Estórias Reais José Sepúlveda
BIOGRAFIA
Livros publicados:
JOSÉ SEPÚLVEDA, nascido
em Delães, Vila Nova de Famalicão, hoje a residir em Vila do Conde. Começou a escrever poesia cerca dos doze anos. No decorrer da sua carreira profissional trabalhou primeiro, como funcionário público e depois, durante 35 anos, como empregado bancário. Publicou em alguns jornais e revistas ao longo da sua carreira. Amante da literatura, administra os grupos do facebook Solar de Poetas,
Poetas Poveiros e Amigos da Póvoa, Casa do Poeta., SolarTv–Online, Solarte e Solar-Si-Dó
MEU VERSO, MEU BERÇO, MEU POEMA – 2014 PORQUE ELE VIVE – 2015 AKROSTICIS (ebook) PARTICIPA num elevado nú-
Frequenta a Universidade Sénior do Rotary Clube da Póvoa de Varzim, como aluno e orientando a disciplina de Iniciação à Informática. Apoia vários projetos literários, promovendo a edição de autores em início de carreira, organiza e participa com regularidade em Saraus e tertúlias, tem prefaciado alguns livros, apresentado e participado em lançamentos de antologias e livros de autor e outros.
mero de Antologias portuguesas, brasileiras e italianas. Tem PUBLICAÇÕES diversas em ebook (Issuu). A publicar em breve: SIMBIOSE, o Verbo e a Cor versão ebook (policromia) e versão impressa (ilustrada); O SEXTO SENTIDO, Caricaturas com Rima. Quadratúlia (quadras); … e agora, JOSÍADAS, Epopeia da Vida ESTÓRIAS REAIS (Josíadas II) GÉNESE, Retratos de Família AMOR-PERFEITO CANTARES DE AMIGO
AO JEITO DE PREÂMBULO
Estória Reais faz parte duma Triologia de ebooks que duma forma ou de outra relatam episódios da vida do autor, ora narrando a sua própria experiência de vida, falando dos amigos ou da família.
Josíadas, a Epopeia da Vida, conta-nos um pouco a minha história; Estórias Reais, Memorial do Tempo, fala-nos de lugares, de tradições, de momentos especiais ocorridos ao longo do meu percurso; Génese, Retratos de Família, fala-nos da origem da Família e dos elementos que constituem a minha estrutura familiar. Tudo narrado de forma poética, ora em sextilhas decassílabas (Josíadas), ora em pequenas histórias contadas sob a forma de soneto.
José Sepúlveda
Outros virão a seguir, com poemas dedicados aos amigos e à mulher que me acompanha no longo percurso da minha peregrinação. Sejam Bem-vindos
José Sepúlveda
José Sepúlveda
DELÃES
Envolta entre as aldeias lá do Minho, Delães, a promissora freguesia, Trilhava passo a passo o seu caminho Na senda do progresso e da harmonia.
DELÃES
A sua vasta indústria trazia Ao povo segurança em seu caminho E no labor, com raça e galhardia Passo após passo erguia seu cantinho. As fábricas de sedas, fiação, Garantes de trabalho, eram então A fonte de um viver feliz, fecundo. Bem cedo, laboriosa, toda a gente Saia do seu lar feliz, contente, Em força e paz para abraçar o mundo!
lugares
José Sepúlveda
A MINHA CASA
A MINHA CASA
Voltei à minha aldeia... Essa casinha Humilde e pequenina onde nasci Não existia mais - alguém a tinha Deitado abaixo... E nunca mais a vi! O quarto aonde vi a luz do dia Agora é rua! - A força do progresso! Não era bom aquilo que sentia E vê-la assim, não sei se o mereço. As salas, a de entrada, a de jantar, Os quartos, a cozinha, dão lugar A lojas de comércIo. Que fazer? Agora, penso assim com ironia: No meio duma rua parca, fria, Um dia eu haveria de nascer!
lugares
ARMANDO E GENINHA
José Sepúlveda
ARMANDO E GENINHA
Meu pai era alfaiate, um homem santo, Mãezinha era enfermeira, se dizia; Chamavam lhe enfermeira pelo encanto Que transmitia em tudo o que fazia. Vivíamos na aldeia. No entanto, Levado pela crise que fazia Meu pai foi procurar outro recanto Aonde reencontrar sua alegria. E foi para Lisboa. A vida dura Que ali foi encontrar tornou mais pura A relação que no casal havia. E, com suor e lágrimas, um Templo Aos poucos construíram para exemplo Das gerações vindouras, algum dia.
familia
MILAGRE DA VIDA
José Sepúlveda
MILAGRE DA VIDA
O sol já ia alto nesse dia E a D. Dália sai toda afanada Para assistir com rasgo e ousadia Dois partos ali mesmo junto à estrada. Com zelo imenso, ansiosa, se perdia De casa em casa, atenta e apressada P’ra ver qual a criança que nascia Primeiro nessa eterna madrugada. E quando essa senhora se ausentava, A pobre da Geninha, então, ficava, De mãos erguidas para o alto céu. Na outra casa, Rosa se esvaia Em dor, porque o rebento não paria... E pelas oito horas nasci eu!
família
José Sepúlveda
UM HINO À VIDA
UM HINO À VIDA
Andava o pai Armando e a Geninha Aflitos co'a doença do filhinho Que não comia nada, não retinha O alimento... Coisas do intestino! O médico lhes disse que não tinha Qualquer saída; fossem co'o menino, Em casa o aconchegassem na caminha Até que se cumprisse o seu destino. O pai Armando, triste, inconformado, Pegou no seu corpinho delicado E o saciou com chã de cavalinho... E aos poucos, a criança reagia, Abria os seus olhinhos e sorria Mostrando ao pai seu rumo, seu caminho.
familia
José Sepúlveda
O CONFESSO
O CONFESSO
Estórias Reais
Quando eu era ainda um pisco, Meus pecados fui levar Junto do padre Francisco Para Deus me perdoar
E o simpático velhinho, Oculto numa casinha, Perguntava com carinho Quais os pecados que eu tinha - Eu só digo merda e fonha-se... Depois, um gajo envergonha-se E não fala desta porra - Ai, meu filho, o que dizias! Reza vinte ave marias E deixa que a vida corra....
famiíia
QUINTA DAS AVES
José Sepúlveda
QUINTA DAS AVES
Como era bom! Canteiros verdejantes, Com rosas mil floridas, ruas, lagos Que em tardes de domingo os namorados Gozavam de mãos dadas, delirantes. Os patos e pavões engalanados Passeavam-se vaidosos no jardim Por entre acácias, rosas e alecrim E aves sem ter fim em mil trinados. Canários, pintassilgos, periquitos, Faisões e galinholas cujos gritos Entoavam pelos céus da nossa aldeia. E envolta em seu labor, a nossa gente Sorvia cada som alegremente Daquela suave e doce melopeia!
lugares
RIO DA MINHA INFÂNCIA
José Sepúlveda
RIO DA MINHA INFÂNCIA
Ó águas cristalinas do meu rio Que correm suavemente para o mar, Levai nossa amizade, o nosso brio, No vosso ininterrupto caminhar. E nesse deslizar brando e suave Que vão convosco, a força, a energia Vos sigam na corrente e assim, meu Ave Partilhem tanto amor, tanta alegria. E quando já no mar, num longo abraço, Se espalhem nesse grande, imenso espaço As águas do teu curso intenso e leve. E então, vais descobrir com alegria, Liberto de paixões e fantasia As sensações dum jugo imenso e breve.
lugares
José Sepúlveda
A BOMBA DO MEU TANQUE
A BOMBA DO TANQUE
Havia lá por trás do casario Um tanque enorme aonde se juntava A gente lá do bairro, ao sol, ao frio, Aonde toda a roupa se lavava. Às vezes, p'la tardinha, o mulherio Discretamente vinha e se banhava Sujeito a um olhar, um assobio, De algum mirone ousado que passava. E aquela grande roda que ao girar, Impulsionava a bomba a trabalhar, Fazendo sair água em turbilhão, Lançava a pequenada em euforia Ao vê-la jorrar forte, pura e fria Num fresco banho, em santa diversão!
lugares
José Sepúlveda
O COMPASSO
O COMPASSO
Dliimmm, dliimmm, ao longe já se ouvia A campainha à frente do compasso... Jesus ressuscitara e nos trazia Eterna liberdade em Seu abraço. O padre e toda aquela comitiva Pisavam lindas flores, verdes ramos Para provar em cada casa amiga Os bons petiscos dos paroquianos. E lá na mesa, amêndoas e fatias De queijo, de presunto entre iguarias, Tais como pão-de-ló, ovo cozido… E espargido o hissope em Seu louvor, Beijávamos os pés do Salvador Na argentea e fria cruz..., triste, ferido!
tradições
José Sepúlveda
NOVENA
NOVENA
Na torre da igreja toca o sino A anunciar a hora da novena E dentro do meu peito de menino A ânsia do perdão que Deus me acena. E eis-me a caminhar, qual peregrino, Ouvindo o sino, ao fim da tarde amena, Buscava nesse rito o são ensino Que punha a minha vida em paz serena. Os moços e as moçoilas lá da aldeia Sentem no olhar a alma que incendeia, Distribuindo flores de mão em mão. E ao som das ladainhas lá na igreja Levavam seu louvor. Louvado seja O Deus que habita em nosso coração!
tradições
José Sepúlveda
CORTEJO DE OFERENDAS
O CORTEJO
Estórias Reais
O povo lá da aldeia está em festa Com a nova Igreja... E rezam as calendas Que p’ra findar o pouco que ainda resta Precisos são Cortejos de Oferendas. E a freguesia logo fica cheia De gente a desfilar com galhardia Mostrando a sua fé em cada aldeia Co'as prendas que juntou naquela dia. Cerqueda, Salgueirinhos e Portela t Trouxeram tanta coisa doce e bela Urdida com trabalho, com labor. Depois, Delães de Baixo e Paraíso Num mar de gente, trazem o preciso E assim nasceu a Casa do Senhor!
tradições
José Sepúlveda
O MENINO JESUS
O MENINO JESUS
Estórias Reais
Noite de consoada. Num cantinho Da sala espalhávamos no chão O musgo do presépio e o Menino, Guardado para esta ocasião. Por cima tinha um grande pinheirinho Laivado com montinhos de algodão E ramos com bolinhas de azevinho Ou bolas coloridas de bombom. E na magia dessa consoada, t Confiantes, junto à arvore enfeitada, Deixávamos o nosso sapatinho. E quando a luz da aurora já raiava No despertar da curta madrugada, Corríamos às prendas do Menino.
tradições
José Sepúlveda
NATAL
Estórias Reais
Que frio! Cai a neve lá na aldeia... E os pequeninos correm ao quintal Em busca de pedrinhas e de areia Para o presépio deste seu Natal.
NATAL
E partem pelo vale, pelo monte, Colhendo musgos, líquenes, azevinho, À espera que a avòzinha venha e conte A história da vaquinha e do burrinho. E mesmo com as mãozinhas tão geladas, Constroem seu presépio... E animadas Co'as luzes que dão brilho ao seu redor, Revivem o Natal da sua aldeia E toda essa magia que rodeia A história do Menino Deus de Amor
tradições
José Sepúlveda
CEIA DE NATAL
CEIA DE NATAL
Estórias Reais
Sentado à mesa. O bacalhau, a couve, Regados com um molho especial... Olhei para os teus olhos, então, soube Que havia aqui chegado o Pai Natal... E pus-me a cogitar com meus botões: - Porque é que ela, a minha doce amada, Me vem encher de afetos, de ilusões, No despertar de cada madrugada? E ao mergulhar na senda desse amor, Eu descobri que seja porque for Tu és toda a razão da minha vida... Durante cada instante, nesse dia, Perante tanto doce e iguaria Tu foste a minha ceia preferida!
tradições
José Sepúlveda
DIA DE NATAL
DIA DE NATAL
É dia de Natal. Os filhos, netos, A casa vão enchendo. Essa alegria Dos filhos abraçar - tempos dilectos, Nos levam a sonhar num outro dia. De longe, lá da Serra da Lousã, Chega o primeiro, a prole em movimento; E de Vizela um outro nos virá Com netos p'ra alegrar este momento. E de Valongo chega outro rebento, Criando em todos nós o sentimento Solene da família reunida. É dia de Natal. Eu sei que um dia Iremos desfrutar desta alegria Nos braços do Menino, toda a vida!
tradoções
José Sepúlveda
MISSA DO GALO
MISSA DO GALO
É quase meia noite... O galo canta E os sinos já não param de tocar... E lá na aldeia o povo se levanta E o Menino Deus vai adorar. E nessa devoção o que me encanta É ver tanta alegria pelo ar E, no silêncio, a paz na noite santa Descer dos altos céus a cada lar. Repicam sinos como ao desafio E a gente alheia à noite, à chuva, ao frio, Devota, vai cumprir a tradição... E quando o rito acaba, toda a gente Regressa para o lar feliz, contente, Com seu Menino Deus no coração!
tradições
José Sepúlveda
TEMPOS DE MENINO
TEMPOS DE MENINO
Como era bom correr por entre o mato, Espinho aqui, um outro mais além, Atrás do gafanhoto ou do lagarto E andar o dia todo num vai-vem Descalços, sem canseira ou embaraço, Na nossa correria espavorida Levávamos a força do abraço E o grito de louvor à própria vida Se havia algum enxame ou formigueiro, Passávamos ali o dia inteiro A ver essa energia, esse labor... E ao fim da tarde, ao vir p' ra nossas casas, À porta, a mãe abria as suas asas Num longo abraço, pleno de dulçor!
momentos
José Sepúlveda
A GALINHA
A GALINHA
Estórias Reais
Havia uma galinha lá em casa Que andava no terreiro a esgravatar E à hora do almoço dava a asa Voando para a sala de jantar. Depois co'a cabecita feita em brasa Na sala se aninhava a esperar; De tudo o mais, fazia tábua rasa, À espera que meu pai visse chegar E logo que chegava e se sentava, Então, arregalada, ali ficava À espera, redobrando a atenção.
Meu pai batia as mãos e, de repente, Saltava p'ró seu colo e, feita gente, Com ele partilhava a refeição.
amigos
José Sepúlveda
SENHORA DAS CANDEIAS
SENHORA DAS CANDEIAS
Corria o mês de Maio... Toda a gente Se reunia à berma da estrada Em profissão de fé firme, presente E no seu coração enraizada. De tarde, o povo com seu zelo e brio, Subia nos beirais com tal canseira E com malguinhas, sebo e um pavio Iluminavam nossa rua inteira. A Procissão juntava-se no Adro, Seguia povoado a povoado A espalhar a fé por toda a aldeia, E a nossa gente, em pura devoção, Levava uma candeia em sua mão Ao som de linda e suave melopeia!
tradições
BIBLIOTECA GULBENKIAN
José Sepúlveda
BIBLIOTECA GULBENKIAN
Naquele tempo, eu era um rapazito Que andava por ali a cirandar No meu espaço curto, circunscrito, Aonde Armando estava a trabalhar. Pela tardinha, uma carrinha enorme, De um cinza tosco, vinha e então parava No pequenito largo, assaz, disforme, Que havia ali de fronte para estrada. Era a Biblioteca Itinerante, Um modo criativo, interessante, De dar ao povo, à gente, outro sentido. E na carrinha, alfobre de cultura, Que incentivava ao gosto p'la leitura, Eu encontrava o meu primeiro livro.
momentos
BUCHA DO POBRE
José Sepúlveda
BUCHA DO POBRE
As noites eram longas. Manhãzinha Eu despertava. A mente não mais dorme. Num ápice saltava da caminha Na ânsia dum abraço, forte, enorme! O professor Fernandes já lá tinha Aquela mesa grande, farta e cheia Com pão, manteiga e leite que nos vinha De longe para os pobres lá da aldeia E quando terminava, minha gente, E antes de ir p'rá escola, lá na frente Da casa desse velho professor, Dançávamos, felizes, sem parar, Cantigas da raiz mais popular Sorrindo e partilhando um grande amor.
momentos
José Sepúlveda
O CATITINHA
O CATITINHA
A farta e branca barba se estendia Ao longo do seu peito e a pequenada Gritava em alta voz e lhe sorria Seguindo atrás de si muito agitada. E o meigo Catitinha a conduzia Tão cheio de alegria pela estrada, E lá nos carvalhais os reunia E a sua triste história lhes contava. Com lágrimas nos olhos lhes dizia Que pela madrugada, certo dia, Perdera a filha amada num repente. Para esquecer desgosto tão profundo Qual pária, partira pelo mundo Levando amor e paz a toda a gente.
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José Sepúlveda
O AMOLADOR
O AMOLADOR
Estórias Reais
Ao longe já se ouvia a melodia Anunciando ao povo, a toda a gente, Que o tempo vai mudar e prenuncia Que a chuva vai chegar rapidamente. E o seu engenho, um rasgo de magia, Instala num instante à nossa frente E facas e tesouras ele afia Com precisão de mestre, diligente. E chega o guarda-chuva, a malga, o prato, t Terrinas em faiança... E ao desbarato Do velho ele faz novo num momento. E ei-lo assobiando... Eis senão quando, Lá vai de rua em rua anunciando As voltas deste tempo em movimento..
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José Sepúlveda
O PETROLINO
O PETROLINO
Estórias Reais
Seguia o petrolino atarefado, De terra em terra , numa maratona, Levando, ao som da gaita, ao seu mercado, Petróleo, azeite, óleo e azeitona. O seu cavalo russo, bem treinado, Cumpria à perfeição essa rotina; Parava aqui, ali e noutro lado E, calmo, se retinha em cada esquina. Atrás de si, em cada contentor t Levava o seu produto e, com rigor, O petrolino abria uma torneira. Naquela, tinha o azeite, ali petróleo, Do outro lado, a azeitona, o óleo, Que davam luz e vida à terra inteira.
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José Sepúlveda
O TECELAO
O TECELÃO
Estórias Reais
Ele era o tecelão que noite e dia Cuidava do tear, urdia a trama, Deixando para traz sua alegria E uma bela esposa, só, na cama.. E quando pela noite escura e fria Um estridente som o acorda, o chama, Deixava para traz a cotovia E então corria pela estrada insana. Com zelo, olhava para o cone infindo Que lentamente ia-se esvaindo Volta após volta, cheio de incerteza. E olhava atento aquela trama fria Mas nesse espaço escuro apenas via Um naco de pão duro à sua mesa.
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José Sepúlveda
PEDREIRA, O BARBEIRO
PEDREIRA O BARBEIRO
Pedreira, um homem alto e elegante, Era o barbeiro ali ao nosso lado... Pessoa muito amável, bom falante E para os seus clientes educado. Ao ver-me, me abraçava o bom gigante... E aquele abraço longo e apertado Me dava a sensação de alguém distante Que um dia acalentou no seu passado. E pela tarde a sua barbearia Se enchia de pessoas. E a alegria Ali se partilhava em liberdade. E eu via em cada corte de cabelo A vida a ressurgir, quicá, o anelo De quem procura amor, felicidade!
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José Sepúlveda
GONÇALO E O BURRO
GONÇALO E O BURRO
Gonçalo era ajudante de padeiro E andava de carroça co' o burrico Com pão da padaria do Ribeiro P'ró povo lá da aldeia... O mafarrico... O mafarrico, sim, que o trapaceiro, Se o burro se quedava, dava um grito, Pegava no seu pau de marmeleiro E enfiava-o no cu do animalzito... E o pobre burro urrava, escoiceava, E toda aquela gente criticava A falta de pudor, o gesto imundo... Depois, chicote em riste, lá seguia E feito burro, alegre, lhe batia Altivo no seu trono vagabundo!
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José Sepúlveda
ANTÓNIO
JOAQUIM
Na minha aldeia um homem diferente Chamado Monsieur de La Palisse, Cumprimentava a gente amavelmente Pelo seu nome, como se a visse! Seus olhos, a bengala que trazia, Mostravam todo o mundo ao seu redor; Nao sei se era feliz, mas parecia Viver com muita paz, com muito amor. Engraxador seria esse ceguinho; E ao limpar sapatos com carinho Deixava-os a luzir de tanto brilho. À musica entregara o coração... Com todos partilhava essa paixão, Co'as latas de pomada, esse andarilho
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José Sepúlveda
PRIMEIRO AMOR
PRIMEIRO AMOR
Estórias Reais
Na minha infância, aos sábados de tarde, Delães-de-Baixo estava sob mira; O coração palpita, a alma arde, Pra ver essa menina que me inspira... Seu rosto era rosado, o olhar singelo, Os seus cabelos negros a cair Ao longo dos seus ombros e era belo O seu tão meigo olhar, sempre sorrir! Olhar furtivo, um ar apaixonado Expresso num sorriso delicado, Revive em meu olhar e tem ainda Essa magia imensa, o mesmo ardor Que fez de si o meu primeiro amor Por ser risonha, alegre, linda linda.
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José Sepúlveda
NA ALFAIATARIA
NA ALFAIATARIA
Estórias Reais
O pai Armando andava na oficina Talhando um par de calças, um casaco.. Era alfaiate e todo o que ali vinha Parava e conversava com bom trato Joaquim, um homem cego, ali surgia À tarde, de um lugar que não preciso... E lindas melodias nos trazia Em cândidos poemas, de improviso. Usava umas caixinhas de pomada... E com essas caixinhas nos cantava Cantigas populares com destreza. E toda a gente, alegre, acompanhava; E mesmo quem passava ali na estrada Parava, ouvia e olhava... Que beleza!
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José Sepúlveda
ANJO LINDO
ANJO LINDO
Essa menina frágil se estendia Ali na dura palha dum colchão, Ao brilho da candeia que insistia Em dar mais luz à sua escuridão. Rendida ao tempo, ali permanecia Lutando contra a sua condição; Tuberculose, sim, ela sabia Que não havia outra solução. Aonde estás, gazela espavorida Correndo com fulgor, cheia de vida, Em mananciais de paz e de alegria?.... ... ... Dormindo agora em teu vestido de anjo, Vais renascer nos braços de um arcanjo, Vencida a morte e a dor...naquele dia!
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José Sepúlveda
PACHANCHO
PACHANCHO
Estórias Reais
O pai Armando tinha uma Pachancho Na qual corria o mundo e arredores, Gostava de ouvir bandas ou um rancho, Quem sabe, procurar outros amores. Ele e os amigos iam tão felizes De terra em terra e em cada romaria Lançavam as primícias, as raízes, Quem sabe, de um José, de uma Maria Em Fafe, em Pevidém ou Guimarães, As bandas de Revelhe e de Bulães Tocavam no mais puro desvario. E, já noitinha, Armando e seus amigos Voltavam para casa, ressarcidos, Com forças para um novo desafio.
momentos
José Sepúlveda
A MATANÇA DO PORCO
A MATANÇA O PORCO
Havia lá na aldeia a tradição De a certa altura um porco se matar E quando o bicho vinha, estava à mão O banco, o colmo, a faca, o alguidar. E ei-lo ali deitado, patas presas Em lânguido torpor até final Depois, tochas de palha bem acesas E assim se chamuscava o animal. O bicho bem berrava, bem grunhia, Mas todo o povo assim se divertia Seguindo aquela antiga tradição. E ao chegar a hora do bom vinho A broa, as azeitonas e o toucinho, Comião até mais dizer que não.
tradicoes
José Sepúlveda
ALTA TENSÃO
ALTA TENSÃO
Estórias Reais
Andava a nossa malta pela bouça Atrás do passaredo o santo dia. Se não havia pássaros, na poça Havia rãs. E assim se divertia. Um dia, desabrida, aquela tropa No poste elétrico de alta tensão, Com ar matreiro, olhava cada copa Ansiosa para as ver cair no chão! E essa mente torpe, desastrada, Com fisgas ou sem fisgas, ensaiava Naquele poste a sua pontaria. Na muche! Eis uma copa que caía... E logo um rapagão se contorcia Gritando, ao ver seu ombro que sangrava!
momentos
José Sepúlveda
PAPAS DE MILHO
PAPAS DE MILHO
Estórias Reais
A máquina a petróleo já se ouvia Lá na cozinha. Era a tia Esperança Que co'a colher e um cheiro a malvasia Mexia com prazer e confiança O panelão enorme ali fervia Co'as couves, co'a farinha e à nossa gente Na boca, um rio de água já nascia À espera desse manjar excelente. E nesse panelão, de quando em quando, Pra termos a ilusão de que tinha frango, Juntávamos vinagre, um só bocado. Depois de saborear um tal pitéu, Erguíamos os braços para ao céu Num gesto de louvor: - Muito obrigado!
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José Sepúlveda
ESPERANÇA PERDIDA
ESPERANÇA PERDIDA
Estórias Reais
Andava um figurão ali á volta Na esp'rança de Esperança aparecer; Em casa a rapariga andava envolta Em tramas e mistérios para o ver. Mas logo o seu irmão, quase em revolta, Saia do trabalho e ao saber Que andava por ali diabo à solta Com varapau na mão vinha a correr. E o pobre amante, ao ver se perseguido, Fugia velozmente, espavorido, Faminto de ternura e de afeição . Sofria aquela pobre rapariga, Ao ver escancarada a sua vida E assim ver-lhe fugir sua paixão!
momentos
José Sepúlveda
TEU PAI ERA CARECA?
TEU PAI ERA CARECA
Estórias Reais
Teu Pai era careca? - Se dizia: - Não era? - De repente então ficou! E foi nesta inocente fantasia Que a gente pequenina se criou. Havia nesse gesto uma alegria Que, qual magia, em lenda se tornou; E o dente-de-leão se esvaía E nem um estilete nos deixou... - Teu pai era careca? - Se não fosse, t Aquele entretimento leve e doce Perdia o seu sentido, o seu humor... E toda a pequenada, nesse tempo, Geria cada impulso e num momento: - Teu pai era careca sim senhor!
momentos
José Sepúlveda
INFÂNCIA
INFÂNCIA
Por trás daquela casa onde vivia Tinha um terraço em toda a extensão E com amigos meus passava o dia Na Primavera, Inverno, Outono ou V'rão Co'as coisas mais comuns me divertia; A roda, o João-Barqueiro ou o pião, O esconde, o escoço e quando apetecia, A flecha, o arco, a malha e o botão. E ao fim da tarde, fartos e cansados Voltamos pra casa emporcalhados, Felizes e sorrindo com prazer. A fome nos chamava para a mesa E, saciados, ter essa certeza De um sono suave e um novo alvorecer!
momentos
José Sepúlveda
A VELHA
A VELHA
Eu era um rapazito. No terraço Havia uma saída p'ró caminho, Sem porta, sem ferrolho e um coxinho Onde vivia a velha em curto espaço. Tinha uma forma estranha de trajar Pois numa saia negra se envolvia; No casinhoto tão rudimentar Nem luz, nem água, nem lavabo havia. Quando a velhota qu'ria aliviar, Vestia a longa saia, devagar Saía da cozinha e lentamente. Em frente ao galinheiro se quedava. E ali, de olhar subtil e saia alçada Aliviava a tripa à nossa frente.
pessoas
José Sepúlveda
SAÍDA SECRETA
SAÍDA SECRETA
Estórias Reais
Em casa do meu pai tinha um recanto Peculiar e muito especial Que, rodeado de mistério, encanto, Não provocava dolo ou qualquer mal Eu nunca compreendi. Mas, no entanto, De tanto olhar, um dia descobria Atrás da porta , oculta lá num canto Das tábuas do soalho uma mexia. Com mil cuidados, lento, me baixei E essa tábua solta levantei Devagarinho, sem ninguém notar Entrei nesse buraco e, de repente, Eu vi-me a rastejar e, qual serpente, Num ápice ao terraço fui parar
momentos
José Sepúlveda
NO INVERNO
NO INVERNO
Estórias Reais
O inverno rigoroso que fazia Não permitia andar pelo terreiro; O nevoeiro, a brisa, a chuva fria Prendiam-nos em casa o dia inteiro Às vezes ia ao talho e conseguia Aparas p'ra petisco no braseiro Grelhávamos com gosto essa iguaria Que se comia com bom pão caseiro E para acompanhar a patuscada A minha tia esp'rança preparava Um panelão de papas bem cuidada E a noite ia chegando lentamente Ate que saciada toda a gente Deitava-se a dormir refastelada.
momentos
José Sepúlveda
OS FAVECOS
OS FAVECOS
O Gomes e a Mercedes, os Favecos, Viviam lá no Bairro do Noé Com todos os seus filhos e uns tarecos Passando às vezes tratos de polé. Mercedes, Glória, Linda, La Salete, Artur, Manel e Jorge, longo rol, Anibal, Joaquim. Dama e Valete Juntinhos no seu ninho ao pôr-do-sol. Como operários, ambos trabalhavam E, ao crescer, os filhos lá levavam Também p’ra trabalhar, mas escondidos. O Gomes suas mágoas esquecia Na Tasca do Ribeiro, ao fim do dia Bebendo um copo tinto co’ os amigos.
pessoas
José Sepúlveda
MEU RIO
MEU RIO
Aonde está o rio de águas frescas Que vinha lá da Serra da Cabreira Perdido entre as arribas e giestas, Com seu frescor, na tarde prazenteira? Nos antros da memória, as mesmas pescas Da minha infância. Ingénua brincadeira, Um jogo ao faz-de-conta, entre as cabrestas Que vinham lá beber a tarde inteira! Agora, vejo um rio poluído Que desce lentamente, condoído, Na sua eterna marcha para a foz... E no seu manto imenso e colorido, Com grande amor e mágico sentido, Partilha um doce olhar com todos nós!
lugares
José Sepúlveda
MEU RIO LINDO
MEU RIO LINDO
Não é desse meu rio vos falo... O cheiro a alfazema e a perfume Partiu há muito tempo e eu não calo A minha dor à qual não sou imune. Não vi a boga, o barbo e o escalo Desenfreados todos em cardume... Apenas vi um charco imundo e ralo Fedendo a peixe morto e a estrume! O rio cristalino, fresco e puro Desliza em turbilhão, lento inseguro Para o seu mar ainda lá distante... E em sua mancha espúria arrasta ainda Um manto de verdura fresca e linda Que o segue num cortejo agonizante!
lugares
HISTÓRIAS REAIS
LUAR DE AGOSTO
LUAR DE AGOSTO
Luar de agosto, a eterna melopeia De sons e de zumbidos pelo ar, Insetos a voar na noite cheia, De ralos e de grilos a cantar! Nas noites de verão, depois da ceia, Com tempo soalheiro e ao luar, Em grupos, os amigos lá da aldeia Juntavam-se na rua a conversar... Momentos de convívio, tempos ledos, Ali bem perto nuvens de morcegos Esvoaçando em seu estranho rito... E no calor de noites tão singelas Olhávamos a lua, um céu de estrelas, Gesto de amor do Deus do infinito!
momentos
José Sepúlveda
PAPAS DE MILHO ii
PAPAS DE MILHO (2)
O tempo era difĂcil... A Geninha Virava-se a fazer papas de milho Com couves do quintal - era o que tinha Pra alimentar um filho e outro filho. Casal mais cinco crias e uma tia Pra alimentar vestir e educar Bem pouca alternativa conseguia E cada coisa sempre a ponderar. Nas papas, pedacitos de redenho Pra dar algum sabor. Mas com que empenho, A todos, com amor, distribuia. E, nessa paz perene, toda a gente Comia regalada, indiferente A toda essa carĂŞncia que existia
momentos
José Sepúlveda
QUANDO EU ERA MENINO
QUANDO ERA MENINO
Quando era pequenino tive amigos Com quem cresci no campo ao-deus-dará Mais protegidos ou desprotegidos, Eis-nos brincando em força p'la manhã. De joelhos, observávamos formigas Naquele seu constante labutar; Seguíamos lagartas atrevidas Que ousavam nosso olhar desafiar. 'Scondidos, vigiávamos os ninhos Tentando ouvir chilrear os passarinhos Que as mães alimentavam com dulçor. E olhávamos a abelha, a libelinha, A borboleta em voo, tão sozinha, Deixando um suave beijo em cada flor!
momentos
José Sepúlveda
O CALÇÃOZITO
O CALÇÃOZITO
Aquela professora esbelta, linda, Que enquanto era criança me ensinava Tinha um filhinho jovem e que ainda Andava de calções como eu andava. Meu pai era alfaiate e na oficina Encomendou calções para o seu filho Mas o trabalho às vezes não afina E eis-nos envolvidos num sarilho. Meu pai, não tendo o calçãozito feito, Pediu-me lhe levasse de algum jeito Um outro pra a servir naquele dia. Mas esse recadinho me passou E foi na confusão que se gerou Que a professora, rindo, o devolvia.
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José Sepúlveda
O INCÊNDIO
O INCÊNDIO
Andávamos na bouça em alvoroço Brincando àquele jogo das pedrinhas E o Mingos tira uns fósforos do bolso Acende e diz: - Só ardem as palhinhas! Mas de repente tudo se incendeia E nós, apavorados e aos gritos, Vimos chegar o povo lá da aldeia Com pás, sacholas, baldes, muito aflitos. O Gomes, o carteiro, bem disposto, Saltou da bicicleta e a seu gosto O fogo combateu cantarolando... Chegaram os bombeiros... Num instante, O incêndio é dominado... Doravante, Tornámo-nos heróis... em lume brando!
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José Sepúlveda
O POLVO
O POLVO
Ao ver aquela câmara vazia, Meu pai encheu-a bem. Ei-la por fim Metida em tosco molde, tela fria, E feita um assentinho para mim. Sentou-me em cima. Olhou-me, delicado, Montou-se na Pachancho e disse assim: Segura-te bem firme, tem cuidado, E vamos ver a Póvoa de Varzim. E fomos. Viajámos longo tempo! Chegámos: - Grande lago! - Num momento, A areia, o mar, um mundo à minha frente! Fomos ao peixe. Um polvo. Uma ceirinha... Na volta, o polvo salta e, adivinha! Escapuliu-se, foi-se...de repente!
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José Sepúlveda
A FOSSA
Atrás do meu casebre ali havia Algures uma retrete à moda antiga Que num dos canto tinha uma bacia Para lavar rapaz ou rapariga.
A FOSSA
Tinha uma grande fossa que ano a ano Se despejava solta à revelia Lançando os seus detritos pelo cano E atravessando a eira todo o dia. Correria a ceu aberto p'ró quintal Mas lá na aldeia ninguém leva a mal Pois toda aquela gente assim fazia. E se qualquer vizinho ali passava, Tapava o rosto e assim se resguardava Do cheiro nauseabundo que fazia.
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José Sepúlveda
EXAME
O EXAME
Rapaz traquina, andava na primária Para aprender a ler e a escrever E entre uma matéria vasta, vária, A poesia lia com prazer. Chegada a quarta classe, fui objeto De douta e singular avaliação... Com livros na sacola, eis-me dileto, A prestar provas em Famalicão. No decorrer do exame, a professora Lançava uma pergunta para fora: - Para que serv vaca? Não diz nada? - Dá carne, a pele, os ossos e os cornos... - Os cornos? - Sim, as gaitas, os adornos! - Os chifres!!! – Disse em alta gargalhada.
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QUEDA AO RIO
José Sepúlveda
QUEDA AO RIO
Adolescente, olhava indiferente O rio, o curso de água cristalina Que deslizava lento à sua frente Pelo canal que vinha da turbina. Sentado lá no muro, de repente Um pedregulho solta-se. Imagina Aquele jovenzito, adolescente, Tombar na água fria e assassina. Aos gritos de socorro, um pescador Estende-lhe uma cana e sem temor, Ao ver em aflição essa criança, Lançou destemido, generoso, Nas águas desse rio assaz perigoso E a resgatou-a em paz e segurança.
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José Sepúlveda
TARZAN
TARZAN
Tarzan, um gato persa avantajado, De pele cinza-escuro, tão macia, Vivia lá em casa e em todo o lado, Andava à solta cheio de alegria. Mas entre as manhosises que ele tinha, Criou dentro de si esta mania Andar p'la capoeira da Geninha Fazendo das franguitas iguaria. Pobre Tarzan, num certo desvario, Levado foi pra longe, além do rio... E a paz voltou à capoeira em brasa. Eis senão quando, após uma semana, Cansado, remelado, mia e chama, E cheio de saudades volta a casa!
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José Sepúlveda
JANOTA
Janota, uma gatinha alvo-marron Que tive nos meus tempos de menino Sentava-se ao meu colo e em seu romrom Lançava um som suave e cristalino.
JANOTA
E quando num afago adormecia, Pegava na patita do felino Passava a mão na pele tão macia, Que sensação suave . Um dia p'la tardinha olha pra mim E, afoita, salta o muro do jardim Entrando em nobre casa... E a perdi... Olhei, fiquei à espera o dia inteiro.. Alguém contou que um parvo jardineiro... Bem, não sei não... mas nunca mais a vi!
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José Sepúlveda
INVERNO
INVERNO
O inverno rigoroso que fazia Não permitia andar pelo terreiro; O nevoeiro, a brisa, a chuva fria Prendiam-nos em casa o dia inteiro. Às vezes ia ao talho e conseguia Aparas p'ra petisco no braseiro Grelhávamos com gosto essa iguaria Que se comia com bom pão caseiro. E para acompanhar a patuscada A minha tia esp'rança preparava Um panelão de papas bem cuidada. E a noite ia chegando lentamente Ate que saciada toda a gente Voltava para o lar refastelada.
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José Sepúlveda
O NICHO
Havia lá na aldeia um nicho antigo Aonde alguma gente ia em segredo Se alguém a questionava do motivo Não respondia como se com medo.
O NICHO
Aos sábados de tarde ia animada Com toda a fé que tinha em sua mente Cruzava cada estrada e caminhava Até surgir o nicho à nossa frente. Dizia-se que havia uma senhora Bondosa, carinhosa que hora a hora Matava a fome a pobres criancinhas. Chamavam-lhe santinha e foi por isso Que um dia construíram esse nicho E ali rezavam longas ladainhas.
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José Sepúlveda
PERCURSO
PERCURSO
Naquele tempo eu ia para a escola Feliz da vida assim como se fosse Transportador de livros, co'a sacola A abarrotar... Não era pera doce. E quer fizesse sol, fizesse frio, Inverno ou primavera, lá seguia Levado em frenesim, em desvario, Não sei se com tristeza ou alegria. Em português, ciências, matemática O tempo me foi dando alguma prática Ouvindo atento cada professor. Mas foi no decorrer de tanto dia Que vim a descobrir que a poesia Se havia de tornar meu grande amor!
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José Sepúlveda
A BIBLIOTECA
A BIBLIOTECA
Estórias Reais
De cada vez que entrava ali na sala, Olhava para mim esfuziante... Virava‐se e falava com voz rala, Num grito de silêncio perturbante… Garbosa, revestida de alta gala, Mostrava‐me um sorriso penetrante, Qual fonte do saber que em mim resvala De cada folha ou livro, cada estante... Um dia, fiquei sem respiração... Entrei e não a vi. Desilusão, Partiu sem um abraço à despedida. E cada livro jaz encarcerado Nas tábuas, na parede, ali ao lado, Num atentado insano à própria vida!
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José Sepúlveda
O MEU PIANO
O MEU PIANO
Tive um piano negro, vertical, Que em tempos pertencera à Dona Laura E embora muito velho era, afinal, A minha companhia a toda a hora. Sentava-me e ali, tempo infinito, Tocava. Aquele som que produzia Soava a desabafo, quase um grito No qual o coração se redimia. O CasaChoc, o Fado, o PopCorn, Danúbio Azul ou Rock, era conforme, Aquilo que saía de improviso. Desafinado é triste, toda a gente Ouvia o meu piano, indiferente Ao seu poeta louco e sem juízo.
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José Sepúlveda
O URSINHO
O URSINHO
Estórias Reais
Era um ursinho branco de peluche Que andava ao dependuro no roupeiro E quando eu preparava um suave duche, Olhava para mim com ar matreiro. Vestia jardineira azul marinho E seu sorriso alegre e sedutor Parecia que dizia bem baixinho - Bom dia, como está o meu senhor? Permaneci parado à sua frente t E coisas tais passaram pela mente Que quase apeteceu deitá-lo ao chão! Perseverante olhar! Não se cansava De olhar para os meus olhos. Esperava Mas não dizia nada. Que ilusão!
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José Sepúlveda
FRANKLIM DOS PALADARES
FRANKLIN
Na Póvoa, Franklim dos Paladares Querido foi de toda a pequenada, Bonacheirão, alegre, com bons ares, Calcorreava a praia e anunciava: - Há aqui batata frita à inglesa Língua da sogra e bom gelado Olá P’ra todos para os meninos, concerteza, E p'ró cãozinho que convosco está. Juntava a pequenada à sua volta E com sorriso franco, a língua solta, Mostrava-lhe seus dotes na escrita: - Escreve no papel: meroda friota P'ra aquele que escreveu esta escriota. Agora tira o ó, vê como fica!
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José Sepúlveda
MEU RIO LINDO
TONE, O ENGRAXADOR
O Tone, engraxador, era poeta E andava todo o dia a cirandar Montado numa velha bicicleta Que alguém lhe dera p'ra se transportar. A sua ocupação, a predileta, Não era andar o dia a engraxar Mas a cantar, de forma sã, discreta, Os versos que gostava de criar. Andava pela rua assobiando, Improvisando e até, de quando em quando, A trautear p'ra toda a gente ouvir. O Tone era feliz. No seu olhar Havia sempre um verso a partilhar É um sorriso franco a repartir.
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José Sepúlveda
MEU RIO LINDO
O TONE DA CAFETEIRA
Magrinho, franzininho, acabrunhado, Ei‐lo encurvado a saltitar na estrada, Levando à sua frente com agrado A cafeteira, bem de madrugada. Ia a correr buscar à leitaria O leite que mui cedo ali chegava E com manteiga e pão ele fazia A magra refeição que o alimentava. Vivia num anexo que o Laranja Cedeu por caridade, numa franja Da sua casa, na José Malgueira. O anexo era virado p'rá Avenida E ali viveu o Tone toda a vida Com sua eterna alcunha: "Cafeteira"
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José Sepúlveda
O VASQUINHO
O VASQUINHO
Andava na Garagem da Sacor Cantando, assobiando todo o dia. Abastecia e mitigava a dor Num copo bem bebido... E então sorri. E entre uma avaria que surgia Um outro copo ia com afinco Na tasca do João se abastecia Com branco de manhã e à tarde tinto. Meu carro avariou, ficou na estrada. Chamei‐o e ele veio co'a pedrada, Virando a Quadro L de baixo acima. E dava ao dimarré e a frente abria, De olhar esbugalhado, remexia... Até que olhou e disse: ‐ Gasolina!
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José Sepúlveda
O TELEMÓVEL
O TELEMÓVEL
O moço aparecia na Junqueira, E ali passava o tempo, alegremente, De um lado para o outro, a tarde inteira, Perdido em seu monólogo inocente. Consigo transportava um telefone Enorme que exibia em sua mão... E em alta voz falava.... Tinha fome De a todos exibir sua invenção.. E a gente estupefata que passava Lancava‐lhe um sorriso, uma piada, Perante essa atitude estranha, ignóbil. E a todos respondia bem desperto: - Aí, vejam o quanto eu sou esperto, Até já inventei o telemóvel!
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José Sepúlveda
O TROVADOR
O TROVADOR
Estórias Reais
Não sei porque anda ali o dia inteiro, De onde veio e o que faz aqui, Não sei se trouxe como companheiro Um cão mas não, não creio, eu não o vi. Não sei o que ele pensa se me abeiro, O que ele sente quando junto a si Mas sei que o seu olhar é o primeiro Que faz sentir quão bom estar ali. E se entro na tJunqueira, a melodia Penetra nos ouvidos. Que alegria Que sinto quando há música no ar... E fico a recordar os tempos idos, As noites, as violas, os amigos, E as lindas serenatas ao luar!
pessoas
José Sepúlveda
SUBIDA AO TRONCO
SUBIDA AO TRONCO
O tronco estava negro besuntado... Mas, com um saco cheio de serrim, Tentavas com teu ar determinado Subi-lo ponta a ponta, até ao fim. No cimo, um bacalhau bem amarrado E tu, olhando, olhando, ao vê-lo assim, Pensavas com teu ar determinado: - Aquele bacalhau vai ser pra mim. E eis que chega a hora da subida... Irás lutar sem tréguas, sem guarida, Num sobe-sobe cheio de emoção! Contra a razão da força, com vontade, Lutando pela própria liberdade, Ousaste impor a força da razao!
tradições
José Sepúlveda
JOSÉ MARIA
JOSÉ MARIA
Jose Maria foi o electricista Que conheci há muito no Ipo Fazia poesia, era fadista, E não gostava nada de andar só. Seu carro, um cabriolé, dava na vista E tinha muitas coisas que contar, Bastava consultar a longa lista E logo havia histórias de pasmar. No seu caderno, o título: 'Sonetos' Mas entre os seus poemas mais diletos Nem um soneto vi no cancioneiro. A si eu devo esta preciosidade: 'O preso viu fugir-lhe a liberdade Nos braços da mulher do carcereiro.
pessoas
José Sepúlveda
A ROLINHA
A ROLINHA
Estรณrias Reais
Chorava a pobre rola amargurada A perda de seu terno enamorado Partira nessa longa madrugada Tragado por um gato malfadado Durante toda a noite ela entoava A triste melopeia de seu fado E dentro do seu peito carregava O sofrimento desse amor roubado Durante noite e dia a pobre rola Chorava feita louca, feita tola, Num sofrimento atroz e deprimente Chorai, poetas, toda essa amargura Chorai o seu clamor na noite escura, Cantai seu grande amor a toda a gente
amigos
José Sepúlveda
PAROLA
PAROLA
Estórias Reais
Parola, a cadelita que, assustada, Habita na varanda do meu lar Foi encontrada ali perto da estrada Atropelada e sem poder andar.
Franzina, de cor branca e acastanhada, Não sei porque razão, não quer brincar. As vezes é um tanto desastrada Mas muito meiga e tem um terno olhar. Resiste entrart em casa. Tem receio De não sei quê. Seu meigo olhar é cheio De vida e paz, quiçá, muita alegria. Se a chamo, ela rebola-se, pacata, Abana o rabo, estende a sua pata E fica ali na minha companhia...
amigos
José Sepúlveda
CATRAIA
CATRAIA
Estórias Reais
A tua pata branca, essa leveza 'Stendida se lambias minha mão Guardava para si dor e tristeza Oculta num sofrido coração Não sei porquê mas eu tinha a certeza Que nesse poço lindo de afeição Tentavas-nos mostrar quanta beleza Guardavas ante a dor e a aflição A lazarenta pele, feridas mil, t Corriam-te no corpo e em teu perfil, A fé num permanente renascer
E eis que o coração não mais resiste E foi nesse momento em que partiste Que, triste, eu vi quão fútil é viver!
amigos
José Sepúlveda
JOLY
Estórias Reais
Meu cão era um vadio cão rafeiro Que andava a vaguear pelo caminho E se eu assobiava, ele primeiro Rosnava..., vindo a mim devagarinho
JOLY
Chamava se Joly. Um dia inteiro Andei a passear pelo Alto Minho E vi-o acabrunhado num canteiro Pulguento, rabugento e sem carinho Pedi a quem meu carro conduzia Que junto a sit parasse pois queria Comprá-lo a quem o tinha por direito E ao dono perguntei quanto queria P'lo animal: -É seu... - Mas que alegria! E respondi: - Ok, negócio feito!
amigos
FICHA TÉCNICA Título
ESTÓRIAS REAIS,
Memorial do Tempo
Autor
JOSÉ SEPÚLVEDA Capa e contracapa
Arranjo de JOSÉ SEPÍLVEDA Arranjo Gráfico
JOSÉ SEPÚLVEDA Edição EDITO-me Blog
José Sepúlveda
ocantodoalbatroz.blogspot.com Publicado em Ebook https://issuu.com/correiasepulveda