Corrente 28

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Ano II — Número 28 - Mensal: outubro de 2019

Corrente d’Escrita Plantando Cultura * Santa Catarina * Brasil

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185anos anos 185

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Neste Número

DEONÍSIO DA SILVA

Professor e Escritor Catarinense


Corrente d’Escrita

Editorial Ao nosso desafio lançado no número anterior, sobre a eventual realização de um FESTIVAL LITERÁRIO exclusivamente dedicado aos escritores catarinenses e às suas obras, cumpre-nos informar que a ideia começa a singrar e a ganhar forma. Se as coisas correrem como até agora, é de esperar que talvez em 2020, possamos realizar, em Florianópolis, o 1.º Festival Literário do Autor Catarinense (FLAC), evento que, apesar de ser anual, seria realizado alternadamente em outras cidades, sobretudo do interior, para que a cultura e a literatura possam “caminhar” por todo o Estado de Santa Catarina. Não é nosso propósito concorrer, e muito menos combater, com as outras honrosas manifestações no gênero, nomeadamente Feira de Livros e Encontros, mas ser um acréscimo, uma mais valia, para o muito que há a fazer em prol da literatura em geral e dos escritores catarinenses em particular. Como diz o ditado, vamos caminhando e engrossando. Na nossa caminhado trazemos hoje ao Senadinho Literário o escritor Deonísio da Silva que, com sua verve aliciante, sempre nos encanta, quer pelos escritos quer pela palavra. Bem vindo pois, confrade e amigo, a este “cantinho”, que também é o seu, como também já foi de Edenice Fraga; Milton Maciel, Oldemar Olsen e Urda Klueger, como será de tantos outros que virão a seguir. Um aviso desde já necessário: Corrente d’escrita não se publicará nos meses de dezembro, janeiro e fevereiro pela quase “parada” sazonal e habitual, nas atividades literárias nestes meses.

Afonso Rocha—diretor Página 2


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Personagem

Tibiriçá

Dois prisioneiros Tamoios, caídos aos pes de Tibiriça, imploravam clemencia, dizendo que eram cristaos, mas Tibiriça respondeu: “para vossos crimes nao tem perdao” e herculeamente estilhaçou a cabeça dos dois renegados.” Tibiriça faleceu de peste logo apos a grande batalha, e foi sepultado na Igreja do Patio do Colegio, e Proclamado por Jose de Anchieta como fundador e protetor da Vila da Sao Paulo de Piratininga. Fonte: Anchieta, de Celso Vieira, Anuario do Museu Historico Nacional, Historia do Brasil, de Raphael Galante, 1911.

O Salvador da Vila de São Paulo Em 1562, o Chefe dos índios Guaianazes Araraig e seu sobrinho Jagoanhara, propuseram ao Líder Tupiniquim Martim Afonso Tibiriça que expulsasse os Jesuítas, abandoasse o cristianismo e lutasse contra a Coroa Portuguesa. Ao saber que Tibiriça rejeitou por completo a ideia, os Guaianazes e os Tamoios mobilizaram um exercito para destruir Sao Paulo de Piratininga. “Anunciara-se a luta pelo tremendo bater de arcos e pes, velhas bruxas, a retaguarda dos guerreiros, com grades pratos de barro, ja se apresentavam para comer a carne dos jesuítas vencidos, milhares de flechas dos agressores, coloridos e empenachados, caíram sobre Piratininga, centenas de outras voavam sobre os atacantes, como o ruir de montanhas. Mas Jagoanhara logo morreu, tentando invadir o Pateo do Colegio, onde estavam refugiadas as mulheres e as crianças. Logo apos a morte de seu líder, os invasores bateram em retirada. Página 3


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DEONÍSIO DA SILVA É catarinense, mas catamo-lo no Rio de Janeiro, onde mora. Membro da Academia Catarinense de Letras e de outras, como veremos mais abaixo, é um dos escritores mais ativos no panorama literário e linguístico. É o nosso convidado. P. Iniciamos uma amena conversa com o escritor Deonísio, entre umas quantas tecladas de computador e graças aos novos meios de comunicaçao da internet, começando por lhe perguntar: entre as suas obras, quais ou qual, a que considera ser a sua “melhor obra”, ou seja, aquela que considera ser a sua “marca” publica? Porque? Antes de mais nada, parabéns por seu trabalho, parabéns por reconhecer o trabalho de outros escritores, você, um autor importante, com uma obra notável. Acho que a minha obra de referência é o romance Avante, soldados: para trás, por basear-se em episódio emblemático da Guerra do Paraguai, a retirada da Laguna, e por ter sido agraciado com o Prêmio Internacional Casa de las Américas, em Havana, em 1992, em júri presidido por José Saramago. E por ter um demorado trabalho de linguagem nos diálogos dos personagens, alguns de existência real, como o comandante da Retirada da Laguna, cujos ossos repousam, hoje, no Rio de Janeiro. P. Faça de conta que acabamos de nos conhecer. Como voce se apresentaria como cidadao e como escritor? Fale-nos um pouco da sua vida e de sua pessoa. Escritor (como comprovam mais de trinta livros publicados) e professor universitário, Doutor em Letras pela USP (título que me credencia como docente). E um cidadão comprometido com a conversa clara, que a meu ver garante o trato justo. Não quero dar a impressão de que sempre concordarei ou sempre discordarei de você. Quero apenas garantir que você pode contar comigo para a prosa, para um copo de vinho, que você pode diPágina 4

zer o que pensa, sem que em nenhum momento eu o julgue ou discrimine pelas ideias que você tem. Até o presente, tenho chegado aos 70 anos, ninguém lamentou conversar comigo. Meus tropeços na vida têm sido memoráveis para mim, mas o público fica sabendo dos porres que eu tomo, não dos tombos que eu levo, e pode supor que eu, sendo alegre por natureza, tenha tido uma vida fácil. P. E sabido que a cultura em geral, e particularmente a literatura, e tida como a “parente” pobre das preocupaçoes dos gestores e dirigentes publicos. Em seu entender como esta a ser tratada a literatura em Santa Catarina? Que precisa, eventualmente, de ser feito? E no tocante a vida associativa ou academica dos escritores, como estamos? As atividades literárias não podem circunscreverse a Florianópolis, que é uma cidade-balneário, Nome: DEONÍSIO DA SILVA Nome literário: Deonísio da Silva Membro da Academia Catarinense de Letras (ACL) Residência: Rio de Janeiro/RJ Naturalidade: Siderópolis/SC Profissão: Professor, Escritor. Data de nascimento: 24/09/1948 Estado civil: Casado Redes sociais: www.facebook.com/deonisio.dasilva; https://portal.estacio.br/instituto-da-palavra https://deonisio.blogspot.com


Ano II — Número 28 - Mensal: outubro de 2019 mancista catarinense, Godofredo de Oliveira Neto, vive no Rio. Edla van Steen, a escritora catarinense mais traduzida, viveu sempre em São Paulo. Manoel Carlos Karam, o Ionesco do Brasil, viveu décadas em Curitiba. Por causa desta mentalidade, iniciativas públicas como prêmios, condecorações etc. não obtêm a merecida repercussão. Santa Catarina está merecendo um choque, uma sacudida neste particular. Acho que em passado recente já foi melhor. Mas não é só no campo das Letras que isso acontece. como na Grécia já tivemos cidades-Estado. Uma das maiores artistas plásticas, com obra reCom exceção da política e da economia, na Ilha, conhecida no Brasil e no exterior, como Arlinda tudo é paroquial, miúdo, sem ressonância. Temos Volpato (aliás, capista de vários livros meus, em que ver o que estão publicando escritores fora da- edições nacionais e estrangeiras), não é reconhequi: no Oeste, no Sul, no Norte, em outras partes cida. Penso que sobre elas e sobre muitas outras do litoral. se estende um inexplicável manto de silêncio. Quais são os escritores referenciais de Santa Cata- O cineasta Sylvio Back, autor de uma obra imporrina? Sérgio da Costa Ramos, um dos melhores tante, como homem de cinema e como homem de cronistas brasiletras, é pouco leiros, para lembrado. Exemmim o melhor, plos de descaso vive em Florianão faltam. nópolis há décadas. Quando P. Entremos agora catarinenses nas questoes da sua citam cronistas, escrita. Qual a area lembram-se de em que voce se sengaúchos, de mite melhor: no conneiros e de cato; no romance ficriocas que pracional; no romance ticaram ou prahistorico; na poeticam o ofício. sia; noutras areas De catarinen(indique quais)… ses, não. Os próprios catarinenses esqueEu me sinto mecem-se dos calhor nas narratitarinenses. Savas curtas, isto é lim Miguel e escrevendo contos Manoel Carlos e crônicas. PubliKaram, por quei centenas de exemplo, só focontos e milhares ram lembrados de crônicas. Aliás, pela Academia durante muito CATARINENSE anos mantive seis de Letras decolunas semanais: pois de mortos. Um bom ro>>> Página 5


Ano II — Número 28 - Mensal: outubro de 2019 <<< duas no Jornal no Brasil, uma na Caras, uma no Observatório da Imprensa, uma no site do Terra e uma no jornal Primeira Pagina. Mas os principais prêmios foram dados a romances: o da Biblioteca Nacional, por “Teresa D’ Avila”, o Casa de las Américas por “Avante, soldados: para tras” e o da Academia Catarinense por “Lotte & Zweig”. Embora o livro de minha autoria que mais venda, o meu best-seller, seja um livro de etimologia: De onde vêm as palavras, que já vendeu 17 edições. P. Como “nasceu” em si esse desejo de escrever? Que idade tinha quando publicou a primeira obra? Escrevo desde a adolescência nos anos de seminário, primeiro em São Ludgero e depois em Tubarão. Mas meu primeiro livro foi publicado aos 26 anos: Estudo sobre a carne humana (contos). P. Qual a obra, e o porque, que lhe deu mais “trabalho” escrever? O romance “A Cidade dos Padres”, cuja personagem solar é o Marquês de Pombal. Suas tramas começam no Século XIII em Portugal e só terminam no governo de João Figueiredo, no Brasil, em cujo período é preso o autor do romance dentro do romance, cujo título é “Pombal se recorda”. Tive que ler e pesquisar muito, e pesquisar coisas de que não gostava, como as execuções de mulheres e homens por carrascos, a violência daqueles séculos. P. Desenvolve algum trabalho relacionado a literatu-

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ra / cultura, nao obrigatoriamente a escrever livros? Sim, sou professor de Língua Portuguesa e de suas literaturas desde os meus verdes anos. E dirijo o Instituto da Palavra, da Universidade Estácio de Sá. Fui eu quem fundou a primeira cadeira de Literaturas Africanas de Língua Portuguesa, na Universidade Federal de São Carlos (SP), em 1981, no mesmo ano em que para la entrara por concurso público. P. E sabido que “viver” da escrita nao e uma oportunidade acessível a grande maioria dos autores. Para si essa questao esta “resolvida”? Da para viver da escrita? Da escrita dos livros, não. Mas do ato de escrever, sim, vivi durante muitos anos. Não, hoje. Preciso dos meus rendimentos como professor concursado que sou desde 1981, atualmente na reserva remunerada, depois de 35 anos de trabalho, e mais de meus serviços como professor em universidade privada. Eu me aposentei por tempo de serviço aos 55 anos porque trabalhava desde os 17. P. Gostava de saber a sua opiniao sobre a problematica da distribuiçao e/ou venda do livro. O livro impresso continuara, apesar dos e-books e de outras plataformas digitais? Não se pode dizer ainda, mas por enquanto os formatos não impressos podem ajudar, mas não representam grande coisa. Em país nenhum, sobretudo naqueles países em que já não se lê muito no impresso e se lê menos ainda no e-book. Quanto à distribuição dos impressos, já desisti de me preocupar: é impossível fazer chegar o livro a todas as poucas livrarias de todo o Brasil. São muito dispersas e os livros, atualmente, só chegam lá por demanda e em caráter individual. Isto é, alguém entra na internet e o adquire. P. Uma ultima questao: que mensagem deixaria para os demais escritores, leitores ou amantes da escrita? Leiam bastante, escolham obras de qualidade para ler e sejam modestos. Reconheçam o trabalho alheio. Houve antes de você e ainda há muita gente escrevendo melhor do que vocês. Não temos importância nenhuma fora do Brasil ou fora do Estado, onde somos apenas casos curiosos. Temos que ganhar os leitores de nosso terrum, da área onde vivemos e onde situamos nossas histórias ou poemas. Ou, por comparação, naqueles círculos menores que se formam ao se atirar uma pedra no meio do rio. Os grandes círculos ficam distantes e são para poucos.


Ano II — Número 28 - Mensal: outubro de 2019 A placenta e o caixão. Leya; 2010. ISBN 978-85-62936 -54-8. A primeira coisa que botei na boca, e outros contos escolhidas. L± 2001. ISBN 978-85-254-1084-9 Ao entardecer, ele abraçava as árvores. Editora Siciliano; 1995. ISBN 978-85-267-0746-7. O assassinato do presidente. Editora Siciliano; 1994. ISBN 978-85-267-0606-4. Tratado dos homens perdidos: os melhores contos. Ed. Mercado Aberto; 1987. ISBN 978-85-280-0024-5 Livrai-me das tentações. Editora Nova Fronteira; 1984 A mesa dos inocentes. Artenova; 1978 Exposição de motivos. Editora Artenova; 1976 Cenas indecorosas. Editora Artenova; 1976 Estudo sobre a carne humana. Curitiba, Editora Hoje, 1975.

Ensaios

Obras de Deonísio da Silva Romances A mulher silenciosa. Porto Alegre, Mercado Aberto, 1981 A cidade dos padres. Rio, Guanabara, 1986. Orelhas de aluguel. Rio, Nova Fronteira, 1988]. Avante, soldados: para trás. São Paulo, Siciliano, 1992. (publicado também em Cuba, Portugal, Itália) São Paulo, Siciliano, 1997. Teresa D'Ávila. São Paulo, Siciliano, 1997. Os guerreiros do campo. São Paulo, Siciliano, 2000. Goethe e Barrabás. São Paulo, Novo Século, 2008. Lotte & Zweig. São Paulo, Leya, 2012. (publicado também na Itália).

Contos Página 7

Nos bastidores da censura. AMARILYS; 2010. ISBN 978-85-204-2917-4. A vida íntima das frases. São Paulo, Editora Novo Século, 2012, ISBN 978-85-7679-840-8 De onde vêm as palavras: frases e curiosidades da língua portuguesa. Editora Lexikon, 2014, 17a edição. ISBN 978-85-8300-004-4. A ferramenta do escritor: algumas propostas para o estudo de literatura brasileira na universidade. Editora Artenova; 1978. Um novo modo de narrar: ensaios. Livraria Cultura Editora; 1979. O caso Rubem Fonseca: violência e erotismo em Feliz Ano Novo. Editora Alfa-Omega; 1983 Rubem Fonseca: proibido e consagrado. Rio, Relume Dumará, 1996. Palavras de direito. São Paulo, Novo Século, 2012.

Literatura infantojuvenil Adão e Eva felizes no paraíso. Curitiba, Criar Edições, 1986. Reeditado em 2019, com ilustrações de Arlinda Volpato, pela Íbis Libris. s:// ibislibris.loja2.com.br/8897155-Adao-e-Eva-felizes-noParaiso) Os segredos do baú As melhores invenções de seu Mané A melhor amiga do lobo

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Por: Afonso Rocha

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mais alto, do bairro mais chique, do carro mais novo, da hora extra, da baba quase mae. Agora tenho menos dinheiro e mais filho. Menos marca e mais tempo. E num e que meus pais (que quando eu morava no bairro nobre me visitaram quatro vezes em quatro anos) agora vem pra ca todo fim de semana?

E meu filho anda de bicicleta, e eu rego as plantas, e meu marido descobriu que gosta de cozinhar (principalmente quando os ingredientes vem da horta que ele mesmo plantou). Por aqui, quando chove a internet nao chega. Fico torcendo para que chova, porque e quando meu filho, espontaneamente (por falta do que fazer mesmo) abre um livro e, pasmem, le! E no que alguem diz “a internet voltou!” ja e tarde demais porque o livro ja esta muito mais interesJá estou voltando. So tenho 37 anos e ja estou fazendo o caminho de sante que o Facebook, o Instagram e o Twitter juntos. volta. Ate o ano passado eu ainda estava indo… Indo morar no apartamento mais alto, do predio mais alto, do bairro mais nobre. Indo comprar o carro do ano, a bolsa de marca, a roupa da moda. Claro que para isso, durante o caminho de ida, eu fazia hora extra, fazia serao, fazia dos fins de semana eternas segundas-feiras.

Ate que um dia, meu filho quase chamou a baba de mae... Mas, com quase 40, eu estava chegando "la"! Onde mesmo? Ninguem conseguiu responder…

Aqui se chama "Aldeia" e tal qual uma aldeia indígena, vira e mexe eu faço a dança da chuva, um cha com uma plantinha e a rede de cama. No Sao Joao, assamos milho na fogueira. Aos domingos converso com os vizinhos. Nas segundas, vou trabalhar contando as horas para voltar. Aí eu lembro da placa "Retorno" e acho que nela deveria ter um subtítulo que diz assim: "Retorno – Ultima Chance de Voce Salvar Sua Vida!” Voce, provavelmente, ainda esta indo. Nao e culpa sua. E culpa do comercial que disse: “Compre um e leve dois!”.

Nos, da banda de ca, esperamos a sua visita. Porque sim, mais cedo ou mais tarde, voce tambem Eu imaginei que quando chegasse la ia ter uma placa com a palavra "Fim". Mas antes dela, avistei vai querer fazer o caminho de volta. a placa de "Retorno" e, nela mesmo, dei meia volta. O caminho de volta Comprei uma casa no campo (maneira chique de falar, mas ela e no meio do mato mesmo). E longe que so a gota serena! Longe do predio Página 9

Cronica de Teta Barbosa - mae, jornalista, publicitaria, mora no Recife e vive antenada com tudo o que se passa ali e fora dali.


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O REFLORESTAMENTO DE UM PATRIMÔNIO *

ate empobrece-las totalmente e entao desmatava novas areas de mata para recomeçar o plantio. Nao havia consciencia ecologica, porem como causa direta do desmatamento contínuo, houve uma crise no abasteciQuem ve as imponentes arvores na Floresta da Tijuca, mento de agua que deixou a cidade do Rio de Janeiro enquanto faz trilhas pelo Parque, pode nao imaginar na seca em 1843. que 151 anos atras a floresta era dominada por monoculturas, que capinavam abaixo todas as arvores para A falta d’agua foi associada a derrubada das arvores e abrir espaço para plantaçoes de cana e cafe, principal- Dom Pedro II baixou um decreto para tentar contormente. O verde que hoje e tao comum no Parque Naci- nar a situaçao. Estava ordenado o plantio de novas onal da Tijuca e fruto de uma iniciativa pioneira de mudas a partir das margens das nascentes dos rios e a preservaçao das ja existentes na Floresta da Tijuca. reflorestamento, por Dom Pedro II, em 1861. Vale mencionar que seu avo, Dom Joao VI ja havia tido Engenhos, sítios e fazendas preenchiam as encostas uma iniciativa de conservaçao da natureza, com um arborizadas dos morros da Floresta da Tijuca. Os inudecreto que protegia as bacias do Rio Carioca. A preomeros rios e fontes d’agua eram providenciais para cupaçao com o abastecimento de agua da cidade, que irrigar as plantaçoes. Eram terras muito valorizadas e crescia e consumia cada vez mais, foi o que motivou que interessou ate gente do outro lado do mundo: chiuma consciencia de necessidade de conservaçao da neses vieram plantar cha, numa iniciativa malsucedifloresta. da que nao durou muito. O que foi um sucesso foi um pequeno fruto vermelho, introduzido no Brasil no se- O processo de reflorestamento foi comandado pelo Major Manuel Gomes Archer, nome que hoje esta eterculo XVIII, o cafe. nizado no Morro do Archer, uma homenagem a esse A Floresta foi o ambiente perfeito para rececionar esgrande personagem na historia da Floresta. Ha quem sa plantaçao no Rio de Janeiro. Pois a cultura de cafe diga que apenas ele com a ajuda de seis escravos fez precisava de solos que nao fossem secos nem umidos todo o trabalho de plantaçao de mudas, mas e mais em excesso, e de temperaturas mais amenas. Os cafeprovavel que essa tenha sido apenas sua equipe inicizais subiram o Maciço da Tijuca e as arvores vieram a al, pois 22 trabalhadores assalariados foram contratabaixo. A marcha do cafe consumia a exaustao as terras dos para auxilia-lo. >>> Página 10


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1888, ele se preocupou em transforma-la em area de A desapropriaçao de terras e o replantio de mudas lazer, como o Lago das Fadas, que concebeu ao lado nativas da Mata Atlantica durou 13 anos nas maos do do paisagista frances Augusto Glaziou. Archer, período em que cerca de 100 mil mudas - nao A partir desses 27 anos de trabalho de preservaçao ha um numero preciso - foram plantadas. iniciado pelo homem, o bastao foi passado para a proA tarefa depois foi assumida pelo Barao d’Escragnolle, pria natureza assumiu a missao de se regenerar e consegundo administrador da Floresta e pouco lembrado solidar a recuperaçao da floresta que quase perdeu na historia do reflorestamento da Floresta da Tijuca, seu status de Floresta, com F maiusculo. Hoje uma em 1874. Alem de seguir com o plantio de mudas ate mistura de areas replantadas e de outras recuperadas naturalmente, cada arvore tem uma historia para contar. Ou melhor, o homem e que pode contar com esse espaço preservado de beleza sacra onde a natureza ensinou, talvez pela primeira vez aos cariocas, a importancia da sua conservaçao. Texto de Duda Menegassi/ oeco.org.br e gravura "Desmanche de uma Floresta", Rugendas, 1820-1825. * Jose Carlos Capella.

Assédio, abuso e violência sexual—exploração infantil.

SENAI—JOINVILLE 21 e 22 de outubro/2019

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istória Não apaguemos esta luz

Escravos de outros escravos intrigam historiadores

ESCRAVIDÃO MALDITA "Os casos de ex-escravos donos de escravos sao relativamente comuns – ha exemplos deles por todo a America, principalmente em cidades onde o crescimento da economia abria oportunidades para pequenos empreendedores. Mais raras e perturbadoras sao as historias de escravos com escravos – pessoas que, mesmo antes de conquistar a liberdade, compraram gente para si proprias.

Joaquim, Nago, com 22 anos de idade aparente, escravo de Benedito, Hauça, solteiro, e este tambem escravo de dona Ponciana Isabel de Freitas, branca, viuva, [moradora] ao Cais da Loiça. Foi Padrinho Domingos Lopes de Oliveira, benguela, forro, solteiro, da Freguesia de Santo Antonio Alem do Carmo.

Como escravos se tornavam senhores? E por que nao compravam a propria liberdade antes de adquirir esImagine o leitor o espanto que deve tomar os historia- se tipo de propriedade? Alguns se tornavam senhores dores quando, ao examinar documentos antigos, enpor herança. Se uma negra liberta e proprietaria morcontram registros como estes: resse, seus bens seriam herdados pelos filhos, e podia Em 17 de maio do ano de 1788, se enterrou nesta se- acontecer de esses filhos ainda viverem em cativeiro. pultura um escravo chamado Joao, do nosso escravo Como a escravidao era um costume socialmente aceito na epoca, os escravos nao viam contradiçao em Ignacio dos Santos. possuírem escravos. Em 29 de março de se enterrou nesta sepultura uma escrava do nosso escravo Damasio, de Camorim, cha- "Mais comum era o caso dos negros, principalmente das grandes cidades, que conquistaram a confiança de mada Maria. seus senhores e desfrutavam de tanta autonomia para Ignacio dos Santos e Damasio eram escravos da Ortocar os negocios que nao pensavam em se alforriar. dem Beneditina do Rio de Janeiro, que mantinha rePossuir escravos provavelmente lhes conferia mais gistros detalhados de nascimentos, batismos, casabenefícios e um status mais alto que a liberdade. mentos e mortes dos trabalhadores de suas fazendas, Um exemplo e o africano Manoel Joaquim Ricardo, igrejas e mosteiros. Nao eram donos de si proprios, tema de um artigo do historiador Joao Jose Reis. Em mas possuíam outras pessoas. 1842, quando foi testemunha em um processo judiciO historiador Joao Jose Reis encontrou diversos casos al, Manoel que tinha de seu senhor “a autorizaçao pade escravos-senhores em documentos baianos do sera negociar por si e adquirir quaisquer bens, mas tamculo 19. Ja Carlos Eugenio Líbano Soares, vasculhando bem uma ampla licença de morar fora da casa daquele registros de batismo da Bahia do seculo 18, achou senhor”. Comerciante de alimentos e pessoas em Sal“um numero espantoso de escravos que possuíam vador, Ricardo comprou tres mulheres – entre elas escravos”, como afirmou num estudo sobre o tema. uma menina de 12 anos – quando ainda era escravo. Eis um exemplo de registro de batismo que da essa Morreu livre em 1865, dono de quatro casas e 28 neinformaçao: gros, patrimonio que o colocava entre os 10% dos ciPágina 12


Ano II — Número 28 - Mensal: outubro de 2019 Possuir escravos provavelmente lhes conferia mais benefícios e um status mais alto que a liberdade. Um exemplo e o africano Manoel Joaquim Ricardo, tema de um artigo do historiador Joao Jose Reis. Em 1842, quando foi testemunha em um processo judicial, Manoel que tinha de seu senhor “a autorizaçao paJoaquim, Nago, com 22 anos de idade aparente, escra- ra negociar por si e adquirir quaisquer bens, mas tamvo de Benedito, Hauça, solteiro, e este tambem escra- bem uma ampla licença de morar fora da casa daquele vo de dona Ponciana Isabel de Freitas, branca, viuva, senhor”. Comerciante de alimentos e pessoas em Sal[moradora] ao Cais da Loiça. Foi Padrinho Domingos vador, Ricardo comprou tres mulheres – entre elas Lopes de Oliveira, benguela, forro, solteiro, da Fregue- uma menina de 12 anos – quando ainda era escravo. sia de Santo Antonio Alem do Carmo. Morreu livre em 1865, dono de quatro casas e 28 neComo escravos se tornavam senhores? E por que nao gros, patrimonio que o colocava entre os 10% dos cicompravam a propria liberdade antes de adquirir esse dadaos mais ricos da Bahia. tipo de propriedade? Alguns se tornavam senhores Costumamos retratar os personagens da historia copor herança. Se uma negra liberta e proprietaria mor- mo viloes e mocinhos. Ignacio dos Santos, Damasio, resse, seus bens seriam herdados pelos filhos, e podia Benedito e Manoel e outros tantos escravos-senhores acontecer de esses filhos ainda viverem em cativeiro. embaralham essa visao simplista. Interpretaram ao Como a escravidao era um costume socialmente acei- mesmo tempo o papel de opressores e oprimidos, vítito na epoca, os escravos nao viam contradiçao em mas e algozes da escravidao brasileira. possuírem escravos. * O texto de Leandro Marloch, in Gazeta do Povo de "Mais comum era o caso dos negros, principalmente das grandes cidades, que conquistaram a confiança de 17/11/2017, de seu livro “Escravos”, da coleção “Achados & Perdidos da História”. seus senhores e desfrutavam de tanta autonomia para tocar os negocios que nao pensavam em se alforriar.

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proprio que permanece no linguajar dos mais idosos e, ao fim, desliza para o precipício do esquecimento. Algumas palavras ainda ficam dormitando, ate serem acordadas por alguem de espírito conservador. Quem costumava entregar os colegas era um “cafifa”. Mas quem ficava “encafifado” e porque estava cismado, preocupado, abichornado (epa!). “Fanchone” era o garanhao, que pegava todas. Rapaz de boa aparencia era “pintoso”. O cara fortao era o “parrudo”. Meninas que faziam programa (nao profissionais) Por: Hilton Gorresen * eram “buchinhos”. Dizem que as aguas de um rio nunca sao as mes- Outros termos “caducos”, alguns ainda conhecimas. Pois a língua dos povos e como um rio, nun- dos: sassaricar, estuporado, chanca (pe grande), ca se detem. A linguagem escrita e um rio espes- ratatulha (turma barulhenta), chiado (corrido, so, vagaroso, quase parando; pouco se percebem covarde), balula (fantasma), canhao (mulher suas mudanças. Ao contrario, a linguagem falada feia), dar tabua (negar uma dança), especula (curioso), fundicado (estar fu....), inhapa e um rio leve e saltitante. Palavras e expressoes vao e vem, algumas se fixam, outras desaparecem (lambujem). Se formos pesquisar, quanto de “velharias” irede imediato. mos encontrar em nossa língua. Mas ficam para Ha palavras que mudaram de sentido por nao outra ocasiao. mais haver sua referencia original, como “guilhotina”, outrora o suplício dos nobres franceses, atualmente uma especie de lamina para * Colunista e escritor. Gazeta de Sao Bento cortar papel. Outras, tiveram o sentido deteriora- do Sul, 15.06.2019 do, como “impostor” (outrora cobrador de impostos) e “tratante” (aquele que fazia tratos). Algumas foram nobilitadas, como “marechal”, antigamente aquele que cuidava dos cavalos. Outras palavras atualizaram seu referente: “camiseta”, antigamente, referia-se a uma indumentaria branca, sem mangas, usada por baixo da camisa (atual regata). Hoje, contrapoe-se a camisa com gola. “Pentelho” era antigamente o pelo do pubis. Quem sabe pela influencia da mídia virou garoto impertinente. Sera que melhorou o sentido? Etimologicamente, poucas palavras conservaram o sentido original, principalmente do latim. Caneta nao tem mais nada a ver com cana; armario nao serve apenas para colocar armas. Sabatina nao e mais realizada aos sabados. Hoje “pegamos da pena” para escrever com a esferografica, quando nao para teclar no micro. Algumas ate tiveram o sentido bifurcado, chegando a ter dois ou mais significados diferentes – entre outras, lapis e lapide; caldo e calido. Em cada epoca ou regiao forja-se um vocabulario

Das velhas Palavras

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Prostituição no Rio de Janeiro em 1975

Membros do grupo de assassinos da organizaçao Shindo Renmei posando para uma fotografia, em 1946. A Shindo Renmei foi uma organizaçao nacionalista niponica que atuou no Brasil na decada de 1940. A organizaçao possuía um braço paramilitar que orquestrava ataques a membros da colonia japonesa que ousavam acreditar na derrota do Japao para os países aliados, no final da Segunda Guerra Mundial. Seu nacionalismo cego nao os permitia crer que o Imperio Japones pudesse ser derrotado. Alem dos ataques, tambem produziam noticias falsas para sustentar a tese de que o Japao havia ganhado a guerra e que a derrota era apenas uma peça de propaganda americana. A Shindo Renmei matou 23 pessoas e deixou mais de 140 feridas em um período de dois anos. Suas principais atuaçoes foram na regiao de Bastos e Tupa, mas realizaram ataques ate na capital paulista. Essa historia, pouco conhecida pelos brasileiros, e um exemplo de como o nacionalismo japones era uma forte doutrina entre a populaçao niponica e seus descendentes. A historia na integra pode ser conferida no livro "Coraçoes Sujos" de Fernando Morais. Página 15


Ano II — Número 28 - Mensal: outubro de 2019

Girassóis nos Sapatos - Poemas Girassol nos Sapatos reune tres caminhos poeticos: Cadarços da Memoria, de Elizabeth Fontes; Luz na Ponta dos Pes, de Bernadete Schatz Costa; Raios de Mar aquecem Pupilas, de Rita de Cassia Alves, com ilustraçoes de Denise Costa.

O livro, publicado pela Manuscritos Editora, e a jornada de versos ensolarados, percorridos sob os movimentos que envolvem infancia, dança e mar, bordados no mosaico da flor em seu tempo de delicadeza. A obra possui o aroma de tres grandes personalidades: Dunia Anjos de Freitas (Escritora), Gloria Kirinus (Escritora) e Margit Olsen (Gestora Cultural).

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Fotos com História

Portugal—vendedor de azeite, anos 50. Página 17


Corrente d’ escrita

Florianópolis Santa Catarina Brasil +55 48 991 311 560 narealgana@gmail.com www.issuu.com/correntedescrita Fundador e diretor: Afonso Rocha

Corrente d’ escrita é uma iniciativa do escritor português, radicado em Florianópolis, Afonso Rocha, e tem como objetivo falar de livros, dos seus autores, suas organizações e das atividades que estejam relacionadas com a literatura , a história e a cultura em geral. Chamaremos para colaborar com o Corrente d’ escrita escritores e agentes literários, a qualquer nível, cuja colaboração será exclusivamente gratuita e sem qualquer contrapartida, a não ser, o compromisso para divulgar, propagar e distribuir este Magazine Literário. O envio para publicação de qualquer matéria (texto ou foto) implica a autorização de forma gratuita. As matérias assinadas são da responsabilidade exclusiva de seus autores e não reflete, necessariamente, a opinião de Corrente d’ escrita. As imagens não creditadas são do domínio público que circulam na internet sem indicação de autoria. As matérias não assinada são da responsabilidade da redação.

LEIA, DIVULGUE, PARTILHE, COLABORE ta Catarina ganham espaço até na mídia.

Correio dos leitores Caro amigo Afonso! Teu projeto está cada vez melhor e atraente. Parabéns! Meus Comentários !

Mas é urgente prestar atenção no leitor jovem ou futuro leitor. E desenvolver bons projetos para esse público. Caso contrário, a praia nos espera. Quanto aos escritores catarinenses, a maioria deles, procura construir seus castelos sozinhos ( Egos inflados). Nos falta humildade para partilhar nossos saberes e aprendizados e reconhecer que precisamos melhorar em muito nossos escritos. Não somos cooperativos. Há exceções. Mas ainda prevalece o dito popular “ Farinha pouca meu pirão primeiro”.

Dica de português está imperdível: “ parabéns atrasados”, posso afirmar que aprendi isso contigo aos 66 Outra constatação absurda: A esmagadora maioria da anos. Sugestão: Porque você não lança um livro didátipopulação não lê, inclusive muitos pseudo escritores. co só com essas dicas. Já tens um comprador .

.... Continue a jogar a tarrafa de boas sementes. LagriSobre a matéria de Ana Lavratti e Fritz Muller: Se ainda mas de sorriso franco e a esperançar sol de primavera. não visitaste, vá conhecer o museu do Seminário de CoA final, voce tem por perto Da Luz. rupá. A técnica de Taxidermia realizada com animais, pássaros e todos os tipos de insetos é fantástica. Abraços Sílvio Vieira Sobre o Editorial: Em Santa Catarina há em várias cidades, abnegados Obrigado amigo Sívio. que promovem eventos literários. Na maioria deles e Como afirmamos no Editorial, consideramos as feiras por razões óbvias o interesse comercial sobrepõe a pró- do livro importantes. Nossa proposta de um DESTIVAL pria literatura. Razão de os promotores desses eventos LITERÁRIO exclusivamente dedicado aos escritores buscarem “atrações ou show business” . Essas atrações, catarinenses não colide, antes complementa, esse tranem sempre representam a literatura e seguem o man- balho de promoção e de divulgação do escritor catarinense e de sua obra literária. tra de “pão e circo”. Vamos andando.

A Feira do Livro de Joinville deste ano e os Encontros de A redação. Escritores Catarinenses promovidos pela Associação das Letras, inovam nesse sentido. E os escritores de San-


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É bom saber... Periguete formou-se da adaptaçao do portugues peri (go) e do ingles "girl", gerando "peri(gosa) girl", "peri girl" e por fim "piriguete" (na fala) e "periguete" (na escrita) dizem as fontes pesquisadas, todas controversas, dando Salvador (BA) como o berço desta nova palavra.

DE ONDE VEM PERIGUETE * Faz alguns anos uma nova palavra entrou para a língua portuguesa. E periguete.

A formaçao de novas palavras tem complexas sutilezas. Em "Neguinha sim, nigrinha nao" , por exemplo, o professor Luís Mott da " negrinha" e "nigrinha" como sinonimos de "piriguete". Mott e professor titular (aposentado) da UFBA e referencia em publicaçoes sobre as sexualidades outrora tidas como ilegítimas, como era o caso da homossexualidade. Ele prefere grafar "piriguete" e nao "periguete", como faz o Dicionario Aurelio. De todo modo, para as mulheres, periguete e aquela piranha que olha para seu marido ou namorado, pronta a desfruta-lo. E ela so o quer por um dia!

E desta vez nao veio de um dos berços habituais mais Para os homens, a ancestral da periguete, moça boniferteis, a cidade do Rio de Janeiro, especialmente suas ta, de roupas, gestos e modos sensuais, foi antecipada nos versos de Chico Buarque, gravados tambem por praias e bairros, em particular Ipanema. Gal Costa, na voz de quem ficava mais convincente a Das metropoles que mais influenciam a vida nacional, transformaçao da mulher, que deixava de ser coisa o Rio de Janeiro e o mais prodigo em fornecer novas para coisificar o homem: “Se acaso me quiseres,/ Sou palavras e expressoes, desde os tempos em que, no dessas mulheres/ Que so dizem sim/ Por uma coisa a alvorecer do seculo XIX, o rei Dom Joao VI fixou aqui toa/ Uma noitada boa/ Um cinema ou botequim/ E, se as cortes portuguesas e sua numerosa comitiva, mutiveres renda/ Aceito uma prenda,/ Qualquer coisa dando a capital de Salvador para o Rio. assim.(...) Mas na manha seguinte/ Nao conta ate vinte:/ Te afasta de mim,/ Pois ja nao vales nada,/ Es paNo seculo seguinte, a transferencia da capital para Brasília nao tirou do Rio essa supremacia cultural, que gina virada,/ Descartada do meu folhetim.” hoje divide com Sao Paulo, nao com Brasília. Os cariocas, usualmente irreverentes e bemhumorados, encarregam-se de bater os tambores da patria, fazendo de sua cidade e de seus bairros as principais caixas de ressonancia do Brasil. Nascidas na praia e depois levadas as novelas da televisao, especialmente a novela das oito, as novas palavras e expressoes se espalham por todo o territorio nacional. A principal disseminadora e a TV Globo, como antes era a Radio Nacional. Antes de vir para o Rio, de onde se alastrou para todos os Estados, periguete surgiu nos bairros de Salvador, na Bahia, que, por ser cidade eminentemente turística, sofre grande influencia do ingles.

As Freneticas deram outro colorido aos versos de Chico Buarque: “Eu sei que eu sou/ Bonita e gostosa/ E sei que voce/ Me olha e me quer/ Eu sou uma fera/ De pele macia/ Cuidado garoto!/ Eu sou perigosa...” Ao contrario dos homens, a mulher, talvez por instinto materno, nela inarredavel, quer proteger a vítima e reitera os avisos: “Eu tenho um veneno/ No doce da boca/ Eu tenho um demonio / Guardado no peito/ Eu tenho uma faca/ No brilho dos olhos/ Eu tenho uma louca/ Dentro de mim...” A perigosa tornou-se periguete. As palavras, como as arvores e os dentes, tem raízes. Algumas sao muito profundas e e preciso pesquisar para encontra-las. Desde meus verdes anos aplico-me a esse trabalho encantador! * Por Deonísio da Silva, na sua página do Facebook


Ano II — Número 28 - Mensal: outubro de 2019

Quer causar um impacto insolito? Elogie com proparoxítonas. E como se o elogio tivesse mais merito, tocasse no mais íntimo. DIÁLOGOS LUSOFONOS O sujeito pode ser bom, competente, talentoso, inventivo – mas nao ha nada como ser considera- AS PROPAROXÍTONAS do otimo, magnífico, esplendido. Ha dois tipos de palavras: as proparoxítonas e o Da mesma forma, errar e humano. Epico mesmo e resto. cometer um equívoco. As proparoxítonas sao o apice da cadeia alimenEscapar sem maiores traumas e escapar ileso – tar do lexico. Estao para as outras palavras assim como os ma- tem que ter classe pra escapar incolume. O que voce nao conhece e so desconhecido. O que míferos para os artropodes. As palavras mais pernosticas sao sempre propa- voce nao tem a mínima ideia do que seja – aí ja e roxítonas. Das mais languidas as mais lugubres. uma incognita. Das anonimas as celebres. Ao centro qualquer um chega – poucos chegam ao Se o idioma fosse um espetaculo, permaneceriam amago. longe do publico, fingindo que fogem dos fotografos e se achando o O desejo de ser uma proparoxítona e tao atavico que mesmo os vocabulos mais basicos tem o primaximo. vilegio (efemero) de pertencer a esse círculo Para pronuncia-las, ha que ter animo, falar com do vernaculo – e sao chamados de oxítonos e paímpeto - e, despoticas, ainda exigem acento na roxítonos. Nao e o cumulo? sílaba tonica!

EDUARDO AFFONSO *

Sob qualquer angulo, a proparoxítona tem mais * Eduardo Affonso e cronista e dedica sua pagina na Internet a credito. “pensamentos aleatorios de um mineiro carioca, psiquiteto, escritor nas horas mal pagas”. E inequívoca a diferença entre o arruaceiro e o vandalo. O inclinado e o íngreme. O irregular e o aspero. O grosso e o ríspido. O brejo e o pantano. O quieto e o tímido. Uma coisa e estar na ponta – outra, no vertice. Uma coisa e estar no topo – outra, no apice. Uma coisa e ser fedido – outra e ser fetido. E facil ser valente, mas e arduo ser intrepido. Ser artesao nao e nada, perto de ser artífice. Legal ser eleito papa, mas bom mesmo e ser pontífice. (Este ultimo paragrafo contem algo raríssimo: proparoxítonas que rimam. Porque elas se acham unicas, exoticas, esdruxulas. As figuras mais antipaticas da gramatica.) Página 20


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“Com uma narrativa envolvente, o autor nos leva até um passado recente, para mostrar a luta e a insistência pela vida. Um contingente de pessoas, que mesmo diante de forças brutais, seguiu em frente. Ao sabor da história fica-nos, antes de tudo, o registo de uma época”. Olhos d’ Água 2013, 346 p. Preço na loja: R$ 35,00

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Pecador, me confesso! é, antes de mais, um grito de revolta contra a impunidade dos criminosos que poluem a nossa civilização. Mulheres, homens, crianças, idosos; comunidade LGBT; negros, índios, ciganos, imigrantes e todos os demais desprotegidos são perseguidos, violentados, agredidos, estuprados e mesmo assassinados e, na maioria das vezes, quando descobertos, ficam impunes aos rigores da lei e da justiça. E a sociedade, nem sempre responde da melhor forma. A omissão, também é um crime. Afonso Rocha passeiase pela sua própria experiência de vida, mas também pela de todos nós, como comunidade, para que se dinamize e reforce a forma de combater estas mazelas, estes crimes bárbaros, já considerados como o holocausto do século XXI. Também disponível em e-book (pdf) Página 23


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Livros à venda na nossa loja virtual narealgana.lojaintegrada.com.br Através de histórias imperdíveis, Afonso Rocha leva-nos até 500 anos atrás quando os portugueses, galgando os mares tenebrosos, chegam ao sul do Brasil, onde germinam história, formam família e dão novas terras ao mundo. Aliciante história dos estados brasileiros do Sul (Santa Catarina e Rio Grande), do seu povoamento e da fundação de Nossa Senhora do Desterro, hoje Florianópolis, conta-nos a história dos guaranis; dos portugueses, dos africanos e de tantos outros que deram origem ao povo brasileiro. Sangue Lusitano 2016, 190 p. Preço na loja: R$ 30,00 Edição Digital (e-book) R$ 10,00

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Poesia numa roda de amigos. Uma coletânea de poemas e outros pensamentos de Afonso Rocha, enriquecida pelo contributo de mais seis poetas naturais do Brasil, Cabo Verde, Portugal, Moçambique, Angola e Galiza, refletindo a poesia no espaço da lusofonia, até porque “tem loucuras que a gente só faz com muita maturidade”. TROVAS AO VENTO 2014, 140 P. Preço na loja: R$ 25,00

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Concursos Literários Número 25 - julho de 2019

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Casa dos Livros e da Leitura Página 26


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