito bélico de D. Afonso I, e tinha uma importância estratégica enorme. Não apenas defendia todos os territórios a norte, como era a base de futuros ataques para o tão desejado Sul, de ricas praças e ainda mais ricos campos de cultivo. Lisboa era a chave para a consolidação de Portugal como nação.

APÓS A CALMA, NOVOS OBJECTIVOS Afonso Henriques toma imediatamente disposições administrativas e religiosas. Transforma a mesquita em igreja cristã, a actual Sé Patriarcal de Lisboa, designando o padre inglês Gilberto como o primeiro bispo da cidade, sob o domínio da igreja de Braga, doando-lhe a capela de Santa Maria dos Mártires, que os cristãos haviam começado a construir durante o cerco. Para si mesmo, como residência, Afonso I guardou o mosteiro de São Vicente de Fora, que igualmente se havia começado a construir. A seguir à conquista de Lisboa, todo o mundo muçulmano do Sul treme. A tomada da cidade e, sobretudo, a violência de que se revestira é rapidamente espalhada pelos fugitivos que se acolhem nas praças mouras mais próximas. A palavra tem o efeito da espada. Em Sintra, os habitantes e a guarnição, tomados pelo pavor do que lhes poderia acontecer, abandonam o castelo, que seria de muito difícil conquista. Aos cristãos bastou-lhes entrar por ali adentro. Com a tomada de Sintra, as posições

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cristã e moura ficaram delimitadas com clareza pela fronteira geográfica do Tejo. Palmela e Almada cairão por sua vez do mesmo modo, ultrapassando o jovem reino os limi tes transtaganos. Nas terras de Sintra, de Lisboa, de Santarém, a pouca população muçulmana que restou vai ficar confinada à servidão, trabalhando nos campos. Entretanto, D. Afonso Henriques interrompe o seu ciclo de conquistas. Dedica-se à administração do reino. Mas o seu temperamento, duramente forjado nos campos

FORAL DADO A

LISBOA,

em 1179, por D. Afonso Henriques.

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PORTUGAL EM MEADOS DO SÉCULO

após a conquista de Lisboa.

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XII,


de batalha, deve ansiar por novas conquistas, novas aventuras nas terras férteis que se avistam da torre do castelo de Palmela. O próximo objectivo tem um nome bem definido: Alcácer do Sal.

ALCÁCER Corria o ano de 1153. À época, Alcácer, nas margens do Sado, era uma das mais importantes praças mouras do Sul da Península, sendo um importante entreposto comercial de diversas mercadorias, entre as quais o sal, que lhe viria a definir o nome. Ora o castelo de Alcácer era considerado dificilmente possível de tomar pela força das armas. Mas, sabemos já, a obstinação era um dos traços de carácter do rei português, agora na casa dos quarenta anos. A obstinação e o ardil. Em vez de se rodear de poderoso exército, faz-se acompanhar de apenas sessenta homens. Deveriam tentar alguma manobra de surpresa, como em Santarém. Contudo, são emboscados e só com grande valentia escapam de uma luta desigual, obrigando os mouros a recuarem até ao castelo, que uma força tão reduzida não podia atacar, agora que o elemento de surpresa desaparecera. Ainda por cima, Afonso Henriques ficara ferido na peleja. Recua o rei, tratando das feridas do corpo e da alma. Iria ele desistir daquela cobiçada praça? Era não conhecer o seu carácter. Socorre-se de velhos métodos, já

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Restos da ANTIGA MURALHA DE

ALCÁCER.

experimentados. Envia o inglês Gilberto, bispo de Lisboa, à sua pátria de modo a arregimentar mercenários para a tomada de Alcácer. Mal chegaram os ingleses, Afonso Henriques juntou-os às suas tropas e correu a cercar Alcácer. Em vão. A defesa foi pertinaz e os ingleses, mais interessados nos proveitos de mercenários que no espírito de cruzada, em breve se desinteressam. Desistiria Afonso Henriques? Nem pensar! Aproveitando a presença de nova armada de cruzados em águas de Lisboa, no ano de 1157, o monarca faz uma proposta ao seu comandante, Thierry de Flandres. Essa proposta deveria, tal como na conquista de Lisboa, envolver bens materiais avultados e o direito de saque. Novo exército se reúne. E uma terceira investida organiza-se. E de novo a resistência é tão pertinaz que os homens desmoralizam, sobretudo os estrangeiros, que sonham com as riquezas do Oriente.

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Tanto pior, terá pensado Afonso Henriques. Organiza uma quarta tentativa de conquista de Alcácer, num cerco convencional apenas com as suas tropas. Mas é de tal modo cerrado o cerco, que nada entra ou sai das muralhas de Alcácer. Condenados à fome, os muçulmanos são, finalmente, derrotados, a 24 de Junho de 1158, no final de dois meses de duros recontros. A vingança de Afonso I é terrível. Furioso com tão denodada resistência, ele e as suas tropas matam todos os homens de armas que encontram e sujeitam o povo que vivia dentro das muralhas às piores atrocidades.

UMA PESADA DERROTA A resposta do mundo islâmico não podia tardar. Havia que pôr travão naquele ousado rei cristão, Ibn Herrik, como lhe chamavam. Abd-el-Mumem, emir de Marrocos, prepara uma poderosa força militar com quase 20 000 homens. Entram na Península, preparam-se em Granada e depois avançam contra os portugueses, comandados por Abu-Mohamed-Ibn-Hafss. Afonso Henriques trava a bata lha em campo aberto. Enfrentando o temível exército mouro, os cristãos são clamorosamente derrotados, perdendo mais de 6000 vidas e deixando enorme número de prisioneiros para trás. Só muito a custo Afonso Henriques e alguns dos seus homens mais fiéis conseguem escapar. Satisfeito, o emir de Marrocos pensou ter infligido definitiva lição ao impertinente monarca português, pelo

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que retirou as suas forças de volta ao Norte de África. Era não conhecer Afonso Henriques. Subestimá-lo foi sempre CAVALARIA MUÇULMANA.

a pior decisão dos seus adversários, como sabemos desde Afonso VII.

RUMO AO SUL Logo em 1162 consegue conquistar-se Beja para o lado português, seguindo a mesma táctica que tão bons resultados dera em Santarém. Tomada de surpresa, Beja caiu sem resistência. Nada parecia detê-lo no afã de conquistar novas terras para o seu reino. O objectivo seguinte

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era tão grande e tão importante como o fora Santarém, ou até talvez Lisboa. Évora, a rica cidade muralhada, na vastidão da planície, era agora motivo de cobiça. Mas como se haveria de conquistá-la? Neste ponto da história afonsina, os acontecimentos adquirem contornos de lenda. Na verdade a conquista de Évora não se deve directamente a Afonso Henriques, mas a um homem que fora de sua confiança e que Henriques tornara proscrito. Geraldo Geraldes, conhecido pela alcunha de «o Sem Pavor». Como se refere, tudo na conquista de Évora tem cunho lendário. E o que a lenda conta, em substância, é que o nobre Geraldo, oriundo de uma família da Beira, fora um dos mais valentes homens dos exércitos de Afonso Henriques. Tão destemido e corajoso se portava nas bata lhas que D. Afonso, ele próprio um valente militar, se mostrava espantado com tamanha desenvoltura guerreira, a ponto de o designar como «o Sem Pavor». Parece que, num desacato ocorrido na corte, Geraldo terá morto outro cavaleiro, sendo por esse acto sujeito a terrível castigo, possivelmente a pena de morte. Por isso fugiu. Na serra de Montemuro encontrou Geraldo refúgio para ele e para os seus homens, mandando inclusivamente construir um castelo próprio. E aí passou a viver, recorrendo certamente a algumas pilhagens e surtidas de armas para se alimentar e ao seu séquito, amealhando alguma riqueza em proveito próprio, cavaleiro feudal sem feudo nem rei que agora era. Em breve a sua fama de coragem começou a atrair toda a espécie de foragidos, bandoleiros, proscritos, aventureiros. Tinha à sua volta mais

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de 500 homens a cavalo e respectivos peões. Deveriam ser perto de 3000 os homens que rodeavam Geraldo, num exército privado que era já considerável e representava uma ameaça ao poder real.

GERALDO, O SEM PAVOR Para alimentar e satisfazer semelhante horda, a pilhagem e o saque tornaram-se frequentes, aterrorizando populações. Menos mal para o rei que Geraldo pilhasse mouros. Mas ele e os apaniguados faziam-no tanto às populações muçulmanas como cristãs. A posição política de Geraldo estava a ficar muito delicada. Geraldo sabia que aquele estado de coisas não podia continuar. Chegaria o dia em que a fúria de Afonso Henriques, a sua lendária cólera, viria cortar a cabeça daquela hidra que se espalhava em terras de seu reino. Mesmo valente, mesmo com um considerável número de homens, Geraldo Geraldes tinha clara noção de que jamais conseguiria vencer o monarca. Nem provavelmente o desejava. Mas como conseguir o perdão, em vez de ver a cabeça cortada? Então, o cavaleiro vai provar que não é apenas destemido, mas também tem cabeça. Congemina um plano que, a dar resultados, levaria D. Afonso Henriques não apenas a perdoar-lhe como, certamente, a cumulá-lo de honrarias.

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Reuniu então o foragido os seus homens. Não lhes revela o plano mas, com cinco dos mais fiéis companheiros, dirige-se às portas de Évora, o centro de uma vasta região que impedia ao rei cristão o domínio quase total do Sul. Geraldo, chegado a Évora, pede para falar com o alcaide da cidade. Este recebe-o com des confiança, sabedor das turbulências que este causava. Mas Geraldo tem uma ideia simples para lhe propor. Como ele, alcaide, sabia, D. Afonso Henriques odiava-o e perseguia-o, querendo a sua morte. Por isso, vinha propor uma aliança com o alcaide de modo a derrotar os exércitos do rei. Para o chefe mouro a ideia parecia agradável. E por isso o tratou com todas as honras, hospedando-o durante dois dias e, chave do plano de Geraldo, mostrando-lhe minuciosamente toda a cidade de que tanto se orgulhava. O cavaleiro aceitou de bom grado o trato gentil, e aproveitou bem a ocasião para identificar a fun-

GERALDO GERALDES, o Sem Pavor.

do todas as defesas da cidade, muralha a muralha, torreão a torreão.

AUDÁCIA SEM LIMITES Acompanhado até às portas da cidade pelo alcaide, Geraldo agradece e promete vir a cumprir os acordos feitos. E é com grande satisfação que regressa ao seu castelo. Ago-

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ra conhece a fundo Évora e as suas fraquezas. Reúne de novo os seus homens, em Novembro de 1166. Caminharam de noite, esconderam-se de dia. Chegados às proximidades de Évora, aquartelam-se, sempre escondidos. Então, sobe Geraldo sozinho a torre de atalaia, decapitando o guarda que nela se encontrava e defenestrando a filha deste, que se encontrava com o seu pai. Desce a torre e escolhe uma centena de homens para se aproximarem das portas da cidade, agora sem a vigilância do guarda. Então subindo de novo à torre, ateia um incêndio no seu alto, sabendo que este era um sinal dos mouros no caso de serem atacados. Alertado, o alcaide junta as suas forças e sai de supetão para fora das muralhas, deixando abertas as portas do burgo. E foi com este expediente que Geraldo «o Sem Pavor» à frente dos seus homens entra pela muralhas adentro, fechando as portas atrás de si e começando imediatamente a matar quem quer que se lhe apresentasse pela frente. Fechados do lado de fora, os mouros foram presa fácil dos restantes homens de Geraldo. Estava conquistada a riquíssima praça da planície, e o saque ocorreu instantâneo e brutal. Geraldo Geraldes não perde tempo. Manda imediatamente avisar D. Afonso Henriques da conquista da cidade, que lhe oferece, bem como um quinto do valor do saque, ao mesmo tempo que humildemente pede perdão pelos agravos passados. Evidentemente, D. Afonso I fica exultante. Perdoa Geraldo e nomeia-o alcaide-mor de Évora. O rei percebe imediatamente a extrema importância da conquista. Uma vez caída Évora, dificilmente resistirão as outras praças

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muçulmanas que a rodeiam, e que constituem os últimos bastiões do Sul. Rapidamente ruma para os territórios sarracenos, conquistando sucessivamente Moura e Serpa. Sem se deter, toma Trujillo e Cáceres e possui, agora, um importantíssimo território do que fora o Al-Gharb dos muçulmanos. El-rei de Portugal exulta. E ainda quer mais, na sua sede de conquista. É então que a sua cobiça se vai virar contra ele de forma tremenda.

D. AFONSO HENRIQUES.

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OCASO DE UM GRANDE REI

D. AFONSO I, REI DE PORTUGAL.

Com a morte de Afonso VII, foram os reinos de Castela e Leão divididos pelos seus dois filhos. Sancho, o primogénito, herdou Castela, enquanto Fernando toma conta de Leão, incluindo a Galiza e a Estre madura. Esta partilha teria consequências de monta para a sorte do monarca português.

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AFONSO GANHA UM GENRO Sancho vai gozar pouco tempo as benesses do poder. Em breve morre, deixando um filho varão de menor idade, Afonso VIII. Fernando, o seu irmão, parece encontrar a oportunidade de se apoderar dos territórios do irmão, exigindo a tutela do seu sobrinho, intento a que se opõem os nobres de Castela. Chegam a terçar-se armas, com o leonês a conquistar Toledo. Ora Fernando admirava profundamente D. Afonso Henriques e os seus feitos de armas, que haviam dizimado os sarracenos. E, jogando habilmente no terreno da política, percebe que terá todas as vantagens em aliar-se ao agora já idoso rei, fundamentalmente para ter um poderoso apoio no confronto latente que o instigava contra os castelhanos. Sendo solteiro, Fernando cobiça casamento com uma das filhas de Afonso I, propondo-lhe um encontro, que veio a realizar-se em Cela-Nova, no ano de 1160. É uma reunião frutuosa e de grande entendimento, prometendo o monarca português a mão de sua filha Urraca. O casamento veio a efectuar-se em 1165. Para Portugal, o entendimento não podia ser melhor. Ele confirmava, de facto, o estatuto de igualdade entre o novo reino e aquele de que fora vassalo. Com este casamento, Leão tornava um facto incontornável o estatuto de Estado independente do antigo condado rebelde. Ficaria sossegado o coração do velho combatente lusitano? Aceitaria ele de bom grado esta nova aliança com o vizinho e genro? Jamais se saberá o que passou pela

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cabeça do destemido guerreiro português. O que é certo é que, a pretexto da fundação de Ciudad Rodrigo levada a cabo por D. Fernando, D. Afonso I declara constituir esta uma ameaça. Acto contínuo ataca a nova urbe à frente das suas tropas, acompanhado pelo seu filho, o infante D. Sancho.

CARGA DE CAVALARIA COM LANÇAS.

E FAZ UM INIMIGO D. Fernando pasma. Estava a braços com sérias querelas com os castelhanos, mas não tem outro remédio senão vir impor respeito ao obstinado sogro. As suas for ças são muito mais poderosas que as portuguesas. Defrontam-se na batalha de Arganal e os portugueses são derrotados em toda a linha, sendo Afonso I forçado a fugir, deixando prisioneiros muitos dos seus, que logo D. Fernando, magnânimo, manda libertar.

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D. Afonso Henriques não vai apaziguar-se com a generosidade do genro. Bem pelo contrário. A história da sua vida demonstra até que ponto uma derrota o encarniçava ainda mais no desejo de vingança. Estava-lhe no sangue. Deste modo, reúne de novo as suas tropas, e ei-lo de partida em furiosa investida contra a Galiza. Quantas vezes já o fizera! De novo entra em Tui, onde as forças portuguesas arrasam tudo em volta, praticando enormes actos de crueldade. Continua a sua sanha conquistadora, de terra em terra, Galiza adentro, até que a paciência de Fernando se esgota e de novo vem sitiar as tropas do pai de sua mulher. Cerca os portugueses no castelo de Cedofeita, perto de Pontevedra. Os homens de D. Afonso Henriques acabam por se render, diz-se que por interpretarem como mau agoiro um raio que fulminou uma das torres, guarnecida de besteiros. E o que faz o monarca português? Dirige-se a toda a pressa para sul, tentando conquistar Badajoz, que pertencia a povos muçulmanos que se encontravam sob a protecção do reino de Leão. Chegado a Badajoz, acolitado pelo intrépido Geraldo Geraldes, «o Sem Pavor», Afonso

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Henriques depressa conquista e devassa a cidade, para grande ira de Fernando, que tem a obrigação de defender a população da cidade que à sua guarda se confiara. Com um ímpeto excepcional, Fernando II chega a Badajoz, onde um Afonso I impante, agora cercado mas nem por isso acobardado, sai ao campo para travar de novo batalha com as tropas leonesas. É completamente derrotado e, ainda mais grave para a sua honra e dignidade, parte uma perna ao cair do seu cavalo. Afonso Henriques, o primeiro rei de Portugal, encontra-se pela primeira vez em toda a sua vida prisioneiro, e logo do genro. Envelhecido, tolhido pela doença, o orgulhoso rei vai implorar pela sua liberdade, pedindo perdão pelos desmandos que provocara. D. Fernando mantém o sogro cativo durante dois meses. Depois, com uma demonstração de magnanimidade, concede-lhe a liberdade, a troco da entrega das terras tomadas, 20 cavalos de batalha e uma grande quantia em ouro. No total, Afonso Henriques foi obrigado a devolver 25 castelos ao rei leonês. Afonso Henriques regressa a Portugal na Primavera de 1169. Está agora com 60 anos. Nunca mais pode voltar a montar a cavalo, devido à perna que ficara para sempre inválida. Afirma-se mesmo que ficou confinado a uma cadeira. Vira-se o ancião para o filho Sancho, que contava dezasseis anos. Arma-o cavaleiro com essa idade. Nele deposita todas as esperanças, certamente convencido de que em breve chegaria a sua hora. Viveria, espantosamente, mais uma década e meia.

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D. Sancho I Segundo rei de Portugal, filho de D. Afonso I e de D. Mafalda. Casou em 1174 com D. Dulce de Aragão. Por volta de 1170 passou a comparticipar da administração pública, pois o seu pai estava doente. Após a morte de seu pai foi solenemente aclamado em Coimbra, em Dezembro de 1185. Foi um grande administrador, tendo acumulado no seu reinado um verdadeiro tesouro. Foi cognominado de o Povoador por, segundo Faria e Sousa, se ter dado à «reidificacion de lugares, cidades e castelos, fundando muitos de novo» e por ter «favorecido a agricultura». Conquistou Silves, que era na altura uma cidade com 20 000 a 30 000 habitantes e uma das mais ricas cidades do ocidente peninsular, e também Albufeira. Passou a intitular-se rei de Portugal e dos Algarves. Porém, Silves seria reconquistada pelos mouros, tal como Alcácer, Palmela e Almada, ficando apenas Évora na mão dos portugueses. Os laços que D. Afonso Henriques estabelecera com a Santa Sé foram quebrados e o conflito atingiu grande violência. D. Sancho I procurou furtar-se ao pagamento de um censo anual de 2 marcos-ouro estabelecido por seu pai, alegando que este já pagara 10 anos adiantados. O papa reclamou, dizendo que essa soma fora uma oferta e ameaçando-o com a ex comunhão caso não pagasse a dívida. D. Sancho I acabou por recuar e pagar a soma reclamada. Entretanto, surgiu novo conflito, certamente relacionado com as disputas pelo poder entre Santiago de Compostela e Braga. Este envolveu o bispo do Porto, D. Martinho Rodrigues,

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que pretendeu anular certas reformas levadas a cabo pelo seu antecessor. Os cónegos e o povo portuense revoltaram-se, com o apoio do rei, e as casas dos cónegos fiéis ao bispo foram saqueadas e as igrejas arrombadas. O papa Inocêncio III tomou o partido do bispo e excomungou D. Sancho. Este reagiu com violência, prendendo o bispo, saqueando e demolindo as suas casas, e respondendo ao papa de forma tão «pouco respeitosa e audaciosa» como só «os heréticos» o haviam feito, nas palavras do próprio Inocêncio III. No final da sua vida, D. Sancho I haveria de reconciliar-se com o papa, acatando as exigências dos seus delegados.

D. SANCHO I.

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A GENEROSIDADE DE FERNANDO II Sabendo da derrota de Afonso Henriques, e deseD. AFONSO

joso de vingar afrontas antigas, o emir de Marrocos prepara,

HENRIQUES.

a toda a pressa, um forte exército para invadir as terras portuguesas. Fá-lo com tal sucesso que chega até Santarém, a querida Santarém de D. Afonso I, e rapidamente a toma. Estamos no ano de 1171 e o velho guerreiro devia ferver, amarrado à cadeira onde era obrigado a repouso forçado. Devia estar a congeminar planos de contra-ataque, talvez sob o co mando de seu filho Sancho, quando mensageiros lhe trazem uma notícia a todos os títulos surpreendente. Fernando II acabava de entrar em terras portuguesas com um vasto exército, e dirigia-se para as zonas dominadas pelos mouros. O velho conspirador que Afonso nunca deixara de ser teme o pior. Certamente que o seu genro se queria aproveitar da fragilidade portuguesa e partilhar os despojos com os muçulmanos. Às pressas envia men-

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sageiros a Fernando II para se inteirar das suas intenções. Rogava-lhe que esperasse pelo menos ver-se ele livre dos infiéis para depois lhe poder dar combate. A resposta não se faz esperar e vai colher desprevenido o ardiloso conspirador que habitava em Afonso I. O rei de Leão ali estava, em terras portuguesas, para proteger o sogro e o seu reino! Incrédulo, o rei de Portugal meditava. No lugar de Fernando, é possível que tivesse feito exactamente o contrário. A generosidade do genro, após as afrontas que lhe fizera, deixava-o confundido. O rei de Leão, por sua vez, representou intimidação suficiente para que o emir Iussuf avaliasse imediatamente os riscos que corria e retirasse em boa marcha para os seus territórios. A integridade de Portugal estava, por enquanto, restituída.

A bula «Manifestis probatum» A 13 de Dezembro de 1143, pouco mais de dois meses após a conferência de Zamora, em que Afonso VII de Leão e Castela reconheceu o título de rei a D. Afonso Henriques, este último coloca Portugal sob a vassalagem do papa, recusando expressamente aceitar qualquer outro senhorio secular no território que administrava. Segundo vários autores, entre eles o jurista Prof. Freitas do Amaral, este acto – mais do que o reconhecimento do título de rei (para se proclamar imperador, interessava a Afonso VII ter

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A BULA MANIFESTIS PROBATUM, de 23 de Maio de 1179, pela qual o papa Alexandre III reconhece D. Afonso Henriques como rei de Portugal.

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sob a sua alçada alguns reis, o que não equivalia a abdicar de reclamar autoridade sobre eles) – corresponde a uma «declaração unilateral de independência». A reacção do papa Lúcio II foi cautelosa. Em Maio de 1144, na carta Devotionem tuam, aceita a vassalagem e o tributo anual de quatro onças de ouro e promete defendê-lo «do assalto dos inimigos visíveis e invisíveis», embora não o trate por rei, mas antes por dux. Só pela bula Manifestis probatum, de 23 de Maio de 1179, é que o papa Alexandre III «certificou» plenamente o direito de D. Afonso Henriques à coroa portuguesa, reconhecendo como seus todos os territórios conquistados aos muçulmanos.

OS PRIMEIROS FEITOS NAVAIS Embora não existam documentos históricos relativos à marinha militar portuguesa nestes anos, é de admitir que nos dez anos que decorrem entre a conquista de Lisboa e a de Alcácer do Sal, em que a actividade mi litar marítima na zona entre Tejo e Sado deve ter sido intensa, o número de galés portuguesas se tenha mantido, pelo menos, na casa das dez unidades. Também é muito natural que depois da conquista de Alcácer do Sal as acções de corso dos muçulmanos na costa portuguesa tenham diminuído. Subitamente, vinte anos mais tarde, provavelmente na Primavera de 1179, quando nada o fazia prever, entrou

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no estuário do Tejo a frota de Sevilha, num total de nove galés, sob o comando de Ganim ben Mardanis, que capturou duas galés portuguesas que estariam de vigia e assolou os arredores da cidade, regressando a Sevilha com um riquíssimo despojo. Na sequência deste ataque terá D. Afonso Henriques encarregado um fidalgo chamado D. Fuas Roupinho de rePormenor de iluminura do século XVI onde se vê

activar a nossa frota e reorganizar a vigilância costeira. Terá então este proposto ao rei uma acção de retaliação contra Sevilha, que mereceu a sua aprovação. E,

a cidade

possivelmente no Verão de 1179, largou do Tejo a frota por-

de LISBOA.

tuguesa, sob o comando de D. Fuas Roupinho, em que iria embarcado o príncipe D. Sancho, a qual, depois de ter saqueado Saltes, nas proximidades de Huelva, subiu o Guadalquivir até Sevilha onde destruiu várias galés muçulmanas e saqueou o arrabalde da cidade, regressando triunfante a Lisboa. Uma retaliação perfeita em relação à acção realizada meses antes pelos muçulmanos! Não se conformaram estes com a ousadia dos cristãos e logo no ano seguinte, 1180, ripostaram, enviando de novo a sua frota para a costa portuguesa, ainda sob o comando de Ganim ben Mardanis, ao que parece com ordem de destruir a frota portuguesa e, se possível, capturar D. Fuas Roupinho.

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ESTRONDOSA VITÓRIA Depois de, mais uma vez, ter saqueado o arrabalde de Lisboa, a frota muçulmana dirige-se para São Martinho do Porto onde desembarca a gente de armas que, por terra, se dirige a Porto de Mós, o lugar de residência de D. Fuas Roupinho. Porém, nas proximidades desta vila, os muçulmanos são derrotados pelas forças que D. Fuas conseguira apressadamente reunir tendo sido todos, muito provavelmente, mortos ou feitos prisioneiros. Entre estes últimos contava-se Ganim ben Mardanis. O que parece mais evidente é que na sequência desta acção a frota muçulmana se tenha recolhido a Alcácer do Sal, que era então a principal base naval dos árabes na costa ocidental da Península Ibérica, a fim de se refazer antes de seguir viagem para Sevilha. Por seu turno, D. Fuas Roupinho ter-se-á dirigido para Coimbra a fim de dar conta ao rei, que aí se encontrava, do desfecho do combate que tivera com os muçulmanos. Sabendo já D. Afonso Henriques das depredações que a frota de Ganim ben Mardanis tinha feito nos arredores de Lisboa e talvez até que a mesma se achava em Alcácer do Sal, ordenou a D. Fuas Roupinho que reunisse de imediato a frota portuguesa e fosse tentar destruí-la. É natural que D. Fuas tenha começado por reunir todas as galés que se encontravam nos portos do Norte e com elas se tenha dirigido para Lisboa onde se terá reforçado com as galés e a gente de armas que ali havia. Depois, a 15 ou 20 de Julho, saiu para o mar, com a intenção de se ir colocar sobre a barra do Sado. Porém, ao dobrar o

119


PORTUGAL EM

1185,

à morte de D. Afonso Henriques.

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cabo Espichel, tropeçou com a frota muçulmana que, por mero acaso, iniciava a viagem de regresso a Sevilha, envolvendo-se com ela numa encarniçada batalha. O número de galés portuguesas andaria à roda da dezena, talvez dez ou onze (conforme se poderá deduzir dos acontecimentos posteriores), o que daria a D. Fuas uma ligeira superioridade numérica sobre o seu adversário. Por outro lado é natural que as guarnições dos navios muçulmanos estivessem bastante desfalcadas e consideravelmente desmoralizadas com a derrota sofrida em Porto de Mós. Seja como for, a batalha terminou com uma vitória estrondosa dos portugueses, que capturaram todas as galés inimigas e entraram com elas triunfalmente em Lisboa. Segundo as fontes árabes, D. Afonso Henriques terá então conferido a D. Fuas Roupinho, como prémio pela vitória que alcançara, o título de almirante, o primeiro da história de Portugal.

Santa Cruz de Coimbra A partir de 1131, D. Afonso Henriques passa a residir normalmente em Coimbra e o mosteiro de Santa Cruz torna-se o centro espiritual da monarquia portuguesa. Coimbra não só do ponto de vista da estratégia militar era um centro mais bem situado do que os outros mais a norte do primitivo Condado Portucalense, como do ponto de vista religioso tinha uma

121


MOSTEIRO DE

SANTA

CRUZ de Coimbra.

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tradição de resistência moçárabe à imposição da liturgia romana. Em 1111, coincidindo com uma ofensiva dos Almorávidas, tinha havido um conflito grave na cidade, em que Martim Moniz aparece associado ao prior do cabido, Martinho Simões, chefiando os moçárabes numa revolta contra o partido dos «francos». Assim, também para pôr fim às antigas tradições moçárabes e impor a unidade religiosa (segundo a liturgia romana), Santa Cruz adquire uma importância capital. Afonso Henriques atribuirá a Santa Cruz de Coimbra, segundo José Mattoso, «direitos eclesiásticos em Leiria e de grandes domínios em todo o vale do Mondego, na faldas setentrionais da serra da Estrela e numa vasta área à volta de Coimbra». A igreja de Santa Cruz tornar-se-á o panteão da monarquia portuguesa e é lá que ainda hoje repousam os restos mortais do primeiro rei de Portugal.

O FIM DO GRANDE MONARCA Na corte, Afonso Henriques, o homem que erguera um reino à força das armas, definhava a pouco e pouco. Os últimos anos da sua vida foram dedicados à educação dos filhos. D. Sancho, em primeiro lugar. Desde os doze anos que o adestrava nas artes da guerra, e bastas vezes se fizera acompanhar pelo jovem em pelejas múltiplas. Com indisfarçável orgulho vira-o retornar de Sevilha carregado de tesouros conquistados. Aquele que seria para sempre conhecido como O Conquistador via no jovem San-

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cho um digno sucessor, capaz de manter a integridade da nação que ele criara. E nisso não se enganou. Totalmente dedicado à vida familiar, sofreu grande desgosto com a prematura morte de sua filha Mafalda, que estava destinada a casar com Raimundo Berenguer, conde de Barcelona. Desgosto idêntico ao que sofrera com a morte da sua amada esposa, que tão cedo o deixara. Urraca também já não habitava com ele, casada que estava com Fernando II, ainda que mais tarde a repudiasse, entregando-a ao convento. Restava-lhe Teresa, formosa e inteligente, a sua última grande companhia. Até essa filha se irá embora. Preso de amores por ela, Filipe, conde da Flandres, corteja-a e, após longas manobras diplomáticas, finalmente consegue convencer o velho rei a ceder, num acordo que se veio a revelar de grande importância estratégica para uma nação que, ao criar laços com outros Estados do Norte da Europa, se libertava da mitigada condição de reino encastoado num recanto peninsular. Já sem razões para viver, falece D. Afonso Henriques a 5 de Dezembro de 1185, com 74 anos de idade. Como infante governara 12 anos. Como rei, 45. Foi o rei com mais longo reinado na história de Portugal. Por seu desejo, sepultaram-no no Mosteiro de Santa Cruz, em Coimbra, ao lado de sua mulher. BRASÃO DE D. AFONSO HENRIQUES em pintura anónima do século XVIII.

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TÚMULO DE D. AFONSO HENRIQUES em Santa Cruz de Coimbra.

125


Pรกgina da CHRONICA DE D. AFONSO HENRIQUES.

126


CRONOLOGIA A PRIMEIRA IMAGEM CONHECIDA DE

D. AFONSO

HENRIQUES. Originalmente na igreja de Santa Maria da Alcáçova, em Santarém, está hoje no Museu do Carmo, em Lisboa.

127


CRONOLOGIA 1087

1105

D. Henrique e D. Raimundo

Pacto sucessório entre D. Raimundo

da Borgonha chegam à Península.

e D. Henrique, em que o primeiro se compromete, por morte

1090-01

de Afonso VI, a entregar-lhe

Casamento de D. Raimundo

o governo da Galiza ou de Toledo

com D. Urraca, filha de Afonso VI

em troca do seu reconhecimento

de Leão. Este entrega-lhe o condado

por D. Henrique como rei de Leão.

da Galiza.

Março Nascimento de Afonso Raimundes (que viria a ser

1096

o imperador D. Afonso VII).

Casamento de D. Henrique da Borgonha com D. Teresa, filha

1107

de Afonso VI. Este entrega-lhe os

Morte de D. Raimundo.

condados Portucalense e de Coimbra.

128


CRONOLOGIA 1126 Morte de D. Urraca e coroação de Afonso Raimundes como D. Afonso VII.

1109 (?) Nascimento de Afonso Henriques, filho de D. Henrique e de D. Teresa.

1112 Morte do conde D. Henrique.

1117 D. Teresa começa a usar o título de rainha.

129


CRONOLOGIA

1127 Cerco de Guimarรฃes por D. Afonso VII para submeter Afonso Henriques e obrigรก-lo a cumprir os deveres de vassalagem.

1128 Junho Batalha de S. Mamede, de que Afonso Henriques sai vitorioso.

130


CRONOLOGIA 1130 Morte de D. Teresa.

1139 Batalha de Ourique, com vitória

1131

de Afonso Henriques sobre os

Início da construção do mosteiro

muçulmanos; começa a utilizar

de Santa Cruz de Coimbra.

o título de rei.

1136 Egaz Moniz assume o cargo de mordomo-mor.

1137 Tratado de paz de Tui, entre D. Afonso Henriques e D. Afonso VII.

131


CRONOLOGIA 1143 Tratado de Zamora: Afonso VII, imperador de Leão e Castela, reconhece o o título de rei a D. Afonso Henriques. Afonso Henriques coloca o reino sob a protecção (vassalagem lígia)

1140

da Santa Sé. Ambos os aconteci-

Os mouros destroem o castelo

mentos contribuem para que este

de Leiria.

ano seja considerado como o da independência de Portugal.

1141 Recontro de Valdevez. Pazes entre

1145

Afonso VII e Afonso Henriques.

Casamento de D. Afonso Henriques

1142 Afonso Henriques recupera o castelo de Leiria.

132


CRONOLOGIA com D. Mafalda (ou Matilde),

1148

filha do conde Amadeu II de Sabóia

A conselho de D. João Peculiar,

e Piemonte.

arcebispo de Braga, Afonso Henriques restaura as dioceses

1147

de Viseu e Lamego, que haviam

Conquista de Santarém e – com

pertencido à metrópole de Mérida

a ajuda dos cruzados – de Lisboa.

e eram, por conseguinte, sufragâneas de Santiago de Compostela. Os bispos nomeados para estas dioceses são sagrados pelo arcebispo de Braga, o que leva aos protestos de Afonso VII junto do papa.

133


CRONOLOGIA 1158 Conquista cristã de Alcácer do Sal, com a ajuda de cruzados.

1153 Fundação em Portugal da abadia

1160

cisterciense de Alcobaça.

Afonso Henriques recebe em Tui o conde de Barcelona, Raimundo

1157

Berenguer IV, para negociar com ele

Morte do imperador Afonso VII

o casamento de seu filho Raimundo

e divisão dos seus estados. Início

com a princesa Mafalda.

dos reinados de Fernando II,

Afonso Henriques e Fernando II

de Leão, e de Sancho III,

de Leão encontram-se no mosteiro

de Castela, filhos de Afonso VII.

beneditino de Celanova, na Galiza,

134


CRONOLOGIA celebrando um acordo que restituía

as cidades de Trujillo e Cáceres.

a Fernando II a cidade de Tui

D. Afonso Henriques encontra-se

e o respectivo território.

com Fernando II de Leão em Pontevedra e selam novo acordo

1165

de paz.

Conquista definitiva de Évora por Geraldo sem Pavor; toma ainda

1166 Foral de Évora. Geraldo sem Pavor toma os castelos de Montánchez, Serpa e Juromenha; instala-se nesta última, assediando Badajoz. Fernando II de Leão casa-se com Urraca Afonso, filha de Afonso Henriques.

135


CRONOLOGIA

1169

1174

Desastre de Badajoz: Fernando II

Casamento de D. Sancho, filho

de Leão, aliado dos almóadas,

de Afonso Henriques, com D. Dulce,

aprisiona o rei de Portugal, que

filha de Raimundo Berenguer IV,

é ferido gravemente numa perna.

rei de Aragão.

O príncipe D. Sancho é chamado a participar na administração do reino.

136


CRONOLOGIA 1179

Iussuf, morre na sequência de um

Reconhecimento da independência

ferimento sofrido durante o assédio.

de Portugal pelo papa Alexandre III

A defesa da cidade é dirigida

(bula Manifestis probatum).

por D. Sancho, o herdeiro do trono

D. Afonso Henriques quadruplica

português.

o censo que pagava à cúria romana, pagando de uma só vez 1000 peças

1185

de ouro.

Morte de D. Afonso Henriques, primeiro rei de Portugal.

1184 Os Almóadas recuperam territórios até à linha do Tejo. Cercam Santarém, mas não conseguem tomá-la. O emir de Marrocos, Iacub

137


BIBLIOGRAFIA AMARAL, Diogo Freitas do, D. Afonso Henriques, Biografia, Bertrand Editora, Lisboa, 2002 AMARAL, Diogo Freitas do, «Quando se Tornou Portugal Independente?», in Factos Desconhecidos da História de Portugal, Selecções do Reader's Digest, Lisboa, 2004 DOMINGUES, Mário, D. Afonso Henriques, Romano Torres, Lisboa, 1970 CINTRA, Luís Filipe Lindley, «Sobre a Formação da Lenda de Ourique (até à crónica de 1419)» in Revista da Faculdade de Letras de Lisboa, 23, 1957 MATTOSO, José, História de Portugal, A Monarquia Feudal (1096-1480), vol. II, Círculo de Leitores, 1993 MATTOSO, José, Identificação de um País. Ensaio sobre as origens de Portugal: 1096-1325, vol. I, Editorial Estampa, Lisboa, 2.ª Edição, 1985 MATTOSO, José, «A primeira tarde portuguesa», in Portugal Medieval, Novas Interpretações, Imprensa Nacional-Casa da Moeda, Lisboa, 1985 MEDINA, João (coordenação), História de Portugal, Portugal Medieval, vol. III, Clube Internacional do Livro, Amadora, 1998 RIBEIRO, Orlando, «A formação de Portugal», in Dicionário de História de Portugal, coordenação de Joel Serrão, vol. V, Figueirinhas, Porto, 1992 SARAIVA, António José, A Épica Medieval Portuguesa, Ministério da Educação – ICALP, Lisboa, 1991

138


BIBLIOGRAFIA SARAIVA, José Hermano, História de Portugal, A Fundação, 1997 SARAIVA, José Hermano, Temas de História de Portugal, Raiz e Madrugada, vol. I, Círculo de Leitores, 1989 SERRÃO, Joaquim Veríssimo, Portugal no Mundo, nos Séculos XII a XVI, Verbo, Lisboa, 1994

139


FOTOS E ILUSTRAÇÕES Página 7, Arquivo Distrital de Braga/Universidade do Minho; páginas 10, 12, 15, 23 e 40, Catedral de Santiago de Compostela; páginas 19 e 35, Sé de Braga/IPPAR; páginas 24, 38, 58, 61 e 116, Arquivo Nacional Torre do Tombo; página 28, Mosteiro de Paço de Sousa/IPPAR; páginas 30 e 127, Museu do Carmo; páginas 50 e 95, Arquivo Histórico Municipal, Lisboa; página 53, Capela do Salvador, Terroso, Póvoa de Varzim; páginas 55 e 110, in «Camões e as Artes Plásticas»; página 65, Museu Militar, Lisboa; páginas 66, 91 e 118, Museu Britânico; página 74, gravura de Vieira Lusitano na obra «El Alfonso del Cavallero Don Francisco Botello de Morais y Vasconcellos», Lucae, 1716; páginas 84 e 96, Alexandra Paulino; página 89, desenho de Domingos Vieira Serrão e gravura de Ioan Schorquens, da obra «Viagem da Catholica Real Magestade Del Rey D. Filipe II N. S. ao Reyno de Portugal», por João Baptista Lavanha, Madrid, 1622; página 93, in «Perspectiva de Lisboa», de G. Braunio, século XVI; página 105, in «Elogios dos Reys de Portugal»; páginas 107 e 113, in «Lusitanorum Regum Icones Ordine Temporum Expositae»; página 124, Academia das Ciências; página 126, Biblioteca Municipal do Porto.

140


ÍNDICE

D. AFONSO HENRIQUES 7 A FORMAÇÃO DO

CONDADO PORTUCALENSE

34 D. Teresa, a mãe adversária 35 UM CONFLITO FAMILIAR

8 DOIS FIDALGOS DA BORGONHA 9 HENRIQUE DA BORGONHA GANHA FORÇA

39 BRAÇO DE FERRO

COM O REI DE LEÃO

11 UMA ALIANÇA DE CONVENIÊNCIA

40 UM PRIMO PERIGOSO

13 D. Henrique da Borgonha

41 UMA AMARGA MENTIRA

15 UM ESTRANHO CASAL

43 O VALOR DA PALAVRA DADA

16 VOLTAS DO DESTINO

44 TRAIÇÃO

18 IRMÃS DESAVINDAS

46 EXPIAÇÃO E PERDÃO 48 O JOVEM INTEMPESTIVO

21 O NASCIMENTO DE UM REI 22 ACONTECIMENTOS DRAMÁTICOS

51 Gonçalo Mendes da Maia, o Lidador

23 MAIS CONSPIRAÇÕES 26 A GÉNESE DE UM NOVO REINO 27 Egas Moniz

53 A INDEPENDÊNCIA

DE PORTUGAL

29 A EDUCAÇÃO DO JOVEM AFONSO

54 UM PACTO DE CONVENIÊNCIA

31 O NOVO REI DE LEÃO E CASTELA

55 O RECONTRO DE VALDEVEZ

32 SURGE UM LÍDER NATURAL

56 AFONSO VII CONFORMA-SE

141


ÍNDICE 58 REINO E REI, FINALMENTE!

99 UMA PESADA DERROTA

59 UMA RESPOSTA INSATISFATÓRIA

100 RUMO AO SUL

60 D. João Peculiar,

102 GERALDO, O SEM PAVOR

arcebispo de Braga

103 AUDÁCIA SEM LIMITES

62 O DESEJO DE CONQUISTA 63 A batalha de Ourique

107 OCASO DE UM GRANDE REI

64 SANTARÉM RECONQUISTADA

108 AFONSO GANHA UM GENRO

66 D. Mafalda, primeira rainha

109 E FAZ UM INIMIGO

de Portugal

112 D. Sancho I 114 A GENEROSIDADE DE FERNANDO II

69 A CONQUISTA DE LISBOA

115 A bula «Manifestis Probatum»

70 OBJECTIVO: LISBOA

117 OS PRIMEIROS FEITOS NAVAIS

72 ALIADOS PROBLEMÁTICOS

119 ESTRONDOSA VITÓRIA

73 EM MARCHA

121 Santa Cruz de Coimbra

75 PLANOS GORADOS

123 O FIM DO GRANDE MONARCA

77 IMPASSE 79 UM NOVO CURSO PARA A CONQUISTA

127 CRONOLOGIA

80 VALENTIA SEM LIMITES 82 A carta a (de?)

138 BIBLIOGRAFIA

Osberto de Bawdsley

140 FOTOS E ILUSTRAÇÕES 91 ALARGAMENTO PARA SUL 92 A RENDIÇÃO DE LISBOA 94 APÓS A CALMA, NOVOS OBJECTIVOS

97 ALCÁCER

142



GRANDES PROTAGONISTAS

DA HISTÓRIA DE PORTUGAL

O fundador de Portugal é uma personalidade paradoxal. Simples na determinação em consolidar e dar independência ao condado herdado de seus pais, é pelas armas, tanto quanto pela política, que atinge os seus intentos. Complexa pela multiplicidade de obstáculos que enfrentou: familiares, militares, diplomáticas, e pela constante inventiva que empregou para as superar. Figura primordial da nossa história, desde jovem se revela como um homem que tem um destino. E vai cumpri-lo, nem que para isso tenha de enfrentar a própria mãe. Com muito mais convicção enfretará Mouros e outros inimigos. Mas é nos intervalos da história, no que se pode perceber que tenha sido a sua vida pessoal, que se descobre um homem afectuoso e piedoso, bem diferente da imagem de um colérico que tudo e todos trespassa com a sua inauguradora espada. D. Afonso Henriques não constitui apenas uma referência de carácter «paterno» para os portugueses. É também um exemplo do génio e do temperamento de um povo singular, que irá permanecer uno e independente, contra todas as probabilidades da História.


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