Corrente d'escrita 35

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Ano III — Número 35 - Mensal: julho de 2020

Corrente d’Escrita Plantando Cultura * Santa Catarina * Brasil

No Senadinho Literário...

185 anos

Monumento aos Bandeirantes—São Paulo

Vand alismo ou Veneza, em tempo Antirracismo ? de pandemia

Ler, pág. 26

RENATA MARQUES DE AVELAR DAL-BÓ

www.issuu.com/correntedescrita


Editorial

Corrente d’Escrita

Tema da capa—No Corrente deste mês quisemos trazer a debate a questão do racismo e antirracismo—vândalos ou revisionistas da história, despoletado pelo assassinato de um cidadão norteamericano, pelas forças policiais daquele país.

A parir daí, galgando o mundo, sem fronteiras, uma onda de puristas revisionistas da história, desencadearam uma campanha de caça às bruxas, derrubando, vandalizando ou conspurcando imagens (estátuas) que, segundo eles, seriam o mal de todos os males do mundo.

De modo algum pactuamos com o racismo, o preconceito, seja contra quem for, mas não podemos deixar de condenar, como outros escritores o têm feito por esse mundo fora, estes atos tresloucados, levados a cabo por gente que jamais leram algo de sério sobre o nosso passado comum. E mais ainda, por pessoas que desconhecem, com certeza, as suas próprias origens. Esperamos que os textos que aqui divulgamos elucidem, ou esclareçam as mentes mais torpes e desinformadas.

Afonso Rocha Página 2


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O português... “anda pelos cinco continentes, língua de diferentes identidades e culturas, em que as vogais não têm todas a mesma cor. E em que as consoantes, como se sabe, em Portugal assobiam, na África cantam, e no Brasil dançam”.

Homenagem ao “dia mundial da língua portuguesa” 05/05

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de 2019

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Para conhecermos a história de nossa convidada de hoje, aqui no Senadinho, levamos as nossas páginas até ao Sul, mais concretamente até Tubarão, onde vive e trabalha a nossa convidada:

Renata Marques de Avelar Dal-Bó P. Segundo julgo saber você é paulista, mas também como palestrante, apresentadora e mora em Tubarão. O que a fez vir até às terras dinamizadora de organizações associativas catarinenses? no âmbito cultural. Como e quando surgiu, em si, essa aproximação e apetência pela literatuSim, sou paulista de Ilha Solteira, interior de Sao ra e cultura? Paulo. Minha historia com Santa Catarina começou em 1990, quando eu tinha 18 anos. Moravamos em Sao Paulo e meu pai veio trabalhar na Eletrosul, em Capivarí de Baixo, hoje Engie. Minha família se mudou para Tubarao e eu fui para Florianopolis fazer jornalismo na UFSC. Por causa do trabalho do meu pai, antes de nos mudarmos para Santa Catarina, havíamos morado em outras oito cidades, ou seja, nao criamos raízes em nenhum lugar. Eu, pelo menos, sentia-me meio orfa, sem uma cidade natal para chamar de minha. Hoje, depois de 28 anos, sinto-me uma filha adotiva de Tubarao e adoro morar aqui. P. Você é uma das mulheres mais ativas na dinâmica cultural no sul do Estado de Santa Catarina. Não só como jornalista, escritora, mas Página 4

Sempre gostei de ler e escrever, por isso fiz jornalismo. Minha aproximaçao com a literatura veio quando comecei a publicar minhas cronicas no Jornal Diario do Sul, em 2012. Depois disso veio o primeiro livro “Historias, Sonhos e Imaginaçao”, em 2015. No ano seguinte comecei a apresentar o “Bate-Papo Literario” na Unisul TV. Em 2018, publiquei meu segundo livro solo “Para ti”, que sao Nome: RENATA MARQUES DE AVELAR DAL-BÓ Residência: Tubarão/SC Naturalidade: Ilha Solteira/SP Profissão: jornalista e escritora Data de nascimento: 09/01/1972 Estado civil: casada Redes sociais: www.facebook.com/renata.mavellardalbo


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Renata com seus convidados/as

cronicas de nossas viagens em família. Neste mesmo ano fui convidada para coordenar a Associaçao de Jornalistas e Escritoras do Brasil (AJEB) – Santa Catarina. Como pode ver, uma coisa foi levando a outra e fui me envolvendo cada vez mais com o universo da literatura.

pouco desse projeto, segundo penso, especificamente dedicado ou alimentado pelas Ajebianas catarinenses.

A AJEB foi fundada em 08 de abril de 1970, em Curitiba/PR, pela jornalista Helle Vellozo Fernandes. Iríamos comemorar o jubileu de ouro da P. Você é a coordenadora, segundo julgo sa- AJEB em Brasília, num evento belíssimo, no enber, da Associação das Jornalistas e Escritoras tanto, foi suspenso por causa da pandemia. Hoje a do Brasil, em Santa Catarina. Fale-nos um associaçao mantem coordenadorias em 17 estaPágina 5


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dos brasileiros, contando com mais de 400 associadas. A entidade tem como principal finalidade estimular a uniao de jornalistas e escritoras de todo o Brasil, sob o lema: “A perenidade do pensamento pela palavra", promovendo o intercambio de conhecimentos, ideias e experiencias entre suas associadas e incentivando o aperfeiçoamento profissional das jornalistas e escritoras, atraves da participaçao em cursos, seminarios e encontros culturais. Como escrevi numa cronica: “Atraves da AJEB podemos compartilhar sonhos, ideais, prosa e poesia. Porque sonho que sonhamos juntas tornam-se objetivos, que ao se concretizarem transformam a realidade, formando novas identidades e mudando o rumo da humanidade. E neste ciclo vamos conquistando nosso lugar ao sol, abrindo espaço para as novas (e atuais) geraçoes de mulheres, reinventando o mundo. Acreditando que, atraves do poder transformador das palavras, da arte, teremos um mundo mais humano, solidario, poetico e igualitario.

quais seus objetivos? Como falei anteriormente, comecei a apresentar o Bate-Papo Literario em 2016 e o programa foi um divisor de aguas na minha vida. Atraves dele, pude perceber o quanto nosso estado e rico em literatura. Sao muitos bons escritores, que se expressam em diferentes generos literarios, perpetuando nossa historia atraves dos livros. P. Acha que a mulher em geral e catarinense em particular ocupa o espaço que lhe pertence, de direito, na sociedade em geral e nos meios literários e culturais em particular?

Estamos no caminho, mas ainda falta muito. Tomemos como exemplo o premio Nobel. Ao todo, 112 pessoas ja venceram o Nobel de Literatura no entanto, apenas 14 delas foram mulheres. Sera que e porque as mulheres escrevem menos ou sao menos capazes? Acredito que nao. Ainda temos muito espaço para conquistar, devido a nossa propria historia. Apenas em 1977 a primeira P. E sobre o Bate-papo Literal que apresenta escritora, que foi Raquel de Queiros, foi eleita pana Unisul TV… quando e como apareceu, ra membro da Academia Brasileira de Letras. A Academia Literaria Feminina de Letras do Rio Grande do Sul foi criada em 1943 por sete mulheres, pois naquela epoca a Academia RioGrandense de Letras, criada em 1901, nao aceitava escritoras entre seus membros. Trazendo para nosso estado, a Academia Catarinense de Letras, que este ano completa 100 anos, teve entre seus membros 155 homens e apenas oito mulheres. Associaçoes como a AJEB sao importantíssimas para apoiar as escritoras e jornalistas e para que alcemos voos que jamais conseguiríamos se estivessemos sos. P. Ao nível literário vejo muitas mulheres escreverem, publicarem… mas não as encontro suficientemente representadas nas Academias e suas sucedâneas. Porquê? São os homens Página 6


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que lhes fecham as portas, ou elas que não quis deixar registrado essas historias afetivas. querem se envolver nessas questões de organização? P. Tem projetos novos na “calha”? Quer partiComo falei anteriormente, isso tem a ver com a lhar com nossos leitores esses projetos? historia da mulher na sociedade. Ao olhar para a Tenho sim, desta vez e um livro infantojuvenil e historia, e relevante o fato de que, por muito tem- se chama “Pingo, o cachorro feliz e medroso”. O po, a mulher ficou excluída do ambito da literatu- livro conta a historia de um cachorrinho que hara, pois nao lhe era permitido o verbo “escrever”. via sido maltratado e, por isso, era muito medroNao que nao tivesse nada a contar, mas porque so. Mas, ao ser adotado por uma família que o nao conseguia mostrar sua voz. Durante o seculo amava muito, começou a lidar melhor com o meXIX e primeira metade do seculo XX, as mulheres do e passou a sorrir. E ele sorria de verdade. Um que quiseram se inserir neste meio tiveram que livro que fala de sentimentos, adoçao e respeito fazer sorrateiramente, por meio de pseudonimos. pelos animais. Na literatura, se tiveram algum destaque, foi por meio das personagens, muitas vezes protagonistas, dos livros de autoria masculina, ou seja, nao P. Encontra recetividade na sociedade, e parpossuíam voz propria. Esse foi, infelizmente, um ticularmente nos gestores públicos para requisito para que a historia funcionasse atraves apoio ou aderência à atividades relacionadas da memoria e da dominaçao masculina. Para as à cultura/literatura? mulheres restou somente a perda da memoria Sim, muito apoio, principalmente na minha cidade onde sou mais conhecido. Acho que, cada vez historica ou sua ausencia na historia. mais, os gestores publicos estao se dando conta da importancia da literatura para a formaçao P. Que idade tinha quando publicou seu priidentitaria de um povo. Sem cultura nao somos meiro trabalho? Fale-nos um pouco de seus ninguem. trabalhos, nomeadamente do livro de crônicas “Histórias, Sonhos e Imaginação”. Como falei anteriormente, comecei minha carrei- P. Que mensagem deixaria para os demais ra literaria aos 40 anos. Ver minhas cronicas pu- agentes culturais, escritores, ou amantes da blicadas semanalmente no jornal foi a realizaçao cultura/escrita? de um sonho. O livro “Historias, Sonhos e Imaginaçao” foi publicado em 2015, tres anos depois de começar a publicar as cronicas no jornal. Ele reune 85 cronicas, cruzando espaços oníricos e geograficos, laços de família, comportamentos, curiosidades, paladares, fragrancias e cenarios da vida contidos em universais do cotidiano. Ja o livro “Para ti”, lançado em 2018, e um livro de memorias de nossas viagens em família. Acredito nao haver momentos mais especiais e unicos do que quando estamos viajando juntos, por isso Página 7

Temos que ter ciencia que a literatura e parte integrante do patrimonio cultural imaterial de uma cidade, estado ou país. Alem disso, tem uma importante relevancia na geraçao do sentimento de identidade e continuidade de um povo, contribuindo para promover o respeito a diversidade cultural e a criatividade humana. Tomemos como exemplo as cronicas que os jornalistas e escritores publicam nos periodicos. Hoje talvez, damos Segue página seguinte >>>


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pouca importancia aos fatos do cotidiano relatados nelas. No entanto, sao de imensa relevancia como registro de uma epoca. Muitas das historias que conhecemos de tempos passados sao contadas por meio da literatura, que atraves dos romances, cronicas, contos, poemas, fazem a reconstituiçao de um período da historia. Atraves da ficçao, os escritores narram como as pessoas vivem, como sao seus habitos, costumes, ideias e sentimentos, transmitindo conhecimentos e retratando a relaçao entre os homens e a sociedade. Textos literarios escritos ha mais de um seculo continuam ecoando, fazendo com que as historias neles contadas permaneçam no seu processo evolutivo. A literatura tem trazido a tona o que a historia oficial, muitas vezes, faz questao de apagar. Em verso e prosa, o escritor diz o indizível, da voz as minorias, sendo fiel aos anonimos, cujas narrativas tecem a imaginaçao e o universo de nossas marcas simbolicas. ____________________ Títulos de obras/trabalhos da entrevistada:

Livros solos: Histórias, sonhos e Imaginação (livro de cronicas publicado em 2015) Para ti (cronicas de viagens feitas em família publicado e 2018) Coletâneas: Rio Tubarão no Curso D'Alma. Minha historia com o rio Tubarao. Palhoça: Unisul, 2015, v.500. p.170. Arquibancada Vermelha e Branca - Cem anos de História. Hercílio Luz em depoimentos, entrevistas e documentos 1 ed. Florianopolis: Unisul, 2018, p. 1236. Palavras 2018. Cartas a Renata-mais-velha. Porto Alegre: Evangraf, 2018 p.256. Palavras 2019. A essencia da beleza. Porto Alegre: Alternativa, 2019 p.268. Labirintos da Poesia. Cartas ao filho. Namoro no Parque. Tubarao: Copiart, 2019 p.175. A vida é feita de histórias - Precisamos falar sobre os sonhos.1 ed. Brasília: Cores Graficas e Editora, 2020, p. 111-113. A arte de ser mulher. Quem e esta mulher? Rio de Janeiro: Sem Fronteiras, 2019 p.357. A arte do encontro pela palavra. A literatura como patrimonio historico imaterial. Infancia, o lugar da minha memoria. A força da mulher brasileira. 1 ed. Tubarao: Uaw Comunicaçoes, 2020, p. 67-70.

Renata num encontro sobre as mulheres na literatura. Foto: Afonso Rocha Reconhecendo-se, a partir da esquerda, as escritoras: Maria Odete Olsen, Ana Lúcia Coutinho (da FCC), Maria Teresa Piacentini e Lélia Pereira Nunes. Por trás da entrevistada, a diretora da Biblioteca Pública de SC, bibliotecária Cléo Schmitt. Página 8


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Na Hora do Conto Suores de amor Parte III Maria passou o domingo sem dores. De manhã bem cedo, ainda assistiu à santa missa das sete. De seguida, e depois de ter dado dois dedos de conversa com as vizinhas, preparou e cozinhou um arroz de feijão branco para acompanhar com pataniscas de bacalhau, e preparou uma panela de caldo, com couves frescas que recolheu no quintal. Foi o almoço melhorado. Do domingo. Da festa...

ecoando pela calada da noite se enterram nos ouvidos dos outros filhos, que ali bem perto, passam a noite na casa de uns vizinhos. O sinal da vida aproxima-se! No corpo de Maria, os dois corações batem mais forte... E as duas almas, que há nove meses nele se instalaram, gradualmente, se separam. E um novo Ser, humano, e mortal, se descola e escorrega. Devagar... Cautelosamente... Decididamente, para a vida. Às onze badaladas, cantadas desafinadamente pelo pêndulo do velho relógio da sala, três gritos enormes e sussurrantes, seguidos de vários e rápidos suspiros, e de uma respiração incerta e ofegante, amenamente, acabam com o doloroso e penoso tormento. E ao mundo, mostra-se por fim, entre os santos lábios de uma vagina larga, ensanguentada e amachucada, uma cabeça meio peluda e enrugada, que mais parece uma noz, seca, descascada.

Na parte de tarde, agarrada ao velho tear de madeira, ainda teve tempo para tecer um bom pedaço de lençol em linho. E só durante o caldo da ceia é que sentiu umas leves picadas bem lá no fundo da barriga. Pronto. Aí estava o sinal... Com sensação de agradável alívio, os lindos olhos d’água molhados e cansados, brilhantemente viMandou então um dos filhos chamar a Margaridi- drados pela felicidade, um último e forte impulso nha das Chousas, que chegaria cerca de uma hora de Maria, expulsa, das suas entranhas, por entre as depois. Encheu uma grande panela de ferro com coxas redondas e firmes, para os braços fortes e água e colocou-a ao lume. Preparou a escudela de ensanguentados da Margaridinha das Chousas, madeira, e as toalhas de linho cru. mais um destino pleno de vida... E pacientemente, com aparente calma, aguardou. Mais uma boca para comer, Gradualmente, a situação vai alterando-se. E com Uns braços para trabalhar, o avançar das horas, a barriga toma várias formas. E uma cabeça para pensar... As dores aumentam. Nascia o João! Duram mais tempo, picam mais fundo... Conto de Afonso Rocha Vão e veem, numa sequência tão rápida, como autênticas e finas facadas, mais parecendo que a estão a desmanchar por dentro, a cortar as entranhas, como sempre vira fazer o compadre Xico Camelo na matança dos porcos, pelas festas do Santo André. E de repente, como se fosse um inesperado trovão, sem raio ou faísca de aviso, os gemidos transformam-se em aflitivos gritos, autênticos uivos, que Página 9


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Na hora do Conto Morte de uma Loura *

criado pela avó. Não falava de sua vida anterior, sua vida começara aqui, e dizia isso com uma sombra triste nos olhos, como se quisesse afastar uma lembrança que a incomodava. Eu a vestia nas melhores butiques, comprei-lhe um Honda prateado, no qual rondava longamente pela cidade, por trás de grandes óculos escuros. Logico, eu não aprovava isso, preferia tê-la em casa, me esperando de banho tomado, perfumada, cubinhos de gelo prontos para o uísque. Tirava os óculos de sobre a testa, mordia furiosamente uma das hastes, me encarava com olhar ao mesmo tempo zombeteiro e raivoso: Você não é meu dono! Sim, eu a amava, não nego que tinha medo de perdê-la, de que esse seus volteios pela cidade tivessem alguma intenção oculta, era uma mulher ainda jovem, sensual. Se antes recebia meus presentes com um brilho nos olhos, me enlaçava o pescoço e lambuzava meus lábios com seus beijos, agora os recebia friamente, como tributo de um servo para sua rainha. Demorava cada vez mais em seus passeios de carro, à tarde. Quando, por acaso, peguei o smartphone que havia lhe dado, reagiu como uma gata parida quando se aproximam de seus filhotes. Fui muitas vezes chamado para depor no distrito policial, dei minha versão de sua morte, encerraram o caso e deixaram de me incomodar. Hoje sinto dolorosamente sua falta, doei suas roupas, procuro enterrar as lembranças de seu corpo, seus olhos, sua boca feito fruta se abrindo de madura. Minha vida parou, muitas vezes minha cabeça gira, o coração dispara, sinto que não conseguirei me erguer de baixo dos destroços de minha alma. Ela abriu a porta da sacada e se jogou do décimo andar... Preciso repetir isso mil vezes para sufocar a terrível verdade: eu é que a empurrei para a morte.

– Vai embora! – Eu falei, furioso. Pegue seus trapinhos e desapareça. Ela me encarava com os olhinhos faiscantes, brilho de ódio; saiu do quarto, atravessou a sala e disse friamente: Você não vai mais me ver na sua frente. Depois abriu a porta da sacadinha do prédio e se jogou lá para baixo. Estávamos no décimo andar. Desorientado, procurei os sapatos debaixo da cama, joguei uma camisa sobre os ombros e corri para o elevador. Minha cabeça fervia. Meu Deus, que não acontecesse o que eu estava imaginando. O elevador estava ainda parado no segundo andar. Inconscientemente eu desejava que não chegasse nunca, que me poupasse de assistir ao final daquilo que sabia ser inevitável. Quem escaparia de uma queda do décimo andar? O elevador chegou com seu zunido leve, como um voo de besouro, parou suavemente, e desceram dois jovens. Toquei para baixo. Na calçada estavam umas duas ou três pessoas, diante delas o corpo em decúbito lateral, a saia verde erguida até a cintura, os belos pezinhos descalços, um riozinho de sangue ainda quente brotando dos lábios. Morta. Quando a conheci, me apaixonei pela sua beleza um tanto passada, madura, carnes soltas numa saia plissada. Cabelos de um louro esmaecido, com mechas mais escuras, esparramados pelos ombros. Os olhos graúdos, velados pelas sobrancelhas espessas, passeavam com um jeito curioso e sofrido pelas feições dos interlocutores. Mas a boca, a boca vermelha era um vórtice que atraia e tragava os lábios e a alma incautos. Nua, era excitante a pele clarinha, cintura com pequena adiposidade, as pernas coladas umas às outras, porejando suor. Com meus quase 60 anos, essa conquista tinha o seu preço. Mas suas exigências não eram onerosas, e eu também não era nenhum ingênuo, tinha imposto um limite. Os encontros em meu apartamento, num condomínio de luxo, jantares em bons restaurantes, fins de semana em Camboriú, tudo isso a deixava excitada, e a bem dizer, a princípio embasbacada. Em alguns meses, a levei para morar comigo. Tinha * Hilton Gorresen, Escritor—Academia Joinvilense de Letras vindo do interior, onde deixara a mãe e um filho menor, Página 10


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isso que fazíamos, mesmo.

Na hora do Conto Magrela * Era uma bicicleta muito forte, inglesa, acho. Em julho de 1964 a ganhei do meu irmão mais velho, o Harald, e ela já contava com mais de vinte anos. Tinha até placa, e funcionava que era uma maravilha. Durante muitos anos foi minha companheira de aventuras. Mais tarde, o Klaus, o irmão mais novo, a reformou, deixando-a um brinco. Tão “brinco” que mal a usou e ela foi furtada. Antes de começar a escrever, liguei para o Klaus para ver se tinha recuperado a antiga “magrela” (acho que não se usa mais essa denominação, mas “bike” não tem graça) e me informou que nunca mais. Acabei de desligar e a Cida me interrompeu para mostrar uma foto de nosso neto, Matias, de cinco anos: recebera o batismo de ciclista, um tombo respeitável. Lá estava ele com um enorme curativo no joelho e o lado do rosto bem machucado, daqueles machucados de esfregar o rosto no asfalto. Bem-vindo ao clube, pensei, olhando para as cicatrizes nas juntas de dois dedos e tateando a maior, no joelho, lembranças de um tombo com a bicicleta de minha mãe em estrada recém macadamizada quando eu tinha uns oito anos, por lá. Eram tempos de pouco asfalto, muitas pedras, lama e buracos e sem ônibus circular, e a bicicleta não era apenas lazer, mas meio de transporte, embora, na maioria das vezes, esse transporte fosse para lazer para a gente: pescar, tomar banho em rios nem tão confiáveis, apanhar borboletas para ganhar um dinheirinho com sua venda, ir até as casas das avós que moravam distantes uma da outra e, o que era o melhor, descobrir caminhos. “Descobrir” não está aí por acaso, muitas vezes era Página 11

Décadas depois, o fascínio continua e não paro de descobrir caminhos montado numa bicicleta. Quem diz que o espírito não envelhece, deve ser ciclista. Sabe quantas praias pequenas e aconchegantes conheci pedalando? Nunca contei, mas são muitas, algumas servindo de paisagem para meus almoços de banana e água. Paisagens bucólicas, estradas serpenteando entre matas, arrozais, pastos com gado curioso, colinas e morros escarpados, longos trechos seguindo o rio que me faz parar para admirá-lo, papos com pescadores que passam o dia lavando iscas, pássaros que não se espantam tão fácil e sempre a descoberta. Como vou sozinho, sou o dono dos caminhos. A pandemia me fez cobrir a companheira para protegê-la, mas já, já, volto, de máscara e por caminhos com menos movimento. Podem esperar, caminhos. Matias, quando você puder vir, vamos fazer as descobertas juntos, coisa de neto e avô. * Uma crônica de Donald Malschitzky *, com título original de “Rodas mágicas”.

* Escritor, contista, cronista e criador literário.


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Momento poético Sílvio Vieira *

O mar Que segredos tem o mar que tanto me fascinam? Serão suas águas que vem e que vão, num balanço sem fim? O que se escondem em suas profundezas, além de peixes, moluscos e algas? Gosto de escutar o mar. No silêncio da noite, na praia grande.

Ouço rugidos, estalos, gemidos, sibilos que vem do mar. Será que é o vento que açoita as ondas do mar? As vezes me da a impressão que ouço vozes, vindo do mar. E eu fico ali sentado por horas. Escutando extasiado, sem pressa. O que o mar quer me mostrar.

* Formado em letras e pós-graduação em gestão de pessoas.

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Momento poético Afonso Rocha *

As tainhas Quase sempre chegam em cardume, desordenadas, indisciplinadas, contentes por encontrarem águas mais amenas. Veem lampeiras, alegres, furonas, como se pra a festa fossem. Ladinas, pequenas e grandes, brincam umas com as outras, como se fossem crianças no infantário, seguindo as mais graúdas, sempre, na direção das águas baixas da praia. Lá longe, o olheiro, perspicaz, de olhares treinados apurados, dá o alerta: chegaram camaradas! Vamos a elas! O cerco se aperta. O chefe espevita o barco; os remadores retesam os músculos e o lançador atira a rede, em redondel desenhado, um garrote, como se fosse uma gargantilha de diamantes. E de repente, como se fosse um cobertor negro, a sombra as acolhe, as suga, e espreme contra as malhas de nylon apertadas, e as lança contra o areal doirado. Muitas mãos, muitos pés protegidos de galochas uns e outros nus, muitas gentes da arte e outros curiosos se associam para melhor as subjugar e dominar. Assustadas, elas saltam, engalfinham-se, esperneiam desesperadamente tentando escapar da asfixia que as atormenta. Minutos de agonia depois, olhos vidrados, jazem nas areias escaldantes. São muitas.... mil? duas mil? mais de trinta mil! A vida de tainha não é fácil. junho, 2020 Ilha de Santa Catarina/Baía de Canasvieiras. * Escritor, jornalista, editor

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Corrente d’ escrita que seguia pelo correio (via navio) uma caixa com po para pudim. Acontece que a avo da família, que vivia MURO DE BERLIM (ainda) aqui em Blumenau, morreu. Ela sempre tinha pedido Na sequência de nosso artigo do mês passado que, quando morresse, fosse cremada, e suas cinzas sobre o muro de Berlim, recebemos da acadé- enviadas a Alemanha. A família cumpriu seu desejo: mica Urda, este belo testemunho, que não re- cremou a avo, colocou suas cinzas numa caixa, e enviou a mesma, via aerea, para a Alemanha. Seguiu uma sistimos em publicar. carta, tambem, explicando que estariam chegando as cinzas da avo, so que tal carta se atrasou. Quando cheEm 1961, quando construíram o Muro de Berlim, eu gou a caixa com as cinzas, os parentes de la acharam tinha nove anos, e mal-e-mal sabia que Berlim ficava que era a caixa com o po para pudim, e nao deu outra: na Alemanha. Essas coisas de Alemanha dividida, de fizeram pudim com as cinzas da avo, comeram a avo. pos-guerra, de bloco capitalista e socialista, eram toPiada sem graça que circulava em Blumenau na decadas coisas das quais eu ainda nao tinha consciencia. da de sessenta. Sabia, porem, como nao podia deixar de ser, que a AlePois bem, a Alemanha, para mim, ainda era aquela do manha havia sofrido muito durante a guerra, pois oupessoal que fez pudim com a avo, quando, um dia, na via as inumeras historias das pessoas de Blumenau, igreja, o padre falou sobre uma coisa estarrecedora: que mandavam pacotes com comida e roupa para seus uma cidade fora brutalmente dividida por um muro parentes do castigado país, e espantava-me ao saber que separara pais de filhos, irmaos de irmaos, amigos que as roupas enviadas tinham que ser lavadas uma de amigos. Pintou as coisas com as piores cores (e as vez, para nao parecerem novas, e outros detalhes ascores eram feias mesmo), e convidou o pessoal da sim, coisas que uma criança do pos-guerra, em Blumemissa para ir ver uma exposiçao fotografica sobre o nau, sempre acabava ouvindo. assunto, que passava pela cidade, e que estava exposta Havia, ate, uma piada que eu achava engraçada e tetri- no nosso Teatro Carlos Gomes. ca, que circulava nessa epoca, sobre a historia de se Um dia ou dois depois, aquilo ainda estava na minha mandar pacotes com comida para a Alemanha. Uma cabeça, e avisei minha mae que ia ver a exposiçao. família escreveu para seus parentes de la informando

Foto: acervo Afonso Rocha Página 14


Corrente d’ escrita nunca aconteceria na minha pequena realidade de Blumenau.

Foto: Afonso Rocha—bocados do muro, à venda como lembrança turística.

Creio, hoje, que aquela foi a primeira vez que entrei no nosso imponente Teatro Carlos Gomes, que parecia muito mais imponente ainda por eu so ter nove anos.

Quase trinta anos depois, em 1989, quando o muro caiu, eu senti um alívio imenso. A minha angustia de 1961 vivera comigo todos aqueles anos. E eu exultei como os jovens alemaes de 1989 exultaram, e, meses depois, vi um pedacinho de muro que um rapaz de Blumenau havia recebido como souvenir: ingenuo e inofensivo, o pedacinho de muro estava numa caixinha de joias, apoiado sobre algodao. Nao parecia ter aquele horror de 1961, mas eu sabia que tinha. Urda Alice Klueger Historiadora/Escritora

Gente, eu nao esqueci daquilo ate hoje! Sem quem me orientasse na exposiçao (fora sozinha), devo ter passado horas e horas olhando aquelas fotos e lendo as legendas. Aquilo era muito mais chocante do que o padre falara: as imagens tinham uma força como eu nao sabia, uma força que as decadas seguintes aproveitariam com força nos meios de comunicaçao, mas que, naqueles tempos de radio, a gente ainda nao conhecia. Cruamente cruel, la estava o muro tapando as janelas dos predios, deixando os moradores sem luz. Sem disfarces, la estavam as guaritas com os soldados armados, que vigiavam a faixa de cem metros, cheia de obstaculos, onde nao se podia passar. La estavam os rolos de arame farpado, as armadilhas, o terreno minado. E, o que era pior para mim, la estava o muro interrompendo as ruas – e se interrompessem a minha rua, e eu nao pudesse mais ir para a escola, ou na casa da tia Fanny? A agressao daquelas fotos entrou na minha pequena alma de nove anos com toda a força: acho que foi a primeira vez que dei de cara, mesmo, com a crueldade. O padre ja tinha falado que muitas pessoas estavam morrendo metralhadas, por la, na tentativa de fugir para Berlim Ocidental, e minha imaginaçao fertil via as pessoas correndo sob o foco dos holofotes e sendo ceifadas por armas poderosas. O horror daquilo ficou indelevelmente marcado na minha vida. Creio que, quando saí de la, senti alívio: Berlim era muito longe, numa remota Alemanha, país onde se comiam avos pensando-se que eram pudins – aquilo Página 15

MURO... “Sem disfarce, lá estavam as guaritas com os soldados armados, que vigiavam a faixa de cem metros... Lá estavam os rolos de arame farpado, as armadilhas, o terreno minado.”


Ano III — Número 35 - Mensal: julho de 2020 Divulgado pelo nosso amigo DEONISIO DA SILVA, historiador, PROFESSOR E ESCRITOR, transcrevemos um texto importante sobre o Portugues e a gramatica autoria da jovem Lara Brenner.

POR QUE ESTUDAR GRAMÁTICA?

çao inclemente nos modos de uso da língua e o rechaçamento do ensino da gramatica vem nos afastando cada vez mais de nossas origens, a ponto de nomes sagrados da literatura nacional encontrarem ampla resistencia entre os cidadaos: e como se o lapso de tempo entre nos e os autores fosse ampliado pelo lapso das línguas presente e passada. Somos mundos diferentes, nao nos conectamos, nao nos reconhecemos. Pouco ou quase nada nos comunicamos com aqueles que vieram antes de nos, e o preço e alto: carencia de legado popular e de memoria, elementos fundamentais para o estabelecimento de coesao como povo. Talvez seja esse um dos grandes motivos do tal complexo de vira-lata, sobre o qual incisivamente falou Nelson Rodrigues.

Volta e meia me deparo com um aluno indignado, o qual — com razao — questiona por que diabos se estudam todas aquelas regras. A ele, parecem normas soltas, das quais se lembra com certo (as vezes muito) pesar. Claro! Apresenta-se-lhe a gramatica como se fosse um planeta alienígena, materia descolada da realidade, e nao como o que ela de fato e: estrutura fundamental da comunicaçao verbal limpa, precisa, clara, coesa, atemporal. Aprofundando a analise, conhecer a norma-padrao O estudo da gramatica classica visa, em tese, a difusao abre portas para o desenvolvimento da comunicaçao, da norma-padrao. Mas, se ninguem a usa para a co- da maneira mais profícua possível. O domínio de esmunicaçao espontanea, por que aprende-la? A verda- truturas sintaticas, pontuaçao, flexoes, ortografia e de e que as regras constituem um ideal, um esforço de significaçao das palavras possibilita ao usuario exunificaçao linguística — fundamental em documentos pressar-se estrategica e precisamente. Mesmo escritooficiais e científicos, textos jornalísticos e jurídicos e res transgressores e modernos, como Graciliano Ralivros didaticos, por exemplo. Essa necessidade, tao mos e Cora Coralina, tinham domínio das estruturas estranha a tantos, nenhum espanto causa quando levada em conta no ensino de outros idiomas. O professor de ingles, que explica as entranhas dessa língua em salas brasileiras, e visto com naturalidade; o de portugues, que faz o mesmo, com espanto. E a gramatica que mantem a coesao da escrita, impedindo o destroçamento da língua em milhares de dialetos. A fala cotidiana e dinamica, a todo momento surgem novos vocabulos, modismos, estruturas ou desvios normativos amplamente difundidos. Se dentro do Brasil a variedade de uso ja e imensa, imagine considerar os outros países que compartilham oficialmente nosso idioma: Portugal, Moçambique, GuineBissau, Guine-Equatorial, Cabo Verde, Sao Tome e Príncipe, Timor-Leste e Angola. A norma vem atras de todo esse dinamico caldo cultural, tentando — na medida do possível — absorver mudanças, organizar raciocínios e criar padroes. Mais ainda, e a gramatica que constroi pontes com o passado, pelas quais nos encontramos com autores astutos e necessarios que dividem connosco, por meio de sua obra, leituras de vida e historia. A transformaPágina 16


Ano III — Número 35 — ainda que instintivo, derivado de fontes nas quais bebiam —, de forma que a fuga da norma era por eles calculada, a fim de obter o efeito literario pretendido. Sobre a norma culta, disse sabiamente Joao Ubaldo: “Ela e necessaria para preservar e aprimorar a precisao da linguagem científica e filosofica, para refinar a linguagem emocional e descritiva, para conservar a índole da língua, sua identidade e, consequentemente, sua originalidade”. Dominar a norma e, portanto, dominar as mais refinadas ferramentas de expressao. Evidentemente, nem todos carecem conhecer as regras como instrumento de trabalho propriamente. Nem todos precisarao produzir um documento oficial. Por isso, o conceito de “erro”, nessa seara, e relativo. Se um peao graciosamente diz que vai “arremeda o jeito que o cumpadi trança as perna dispois dumas canjibrina”, espera-se seja vista aí a beleza poetica da variante. O peao nao erra, porque o conceito de erro precisa de uma referencia a qual ele se disponha a obedecer: a norma. Erra quem redige um TCC, um texto de vestibular, um artigo científico ou jornalístico, um ato jurídico e, la no meio, produz alguma ambiguidade, esquece-se de um plural, ou qualquer coisa semelhante. Mesmo assim, nao se trata de humilhar quem nao a segue, mas de reconhecer a importancia de seu domínio. Relativizar o conceito de erro nao pode ser desculpa para nao se ensinarem os meandros da língua, em todas as suas complexas e expressivas veias, e vasos, e orgaos, e tecidos. Arrancar de um povo o instrumento que lhe permite conectar-se com sua historia, com a boa literatura — compreendendo o DNA que o formou — e arrancar-lhe um pedaço do proprio espírito. (Lara Brenner, in facebook/Deonísio da Silva)

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Historia dos Bairros. REGRAS DO FUTEBOL DE CAMPINHO (1) Os dois melhores nao podem estar no mesmo lado. Logo, eles tiram par-impar e escolhem os times. (2) Ser escolhido por ultimo e uma grande humilhaçao. (3) Um time joga sem camisa. (4) O pior de cada time vira goleiro, a nao ser que tenha alguem que goste de Catar. (5) Se ninguem aceita ser goleiro, adota-se um rodízio: cada um cata ate sofrer um gol. (6) Quando tem um penalti, sai o goleiro ruim e entra um bom so pra tentar pegar a cobrança. (7) Os piores de cada lado ficam na zaga. (8) O dono da bola joga no mesmo time do melhor jogador. (9) Nao tem juiz. (10) As faltas sao marcadas no grito: se vc foi atingido, grite como se tivesse quebrado uma perna e conseguiras a falta. (11) Se voce esta no lance e a bola sai pela lateral, grite "nossa" e pegue a bola o mais rapido possível para fazer a cobrança (essa regra tambem se aplica a "escanteio"). (12) Lesoes como destroncar o dedao do pe, ralar o joelho, sangrar o nariz e outras sao normais. (13) Quem chuta a bola pra longe tem que buscar. (14) Lances polemicos sao resolvidos no grito ou, se for o caso, no tapa. (15) A partida acaba quando todos estao cansados, quando anoitece, ou quando a mae do dono da bola manda ele ir pra casa. (16) Mesmo que esteja 15 x 0, a partida acaba com "quem faz, ganha".


Ano III — Número 35 - Mensal: julho de 2020 Capital encontrou um amor, um circuito cultural novo, uma logica diferente da do capital, tao evidente nos grandes centros — onde o proprio circuito de artes e privilegiado em detrimento as cidades interioranas. Nesse sentido, as observaçoes do poeta sobre o mundo atravessam territorios, injustiças sociais, retratos, amizades, a historia e a filosofia: “Um livro que nao serve de nada, talvez para inventar um sorriso apesar de”, escreveu no material de divulgaçao.

Notas de Leitura... Depois de 10 anos preenchendo um bocado de cadernos com versos livres, Fernando Boppré finalmente nao se reconheceu em 38 poemas. Em Poço Certo, livro recem-lançado pela Caiaponte Edições, o autor assume a versao que mais gosta de si mesmo, a de poeta-escritor. A publicaçao esta a venda pela pagina da Caiaponte Edições, na Estante Virtual e na Amazon. — Meu criterio para seleçao era que quando eu lesse, nao parecesse escrito por mim. Eu gosto na escrita dessa capacidade de voce se transportar para o outro. Pode ate ter o meu ponto de vista, mas tenho que entender a logica do outro — diz. Boppre e um camaleao no contexto cultural de Santa Catarina. Historiador, pesquisador e professor, ele e reconhecido pela atuaçao no cinema, nas artes visuais, em museus, como curador e como crítico de arte. Poço Certo foi escrito e amadurecido sob o espectro de uma depressao, companheira do autor ha pelo menos 20 anos. O proprio título carrega um significado ambíguo: o lugar da tristeza que o acompanhou no processo da escrita e tambem o nome do local cuja vista o inspirou — uma queda d’agua escondida no município de Alfredo Wagner (SC). O livro e dividido em quatro partes: Evidencia e Extensao, Gente, Vicissitudes e o Epílogo, com um ultimo e unico poema. Embora feito de versos livres e libertos de formas e metricas, obedece a uma narrativa coesa, com forte presença da paisagem litoranea mesclada ao tempo de silencio que acompanhou a chegada de Fernando Boppre a Chapeco. Nascido em Florianopolis, ha quatro anos ele optou por seguir o caminho contrario da maioria: 556 quilometros a oeste da Página 18

Poço Certo (2020), de Fernando Boppre. Caiaponte Ediçoes. 72 pags. R$ 25,00


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norma, se conduz ao alcance do viajante desejoso de saciar a sede. Ou na busca de um porto qualquer, que nos faça reconhecer a propria alma em sua significativa natureza traduzida pelo silencio.” ... Adir Pacheco

Notas de Leitura... ...” O Haicai revela como buscar um novo olhar, como descobrir novas nuances da arte poetica, tambem como aprender a extrair a beleza de um singelo momento. Deve ser simples, o que nao resulta em um poema sem significado ou obscuro, ate porque, quando o poema se configura em um Haicai, acontece um efeito estetico específico: a sinceridade. A sinceridade nao pressupoe a verdade, pressupoe uma atitude”. Ana Cristina Costa ____________

_____________ O Haicai vem da escola de Basho e consolidou-se como genero nos fins do seculo XVII. Temos que eternizar um momento transitorio (na definiçao de haicai de nossa mestra Teruko Oda) em apenas tres versos com respectivamente, cinco, sete e cinco sílabas tonicas. O Haicai, tambem chamado de “Haiku” ou “Haikai”, e um poema curto de origem japonesa. A palavra haicai e formada por dois termos “hai” (brincadeira, gracejo) e “kai” (harmonia, realizaçao), ou seja, representa um poema humorístico. Essa forma poetica foi criada no seculo XVI e acabou se popularizando pelo mundo. Apesar de serem poemas concisos e objetivos, os haicais sao poemas que possuem grande carga poetica. Os escritores que escrevem os haicais sao chamados de haicaístas.

...”No decorrer de nossa leitura, 500 anos Brasil-500 Poemas Haicai da escritora Vera De Barcellos, entre Este livro de Vera de Barcellos, sera lançado no setao belas mensagens, nos deparamos com perolas de gundo semestre de 2020. alcance sublimado que nos fazem viajar aos horizontes profundos, numa conversa sutil com a alma, visualizando-se ao espelho, numa amostragem íntima de segredos nunca revelados, de segredos mascarados numa leitura da vida, ressignificando a propria intimidade, como: “Olhos de um mesmo olhar Horizontes perdidos

No fio da meada... rios!” Assim como: “Chorei... Um horizonte perdido Profundos poços d’alma!” E desta forma, nos encontramos no universo de uma alma em sua lucida compreensao do proprio desnudamento, que na poetica Página 19


Corrente d’ escrita

Inscrições abertas: entre 30/06/2020 até 13/08/2020 www.mapacultural.sc.gov.br

Também podes colaborar enviando textos para publicar (até 4 mil toques), ou fazendo criticas e/ou sugestões, para: narealgana@gmail.com Queremos um Corrente d’escrita, que corresponda às necessidades e desejos dos nossos leitores. Todos, faremos melhor. www.issu.com/correntedescrita Página 20


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Literatura Uma luz de esperança.

E VOCÊ, É RACISTA ?

A propósito do grande debate que decorre na sociedade ao nível mundial e, sobretudo, com as manifestações antirracistas que decorrem um pouco por todo o lado, trazemos aos nossos leitores um extrato do livro PECADOR ME CONFESSO, de Afonso Rocha, lançado em maio de 2019... ...“Ao entrar neste assunto do racismo, e antes que seja tarde, cabe-me assumir a minha cota-parte de responsabilidade. E isso aí, caro leitor. Como escrevi ao iniciar este “testemunho” estou aqui para confessar os meus pecados e, entre eles, e facto que, durante muito tempo, embora me declarasse antirracista, bem la no fundo de meus pensamentos, assumia posiçoes que denunciavam um fundo racista. Alias, atrevo-me a dizer que todos nós, independentemente da cor da pele e da nossa origem, temos laivos de racismo. Se nao for, de facto, se-lo-emos por omissao, por compadrio e cumplicidade, ou simplesmente porque nao nos queremos zangar com o vizinho, com o afilhado, com os familiares e outros que estao por perto.

de casta superior, e porque eles eram diferentes. Olhavamos para eles com certo desdem, desconfiança e desprezo pela cor; porque tinham, em geral, formaçao inferior; porque viviam em lugares salubres e pauperrimos; porque nao falavam portugues, ingles ou frances... Pessoalmente nunca maltratei indivíduos de cor diferente da minha e, por isso mesmo, sempre me afirmei antirracista. Mas era-o, de facto? Porque nunca manifestei repudio, nem agi contra a forma como eram tratados?

Assisti, na Africa do Sul, os nao-brancos (negros, malaios, indianos e tantos outros) serem massacrados e assassinados nas ruas das cidades de Natal, de DurConvivi, em varios espaços internacionais, com gente ban ou de Cape Town pelo mais pequeno disturbio ou de todas as cores e origens, desde brancos, amarelos, incumprimento do estatuto do apartheid, que vigoranegros, malaios, indianos, ciganos, indígenas. Com va no país. eles mantive cordialidade e ate afinidades, mas nunca Eu vi, na França da liberdade, os argelinos, os marrolevantei um dedo, uma mao que fosse, para acudir a quinos e tunisinos serem perseguidos, massacrados e um maltratado; a um apedrejado; a um castigado; a lançados ao rio Sena pelos grupos racistas mais radium marginalizado e insultado. E no entanto, quando cais, so porque eram arabes e nao se “misturavam” viajei pela Europa, pela Asia ou pela Africa, constatei o com o resto da sociedade; racismo barbaro na forma como os proprios naturais eram tratados, espezinhados e marginalizados, e nao Eu tinha, quando cumpria meu serviço militar, em so porque realizavam os trabalhos mais sujos e eram Africa, na marinha e guerra, o meu mainato negro, nossos serviçais, os nossos “obreiros” a quem remu- (aquele que lavava a roupa nas antigas colonias porneravamos com o mais baixo salario e infringíamos tuguesas em Africa, Goa, Macau) nao porque eu nao maus tratos, mas, sobretudo, porque nos julgavamos pudesse lavar minhas proprias roupas, mas porque >>>

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Literatura Uma luz de esperança. <<< se tratava de um trabalho considerado inferior, ves de racismo, no entanto, tambem nunca foram bem

digno de preto... Em Portugal, com a independencia das antigas colonias, meio milhao de portugueses foram repatriados e com eles vieram milhares de negros, mulatos e indianos, sobretudo goeses. Nao se geraram conflitos gra-

-vistos nem acarinhados como portugueses de pleno direito, que eram. Fruto de muitos anos de convivencia em Africa e na Asia eram tolerados e, em muitos casos, tidos como os bobos da corte, que realizavam os trabalhos que aos portugueses “de Portugal” menos agradavam. Convivíamos com eles porque eram necessarios, e ate os convidavamos a participar em festinhas e outras comemoraçoes, mas desde que se portassem com decência; eram tratados por “pretos”, “retornados” (um termo malquisto dado aos que retornavam ao país) e outros improperios de cunho racista ou preconceituoso... e ninguem se revoltava ou levava a mal. Enquanto que o “mal” passa ao largo, ou seja, desde que se passasse com os outros, tudo bem. No entanto, quando minha filha mais nova, na altura com 16 ou 17 anos, começou a namorar com um “preto” a coisa mudou de figura. Uma coisa e eu me envolver com negras, com indianas, com arabes, com sovieticas, e ate com ciganas... e outra coisa, era a minha filha, a minha querida filhinha, se envolver com um preto... Aí sim, fiquei ciente, de que no fundo, todos nós somos racistas, quando o que julgamos ser nosso, está em causa…”

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Ano III — Número 35 - Mensal: julho de 2020 que o proprio ensino no Paço esta voltado para os Descobrimentos. Nao e estranho que um moço-fidalgo chegue a maioridade com certa experiencia do mundo das expediçoes e veja o embarque como um destino natural. As provisoes de navios, os pormenores praticos e a tecnica nautica fazem parte do dia-a-dia de uma geraçao educada num país que concentrou grande parte dos seus esforços na sua epopeia de expansao.

O português que abriu as portas da volta ao mundo, provando que ele é, de fato, redondo.

Varios biografos de Fernao de Magalhaes, confundindo um feito heroico com um feitio igual, tem sublinhado a injustiça de Fernao de Magalhaes nao se ter tornado tambem ele, cedo, um capitao portugues. E certo que a ambiçao de Magalhaes via tal honra como um destino inevitavel, e o atraso na sua chegada como uma desconsideraçao por ele. No entanto, alem de o posto de capitao ser muito cobiçado pelas recompensas e riquezas que lhe estavam associadas, Fernao de Magalhaes teria uma preparaçao nem mais nem

Fernão de Magalhães A educaçao na corte, a ambiçao de ser navegador, as dificul- menos assinalavel do que qualquer fidalgo educado da dades em ocupar um cargo superior e a gloria que foi tam- mesma maneira. bem o seu fim. Ha 500 anos, Fernao de Magalhaes iniciou a E certo que a falta de meios do Imperio faria de quase todos viagem de circum-navegaçao. os fidalgos instruídos na ciencia nautica figuras de relevo A vida de Fernao de Magalhaes — que ha exatamente 500 nos Descobrimentos; no entanto, o processo era longo (ou, anos partiu para a sua viagem de circum-navegaçao — e pelo menos, mais longo do que aquilo que Magalhaes pareum exemplo perfeito do tipo de mobilidade social que a cia disposto a esperar) e, em todo o trato necessario para sociedade portuguesa de quatrocentos e quinhentos ofere- ganhar a benevolencia dos decisores, o futuro capitao do cia. Contra as ficçoes historicas que acantonam de um lado Trinidad revelou-se bastante inepto. nobres e do outro populares, num sistema de castas fechaCoimbra e Viseu: a disputa de poder do e impenetravel, as varias geraçoes de capitaes e exploradores portugueses oferecem um quadro muito mais incer- Uma das grandes controversias políticas do tempo de Ferto. Da mesma maneira que Afonso de Albuquerque sentiu nao de Magalhaes prende-se com a sucessao de D. Joao II. na pele a desgraça do seu nome de família (Gomide) e teve Como e sabido, D. Manuel era, a data do seu nascimento, de subir com esforço ate aos lugares mais altos da socieda- apenas o oitavo na linha de sucessao. Como e obvio, a disde, Fernao de Magalhaes tambem nao e propriamente um tancia enfraquecia a legitimidade do Duque de Viseu, D. Manuel, principalmente quando D. Joao II tinha um filho grande do reino. ilegítimo, D. Jorge, Duque de Coimbra. Ora, por muito que o Vindo de Sabrosa, de uma família da pequena nobreza, Ferinegavel direito de D. Manuel ao trono fosse fortalecido por nao de Magalhaes foi educado na corte desde os doze anos, uma classe aristocratica pouco satisfeita com os planos no tempo em que o entusiasmo da coroa pelas expediçoes centralizadores de D. Joao II, a verdade e que uma parte da marítimas e maior. Magalhaes vive no Paço a ultima decada maquina estatal ligada aos Descobrimentos estava proxima do reinado de D. Joao II, em que a ambiçao de chegar a Indo rei que tanto a alimentara e, consequentemente, do seu dia esta no auge e em que grande parte dos esforços portufilho ilegítimo, em quem viam um sucessor político de D. gueses se concentram nos Descobrimentos. Ora, o entusiasJoao II. mo pela chegada a India nao se reflete apenas no erario publico. Este e o tempo dos grandes matematicos e cosmo- A chegada de D. Manuel ao trono e, entao, marcada por uma grafos, da Aula da Esfera e da cartografia, de tal maneira tensao entre as façoes de Coimbra e Viseu, que resultam Página 23


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numa disputa cuidada pelos cargos de poder. Magalhaes, criado entre os homens de D. Joao II, e provavelmente uma vítima deste equilíbrio de poderes. As perspetivas de chefiar uma expediçao, se ja seriam difíceis com D. Joao II, eram absurdas com D. Manuel. A chegada de D. Manuel ao trono traz para a epopeia das Descobertas varias das grandes famílias tradicionais portuguesas, o que limita ainda mais as hipoteses de Fernao de Magalhaes capitanear uma expediçao de monta.

nas pelas lucrativas atividades de pirataria ou de corso, nem pela sempre prometedora açao guerreira, que tanto fazia pelo prestígio dos fidalgos, mas principalmente porque o comercio nao estava ainda organizado como Afonso de Albuquerque o viria a organizar, o que dava aos exploradores uma liberdade muito maior para agir por conta propria, contando apenas com uma tímida proteçao portuguesa, mas tambem com lucros muito maiores.

Esta, que seria sempre a grande tensao da primeira Tanto que, dez anos depois da morte de D. Joao II, tem fase do Imperio, a tensao entre Albuquerque e Soares finalmente a primeira experiencia marítima, embora de Albergaria ou Tristao da Cunha, entre um Imperio numa posiçao algo subalterna. comercial organizado a partir da coroa ou deixado a Na frota de 22 navios que D. Francisco de Almeida le- iniciativa individual, tambem teria o seu peso em Ferva ate a India, esta nao apenas Fernao de Magalhaes, nao de Magalhaes. Ganhou bastante dinheiro nos seus mas tambem o seu irmao Diogo. Ora, esta, mais do que primeiros anos na India; no entanto, viria a investi-lo uma expediçao de Descoberta, e uma expediçao de numa exploraçao malsucedida, em que os barcos naucontrolo. Destinada a estabelecer-se no Indico para fragaram e afundaram consigo a fortuna que lhe percontrolar as rotas comerciais, a frota de D. Francisco tencia. Este ainda tentou pedir a restituiçao dos seus de Almeida oferece, apesar de tudo, possibilidades bens a coroa, argumentando que o seu investimento interessantes para um navegador ambicioso. Nao ape- era do interesse da coroa, mas o seu requerimento foi, Página 24


Ano III — Número 35 - Mensal: julho de 2020 obviamente, indeferido. Parte importante do risco e Espanha e, assim, para os espanhois, muito mais alicida razao por que a coroa permitia as expediçoes parti- ante e significativa do que a perspetiva contraria. culares era o facto de nao arcar com os custos. Alem do mais, como Magalhaes explica na reuniao que Esta, porem, parece ter sido sempre uma logica difícil teve com Las Casas para apresentar o seu projeto, e de aceitar para Fernao de Magalhaes. difícil, pelo Tratado de Tordesilhas, saber em que lado Quando voltou para Lisboa, Fernao de Magalhaes ain- do globo se encontram as Molucas. So a circumda participou numas campanhas no Norte de Africa. A navegaçao permitira verdadeiramente conhecer a logica da guerra, para um fidalgo, acabava por ser pa- precisao do Tratado de Tordesilhas – para o globo esrecida com a das descobertas; o cavaleiro investia no tar dividido ao meio, convem conhecer de facto a exarmamento, nas provisoes, e ate em armas, com a tensao do globo. A viagem de Magalhaes permite, asperspetiva de um saque lucrativo. A guerra, como os sim, disputar um territorio rico que, a luz dos conheciDescobrimentos, vivia neste limbo entre o controlo da mentos da epoca, estaria em territorio portugues. A coroa e a iniciativa de homens ambiciosos, que benefi- perspetiva de entrar nas Indias Ocidentais acaba por ciavam de bastantes liberdades na hora das recom- ser, entao, fundamental para Carlos V. pensas. Acontece que Magalhaes, mais uma vez, deuse mal em Azamor, acabando por perder a montada, que mais uma vez nao foi paga como Magalhaes julgava que merecia. Para mais, Magalhaes acabou por se envolver num processo confuso de venda dos despojos de guerra, que pouco fez pelo seu prestígio. E, entao, natural que, quando apresenta a D. Manuel a sua ideia de chegar pelo Ocidente as Ilhas das Especiarias, o Rei recuse. Tem diante dele um fidalgo truculento, arruinado, com queixas de todos os lugares por onde passou; a ideia de financiar uma expediçao dispendiosa que, para mais, nao tem imensa utilidade ja que os portugueses conseguem, de Malaca, chegar as Ilhas das Especiarias, nao e propriamente entusiasmante. D. Manuel recusa e Magalhaes volta-se entao para o Rei de Espanha. E certo que esta decisao acaba por se revelar um erro para Portugal; no entanto, e possível que D. Manuel nao medisse ate que ponto e que o projeto de chegar as Ilhas das Especiarias, ou Molucas, podia ser importante para os espanhois. A navegaçao portuguesa era bastante diferente da espanhola. Enquanto Portugal montou um Imperio baseado no comercio, Espanha montou um Imperio baseado na posse. Daí que, enquanto para os portugueses era conveniente o segredo, quer dos locais onde as especiarias eram mais abundantes, como daqueles em que o comercio estava estabelecido, para Espanha a notícia era uma forma de confirmaçao da posse. A navegaçao portuguesa e, por isso, muito mais secreta. A perspetiva de um navegador portugues ao serviço de Página 25

Fernao de Magalhaes nao tera a vida facilitada para montar a sua expediçao, que partiu a 20 de setembro de 1519. Desde o enlouquecimento do seu cosmografo Rui Faleiro, a intromissao constante da Casa de la Contratacion, todo o processo foi difícil. Magalhaes tambem se envolveu em todo o tipo de questiunculas (a mais famosa prende-se com o hastear de uma bandeira com as armas da sua família, que muito indignou os espanhois, a ponto de provocar uma rixa em que um dos seus pilotos foi esfaqueado) que se revelariam fatais no seu destino; o destino da expediçao e conhecido: apesar de nao ter chegado ao seu objetivo, excedeu-o; tambem a fama de Magalhaes transcende, em muito, o seu desejo de uma gloria demasiado pequena para ele. Continua pág. 28


Ano III — Número 35 - Mensal: julho de 2020

Assistimos quase indiferentes ao assalto dos bárbaros, mas haverá de chegar o dia em que teremos saudades de como eram civilizados os tempos que vivemos no nosso passado.

Se ainda nos lembrarmos deles. José Manuel Fernandes *

tencia de certos monumentos e constituída sobretudo por jovens universitarios. So que em vez de terem sido habituados a pensar, foram ensinados a discorrer sobre verdades adquiridas. As novas multidoes de hoje saem a correr de campus universitarios onde ja nao se valoriza o dialogo intelectual e muito menos qualquer referencia moral, antes se propagam “narrativas” e “discursos” de poder. E por isso que de repente tudo e posto em causa, porque e isso que pretendem os “papas” que mandam hoje nesse mundo universitario. As estatuas, ensinamse essas luminarias, sao afinal “involuntarias testemunhas” que dao continuidade no presente ao “poder que no passado originou as destruiçoes e as injustiças”. E esse poder, explicam-nos, “e o capitalismo, o colonialismo e o patriarcado, tres formas de poder

Bárbaros ou antirracistas? Os barbaros nao estao as nossas portas porque ja nao existem portas. A frase nao e minha, mas de um influente colunista americano que antes recordava a definiçao dada por Jose Ortega y Gasset do que e um barbaro: alguem que se julga no direito de nao ser razoavel, alguem que pensa que nao tem de se explicar mas apenas de impor as suas opinioes. Olhamos a nossa volta e ha de facto muitos sinais de regresso aos tempos inquietos (1929/1932) em que o filosofo espanhol escreveu a mais conhecida das suas obras “A Rebeliao das Massas”. E nao, nao me refiro a pandemia que assola o mundo sem fim a vista quando falo de tempos inquietos, mas a esta especie de desregramento sem limites que tem como expoente maximo a furia anti-estatuas nos Estados Unidos (mas nao so) e como contraponto a habitual boçalidade de Trump. So que agora as “massas” nas quais os indivíduos se diluem, as multidoes que os engolem, ja nao sao formadas por trabalhadores semi-letrados, como aqueles que Mussolini ou Estaline mobilizavam no tempo em que Ortega y Gasset escreveu o seu famoso ensaio – agora a turbamulta que ata cordas as estatuas para as derrubar ou que se diz “ofendida” pela simples exisPágina 26

articuladas que dominam ha quase seis seculos”. Nao, nao estou a inventar, estou a citar: Boaventura Sousa Santos dixit. Se pensarmos cinco segundos – acho que nem precisamos de chegar ao sexto segundo – percebemos que nada aqui e ciencia, tudo aqui e “narrativa”, tudo aqui sao slogans alinhados em funçao da causa do momento, que calhou ser George Floyd. Ha uns meses tinha sido Greta Thunberg, havera sempre de ser a Palestina, a Venezuela tem dias e a altermundializaçao ja teve melhores horas. Na verdade o “patriarcado” – ou deveria estar a escrever antes “hetero-patriarcado”? – e uma aquisiçao recente de um lexico que tem cada vez menos a ver com qualquer discurso de racionalidade e sempre mais a ver com a obsessao revolucionaria de fazer tudo de novo, do “papel em branco”, de atirar todo o passado para aquilo a que antes mais simploriamente se chamava “o caixote do lixo da historia”. No entanto, que pensar quando lemos um colunista estabelecido do New York Times sugerir que todos os monumentos aos Pais Fundadores dos Estados Unidos devem ser removidos do espaço publico, incluindo aqueles que celebram George Washing-


Ano III — Número 35 - Mensal: julho de 2020 trincheiras na Flandres). Mas o Churchill cujo exemplo quero que as geraçoes futuras recordem e o que enfrentou e derrotou o nazismo e o fascismo e aquele que depois tambem soube fazer frente ao comunismo, sempre em nome da liberdade.

Pedro Ávares Cabral—São Paulo

No entanto, que pensar quando lemos um colunista estabelecido do New York Times sugerir que todos os monumentos aos Pais Fundadores dos Estados Unidos devem ser removidos do espaço publico, incluindo aqueles que celebram George Washington? O pecado apontado e, naturalmente, o de ter possuído escravos, um pecado que entre nos nos obrigaria a questionar Camoes (ou nao possuísse ele o escravo Jau) e porventura a banir “Os Lusíadas”.

Temos de ter consciencia de todos os nossos herois – acho que nao exagero ao escrever a palavra todos – tem sempre um lado sombrio ou, no mínimo, polemico. Vejamos o caso do nosso Vasco da Gama, que faz companhia a Camoes nos Jeronimos, e que e recordado por ter comandado a armada que primeiro viajou ate a India. O que menos conhecem e a forma cruel como incendiou e afundou um barco com peregrinos que seguia para Meca, matando mulheres e crianças, um acto que mesmo na epoca foi considerado uma selvajaria. Vamos por isso remove-lo do seu tumulo? Na verdade este debate nao fez sequer sentido. Ao olharmos para o passado havera sempre factos a que daremos mais importancia do que a outros, e essa leitura dos factos pode mudar com o tempo e o lugar. Necessitaremos sempre de referencias, de herois e de mitos, mesmo sabendo que ha sempre um “outro lado” e procurando ter dele um conhecimento informado. O que nao precisamos e de uma cultura de ressentimento para quem por definiçao tudo o que foi feito pelo homem ocidental e pecaminoso, senao mesmo criminoso. A cultura da tal “narrativa” universitaria que hoje se impoe de forma totalitaria.

O que se esquece e aquilo que faz de George Washington uma figura ímpar na historia dos Estados Unidos e, porventura, da Humanidade: ter feito a Revoluçao, ter sido eleito Presidente e ter saído pelo seu pe do poder apos dois mandatos. Quantos líderes revolucionarios, naquela epoca e depois, fizeram o mesmo? Poucos: a maioria transformou-se em ditadores, algo que ainda hoje acontece. Se nao o tivesse feito provaE dessa cultura que nasce a ideia de que Portugal, Lisvelmente a democracia americana teria soçobrado. boa, “ja constitui um enorme museu do colonialismo a Naturalmente que quando olhamos para as figuras ceu aberto”, pois “entre rotundas, praças, ou instituihistoricas, para os nossos herois, so se estivermos çoes como a Sociedade de Geografia, qualquer transeprofundamente iludidos podemos esperar encontrar unte e repetidamente exposto a uma gramatica visual homens perfeitos – homens perfeitos pelos criterios sem fim dos homens ‘heroicos’ e dos seus feitos”. Esta dos tempos em que viveram mas sobretudo homens aproximaçao, típica de quem esta mergulhada no veperfeitos pelos criterios dos tempos em que vivemos. neno academico das universidades americanas, de Mas aquilo que faz a grandeza dos herois sao as suas quem acredita que Historia se deve escrever sempre virtudes, nao sao os seus defeitos; sao os seus triun- com letra pequena (da mesma forma que agora a palafos, raramente sao as suas derrotas. vra “Black” passou a ser sempre escrita com letra E por isso que nao vou naturalmente celebrar os dife- grande nos Estados Unidos quando referida a qualrentes Churchills que uma longuíssima vida publica quer aspecto da comunidade ou cultura negra…), e a revelou, nem esquece-los, ate porque o proprio foi um decorrente de uma das “narrativas” dominantes, a da dos raros políticos capazes de levar as ultimas conse- “culpa” que temos de espiar por pecados que, por acaquencias o assumir dos seus erros (depois do desastre so nos, ocidentais, ate fomos os primeiros a identifida Gallipoli, na I Guerra Mundial, foi combater para as car, combater e eliminar, como o pecado da escraviPágina 27


Ano III — Número 35 - Mensal: julho de 2020 A chegada as Filipinas parecia um dos grandes feitos da viagem. Ja passado o estreito de Magalhaes, a chegada a um porto seguro, numa terra rica dominada por um povo que se revelou acolhedor, deve ter parecido a Magalhaes uma bençao divina. Os cronistas criticam a sua decisao de combater em Mactan, numa batalha contra Lapu-Lapu que se revelaria fatal para o capitao da armada. A tripulaçao tinha acabado de converter uma grande parte da populaçao de Cebu e tinha ate indícios de que, dali, poderia chegar as Molucas; quase todas as Ilhas de Lazaro (nome que Magalhaes deu as Filipinas) prestaram vassalagem a Magalhaes e converteram-se, emocionadas, ao cristianismo. Que Magalhaes tenha arriscado a sua vida na luta contra uma pequena tribo, apenas para mostrar a um chefe rival o poderio espanhol, e de uma ironia raramente vista. A batalha resultou numa chacina da tripulaçao cansada e doente que, mesmo com armamento superior, nao conseguiu resistir ao muito maior numero de guerreiros de Lapu-Lapu. Com Magalhaes morreu o seu filho ilegítimo, que tambem estava na armada e mais umas dezenas de tripulantes penhorados na malograda exibiçao da força espanhola.

vidao, o pecado da discriminaçao, o pecado da opressao, o pecado do subdesenvolvimento. Nao tenham por isso ilusoes. Agora descobriram as estatuas e e contra elas que dirigem a sua furia. Muitas dessas estatuas poucos nos dirao e, em processos democraticos, ate votaríamos pela sua remoçao. Mas nao nos esqueçamos da “narrativa” sempre recorrente dessa voz tambem sempre omnipresente que e Boaventura Sousa Santos. Tal como noutros tempos, no famoso poema, depois de virem pelos comunistas, vieram pelos socialistas, depois pelos sindicalistas, depois pelos judeus, ate que chegaram ao proprio quando ja nao havia ninguem a quem pedir ajuda, tambem neste processo de sistematico desmantelar de todas as referencias intelectuais e morais, quando um dia nos quisermos agarrar a alguma coisa verificaremos que a nossa volta so restarao barbaros com quem nenhum debate sera possível.

Magalhaes morreu humilhado e derrotado, e nem por isso a sua gloria postuma sofreu. A insignificancia da derrota no seu destino postumo prova a pouca importancia que a vitoria teria tido. Mas Magalhaes, mais uma vez, mostrou que nem ele proprio estava a altura Nessa altura eles ficarao com tudo, a sociedade perdaquilo que alcançou. tencer-lhes-a.

Nessa altura teremos saudades de como foram civilizados os anos de paz que vivemos no nosso passado. Se ainda nos lembrarmos deles.

* José Manuel Fernandes—jornalista, diretor do OBSERVADOR, Portugal. Página 28


Ano III — Número 35 - Mensal: julho de 2020 pois disse ao Antonio Ferro: Gostei de conhecer a criaturinha. Isto que as pessoas acharam que era ofensivo, a mim nao me ofendeu nada. Eu era mesmo uma criaturinha e continuo a ser.» «E tudo mentira!»

AMÁLIA RODRIGUES, se viva, faria 100 anos. Na adolescencia Amalia vibrava com Greta Garbo no ecra de cinema, bebia vinagre e punha-se nas correntes de ar, para ficar tuberculosa como a sua heroína. Pensava frequentemente em suicidar-se, para que reparassem nela, para que tivessem pena. A primeira vez que desejou morrer tinha dezoito anos. Tomou veneno para ratos e foi-se por a porta do Chico, um torneiro mecanico por quem se tomara de amores e que a ”desenganara”. Foi uma vizinha que a acudiu dando-lhe a beber azeite quente. Tratou-se do desgosto de amor mas nao se veria livre de uma tendencia para a depressao e subitos ataques de tristeza. Ainda experimentou o sabor do petroleo e das cabeças de fosforos, mas quis o destino que nunca fosse bemsucedida. Safou-se ela e safamo-nos nos!

Muitas calunias e mentiras se inventaram relativamente a Amalia. Foi acusada de alcoolica, deram-na como gravida do rei Humberto de Italia e amante de Salazar, disseram que havia um tunel entre Sao Bento e o quintal da sua casa, que assassinou Humberto Delgado, que era informadora da PIDE, que tinha feito diversas plasticas… Pronto, em relaçao as plasticas... talvez. «A paixao e uma doença, faz muito mal» Bonita, elegante, sedutora, fotogenica, de forte personalidade, emancipada, Amalia despertou as mais acesas paixoes. Teve muitos homens atras de si a quem tinha dificuldade em dizer que nao estava interessada. Eles insistiam enquanto Amalia se tentava esquivar: «Eles faziam-me a corte e eu nao era capaz de dizer que nao gostava deles. Arranjava umas desculpas que lhes davam sempre uma margem para avançarem mais. Nao era capaz de dizer: Eu nao gosto de si. Para nao os deixar assim tao mal, inventava historias, fazia uma serie de aldrabices.»

O banqueiro Ricardo Espírito Santo, «um senhor mui«Senhor presidente, mande-me embora, que eu ja to alto, muito louro, muito bonito», apaixonou-se por quase nao tenho bichos» Amalia e introduziu-a no meio aristocrata apoiando-a Amalia idolatrou Salazar como muitas raparigas do na preparaçao das primeiras grandes tournees interseu tempo que nao resistiam ao charme paternal do nacionais, nomeadamente, atraves de contactos com ditador. Via-o como «um príncipe encantado»: «Era agentes e empresarios. Levou-a a Roma, a um antiquaum homem bonito, bem constituído, poderoso, e eu rio, para lhe mostrar obras de arte, ficando comovido seguia-o embevecida, como se olhasse o Tejo, rumo ao com a sua intuiçao para reconhecer a verdadeira arte. Oferecia-lhe flores e chegou a emprestar-lhe dinheiro mar.» Mandou a Salazar umas quadras despretensiosas, de para comprar um predio, mas Amalia nunca o amou, gosto popular, a acompanhar um ramo de flores, chegando mesmo a ir a igreja pedir a Deus que a fizesquando este esteve doente. Encontrou-se com o Presi- se apaixonar-se por ele. dente do Conselho duas vezes: uma, em 1966, na inauguraçao da ponte sobre o Tejo, outra, quando conseguiu, atraves de Antonio Ferro, que o líder a recebesse: «Lembro-me que tinha um fato de saia e casaco preto e levava umas martas. E eu so enrolava as martas, ate que lhe disse: Senhor Presidente, mande-me embora, que eu ja quase nao tenho bichos. E ele dePágina 29

Cedo percebeu que a felicidade amorosa nao existia para ela, excluída que foi pela excecionalidade. Amalia confessou, em entrevista, so ter estado apaixonada por dois homens durante a sua vida: o primeiro marido, Francisco Cruz, e Eduardo Pita Ricciardi, um homem «muito bonito, muito bem, campeao de tenis», com quem viveu durante dez anos, e de quem quase


Ano III — Número 35 - Mensal: julho de 2020 Na Grecia, e depois em toda a Europa durante a Idade Media (essa e outra historia que vou contar pra voces depois), a trança foi adotada pela maioria das mulheres. No início do seculo XV, com a escravidao das sociedades africanas, o cabelo exerceu a importante funçao de condutor de mensagens. Nessas culturas, o cabelo A HISTÓRIA das TRANCINHAS era parte integrante de um complexo sistema de linguagem. A manipulaçao do cabelo era uma forma reA Trança Africana, especificamente a nago, e bastante sistencia e de manter suas raízes. Coisa que nos dias antiga na Africa. Penteados com tranças abrangem um atuais vem tendo um grande poder nao so nas mulheamplo terreno social: religiao, parentesco, estado, ida- res e sim na sociedade como um todo. de, etnia e outros atributos de identidade podem ser As tranças serviram como pano de fundo de diversos expressados em penteado. Tao importante quanto o movimentos como, Marcha dos Direitos Civis nos Esdesenho e o ato da trança, que transmite os valores tados Unidos, o aparecimento de movimentos negros culturais entre as geraçoes, exprime os laços entre como o Black Power e os Panteras Negras, que lutaamigos e estabelece o papel do medico profissional. vam pelos direitos e enaltecem a cultura afro. Ha uma grande variedade de estilos tradicional de African United movimento que visa a volta dos negros tranças africanas, que vao desde curvas complexas e as suas raízes espirais para a composiçao estritamente linear. Pode Na decada de 70, em meio ao movimento hippie, a culparecer estranho olhar um modelo de trança e comparar a geometria, mas estes sao os estilos bastante tradicionais na Africa. A matematica faz parte do penteado Africano e, como muitos outros africanos no Novo Mundo (escravidao), o conhecimento sobre ele sobreviveu. Termos etnicos como Nagos, Angolas, Jejes e Fulas representavam identidades criadas pelo trafico de escravos, e cada termo continha um leque de tribos escravizadas de cada regiao. Nago era o nome dado a todos os negros da Costa dos Escravos que falavam o Ioruba. Mas muita gente nao sabia que as divisoes e reconhecimentos de cada um era feito devido a seu penteado que contem sempre um mapa para ajudar nas suas longas caminhadas e traçados. Página 30


Ano III — Número 35 - Mensal: julho de 2020 minante. Nao e porque esta na moda que devemos sair fazendo sem saber de onde veio e sua historia. Todo lugar tem sua cultura e deve ser respeitado. Usar tranças designa origem e demonstra o orgulho por sua historia. “Minhas tranças sao minha coroa, nunca diga que ta tentando criar coragem de fazer um dia no carnaval, pois minha historia nao e fantasia.” – Juliana Henrik Obs.: os dreads nao vieram da Jamaica, do movimento Rastafari ou com Bob Marley, e sim da India. Mas foram os jamaicanos que propagaram o penteado. A palavra dreadlock usada pelos Rastas vem da uniao das palavras lock (o penteado com tranças) e dread (a pessoa que usa a trança). Juliana Henrik Web: A voz das comunidades

tura negra ficou em evidencia. Movimentos negros originados da reuniao de seus afro descentes mostraram sua marca e cultura. Alem do Black Power, as tranças e os dreadlocks, tambem se destacaram. O movimento Hippie, com sua variedade, possibilitou a diversidade de culturas. E naquela epoca, os afrodescendentes ficaram em evidencia, mas foi pelo ano 2000 que as tranças dominaram, fazendo a cabeça de todo mundo e com isso vieram as apropriaçoes culturais. Apropriaçao cultural e a adoçao de alguns elementos específicos de uma cultura por um grupo cultural diferente. Ela descreve aculturaçao ou assimilaçao, mas pode implicar uma visao negativa em relaçao a aculturaçao de uma cultura minoritaria por uma cultura doPágina 31


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Fotos com História

Fila para o “orelhão” e calças à boca de sino…. quem lembra?

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Observe os exemplos abaixo: Houve muitas manifestaçoes contra o governo. No mes de setembro houve muitas mudanças aqui na empresa. Houve mais participantes mulheres do que homens no concurso para Juiz Federal. Voce ouve muita musica sertaneja, mas lembro que ja houve tempos que gostava de samba. Da mesma forma ocorre com o verbo “fazer”. Quando ele tem o sentido de tempo decorrido ou de fenomenos atmosfericos, e impessoal, ou seja, nao tem sujeito e nao flexiona, permanece no singular. Veja alguns exemplos: Faz dez anos que nao como carne vermelha. Faz sete dias que ele nao da notícias. Os pontos nos is Todo o nosso trabalho é por amor à camiseta, ou seja, totalmente gratuita. Não temos “trabalhadores” e muito menos funcionários. Também não somos “profissionais” apesar de tudo fazermos para apresentar um trabalho bem feito e com o mínimo de erros e lacunas. Também não cobramos dinheiro por postar qualquer texto, divulgar qualquer livro ou evento que nos mereça esse cuidado. E, por arrasto, quem colaborar connosco também entra para o clube, ou seja, dos que trabalham por amor à camiseta. A administração.


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Corrente d’ escrita é uma iniciativa do escritor português, radicado em Florianópolis, Afonso Rocha, e tem como objetivo falar de livros, dos seus autores, suas organizações e das atividades que estejam relacionadas com a literatura , a história e a cultura em geral. Chamaremos para colaborar com o Corrente d’ escrita escritores e agentes literários, a qualquer nível, cuja colaboração será exclusivamente gratuita e sem qualquer contrapartida, a não ser, o compromisso para divulgar, propagar e distribuir este Magazine Literário. O envio para publicação de qualquer matéria (texto ou foto) implica a autorização de forma gratuita. As matérias assinadas são da responsabilidade exclusiva de seus autores e não reflete, necessariamente, a opinião de Corrente d’ escrita. As imagens não creditadas são do domínio público que circulam na internet sem indicação de autoria. As matérias não assinada são da responsabilidade da redação.

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Cartas dos leitores...

- Seu conto é um primor, você descreve lugares como poucos conseguem. Isabelle Valadares tem um texto que dá vontade de beber. Muito bom.

Meu caro Amigo,

Aproveitando: uma sugestão para Dicas de Português: o uso do verbo haver com o sentido de existir. Por incrível que pareça, esta quarentena está me dando menos tempo do que tinha antes, apesar de Todo santo dia vejo alguém pluralizando o verbo, e ter parado de pedalar meus 500 a 600 km por mês ela também o faz duas vezes no texto ("haviam muitos pobres..." e "já haviam nobres no Concomo fazia antes (mas vou recomeçar, pois sinto falta). Mas hoje, quando recebi a Corrente d'Escri- go"). Seria muito bom explicar para o povo que ta, deixei as outras coisas de lado para dedicar-me não "haviam" problemas, não "houveram" problemas, não "haveriam" problemas e não" haverão" a sua leitura, e foi uma delícia. problemas, simplesmente porque não há plural no verbo haver com sentido de existir. Fica a sugesPela ordem: tão. - O artigo sobre pandemias é muito útil. Durante anos trabalhei como voluntário na prevenção de AIDS e sei bem o flagelo que foi e, em partes, ainda Donald Malschitzky é. - A entrevista com Rolim de Moura, muito bem feita, cria uma empatia necessária. - Dia desses voltei a publicar crônica sobre a Língua Portuguesa; se fosse agora, teria muito mais subsídios. Artigo espetacular. Para acabar de vez com as dúvidas em torno do uso de “Houve” ou “Houveram”, de- Acho Márcio de Souza sensacional e há tempos vemos saber que o verbo “haver”, no sentinão soube mais nada dele; a lembrança de Deonído de existir ou de tempo decorrido, é imsio sobre "Galvez, Imperador do Acre" resgatou pessoal. uma boa memória; - Olsen Jr., meu quase conterrâneo, continua uma Ver outras explicações na página 33. fera. - Muito pertinentes as dicas de escrita.

Houve ou houveram?


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Número 33 - maio 2020 ESCREVA COM O CORAÇÃO

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