Crónicas Saloias

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José Sepúlveda 2


Ficha Técnica

Título Crónicas Saloias Autor José Sepúlveda Capa José Sepúlveda Revisão Amy Dine

Formatação José Sepúlveda

Editado em E-book https://issuu.com/correiasepulveda

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Biografia José Sepúlveda, nascido em Delães, Vila Nova de Famalicão, hoje a morar em Vila do Conde. Começou a escrever poesia cerca dos doze anos. No decorrer da sua carreira profissional trabalhou primeiro, como funcionário público e depois, durante 35 anos, como empregado bancário. Publicou em alguns jornais e revistas ao longo da sua carreira, atividade que continua a manter. Amante da literatura, administra grupos no Facebook vocacionados para a literatura, música, artes e divulgações culturais de eventos. Apoiou e apoia projetos literários, promovendo a edição de autores em início de carreira. Organizou durante vários anos, participou e participa em eventos culturais, Saraus e Tertúlias. Durante alguns anos, com o grupo que ajudou a formar Poetas Poveiros e Amigos da Póvoa, deu rosto ao programa Mar-à-Tona em poesia, na Póvoa de Varzim, que comemorava o Dia Mundial de Poesia, com um Sarau onde era apresentada uma coletânea temática de Poesia inspirada no mar. Prefaciou alguns livros e apresentou os seus autores. Participou num elevado número de coletâneas de poesia portuguesas, brasileiras e italianas. Publicou dois livros de poesia em papel e possui na sua Biblioteca de E-books mais de vinte outros livros seus (poesia, música, genealogia, história e outros).

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Promoveu e editou nos seus grupos de poesia um número elevado de coletâneas em E-book. Mantém uma série de publicações nos seus Blogs O Canto do Albatroz e Família Sepúlveda em Portugal. Produziu alguns trabalhos pessoais e participou noutros coletivos com colegas da Universidade Sénior do Rotary Club da Póvoa de Varzim. Divulga e apoia grupos de poesia e programas de rádio cuja temática seja a mesma.

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O meu Spectrum

Pelos meus vinte anos, começaram a surgir os primeiros computadores de uso pessoal, os saudosos Spectrum, uma nova era nos caminhos da comunicação. O pequeno aparelho, então com uma memória de 48k parecia abrir-nos horizontes que nunca antes tínhamos imaginado. Recordo a avidez, o entusiasmo com que, através da sua linguagem Basic, de concecção e execução fácil, partimos a descobrir um novo mundo. Com o Luís, o meu primogénito, desde muito novo entusiasta por estas tecnologias, partilhei loucuras inimagináveis…. Quando os objetivos que queríamos atingir pareciam difíceis, berrávamos com o monstrinho como que exigindo o que ele nos negava. E gritávamos: Tem que dar! Pobre Spectrum, aos poucos lá ia anuindo às nossas exigências! A vontade com que passámos a utilizar essa nova ferramenta, criando, inovando, partilhando, levou-nos a voar além da fantasia e a levar atrás muitos outros que, como nós, queriam inovar, inovar, inovar. A ciência informática evoluiu vertiginosamente. Pouco tempo depois o Spectrum era substituído por um inovador Amstrad. “Cento e trinta megas de memória. Que máquina!!!” Agora, sentíamo-nos com asas para 6


voar! Puro engano. Em pouco tempo, tornara-se obsoleto. A ciência – conforme a Profecia - multiplicou-se… e num instante apareceram as novas máquinas e se construíram as novas estradas de comunicação, sobretudo, após a revolução imparável da Microsoft. Surgem as redes sociais… Uns aderiram de imediato, outro, receosos, preferiram ver para crer. A máquina não podia controlar o homem. E eis que surge o Facebook para aos poucos dominar todo o espectro da comunicação e transformar o mundo na tal Aldeia Global que muitos, profeticamente, vinham anunciando. E vimo-nos parte integrante deste submundo de surdosmudos, que comunicam entre si como se se conhecessem há muito mas que na prática nunca se viram ou falaram a quem confidenciamos coisas que, no dizer de Régio, teríamos pudor de contar seja a quem for. Surgem no Facebook os chamados Grupos …e pouco a pouco, todos fomos mergulhando nesse lago infinito de águas turvas onde mal sabemos nadar. E ali se fala de literatura, arte, amizade, ciência, do bem ou do mal… E nesta teclo-mania desenfreada, eis-nos a formar as nossas próprias comunidades, primeiro, com os amigos, depois, alargando a quem connosco queria partilhar os mesmos ideais. No corolário de todo este processo, surge o Solar de Poetas, apenas um entre as centenas de grupos que promovem e incentivam à criação e divulgação da poesia no seu todo, colocando lado a lado aprendizes e veteranos que convivem entre si, abraçando os mesmos ideais. Sobre este projeto, e os desafios que se nos oferecem, falaremos ao longo dos próximos artigos. Nos próximos números falaremos do Solar de Poetas. Sejam bem-vindos a este novo mundo que se nos abre com a Revista Divulga Escritor.

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Solar de Poetas

Durante muito tempo resisti à entrada no novo mundo do Facebook. O tempo ia passando, até que acabei por sucumbir ao desejo de aventura. Comecei por participar em alguns grupos, sendo desde logo a poesia o segmento favorito. Entrei em alguns grupos que ia conhecendo e aos poucos fui sendo absorvido pelo carinho, pelos comentários, pelo envolvimento mágico daquele mundo. Já não parecia o submundo dos surdos-mudos, mas parecia existir uma interação real, como se estivéssemos dialogando frente a frente. Os convites foram-se sucedendo, para participar em outros desafios e, eis senão quando, lá estava fazendo parte dum grupo, outro e mais outro. Os estímulos às publicações aumentando e transformaram-me, vejam bem, em Administrador. Que chique!!! De poeta que publicava apenas alguns dos meus modestos poemas, sou “promovido” de repente a “comentador” de poesia, a “interventor” nos meandros íntimos dos outros autores. E senti o desejo de criar um grupo de raiz, paralelamente com pessoas com quem em cada dia interagia e que me pareciam partilhar os mesmos sentimentos: proporcionar aos novos poetas outras oportunidades, abrindo-lhes portas, desbravando horizontes. Os contactos que ia estabelecendo eram gratificantes e estimulavam o desenvolvimento destas ações. Surge então a ideia da criação de um grupo diferente. Afinal, todos gostamos de ser diferentes. O grupo de saraus e tertúlias que tinha formado, entretanto – Poetas Poveiros e Amigos da Póvoa tinha necessidade de ser divulgado no ciberespaço para que os programas que desenvolvia fossem divulgados e pudesse arrastar poetas de outros lugares para assistir. Surge assim o Solar de Poetas. 8


A organização do Mar-à-Tona em Poesia - Um Mar de Poemas, em março de 2012, com um programa intenso e diversificado cujas atividades duraram três dias, foi um teste à capacidade de mobilização através do ciberespaço. Resultou. Casa cheia e muitos contactos que nos proporcionaram criar parcerias e juntar sinergias com outros grupos então em fase de organização. Aos poucos, passamos do ciberespaço para espaços físicos que hoje se multiplicam em toda a zona norte de Portugal, em saraus, tertúlias e programas culturais diversificados. Paralelamente, foram sendo desenvolvidas parcerias com outros grupos, com rádios, editoras e afins, transformaram o pequenino grupo num grupo que quer continuar a crescer e a divulgar autores consagrados ou iniciados, incentivando-os e ajudando a atingir os seus sonhos. O aparecimento do Divulga Escritor foi uma revelação e as sinergias criadas entre os dois grupos tem proporcionado atividades deveras aliciantes. O grupo tem agora três blogs e parcerias diversas, entre as quais com três estações de rádio e duas editoras, que proporcionam aos seus poetas condições de edição mais vantajosas e pretende alargar bem mais os seus horizontes. Assim, os poetas nos continuem a presentear com a sua confiança. Bem hajam.

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Uma Questão de Estímulo

Com o desenvolvimento das novas tecnologias e o aparecimento em crescendo dos grupos literários no Facebook, assistimos frequentemente ao aparecimento de novos autores que aos poucos se vão misturando com outros mais versados e experientes. E não é raro que muitas vezes se confundam poemas de qualidade reconhecida com textos sem valor poético que são comentados pelos seus leitores de forma exagerada, muitas vezes sem qualquer nexo. Esse fenômeno, se bem que frequente, só pode ser explicado por inexperiência ou desconhecimento de quem lê ou por simpatia para com a pessoa com quem está a interagir. Na verdade, não compete a quem lê esses poemas, num grupo generalista, fazer crítica poética ou literária. Para isso, há canais especializados onde a forma de crítica é feita com outra visão, por pessoas que sabem ler e comentar o que vão lendo, fundamentados em critérios diferentes. Num grupo generalista, cuja função principal é estimular a leitura e a escrita, parece que muito mais que a necessidade de exercer crítica literária, interessa incentivar, provocar desejo de continuar a desenvolver o gosto pela arte poética, mostrar a quem escreve que os seus textos são lidos. Isso é importante para quem escreve – saber que tem leitores que se interessam pelas suas produções.

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A criação e estímulo de eventos poéticos temáticos, se por um lado pode ser considerado como não inspirativo e provocador do aparecimento dos poemas de algum modo considerados fabricados, têm o condão de incentivar os que escrevem à produção de novas artes poéticas e servirá, quanto mais não seja, como potenciador de boa poesia, e exercício poético que poderá proporcionar experiências que levem a poemas mais elaborados e inspirados, sem a necessidade de se cingir a temas, mas saídos espontaneamente da pena do poeta. É essa a linha que seguimos nos grupos em que vamos intervindo. Promover desafios, despertar interesses, incentivar à criatividade. Se entendermos assim a prática desses grupos, com certeza, estaremos dum modo mais direto ou não contribuindo para o desenvolvimento da escrita na sua função estética e cultural e, quiçá, contribuindo para que novos autores escondidos dentro de si surjam na ribalta deste mundo em que a poesia é o verdadeiro ator.

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Vai voltar Há muito, muito tempo Entre os campos de Belém Se ouvira que nascera Uma criança singular Enquanto ela crescia às multidões dizia Que vinha, que vinha, Que vinha p’ra salvar. O tempo se passava E aumentava O seu amor E quando ela falava O povo ouvia com fervor Mas o mal apontou E o povo não gostou Mataram, mataram, Mataram o Senhor! Vai voltar, Vai voltar, Há de voltar, Há de voltar, Um dia, um dia, Um dia vai voltar. Dois mil anos passaram E um povo acreditou Nas solenes promessas Que um dia quis deixar E cheio de esperança, Aguarda essa criança Que um dia, que um dia, Que dia vai voltar Vai voltar, Vai voltar Há de voltar Um dia, um dia, Um dia vai voltar.

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Estrela Uma estrela surgiu lá no céu de Belém Para dar luz radiosa a toda a terra, Um menino nasceu numa gruta no além E cresceu e pregou com fervor o fim da guerra. Lá na cruz Nasce a luz Que nos conduz À salvação; Nasceu Cresceu Viveu Pela liberdade. O Senhor Bom pastor É paz e amor Imensidão, Caminho Que conduz À eternidade . Lá na cruz Vi Jesus Expirar, A inimigos Cruéis Perdoar. A esperança renasce naquele que crê, Uma vida feliz vai viver se tiver fé. Crêde pois em Jesus Nossa paz, nossa luz, Crêde pois no Senhor Doce paz, doce amor . 13


O Menino

Belém Efrata está alvoroçada! O povo se aglomera em todo o lado, Cansado por aquela atroz jornada, Atravessando o monte e o valado. A jumentinha mansa, fatigada, Andava e quase que perdia o tino, Trouxera nessa sua caminhada A mãe e no seu ventre, o seu Menino. Mas ao chegar feliz, p’ra seu espanto, Os dois não encontraram um recanto Aonde pernoitar, pela cidade. E numa manjedoura, entre animais, No aconchego santo de seus pais, Nascia o Salvador da humanidade.

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Jesus nasceu

Naquela manjedoura parca e dura Que fora já repasto de animais Nascera uma criança linda e pura Na humilde companhia de seus pais. E ali durante a noite fria, escura, Os anjos anunciaram aos demais O renascer naquela criatura Da paz e da esperança entre os mortais. E a gente humilde à volta da fogueira Velava pelo gado a noite inteira E ao receber as novas de alegria, Lançou-se pelo campo e o valado E foi-se a espalhar por todo o lado A história de Jesus e de Maria.

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Porquê uma Antologia do Solar De Poetas? Desde há muito tempo que no silêncio da noite vinha acalentando o desejo de reunir em livro, para a posteridade, poemas que diariamente vão sendo publicados no Solar, muitas vezes a um ritmo alucinante e dos quais seria de todo inglório não ficar um registro por modesto que seja. Se bem que alguns desses trabalhos já se encontrem guardados em coletâneas diversas publicadas virtual-mente, uma edição em papel estava a tornar-se premente. Essa vontade, cada dia mais partilhada por um número crescente de poetas, foi-se transformando em realidade no momento certo em que determinada pessoa se propôs coordenar uma edição, convidando, coligindo, assumindo toda a dinâmica. Foi a Maria Esther. Ponderados muitos fatores mesmo alguns riscos, decidimos avançar. Tarefa difícil, tendo em conta a diversidade de estilos dos nossos poetas, a proposta ou não duma temática, a dispersão geográfica dos autores, a problemática da escolha de um local para a sua apresentação, as sensibilidades em presença. Tudo fatores em equação que decidimos resolver... e arriscar, sem medo - porque a poesia vive dentro de cada de nós. Depois de alguns meses de intenso trabalho, muita canseira e uma grande abnegação, eis o culminar de todo este labor: dezenas de poetas, centenas de páginas... e um sonho que se transforma em realidade.

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Processo perfeito? Temos consciência que não. Não há modelos perfeitos nesta área. Creio que não os haverá em área alguma - a perfeição é uma meta distante da qual apenas nos vamos aproximando... lenta e gradualmente, sem que possivelmente um dia logremos atingir. Mas a Antologia está aqui. É apenas o início de um ciclo ao qual desejamos dar continuidade. O tempo o dirá. Até lá, continuaremos a produzir e a publicar virtualmente algumas coletâneas cuja temática irá sendo apresentada como desafio aos poetas que dia após dia publicam no Solar, desafios que espontaneamente abraçam, contribuindo com trabalhos generosos de elevada qualidade poética. Em nome da administração do Solar de Poetas, agradeço à Maria Esther e a todos aqueles que com carinho e empenho abraçaram este desafio e mostraram entender o quão difícil é concretizar um trabalho desta envergadura, dando-nos sempre o seu sorriso e compreensão.

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A Festa dos Poetas

Chegaram-nos poetas de Lisboa, De Aveiro, de Viana; que alegria, De todos os lugares, coisa boa, Para lançar a nossa Antologia. Cantaram o amor, o mito, a loa, Num fim de tarde cheio de magia E nesta maratona veio à proa Um hino triunfante à poesia. Nas salas principescas da Barbot Havia poesia, mas não só, Que a música soava ao derredor. Viveram-se momentos de amizade, Sentia-se no ar felicidade, Imensa simpatia, paz e amor!

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Solar dos Poetas

Poetas, trovadores, toda a gente Se junta no Mural ao fim do dia Pois sente a mesma coisa que se sente Aonde existe paz e a harmonia. E neste espaço mágico, dif'rente, Tão cheio de esperança, de magia Partilha as emoções num frente a frente Que envolve o som, a cor, a poesia. Que neste caminhar por toda a parte Tu possas transmitir-nos tua arte Da forma mais fugaz ou mais dileta... E no Solar, aberto o coração, Nos possas tu mostrar quanta emoção Transborda dessa alma de poeta.

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O Fenómeno Mar-à-Tona

Vai já no terceiro ano que o Solar de Poetas une as suas mãos aos Poetas Poveiros e Amigos da Póvoa para organizar o Sarau Mar-à-Tona em poesia, um evento que tem por objetivo juntar poetas na comemoração do Dia Mundial da Poesia, que ocorre em 21 de março de cada ano. O primeiro teve como tema Um Mar de Poemas; o segundo, A Sinfonia do Mar, com um elenco de luxo a fazer a animação musical – José Corvelo, barítono; Nádia Fidalgo, soprano e Melissa Fidalgo, pianista. Este ano, cujo tema escolhido foi Heróis do Mar, lançámos nova Antologia com o mesmo nome que contou com a participação de cerca de cem poetas. O Sarau foi animado pelo Grupo de Fados da Universidade Sénior da Póvoa de Varzim. Pretende-se com estes eventos juntar poetas oriundos de muitas cidades do país e, pela primeira vez, do Brasil, a fim de se conhecerem e conviverem. Na verdade, são já diversas as vezes em que temos a alegria de ter connosco poetas do Brasil que aproveitam a sua vinda a Portugal para apresentar os seus trabalhos e frequentar os nossos eventos.

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Primeiro, a Carmem Cardin que se deslocou por duas vezes a Portugal e que no decorrer da sua presença apresentou inúmeros recitais no Norte e em Lisboa, deu entrevistas na Rádio – HORA DE POESIA, programa produzido pela nossa querida Conceição Lima, e em jornais. Promoveu e vendeu o seu livro Atalho para o Banquete e lançou um novo livro, A Música das Estrelas, editado em Portugal e vendido no decorrer da sua digressão. Tivemos depois a presença de Fernando Figueirinhas que, visitando a Póvoa de Varzim, apresentou o seu livro A Arte, o Homem e o Mundo, no mítico Diana-Bar, Biblioteca da Praia, na Póvoa de Varzim e também na Biblioteca Municipal de Vila do Conde, na FNAC, no Porto. São estas sinergias que motivam o grupo a continuar a incentivar e a promover poetas que vão tendo assim a oportunidade de mostrar ao mundo o que de bom se escreve por aí. Este ano tivemos a grata presença de Ana Stoppa, colunista do Divulga Escritor, membro de direito do Solar de Poetas. Com um curriculum exemplar, Ana Stoppa veio a Portugal conhecer poetas e preparar terreno para em breve apresentar um novo livro infantil em Portugal. O seu prestígio como membro integrante de muitas Academias de Letras, de uma das quais é Vice-Presidente (Academia Nacional de Letras do Portal do Poeta Brasileiro), fará o resto. Com estas ações, pensamos navegar no rumo certo, com os poetas da lusofonia de mãos dadas, desenvolvendo sinergias para que a poesia se mantenha viva no pensamento de cada poeta. Com isso nos regozijamos. Revista Divulga Escritor n.º 6 21


AICEM – A Lusofonia vive Foi com grato prazer que o Solar de Poetas, na pessoa do seu Administrador José Sepúlveda, participou no decorrer do mês de maio no evento Dia de Damão, organizado pela AICEM – Associação do Idioma e Culturas em Português. Transcrevemos o relato gentilmente cedido pela poetisa Maria Mamede, a quem desde já agradecemos. “A AICEM – Associação do Idioma e Culturas em Português, votada à divulgação da Lusofonia e à expansão da nossa Língua Mátria, levou a efeito nos dias 8, 9 e 10 de maio em curso, no Café Concerto do Fórum da Maia, o evento a que deu o título de “Dia de Damão”. Durante esses três dias foi-nos dada a oportunidade de termos connosco vários Amigos de Damão, bem como alguns Amigos e Amigas de Goa, que se deslocaram a Portugal propositadamente para este evento, o que muito nos alegrou e honrou. No nosso mui diversificado programa tivemos palestras, música erudita, fado, poesia, música tradicional Damanense e Portuguesa, e uma Tuna para além de vários testemunhos, emocionados e muito sentido de alguns dos nossos convidados. Tivemos ainda, no último dia do evento, um passeio pedestre pela Cidade da Maia, que culminou com a subida à torre do edifício da Câmara donde se abarca uma paisagem urbana magnífica, bem como alguns dos confins do município, com relevância para poente, com vistas de mar. À despedida, muito emotiva aliás, foram feitos os agradecimentos à edilidade, na pessoa do seu Presidente Eng.º Bragança Fernandes, representado pelo Dr. Rui Rodrigues, bem como aos nossos colaboradores neste evento, quase todos nossos associados fundadores, bem como outros simpatizantes, cujos nomes vou mencionar, com o meu abraço. (Maria Mamede)”. P.S. Agradeço ao Prof. Milton Madeira e à poetisa Maria Mamede o gentil convite para participar neste evento, por cuja organização os felicito. Revista Divulga Escritor n.º 7 22


Língua Mater

Que a força das palavras seja sempre Expressa em versos, textos e canções, Transforme o teu falar numa corrente Que una e alimente corações. Que seja o teu pulsar a voz pungente Que espalha em toda a parte, entre as nações, O mágico sentir eloquente Da triunfante língua de Camões. Que em Cabo-Verde, Angola ou na Guiné, Brasil, em Moçambique ou S. Tomé, Na Índia, em Timor ou Portugal. Tu possas gritar alto, com destreza, Que a nossa língua é a língua portuguesa, Indómita, invicta, imortal!

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A Biblioteca

Quando abria aquela porta, invariavelmente, deparava com aquele armário, bem mais alto que eu, com uma série de prateleiras cheias de livros até aos cocurutos. Tinha duas portas envidraçadas a toda a sua altura. Eu entrava na sala, aproximava‐me e olhava. Com os meus sete anos, entrei no ensino primário. Comecei então a aprender a ler e a escrever. Fui juntando vogais e consoantes, uma a uma, lentamente. Então, já me aproximava daquelas portas com outro ar e tentava juntar as palavras das lombadas de cada livro, letra por letra: J...ú...l...i...o... D...i...n...i...s... Olha, outro Júlio... V...e...r...n...e... Nome estranho!... L…u…í…s… d…e… C…a…m…õ…e…s… Pela noitinha, o meu pai chegava a casa cansado da sua oficina de alfaiataria. Às vezes, sentava-se na cadeira da sala de jantar, pegava‐ me ao colo e lia para mim... Um trecho de um romance..., como se fora uma história de embalar.... Eu olhava, correspondia ao seu terno olhar, e pensava com os meus botões o que ela me quereria transmitir. Os dias passavam, mas aquele ritual mantinha-se. Entrava, parava frente do armário, tocava nos vidros… Depois, então, seguia para as

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minhas brincadeiras, no terraço que existia nas traseiras daquele modesto bairro, onde a criançada dava aso à sua fértil imaginação. Momentos inesquecíveis. Um dia, apareceu na aldeia um furgão Citroen, cinzento escuro, e parou a poucos metros da casa. Com curiosidade, as pessoas foram‐se aproximando. Na parte lateral da viatura, podíamos ler: Biblioteca Itinerante Calouste Gulbenkian. Uma carrinha que calcorreava aldeia após aldeia na tentativa de proporcionar às pessoas a possibilidade de um acesso a alguns livros e incentivar o gosto pela leitura ‐ cultura popular. Era o primeiro contacto real com os livros. O Pequeno Príncipe, O Gato das Botas, A Bela Adormecida... Eh, espera!!! Essa eu já conheço! A Esperança já me contou! ... Esperança era a minha tia que foi criada como nossa irmã. Poucos mais anos tinha que eu. Ei-la recolhida pelo velho Armando e a desempenhar o papel de ama na ausência da Geninha, a minha mãe, que se esfalfava a trabalhar para ganhar o pão de cada dia. Tempos difíceis! Foi nesta Biblioteca que tive o meu batismo de leitura. Quando requisitava um livro e o levava para casa, sentia ter um tesouro meu, só meu, que religiosamente lia e guardava com carinho até ao regresso do grande furgão cinzento, para poder penetrar em novas aventuras. Um dia descobri a chave do armário. Foi o acesso secreto aos livros. E fui desbravando um após outro… Camilo, Junqueiro, Ferreira de Castro, Campos Júnior – ah, aquele livro, Pedras que Falam. Um navegar pela história através da narração de visitas de estudo a algumas igrejas e monumentos... Um génio, aquele professor criado pelo grande génio das palavras. Pegava aleatoriamente num, noutro livro, e lia com avidez: Lá vai a nau Catrineta/ que tem muito que contar....

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Pela estrada plana/toc toc toc... Acima, acima gajeiro/ acima ao mastro real/ vê se enxergas Espanha/areias de Portugal. E o gosto pela poesia ia nascendo no meu pequenino coração de criança... O tempo passa, caramba! De repente, cheguei à Póvoa. A cena repetia‐se. Entrava em casa ‐ agora, uma casa imensa… E na sala, invariavelmente, o mesmo armário... os mesmos livros carinhosamente encadernados ‐ a Faculdade de Letras onde o pai adquirira a sua Formatura. Agora já tinha livre acesso aos livros. Campos Júnior, Alexandre Dumas, Ferreira de Castro, Bocage, Nobre, Antero, sei lá… tantos. Deleitava-me a ler as Crónicas da I Grande Guerra, editada em fascículos, profusamente ilustrada e carinhosamente encadernada em quatro grandes volumes. Descoberta a descoberta, ia criando o meu próprio mundo. Foram assim nascendo, timidamente, os primeiros textos. Tentativas de imitação das coisas que ia descobrindo no decorrer das aulas de português no ensino secundário. As quadras, as redondilhas, os acrósticos, os floreados poéticos tão comuns na idade média, os poemas com mote, enfim, um mundo que se abria à imaginação. Com Camões descobri a arte do soneto..., suscitou‐me interesse e entusiasmo. Mas era ainda cedo.... Pobre criança minhota pobre dor que vive na esperança remota duma vida em flor...

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Depois, o fervor de ir mais longe... Regresso aos livros de Antero, de Nobre, de Bocage que ali permaneciam silenciosos, no mesmo armário, agora, meu confidente. E apaixonei‐me pelo soneto. Os tempos corriam, as exigências aumentavam. Surge o primeiro ensaio poético ‐ Musa Perdida. Tão tosco, tão imperfeito. Versos tênues, relatos de vida, segredos ocultos... Jovem metido muito dentro de mim. O velho armário era o refúgio que encontrava para matar muito do tempo que me devorava nos momentos de maior solidão. O tempo voou. Cresci, abri asas... Na casa do velho Armando ficara o velho Armário – um Armário Armando Armadilhas. Cheio de livros... No meu lar fui criando os meus próprios Armários, Armadilhas…, a minha Biblioteca... Um dia voltei à velha casa da Póvoa... O Armário tinha desaparecido. Os livros foram encaixotados numas prateiras improvisadas no quarto da frente, encrostadas numa porta forjada. Não sei porquê, fui encontrá‐la mais tarde tapada com uma parede falsa de madeira, selada dos dois lados, com os livros empacotados no seu interior, sem qualquer acesso… para sempre... para sempre, para a posteridade. Com eles, muitos escritos, insípidos, talvez, mas escritos com muita dedicação e carinho. Voltei triste. Assim nascem e morrem as lendas. A Biblioteca da minha infância e juventude morreu… Eu também… um pouco! Que importa? A vida continua.

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XIV Encontro Nacional de Poetas no Gerês No dia 20 de setembro findo, tive o privilégio de assistir à festa da Poesia, que teve lugar na pequena Vila do Gerês, um dos mais lindos recantos deste Portugal “à beira-mar plantado”, como dizia o pai dos poetas, Luís de Camões. Tratou-se do XIV Encontro Nacional de Poesia. O convite partira meses antes do amigo e criador do evento Dr. Barroso da Ponte, professor, escritor, poeta e jornalista que, em boa hora, há catorze anos tomou a iniciativa de organizar o primeiro Encontro na cidade berço da nacionalidade, Guimarães. Foi aí que decorreu ainda o segundo Encontro, tendo então passado para a linda e emblemática Vila do Gerês, onde o Município de Terras do Bouro o acarinha e lhe presta grande apoio. Movido pela curiosidade e com a ânsia de ali encontrar uma mãocheia de poetas que conhecia apenas através do ciberespaço, trouxas na mão, lá fui serra acima ao encontro de muitos amigos. A Vila do Gerês, um dos lugares mais belos de Portugal, é um berço de poetas e escritores e fonte de inspiração para muitas das suas produções literárias e um verdadeiro ninho de surpresas em cada recanto. Mas vamos ao Encontro. Logo de manhã, pouco passava das dez horas, os poetas foram-se concentrando no Centro de Animação Termal da Vila do Gerês. Já com algumas dezenas de poetas reunidos, eis que chega um autocarro repleto de poetas oriundo da cidade do Porto para marcar presença muito forte no decorrer de toda a atividade. A manhã passou num ápice, com a intervenção dos poetas presentes que puderam apresentar uma pequena mostra poética da sua criação. Muito participado e interessante este programa, onde poetas mais experientes se cruzavam com trovadores que iniciavam assim o seu trajeto poético. Do certame, idealizado e promovido pelo Barroso da

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Fonte, conta agora na sua organização com a participação do Município de Terras do Bouro e o Jornal Poetas e Trovadores, cuja propriedade e direção é do mesmo Barroso da Fonte e da Calidum-Clube de Autores Minhoto/ Galaicos e dele faz parte um concurso de quadras populares cujo júri foi constituído por poetas que vieram participar no mesmo. Depois de um alegre convívio no decorrer do almoço, feito separadamente em grupos de amigos, os poetas e amigos da poesia reuniram-se de novo junto do Auditório para visitar a emblemática barragem de Vilarinho das Furnas e o preciosíssimo Museu da Geira, no Campo do Gerês. Obra de valor inigualável, o Museu relata a história local, salientando a sua evolução sobretudo a partir da romanização do território, trajeto habitual por onde se movimentavam as hostes romanas, e para os peregrinos que se dirigiam para Santiago de Compostela, na Galiza, através de diversos percursos – os conhecidos Caminhos de Santiago. E por ali passamos uma belíssima tarde cultural e de convívio que culminou com um lanche-ajantarado oferecido gentilmente pelos anfitriões, o Município de Terras do Bouro. Esta feliz iniciativa, que deve ser não só incentivada como divulgada profusamente, irá, certamente, tornar-se uma referência em anos futuros. Parabéns aos promotores por esta prestimosa iniciativa, prova concludente de que… a poesia vive!

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Era uma vez…um Autocarro

Já lá vão quarenta anos. Ao fim da tarde, quando findava a labuta do dia, saía do Instituto e dirigia-me para a paragem do autocarro que me levaria de regresso a casa. Nesse dia ia acompanhado por uma jovem simpática que habitualmente me acompanhava até ao primeiro transbordo. Quando estava prestes a atravessar a estrada e me dirigia para a paragem, vi junto a esta uma menina de longos cabelos loiros que desciam suavemente até à cintura. O sol, se bem que já ténue a essa hora, refletia-se e o seu brilho era um encanto. Aproximei-me, mal conseguindo disfarçar uma certa inquietude nervosa. Os seus olhos estavam ocultos por uns óculos de sol. Mesmo assim, trocámos um olhar furtivo e aparentemente desinteressado. Ao meu lado, a jovem que me acompanhava lançava-me um sorriso maroto: - Vou engatá-la – segredei. - Convencido! – retorquiu. O autocarro chegou. Cheio. Entrámos e segurámo-nos como pudemos, em pé. E lá seguimos. A viagem era curta. 32


- Pode dizer-me onde devo sair para apanhar o autocarro para Vila do Conde? – ouvi uma voz melodiosa ao meu lado. - Na próxima paragem – respondeu o cobrador do autocarro. - Eu também vou para lá – disse-lhe – vou no mesmo autocarro. Deixou escapar um subtil sorriso e agradeceu. Quando chegamos, dirigimo-nos para a paragem seguinte. Ali nos esperava uma fila enorme! - Siga-me ou vai ficar em terra – disse com certa frieza e disfarçando um desinteresse total. Na dúvida, com um ar desconfiado e até com certo espanto, seguiume. Encostamo-nos à parede, fora da fila de espera, e aguardamos. Passado um tempo infinito… O autocarro chegou, Cheio, como sempre. O embrutecimento que nos trouxe a mecanização do dia-a-dia, habituou-nos a esperar conformados, sentados na nossa poltrona de melancolia. O cobrador abriu a porta traseira, olhou, viu-me e gritou: - Só tenho um lugar para aquele senhor (era eu), marcado na origem. Fiz-lhe um gesto mal disfarçado com a mão direita, dizendo que eram dois. E ele repetiu: - Só tenho lugar para aquele casal. Aguardem pelo próximo autocarro que vem atrás. Parecia adivinhar que nesse dia a gratificação seria a dobrar. A jovem esboçou um sorriso de agradecimento e entrou comigo. Na verdade, havia dois lugares no autocarro: um, ao meio do corredor; outro, no banco grande atrás, a que chamávamos a “cocheira”. O cobrador acomodou a menina na frente e eu fiquei. Para nosso espanto, o seu companheiro de viagem levantou-se e chamou-me: - Posso trocar consigo. Venha para junto da sua namorada. 33


A jovem, corada, fingiu que não ouviu…, mas agradeceu. Depois de uma amena conversa, fiquei a saber que o seu pai tinha sofrido um enfarte do miocárdio e se encontrava internado no hospital central, ao lado do Instituto. Duma forma quase maquinal, puxei da cigarreira, abri e ofereci-lhe um cigarro. Rejeitou liminarmente e repreendeu: - Então, o senhor trabalha no Instituto de Oncologia e fuma? Agora quem corou fui eu. Fechei a cigarreira e continuamos a nossa amena cavaqueira. O tempo voou. Num ápice, estávamos em Vila do Conde. Embora o meu destino fosse a Póvoa de Varzim, saí em Vila do Conde e acompanhei-a a casa. Aos poucos, estávamos a criar uma certa empatia que parecia agradar aos dois. Deixei-a em casa e lá segui para a Póvoa com a cabeça repleta de sonhos. Passaram-se alguns dias e a cena repetiu-se. Desta vez, aproximei-me e perguntei: - O seu pai, como vai? - Melhor, obrigado - Um destes dias vou lá vê-lo, quando voltar aqui. Os tempos foram-se passando devagar. Quantas peripécias pelo caminho. Um ano depois, namorados declarados – nessa altura, já não trabalhava no Instituto - a Amy aproximou-se e disse: - Precisamos conversar. - Vamos a isso, quando quiseres. E marcamos encontro numa lanchonete na Póvoa, frente ao mar, alguns dias depois. Perto da varanda, explicou: - O meu pai foi mudado para outra localidade, longe daqui. Tinha que te dizer, para que possamos tomar algumas decisões para a nossa vida. - Quais são as hipóteses? - Se acompanhar os meus pais, é longe e dificilmente nos iremos ver. A outra alternativa, é casar. - Casamos – respondi. 34


E embarcamos nessa aventura. Para nosso espanto e espanto de todos, casámos. Desde esse dia, aquela cabeleira loira permaneceu intocável, acompanhando-me em cada passo da minha vida. Obrigado, Amy. Quarenta e um ano depois: três filhos lindos; três noras invejáveis; três netos carinhosos; duas netas de sonho. Parafraseando a Condessa de Segur: - …E foram felizes para sempre…

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Carta de Amor

Encanto de minha alma, em cada instante, Tu nasces e renasces no meu peito, Tu és a minha amada, eterna amante E, envolto nos teus braços, me deleito. Ai, doce companheira, doravante, Proclamarei o amor e o respeito Que sinto por te amar e nesse canto Serás no meu jardim o amor-perfeito. Vem, dá-me o teu abraço, o teu carinho, Ensina-me a trilhar esse caminho Que um dia prometemos caminhar, Quando surgiram pedras de tropeço, Galgá-las-emos sempre, a qualquer preço, Sorrindo, de mãos dadas, a cantar!

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No dia da mulher!

Franzino olhar, fui encontrá-la um dia Na Circunvalação, ao pé da estrada; E ao ver seus olhos, algo me dizia Que nela encontraria a minha amada. A loira cabeleira que exibia Naquela tarde amena, ensolarada, Ao longo dos seus ombros se estendia Garbosa, pelo brilho refinada. O tempo se passou... E quando a vi De um alvo anil vestida, me rendi Àquela flor de encanto revestida. A vida trouxe rosas e espinhos, Mas deu-nos três filhinhos, seis netinhos, Que são toda a razão da nossa vida.

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O Prazer de Inovar Quando abraçamos um projeto na nossa vida, a vontade, o anseio, é sempre trazer ao público um não sei quê de criativo, de inovador. Nem sempre é fácil. Carecemos de tempo, de apoios, muitas vezes de capital humano que nos permita criar equipas coesas e que ajudem a levar avante os projetos que idealizamos. As novas tecnologias proporcionam capacidades e desafios os quais muitas vezes, mesmo resistindo a eles, não podemos deixar de abraçar. Foi assim com o projeto que queremos agora colocar em marcha, a SolarTV, uma televisão on-line, por onde possamos passar o que de melhor se vai fazendo em prol da cultura, sobretudo, literária. Queremos marcar uma presença forte seja com entrevistas, com reportagens, com vídeos de poesia, com ou sem voz, noticiando lançamentos de livros e saraus, com tanta coisa que queremos trazer para quem connosco partilha momentos lindos todos os dias e nos dão o prazer de apreciar as suas criações. Faltava encontrar a pessoa certa para connosco abraçar o projeto. E essa pessoa apareceu, a Sara Lima, uma jornalista cheia de ideais que quer estar connosco com o seu entusiasmo e criatividade, através da SLL – produções. Vai ser ela a pivô do projeto. Vai ser ela também a produtora de muitos dos conteúdos audiovisuais. Mas connosco vão estar também muitos outros convidados que, com as suas produções, os seus programas, a sua alegria, o seu dinamismo, irão ajudar a que a SolarTV se torne uma realidade, um lugar atraente que se visite com prazer e onde os autores poderão assistir a programas que certamente incluirão o melhor das suas criações. Quem vai querer estar connosco neste projeto? Sei da qualidade dos muitos dos poetas que frequentam os nossos grupos no Facebook, os 38


saraus, as tertúlias e outros programas culturais. Vamos estar lá sempre que possível ou através de colaboradores que connosco queiram estar. Gradualmente, vamos colocando no ar os conteúdos que iremos conseguindo, para que em breve a SolarTV seja também o vosso projeto. Venham daí, esta vai ser uma aventura de todos nós. Que o novo ano nos faça sentir força redobrada, para que possamos levar aos outros o melhor do que vamos produzindo. Votos de Boas Festas, um bom ano para todos.

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Escrever, um dever solidário Escrever é um ato de abnegação e de entrega, sendo dever de quem escreve intervir, agir, transmitir, refletir e partilhar; partilhar o que nos vai na alma, mas também partilhar com os outros um pouco de nós. É assim que o envolvimento em atividades de solidariedade com associações abnegadas em servir nos enche de grande alegria, prazer e realização interior. Em boa hora, a poetisa Ana Stoppa colocou no seu coração partilhar com algumas Associações de Solidariedade alguns dos seus escritos, sobretudo livros infantis, para que com a sua ação solidária pudesse ajudar as mesmas na prossecução da sua atividade, suportando com a mesma todos os custos de produção e inerentes. Primeiro: no Dia Internacional do Livro Infantil, lembrando o ilustre mago das palavras Hans Christian Anderson – o escritor que no decorrer da sua atividade literária tanto escreveu para os mais novos. No decorrer da mesma foram distribuídos quinhentos livros infantis da autora – Oração dos Bichos; Estela a Pata Bela; Lelé o Navegador dos Sonhos; e Fada Verbena - cujo produto de venda reverteu na íntegra para duas instituições de apoio à infância – Casa da Criança e Jardim de Infância D. Vitória, ambos da cidade de Vila do Conde.

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Agora, para comemorar o Dia Mundial do Ambiente, no dia 5 de junho, mais uma coleção de quinhentos livros será partilhada numa grande ação de solidariedade com o Instituto Maria da Paz Varzim, instituição que apoia crianças e famílias carenciadas e cuja ação não pode ser ignorada nem deixar de ser exaltada por quem conhece a dinâmica equipa que a sustêm. Paralelamente e com o mesmo fim, dois novos livros serão partilhados: Vida Perene – pensamentos e reflexões, de Ana Stoppa; e …porque Ele vive, livro de inspiração espiritual, de José Sepúlveda. Os mesmos serão também apresentados a público nos eventos a decorrer no Dia Mundial do Ambiente, junto do Stand daquela Instituição, no recinto do Parque da Cidade da Póvoa de Varzim e num grande evento que terá lugar no mesmo dia, pelas 18:00, na carismática Biblioteca do Diana Bar. Estas ações terão o empenho total do Solar de Poetas e dos Poetas Poveiros e Amigos da Póvoa, ao qual dedicarão todo o carinho. Para distribuição destes livros, está igualmente prevista nova ação concertada com a Santa Casa da Misericórdia de Vila do Conde, prevendo-se ainda a organização de outras ações com novas instituições, quem sabe, em Africa, numa ação em que serão apadrinhadas várias crianças, com a assunção de custos de estadia e estudos junto de colégios de outras instituições, pelo período de um ano. Faz sentido um espírito solidário junto dos escritores e poetas. Para além duma atividade social que nos pertence, a satisfação pessoal que cria em cada um de nós é uma boa recompensa por aquilo que voluntariamente partilhamos. Quer juntar-se a esta ação solidária? Então, venha daí! Contacte-nos…

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O meu amigo poeta, Luís de Camões

Falar de Luís de Camões, do seu local de nascimento ou morte, dos locais por onde passou, é assunto por demais abordado por biógrafos, bibliógrafos, professores, por tanto camoniano que por aí prolifera. Na verdade, nem se sabe de forma exata a data e local do seu nascimento. Apesar disso, vou tentar dar um pequeno esboço do percurso nesta vida deste génio da poesia. De origem galega, a sua família vivia em Chaves, mais propriamente em Vilar de Nantes e só mais tarde foi parar à cidade dos doutores – Coimbra e mais tarde para Lisboa. Tanto Coimbra como Lisboa reivindicam o seu nascimento. Simão Vaz de Camões, seu pai, ou a D. Ana de Sá e Macedo (da ilustre família dos Sás) esses sim, é que saberiam dizer-nos com algum rigor. O vínculo literário-familiar era mais tardio. O seu trisavô, Vasco Pires de Camões, era um trovador galego. Por via materna estava aparentado com o ilustre navegador Vasco da Gama. Mas vamos abrir um pouco o livro: Em Coimbra frequentou o curso de Humanidades, provavelmente no mosteiro de Santa Cruz. Isso parece demonstra-lo pela cultura refinada dos seus escritos, cuja aquisição aponta para a frequência da única universidade então existente em Portugal.

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Entre 1520 e 1545, tempo do Piedoso João III, vagueou pela corte de Lisboa como l’enfant terrible das donzelas da corte, cujos galanteios e comportamentos amorosos inconstantes lhe trouxeram alguns dissabores. Aí vai conquistando a fama de poeta de feitio altivo. Muito ligado a D. Francisco de Noronha, da Casa dos Condes de Linhares, acabou por embarcar para Ceuta. Aí perdeu o seu olho direito, em combate. Regressa a Lisboa e a vida boémia foi uma constante. Sãolhe atribuídos vários amores, não só entre as donzelas e damas da corte, mas até com a irmã de D. Manuel I. É então que é destinado a viajar para a India na Nau de S. Pedro de Burgaleses. Essa viagem, sabe-se lá porquê, acabaria por não se concretizar. Regressa a Lisboa, cai em desagrado na Corte, tem uma rixa com Gonçalo Borges e é preso na Cadeia do Tronco durante alguns meses. Obtido o perdão por parte do ofendido, consegue o indulto do rei. Libertado, embarca para a India ao serviço do rei. De repente, surge a público uma sátira anónima, criticando a imoralidade e a corrupção (onde é que já ouvi isso?) atribuída ao poeta e pronto. Cadeia de novo. Teve a sorte de Francisco Coutinho (o seu ‘padrinho’) ter assumido o governo de Goa. Logo que isso aconteceu, viu-se de novo na rua. E não foram os bons ofícios do ‘padrinho’ mais tempo teria ficado na prisão por diversas vezes. Era mesmo travesso, o poeta. Nos anos seguintes vagueou pelo Oriente, ora como soldado, ora como funcionário tendo passado até pela China (sabe-se lá se para abrir algum negócio da china em Portugal). Aí exerceu o cargo de provedor dos Defuntos e Ausentes, imagine-se. Parte para Macau onde viveu numa gruta e continuou os seus escritos. Rezam as crónicas que aí escreveu uma boa parte d’Os Lusíadas. Mais tarde naufragou na foz do rio Mekong onde terá conseguido conservar de forma heroica o manuscrito da sua obra, então já muito adiantada. Ali perdeu a sua companheira chinesa Dinamene., celebrada depois numa série de belíssimos sonetos. Regressa a Goa onde pede a proteção do Vice-Rei D. Constantino de Bragança num longo poema em oitavas. Acaba por ser de novo preso por dívidas. Tendo dirigido suplicas ao novo Vice-Rei D. Francisco Coutinho para ser liberto. Teve sorte. Foi liberto e distinguido como seu protegido. O que vale ter padrinhos.

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Regressa a Lisboa, com escala em Moçambique (Sofala) onde passados dois anos Diogo Couto o encontra. Vive à custa de amigos, revendo os Lusíadas e compondo um Parnaso, com poesia, filosofia e outras ciências, obra que acabou por lhe ser roubada. Acaba por ser Diogo Couto a financiar o resto da sua viagem de regresso a Lisboa, onde aportou em 1570. No ano seguinte consegue autorização da Santa Inquisição para publicar a sua obra. Acaba com uma tença concedida por D. Sebastião, pelos valiosos préstimos no Oriente e pelo poema épico que, entretanto, publicara. Em 10 de Junho de 1580 morre numa casa em Santana, Lisboa, sepultado em campa rasa numa das igrejas das proximidades. D. Gonçalo Coutinho inscreveu numa lápide da sepultura que reservara para o poeta: Aqui jaz Luís de Camões, príncipe dos poetas do seu tempo. Viveu pobre e miserável e assim morreu. O seu túmulo foi destruído com o terramoto de 1755 pelo que se ignora o paradeiro dos seus restos mortais, que não está sepultado em nenhum dos dois túmulos oficiais que hoje lhe são dedicados, um no Mosteiro dos Jerónimos e outro no Panteão Nacional. Pobre poeta que, mesmo permanecendo vivo além do tempo, conta já com dois túmulos à sua conta! Soneto dedicado à sua querida Dinamene, falecida quando do naufrágio na foz do rio Mekong. “Alma minha gentil”, um dos seus mais emblemáticos poemas, foi também dedicado à sua amada.

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Soneto a Dinamene

Quando de minhas mágoas a comprida Imaginação os olhos me adormece, Em sonhos aquela alma me aparece Que para mim foi sonho nesta vida. Lá nũa soïdade, onde estendida A vista pelo campo desfalece, Corro para ela; e ela então parece Que mais de mim se alonga, compelida. Brado: ¨¨ Não me fujais, sombra benina! Ela, os olhos em mim c’um brando pejo, Como quem diz que já não pode ser, Torna a fugir-me. E eu gritando: ¨¨ Dina…, Antes que diga mene, acordo, e vejo Que nem um breve engano posso ter. Luís de Camões

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Ensinar a Crescer A palavra é uma força viva que penetra como faca de dois gumes no âmago dos nossos pensamentos e nos transmite sentimentos que são alicerce na orientação de nossos sentidos. Quando bem direcionada, bem colocada, transmite-nos sensações que nos podem incentivar ao gosto pela vida e que nos permitem caminhar com segurança e confiança nos seus caminhos. Mas, se utilizada inconvenientemente, pode criar em nós um sentido negativo de frustração e desânimo que, ao contrário, nos podem levar a descer na escada que com assaz tenacidade almejamos construir. É por isso que temos a responsabilidade de nas nossas escolas ensinar, ajudar a construir ideias, arquitetar modelos de vida que preparem os nossos educandos para o caminho do futuro e os ajude a viver o amanhã com confiança. É essa também a nossa grande responsabilidade de incutir nos alunos o gosto pela leitura, incentivando-os, ensinando-os, provocando neles um espírito salutar de crítica e de intervenção social, moldando-os para que se transformem nos homens que precisamos para que sejam os alicerces duma sociedade que, esperamos, seja melhor. A leitura é assim o mais eficiente processo de comunicar, transparecendo dela uma espécie de diálogo entre livro e leitor, cujo corolário é a descoberta dos verdadeiros segredos da vida. Quando o verbo (palavra) não suporta (atinge) o imperativo (necessidade), torna-se obrigatório, diria, imperativo – passo a redundância - desvendar caminhos que nos levem a reencontrar o sentido das palavras (a arte do ensino), a essência do viver (alcançar uma sociedade mais justa e equilibrada).

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É nesta simbiose de pensamentos que nos devemos concentrar quando mergulhamos num texto, entregando aos nossos educandos, àqueles que queremos venham a ser um dia os nossos mestres, este testemunho vivo, o LIVRO, para que possam através da leitura de cada palavra, de cada frase ou grupo de frases, desvendar o real sentido da vida. Alicerçados neste pressuposto, importa perguntar, devolver a pergunta que todos os dias colocamos a nós próprios: Até que ponto uma palavra, um grupo de palavras, se pode ou se deve complementar ou contradizer entre si se não tiver como objetivo ensinar a crescer?

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Noite de Natal

Dobrei aquela esquina. Ali num canto, Um pobre vagabundo mais um cão... Olhei com atenção... P’ra meu espanto, O cão comia, o vagabundo não! Nos olhos seus não vi temor ou pranto, Não senti dor, tristeza ou solidão... O vagabundo olhava-o com encanto, O cão lambia alegre a sua mão... Ao longe, na mansão iluminada, Ouviam-se cantar na madrugada Cantigas de louvor ao Deus-Menino. E o vagabundo olhava entre as estrelas, Agradecendo ao cão as coisas belas E a prenda que lhe pôs no sapatinho.

Revista Divulga Escritor n.º 17 48


Hossana nas Alturas

Daí glória a Deus, hossana nas alturas, Louvado seja o Cristo, Rei do Amor, Dobrai vossos joelhos, criaturas, Que hoje vos nasceu o Salvador. Ide e anunciai pastor após pastor , A todo o camponês, p'lo mundo além, Que numa manjedoura, envolto em dor, Jesus nasceu na gruta de Belém. No berço humilde, dorme o Deus Menino Ao lado da vaquinha, do burrinho, Do pai da mãe, tão doce companhia. Correi e anunciai a toda a gente Que o Pequenino espera tão contente Poder viver convosco esta alegria!

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Ser Mulher Utilizar a poesia e a arte para levar avante um ato solidário com o significado que assume esta iniciativa é verdadeiramente gratificante, salutar e de louvar, tal o sentimento de ternura e beleza que o envolve. Em boa hora, um grupo de mulheres sensíveis, delicadas e possuidoras de um coração invulgar decidiu dar as mãos para gritar às suas companheiras que lutam em silêncio que estão consigo, de mãos dadas, de coração aberto, para enfrentar o flagelo que as atormenta, para que essas mulheres-coragem, heroínas autenticas, se sintam fortalecidas, com espírito de vencedoras nessa batalha cuja guerra não devia ser sua e para a qual nela entraram a despropósito, de modo cobarde e desigual. E é usando as ferramentas que possuem que poetas, artistas e pintores, se juntaram para trazer um pouco da sua energia, do seu sentir, da sua solidariedade e espargir o bálsamo suave traduzido num sorriso de confiança, de esperança na vitória. Eis que a obra surge. O aparecimento desta Antologia e das iniciativas que a envolvem são demonstração firme de que vale a pena lutar até vencer. Um grande bem-haja para quem tomou e abraçou a iniciativa com a certeza de que a si muitos se juntariam, muitas vozes se levantariam para gritar o mesmo grito, com a mesma amizade, o mesmo carinho, para abraçar com nobreza de carater essas mulheres que lutam e que amam. 50


Ah, como é bom senti-las, empreendedoras, trabalhadoras, escritoras, poetas, rainhas do lar, quantos adjetivos esquecidos que nunca iriam traduzir na sua pura e verdadeira essência o seu real valor e encanto. A força e a coragem que delas transparecem a cada instante, o seu alento, nos ensinam quão pequeninos somos quando colocados a seu lado! Por isso junto o meu grito ao vosso, como se de um só grito se tratasse, de heroínas para heroínas, um grito que ecoe além do tempo, além da eternidade, não só como voz inconformada pelas agruras da vida, mas, sobretudo, como mensageiras de paz e de esperança numa vida mais justa e mais fraterna. Bem-haja, heroínas! A Antologia Ser Mulher foi editada graças à generosidade de pessoas solidárias e o produto da sua venda destina-se a apoiar a luta contra o cancro da mama. Lídia Moura Ana Stoppa Elvira Santos Com este movimento solidarizou-se o Solar de Poetas que com a Lídia Moura e a Mosaico de Palavras Editora participou colaborou na sua concretização, a cujo projeto se associaram diversas entidades e muitas pessoas anônimas.

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A Gaveta Era frequente reunirmo-nos naquela salinha, primariamente concebida para escritório do ministro do Evangelho que deveria servir na nossa pequenina Igreja da Rua do Pinhal. Mas o espaço só raramente foi utilizado para esse fim, sendo usado como arquivo ou sala de apoio e fortuitamente para usar o sanitário ali existente. Havia ali dois sofás indivi-duais, uma cadeira de apoio e a cadeira que servia à robusta secretária de madeira ali existente. Uma estante era usada para alojar alguns livros e pastas de arquivo da secre-taria da Igreja. Num canto, uma porta de acesso ao tal lavabo de apoio à sala. E era ali que por norma nos reuníamos para cavaquear um pouco antes de cada reunião. Entre os habitués do espaço estava o Né Pinto, um invisual, membro assíduo e dedicado da Igreja e que duas vezes por semana - fora os dias em que andava a calcorrear por todos os recantos da cidade - se deslocava a pé de sua casa situada a uns dois bons quilómetros, fizesse chuva ou fizesse sol. Percorria as ruas com uma ligeireza tal que surpreendia qualquer passante que quase sempre o saudava com carinho: - Bom dia, Né… - Bom dia - respondia, chamando sempre pelo nome os seus interlocutores. - Vais até a Igreja? - Vou por aí. É preciso alimentar a alma… O Né era operário numa fiação onde exercia com grande profissionalismo a função de revisor de tecidos.

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Deliciávamo-nos a ouvir as suas histórias às vezes rocambolescas e experiências de vida interessantíssimas. Quando abríamos a gaveta, saltava-nos à vista uma perfuração no fundo da mesma. Nos convívios que naquela salinha iam acontecendo quase sempre a história da gaveta da secretaria vinha a tema de conversa e amiúde gracejávamos com o “descuido “de certo operário que de forma pouco profissional tinha deixado a gaveta com esse buraco inusitado no interior e que a atravessava em toda a sua largura. Como foi possível ter passado despercebido? Ó Joaquim, tira lá uns minutos para arranjar isso, pá! – gracejavam os presentes, para o homem tapa-furos lá do sítio. Durante muito tempo, negligentemente, a gaveta permaneceu assim, sem que vivalma tivesse o descorrimento de a mandar consertar. E os comentários iam-se sucedendo sem que ninguém tomasse qualquer iniciativa para colmatar o problema. Um dia calhou ao Né Pinto sentar-se na cadeira da secretária. Chegou um pouco mais atrasado e o seu lugar habitual estava ocupado. Alguém, gentilmente, lhe ofereceu a cadeira da secretária. No meio daquela cavaqueira reparamos a dado momento que a mão do Né, sorrateiramente, se infiltrava na gaveta até que atingiu o famigerado buraco. Um pesado silêncio se fez sentir na sala e todos os olhares se dirigiram espantados para ele. Abriu-a, tateou o forro e detetou o orifício. Silente, estendeu a mão direita por debaixo da gaveta até chegar mesmo lá ao fundo. Tateou de novo, agarrou na ponta do forro e com um brilho nos olhos, empurrou-o em direção a si, recolocando-o no seu devido lugar: - Já está - desabafou. Abriu-a com um sorriso nos lábios e, perante a estupefação dos presentes, desabafou: -Temos gaveta!

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O Grito dos Poetas Eram já passados mais de quarenta anos desde que o ditador se instalara no poder onde, gradualmente, se foi fortalecendo e criando à sua volta o grupo sinistro da Polícia Política que, na prática, ficou a controlar tudo o que era movimento político na sombra. Das masmorras da sua sede estava aberto um túnel pretensamente secreto, mas que toda a gente conhecia por onde ‘desapareciam’ tantos resistentes ao regime, depois de torturados e mortos pelos energúmenos seres. Gradualmente, a resistência foi construindo as suas raízes junto da camada estudantil e o operariado objeto de grande exploração laboral. O Alentejo foi onde mais se desenvolveu, pela ação de grupos essencialmente marxistas e que na clandestinidade eram apoiados por países que perfilhavam esse regime Mas foi no grito dos poetas que o regime encontrou os focos da grande resistência que levariam um dia ao culminar da ditadura. Já tinha passado o golpe de Botelho Moniz, fracassado, a tentativa de Norton de Matos e a sua proposta federalista com as ex-colónias e o grito de liberdade do General sem medo, Humberto Delgado que ao desafiar o ditador com a célebre frase: - Obviamente, demito-o – fora obrigado a exilar-se porque o regime fizera das eleições uma farsa, tendo-se exilado e sendo por fim assassinado quando entrava clandestinamente em Portugal vindo de Espanha. Pelo meio, o desvio do Paquete Santa Maria, que acabou atracando em terras do Brasil, o desvio de um avião da companhia de aviação nacional e o assalto ao Banco de Portugal.

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Na década de sessenta, logo após o início da guerra colonial, tornaram-se mais aguerridas as lutas estudantis, sobretudo junto à Academia de Coimbra. Foi desse movimento, que atingiu o rubro em 1968/69, sobretudo em Coimbra, que surgiram alguns daqueles que viriam a enfrentar os ditadores através das suas ações na clandestinidade, com a politização dos grupos operários e proletariado agrícola. Os seus versos e as suas canções de intervenção espalharam-se ao longo de todo o país e passaram para o estrangeiro, onde se refugiaram muitos jovens marcando assim a sua rejeição ao clima de uma guerra injusta e sem sentido. Por toda a Europa, mas com mais predominância em França, muitos poetas e trovadores percorriam as colónias de emigrantes que haviam saído do país em busca de melhor vida. Mas também no Canadá, e por muitos países por esse mundo fora a sua voz se fazia ouvir, tentando assim esclarecer essa grande mancha de portugueses espalhados pelo mundo. De Argel, o poeta Manuel Alegre fazia ouvir o seu grito de revolta através das ondas artesianas, ouvidas em segredo em tantos lares que almejavam um pequeno raio de luz que surgisse ao fundo do túnel, onde vagueavam sem encontrar uma saída. Com a chegada da denominada primavera marcelista, um pretenso liberalismo no início da década de setenta e com a proliferação dos grupos de poetas e trovadores agora espalhados em maior número por essas terras da Europa, África e América, com sessões contínuas onde quer que fosse, respirava-se um ar de liberdade que se ansiava mas que tardava em chegar. Os militares estavam cansados da guerra. Os trabalhadores eram reprimidos em manifestações muitas vezes proibidas e perseguidas pelo regime que, com estas ações enchia continuamente as masmorras de Caxias, Peniche e Tarrafal (esta em Cabo Verde). António de Spínola, o homem que levou à Guiné a chamada guerra psicossocial, estava descontente com o regime e lança o seu livro Portugal e o futuro, logo proibido pelo regime. Foi editado, à revelia do sistema, já com ele como vice-chefe do estado-maior das forças armadas, com autorização do seu chefe, então o General Francisco da Costa

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Gomes, imediatamente demitidos dos seus cargos logo que o livro foi editado e começou a ser divulgado. E eis-nos chegados a 16 de março de 1974, quando se deu a denominada Intentona das Caldas. A organização do golpe ainda não estava suficientemente amadurecida e o golpe fracassou. Isso só serviu para que as coisas avançassem mais rapidamente já que os oficiais envolvidos foram todos metidos na prisão e havia necessidade de voltarem à liberdade. E eis-nos na madrugada de 25 de Abril de 1974. Pela meia-noite passa numa das rádios já controladas pelo Movimento a canção senha que daria o sinal de que a revolução estava em marcha. De madrugada, Salgueiro Maia reúne na parada os seus soldados e diz-lhes: “Há vários tipos de Estados: comunistas, socialistas, fascistas … e o estado a que chegamos. É a esse estado que hoje vamos pôr um fim.” E sai do Quartel de Cavalaria em Santarém em direção ao Terreiro do Paço. Ao movimento juntaram-se milhares de populares, cantando a viva voz e sem nada temer as músicas que no silêncio da noite, nas suas casas ou em grupos restritos de amigos haviam aprendido ao longo dos últimos anos. O grito dos poetas – militares, trabalhadores, operários, camponeses, fazia-se ouvir e nada poderia fazê-los recuar da sua ânsia de um mundo melhor. Chegara, enfim, o momento de alcançar a sua Liberdade

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Fernando

O Fernando era um jovem com pouco mais de vinte anos, afável e calmo. Carpinteiro de profissão, pelos anos cinquenta, no exercício da sua atividade, andava a instalar a parte de carpinteiro no edifício do Sindicato dos Têxteis. Pessoa de grande sensibilidade, gostava de estar acompanhado a conversar. Eu frequentava a Escola Primária, provisoriamente a ser ministrada nesse local, em salas improvisadas, à espera da conclusão das obras da nova escola, então em curso, a caminho da Igreja. Tantas vezes nos cruzámos por ali que acabámos por nos tornar amigos. Embora eu fosse ainda uma criança de sete ou oito anos, o Fernando captou a minha amizade. Dele transparecia uma apurada sensibilidade poética que me fez aproximar de si. Gostava de o ver improvisar umas trovas, sorrindo, às vezes cantarolando. Por isso, ao início da tarde, lá ia eu com a jaqueta que meu pai, alfaiate, me fizera, lançada sobre os ombros, cheio de importância, como se de um homem se tratasse. Muito senhor do meu nariz batia de modo autoritário no grande portão de acesso que havia nas traseiras do edifício onde o Fernando montara a sua oficina. - Truz, truz, truz! - E lá vinha ele apressado, atravessando todo o rés- do-chão para abrir a porta a sua excelência o amigo daquelas horas de solidão. Um dia, falando do motivo porque não ficava em Delães, em vez de regressar a casa todos os dias - ele vivia a uns bons quilómetros de distância, que fazia numa velha bicicleta - eu disse-lhe: 58


Se não quiser ir embora, fica na Pensão Aurora. (A pensão Aurora era um recanto quase familiar onde se alojavam forasteiros que tinham necessidade de pernoitar por ali). O Fernando olhou-me com surpresa e exclamou: - Olá, olá! Rima e tudo! Tens perfil de poeta! Aquilo saiu a despropósito, mas acho que foram as minhas primeiras rimas. Mas esta simples observação do amigo provocou em mim um desejo de um dia ser poeta. Foi ganhando corpo e era ver-me pouco tempo depois, escondido atrás da porta do Talho da Armindinha ou da Alfaiataria do Armando, meu pai, a exibir as minhas qualidades a quem por ali andava, ora improvisando rimas, ora cantarolando melodias populares conhecidas com versos feitos no momento, sob o riso dos presentes que se deliciavam a ouvir o poetinha improvisado. A minha cara patusca e traquina, o meu sorriso atrevido, alegrava-os e assim, para provocarem o momento, desafiavam-me e ofereciam-me como recompensa dois ou cinco tostões para ir à tasca do Ribeiro comprar rebuçados ou um pacotinho de tremoços que vinham numa espécie de cone feito em papel de embrulho, quando não, em jornal ou qualquer folha arrancada duma lista telefónica. - A poesia são textos compassados adornados de flores. Esta frase massacrava os meus ouvidos. O tempo foi passando e foram surgindo as primeiras incursões na poesia, com as leituras da terceira e quarta classes: Augusto Gil, António Correia de Oliveira, João de Deus, Almeida Garrett e tantos outros. E a minha mente ia captando a melodia das palavras, essa melodia que a professora bem traduziu numa definição simples, mas real do conceito de poesia: - A poesia são textos compassados adornados de flores... Que bela definição. A métrica, a musicalidade, a beleza estética, tudo... E alguns desses primeiros textos compassados, adornados de flores, nunca mais saíram da minha mente:

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Batem leve, levemente, Como quem chama por mim Será chuva, será gente? Vento não é certamente E a chuva não bate assim. (Augusto Gil) ... Vindo o lavrador da arada Encontrou um pobrezinho E o pobrezinho lhe disse Leva-me no teu carrinho (Cancioneiro Trasmontano) ... Acima, acima, gajeiro, Acima ao mastro real Vê se vez terras de Espanha, Areias de Portugal (Garrett) ... O tempo voava e eis-me na Póvoa no ensino secundário. Foram então os primeiros contactos com aqueles que viriam a transformar-se nos meus grandes Mestres: Camões, Florbela, Bocage, Antero. Depois, Nobre, Cesário, Pessoa, Régio, Sophia, Eugênio de Andrade, Namora, Gedeão, Vergílio Ferreira e tantos outros. Era a vez de Veríssimo, Amado, Vinícius, Dostoievsky, Gorky, Tolstoi e outros que foram chegando gradualmente. Mas foi Vladimir Korolenko que me marcou grandemente com o Músico Cego. Marcante mesmo. A partir daí, a poesia foi fluindo e, gradualmente, este aprendiz de poeta foi construindo a sua liberdade, muitas vezes ameaçado por um vulcão ébrio atrevido, irreverente, promíscuo e endiabrado que a vê expelida pelas lavas incandescentes duma vida agitada que o prendem a grilhões dos quais não pode ou não deseja libertar-se. Não sei se algum dia chegarei a ser poeta. Quanto ao Fernando - como diria essa bela poetisa do Rio Grande - o Fernando, nunca mais o vi!

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I Expoética em Braga

Um encontro com as Artes é sempre um motivo de alegria para todos os que abraçam a Arte como uma forma de estar na vida. Assim aconteceu em Braga, no decorrer dos dias 1 a 15 de julho. Projeto da iniciativa da professora e poetisa Fernanda Santos, num abraço com o Pelouro da Cultura da Autarquia e a Biblioteca Lúcio Craveiro da Silva, a par com generosa colaboração da artista plástica Sabina Figueiredo, um enorme número de artistas – poetas, escritores, escultores, pintores, músicos, trovadores e outras gentes da cultura – responderam ao desafio e durante todo o mês de Julho, a Fundação Inatel, em Braga, foi o palco onde as artes se cruzaram em delírio. Corria então a Feira do Livro da cidade e os ânimos eram elevados. Essencialmente de todo o norte de Portugal e da Galiza, mas também de muitas cidades deste país à beira mar plantado, como diria o nosso Camões, ei-los em romarias constantes animando as tardes e noites numa rotina onde cada arte se fez sentir em todo o seu esplendor. Com uma dedicação desmedida, Fernanda Santos e Sabina Figueiredo marcaram presença dia após dia, organizando, moderando e animando o espaço, extraindo de cada poeta, esmifrando de cada autor, de cada artista, o que melhor se vai desenvolvendo nas artes. Noites de convívio, cheias de entusiasmo e alegria, onde, uma após outra, as almas dos poetas se iam desnudando num frenesim alucinante. Como passou depressa o mês de Julho, como foram curtas as sessões de cada dia, onde transparecia que algo mais precisava de ser dito e

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cada instante se esgotava velozmente Foi assim o mês de Julho na cidade dos arcebispos, a Bracara Augusta, um dos recantos onde nasceu esta prole de poetas e escritores. Aos organizadores, aos poetas, escritores e outros artistas, a todos que por lá passaram para dar a sua contribuição, em nome das artes, bem hajam.

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A Arte “A Arte é tudo, o resto é nada” (Eça de Queiroz)

Quando os artistas dão as mãos, a magia acontece. Tem sido assim nos saraus e tertúlias que vão proliferando para além destes espaços cada vez em maior número onde, com o pretexto de se falar de poesia, de música ou de pintura, os artistas se reúnem para partilhar emoções e mostrarem um pouco da sua arte. Curioso notar-se que um artista raramente desenvolve uma só arte. É vê-los na sua criação poética, muitas vezes com belas ilustrações que cria dedicadamente ou mesmo trauteando de improviso os sons mágicos extraídos dos textos que dedicadamente cria. E lá está o artista fotógrafo para registar esses momentos únicos. Mas, o interessante, sem dúvida, é quando os artistas se unem, qual simbiose, para partilhar experiências e interpretar-se entre si. Tem sido comum entre os eventos a que tenho assistido e nos quais venho participando desse desejo, esse impulso de partilha (in)vulgar, em que os poetas interpretam artistas plásticos ou estes os poetas nas suas criações, ou os músicos se colam aos seus instrumentos e, muitas vezes improvisando, interpretam esses companheiros de arte, exibindo ali as suas criações, em certames cada vez mais concorridos, ao som do piano, do violino ou da viola, delícia de todos aqueles que têm o privilégio de partilhar esses momentos. E é neste labutar constante que a alegria surge e que o incentivo às artes se pode ler em cada gesto, criando em cada um momentos de excelso prazer e desejo de partilha.

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Se bem que cada arte tenha as suas características muito peculiares, esta interligação entre artistas motiva toda a gente, levando-nos a viver e a partilhar as emoções uns dos outros. Como seria bom que estes pequenos nadas em favor da arte pudessem prosseguir com entusiasmo e que pudéssemos continuar a ver poetas, escritores, músicos, pintores, escultores e demais artistas envoltos nesta onda de cultura que a todos beneficia e a quem proporciona momentos de prazer, de convívio e de amizade que tornará a vida mais agradável e ajudará a erguer mais alto o estandarte daquilo que mais vale a pena no percurso da nossa peregrinação, tendo sempre presentes essas palavras sábias de Eça de Queiroz: A arte é tudo, o resto é nada.

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A cor o som e a poesia

A vida, a cor, estendem-se no espaço Com gestos de pureza e fantasia, São filhos que te saltam do regaço Num cântico de amor e de alegria. Ouço teus gritos, sigo-os passo a passo Até ao infinito e se algum dia O sonho se estender num longo abraço, Eu cantarei um hino à poesia. Deixa vibrar o sonho e a quimera, E seja grande ou não a tua espera, Na cor e no amor a tela se desventre. E aos céus eu lançarei este meu grito Para que viva o sonho, a paz o mito, A cor e a poesia eternamente!

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Natal

Que frio! Cai a neve lá na aldeia… E os pequeninos correm ao quintal Em busca de pedrinhas e de areia Para o presépio deste seu Natal. E partem pelo vale, pelo monte, Colhendo musgos, líquenes, azevinho, À espera que a avozinha venha e conte A história da vaquinha e do burrinho. E mesmo com as mãozinhas tão geladas, Constroem seu presépio... E animadas Co’as luzes que dão brilho ao seu redor, Revivem o Natal da sua aldeia E toda essa magia que rodeia A história do Menino Deus de Amor!

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O burrico

De pelo pardacento e olhar brando, Ali ficou num canto do curral A ver aquela estrela que, brilhando, Anunciava a noite de Natal. Olhava à sua volta com desmando E os urros em surdina mal continha Ao ver essa criança despertando Do ventre puro e santo da mãezinha. Surpreso com este ato inesperado, Olhava o pai, dobrado em seu cajado, Junto ao rebento, com sentir profundo. E via a jovem mãe, p’la noite dentro, Com ele ao peito e com o sentimento Que ali nascera o Salvador do mundo!

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O Russo e a Mimosa

⁃ Ouviste, Russo? Alguém abriu a porta, Eu tento ver quem é, mas não consigo! ⁃ Não é ninguém, Mimosa, a hora é morta, Quem ousaria vir ao nosso abrigo? ⁃ Entraram. Não há palha que nos valha! ⁃ Tem calma, é um casal, anda perdido! A mãe vai dar à Luz naquela palha. ⁃ Que possam ficar bem no nosso abrigo! ⁃ Nasceu! Pobre criança, está tão frio! Que tal ir aquecê-lo co'o bafio Do nosso respirar e nesta hora Essa criança em nós possa encontrar Um pouco de conforto e se calhar Até gostar da nossa manjedoura?

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Armando, memórias do hospital Durante uma parte da sua infância e juventude, o pai Armando foi criado por uma madrinha freira que o acarinhou e que conseguiu que lhe fosse cedido um pequeno cubículo no hospital onde ela exercia a sua atividade de enfermeira, quarto que Armando partilhava com o Joaquim, outro rapaz que, como ele, vivia o mesmo infortúnio de não ter pais. Nascido duma ligação ilícita fruto dos amores de Emília e João, jovens cheios de ideais e de fulgor, Armando viu depois o pai rejeitar a sua paternidade, pressionado pelos oblíquos valores de família imposto pelos seus pais e que à época, hipocritamente, feririam as tradições ancestrais duma família pequeno-burguesa. Ameaçado de ser rejeitado do seu seio familiar, caso não acatasse aquela ordem patriarcal, e para esquecer esse seu espúrio amor, João foi persuadido a repudiar a mulher que amava e a negar o seu próprio rebento, nascido duma relação de amor profundo. Afinal, adiantava a família, a fulana não passava de uma leviana, uma vadia que não tinha onde cair morta. E eis a emergente mãe com o filho ao colo, sozinha, desonrada, triste e agora abandonada por aquele a quem entregara a sua vida, a calcorrear, de saco na mão, uma estrada sem rumo, sem fim, naquela peregrinação longa e penosa que lhe deixou marcas profundas. Quando mais tarde tentou refazer a sua vida, de novo lhe fora imposta nova provação: Esquecer o seu rebento, o filho querido que com amor gerara, o pequeno Armando. Era a condição para o novo enlace. Foi então que este se viu lançado nos braços generosos daquela freira, a sua nova mãe, acabando assim recolhido por caridade no cubículo sombrio daquele hospital. 70


Ali foram crescendo os pobres rapazes, na ânsia de conhecer o mundo e os seus aliciantes, tornando-se traquinas e aventureiros. Armando e Joaquim combinavam entre si as escapadelas noturnas, alguns momentos que saciassem aquela ânsia de aventura e os fizessem esquecer por instantes a frieza com que a vida os tratava ali, entre as quatro paredes no hospital, acorrendo às solicitações de tudo e de todos. Quando chegava a noite, saltavam pela minúscula janela do quarto e sob proteção da treva, ei-los partindo à aventura para a conquista almejada da liberdade que a todo o instante viam escapar por entre os dedos. Um dia fugia um, no dia seguinte, o outro, para que pudessem controlar qualquer percalço e se fossem protegendo mutuamente, durante a sua ausência. Essa noite, cabia a vez ao Armando. Coberto pela noite, pisgou-se sorrateiro e lá foi. O hospital estava em alvoroço, vivia-se um movimento inusitado. O minúsculo quarto foi então tomado de assalto, sendo Joaquim dali desalojado, a fim de na cama ser colocada uma convidada muito especial. Nem deram pela ausência do Armando. Não havia telemóveis nesse tempo... Sinais de fumo? Qual quê! Há muito não havia sinais de fumo, à boa maneira dos índios do faroeste americano. Gritar? Seria um ato de loucura. Quando regressou, Armando vinha contente e feliz. Que noite! Um verdadeiro deleite. Pé-ante-pé, aproximou-se com cautela e, silente, saltou o postigo e entrou na cama em silêncio, tentando acomodar-se como odia. Era ainda noite profunda. Iluminado pela nesga do pequeno janelo daquele quarto, tateava como podia, num silêncio sepulcral. Entrou na cama. Ao sentir-se incomodado pela falta de espaço, estende o braço para o lado do amigo e segredou: - Joaquim, chega para lá, não tenho espaço, pá, ainda vou parar ao chão – reclamava. Eh, pá, estás gelado, moço! Mas Joaquim permanecia mudo e quedo como uma pedra. - Que raio! Desagradado e sem nenhum conforto, aconchegou-se como pode e repetiu: - Estás gelado, pá, arreda-te! E, exausto, adormeceu. ... Entravam já pelo postigo os primeiros alvores da manhã. Sonolento, cansado pelo desconforto duma noite sem dormir, vira-se e depara 71


com o cândido olhar duma velha horrenda, hirta, inerte, afinal, a sua companheira de cama durante a longa noite de vigília. Sobressaltado, em pânico, salta da cama e grita: - Está morta, está morta! E quase nu, corre porta fora, blasfemando com toda a gente que, surpreendida, assistia àquele episódio insólito. E, exorcizando-se em obscenos gestos, como se dirigidos a quem lhe preparara essa tramoia, desapareceu... Rezam as lendas que foi nessa noite que Armando adquiriu aquela gaguez rouca, nervosa, que o acompanharia no decorrer de toda a sua peregrinação. Quem sabe! Essa verdade ou não, esse segredo, iria acompanhá-lo por todo o sempre, ao longo dos caminhos da sua eternidade. Revista Divulga Escritor n.º 25

P.S. – João, o pai, casou. Desse enlace, gerou um filho e uma filha. Ao filho, deu o nome de Armando. Não teve geração; À filha deu o nome de Emília, que enveredou pela vida religiosa. Ironia do destino, João e Armando acabaram por residir, por caminhos distintos, na Póvoa de Varzim. Ambos empresários: Armando, com uma pequena indústria de confeções; João, com uma pequena taberna na saída da cidade. Um dia, teria eu os meus doze anos, o pai Armando chamou-me e disse-me: - Vem conhecer o teu avô. E lá fomos. Encontrámo-lo ao balcão, servindo umas canecas de vinho de pipa. Ao ver-nos, fugiu para o interior, sendo substituído por uma lavradeira. Vi-o apenas de soslaio. Não mais apareceu. Só voltei a vê-lo no dia do seu funeral (faleceu no mesmo dia que a avó Clotilde, a minha avó materna, esta, em Santo Tirso. Parte da família foi para lá. Eu o meu pai e uma minha irmã ficamos no funeral do meu avô).

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Solar de Poetas, Coletânea II Um marco na vida do Solar De Poetas Ao fim de sete anos, seguindo um percurso nem sempre fácil, depois de muitos líderes terem passado pela sua Administração, saindo muitas vezes para dar origem a outros grupos de poesia, a Administração do Solar de Poetas decide apresentar aos seus leitores e amigos, a segunda Coletânea de Poesia, com a chancela do seu nome, de novo em parceria com a Modo-cromia Editora que tem vindo ao longo de alguns anos a ser a sua parceira editorial. A primeira teve lugar em 2014 e foi uma referência no espetro literário de então, sendo referenciada por muita gente ligada à arte literária e que contou com participantes de prestígio reconhecido. A segunda, editada agora, redunda igualmente num grande êxito editorial, com a presença de 94 autores, muitos deles com nome feito nestas lides e que prestigiaram muito a edição. Alargados uma vez mais os horizontes e espectativas, ei-la integrando um bom número de autores portugueses, residentes e da diáspora portuguesa no mundo, brasileiros e italianos, não tendo ido mais longe por dificuldades diversas surgidas com autores doutros países lusófonos. A Reportagem do evento do lançamento na carismática Biblioteca do Diana Bar, na Póvoa de Varzim, já publicada em e-book, atesta bem da singularidade e êxito do evento que se pautou por uma noite cheia de alegria que teve para a animar na componente musical o Grupo de Cantigas Regionais da Universidade Sénior do Rotary Club da Póvoa 74


de Varzim que com o seu prestígio e qualidade abrilhantou a noite com música regional de relevo e que teve ainda a cobertura em fotografia e vídeo da Informédia, Rádio e Tv. Estas duas edições juntam-se assim a muitas outras temáticas, publicadas em e-book ao longo dos anos e que versaram temas tão diversos como maus tratos, mulher, poesia, natal, desporto e muitos outros. O Solar de Poetas cresceu e ao longo dos anos teve necessidade de setorizar a sua atividade, criando dois novos grupos: Solarte, a Arte no Solar; e Solar-si-dó, a música no Solar, além de mais dois canais de divulgação: Canal de Divulgação do Solar (Casa do Poeta) e SolarTv online. Graças ao dinamismo do seu grupo de Administradores e do Corpo de Comentadores, o grupo tem crescido em número e prestígio. Continuou com as suas relevantes parcerias com Divulga Escritor, Modocromia Editora e três programas de rádio semanais, cujo tema é a poesia: Hora de Poesia (Rádio Vizela); Conversando com as Palavras (Rádio Matosinhos online) e Culturando (Informédia, Rádio e Tv). Outras virão em breve para que o prestígio do grupo possa assim ser cada vez mais reconhecido. Saúdo a Rosa Maria Santos, administradora executiva do Grupo Solar e a Maria Esther, diretora da Modocromia Editora, como as grandes obreiras desta coletânea, a quem se deve o êxito desta publicação. Saúdo também o grupo Divulga Escritor e as Rádios parceiras que não se cansaram de divulgar esta edição. Como Fundador e Coordenador do Grupo, a minha gratidão.

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Triologia da Vida

Desde há muito tempo que tinha nos mais recônditos pensamentos a vontade e o desejo de passar a texto memórias e estórias dos meus tempos de menino que no percurso da vida me seguiram e agora me obrigaram a concretizar esse desejo na nobre forma poética. Chegou a hora de os reunir em três livros, profusamente ilustrados, onde em cada página são relatadas lembranças de menino, estórias vivas e retratos de família, como legado às novas gerações e que duma forma ou de outra foram seguindo e seguem ainda o trajeto dos meus passos. Surgiu assim Josíadas, A Epopeia da Vida, escrito de raiz, em cento e cinquenta sextilhas decassílabas, e que segue o percurso da minha infância, adolescência e juventude, sem preocupação de ser exaustivo, mas deixando fluir memórias antigas ou não, que atingiram os dias de hoje. Nele são descritos episódios vividos ao longo de dezenas de anos, ilustrados com imagens, sempre que possível dos próprios lugares e dos seus protagonistas. 76


Depois, havia que complementar com Estórias Reais, a Marcha da Vida, que nos lembram lugares, pessoas e estórias, registando vivências que doutra forma ficariam para sempre esquecidas. Por fim, e como complemento, Génese, Histórias de Família, onde mergulho na ancestralidade das minhas gerações e vou contando em poesia, pitorescas histórias, dando a conhecer raízes da mesma gesta, em percursos muitas vezes distantes e colaterais, mas com curiosas estórias que me dá gosto partilhar. Segue-se uma abertura das janelas do tempo, onde se vão desdobrando experiências, muitas vezes com algum humor, do trisavô, dos bisavós, dos avós e pais ou da minha geração, levando-me a reviver passagens que me transportam a tempos ancestrais que não vou esquecer. Tudo isto traduzido em três e-books, disponíveis graciosamente na minha página pessoal, e que vos convido a visitar. A esta triologia, que comporta cerca de quinhentos poemas, outros livros se vão seguir, que divulgarei no momento próprio. Pela vossa visita e apreciação, um antecipado Bem Hajam.

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Espírito das Artes Não são raras as vezes em que a Arte, nas suas diversas vertentes, se cruza por essas terras fora em tertúlias, exposições e outros eventos culturais que ocorrem cada vez com mais regularidade e em maior número. Desta vez, resolveram alguns amigos organizar um evento diferente, o Espírito das Artes. Encontrado um lugar privilegiado para o efeito, eis reunidas num único evento a poesia, a pintura, a música, a escultura, a fotografia. Um manancial de expressões artísticas onde cada um expressa os seus sentimentos e o seu ímpeto artístico e o partilha durante um dia, iniciando com um almoço de convívio, a que se seguem sessões de expressão poética para interpretar a arte em exposição, complementada com uma mostra fotográfica que conta com a prestação de dois excelentes mágicos da imagem real. A panóplia de artistas plásticos, complementada por uma mostra de escultura, conjugada com expressão poética, interpretativa das telas em exposição, conta ainda com a participação de músicos de excelência, no violino, no saxofone e no teclado que transformam este evento num aliciante, aberto a quem quiser estar presente. Depois, uma sessão de convívio e lazer nos magníficos jardins. Para terminar com chave de ouro, uma sessão de poesia, onde os poetas presentes vão poder mostrar a sua veia e que vão transformar o momento num verdadeiro convívio digno de príncipes. O lugar escolhido foi a Quinta do Espírito Santo, em Arcozelo, Vila Nova de Gaia, Quinta transformada em lugar de eventos sociais e de

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cultura. A simpatia dos anfitriões é a cereja em cima deste apetitoso bolo que apelidamos de Espírito das Artes. A organização é duma equipa experiente: José Sepúlveda, Adias Machado e José Sá, a que se juntaram Amy Dine, Rosário Pereira e Sabina Figueiredo, além de dezenas de muitos atores que tratam a arte com o maior carinho e dedicação. Data da ocorrência: 16 de julho de 2017, com a presença de muitas dezenas de artistas e amigos. A arte pela arte, a fim de que se tornem vivas as palavras de Eça de Queiroz: - A Arte é tudo, o resto é nada.

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Feliz Aniversário Revista Divulga Escritor Passaram quatro anos. Tenho ainda bem vivo na memória o dia em que a Shirley me enviou uma mensagem que anunciava o propósito de criar a Revista Divulga Escritor, com o fim de dar maior visibilidade às entrevistas que semana após semana ia fazendo a escritores e poetas do espaço da lusofonia que almejavam ver os seus escritos divulgados através das redes sociais, levando a sua mensagem aos mais recônditos espaços desta aldeia global aonde coabitamos dia-a-dia. Com entusiasmo, abraçamos esta nova parceria, que temos apoiado e divulgado ao longo da criativa publicação que surgia. Surpresa após surpresa, eis que surge, neste entretanto, um novo projeto – Revista Acadêmica – uma criança que vai encontrando o seu espaço próprio e que cresce, para se tornar com o tempo num novo baluarte na divulgação do nicho de cultura que abraçou. Um ponto alto da Revista Divulga Escritor, para nós, foi atingido na publicação de número 17, em Dezembro de 2015, quando de mãos dadas abraçamos o seu lançamento com um número dedicado em especial a autores portugueses, do Solar de Poetas e não só que, com entusiasmo, se desdobraram, promovendo-a, divulgando-a profusamente através de todos os canais a que tiveram acesso. Momento inesquecível para os poetas do Solar de Poetas, parceiro dedicado deste projeto deste a primeira hora. No momento em que a Revista comemora os seus quatro primeiros anos de vida, queremos felicitar a jornalista Shirley Cavalcante pela 80


sua tenacidade e pelo carinho que vem dedicando à causa da divulgação de autores através do espetro cibernético e ao longo de todos os recantos do pequeno mundo em que vivemos. Que nos anos que se vão seguir, Divulga Escritor continue a deixar bem marcada a sua pegada cultural em todos os lugares por onde passe, de modo que a voz de muitos pensadores, autores e poetas possa ser ouvida por toda a parte. Obrigado, Shirley, parabéns pelo dinamismo e iniciativas com que cada dia nos surpreendes. Viva o Divulga Escritor! Uma criança que nasce Neste espetro, num momento, Que o nosso caminho faz-se Caminhando pelo tempo!

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Em Busca do Infinito Quando pela noite me encontro comigo, logo me sobrevêm pensamentos mil que muitas vezes me levam em viagem pelos caminhos desconhecidos da fantasia. E vejo campos verdejantes. Flores multicolores que brotam daquele manancial de verde à minha frente e eu correndo, correndo sem parar. E procuro entender essa beleza, essa sensação de paz, essa ânsia de infinito… e mergulho num poema. Estranho o ser humano, uma fonte de força e de energia, muitas vezes descartados como se fúteis e sem interesse. E penso em Deus (eu acredito em Deus!) e no excelso amor que sempre está disposto a oferecer generosamente a todos os seus filhos. E essa Força transcendental cerca-me de repente e eis-me a penetrar no desconhecido do ser, quiçá, no mundo que há-se vir e que nos faz sentir tão pequenos. E de repente, dou comigo a escrever uma carta de amor a esse Deus de quem tantas vezes me afasto, agradecendo os momentos belos que me vai proporcionando na minha vida, na companhia dos meus entes queridos. É o coração de poeta que grita por uma liberdade que não entende nem alcança, é o grito que nos salta do peito à procura dum infinito que não conseguimos vislumbrar. É a essência do ser que somos que resiste, insiste na procura dessa utopia, desse mundo onde navega, cujo mar tempestuoso da vida insiste em esconder, amordaçando-o, fazendo-o negar a sua própria existência. Um dia, sim, um dia encontrá-lo-á, quem sabe se no mesmo mar revoltoso onde navega e que tanto o prende à essência de si mesmo. Revista Divulga Escritor n.º 30 82


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O Poveirinho Jesus

Ali, junto ao Fieiro, enquanto olhava os pequenos caícos que iam cruzando a barra, José, conhecido na comunidade como o Zé da Russa, andava com alguns amigos a consertar as redes que dia-a-dia serviam os seus companheiros na labuta da pesca. Os pesos das suas dezenas de anos não lhe permitiam já a afoitar-se assiduamente na rude faina a pesca e por isso, por ali ficava com outros amigos na tarefa do conserto das redes. Vivia com Maria, a sua companheira, numa pequena arrecadação da Ilha do Serôdo, nos confins do Bairro Sul, que repartia com mais uma dezena de famílias humildes como a sua. A esposa era uma jovem de dezasseis anos, mas mandava a tradição que a gesta poveira casasse entre si, para que mantivesse a sua raça e identidade ancestral. Ela era ainda sua prima em terceiro grau e era considerada no bairro como a mais bela de todas as mulheres. O seu casamente era visto com alguma preocupação e desconfiança dado a sua juventude, mesmo tratando-se duma jovem de comportamento impoluto. Ele, religiosamente, resguardava a sua imagem e 84


protegia-a com carinho, sem nunca ter consumado a sua verdadeira união física. Um dia, Maria foi visitada por ti’Bel, a filha do Peroqueiro, sua tia, pessoa respeitada por toda a comunidade por pertencer à prestigiada família dos Peroqueiros, linhagem antiga das gentes do mar. Ao vê-la, Maria cumprimentou-a com respeito e carinho. Esta, aproximouse e segredou-lhe que bem cedo iria dar à luz uma criança. Quando ouviu tal notícia, Maria corou e disse: - Qual quê, minha tia? Eu e José nunca consumamos a nossa relação de marido e mulher! - Não me perguntes quando nem porquê, porque não sei responderte. Mas que vai acontecer, isso vai. Fui instruída para te dizer, minha filha! E partiu dali sem mais palavra ou explicação. … O mar estava calmo. No Fieiro José consertava redes com os amigos, enquanto conversavam olhando o mar. - Então, vais ser pai – dizia com um ar sarcástico o Nia da Ti’ Rita. - Pai? Como se nem sequer consumei ainda a nossa relação? - Não? Ó homem, coisas do Divino! – e soltou uma gargalhada, perante o olhar atónito de todos. José correu para casa, ao encontro de Maria. Esta, aflita, contou-lhe o encontro com Ti’ Bel. Surpreendida, nada mais soube dizer de como isso aconteceu. O tempo passava e Maria, agora meio enjeitada pela sua comunidade, ia cuidando com zelo e carinho o crescimento da criança. Um dia, o Comandante do Porto das duas cidades mandou que se fizesse um recenseamento geral da gesta poveira a fim de aquilatar com segurança o seu tamanho e melhor gerir os impostos a angariar. O Recenseamento seria no decurso de um só dia e teria lugar lá nos confins do Bairro Norte. Prevendo um longo dia, de fartas esperas e muito cansaço, Maria preparou um pequeno farnel e foram, ela, José e no ventre o Menino. A fila era longa e não havia condição ou lugar onde repousar naquelas condições precárias, com a criança prestes a dar-se à luz do dia. 85


Anoiteceu e o recenseamento ia ainda muito longo. Ao verem-na gemendo com dores, para não ser vista a parir a criança, foi levada para o meio de umas medas de sargaço, existentes no início da aldeia. E ali, à luz duma pequena candeia, acabou por parir a criança. Um cão rafeiro que andava à procura de comida (ou amigos) uivando baixinho, aproximou-se e carinhosamente lambia a criança e com seu bafo a aquecia. Naquelas longas horas, os párias da noite foram aparecendo com pedaços de pão e algum alimento que restara. Rodeavam o Menino e sorriam para o humilde casal ajudando-o no aconchego com a sua vasta experiência de noites ao relento. Ainda mal o sol despontava e já um bando de gaivotas sobrevoava as medas de sargaço, num voo leve, espalhando ao redor em sons harmoniosos a boa nova de que no meio dumas medas desertas, nos confins da aldeia, ao som harmonioso da maresia, numa noite encantadora de luar, o Poveirinho Jesus nascia e havia de crescer para se transformar num lobo-do-mar que um dia daria a sua vida para resgatar das águas desse mar-cão todos aqueles que na sua fúria ele ameaçasse tragar.

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Lรกgrima de sal

Naquela tarde, triste, inconformada, Olhavas esse mar em movimento, Sentada ali na praia, abandonada Co'as mรกgoas ocultas pelo vento... E, peregrina, a lรกgrima salgada Saltava desse olhar, em passo lento, Com amargor, com dor, sabor a nada E envolta no mais puro sentimento... Ali, com teu barquinho de papel Lembravas com saudade o teu batel Tragado, apodrecido pelo tempo... Um suspirar profundo, sem receio, Sabor a sal sentido no teu seio Tragado quase a seco num momento!

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O Som da Noite

Era ainda criança. Nas noites soalheiras do estio, a miude, reuníamo-nos à porta daquele casario baixo de granito para arejar a alma e ouvir o som da noite. O bairro, confinado pela berma da estrada, era formado pela grande casa de primeiro andar do Sampaio, o Batata (chamavam lhe assim pelo feitio do seu arredondado nariz, que em tudo se assemelhava a esse tubérculo). Seguia-se uma longa fila de pequenos espaços, quais casas de bonecas, uns usados como habitações, outros com utilizações diversas: O talho do Manel toucinheiro. A barbearia (e habitação) do Pedreira, a alfaiataria do Armando, a casa da Mena, a casa da Geninha (a minha casa). Seguiam-se um par de espaços usados para fins diversos, pequenos armazéns de terra batida, aonde dia e noite vagueavam ratazanas e outros roedores em perfeita liberdade. Ao centro, a carpintaria do David, filho mais velho do patriarca, cuja profissão de carpinteiro seguira nas pisadas do velho Sampaio. A culminar este rol de construções, ficava a sua própria casa, igualmente de primeiro andar, de conceção muito modesta. Foi nela que criou um longo rol de filhos que nas agruras da vida que no correr do tempo

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iam sendo lançados nos áridos caminhos da emigração, onde aprenderam a ser homens e vingaram na vida. Era envolta neste ambiente que a miudagem, no calor da noite, se divertia, ora a perseguir as nuvens de morcegos que esvoaçavam sobre as suas cabeças, aos quais lançavam mãos cheias de areia para que estes, de asas perfuradas, caíssem no chão (puros desvarios de criança), ora correndo desenfreada no silêncio da noite para a bouça ali ao lado, para contemplar os pirilampos que, ao bater com as frágeis asas brilhantes produziam sons que logo transformavam o espaço numa longa sinfonia, a que se juntava o ruido dos ralos e do rastejar dos répteis e pequenos animais que por ali proliferavam. Era a escola da vida, momentos de magia e descoberta. A bouça estava confinada de um lado pelo caminho de terra batida que levava ao rio e dos outros pela Quinta do Covo, a antiga Fábrica de Fiação e Tecidos e, na parte superior, pela estrada que atravessava a Portela em direção a Riba d’Ave. Ali desenvolvíamos a nossa ânsia da descoberta e desbravávamos o mundo ao redor. O tempo passou. O casario deu lugar a um edifício de três andares, a bouça deu lugar ao campo da bola, a grande Fábrica, ora, motor do progresso da freguesia, está agora em ruinas, albergando pequenas atividades, E a magia das noites soalheiras de verão, o som da noite, deu lugar ao circular constante de viaturas, a tempos de azáfama, onde as pessoas se cruzam e mal se cumprimentam. Quando ali volto, recordo com saudade o som da noite, hoje metamorfoseados em noites de poetas onde, à média luz, os novos pirilampos brilham e batem as asas, tentando dar luz às noites de vigília e poesia, aonde transparece ainda o voo de morcegos, logo derrubados por mãos cheias de areia, que lhes perfuram as asas e os fazem soçobrar. De novo o ruído assustador do rastejar de lagartos, cobras e coriscos que nos assustam e perturbam, sob o brilho fútil de holofotes que ofuscam o nosso olhar cheio de sonhos e impede o luar de penetrar e refrescar a nossa mente cheia de quimeras e de sonhos. Ontem como hoje, o som da noite percorre o nosso imaginário e impele-nos a caminhar e a prosseguir confiantes o percurso incerto da nossa peregrinação. Vêm-me à memória as palavras do poeta Manuel Freire: 89


Não há machado que corte a raiz ao pensamento não há morte para o vento não há morte! Sob o papel amarelecido e amarrotado do meu peito em convulsão, ouvindo o som da noite, no bico desta pena se desbrava o som e a magia da palavra. Viva a Poesia!

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O Douro que canta Parece que foi ontem. Resguardado naquele saco-cama, deitado sobre a terra quente do Parque de Campismo de Miranda, eis-me de noite a cogitar com a lua sobre aquela aventura louca de percorrer o Vale do Douro, do Pocinho ao Cabedelo, na companhia de mais de sessenta jovens, num trajeto repleto de aventuras, com dezasseis viaturas na comitiva, oito cicloturistas (entre eles o Rafael Silva, o homem que levou a Bandeira dos Dragões ao Polo Norte, quando a equipa ganhou o Campeonato Europeu de Futebol), dezasseis canoeiros vindos de Salvaterra de Magos a Braga e quanta mais gente a calcorrear a pé o longo trajeto de quase quatrocentos quilómetros, em nove dias apenas. No primeiro dia, no Pocinho, preparámos a saída bem cedo. Aí, dois repórteres improvisados, com máquinas de filmar nas velhas cassetes VHS, levantaram-se acrobaticamente para filmar as maravilhas ao redor, em cima da canoa, desequilibraram-se e nuns segundos, ei-los mergulhados nas frescas águas do Rio de Ouro. E, sem repórteres a filmar, lá seguimos ao longo do rio, rumo a Sendim de Miranda, terra de gente generosa que num abraço nos acolheu oferecendo-nos o apoio logístico de todo indispensável, para que ali pudéssemos pernoitar. Foi lá que apresentamos a nossa segunda atividade. (A primeira fora nas muralhas do Castelo de Miranda, na tarde anterior): Rastreios de saúde, música, preleções sobre cuidados primários de saúde, apoio infantil. Passava já da meia-noite quando depois de uma noite mágica recolhemos à Junta de Freguesia, local que ali tinham preparado para o nosso acantonamento. 92


Depois, Freixo-de-Espada-à-Cinta, onde dezenas de filhos da terra vagueavam felizes por cada rua, matando saudades da família e dos amigos. Reunidos ao serão, ao pé do rio, onde um grande palco e muitas dezenas de pessoas nos esperavam, ali apresentamos o nosso programa, levando àquele povo o abraço das gentes do litoral. Seguiram-se Foz-Coa, São João da Pesqueira e Régua. No caminho para Foz-Coa, enquanto as Rádios Piratas que nos acompanhavam ao longo do dia não se cansavam de divulgar a nossa aventura, decidimos visitar uma delas, em Torre de Moncorvo, que liberalmente nos franqueou as portas e o Estúdio para que ao longo de mais de uma hora pudéssemos divulgar com liberdade plena a nossa mensagem e tudo o que nos motivara a abraçar este projeto. No regresso, ali pelo Mogadouro, enquanto merendávamos, já tardiamente, apareceu um homem da terra, o Ti’ Manel, de bicicleta e concertina ao ombro, que nos deliciou e desbobinou uma série de cantigas ao desafio. Ele era bom no improviso e tivemos dificuldade em ripostar às suas incisivas provocações, com sarcasmo e muito humor. Não desistimos, replicámos e no fim, sob o olhar estupefacto e curioso de todos, aproximou-se, olhou-me nos olhos e disse: - É, pá, vocês têm fibra! Naquele profundo e sentido abraço que se seguiu, estava a alma do povo generoso do Alto Douro, a sua raça, a sua força, o seu carinho, a sua amizade, o pulsar do seu sentir mais profundo. Era a alma do povo de Miranda, Sendim, Foz Coa, São João da Pesqueira, quiçá, Torre do Moncorvo, Lamego, Tarouca. Tarouca, sim, o abraço desta cidade linda onde a poesia pulsa nos gestos, nas palavras, no sentir da alma de gente que abraça o mundo e nos grita que Vale a Pena, vale a pena sonhar, partilhar, sorrir para o mundo e enlaçar a gente neste repetido e longo abraço, num banho de cultura. Tarouca, Tarouca, Já sinto na boca Um sabor a mel, Instinto poeta, Arrombo a gaveta Caneta e papel. A vaca que pranta, A ave que canta, O grilo, grigri, 93


O sino que tine, E o povo redime Tão perto de si. … Já lá vão trinta anos. No âmago do peito guardo aquele abraço, agora renascido no coração deste povo que nos acolhe e convida a partilhar aquilo que sentimos, aquilo que nos faz vibrar e transforma cada um de nós num farol que brilha e faz brilhar ao longo da nossa terra. Bem-haja à organização pela sua iniciativa, pelo seu convite, pelo privilégio deste Encontro de Poetas onde a poesia vive e se propaga, qual testemunho recebido dos Vultos de Antanho que souberam fazer brotar das suas entranhas uma língua que em toda a parte, em todo o mundo, há de enaltecer Portugal. Caminho, caminho, A roda, o moinho, A água a saltar E lá, no horizonte, A urze e o monte, Semente a brotar. A abelha, precisa, A flor poliniza E voa no espaço E, quando assustada, Com leve picada Eriça meu braço. Tarouca, cidade, Que felicidade A todos acena Para nos dizer Como é bom fazer Da vida um poema! Revista Divulga Escritor n.º 33

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Não havia lugar… Sempre que o Natal se aproxima, logo um mundo de magia paira no ar, a anunciar aquela que a gente consagrou como a Festa da Família, que aproveita para se reunir e, juntos, poderem usufruir da companhia e dos momentos de convívio que a voracidade dos tempos agora insiste em lhes roubar. É por isso que reunimos esforços para que esse espírito de magia e de família não se perca mas antes se enraíze cada vez mais porque, afinal, são esses momentos que nos trazem os momentos de alegria e de felicidade que todos os dias procuramos no correr da nossa peregrinação. Não deixando escapar essa oportunidade, o Solar de Poetas alia-se aos grupos Poetas Poveiros e Amigos da Póvoa e ao Solarte, a Arte no Solar e convida os seus membros e participantes a escrever mensagens de esperança e de amizade dentro do espírito natalício que vivemos. Este ano, o tema escolhido foi “NÃO HAVIA LUGAR”, uma alusão Àquele que, sendo o Senhor do mundo, se tornou no mais humilde dos homens, como exemplo e portador do espírito regenerador do espécime humano. Os trabalhos desenvolvidos pelos poetas são depois compilados em livro e editados em e-book, que fica disponível para todos através do ciberespaço. Cientes que o nosso esforço nada mais é que uma areia no deserto da vida, sentimo-nos satisfeitos pelo número de pessoas que recorre a esses trabalhos e, assim, nos transmitem que vale a pena prosseguir

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este caminho que nos alegra e nos incentiva a continuar na divulgação daquilo que vamos produzindo na área literária, quiçá, pegadas marcadas na estrada da vida e que a voracidade dos tempos não irão apagar. A todos os membros do Divulga Escritor endereçamos votos de Feliz Natal e que o novo ano surja cheio de iniciativas e que o propósito de divulgar a literatura permaneça e cresça cada vez mais. Um Ano de 2018 cheio de venturas.

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Tarouca Vale a Pena No mundo da poesia e das artes há sempre alguma coisa que nos surpreende: um poeta que nos chama, um amigo que nos convida, um lugar que nos acolhe. Uma vez mais, fui surpreendido por um inesperado convite. Na verdade, nem sabia bem de onde vinha e qual a razão porque inesperadamente caía na minha caixa de mensagens. Estranhos os caminhos da vida. Ao receber o convite para o evento Tarouca Vale a Pena, mesmo que numa primeira abordagem não lhe tenha dado mais atenção do que a muitos outros que continuamente chegam, algo chamou a minha atenção e me obrigou a reabri-lo e a analisá-lo com outro olhar. A sua genuína sobriedade, os aliciantes que logo se adivinhavam, levaram-me a pesquisar um pouco mais sobre esta terra que tão mal conhecia. E eis que surge o amor à primeira vista. Consigo, a inspiração própria de quem ama a poesia e gostaria de um dia ser poeta. Empolgado com os desafios que iam sendo colocados, abracei o projeto e lancei alguns contributos. E como o que para nós aquilo que é bom merece ser partilhado pelos nossos amigos, passámos a divulgá-lo através dos grupos de poesia que coordeno, juntamente com essa estupenda equipa que dia após dia torna mais vivo e atuante o Solar de Poetas. E o convite voou pelos nossos amigos e conhecidos e multiplicamos contactos para que connosco hoje aqui celebrássemos de mãos dadas o amor à poesia. A semente germinou, o fermento lançado sobre ela a fez crescer. Senti os poetas inspirados, envolvidos neste abraço, a partilhar poesia, música e outras tantas demonstra98


ções de cultura, desdobrando-se em iniciativas, qual bola de neve que não parou de crescer, até que aqui nos juntou nestes dias memoráveis. Até onde nos levou ou levará, não sei. Sei, sim, que Tarouca Vale a Pena se transformou num instante no nosso projeto, atividade que abraçamos e ao qual nos entregaremos de alma e coração, para que se transforme numa referência literária não só confinada à área geográfica onde se insere - quiçá, um nicho de cultura, onde a História e as estórias se multiplicam em cada pedra que encontramos no caminho - mas que se estenda ao longo deste país de Camões, de Pessoa, Sophia, Torga e tantos outros que através das letras souberam levar bem longe o nome da nossa terra. É neste recanto lindo, lugar aonde também nasceu Portugal, que poetas e escritores se vão unir para num grande abraço o enaltecer e gritar bem alto por toda a parte que Tarouca Vale a Pena. Tarouca, terra hospitaleira não deixará nunca por mãos alheias a sua genuína vocação de bem receber, de partilhar com todos os que a visitam o melhor que tem de si. A minha gratidão aos promotores, ao César Luís Carvalho, à Ana Borges, a Autarquia que em boa hora abraçou e promoveu este evento, a todos os que de um modo ou de outro no-lo proporcionaram e permitiram que, através dele, Tarouca pudesse levar bem longe o seu grito e essa vontade imensa de ser cultura aqui e em toda a parte. Por tudo isto, bem hajam, meus amigos e... Viva a poesia!

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No Vale Encantado Por terras de Tarouca. A nostalgia Dispersa o meu olhar no horizonte, Meu coração exulta de alegria Nas águas cristalinas duma fonte. Ao longe, a bela e extensa serrania, As águas do Varosa, o vale, o monte, As pedras do moinho, a fantasia, As lendas que se ocultam lá na ponte. Respiro o ar tão puro, a fresca brisa Que bate no meu rosto e que desliza Num voo triunfante, apaixonado. No azul do céu, as aves no seu canto, Trinando o fado meu que com encanto. Eu vou cantar no seu Vale Encantado!

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Homenagem às mães

As lágrimas caiam nesses dias Em turbilhão, correntes de sofrer... Carente de carinho, tu querias Apenas um abraço em teu viver... Perderas a afeição. Já não sorrias Que a vida te roubara o seu prazer; Naquele tanque as roupas escorrias Na esperança dessas mágoas esquecer... Mas de repente, olhavas, dom superno, E o brilho desse olhar tão meigo e terno Iluminava tudo ao meu redor... E num abraço imenso de carinho, Disseste-me ao ouvido bem baixinho: -Abraça-me, meu filho, meu amor!

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Geninha

Quanta saudade, mãe, quanta saudade Do teu olhar perene de paixão, Dum coração imenso, da amizade Da tua mão pousada em minha mão, Preciso reencontrar todo o encanto Do teu sereno olhar, dessa alegria Que muito cedo, para nosso espanto, Numa manhã de março se esvaía. Regressa, mãe, eu quero o teu carinho, Vem, diz-me no ouvido, bem baixinho Que um dia vais voltar, ó mãe querida! E com todo o saber do coração Vem, diz-me, por favor, porque razão Eu vivo em teu viver por toda a vida!

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A Rádio Vizela em festa

Ao longo de trinta e dois anos, a Rádio Vizela tem sido uma alavanca para o desenvolvimento regional da localidade onde se insere, sita nas margens do rio com o mesmo nome – o Vizela - ao longo do extenso e produtivo Vale do Ave, onde o desenvolvimento se foi acentuando através da iniciativa do povo que ali habita e que nem a crise do têxtil conseguiu abalar através dos tempos. As suas termas ancestrais ainda hoje – e cada vez mais – atraem os forasteiros que vêm em busca de cura e de repouso. Gradualmente, a Rádio foi alargando os seus horizontes, tendo-se tornado um polo catalisador de cultura, promovendo e divulgando as mais diversas iniciativas, alargando horizontes e chegando mesmo, através das novas tecnologias – a Internet - aos mais recônditos lugares deste planeta. Um dos programas que temos vindo a apoiar com regularidade e que gradualmente se vai estendendo além-fronteiras, é Hora de Poesia, espaço semanal, difundido à quarta-feira, cujas emissões são ouvidas por essa europa fora e terras de além-mar, estando referenciado como um dos programas mais marcantes no espetro da poesia divulgada através da Rádio. 104


Tendo iniciado como um programa mais local, criado para divulgar os poetas ao redor, acabou por ir estendendo os seus horizontes, abarcando agora um horizonte mais nacional e algumas vezes promovendo até autores que, vindos de terras de além-mar, aqui buscam um recanto para apresentar os seus trabalhos poéticos. Semana após semana, ei-lo trazendo novos ou consagrados autores que se tornaram na delícia de quem os ouve. Mas a Rádio Vizela não é apenas poesia. Os programas públicos que promove, sempre com uma audiência assinalável, as manifestações em direto que organiza nos salões e jardins da cidade, levam todo este concelho pelo mundo fora, divulgando a sua indústria, comércio e cultura. É por isso, que na passagem dos trinta e dois anos da sua formação, hoje aqui prestamos tributo ao mérito que é seu por direito, orgulhando-se o Solar de Poetas de ser parceiro privilegiado na divulgação desse polo catalisador da cultura que é Hora de Poesia. A todos os seus dirigentes e colaboradores, o tributo da nossa gratidão. O solar de Poetas abraça o vosso projeto com carinho e exprime o desejo de que ele possa cada vez mais tornar-se um marco na divulgação da sociedade em que está inserida. Parabéns e Bem hajam Feliz Aniversário, Rádio Vizela

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António Giacomo Stradivari

De tempo a tempo, vinha ao povoado Com seu bornal ao ombro. E com prazer Satisfazia assim algum recado Que os seus pais pediam p’ra fazer. E sempre que lá ia, ele parava Na casa desse velho marceneiro E com encantos mil apreciava As obras que fazia, prazenteiro. O mestre era já velho e consciente Que aquele sacerdócio feito amor Iria precisar e muito urgente De encontrar agora um sucessor.

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Um dia o jovem viu surpreendido O anúncio: “Preciso de aprendiz” E fez-se luz no sonho adormecido De ser um marceneiro e ser feliz. Mas não, como podia ele pensar Em ser um marceneiro se sabia Que havia tanto jovem no lugar Que estar nessa oficina almejaria! Mas quando o mestre como desafio Propunha aos candidatos por tarefa Limpar aquele sótão negro e frio, Fugiam do lugar a toda a pressa. Passaram-se semanas. Ao voltar Um dia ao povoado, com surpresa, Olhou e viu ainda a anunciar “Preciso de aprendiz”: Mas que surpresa! E cheio de coragem, entra e diz: “Bom dia, mestre, queira me aceitar, Humilde e pobre, como o aprendiz Que o mestre está tentando encontrar”. O mestre olhou o jovem com espanto E disse-lhe: “Às sete da manhã Quero-te aqui limpando cada canto Do velho e sujo sótão que ali está”.

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Esfuziante, cheio de alegria, Ao regressar das lidas da cidade, Contou ao pai e disse: “Eu sei que um dia Vou ser um marceneiro de verdade”. E a distância longa que existia Do lar ao povoado, com vontade, Um dia e outro dia a percorria E logo se encontrava na cidade. Chegou o mestre. Olhou com simpatia, E disse para ele calmamente: “Sobe essa escada e limpa a porcaria Que anda lá por cima, faz-te gente!”. Subiu a velha escada. A escuridão Cobria aquele sótão. Com coragem, Foi gatinhando, andando pelo chão, Limpando cada canto na passagem. Passou-se uma semana, outra semana E o mestre observava com surpresa A força e a coragem que ele imana Enchendo essa oficina de beleza. Um dia, o jovem desce aquela escada E disse: “Meu bom mestre, aqui me tem, A lida que me deu ei-la acabada, Me diga por favor se ficou bem”.

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O mestre, com a ajuda do aprendiz, Subiu a escada e com grata surpresa Olhou aquela sala, ora arrumada, Tão cheia de frescura e de beleza. E o jovem foi crescendo passo a passo, Fazendo jus à arte que aprendia E desbravando para além do espaço As sensações imensas que sentia. E prosseguiu seu sonho dedicado Levando a sério o mestre e o seu ensino. E um dia se sentiu determinado E ei-lo a construir um violino. Não era mais o humilde fazendeiro, Cresceu e ao seu redor tudo mudou, Evoluiu e num violineiro Prestigiado um dia se tornou. E a fama deste mestre se espalhava E viu a sua indústria florir E toda a gente vinha e procurava Também um violino conseguir. E foi mil violinos construindo Com ávida paixão e amor profundo E pode assim viver seu sonho lindo E ver o Stradivarius correr mundo!

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Que força é essa?

No culminar do século XIX um grupo de pessoas movidas pelo impulso de uma grande fé, identidade que as uniu entre si, começou-se a aglomerar em grande número na região de Battle Creek, remota região pertencente ao estado do Michigan, nos EUA. A quantidade de pessoas ultrapassava já as três mil, o que impulsionou o desenvolvimento daquela região em muito pouco tempo. Movidos por uma grande vontade de criar um espaço aonde pudessem afirmar a sua identidade, ei-los construindo os alicerces daquele que viria a ser um polo de grande desenvolvimento de toda a região. A maioria dessas pessoas eram de condição humilde, não sendo, por isso, grandes os seus recursos para esse empreendimento. Mesmo assim, decidiram que deveriam começar por construir um edifício e onde pudessem ter liberdade de expressar o seu pensamento, a sua fé, sábado após sábado. Foi então que alguém teve a ideia brilhante de levar essa vontade aos milhares de crentes espalhados ao longo do país, a quem foi lançado o desafio de cada um oferecer uma pequenina moeda de dez cêntimos - um Dime. Não demorou muito tempo a que a construção começasse a elevar-se e a transformar-se no mais belo templo da região - o Dime 110


Tabernacle, nome com que foi batizado como homenagem àqueles que voluntariosamente, quiseram participar com essa pequenina moeda. Entusiasmados e impulsionados pelo êxito da construção do seu templo, logo ali foram surgindo uma série de novas construções que se tornaram o orgulho da pequena comunidade. Um grande hospital, um centro de idosos e crianças, uma escola, uma tipografia, uma indústria de alimentos naturais, onde pela primeira vez foram produzidos a manteiga de amendoim e os cornflakes (Kellogg’s, porque a receita se deve a John Kellog), equipamentos que em pouco tempo se tornaram referências no Estado. O que fazia mover toda essa gente? O desenvolvimento de todo este movimento é um assunto que abordarei noutra oportunidade. Importa agora falar do motivo que me leva a escrever estas palavras. Vem isto a propósito de inúmeros grupos, unidos por uma mesma identidade, que começaram a surgir anos atrás e cujo número é cada vez maior. São um novo tipo de “crentes”, do mesmo modo idealistas, cuja “fé” é a poesia e que instintivamente movem montanhas para atingir os fins a que se propõem. Gradualmente, os grupos vão proliferando por toda a parte e que parecem não parar de crescer, muitas vezes tropeçando uns nos outros. Quando há cerca de sete anos começamos a reunir-nos em grupos de poesia, não imaginávamos que o movimento poético viesse a atingir tais proporções, levando ao aparecimento de cada vez mais interessados em ser poetas e aonde cada um se vai posicionando e assumindo-se como autor. Surgem novos polos, novos eventos e as editoras proliferam por todo lado. Até onde nos levará este movimento? Só o tempo o poderá dizer. O corolário de toda este enredo será apresentado em nova oportunidade. Até lá, viva a poesia.

Revista Divulga Escritor n.º 74

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O Natal da minha infância Corria a segunda metade da década de cinquenta, do século vinte. Ali, na minha aldeia vivia-se uma vida simples e pacata. Estava ainda distante a explosão tecnológica, a era do plástico era ainda incipiente. Na loja do Ribeiro os produtos alimentares e outros eram ainda embalados num grosseiro papel de embrulho que dobravam em forma de funil ou através de cartuchos, uns maiores outros mais pequenos. E ali se transportavam os géneros alimentícios ou outros produtos para o lar. O papel dos embrulhos e dos cartuchos era depois aproveitado como acendalhas para o fogão de lenha que servia na cozinha. Quando chegava o Natal, era uma azáfama entre a miudagem. Muito cedo e já se ouvia o barulho da grande roda da bomba de água a trabalhar, para fazer subir o precioso líquido para as lides lá de casa: higiene, alimentação, limpezas e outras. Ao longe ouviam-se os passos dos operários que se iam dar vida às grandes indústrias de fiação e tecelagem, tecido produtivo de toda a região e que alimentavam a maior parte dos aglomerados familiares da aldeia. Levantávamo-nos bem cedo, mal o sol despontava e lá íamos com o tosco caixote de madeira que fora embalagem de sabão em barra por essas bouças fora à procura de musgos, ramos de azevinho e o pinheirinho natural, para montarmos o presépio e árvore de natal que trariam a alegria de toda a pequenada durante a magia de toda a quadra natalícia, até que surgisse o dia dos Reis (6 de Janeiro), altura em que tudo era desmontado à procura de um novo dezembro.

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Almoçava-se a correr, batata cozida com bacalhau assado na brasa, regado por uma delícia de azeite bruto e recheado com pedaços de cebola. Uma delícia que ao longo dos anos fomos mantendo no nosso agregado familiar como tradição a não ser quebrada. Pela tarde, preparávamos um cantinho da sala de jantar, às vezes da sala de entrada (que tinha mais luz) e ali passávamos algumas horas à volta do pinheirinho e do presépio. Eram as figuras de barro tosco que cada ano a mãezinha fazia crescer quando se deslocava à Santana - onde se realizava a grande feira semanal – e ali, na Loja da Poveirinha, ia adquirindo cada ano mais bonecos de barro. A árvore era enfeitada com fios de neve e quando não havia, com pedacinhos de algodão em rama que a mãezinha trazia do Posto Médico. Juntávamos depois as minúsculas bolinhas de natal, ainda em vidro, às vezes meio partidas e cujas mazelas escondíamos para que pudessem ser ainda usadas. Quando não havia nada mais para colocar, usávamos o papel de estanho que íamos juntando ao longo do ano, quando recebíamos de presente um pequeno pacote de bombons. A iluminação confinava-se a uma lâmpada de pequena potência no presépio, para o iluminar e outra atrás da grande estrela colocada no cume da árvore, para que esta brilhasse. Nos intervalos desta azáfama, por vezes, eramos chamados à cozinha pela nossa mãe, para ir rapar os tachos das iguarias que ela, juntamente com nossa tia, estava a preparar para a Ceia e o almoço de Natal: os mexidos (que curiosamente ali na aldeia se chamavam formigos), a aletria, o leite-creme, as rabanadas, os sonhos, enfim, tanta coisa boa. Enquanto essas iguarias iam sendo feitas, preparavam a couve, galega, claro, para a ceia que era sempre composta por batata cozida com bacalhau, troços de couve, da qual eram retiradas quase integralmente as folhas. Eram uma delícia esses troços, a batata e o bacalhau (para mim era sempre o rabo, que tinha maior gosto), regados com um fio de delicioso azeite aquecido, com cebolada. O vinho era também do bom, tinto, de pipa privada, aquecido com maçã (uma tradição cuja origem nunca soube) ao qual se juntava um pouco de açúcar. Maravilha de noite. À mesa, depois da ceia e dessas iguarias, acompanhadas dum manancial de frutos secos, cantava-se com alegria. O nosso pai dava o mote: 113


o berimbau, uma pomba, músicas tradicionais de natal. E, já longa madrugada, dirigíamo-nos para a cama à espera da chegada do Menino Jesus com as almejadas prendinhas. Às vezes, em segredo, o Menino encomendava ao meu pai, alfaiate de profissão, um par de calças novas ou um casaco quente e à mãezinha uma camisola de tricot, para o rigor do inverno. E, pela madrugada, muito cedo, ainda mal o sol acabara de nascer, cada um de nós se levantava em silêncio, ávido de correr para a sala à procura das prendinhas que o Menino Jesus, carregado até não mais poder, trazia para encher os nossos sapatinhos, criteriosamente colocados ao redor do presépio à sua espera. E lá vinham os carrinhos de folha-de-flandres, as bonecas de trapo ou porcelana, os chocolates ou caramelos e outras guloseimas… e as tais roupas que ele, diligente, tinha previamente encomendado aos nossos pais para nos oferecer. Depois, vestidos com os nossos novos trajes, lá nos preparávamos para a matutina missa onde, cada um, com orgulho, exibia os presentes recebidos. Nesse ambiente natural e simples, ano após ano, ansiávamos o chegar desses dias mágicos que viriam pela vida fora a marcar as nossas vidas com alguns dos momentos mais felizes e significativos, registados no Relógio do Tempo, o tempo desta nossa peregrinação. Vivamos então a magia do Natal. Feliz Natal.

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As prendas do Menino

Noite de consoada. Num cantinho Da sala, espalhávamos no chão O musgo do presépio e o Menino, Guardado para esta ocasião. Por cima, tinha um grande pinheirinho Laivado com montinhos de algodão E ramos com as bagas de azevinho, Com bolas coloridas e bombom. E na magia dessa consoada, Confiantes, junto à arvore enfeitada, Deixávamos o nosso sapatinho. E quando a luz da aurora já raiava, No despertar da curta madrugada, Corríamos às prendas do Menino.

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E do amor nasci

Durante toda a noite e madrugada Mãezinha contorcia-se com dor, Olhava para o ventre e aguardava O filho que lhe dera o Criador. Vagidos magoados. Triunfante, Mãezinha viu chegada a minha hora E do amor nasci e num instante A nova se espalhava por lá fora. E logo aquela voz angelical Anunciava em todo esse local Que um filho divinal ali nascia. Pastores, camponeses, muita gente, Queriam, cada qual com seu presente, Saber das Boas Novas de Alegria!

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Só... é Natal!

Olhos nos olhos. Sento-me ao espelho, Do outro lado, um ser que não conheço; Sorriso amargo, um coração de velho, Lançando farpas, pedras de arremesso! Empurro a porta - já sem caravelho Que ruge escancarada, do avesso, No assombro dum castelo gasto, velho, E agacho-me, tropeço após tropeço! Sou eu! Revolto e triste! Se soubesse O que é viver, se a vida me oferecesse As coisas que busquei dia após dia! Talvez, as mãos p’ró céu então volvesse! Quem sabe se gritasse, em minha prece, Lá longe, esse Menino me ouviria!

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Era Abril

Estávamos no século XX, quase no fim da década de sessenta. Atravessávamos então a chamada Primavera Marcelista, uma réstia de esperança que não passou de uma promessa frustrada de liberdade e que se seguia a uma longa e cruel ditadura de mais de quarenta anos. Quantos opositores ao regime tinham sucumbido apenas porque tiveram a coragem de lutar pela sua liberdade e confrontar a sua tirania. Um jovem professor tinha acabado de abrir uma pequena livraria, num lugar central da cidade. Fora saneado da escola pública, apenas porque defendia ideias diferentes das impostas pelo regime. Era ali, naquele pequeno recanto de cultura que se reunia diariamente um pequeno grupo de pessoas que queriam pensar segundo os ditames da sua consciência. O grupo era heterógeno, agregava socialistas (na clandestinidade, claro), social-democratas, católicos progressistas e até outros sem qualquer formação política. Noite após noite, após o jantar, reuniam-se para trocar ideias, conversar sobre teatro, cinema, literatura e assuntos de interesse social.

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Numa prateleira oculta, podíamos ali encontrar algumas publicações que a censura não deixara passar e que assim chegavam aos seus leitores através de meios clandestinos. Recordo ainda a “Praça da Canção” e “Um Barco para Ítaca”, do poeta Manuel Alegre, que de Argel, onde se encontrava exilado, continuava a emitir regularmente aquelas mensagens que tantos portugueses ouviam em segredo, através das ondas curtas da rádio. Eram muitos os livros “proibidos” que ali podíamos encontrar. Até mesmo a “Antologia da Poesia Erótica Portuguesa”, editada sob a coordenação da poetisa Natália Correia, tinha sido retirada das livrarias pela polícia política e ali podia ser encontrada. Era lá também que podíamos ter acesso a dois pequenos periódicos regionais, perseguidos pelo regime, o” Comércio do Funchal” e o “Jornal do Fundão”, os quais não raras vezes apareciam com grandes espaços em branco, artigos censurados e que à última hora não deixavam que fossem publicados. Era ali também que as notícias de mais uma e outra prisão arbitrária eram conhecidas. Muitos desses presos não mais seriam vistos, nem vivos nem mortos, desapareciam, simplesmente. Contudo, através da Força da Palavra, os escritores continuavam a denunciar as arbitrariedades do regime e lentamente, uma voz aparentemente surda, lentamente se foi fazendo ouvir. Muitas vezes, o pequeno grupo era confrontado pela presença de espias da delação que, rapidamente, faziam chegar as notícias que queriam aos energúmenos do regime, que logo visitavam a pequena livraria, para desbaratar aquilo que queriam. Um dia, alguns dos frequentadores convidaram um grupo de poetas e músicos de intervenção para um sarau, tudo preparado com muita discrição. Alguns deles deslocar-se-iam da capital. Para não levantar suspeitas, foram escolhidas, como lugar para a apresentação, as instalações sociais pertencentes a uma das igrejas da cidade. Os convites para assistir foram feitos de forma pessoal, sem levantar suspeitas. Quando chegou o momento, depois do jantar, as pessoas foram-se aglomerando até encherem totalmente as instalações. Era grande a curiosidade. E o programa foi-se desenvolvendo com a apresentação de muita música e poesia de intervenção. A dado momento, chegou um alerta: - “Vem aí os ‘bufos’. Logo, dois dos presentes, na companhia do responsável pelo espaço, se dirigiram para a porta e aguardaram a sua chegada. Neste entretanto, foi recomendado aos músicos 119


e poetas presentes que começassem a cantar músicas de cariz popular, sem qualquer conotação política. E a festa foi-se desenrolando. Quando os “espias” chegaram frente ao salão, cordialmente, o nosso anfitrião os convidou a entrar, com o argumento de que estavam ali um grupo de amigos para partilhar um programa com características populares. Sentindo-se “descobertos”, eles disseram: - Viemos apenas apanhar um pouco do ar do mar, está uma bela noite. E seguiram. Quando os vimos a certa distância, logo o programa tomou o seu rumo normal e o sarau durou até as tantas da madrugada. Era neste jogo de o gato e o rato que a mensagem da liberdade se ia espalhando. Até que, cinco anos depois, Salgueiro Maia e um bravo grupo de militares, saíram da Escola Prática de Santarém para o Terreiro do Paço para depor o regime. Era a Revolução dos Cravos. O povo saiu à rua e de mãos dadas com as forças militares, acabaram com as forças da delação. A partir daí, todos podiam expressar de novo em liberdade as suas convicções. Abriram-se as portas das prisões e a democracia venceu. Tempos de luta, onde a força da palavra se soube impor e nos veio proporcionar os ventos de liberdade que até hoje respiramos.

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Salgueiro Maia

Foi ele quem deu corpo à caminhada; Juntou valentes sob o seu comando E disse-lhes, naquele madrugada, Que olhassem essa corja e o seu desmando. E com coragem disse aos seus soldados: São muitos os estados e os seus ramos Fascistas, socialistas disfarçados E este nosso estado a que chegámos. E ao enfrentar assim a multidão, Criou a mais propícia ocasião Para avançar com força pra cidade. E quando lá chegou, o povo unido Aquele que não mais vai ser vencido, Com ele deu um grito à liberdade!

Revista Divulga Escritor n.º 39

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O Ardina, o S. Pedro e a Poesia Como é nosso hábito, naquela tarde, fomos dar um giro à Povoa, calcorreando pela Rua Junqueira e passeando ao longo do Passeio Alegre, na nossa descontraída caminhada junto ao mar, trajetos cada vez mais curtos, fruto de algum descuido alimentar e, digamos com franqueza, do correr da idade, que às vezes já não permite grandes andanças. Na volta, lá estávamos os dois, eu e a Amy, na Pastelaria Consolação, para um pequeno lanche, e o João, o proprietário, como sempre, meio escondido atrás da vitrine, mirando sem qualquer discrição, no seu modo tão peculiar, o que se passava ao redor e aproveitando para tagarelar com a gente que ali entrava. Dias antes, havia pouca gente no estabelecimento, abeirou-se, pediu autorização e sentou-se ao nosso lado. E ali, em forma de desabafo ou de avidez de se dar a conhecer, descontraído, entusiasmado, falou, falou inusitadamente, durante muito tempo, contando-nos as suas aventuras dos tempos de emigrante, do seu regresso ao país e das suas características empreendedoras, a que ao longo desses anos dera corpo com orgulho: Aveiro, Guimarães e agora a Póvoa. Mas Braga, – ai, esse sonho antigo! – a cidade não lhe saía do pensamento. Não concretizado ainda. Quem sabe, um dia! Empreendedor, sem dúvida. Olhando a sua figura, o seu ar bonacheirão, ninguém diria que dentro dele esconde um alfobre de criatividade nato que surpreende. Esse nota-se sobretudo no modo como vai remando o seu barco, no passar dos dias, sempre inovando, de modo sereno, ponderado, multifacetado e seguro. 122


Agora, essa tarde – já toda a gente respirava o fulgor das Festas de S. Pedro. Nestes momentos de relaxe, ninguém previa que a dado instante o Ardina se abeirasse da porta do estabelecimento e, cordialmente, saudasse quem lá estava. – Boa tarde, rapaziada! Com o seu à vontade, como se conhecesse toda a gente, ergueu a mão e saudou os presentes. Do mesmo modo como chegou, preparava-se agora para desaparecer. Foi então que cruzou comigo o seu olhar. Raramente nos encontrávamos. Ainda algo surpreso por este encontro inesperado, deu um passo em frente e afavelmente disse: - Estás aqui? (como se ele não estivesse ali à minha frente a ver-me!). E disparou: Olha, já viste as quadras que fiz para o S. Pedro? Compra o Jornal da Póvoa e lê, estão lá. Bem sei que não sei fazer versos, nada percebo de rima ou métrica, mas vai ver. Estão também expostas ali, frente à Escola dos Sininhos, numa montra. Consegui! – disse com prazer, como se fora o seu grande feito do momento. Surpreendido, prometi ler o Jornal ou passar pela tal montra: - Vou ler, prometo! … E lá foi ele à sua vida. Estava habituado a ver o Ardina não a escrever poesia, mas a intervir com militância aqui e ali, no campo laboral, na defesa de quem trabalha, ou em qualquer outra manifestação cívica. Poesia, não era realmente a sua praia. Nada a ver com o seu perfil, pensava. Lembro-me dele, há algumas dezenas de anos. Vivíamos ainda no fulgor da Revolução dos Cravos. Andava então com uma boina à Che Guevara e participava ativamente nas lides laborais, onde sempre era delegado sindical. Encontrei-o nas então famosas RGT's - Reuniões Gerais de Trabalhadores, sempre na qualidade de delegado sindical, quando ele era ainda, como eu, trabalhador na Banca. Apreciava o modo como com um pequeno grupo de Delegados Sindicais conseguir conduzir a seu bel-prazer as Assembleias, recorrendo amiúde a estratagemas como votações nominais, de modo a que o tempo as arrastasse madrugada dentro, altura em que, vencidos pelo cansaço, muitos dos presentes as tivessem já abandonado. Era então, às tantas da matina, que, com ou sem quórum, conseguiam ver prevalecer as propostas que levavam para essas Assembleias. Nessa hora, a participação era então muito reduzida, constituída quase apenas por delegados e militantes sindicais, e as propostas passavam com relativa facilidade.

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Agora, era vê-lo vestido com roupagem de poeta. Que fino, quem diria! A esposa do João, sempre atenta a tudo o que se passava no estabelecimento, aproximou-se discretamente com um jornal na mão, que cortesmente me entregou, dizendo, sem disfarçar um sorriso irónico.: - Tenho aqui o Jornal, se gostar de ler. Agradeci, retribuindo o sorriso e cortesia e, com alguma curiosidade, desfolhei o jornal, página a página. Nada! - Onde raio estão os versos? – comentei com a Amy, que escondia um sorriso maroto. Ah, ali estavam, na coluna à direita da última página, toda a coluna, de cima abaixo. Quatro estrofes, cada uma com um fundo de cor diferente. – Que chique! - comentei. Li-as, atento. Quadras? Nem por isso. Rima? Notava-se o esforço para a conseguir. Métrica, desajustada. Mas, na verdade, notava-se o empenho com que tinham sido escritas. Faziam algum sentido, mostravam-se enquadradas no tema proposto. Alguma simbologia, a alegoria ao propósito das festas do Santo Padroeiro. Buriladas as estrofes, até que poderiam dar uma meia dúzia de quadras interessantes. Mas, o propósito de toda esta retórica é dar ênfase ao cariz popular que está subjacente ao festejo destes três Santos, tão populares na nossa terra, e ao apego e incentivo à criatividade poética que se faz ao povo no decorrer dos festejos. Na verdade, do Santo António ao S. Pedro, esse vício de poetar tão enraizado em cada português, está arreigado desde há muito no íntimo de todos nós. Em cada um destes festejos, o mesmo convite à criatividade poética prolifera por toda a parte: No Santo António, aonde os festejos são sobretudo relevantes na capital, são os belos desfiles das Marchas de Lisboa, a apresentação pública de cada Bairro, que percorre as principais artérias da cidade no meio de arraiais populares revestidos de encanto. Neste entretanto, as ancestrais festas dos Casamentos de Santo António, onde ano após ano, um sem número de casais dão o nó. Por quanto tempo, não se sabe. (Não percamos a noção de que se está a festejar o Santo Casamenteiro). Depois, vem o S. João, e são muitos os festejos por algumas cidades do país. Mas no Porto e em Braga, estes assentam os seus arraiais. No Porto, desde há muitos anos, tem lugar um marcante Concurso de Quadras Populares, direcionado sobretudo para o Santo e os seus festejos, cuja temática se estende do manjerico ao alho porro, do balão ao namorisco, com uma criatividade que impressionaria o melhor poeta. 124


São imensos os participantes e as melhores quadras têm depois direito a publicação de primeira página naquele periódico, cujas páginas se desdobram com publicação de tanta produção poética. Durante os festejos, os vasos do manjerico espalham-se por todas as ruas e em cada um, lá estão elas, as quadras populares, incutindo em quem vagueia pelas ruas um sentido de humor e alegria que rapidamente leva à compra, para que a sorte nos proteja ao longo do ano. E no culminar de toda a azáfama que nos invade no decorrer dos Festejos Joaninos, surge o S. Pedro, festa de cariz muito popular enraizada sobretudo junto das gentes do mar. São os desfiles e arraiais, os concursos de montras, cada qual engalanada com belas quadras ao S. Pedro, são as arruadas do dia 28 nas principais artérias da cidade, as visitas aos Tronos, principalmente aos três mais marcantes, o do Bairro da Matriz, ancestral e conservador, o do Bairro Sul, popular e onde se vive a festa mais genuína, ligada ao coração das tentes do mar, e os faustosos festejos do Bairro Norte, onde prolifera a gesta poveira ancestral, de onde saíram aqueles que um dia foram colonizar toda a região do Bairro Sul. É aí que proliferam as fogueiras e a sardinha assada, que se espalham ao longo de toda a rua que, apinhada de gente, leva os festejos ao longo de toda a noite. Os Bairros, não só estes, mas todos os outros que foram surgindo ao longo dos anos, desfilam então, visitando cada um os três tronos atrás mencionados e desfilando pelas principais artérias da cidade. No meio de todo este fulgor, a gente do povo que, como o Ardina vive fulgurosamente cada momento que toda esta envolvência lhes proporciona, cantando e versejando com uma alegria que irá marcar durante muito tempo aqueles que de um modo ou de outro quiseram nesses dias mostrar também o seu rasgo de poeta.

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O fascínio do mar

Era ainda muito jovem. Setembro. O Verão estava quase a chegar ao fim, as parreiras, agora frondosas, começavam a pintar-se de matizes multicoloridas, rubras, castanhas, esverdeadas, os cachos de uvas quase atingiram a sua maturação e num abrir e fechar de olhos estaríamos no tempo da vindima. Muitos aproveitavam esse momento para enviar os filhos até junto do mar, antes do começo das aulas, aproveitando as melhores condições pecuniárias do fim da época balnear. Um pouco mais tarde, com a azáfama das colheitas, já não era possível fazê-lo, nem o tempo o permitiria. Ano após ano, a Rosinha, esposa do David, lá ia quinze dias com o seu rol de filhos, de autocarro, numa viagem cheia de curvas e contracurvas que demoraria mais de uma hora, cheia de enjoos e peripécias, mas sempre criando no espírito dos miúdos uma grande ansiedade e vontade de mergulhar naquela lagoa imensa que os fascinava. Ficavam amontoados no anexo duma habitação, que alugavam ali bem perto da praia, servindo-se de alguns enxergões que os anfitriões lhes dispensavam para dormir e ali conviviam - a mãe Rosa e os filhos. A um canto, acomodavam uma máquina a petróleo, onde preparavam as suas refeições. Mais ao lado, uma bacia e um jarro de água onde se refrescavam de manhã. O toilete, no exterior, era comum a todos os inquilinos dessa ilha de tanta gente. Nesse ano quiseram levar-me também. Falaram com o compadre Armando e a Geninha (meus pais) e pediram-lhes que deixassem ir o menino (eu), para se entreter com os seus filhos, os seus melhores amigos. Assim como assim, era apenas mais um, dormia e comia junto com eles, não se notaria nada. Quando o pai Armando e a Geninha 126


deram o acordo, esfreguei as mãos de contentamento… E lá fomos no velho machibombo para a Póboa. Ainda muito cedo, despertávamos com o badalar do sino da Igreja, ali mesmo ao lado. Em dias de nevoeiro, o som interminável da ronca, para na imensa opacidade que tinham pela frente orientar os pescadores no caminho para um regresso mais seguro ao lar. Ali tão perto, ouvia-se o marulhar das ondas. Bem cedinho saltávamos da cama e corríamos ao seu encontro, para assistir ao banho matutino das velhotas que iam banhar-se em camisa de dormir e se refugiavam no frescor da manhã para não serem vistas. Era hilariante vê-las sair da água pela mão do banheiro com a roupa colada ao corpo e assistir àquele cenário duma quase ingénua nudez que, quais mirones ocultos, nos proporcionava momentos de grande desaforo e muita euforia. Regressávamos a correr, muitas vezes fugindo do banheiro. Tomávamos um copo de leite ou cevada, acompanhados dum pão com margarina e era ver-nos hora após hora a mergulhar na água gelada do Atlântico, logo seguida de exposições ao sol, exercício que repetíamos até ao pôr-do-sol. Nesse entretanto, o jogo do prego, a brincadeira com os baldinhos, as esculturas na areia e o mirar das meninas que andavam por ali. De quando em quando, um desvario pelas ruas para tocar as campainhas que fossemos encontrando pelo caminho. Um dia, num desses desvarios, o Zé Domingos tocou numa campainha, quando de repente surgiu um Agente da Autoridade. Pelo intercomunicador, alguém perguntava: - Quem é, quem é… Ao notar o silêncio do rapaz e adivinhando a leviandade, o Agente, com cara de zangado, questionava: - Não respondes? E logo o moço, envolto em grande embaraço, respondia: - Sou…, sou eu, o Zé Domingos. E desatava numa correria louca sob o olhar sorridente do Agente que ali ficava impávido e sereno a vê-lo fugir. Mais tarde, era as idas à Póvoa na Pachancho (a motorizada) com o pai Armando, para ouvir o mar e vê-lo num diálogo divertido e atiradiço a regatear com as peixeiras o preço do lanço, nas bancas do velho mercado ao ar livre ali, junto à antiga praia do pescado, para que em casa pudéssemos, de longe a longe, usufruir um pouco de peixe fresco. Na Escola Primária, um dia, a professora convidou-nos a escrever uma redação livre. A certa altura, a minha rezava assim: Gosto muito do mar/ de ouvir as águas a cantar/ o dia inteiro./ Quando for grande/ quero lá morar/ quero ser poveiro/ eu e o meu parceiro… 127


Os anos passaram. A ironia do destino trouxe-me para junto do mar, tornei-me poveiro. Lá, na minha velha aldeia, ficara o meu parceiro. O fascínio das ondas não deixou mais de me acompanhar, de me inspirar em muitos dos meus mais queridos poemas. E o mar tornou-se assim meu companheiro e confidente, o amigo que todos os dias visito, com quem converso e junto do qual encontro a paz que procuro, ao som do marulhar das ondas, do canto das gaivotas e do meu silêncio interior, como que dizendo: Mar, doce mar!

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Um cântico ao amor Quando o poeta canta, é o amor que se exprime em cada palavra, em cada verso, em cada estrofe. E seja expresso através de sentimento de profundo amor romântico, conjugal, filial, sensual ou outro, é na expressão desse amor que as palavras ganham o seu verdadeiro sentido e a poesia se exprime através de notas vibrantes desse violino que tem dentro de si e transforma cada palavra, cada adjetivo num manancial de cor e fantasia que se estendem à nossa volta e enchem a vida de magia e cor. É assim que o poeta marca cada pegada na estrada da vida, cantando, exprimindo com carinho e ternura aquilo que sente e nos quais se metamorfoseia. E ei-lo, nu, malabarista, arquiteto de palavras, enchendo o nosso viver duma mágica alegria. É assim que os poetas cantam, é assim que exprimem o seu sentir, aquilo que lhe vai na alma e que brota do seu peito com espontaneidade e com o mágico perfume que nos encanta! Reunidos nesta Antologia estão hinos e cânticos ao amor e à alegria de viver. Inspirados nesses nobres sentimentos, vagueando pelos caminhos com que se cruza na sua peregrinação, partilham sentimentos duma profundidade sem fim. E ei-los brilhando como estrelas nesse universo que se estende para além da fantasia e que dia-a-dia nos aconchega com a sua luz, pela noitinha, quando nos invade a inspiração e nos deixamos esvair em poesia!

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O amor, a vida, um sentimento de ausência, quiçá de perda, uma promessa incontida, inatingível, a busca do transcendente, a amizade e o carinho, enfim, sentimentos nobres em que se desdobra para que a poesia se exprima com todo o esplendor, com todo o seu encanto…, exuberante, mágica, eterna! Quando o poeta escreve, ele pode até fingir…, mas essas cartas de amor, pretensamente ridículas brotam de si e exprimem-se em sentimentos de ternura, acalentando-nos a alma e enchendo-nos dessa nobre vontade de gritar à vida cheios de emoção que a poesia vive! “Adiante, adiante, ó fantasia! Plantemos uma tenda em cada estrela!” (Antero) … deixem-nos mergulhar nesse sonho colorido de um amanhã em flor! Parabéns aos promotores, a nossa gratidão a cada poeta que aqui se desnuda e nos trás em casa verso, em cada estrofe, em cada poema, o lenitivo que no faz sonhar e nos leva a pensar que vale a pena viver.

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O Pau Desde muito novo, aprendi que para conseguir vingar na vida tinha necessidade de abrir os olhos e, contra tudo e contra todos, estar de PAU-afiado para enfrentar os desafios com que a vida nos agracia, a preceito. Quando o meu velho pai me olhava com cara de carneiromal-morto, a contragosto tremia e desconfiava… e nem me apercebia que algo andava torto. E ele dizia: - Põe-te a PAU, maroto! E a vida continuava. Cedo compreendi que se não atendesse a essas palavras era um PAUde-marmeleiro mal engendrado que tinha a seu lado para me assentar ternamente no costado. Que diabo! Claro que apreciava muito mais a farinha-de-PAU, qual iguaria que na cozinha a mãezinha preparava com todo o afã e carinho e que fazia as delícias do menino e da pequenada…, essa cambada de seis maninhas que dia-a-dia me estragavam com leite-creme ou aletria. Com o rodar do tempo fui-me apercebendo PAUlatinamente que o PAU acompanhava persistentemente o meu desenvolvimento. Um dia, com o PAU-em-riste, sem atentar em regra ou tabu, porque andava triste, fui levado por amigos à Casa de Belzebu. Quantos suores! E, armado em caraPAU-de-corrida, todo escorreito, fui de PAU-feito visitar a rapariga, donzela perfeita, pretensamente insatisfeita, que me olhava sedutora e clamava convicta: - O REI VEM NÙ… NÃO TRAZ CAMISA! … Que ironia! Alma indecisa, nem sabia!(?) E ali fiquei estupefacto a ver o que acontecia. E balbuciei: - De facto! Onde te meteste, Nia!... e cavei! O que se passou depois, não sei, já nem ouvia. Ouvi ainda: - Coitado! De PAU-feito mas fugindo como se fora de um varaPAU, …será que foi à procura de PAU-de-Cabinda… ou PAU-roxo! 132


Entendam-se! Esses amigos, essa cambada, nem era má gente, mas era levada. Sem reclamar, sem pestanejar, com cara-de-PAU, lá foram ao Bar pagar…vinte PAUs. E como o caminho se faz a caminhar, lá ia de quando em quando a meio-PAU, repetindo a caminhada… Até que algum dia alguém me dizia que me apresentaria a donzela e doce Agra. Desconfiado, cansado de afazeres e farto de prazeres, nem atendi… e nunca VI…AGRA! Quantas vezes passei por indeciso, passei por ser mau… nem tinha juízo, mas cara-de-PAU. Quantas vezes enfrentei perigos e muita tramoia, cavalos-de-PAU, cavalos de Tróia. Quantas vezes tive que fazer orelhas-de-PAU para não ter que aturar a bela, tal Agra, a berrar: - MAU, MAU!..,, se trazes Viagra, apanhas. Com toda esta conversa, como sou PAU-para-toda-a-obra, (não PAU-paratoda-a colher) temos que dizer que anda no ar gente de sobra, homem, mulher, a deambular pela fantasia, com cara-de-PAU, de noite e de dia, tentando encontrar o seu novo LOOK nas profundas páginas do FACEBOOK!... Como diria o tetravô Bento, homem do vau, de conhecimento: - Quem tem PAU pegue lá no PAU, quem não tem PAU…, pois lance-se ao vento! E só espero que aqui feitos num PAU-de-alho, não venha por aí o patrão, feito mandão, feito estardalho, transformado em caraPAU-de-corrida e nos diga que são horas de ir à vida, de ir para o…TRABALHO… Que horas são?

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O Raúl Nesse fim de tarde, fui ao Teatro Municipal de Vila do Conde para assistir ao concerto do Raúl. Que posso dizer? Que a casa estava cheia? Novidade, é sempre assim! Sempre que é anunciado que o Raúl vai dar um concerto, pronto: casa cheia. Curioso: o "MIUDO" tem dezoito anos! E lá estava ele, com aquelas mãos cheias de magia, enchendo de alegria e emoção aquele Auditório - o Teatro Municipal de Vila do Conde. Tive o privilégio de ficar lado a lado com a sua avó. O brilho dos seus olhos, o entusiasmo com que falava do SEU MENINO, dos seus meninos, são enfim, vários, todos diferentes, todos iguais na forma de transmitirem essa energia mágica que herdaram dos seus doutos pais. "Todos eles integrados num caminho de vencedores", dizia. Voltemos ao Raúl. O "MIUDO" apareceu-nos com o seu sorriso "GAIATO", sentou-se ao piano... e zás! Toca a penetrar num mundo diferente, cheio de alegria, entusiasmo, frenesim... imparável, mágico, esfusiante... A execução das partituras, apenas gravadas na sua mente não utiliza partituras em papel - faziam-nos tremer em cada instante. Às vezes dava a impressão que queria entrar pelo chão dentro - passo a redundância - alargar horizontes, tudo aquilo lhe parecia pequeno, queria mais!!! Que loucura, meu Deus, ele tem dezoito anos! O tempo voou sem que déssemos por isso. A magia daquela música plena de alegria, envolta no silêncio paradoxalmente sepulcral da-

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quela plateia, mantinha-nos colados às cadeiras como que hipnotizados, a ouvir, a ouvir, deliciados pelo dedilhar frenético daquelas mãos de menino… No fim, a ovação. Abriram-se as luzes e uma onda mágica de público, tanta juventude, ovacionou-o emocionada. interminavelmente, sem parar! E o Raúl, na sua simplicidade, na sua modéstia, com um sorriso nos lábios, agradeceu. Tocou um pouco mais... insaciável, tentando dar freio às suas emoções. E com aquela simplicidade de menino, dirigiu-se ao auditório, à "assistência maravilhosa" – dizia - "é bom estar perante vós, tocar perante vós", "quando aqui cheguei, fiquei com a sensação de que teria uma assistência assim", "obrigado por estarem aqui". Agradeceu à Escola, aos Mestres. É "graças a eles que aqui estou", "é por eles que quero continuar". Ao meu lado, o brilho do olhar da avozinha que recebe com carinho o beijo do seu neto querido, debruçado sobre o palco para poder abraçá-la. "Em qualquer festival em que participa, ganha prémios" confidenciava, mostrando aquele sorriso lindo... De novo, o público ovacionando sem parar. O Raúl voltou a tocar. Que bom seria ouvi-lo pela noite fora. Mas não..., acabou, terminou… Que pena! Passaram-se alguns minutos. À porta do Auditório, um jovem com traje desportivo, de mochila às costas, escrevia encostado à parede, rodeado por alguns amigos, com simplicidade, sem exuberância. Olhámos, aproximámo-nos. Era o Raúl, aquele Raúl que, minutos antes, em traje de gala, nos deliciava com a magia da sua interpretação musical. Estava a escrevinhar algumas mensagens para os amigos, com simplicidade, com aquela delicadeza rara de ver, como se fora um recadinho de amor para a sua namoradinha de escola. Cumprimentei-o. Agradeci-lhe. De novo, aquele sorriso simples. “Obrigado”. A vida recomeça... Estava na hora do regresso a casa. No Festival de Música da Póvoa vamos ouvir de novo o Raul. Tu não podes faltar! Organiza a tua agenda, não percas... vem ouvir este "MIUDO" GRANDE. Vai ficar-te gravado na memória para sempre. Acredita!... E fica atento. O Raul vai andar por aí. 135


Obrigado, "MIUDO"! Parabéns, Aurelino e esposa. Que alegria ter um filho como este! Nota: Hoje o Raúl, de seu nome Raúl Peixoto Costa, é um prestigiado pianista e coordena a equipa que organiza o Festival Internacional de Música da Póvoa de Varzim. É detentor de primeiros prémios em muitos concursos nacionais e internacionais, entre os quais se destacam o Concurso Internacional de Piano em San Sebastian e o Concurso Scriabin em Paris.

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O Assobio

Durante muitos anos dirigi um grupo de jovens que se dedicava à atividade de escutismo. Com o tempo, o Clube criou raízes e a sua própria personalidade: um nome, um lema, um meio de se comunicar, um assobio muito especial. Este foi, talvez, aquele que venceu a voragem do tempo. Os jovens foram crescendo e partindo para a conquista da sua liberdade. Dessas atividades, cheias de experiência que nos vão acompanhando ao longo da vida, permaneceu aquele assobio. Ainda hoje, em qualquer lugar em que nos encontremos, ouvimos aquele som. E, instintivamente, olhamos e respondemos. E logo encontramos o velho amigo, aquele companheiro que tempos idos partilhou connosco alegrias e cumplicidades que o tempo não deixa esquecer.

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O meu amigo Leandro Quando um dia o vi no programa Mar‐à‐Tona em Poesia, a ler um poema, fiquei surpreendido com a sua serenidade e a forma ágil como esgrimia as teclas do seu portátil. Não entendia toda essa linguagem, essa magia de ler um poema de forma tão diferente. As palavras brotavam suaves, compassadas e cheias de magia. Senti‐me pequenino. Foi então que comecei a olhá-lo e a apreciá-lo, acompanhando com desusado prazer e simpatia a sua atividade literária, os seus criativos poemas impregnados de sentimentos puros, que brotavam bem de dentro do seu peito e as palavras que adquiriam a partir daí um novo significado. No desenrolar da sua atividade, vejo surgir com surpresa e alegria o grupo que com carinho ergueu com pessoas que lhe são queridas e fazem já parte desse mundo lindo onde vive a sua peregrinação, a Poesia da Beira Ria - Aveiro. E no desenvolvimento dessa iniciativa, eis que de repente surge a primeira Antologia dos Poetas D'hoje que, com alegria redobrada, prefaciei, como se fora um filho que nascera... E veio a segunda Antologia dos Poetas d’Hoje... E sabe‐se lá o que mais por aí virá. Um trajeto de vida invejável, um percurso que muitos desejariam imitar. Sinto um grande orgulho em tê-lo como amigo, em partilhar consigo momentos de alegria e de prazer, navegando neste imenso mar onde cada dia respiramos poesia.

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Está na hora de mostrar ao mundo o seu poeta ‐ o poeta que vive dentro desse peito que pulsa insaciável, na ânsia de proclamar aquilo que lhe vai na alma. Estávamos à espera, Leandro! Quão bom saborear palavra por palavra, verso após verso, as emoções que nesse mundo pretensamente de trevas, mas pleno de luz vislumbra e que nem nós, com alegria no olhar, com as faculdades de maior ou menor visão conseguimos enxergar. Obrigado por esta amizade e carinho, obrigado pelo brilhante trajeto que cada dia partilha connosco, obrigado pela generosidade que brota desse coração enorme onde a poesia vive em cada instante. Nasce o poeta, o sol brilha em cada olhar. A luz de um novo dia raia nos seus olhos, iluminando o nosso olhar momento após momento. Deixe-nos ele penetrar nesse mundo, saborear o seu sentir, com o prazer e a alegria que dele imana.!

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João Silva Conheci-o há poucos anos na universidade da vida, quando juntos abraçávamos um projeto inovador que nos levaria da retrait da vida por um caminho aliciante onde gradualmente fomos encontrar o elixir onde manter frescos a nossa mente e espírito fazendo as coisas de que sempre gostamos e que ao longo dos anos a necessidade de sobrevivência nos ia maculando. E foi assim que demos alma a um projeto que nos iria ajudar a percorrer esta nova fase, com alegria, entusiasmo e num sentido de desenvolvimento onde se abririam novos horizontes. Sentia no João uma avidez quase insaciável, às vezes a tocar os limites do razoável, em participar neste projeto cheio de aliciantes. E ei-lo de repente a transformar-se em professor de cavaquinho. Fui conhecendo melhor o seu potencial como músico e compositor. E sorrateiramente penetrei no manancial da obra produzida, curioso, esperando com ansiedade o que de novo iria aparecer no alvorecer de cada dia. A destreza e agilidade demonstrada no domínio das pautas e dos sons mostravam-se cada dia mais expressivas. E já não era apenas o passado, envolto entre as associações poveiras, onde aprendeu os rudimentos desta arte que iria persegui-lo ao longo da vida, associações das quais foi muitas vezes elemento ativo e de liderança, fosse na sua Póvoa ou lá longe, no Congo, onde manteve viva atividade intelectual e desenvolveu a sua veia artística. Após o regresso de África, desenvolveu a sua formação musical e tornou-se professor, atividade que exerceu até à sua reforma. E 140


ei-lo de novo empenhado no desenvolvimento criativo, abraçando cada novo projeto até à exaustão. A recuperação da Opereta Maria, dos Poveiros, a História do Grupo Folclórico Poveiro, com reposição de todas as suas partituras ou a história do seu Rancho do Castelo (projetos que desenvolvemos em conjunto) e tudo o mais que com perseverança e dedicação foi desenvolvendo, eram uma surpresa constante e um estímulo para mim, obrigando-me a que a sua obra fosse contada a toda a gente. A experiência vivida a dois, com a composição da pequena Opereta Menina do Mar, letra e melodias minhas, mas cuja composição musical se deve inteiramente a ele, foi na verdade um desafio fascinante. João Silva é um homem singular. A dedicação às causas da música, impregnada em si como se de um órgão do seu corpo se tratasse, obrigou a que o seu trabalho fosse divulgado. Esta a razão porque decidi dar corpo a um projeto, juntando o que de mais importante foi criando ao longo de muitos anos de dedicado sacerdócio. Dividi este trabalho em três fases: As suas produções de raiz; O trabalho de recolha e recuperação; O desenvolvimento de projetos que lhe foram propostos por amigos Não sendo um trabalho levado à exaustão, fica como que um retrato bibliográfico para a posteridade, para que o seu nome seja lembrado no decorrer dos anos. Que o mesmo possa servir de estímulo para todos os que ousarem lê-lo e conhece-lo, que o exemplo do João nos possa inspirar e mostrar que o segredo da longevidade está muitas vezes na forma como encaramos a vida e lhe damos o verdadeiro sentido, mantendo fresca a nossa mente e criando em nós um espírito vivo constante, atividade continua que nos realize e nos possa impelir cada dia, como se fora um álibi para uma nova aventura Obrigado, João, por esta imensa lição de vida, essa generosidade e exemplo ficarão bem gravadas dentro de nós ao longo do melhor dos nossos dias.

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Entrevista a José Sepúlveda José Sepúlveda Nascido em Delães, Vila Nova de Famalicão. Hoje mora em Vial do Conde – Portugal. Ex-funcionário Público, amante da literatura, administrador do grupo Solar de Poetas, no Facebook, apoia vários projetos literários, organiza e participa com regularidade de Saraus, Tertúlias, lançamentos de livros. Autor dos livros de sonetos: “Meu Verso, Meu Berço, Meu Poema”, “Porque Ele Vive”. Algumas de suas coletâneas: Arca de Quimeras, Cantares de Amigo, Exaltação, Intimidades, Auto de Cera Fina, O Canto do Albatroz. “Ao autor cabe-lhe e escrever, ao editor editar, o distribuidor distribuir e ao leitor ler. Enquanto não for assim, tudo estará distorcido, há que mudar mentalidades. Mudar é sempre uma forma de crescer” Boa Leitura

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Divulga Escritor - Grande mestre José Sepúlveda, para nós é uma honra tê-lo connosco no Projeto Divulga Escritor. José conte-nos como começou sua paixão pela escrita? José Sepúlveda (Sepúlveda) - Quem me dera ser poeta, Shirley. Comecei a ter contacto com a poesia ainda de tenra idade, quando o meu pai, na sua oficina na de alfaiataria, nos confins da aldeia onde nasci, improvisava com os amigos algumas quadras populares, em forma de cantiga popular. Quando entrei para o ensino primário, deparei-me com os primeiros poemas do Cancioneiro recolhido por Almeida Garrett: A Nau Catrineta, A Bela Infanta… Lembro bem a avidez com que lia a Moleirinha ou a Balada da Neve de Augusto Gil; O lavrador da Arada, do cancioneiro tradicional português. Depois, com o decorrer dos anos, já no segundo ciclo de ensino, fui a incursão na poesia trovadoresca, com Garcia de Resende e os mestres de então e a penetração nos malabarismos poéticos que nos ofereciam., entre eles os acrósticos, ainda hoje tão do agrado de muitos poetas. A partir daí, o gosto pela poesia foi sempre crescendo, começando com as minhas produções tão insípidas pelos doze anos. Cerca dos dezasseis anos – nessa altura já escrevia poesia de forma mais regular – colaborei num ou noutro jornal ou revista, tendo tido uma coluna num dos semanários poveiros de então. É por essa altura que surge a primeira coletânea: Musa Perdida. O período até cerca dos 23 anos foi de grande produção poética. Jazem na Arca de Quimeras (uma arca guarda da religiosamente no sótão) muitas dezenas de manuscritos ainda por tratar. Foi nesse período que aperfeiçoei a técnica pelos versos de sete sílabas e outras técnicas estruturadas de escrever poesia, sobretudo o soneto. Divulga Escritor - Você hoje é uma referência em projetos literários em Portugal, principalmente para os Poveiros, é responsável pela publicação de coletâneas, conte-nos um pouco como foi seu primeiro projeto Literário? Sepúlveda - Para falar no primeiro projeto literário, teria que recuar aos meus dezoito anos, altura em que com alguns amigos organizamos um pequeno grupo de tertúlia – Conviveu, que se reunia regularmente nas antigas instalações do Posto de Turismo, na Póvoa. Aí divagávamos sobre poeta e escritores e desenvolvíamos alguns temas de interesse cultural. Foi por essa altura em que tive contacto com José 143


Régio que com os amigos João Marques e Luís Amaro se reunião aos sábados de tarde no Diana-Bar, hoje, Biblioteca da Praia, em pequenas tertúlias deliciosas, frente ao mar. É nesse espaço místico que hoje o grupo Poetas Poveiros e Amigos da Póvoa organiza os seus mais marcantes eventos. A partir daí, o gosto pela formação de grupos de interesse pela poesia nunca mais desapareceu. Mas reativou duma forma incontornável em 2011, com a formação do grupo Poetas Poveiros e Amigos da Póvoa, que se dedica à promoção de saraus e tertúlias, divulgação de autores escondidos por aí e apoio â publicação dos seus trabalhos, através de parcerias com uma ou outra editora. Esse trabalho é um desafio constante e cria em nós um sentimento de realização pessoal imenso. Apesar do pouco tempo de existência, são já diversas as obras publicadas e as que estão em vias de o ser. Divulga Escritor - Musa Perdida, Kay, Anjo Branco, Pastorinha, Arca de Quimeras , O Canto do Albatroz, ... são alguns de seus trabalhos, em que você se inspira para desenvolver seus trabalhos? Sepúlveda - Alguns dos temas de inspiração de quem escreve são recorrentes e variados. Mas a amizade, o amor, o mar são temas usados por quase todos os poetas. Eu não fui diferente. Mas o amor teve e tem sempre um lugar cativo, bem presente, naquilo que escrevi e escrevo. Com exceção de O Canto do Albatroz, mais generalista, todas as coletâneas mencionadas têm como pano de fundo o amor e as suas musas. Divulga Escritor – Você tem um livro de Sonetos que se tornou referência para os poetas, e leitura em sala de aula, conte-nos como foi a seleção dos textos para “Meu Verso, Meu Berço, Meu Poema”? Sepúlveda - Se te disser que a escolha foi um tanto aleatória, quase a esmo, não te acreditas. Nunca valorizei muito aquilo que é meu. Gosto mais de divulgar a obra dos meus amigos poetas. Fui selecionando aqui e ali (tenho-os dispersos por aí) e saiu isso. Divulga Escritor - José, conte-nos o segredo para escrever tão bem Sonetos? Sepúlveda - A arte do soneto sempre me encantou. Quando lia os grandes sonetistas clássicos, Antero, Camões, Bocage, Nobre, a ‘imperatriz’ Florbela, Sá de Miranda (que foi o seu introdutor dessa arte em Portugal), pensava comigo mesmo: Quem me dera saber escrever assim. Adoro escrever sonetos e isso ajuda a que eles vão saindo algo interessantes. Fui aperfeiçoando a técnica e hoje já saem melhores um pouco. A musicalidade, a cadência e a estrutura são essenciais para 144


que ao ler-se o soneto tenha harmonia e beleza. Se não obedecer a esses requisitos, não passa dum poema com duas quadras e dois tercetos, mas não soneto. Isto, apesar das novas tendências que vão surgindo onde quase tudo vale e que aos poucos vão adulterando a rainha das artes de fazer poesia, pese a controvérsia que esta afirmação possa gerar junto dos defensores das novas tendências poéticas. Divulga Escritor - Você publicou recentemente um livro onde a verba adquirida com a venda do livro foi revertida integralmente para apoios sociais, conte-nos como foi a construção de seu livro “Porque Ele Vive”? Sepúlveda - Na verdade, este projeto foi um desafio da minha querida e tua conterrânea Ana Stoppa. Foi a instâncias dela que resolvi compilar alguns dos meus poemas de cariz espiritual com o objetivo de angariar fundos para instituições que apoiam famílias carenciadas e sem-abrigo, bem como outras instituições. Gostaria de publicamente lhe agradecer esta edição, que fez questão de a financiar integralmente. Dado os fins a que se destinou, nem lançamento do livro efetuei. Só agora as minha amigas Céu Rosário e Conceição Lima resolveram que deveria fazer-se uma apresentação pública do mesmo. E eu fui de reboque. Divulga Escritor - Onde podemos comprar os seus livros? Sepúlveda - O primeiro encontra-se esgotado (esgotei ao fim de um mês). O segundo faltam cerca de cem exemplares. Hão-se vir mais em breve. Divulga Escritor - Quais os seus principais objetivos como escritor, soubemos que temos livros novos no prelo? Sepúlveda - Sim. Vão sair de seguida: Akrosticis - retratos de vida (possivelmente em e-book, Divulga Escritor - Conte-nos sobre os novos projetos, o SolarTV, quais os principais objetivos deste projeto, e outros que estas a administrar? Sepúlveda - O Solar de Poetas tornou-se uma referência no Facebook. Cresceu bastante e os seus subgrupos e parcerias vão aumentando o seu círculo de influências, digamos que é um pouco uma escola de poetas. A SolarTv, administrada pela Isilda Nunes, divulga eventos, faz reportagens, anuncia, incentiva; O Solarte, administrado pela Rosa Maria Santos, divulga a arte nas suas diversas vertentes: Pin-

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tura, Fotografia, Arte em Postais, etc.; A Casa do poeta, também administrada pela Rosa Maria, é uma montra constante de divulgação de livros, saraus, eventos e tudo o que tenha a ver com arte literária; Temos ainda a parceria com Divulga Escritor; E vem em breve a Rádio Solar que assimilará todas as parcerias Rádio que vamos fechando. Junta-se a tudo isto as parcerias com Editoras, os Saraus, a promoção de coletâneas e antologias. Veja-se o exemplo de Poeta Sou… viva a poesia, já em e-book no ISSUU. A seguir se verá o que virá por aí. Divulga Escritor - Quais os principais desafios que encontras como gestor do Grupo Solar de Poetas? Sepúlveda - Os desafios são sempre grandes. Há uma espécie de sede insaciável que nos empurra e nos leva a cada dia querer mais, novos projetos, novas iniciativas. Daí, as parcerias que vamos estabelecendo com Rádios, com outros espaços cujo objetivo se identifique dado tratar-se de livro a cores); A Musa, o Verbo e a Cor (no mesmo formato). Trata-se dum trabalho a cores, participado por alguns Artistas Plásticos a quem interpretei telas ou que interpretaram em tela poemas meus. Um livro que me satisfaz muito. Depois, Memórias (histórias em verso da minha infância) e um livro de quadras populares. Eles hão-se surgir por aí Divulga Escritor - Você criou o Grupo Solar de Poetas, como foi que surgiu a ideia de criar um grupo Literário? Quais os projetos que temos hoje no Solar? Sepúlveda - A ideia de formar um grupo literário, em que a poesia fosse rainha surgiu logo que tive acesso ao Facebook e comecei a mergulhar em alguns dos grupos que então começavam a proliferar no ciberespaço. Daí que a formação do Solar de Poetas surgiu quase de forma natural. Antes dele, já o Albatroz cantava na sua página – O Canto do Albatroz, através do Blogue que criara e no qual estão publicadas algumas das minhas coletâneas. com o nosso – divulgar cultura. Nem sempre é fácil a gestão dum grupo assim, dado a necessidade de presença contínua e do aparecimento de aliciantes que tornem o espaço vivo e atraente. Para isso, o contributo assíduo e dedicado de ilustres administradoras que com carinho dedicam tempo precioso no acompanhamento e comentário dos trabalhos que vão surgindo, num espírito de dedicação que não pode deixar de ser exaltado. A todas elas, as que aqui já deram o seu contributo e as que 146


ainda mantém essa coragem e perseverança de estar presentes, a minha gratidão. Daí, a necessidade sistemática de recurso a desafios e eventos, e iniciativas como esta – Divulga Escritor, que veio valorizar de forma significativa o nosso espaço. Divulga Escritor - Quais as melhorias que você citaria para o mercado literário em Portugal? Sepúlveda - Um dos objetivos dos grupos que dirijo – Solar de Poetas e Poetas Poveiros e Amigos da Póvoa, é sem dúvida apoiar e divulgar as obras escritas por autores mais ou menos iniciados e que tem guardado os seus poemas nas gavetas à espera de oportunidade de divulgação. Acho que o mercado começa a perceber que um autor não terá que escrever, pagar pela impressão das suas obras e ainda por cima ter que ser ele a divulga-las, quase a mendigar a sua compra dos seus livros. Há que alterar todo esse status e cada um dos componentes assumir as suas responsabilidades. Ao autor cabe-lhe e escrever, ao editor editar, o distribuidor distribuir e ao leitor ler. Enquanto não for assim, tudo estará distorcido, há que mudar mentalidades. Mudar é sempre uma forma de crescer. Divulga Escritor - Pois bem, estamos chegando ao fim da entrevista, agradecemos sua participação, muito bom conhecer melhor o Escritor José Sepúlveda, que mensagem você deixa para nossos leitores? Sepúlveda - É para mim um grande privilégio poder participar neste projeto, que providencial e generosamente surge no ciberespaço e que será., com certeza uma referência que muitos terão como desafio a seguir. Uma mensagem de confiança para os autores. Os tempos irão mudar. Surgirá o dia em que cada auto poderá divulgar as suas criações sem necessidade de mendigar para que as criações atinjam o seu alvo – o leitor. Quando assim acontecer, poderemos gritar: A Poesia vive, viva a Poesia. Obrigado, Shirley, pelo teu empenho na divulgação da poesia e dos seus criadores de sonhos.

Revista Divulga Escritor n.º 17

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Índice Ficha Técnica .................................................................................................................. 3 Biografia .......................................................................................................................... 4 O meu Spectrum ............................................................................................................ 6 Solar de Poetas ............................................................................................................... 8 Uma Questão de Estímulo.......................................................................................... 10 Vai voltar....................................................................................................................... 12 Estrela ............................................................................................................................ 13 O Menino ...................................................................................................................... 14 Jesus nasceu .................................................................................................................. 15 Porquê uma Antologia do Solar De Poetas? ............................................................ 16 A Festa dos Poetas ....................................................................................................... 18 Solar dos Poetas ........................................................................................................... 19 O Fenómeno Mar-à-Tona ........................................................................................... 20 AICEM – A Lusofonia vive ........................................................................................ 22 Língua Mater ................................................................................................................ 23 A Biblioteca ................................................................................................................... 24 XIV Encontro Nacional de Poetas no Gerês ............................................................. 28 Era uma vez…um Autocarro ..................................................................................... 32 Carta de Amor .............................................................................................................. 36 No dia da mulher!........................................................................................................ 37 O Prazer de Inovar ...................................................................................................... 38 Escrever, um dever solidário ..................................................................................... 40 O meu amigo poeta, Luís de Camões ....................................................................... 42 Soneto a Dinamene ...................................................................................................... 45 Ensinar a Crescer ......................................................................................................... 46 Noite de Natal .............................................................................................................. 48 Hossana nas Alturas .................................................................................................... 49 Ser Mulher .................................................................................................................... 50 A Gaveta........................................................................................................................ 52 O Grito dos Poetas ....................................................................................................... 54 Fernando ....................................................................................................................... 58 I Expoética em Braga ................................................................................................... 62 A Arte ............................................................................................................................ 64 A cor o som e a poesia................................................................................................. 66 Natal .............................................................................................................................. 67 O burrico ....................................................................................................................... 68 O Russo e a Mimosa .................................................................................................... 69 Armando, memórias do hospital .............................................................................. 70 Solar de Poetas, Coletânea II ...................................................................................... 74 Triologia da Vida ......................................................................................................... 76 Espírito das Artes ........................................................................................................ 78 Feliz Aniversário .......................................................................................................... 80 150


Em Busca do Infinito ................................................................................................... 82 O Poveirinho Jesus ...................................................................................................... 84 Lágrima de sal .............................................................................................................. 87 O Som da Noite ............................................................................................................ 88 O Douro que canta....................................................................................................... 92 Não havia lugar…........................................................................................................ 96 Tarouca Vale a Pena .................................................................................................... 98 ........................................................................................................................................ 99 No Vale Encantado .................................................................................................... 100 Homenagem às mães ................................................................................................ 102 Geninha ....................................................................................................................... 103 A Rádio Vizela em festa ............................................................................................ 104 António Giacomo Stradivari .................................................................................... 106 Que força é essa? ........................................................................................................ 110 O Natal da minha infância ....................................................................................... 112 E do amor nasci .......................................................................................................... 116 Só... é Natal! ................................................................................................................ 117 Era Abril ...................................................................................................................... 118 Salgueiro Maia ........................................................................................................... 121 O Ardina, o S. Pedro e a Poesia ............................................................................... 122 Um cântico ao amor................................................................................................... 130 O Pau ........................................................................................................................... 132 O Raúl .......................................................................................................................... 134 O Assobio .................................................................................................................... 137 O meu amigo Leandro .............................................................................................. 138 João Silva ..................................................................................................................... 140 Entrevista a José Sepúlveda ..................................................................................... 142 Índice ........................................................................................................................... 150

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Crรณnicas Saloias Editado em julho 2019 152


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