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Ano III — Número 32 - Mensal: abril de 2020

Corrente d’Escrita Plantando Cultura * Santa Catarina * Brasil

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2020anos 185 RECOMEÇAR DO “ZERO”

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Senadinho Literário

Corrente d’Escrita

CESAR LUIZ PASOLD

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Editorial

Corrente d’Escrita

É imperioso que ao iniciar mais uma edição do nosso Corrente d’escrita falemos da pandemia que se abateu por todos os países, afetando ricos e pobres, monárquicos e republicanos, crentes e ateus, brancos, negros, amarelos e de todas as matizes, homens e mulheres, jovens, velhos e todos os outros. Não há seleção; não há escolha; não há “santo” que nos valha. Claro que a pandemia, como o nome indica, é para todos. Mas se todos estamos sujeitos a ela, nem todos temos os mesmos meios de defesa e até de cura. Na medida de confinamento social, de quarentena e até de recolha obrigatória, há quem encontre refugio nas suas casas de classe baixa, alguns nem essa teem, mas há outros que se confinam em autênticos palácios, com mordomias e serventias que nem lembra ao mais ficcionista relatar. Mas, tenhamos, pelo menos o discernimento de prestar, ao nível público—federal, estadual e municipal—os cuidados médicos e assistenciais, inclusive econômico, para resistirmos, a bom termo, a esta desgraça que se abateu sobre todos nós. Daqui para a frente o mundo não mais será o mesmo. E é bom que todos nós repensemos no nosso dia-a-dia de amanhã e nas leis da vida que queremos praticar. Bastou um vírus para colocar de cangalhas todo o sistema de saúde, todos os projetos, o sistema de produção e de consumo. As sociedades não estavam, não estão, preparadas para eventos desta natureza e doutros que, por ventura, nos volte a bater à porta. Os homens pensantes; os lideres e até a gente mais simples devem, daqui para a frente escolher como se quer organizar e integrar na dinâmica da vivência social. Lamentavelmente a globalização e a solidariedade internacional deixou muito a desejar. “Rouba” quem mais pode. A dependência produtiva é atroz. E é nestes momentos de maior sofrimento, que se vê como ficamos à mercê de questões básicas, como enfermarias; unidades de saúde, ou de insumos como o simples álcool gel, máscaras, luvas, batas e respiradores essenciais à vida.

Afonso Rocha—diretor Página 2


Ano III — Número 32 - Mensal: abril de 2020 que as palavras dao, vírus ja foi “sumos”, nao um veneno, mas um caldo escuro, “melas sumos”, feito com carne de porco fervida no sangue do animal, temperada com azeite e vinagre. Muito apreciada pelos soldados espartanos, a sopa foi servida a seu senhor em Roma por um escravo que tinha sido cozinheiro em Esparta. “Agora sei por que eles nao temiam a morte”, disse ele ao experimenta-la e cuspir.

Tema da capa… O VÍRUS QUE VEIO DE LONGE Deonísio da Silva * Epidemia e pandemia sao duas palavras semelhantes a democracia. Nao confundir a segunda e a terceira com pandemonio, palavra que o poeta ingles John Milton, Secretario de Línguas Estrangeiras, criou no Seculo XVII para designar o Palacio de Satanas no famoso livro Paraíso Perdido. Epidemia afeta apenas algumas regioes. Pandemia afeta o mundo todo. Epidemias, pandemias e democracias sao periodicas no Brasil e no mundo. Vao e voltam, as vezes muito disfarçadas e quase irreconhecíveis. Desta vez veio da China, com escalas em outros países antes de chegar ao Brasil, o vírus mais temido hoje no mundo, batizado pelos cientistas por SARS-CoV-2, abreviaçao em ingles de Síndrome Respiratoria Aguda GraveCoronavírus2, causa da doença designada por COVID-19, abreviaçao em ingles de Coronavírus Disease 2019, ameaçando levar meio mundo para a cova. Sao velhos conhecidos dos cientistas, agora em ediçoes revistas e ampliadas. Tambem seu nome veio de longe. Somos filhos das antigas Grecia e Roma, nao saímos do mundo greco-latino e ele nao sai de nos. Corona e vírus sao palavras latinas, coroa e coisa nociva, respetivamente, e Disease, grega, significando doença, do Latim vulgar dolentia, que doi, que o Latim culto designava por morbus, e esta no Portugues morbidez, morbido. E do mesmo etimo de mordere, morder no sentido de matar, causar dano.

Hoje, a ciencia reina soberana, mas ja houve muitas explicaçoes estapafurdias. Democrito e Aristoteles, entre outros, defendiam a geraçao espontanea. Eles davam o exemplo da carne podre, de onde nasciam moscas. E a humanidade acreditou nos imaginosos gregos por dois milenios. No Seculo XIV, ainda vigorava a crença popular de que arvores a margem de rios e lagos davam gansos, e outras a beira de pastos davam meloes recheados de carneiros. No Seculo XVI, o cientista Paracelso concluíra que sapos, ratos, enguias e tartarugas podiam nascer da agua, de madeira podre, de montes de palha etc. Entre os seculos XVI e XVII, o cientista holandes Jan Baptista van Helmont, contestando as duvidas de Thomas Browne sobre a geraçao espontanea, deu ate uma receita para produzir camundongos: manter num recipiente aberto uma camisa suja de suor e algumas sementes de trigo. Em tres semanas nasceriam ratos. Mas no Seculo XVII o italiano Francesco Redi provou que os vermes so apareciam na carne podre se esta tivesse tido contato com moscas vivas. Quando o frances Louis Pasteur e o ingles Thomas Huxley, ambos no Seculo XIX, pesquisavam a miuda bicharada das bacterias, ja sabiam que era impossível a abiogenese: do Grego “a”, sem, + “bíos”, vida, + “genesis”, criaçao, entao definida como um princípio ativo. Ativos, de fato, eram e sao os vírus. O vírus deixou de ser sumo, suco ou veneno depois que em 1892 o russo Dmitri Ivanovski mostrou que havia seres ainda menores do que as bacterias de Pasteur, por cujo filtro de porcelana eles passavam e se reproduziam nas celulas. Pasteur adotara “bacterie”, bacteria, como a chamara em frances o alemao Christian Gottfried Ehrenberg, adaptando-a do Grego “bakteria” e do Latim “bacterium”, nessas duas línguas designando apenas bastonete, pela forma de bastao dos micro -organismos.

Tambem o coronavírus recebeu seu nome pela aparencia de coroa que o vírus tem. Hoje, nem sopa nem veneno, os vírus parecem ter encontrado o eterno retorno e sempre voltam mudados e mais fortes. O mais terrível voltou rei: coronavírus. E ja tem sucessor: o novo coronavírus. A vida e luta As palavras tambem tem suas biografias, autorizadas e nao renhida contra ele, viver e lutar. autorizadas, e ambas esclarecem muitas coisas. Vírus veio * professor e escritor, autor de Avante, soldados: do Latim “virus”, sumo de plantas prejudicial a saude. Os para trás, Stefan Zweig deve morrer e De onde vêm as palaantigos gregos o chamavam “ios”, veneno, e o tomaram da vras. raiz indo-europeia “weiss”, fluir, escorrer. Entre as voltas Página 3


de 2019

Ano III — Número 32 - Mensal: abril de 2020

Senadinho “sofreu a primeira baixa”. Devido à quarentena causada pelo coronavírus: neste número não haverá convidado. Mas voltará no próximo!

Cesar Luiz Pasold

Nome: CESAR LUIZ PASOLD Membro da Academia de Letras de Biguaçu; Academia , e de outras (ver acima) Residência: Florianópolis/SC Naturalidade: Blumenau/PR Profissão: Professor universitário, advogado e cientista político Data de nascimento: 17/07/1945 Estado civil: Casado Redes sociais: www.conversandocomoprofessor.com.br Página 4


Ano III — Número 32 - Mensal: abril de 2020

Escravo que projetava igrejas e reconhecido como arquiteto 200 anos apos sua morte.

Paulo Escravocrata, organizado pelo jornalista Abílio Ferreira. Nascido em Santos, em 1791, o nome verdadeiro de Tebas era Joaquim Pinto de Oliveira. Como escravo, seu proprietario era um renomado mestre de obras da cidade chamado Bento de Oliveira Lima, com quem aprendeu o ofício. Segundo o inventario de Lima, Tebas era mais valioso do que seus outros quatro Um escravo conhecido como Tebas se destacou no escravos que atuavam como pedreiros juntos. seculo XVIII em Sao Paulo por criar projetos de edifíCom o tempo, Lima e Tebas passaram a ser solicitados cios, principalmente religiosos. Ele era famoso por para trabalhar em Sao Paulo. Entre as obras em que dominar a tecnica da cantaria, arte de talhar pedras atuaram estava a restauraçao da antiga Catedral da Se em formas geometricas. Apesar da importancia de (demolida em 1911). Como Lima morreu antes de tersuas obras, ele so foi reconhecido como arquiteto 200 minar a obra, sua viuva ficou endividada e teve que anos apos sua morte. vender Tebas. Como queria concluir a fachada da igreEntre os trabalhos de Tebas estao a ornamentaçao da ja, o arcebispo Matheus Lourenço de Carvalho comfachada da antiga igreja do Mosteiro de Sao Bento e a prou Tebas. Apos a conclusao da reforma, o religioso construçao do Chafariz da Misericordia, o primeiro concedeu a alforria a ele no fim da decada de 1770. chafariz publico da capital paulista. Algumas dessas Livre, Tebas continuou a trabalhar na area da consobras, como as partes frontais da igreja da Ordem truçao. Ele morreu aos 90 anos. Em 2018, foi consideTerceira do Carmo e da igreja das Chagas do Serafico rado oficialmente arquiteto pelo Sindicato dos ArquiPai Sao Francisco ainda existem. Mesmo tendo feito tetos no Estado de Sao Paulo. trabalhos de destaque, seu nome acabou caindo no esquecimento. Sua historia foi relembrada recentemente com o lançamento do livro Tebas: Um Negro Arquiteto na Sao Página 5


Corrente d’ escrita

AS MULHERES AO REDOR Oldemar Olsen Jr.* Estou na cama. As dores provocadas por uma crise de gota nao se justificam, uma vez que sequer estou bebendo, mas o medico me ira esclarecer. O que importa agora e a constataçao de que os meus atos passaram a ser pautados pela presença invisível de varias mulheres... Batem a porta. Vou manquitolando atender pensando que o medico chegou cedo. Para surpresa minha, recebo a visita do jornalista, Valdir Alves. Chega com duas garrafas de vinho. Um dos meus poucos amigos, o Valdir “e da casa” como se diz, explico a situaçao e volto para o quarto. Ele aparece em seguida, puxa uma cadeira e senta-se ao lado da cama. Vai bebendo o seu “Cassillero Del Diablo” enquanto relato o que me atormentava antes dele chegar: as mulheres! Ele escuta com um sorriso malicioso e certo brilho no olhar, percebo que esta interessado e exponho o tal assedio. “Veja o caso da Dolores, por exemplo, vem aqui em casa, e metodica, fica ali no pe da cama, a minha direita, quase impercetível, preciso me esforçar por dar por ela; depois tem as gemeas, Janice e Janete, sao tímidas, me lembra a minha infancia, quando chegavam pessoas estranhas, a gente corria para se esconder, pois bem, elas ficam ali atras daquela porta de vidro, espiam, fazem algum ruído e creem que me divirto com isso, nao digo que nao, mas e curioso; tem a Gioconda, mais pretensiosa, metida a intelectual, ela prefere aquele nicho entre o balcao e a escrivaninha, ja a surpreendi bisbilhotando os meus escritos, faço que nao sei, mas sei. Nao gosto quando vem acompanhada das tres filhas, que ja apelidei de Lala, Lele e Lili, uma alusao as sobrinhas do Pato Donald, porque sao enxeridas, ficam bulindo os tabuleiros de xadrez, aquele de vidro (que ganhei do Horacio Braun) e aquele artesanal (presente do artista Telomar Florencio), preciso intervir, quando entao “as queridinhas”

se contentam em pular em cima do tapete aqui em frente da minha cama...” O Valdir continua sorrindo e esperando para ver onde aquela conversa iria dar. Como nao diz nada, continuo: “Aí vem a Domitila, caseira, prefere ficar la na cozinha, nao sai da frente do fogao, tudo bem se gosta disso, penso; mas a mais terrível e a Claudia Castaneda, nao precisa rir, porque parece que ela esta sempre “chapada”, demorei em entender que aquele era o “seu jeito”, e com todo o respeito, ha muito deixei de pretender reformar o mundo, mas o “duro” sao as amigas, a trupe quando resolve reunir-se em frente da televisao. Abstraindo a Dulcineia que prefere a permanencia ao lado da escultura do Dom Quixote na sala, as outras tartamudeiam todas ao mesmo tempo sem o menor decoro; a Angelica prefere o espaldar do sofa, esbaforida e barulhenta, a Genoveva, aristocratica so no nome, foi reprimida em outros tempos, mas ali se esbalda e parece que se multiplica; A Christininha, uma incognita porque a chamo no diminutivo, parece tres e açambarcar toda a mesa de centro quando resolve se manifestar. Quer saber? Parece um bando de peruas planejando um assalto...” Nesse ínterim, a chuva recrudesce, ouvimos um estalo seco ao lado da cama. O Valdir indaga: “o que foi isso?”. Digo que e apenas o espraiar guloso de uma gota de agua estatelando-se num pote de sorvete que ele nao pode ver e concluo: “esta e a Dolores, de quem ja falei, e que acaba de chegar”. Ele começa a rir... Digo que todas as goteiras aqui em casa tem nome de mulheres… Esta rindo e? A coisa e seria. Dia desses uma amiga esteve aqui com o filho, e quando soube disso, pediu para ser homenageada. Pensei na goteira na sala que cai em cima de uma cadeira de couro e faz um som diferente. Disse a ela e que seria a primeira batizada com o nome de alguem conhecida: Georgia! Que bom afirma, assim voce pode pensar em mim, lembrei do Ray Charles, e tasquei, claro, sempre: “Georgia on my Mind”! * Escritor, membro da Academia Catarinense de Letras

Também podes colaborar enviando textos para publicar (até 4 mil toques), ou fazendo criticas e/ou sugestões, para: narealgana@gmail.com Queremos um Corrente d’escrita, que corresponda às necessidades e desejos dos nossos leitores. Todos faremos melhor. www.issu.com/correntedescrita Página 6


Ano III — Número 32 - Mensal: abril de 2020 Hora de tomar rumo de casa. O olho acostumado a escuridao tateia o vao da mata ate o Jaguaruna. Na picada ensaia uma antiga cançao para espantar o frio e a sombra da Jaguatirica que o espreita. Ambos se respeitam no medo. Pigarreia e cospe a gosma do palheiro. Perto de casa excomunga as vacas deitadas no caminho. Exausto irrompe na porta tramelada e resmunga. Dona Dona levanta e arranca-lhe as sete leguas. Joga o jacatirao seco no braseiro. Enquanto o feijao esquenta lava seus pes embarrados com agua quente e sabao, na gamela. O fedor do querosene se confunde ao cheiro gostoso da carne seca no feijao. Depois na cama, sexo sem carícias e gemidos. Nao tem ai, ai, ai. Nem ui, ui, ui. Papai e mamae e o maximo do prazer (Homenagem a minha mae, heroína por inteiro. Pariu e criou 15 filhos. Dos quais, 12 ainda vivos, seguem a risca seus ensinamentos e exemplos de pratica de valores universais como o Amor, Respeito e Humildade.) Memoria da decada de 60. A localidade de Jaguaruna, fica distante 6 km do atual Porto de Itapoa.)

DONA DONA! No boteco da Figueira, o trago se mistura as conversas taciturnas dos caipiras e pescadores. O lampiao pouco alumia. Quase tao pouco quanto o olho de vidro do Candido Cutia. Oitavado no balcao, Joao Jordao resmunga a pergunta de sempre. Muito peixe? A resposta vem do silencio do pescador. No arrastao da feiticeira vem o grande e o pequeno. Esse ultimo apodrece no balanço da mare. A chuva nao da tregua. Lestada fria que penetra nas frestas do boteco. O frio pede mais um trago para esquentar a goela.

Joao Jordao imagina as horas pelo efeito do alcool no corpo. Página 7

Sívio Vieira—Educador e Consultor empresarial


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Carnaval da Terceira Idade—a Messalina

rentes ja estavam desfilando. Na frente, fantasiada de Cleopatra, puxava o cordao uma condomina de Curitiba. Com seus 72 anos de idade, nunca e tarde para ser rainha, a candidata tinha se inspirado nas vestes usadas pela bela atriz Elisabeth Taylor, no famoso filme sobre a legendaria soberana do Egito. Foi seguida pelas concorrentes, todas metidas em vistosas e cintilantes fantasias de seda e cetim. Vinham cheias de purpurina, lantejoulas, muito babados e luxuosas plumas da cabeça aos pes. Enfim, passavam esnobando paete pelo salao. Algumas delas, por timidez ou pela idade avançada, desfilaram escondendose atras de belas mascaras compradas em Veneza. Sob o olhar de pouco entusiasmo dos maridos, passaram odaliscas, colombinas, cinderelas, Mulher Maravilha, Mulher Cangaceira, princesas e imperatrizes.

Ha cinco anos que os moradores do edifício Alvorada do Atlantico fazem o seu baile na segunda-feira de carnaval. Com seus 120 apartamentos, quase uma pequena cidade durante a temporada, a imponente construçao de 30 andares, tem morador permanente e veranistas de muitas cidades do Brasil. O baile e para todos os condominos. Mas, o pessoal da terceira idade, mais de 25 casais, meia duzia de viuvas e divorciadas, a maioria de Curitiba, Chapeco e algumas cidades do Oeste catarinense, acaba tomando conta da Venceu uma candidata da turma de Chapeco. Tinha festa carnavalesca, transformada num autentico baile desfilado numa luxuosa fantasia de Messalina, a famosa Imperatriz Romana. Foi uma festa para a turma do da saudade. Nesse carnaval da velhice, da para ver claramente as Oeste catarinense. Todos saíram pulando e cantando. duas turmas de folioes da terceira idade amadrinha- Para se vingar, uma concorrente de Curitiba contou das: a de Curitiba e a de Chapeco, esta reforçada com para alguns sobre a vida particular pouco recomendaveranistas de Passo Fundo e de outras cidades gau- vel da imperatriz Messalina. Entao o ambiente ficou chas. Dizem estes ultimos que Chapeco e um pedaço pesado. O clima de euforia deu lugar a palavroes e ate do Rio Grande encravado na terra do Indio Conda. Sao ameaças. Como o pessoal da terceira idade esta velho autenticas tribos de condominos reunidas em torno para brigar de verdade, tudo logo se acalmou, porque das mesas, as mulheres para um lado e os homens a amizade acima de tudo. A musica continuou, mas o para outro porque assim era no começo. E o costume, baile acabou antes da meia-noite. ninguem pode negar, sem que a gente possa desviar, indica o rumo das nossas condutas. Ninguem esquece o concurso de fantasias deste ano. Os homens, como sempre, se recusaram a desfilar mascarados. Estavam velhos demais para bancar o palhaço. As mulheres, apesar do clima pesado em casa, ficaram entusiasmadas com o concurso. Nesta altura do jogo conjugal proximo das bodas de ouro, elas nao se assustam mais com cara feia de marido. Agora, família constituída, filhos e netos criados, nao tem mais volta. E ficar ou continuar vivendo juntos. Ademais, elas devem ter lembrado dos seus tempos de moça, quando sonharam desfilar de Cinderela nos bailes da sua cidade. Gente da terceira idade nao vai para cama depois da meia-noite. E, pouco mais das oito horas, as concorPágina 8

João José Leal – Academia Catarinense de Letras


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Na Hora do Sonho Afonso Rocha Brisa do Sul Enrolado nas ondas da paixão, destemidamente abraço as marés do desejo, com a vontade de te reencontrar. E tu, minha doce brisa do Sul, como sempre altaneira, tal senhora no seu querer, não há onda que te detenha, nem alturas que te façam esfriar. Vem, doce brisa do Sul. Alimenta este meu sentir, transporta-me para mundos sonhados, mundos esperados, para em teu regaço acordar. Vem, doce brisa do Sul. E alegra, e preenche, as minhas tardes do viver, que não querem anoitecer, sem antes te abraçar. Vem, doce brisa do Sul. E que o doce marear no teu caminho, no cruzar dos nossos dias, seja teu, seja meu, seja nosso eternamente. Afonso Rocha Página 9


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istória Não apaguemos esta luz

PORQUE JÂNIO QUADROS RENUNCIOU? Há exatos 28 anos, Jânio morria, depois de meses em estado vegetativo, mas antes revelou ao neto a resposta a um dos maiores enigmas de nossa história.*

sos problemas e estava fraco, chegando a ser internaEm 1961, o Brasil se chocou com a bizarra renuncia do num hospital em Sao Paulo (Albert Einstein). No do presidente Janio Quadros, em meio a uma crise seu leito de morte, sabendo que seu tempo era pouco, política e um quadro de completa confusao. ele decidiu abrir o jogo e explicar a estranha renuncia. Com artimanhas militares de derrubada do Congres- Meses depois, em estado vegetativo, ele morreu. so, Jango na China e o Brasil numa encruzilhada diplo- Janio explicou as razoes do ato em 25 de agosto de matica, se aproxi1991 mando do bloco (exatamente 30 socialista e criananos depois da do atritos com o renuncia), para a aliado, os EUA, as unica testemuesperanças eram nha do leito em mínimas. Por que estava: seu muito tempo, as neto, Janio Quarazoes da renundros Neto, que cia de Janio eram em 1999 revelou desconhecidas, o fato em uma gerando grande entrevista excludebate. Mas apesiva ao progranas em 1992, esma Fantastico, se misterio foi durante uma resolvido. conversa com Depois que a esposa Eloa morreu vítima de um cancer, a saude de Janio Quadros estava debilitada. Ja idoso, o ex-presidente sofria com diverPágina 10

Geneton Moraes Neto. “Eu sempre tive medo de conversar com ele sobre esse assunto”, ele relatou, pois o avo tinha o tema como tabu.


Ano III — Número 32 - Mensal: abril de 2020 Para Janio, a renuncia era uma marca vergonhosa do passado e, por isso, foi segredo ate sua morte. Seu neto relatou: “Uma vez eu estava num almoço na casa do dr. Felipe Nassin no Guaruja e uma convidada perguntou pra ele ‘presidente, por que que o senhor renunciou?’. Ele ficou muito nervoso e falou ‘renunciei porque a comida no Palacio da Alvorada era uma droga como e aqui! E a companhia era quase tao ruim quanto a companhia daqui'. Ele se levantou e foi embora super nervoso”.

Eu nunca imaginei que ela seria de fato aceita. Tudo foi muito bem planejado, organizado, por exemplo, eu mandei o vice-presidente Joao Goulart em uma visita oficial a China, o lugar mais longe possível. Assim ele nao estaria no Brasil para assumir no meu lugar ou fazer articulaçoes políticas. Eu acreditava que nao haveria ninguem para assumir a presidencia. Eu pensei que os militares, os governadores e principalmente o povo nunca aceitariam a minha renuncia. Pensei que iriam exigir que eu ficasse no poder, porque Jango era Internado no hospital, entao, ele decidiu elucidar ao inaceitavel para a elite”. Brasil sobre aquele conturbado ato político, que pare- “Achei tambem que era impossível que ele assumisse cia nao fazer sentido, dado que Janio sempre sonhou porque todos iriam implorar para que eu ficasse. E eu assumir a Presidencia da Republica. Uma vez, ele dis- renunciei no Dia do Soldado, porque queria sensibilise que o cargo e a “suprema ironia, de um lado e um zar os militares, conseguir o apoio deles. Imaginei que inferno, mas do outro e melhor do que ter um orgas- em primeiro lugar o povo iria as ruas seguido pelos mo”. militares. Os dois me chamariam de volta. Achei que Acontece que, como alguns especulavam, a renuncia voltaria para Brasília com gloria. Ao renunciar eu pedi de Janio Quadros foi, na verdade, uma tentativa de um voto de segurança a minha permanencia no poder, golpe para que ele assumisse com maiores poderes. porque esse e feito frequentemente pelos primeiros Nunca falando nessas palavras, a versao do ex- ministros la na Inglaterra. Eu fui reprovado. E o país presidente ao neto, dita quando estavam sozinhos no pagou um prelo muito alto. Deu tudo errado. A renunquarto do hospital, foi polida e ficou eternizada, pois o cia foi uma estrategia política que nao deu certo e rapaz transcreveu todo o testemunho. Seguem as exa- tambem foi o maior fracasso político da historia reputas palavras de Janio sobre o caso, algumas das ulti- blicana do país, o maior erro que cometi”. mas que pronunciou: “A minha renuncia era pra ter sido uma articulaçao.

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* por André Nogueira—Aventura na História, Fev/2020


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GREVE NEGRA DE 1857 Primeira greve que parou a Cidade da Bahia E so pensarmos nas consequencias da greve dos caminhoneiros em 2018 para entendermos o impacto da primeira greve que parou a Bahia no seculo XIX. Este e o tema de Ganhadores - A Greve Negra de 1857 na Bahia, novo livro do historiador e professor baiano Joao Jose Reis. Fundamentais na engrenagem da cidade, os ganhadores - negros escravos ou libertos, muitos africanos transportavam todo tipo de mercadorias e ate pessoas, nas famosas cadeiras de arruar. Tambem prestavam serviços variados e ainda vendiam quitutes e comidas na movimenta Salvador da epoca. “A cidade praticamente parou junto com os ganhadores. Seria como se hoje todos os meios de transportes deixassem de funcionar na cidade por dez dias”, afirma Reis, referindo-se ao movimento, que durou dez dias e instalou o caos, apavorando a elite e os governantes. Com uma pesquisa intensa e uma narrativa envolvente que se aproxima da ficçao, Joao Reis descreve o panorama da epoca e o desenrolar dos acontecimentos, acompanhados de perto pela imprensa. A greve, pacífica e organizada, se deu por conta do arrocho fiscal e do controle policial que a Camara Municipal exercia sobre os ganhadores. Alem de exigencias que os trabalhadores nao mais aceitavam, como usar uma placa de identificaçao, como as colocadas em carruagens e tabuleiros e consideradas muito humilhantes. “As chapas foram um dos aspectos mais antipaticos da lei municipal que motivou a greve”, resume Reis. Voce poderia falar um pouco sobre o papel da imprensa na greve?

A imprensa, no caso o Jornal da Bahia e alguns jornais cariocas, foram a minha principal fonte de notícias, Página 12

embora nao a unica, sobre o andamento da greve. Sem a imprensa nao teríamos sabido sobre um episodio que foi pouquíssimo tratado nos documentos oficiais. Apesar disso, o teor das notícias era de horror a paralisaçao, vista como uma perigosa audacia dos africanos escravizados e libertos. A imprensa queria que o governo provincial reprimisse de alguma forma os grevistas, mas nao havia como porque inexistia legislaçao que criminalizasse um movimento inedito como este. Mas ha um outro aspecto da cobertura jornalística a se levar em conta: o Jornal da Bahia era um orgao conservador e o presidente da província, Joao Luis Vieira Cansaçao de Sinimbu, era liberal, e a greve foi usada como um bom pretexto para ataca-lo. Por exemplo, escreveram que o presidente era um fraco e a Bahia estava sendo “governada pelos africanos”. Que tal? As mulheres que trabalhavam como ganhadeiras tambem eram obrigadas a usar as chapas? As chapas foram um dos aspectos mais antipaticos da lei municipal que motivou a greve. Os africanos, alem de pagar um novo imposto de serviço e, no caso dos forros, ter que apresentar um fiador que garantisse pelo seu bom comportamento, seriam obrigados a usar uma chapa de metal ao pescoço. Os ganhadores consideraram a medida humilhante. As ganhadeiras ja usavam uma tal chapa, mas coladas a seus tabuleiros e caixinhas de mercadejar, nao sobre o corpo. Alem disso ja pagavam um tributo quatro vezes maior do que aquele agora imposto aos ganhadores, isto porque labutavam num setor do mercado de trabalho urbano bem mais lucrativo do que o de carregar. Elas viviam do comercio de rua.


Corrente d’Escrita

Fotos com História

“Orelhão” - não é assim tão distante (em algumas comunidades do interior ainda funciona) mas é já praticamente uma peça de museu...

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Corrente d’ escrita

Em defesa da (nossa) língua 4. Ovelha ronhosa (certo) A Língua Portuguesa e riquíssima no seu vocabulario, nos seus sons e nos seus sotaques. E considerada como sendo um dos mais belos idiomas do mundo para ser usado em poesia ou em musica por causa do seu caracter doce e melodioso.

Ovelha ranhosa (errado) 5. Olhos azul-escuros (certo) Olhos azuis escuros (errado) 6. Atenazar (certo)

Atazanar (errado) No entanto, a Língua Portuguesa e tambem desrespeitada e mal usada por muitas pessoas. Mas temos que 7. Quando muito (certo) admitir: por vezes e mesmo complicado perceber se Quanto muito (errado) realmente estamos a falar ou a escrever bem o nosso 8. Reouvessemos (certo) idioma. Reavessemos (errado) A Língua Portuguesa e um dos mais belos idiomas do 9. Ribaldaria (certo) mundo. E, ao mesmo tempo, e tambem um dos que Rebaldaria (errado) possui mais “ratoeiras” que podem apanhar despreve10. Aselha (certo) nidos ate os mais experientes ou os mais estudados. Um idioma com tantos pequenos pormenores tem, Azelha (errado) obrigatoriamente, que causar algumas confusoes, 11. Rinque de patinagem (certo) mesmo aquelas pessoas que acham que dominam por Ringue de patinagem (errado) completo a Língua Portuguesa. 12. Ha uma semana (certo) Diz-se “ovelha ranhosa” ou “ovelha ronhosa”? Diz-se Ha uma semana atras (errado) “mal e porcamente” ou “mal e parcamente”? Diz-se “salganhada” ou “salgalhada”? Se acha que sabe as 13. Escravismo (certo) respostas a todas estas duvidas, entao e melhor ler o Esclavagismo (errado) artigo porque de certeza que vai falhar algumas.

14. Bandidismo (certo)

Todos os dias, quando falamos com os nossos amigos Banditismo (errado) ou familiares, quando vemos as notícias na televisao 15. Passada uma semana (certo) ou quando lemos os jornais, cometemos erros (ou asPassado uma semana (errado) sistimos a alguem a comete-los) que, de tao frequentes, se assumiu serem as formas correctas de os dizer ou escrever. O livro Dicionário de Erros Frequentes da Língua, escrito por Manuel Monteiro, pretende corrigir os erros mais usuais de quem fala portugues. Descubra os 15 erros mais frequentes da língua portuguesa. 1. Alta recreaçao (certo) Autorrecreaçao (errado) 2. Cartapacio (certo) Catrapazio (errado)

3. Mal e parcamente (certo) Mal e porcamente (errado)


Corrente d’ escrita Dicas de português...

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Florianópolis Santa Catarina Brasil +55 48 991 311 560 narealgana@gmail.com www.issuu.com/correntedescrita Fundador e diretor: Afonso Rocha

Corrente d’ escrita é uma iniciativa do escritor português, radicado em Florianópolis, Afonso Rocha, e tem como objetivo falar de livros, dos seus autores, suas organizações e das atividades que estejam relacionadas com a literatura , a história e a cultura em geral. Chamaremos para colaborar com o Corrente d’ escrita escritores e agentes literários, a qualquer nível, cuja colaboração será exclusivamente gratuita e sem qualquer contrapartida, a não ser, o compromisso para divulgar, propagar e distribuir este Magazine Literário. O envio para publicação de qualquer matéria (texto ou foto) implica a autorização de forma gratuita. As matérias assinadas são da responsabilidade exclusiva de seus autores e não reflete, necessariamente, a opinião de Corrente d’ escrita. As imagens não creditadas são do domínio público que circulam na internet sem indicação de autoria. As matérias não assinada são da responsabilidade da redação.

LEIA, DIVULGUE, PARTILHE, COLABORE econômica e política com o olhar fixado no retrovisor da história. Esta, a meu ver, é movida por uma dialética que opera mudanças no processo históriMeus cumprimentos pela beleza da diagramação e co. Com desvios e recuos, mas também com avanços importantes, penso que o resultado do processo pelos excelentes textos ali publicados. histórico é positivo. A começar pelo texto “Carnaval, uma Festa de Inclusão Social”, de autoria de meu colega de Acade- Na verdade, o texto de João Pedro é mais que um contraponto, é uma incisiva resposta à crítica que mia Deonísio da Silva. lhe foi pelo historiador Francisco Bitencourt, “uma Como o tema ainda é carnaval, aproveito para lhe espécie de permanente advogado de acusação do enviar o texto de minha crônica, hoje publicada no passado”. . jornal O Município, de Brusque, um diário impresso que resiste, bravamente, à internet e sua onda ir- Como bem afirma João Pedro, o importante “é que não ficamos marcados para todo o sempre e de forresistível da comunicação virtual. ma indelével por antigas práticas condenáveis”. Excelente, o impactante texto do uruguaio EduarNão poderia omitir minha referência ao impressiodo Galeano, As Idades de Maria Rosa, que nos faz nante conto do meu também colega de Academia remontar ao tempo perverso da escravidão, no David Gonçalves, de um realismo que corta fino Brasil e nas Américas. como navalha na carne do nosso corpo acostumaO mesmo devo dizer do artigo do historiador por- do ao conforto material, a uma segurança e uma tuguês João Pedro Marques sobre a escravidão paz recortada do contexto social e a uma sublime praticada por Portugal e que, de um certo modo, estética do prazer e da beleza que passa longe da constitui um contraponto ao texto de Galeano, que miséria social que nos cerca. não é acusatório, mas descritivo do horror praticado contra uma mulher negra e escrava e que se es- Caro Afonso Rocha, continue esta sua cruzada em favor da boa literatura. Sei o quanto custa esse seu tende à escravidão como prática abominável da solitário e admirável trabalho literário. classe dominante de uma época.

Cortas...

Endosso a posição de João Pedro Marques, no sentido de que não podermos esquecer a violência, a Um grande abraço. opressão, a tortura, enfim, os males e os erros pra- JJLeal * ticados no passado. Mas, também não devemos * Membro da Academia Catarinense de Letras construir a nossa análise crítica da atual realidade


Corrente d’ escrita

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Corrente d’ escrita

Número 31 - março 2020

Casa dos Livros e da Leitura Página 20


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