Corrente d'escrita n.º 38

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Ano III — Número 38 - Mensal: outubro de 2020

Corrente d’Escrita Plantando Cultura * Santa Catarina * Brasil

www.issuu.com/correntedescrita

185 anos

1.º CENTENÁRIO

1920 2020


Editorial

Corrente d’Escrita

Atrever-me-ia a dizer que os escritores catarinenses estarão em festa. A Academia Catarinense de Letras, a mais antiga do estado, sem dúvida alguma, completa, este ano—a 30 de outubro, 100 anos de honrosa existência. Por esse fato, neste número da Corrente d’escrita, trazemos não só matéria relacionada, como maior número de comparticipações dos escritores com presença já habitual nas nossas páginas.

E a pandemia continua. Continua limitando a atividades com a presença física, nomeadamente dificultado comemoração de aniversários; lançamento de livros; planeamento de atividades; festividades, etc. Vamos alimentando a esperança que tudo se normalize rapidamente, apesar das oportunidades abertas com o uso da via digital. Para este número de outubro trazemos os já habituais contos e crônicas; temas da nossa história (biografia de Caramuru, um achado histórico de Machado de Assis— biografia de Pedro II); a posição da igreja católica durante a ditadura militar; o latifúndio na sociedade brasileira; questões da língua portuguesa e dicas sobre leitura. E ficamos por aqui, começando já a planejar o Corrente de novembro que, como já costumamos fazer, será o último de 2020. Como habitualmente nos meses de dezembro e janeiro não haverá publicação, uma vez que a maioria das atividades literárias dos escritores e leitores, estarão mais vocacionados para comemorações de final de ano, se bem que este ano, todos iremos ficar mais limitados. Esperamos que também este mês o Corrente vos agrade, corresponda às expectativas geradas e aqui ficamos no aguardo de vossas criticas e/ou sugestões. Afonso Rocha Página 2


de 2019

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A passagem do 1.º centenário da ACL é, para nós escritores e amantes das letras, motivo de orgulho. Criada em 1920, a ACL tem sido o baluarte da literatura no estado, pese embora todas as dificuldades e períodos de passividade. Entretanto, muitas outras academias viram a luz do dia e todas elas nos orgulham como seu saber fazer literário e acadêmico.

ACADEMIA CATARINENSE DE LETRAS A Academia Catarinense de Letras (ACL) foi fundada a 30 de outubro de 1920. A sua sede funciona na Casa Jose Boiteux, localizada na Avenida Hercílio Luz, no centro de Florianopolis.

Em 2020 a ACL tem tres mulheres como membros: Lelia Pereira da Silva, cadeira 26; Urda Alice Klueger, cadeira 2 e Maria Tereza de Queiroz Piacentini, cadeira 21, existindo tres cadeiras por preencher: 4, 7 e 22.

A entidade foi a primeira do genero no Brasil a admi- Ate dezembro de 2011 a Academia funcionou no Centir a presença de mulheres, com as escritoras Maura tro Integrado de Cultura, e ganhou sua sede propria de Senna Pereira e Delminda Silveira. no ano seguinte. Nas novas instalaçoes tambem funciCom o objetivo de fomentar a produçao literaria e ona o Instituto Historico e Geografico de Santa Cataricongregar os homens de letras em Santa Catarina, na (IHGSC). O predio historico passou por varias resurgiu em 30 de outubro de 1920 a Sociedade Catari- formas, sendo completamente restaurado no ano de nense de Letras, a partir de convite do jornalista, his- 2010.

toriador e advogado Jose Boiteux, nascido em 1865.

Em 2017, com apoio da Lei Rouanet, foi lançado o doA ideia ja havia sido lançada por duas vezes na decada cumentario “Letras Catarinas – a trajetoria de uma anterior pelo entao jovem escritor Othon da Gama Academia” que reproduz de forma didatica e simples Lobo d'Eça, mas nao vingou. Em 1924, inspirando-se a existencia do sodalício, mostrando sua historia atrana Academia Brasileira de Letras, a sociedade passa a ser denominada Academia Catarinense de Letras. Na Nome: ACADEMIA CATARINENSE DE LETRAS epoca ainda estavam vagas dezesseis das quarenta Residência: Casa José Boiteux, Centro, Fpolis cadeiras. Naturalidade: Catarinense Ao contrario de outras academias semelhantes, a ACL Profissão: escritores contou com mulheres em seus quadros desde o início, Data de nascimento: 30/10/1920 sendo Delminda Silveira a primeira titular da cadeira Estado civil: indiferenciada de numero 10, e Maura de Senna Pereira da cadeira Redes sociais: www.facebook.com/academiacatarinensedeletras 38. Página 3


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ves de atores que representam seus principais nomes, seja, membros novos so podem ser escolhidos apos o alem de depoimentos e registros historicos, com a falecimento de algum membro atual. duraçao de vinte e cinco minutos. O processo de escolha do novo membro principia com A ACL realiza sessoes ordinarias sempre nas ultimas a publicaçao de edital comunicando o início das inssegundas-feiras de cada mes; dentre as reunioes ex- criçoes para a eleiçao, que se da pela maioria simples traordinarias ha a "Sessao da Saudade", realizada dos votantes, em escrutínio secreto. Quando presiapos o falecimento de algum de seus membros e em dente, Pericles Prade, apresentou ao Silogeu a sugessua homenagem. Os encontros ocorrem no salao do tao de mudança do processo de votaçao, pois a ausenedifício que possui uma mesa para a diretoria, posta- cia de quorum para a obtençao da maioria (em trinta da a frente de cadeiras onde ficam os demais aca- e nove cadeiras, por exemplo, um dos candidatos teria demicos e visitantes, e ladeada pelas bandeiras do que ter vinte votos) implicava na repetiçao do pleito, estado, do Brasil e da capital catarinense o que poderia se prolongar indefinidamente, como (Florianopolis). ocorrera no ano de 2012 e em anos seguintes; para Marcada aparentemente pela informalidade (em con- que alguem seja candidato e necessario haver escrito trapartida a Brasileira, com o formalismo dos um livro ou participado de publicaçoes como estudos, "fardoes") qualquer dos presentes pode participar, reportagens ou textos literarios em coletaneas. opinando sobre os temas em debate na sessao. Diretoria no biênio 2018-2020

No mes de dezembro ocorre um jantar solene de enPresidente: Pinheiro Neto cerramento do ano academico, com premiaçao dos Vice-presidente: Moacir Pereira destaques literarios. Secretaria: Maria Tereza de Queiroz Piacentini A Academia Catarinense de Letras e composta por Tesoureiro: Joao Carlos Mosimann quarenta escritores nascidos ou que fizeram sua his- Conselho Fiscal: Joao Nicolau Carvalho; Pericles Pratoria em Santa Catarina. As cadeiras sao vitalícias, ou de e Salomao Ribas Junior. Página 4


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E com pena, e ate com magoa, que nao publicamos a entrevista acordada e combinada, em devido tempo com o presidente Pinheiro Neto, alusiva ao 1.º Centenario da Academia. Em seu lugar reproduzimos materia publicada pela NSC a 17 de outubro 2015, aquando do 95.º aniversario da ACL. As escritores, o nosso trabalho e a Corrente d’escrita, pelo que temos feito, mereciam maior consideraçao. Mas, enfim, a vida e a vida, e continuemos em frente.

Em maio de 2014, a entidade recebeu R$ 50 mil da Fundaçao Catarinense de Cultura (FCC), via programa orçamentario Pro-Cultura. Foi a parcela inicial de um contrato de R$ 200 mil. Mas o repasse das seguintes foi bloqueado por problemas na prestaçao de contas da primeira parte. - Ela foi elaborada, mas com consideravel atraso. Ainda faltam alguns documentos. Alem do afastamento do presidente, o tesoureiro da entidade, o escritor Amílcar Neves, teve problemas de saude e outros pessoais. Isso sem considerar as questoes burocraticas do Estado - afirma o vice-presidente da ACL, o poeta Pinheiro Neto.

Diante disso, a Academia nao pode receber nenhum outro repasse de verba. O valor era para ser aplicado em atividades como editoraçao de livros. Era. Cerca Entre trancos, dívidas e barrancos, a instituiçao mais de R$ 30 mil da primeira parcela foram usados para antiga de Santa Catarina tenta voltar a ser referencia pagar indenizaçao a uma ex-funcionaria que moveu açao trabalhista contra a instituiçao por falta de pagaem letras e literatura no Estado mento. Jornalista, historiador e advogado, considerado o patrono do ensino superior em Santa Catarina, José Boi- - Essa prestaçao esta pronta. Tem uma serie de procedimentos e e tudo feito por meio da internet. Isso teux (1865 - 1934) foi o fundador da ACL. eventualmente traz complicaçoes. Problemas com Instituiçao cultural mais antiga de Santa Catarina, a senhas, por exemplo, ja que o presidente Salomao fiAcademia Catarinense de Letras (ACL) completa 95 cou doente e so ele tinha esses dados - justifica Amílanos nesta semana com muitos planos para o futuro. car Neves. Traz a reboque, no entanto, restriçoes orçamentarias, COMO FUNCIONA atrapalhaçoes administrativas, um site fora do ar, goteiras e mofo no imovel historico que lhe serve de se- A ACL mantem-se com a anuidade de R$ 200 paga pede em Florianopolis, alem das dificuldades de eleger los academicos, valor que da conta de despesas rotinovos imortais para ocupar sete de um total de 40 neiras. Para a realizaçao de projetos e eventos, a insticadeiras (1). O desafio maior e voltar a ser referencia tuiçao elabora anualmente um planejamento e encana cultura, cumprindo o objetivo de cultivar e promo- minha a FCC solicitando os recursos financeiros para a viabilizaçao. ver a língua e a literatura do Estado. Ontem o tradicional encontro realizado na ultima segunda-feira de cada mes para o cafezinho (Cha das Cinco e so na Academia Brasileira de Letras!) e parlatorio literario foi adiado para amanha, quando os academicos comemorarao o aniversario da entidade. A celebraçao sera singela, com discurso e entrega de uma premiaçao simbolica aos destaques da literatura em 2015.

- E sempre muito conturbada a relaçao com o governo. Muito depende da força e prestígio político do presidente para se conseguir recursos. O valor de R$ 50 mil veio do Funcultural, mas essa dotaçao orçamentaria nao seria a ideal - diz o tesoureiro Amílcar Neves.

Atualmente a ACL conta com dois funcionarios. Uma secretaria e um responsavel pela biblioteca. Visitantes podem consultar as obras de segunda a sexta-feira, Com o atual presidente, Salomao Ribas Junior, afasta- das 14h as 17h. Ha projeto para abrir o espaço para do do cargo ha mais de tres meses em razao de pro- estagio de profissionais de biblioteconomia. blemas graves de saude, a diretoria da gestao eleita Alem dos encontros mensais, todas as quintas-feiras no ano passado esforça-se para manter a instituiçao ocorrem reunioes da diretoria. Nas terças e quartasviva e executar projetos e ideias ate o final do ano. feiras sao os plantoes da tesouraria e da secretaria - o Entre os planos esta a reativaçao do site e a publica- da presidencia e de segunda a quinta, para atendiçao da Revista da ACL em novo formato - ja pronto e mento a compromissos internos e externos. Durante o com projeto grafico menos careta que os anteriores. mes tambem sao realizadas reunioes das assessorias Falta so o dinheiro para a impressao. Página 5


Ano III — Número 38 - Mensal: outubro de 2020 de eventos e ritualística, efemerides, jurídica, avalia- livros nos terminais), aproximaçao com a Unisul e ouçao institucional e patrimonio. tras universidades com sede em Florianopolis—avalia Dos 33 academicos, 10 estao doentes e quatro moram Pinheiro. em outras cidades, reduzindo o numero de partici- Para o proximo ano as prioridades sao aproximaçao pantes ativos. com instituiçoes congeneres e com as escolas, alem de retomar a ediçao do Congresso Estadual das AcademiOS PROJETOS EM 2015 as e das Associaçoes de Escritores de Santa Catarina. Alem das homenagens e sessoes especiais ao sesquiGOTEIRAS E MOFO centenario de Jose Boiteux (1865 - 1934), fundador da entidade, a ACL planejou pequenas açoes para co- A Casa Jose Boiteux, numero 523 da Avenida Hercílio memorar os 95 anos. Entre elas a renovaçao da gale- Luz, e um imovel historico da decada de 20 que abriga ria de fotos dos ex-presidentes, academicos e patro- a Academia e o Instituto Historico e Geografico de nos (muitos quadros estao com o vidro quebrado); Santa Catarina (IHGSC). Foi cedido por 99 anos pela montagem de sala de pesquisa e a reorganizaçao da Secretaria de Estado de Turismo Cultura e Esporte e biblioteca. Fundaçao Catarinense de Cultura, em 2011, e cabe ao - A primeira fase, que foi a limpeza dos títulos, ja esta Governo do Estado a manutençao. terminada. Os passos seguintes serao catalogaçao do- A ultima reforma foi feita em 2010, mas o casarao cumental e digitalizaçao - diz o vice-presidente Pi- apresenta problemas serios de infiltraçao e goteiras. nheiro Neto. Um calha quebrada faz com que a agua inunde a copa Ha outras açoes, ainda em fase embrionaria, que de- e atinja o porao, onde estao muitas livros ainda encaimandam parceria como o Nenhuma Escola sem Bibli- xotados.

oteca, o Nenhum Município sem Obras de Autores Ca- Segundo a FCC, a manutençao da casa e feita perioditarinenses e o Letras Catarina - A Trajetoria de uma camente, com enfase quando algum problema pontual Academia, cujo objetivo e resgatar a historia da ACL. e detetado e nao ha previsao para nova reforma. - Apesar do problema financeiro, a Academia conseguiu desenvolver varios projetos. Foi firmada parceria com a Secretaria Municipal de Educaçao de Florianopolis para atuaçao no Floripa Letrada (estantes de

José Boiteux, fundador da Academia

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- Fomos notificados verbalmente na ultima semana. A FCC ja acionou a empresa responsavel para realizar a manutençao. Assim que o período chuvoso se estabilizar, os reparos necessarios serao realizados, de acor-


Ano III — Número 38 - Mensal: outubro de 2020 do com o cronograma estabelecido para este e outros 6: Hugo Mund Junior - poeta e artista plastico espaços que necessitem tambem de melhorias - infor- 7: Vaga mou a Fundaçao por meio da assessoria de imprensa. 8: Apolinario Ternes NOVOS IMORTAIS 9: Joao Nicolau Carvalho - advogado, jornalista e escriNao e qualquer pessoa que entra para o seleto grupo tor de imortais da ACL. Sao apenas 40 vagas vitalícias. Ocupar uma cadeira quer dizer fazer parte de um tra- 10: Julio de Queiroz - filosofo, tradutor e escritor balho de valorizaçao da historia literaria de Santa Ca- 11: Olsen Jr. - jornalista e escritor tarina. 12: Edson Ubaldo - advogado, poeta e escritor Para preencher e preciso cumprir um ritual demorado. Alem de inscrever-se no edital, o candidato deve ter expressao no meio cultural do Estado, ter livro publicado, formalizar sua intençao por meio de requerimento dirigido ao presidente, preencher ficha de inscriçao e anexar tres exemplares dos trabalhos publicados. Apos 30 dias o prazo de inscriçao, uma comissao analisa a documentaçao deferindo ou nao cada candidatura e entao e marcada a data da eleiçao.

13: Jose Artulino Besen - padre e escritor 14: Jose Isaac Pilati 15: Celestino Sachet - advogado e escritor 16: Laerte Sílvio Tavares 17: Gilberto Gerlach - historiador e cinefilo 18: Jose Curi - filosofo e escritor

19: Sergio da Costa Ramos - advogado, ensaísta, cro- Ha detalhes, entretanto, que nao estarao nos editais nista e crítico literario nem explícitas no processo eleitoral, mas que sao es- 20: Miro Morais, escritor senciais a qualquer um que pretenda ser um membro, 21: Maria Tereza de Queiroz Piacentini como cultivar a língua vernacula e defender os valores da cultura nacional e estadual, especialmente no 22: Vaga campo literario; ter a consciencia de que antes de 23: Flavio Jose Cardozo - jornalista e escritor qualquer coisa e preciso escrever literatura - roman- 24: Liberato Manuel Pinheiro Neto - jornalista, profesce, novela, conto, cronica, poesia; produzir pesquisas, sor e poeta ensaios, estudos, críticas sobre artes plasticas, literatura, folclore, cinema, historia, cotidiano, cultura etc. 25: C. Ronald, escritor e artista Apos o ingresso, todo academico precisa ter compro- 26: Lelia Nunes, escritora misso com a instituiçao. E prudente menos empafia e 27: Pedro Bertolino - filosofo e poeta mais humildade. E ter consciencia da imortalidade 28: Pericles Prade - advogado, jornalista e escritor academica - explica Pinheiro Neto. Os editais para as cadeiras 5, 36 e 40 estao abertos 29: Napoleao Xavier do Amarante-advogado e escritor

(1). Antes de lançar o edital para as outras quatro va- 30: Jali Meirinho - historiador e jornalista gas, a ACL ainda precisa cumprir o ritual estatutario, 31: Joao Jose Leal, escritor que sao as sessoes de saudade (uma para cada imor32: Amílcar Neves - engenheiro, escritor e cronista tal). 33: Silveira de Souza - jornalista e escritor (1) Estas cadeiras ja foram preenchidas, como se vera pela lista anexa, tendo-se aberto, 34: Osvaldo Della Giustina - filosofo, jornalista e histoentretanto novas vagas para as cadeiras 4, 7 riador e 22. 35: Rodrigo de Haro-poeta, pensador e artista plastico 36: Jose Carlos Mosimann QUEM SÃO OS ATUAIS ACADÊMICOS?

37: Artemio Zanon - advogado e poeta

1: Edy Leopoldo Tremel - advogado e escritor 2: Urda Alice Klueger - historiadora e escritora

38: Salomao Ribas Junior - radialista, advogado, político e escritor

3: Moacir Pereira - jornalista, advogado e escritor

39: Gilberto Callado de Oliveira - escritor

4: Vaga

40: David Gonçalves - escritor

5: Deonísio da Silva Página 7


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Imortais são as obras

Academia de Imortais Por quê? Ad immortalitatem, do Latim, quer dizer para a imortalidade”. E o lema de muitas academias e da Academia Brasileira de Letras, fundada em 1897, que, mesmo sendo de um país lusofono, nao quis tomar por modelo a Academia das Ciencias de Lisboa, fundada na noite de Natal de 1779, cujo lema, tambem em Latim, e outro: Nisi utile est quod facimus stulta est gloria (Se nao e util o que fazemos a gloria e tola). Serviu-lhe de modelo, curiosamente, a Academia Francesa, que tem seu lema em frances: “A l’immortalite”, do Frances, a imortalidade, presente no selo oficial mandado fazer por seu fundador, o cardeal Richelieu, entao primeiro-ministro da França (Seculo XVII). Academia, do Grego academia pelo Latim academia, e palavra composta de ekas, longe, e demos, povo, isto e, longe do povo, separado dele. Designou originalmente um terreno perto do cemiterio de Atenas onde estava a estatua do heroi Academos, guarnecida por cem oliveiras, e onde tinha sido erguido um altar a Atena, a principal deusa da cidade-estado e que por isso lhe dava o nome: Atenas. Como os deuses eram imortais, os academicos passaram a ser considerados assim tambem, por obras que, como os atos de deuses e de herois, fariam com que fossem lembrados eternamente. Era nesse bosque que Platao perambulava ensinando filosofia a seus discípulos. Ele tinha 390 alunos, dois dos quais eram mulheres disfarçadas de homem para poder entrar: Asioteia de Filos (muito bela) e Lastenia de Mantineia (menos bePágina 8

la), professora de Socrates. Platao ensinava ali porque as leis nao lhe permitiam erguer um predio no centro de Atenas para este fim. A saída jurídica foi comprar o terreno onde estavam as estatuas de Apolo, de Atena e de outros deuses e herois, inclusive das musas, aos quais ele e seus discípulos renderiam cultos e isso nao era proibido.

Quando Platao morreu, Aristoteles fundou o Liceu, do Grego Lykeion, da luz, assim chamado em homenagem ao deus da luz, Apolo Lykeion, palavra que tornou lyceum em latim e liceu em portugues. Pela manha, os estudos eram esotericos, isto e, so para os iniciados. A tarde, eram exotericos, para quem quisesse. Muitas historias e lendas rondam a Academia Brasileira de Letras. O poeta Olavo Bilac, perguntado por um jornalista porque os academicos eram imortais respondeu: “porque nao tem onde cair mortos”. Mas isso deu-se bem antes de os academicos terem seu mausoleu no Cemiterio Sao Joao Batista, um espaço dedicado somente a seus restos mortais. Todavia os restos mortais de Machado de Assis e Carolina foram trasladados so depois que foi autorizada a entrada feminina. Durante muito tempo Machado nao esteve ali porque seus herdeiros nao permitiram que ele fosse sem Carolina. Mario Quintana perdeu tres eleiçoes e nunca entrou para a Academia. Carlos Drummond de Andrade e Erico Veríssimo jamais se inscreveram, o que faz lembrar a comparaçao com um hospício: muitos do que la estao nao sao; e muitos dos que sao nao estao. O que pode tornar os escritores imortais são suas obras. Deonísio da Silva é escritor e professor, Membro da Academia das Ciências de Lisboa, da Academia Catarinense de Letras e membro honorário da Academia Paranaense de Letras.


Ano III — Número 38 - Mensal: outubro de 2020 bispo Dom Joaquim Domingues de Oliveira, determinando aos padres da sua Diocese que dessem ampla divulgaçao a Proclamaçao do presidente da Republica e do ministro da agricultura pelo “Aumento da Produçao Nacional”.

Covid-19 e o Agronegócio Brasileiro “Em se plantando, tudo da”. Pero Vaz de Caminha nao escreveu bem assim. Mas, na sua Carta, disse ao rei Dom Manuel que esta “terra em si e de muito bons ares e, de tal maneira, graciosa que, querendo-a aproveitar, dar-se-a nela tudo, por bem das aguas que tem aqui”. Naquele momento da nossa historia, Caminha nao tinha ideia da imensidao e da riqueza natural da terra conquistada. Mas, parece que o escrivao da esquadra de Cabral carregava consigo uma bola de cristal. Foi mesmo um verdadeiro profeta. Tanto, que a historia economica brasileira tem confirmado a sua profecia. Primeiro, foi o Ciclo do Pau-Brasil, ate esgotar a nossa reserva florestal dessa arvore que deu nome a naçao brasileira. Depois, veio a cana-de-açucar, entao preciosa especiaria, cultivada pelas maos calejadas e sangradas de um exercito de escravos negros de dorso lanhado, nas fazendas dos coroneis nordestinos.

Dizia o bispo que “a vida terrestre dos homens” e um dos fins da Igreja e que os agricultores brasileiros tinham o dever de trabalhar mais para aumentar a produçao de alimentos, a fim de evitar ou minimizar os horrores da fome causada pela tragedia da primeira guerra mundial. Nao era so uma questao de solidariedade humana. Dom Joaquim tambem dizia que a demanda por alimentos tinha aumentado muito e os preços eram “altamente compensadores”. O Brasil, nao e mais um país essencialmente agrícola como no passado. A industria e o setor de serviços sao, tambem, importantes fatores da riqueza economica brasileira. E Brusque encontrou o caminho da industrializaçao, com predomínio do setor textil e, agora, da confecçao. Hoje, o mundo nao esta em guerra. Nao houve proclamaçao presidencial nem pedido do bispo para o aumento da produçao agrícola nacional, como aconteceu em 1917. No entanto, a Covid-19 e como se fosse uma tragedia mundial. Esta causando um enorme estrago nas economias nacionais.

Ha escassez de alimentos e a fome, que sempre atingiu Mais tarde, ja no seculo 19, porque açucar e cafe se os povos mais pobres, vai certamente aumentar. completam, foi a vez das imensas plantaçoes que transformaram o Brasil no maior produtor mundial Novamente, como ha cem anos, a produçao de graos e carnes, parece despontar como a salvaçao da econodesse grao, tambem chamado de “ouro verde”. mia brasileira. Agora, e a hora e vez da grande riqueza produzida peJoão José Leal lo agronegocio do Centro Oeste brasileiro. Quando Membro da Academia Catarinense de Letras/SC vemos aquelas modernas e sofisticadas maquinas agrícolas trabalhando em meio a extensas plantaçoes de perder de vista, colhendo milhoes de toneladas de graos, parece que Caminha tinha razao. Realmente, somos um país vocacionado para a agricultura e a produçao alimentos. A nossa Brusque tambem foi criada para ser uma colonia agrícola. E assim foi ate as primeiras decadas do seculo passado. Tanto que, na sua ediçao de 19 de dezembro de 1917, a Gazeta Brusquense publicou uma Circular do Página 9


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Enquanto os especialistas mostravam os galoes dos seus saberes, a praga galgava fronteiras, territorios, continentes... E nada barrava seu caminhar. As autoridades foram alertadas: nao ha veneno que extermine o avanço impetuoso da praga, que entretanto, por alto decreto da OMP, virara em galopante pandemia.

Alguns funcionarios, tecnocratas de alto escalao, olharam para o lado, assobiaram pro alto com sorrisos embaciados, gozaram com o saber dos cientistas e tecnicos entendidos e, em vez de se prepararem, em vez de preparem todos os canteiros, todos os criadouros de rosas perfumadas Quando as rosas morrem multicoloridas contra as pragas, deixaram-nos ao As rosas, segundo alguns entendidos no assunto, abandono e, mais grave, tudo fizeram para minie a rainha dos jardins, dos canteiros que alegram mizar seu poder mortífero. os quatro cantos do mundo. Nao sei se e rainha Os jardins começaram a perder cada vez mais roou se e rei porque lhe desconheço o macho, mas o sas, cada vez mais capacidade de resistencia e, em certo, e isso posso testemunhar, e que existem muitos casos, os cheiros a rosas perfumadas demilhares de variantes de rosas por tudo quanto e sapareceram da face da terra. lugar desde as estepes caucasianas, ate ao deserto de Atacama, passando pelas europas, americas, Começaram por dez, dez mil... cem mil, ate que, ocenias e por todos espaços aqui nao menciona- quando se deu conta, se tinha atingida o numero dos; que sao velhinhas, cultivadas ha mais de cin- astronomico de varios milhoes. co mil anos, apesar de ja se ter encontrado fosseis Tamanha razia so possível pela incuria dos que governam, dos que nao ouviram a ciencia falar e com trinta e cinco milhoes de anos. Acontece que os roseirais sao a alegria de todos nao cumpriram com o mais elementar do ser huque tem a ventura de respirar seus aromas e mano: defender a natureza que nos permite resapreciar o veludo multicolorido de suas petalas. pirar e acautelar a vida, nao so das rosas, das plantas, mas tambem da propria vida humana. Acontece que as nossas rosas estao a morrer. A sua, a do seu vizinho e a de todos nos. Tudo começou pros lados do sol nascente. Primeiro foram em poucos numeros, mas depois foram aumentando, ate que virou numa praga, primeiro localmente, depois nacional e, em pouco tempo, invadiu o globo terrestre. Reuniram-se os grandes especialistas em floricultura e reuniu a Organizaçao Mundial das Plantas (OMP). Sim, o caso e grave, concluíram! Página 10

Afonso Rocha Membro da Academia de Letras de Biguaçu/SC e da Academia Internacional de Ciências, Letras e Artes de Cruz Alta/RS


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DIÁRIO DE UM HIPOCONDRÍACO Hilton Gorresen * Durante muitos anos mantive um relacionamento diario com a Neusa. Santa companheira! Foi sempre um alívio para minhas afliçoes e aborrecimentos. Que Neusa? Ah, sim, esqueci-me de apresentar: Neusaldina. Mais recentemente fui apresentado a um simpatico casal: a alema Frau Hernia e o britanico Mr. Parkinson. Casal perfeito. Enquanto uma me travava os movimentos, o outro me deixava como uma pilha de energia. Nada como os opostos. Esses dias, iniciei negociaçoes com um notavel cidadao de origem arabe, o senhor Al Zheimer. Meu círculo de boas amizades tem se ampliado ultimamente.

ta uma quadrinha publicitaria nos assentos de onibus no início do seculo 20: Veja, nobre passageiro. O belo tipo faceiro que voce tem a seu lado E, no entanto, acredite, quase morreu de bronquite Salvou-o o Rhum Creosotado. Estou redigindo este diario aos poucos, conforme me permitem as condiçoes físicas. Sempre tive vontade de escrever um livro contando minha sofrida passagem por este mundo. Se nao fosse a tremedeira nas maos, a dor nas costas, o glaucoma, e se as hemorroidas me permitissem sentar, faria... o que mesmo?... * Membro da Academia de Letras Joinvilense

Meu calculo renal mereceu um registro no Guiness Book. Isso foi ha uns tres anos, mas minha marca ate hoje nao foi ultrapassada. O bendito do calculo e maior do que o proprio rim. Mas nao tem nada, continuo seguindo em frente. Isso, claro, quando nao tenho crise de labirintite, e costumo entao andar em ziguezague. Hemorroidas? Nem me falem! Esses dias – culpa do Sr. Al Zheimer – acabei escovando os dentes com a pomada Hemovirtus. Imaginem o que fazer com a pasta de dentes... Andava uns tempos me sentindo mal, com sobrepeso, ocasionado pela tireoide; felizmente sobreveio o diabetes que em pouco tempo me afinou o corpo, deixando-me elegante qual um dançarino espanhol. Somente nao saí dançando para comemorar o novo físico por causa da artrose no joelho e do esporao no calcanhar. Foi tamanha a alegria que pensei em dar um grito para o mundo saber de minha sorte. Infelizmente, um acesso de bronquite me provocou espasmos de tosse tao violentos que quase vai junto a dentadura. Atualmente, estou inaugurando o Museu dos Medicamentos. Conservo em meu poder remedios que nao existem mais ha decadas: Antisardina, Urodonal, Phimatosan, Lugolina, Pílulas de Vida do Dr. Ross. O mais badalado, e por isso sofro constante assedio dos colecionadores, e o Rhum Creosotado, sobre o qual foi feiPágina 11

Fernando Pessoa


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O HOMEM COM O ISQUEIRO NO BOLSO

A polícia ronda, procura. Patroes formaram patrulhas, milícias. Estao armados. Procuram-no como agulha no [conto] palheiro. Por isso, ele ja nao anda pela estrada poeirenta. Ziguezagueando nas trilhas do cafezal seco. PerQueimaram quinze celeiros naquela primavera-verao, cebe que alguem o acompanha, espreita-o, perseguindepois da geada negra. do. Um tanto gordo. Forma de barril. Oculos de fundo Pela estrada poeirenta caminha o homem com um is- de garrafa, sujos. Parece míope. queiro velho enegrecido no bolso. Esta armado, pronEle aperta os passos e o isqueiro enegrecido no bolso, to pra guerra. nervoso. Aquele celeiro? – indaga o perseguidor, suanTudo seco. O verde, a geada levou. Maldita geada. Tor- do. Mas ele nao responde. O po vermelho e seco esrou tudo. A poeira fina penetra nos olhos. Uma cama- trangula. Nao se lembra? Voce trabalhou la na colheita da de poeira paira sobre a paisagem seca esbugalhada. de cafe, diz o homem. Tenta se lembrar. Puxa os fios Depois da geada, o sol ardente impiedoso. Ha carroças da memoria. Ah, sim. Foi picado por uma cascavel, o e caminhoes transportando mudanças. Famílias aban- patrao te salvou, lembra-se? Ah, sim. Nao, ele diz, donam os sítios. Para onde? Para alguma vila misera- aquele celeiro nao. O patrao foi bom amigo. Voce e vel. Agricultores tristes nas carrocerias. Homens e trouxa, molengo – diz o homem gordo, suando e limmulheres e crianças balançam pelas estradas, sacole- pando os oculos de fundo de garrafa. O suor poreja. A jando. Os tratores reviram a terra seca, soberanos. goela salta sobre a galharia do cafezal seco. A bola de Monstros de ferro. Fazer o que na cidade? Ninguem fogo incendeia o horizonte, avermelhando. O horizonsabe. te e um monte de lenha seca. “Culpem quem quiser” – diz o fazendeiro. “Eu vou Na estrada de po, carroças e caminhoes carregam carplantar soja ou criar gado.” gas – mobílias, animais e gente. O exodo. Para onde “Pra onde vamos?” – bradam os colonos. “O senhor vao? Para a miseria, seu idiota – diz o homem ainda limpando as lentes dos oculos. Anoitece. O que vao nao pode fazer isso?” fazer la? Ser boia-fria, seu idiota. Comer o pao amassa“Isso, o que?! Sao minhas essas terras.” do pelo diabo. Pela estrada poeirenta caminha o homem enraivecido. Toda semana, ele queima um celeiro. Raiva de que? De Os caminhoes farejam com as luzes amareladas a orla quem? Dos patroes? Do governo? De si mesmo? De dos cafezais secos. Um lagarto rajado e magro corre Deus? O odio o devora. Mastiga sal grosso no cocho. entre o folheiro. A noite come caminhoes, carroças, Um diabo chupando manga verde. Babando. Rindo. E animais e gente. A noite nao tem braços nem rosto. So boca. Junto, caminha o homem enfurecido com um o riso e torto. isqueiro enegrecido no bolso. Toda noite, as nuvens incendiadas descem a terra, queimando. Formam-se no horizonte em fogo, a tarde, Numa carroça, uma menininha segura no colo uma espalham-se pelo ceu negro. Depois, elas descem. boneca de palha de milho; a boneca esta suja, os cabeQuerem roubar furtivamente os palitos da caixa de los trançados, frios e quebradiços. Ao entardecer, fosforos em seu bolso, mas a caixa esta vazia. Resta, aquela família parece bebes de sabugo de milho; suas apenas, o isqueiro enegrecido. As nuvens vermelhas roupas estao coladas a pele e a menina coça os pes, e o burro cansado nem anda. Num balaio velho ha tres nao queimam os campos ressequidos. So os celeiros. gatinhos enrodilhados em roupas de boneca. Outra Queimam o celeiro por onde ele suou como peao vomenininha balança o balaio como berço. Indiferentes, lante e meeiro. Aquele – quando menino ele cortava os gatinhos dormem. Borboletas saem voando, de um cana para o gado. Este – quando rapazote ja taludo, fio d’agua morrendo, sobre o capim seco, dançando que espiava os homens e a mulheres jogando baralho sobre a galharia espetada para o ceu na tarde morna. e dançando. Aquele la – ja adulto, insultado pelo paContinua página seguinte >>> Página 12


Ano III — Número 38 - Mensal: outubro de 2020 embora saibamos ou deveríamos saber que isso e impossível: uma vez gasto, ja era. E la estamos, usandoo como achamos melhor, mesmo quando voluntariamente nao fazemos nada alem de curti-lo, e somos assaltados por quem nao traz nada de bom e, sem nos pedir licença, se a dona do que nao e dele.

MÃOS AO ALTO Cronica de

Ha muitas formas de praticar esse delito, uma delas tao comum que a achamos normal: a falta de pontualidade. Os atrasados, ressalvadas eventuais justificativas, tiram pedaços de vida das pessoas pontuais que esperam por eles. Alguns ate acham charmoso chegar tarde para se dar importancia.

Estamos entrando em epoca de campanhas políticas, reinventadas, por certo, devido a pandemia, mas os Donald Malschitzky princípios de respeito sao os mesmos que se espera Academia de Letras Joinvilense de quem aspira exercer um cargo publico com a confiança do povo, embora haja aí uma grande dose de ilusao. Nao sei quem o disse ou escreveu pela primeiHora marcada, todos avisados, tudo pronto. Nada de ra vez, mas creio ser uma boa ideia aos candidatos: começar. Os convidados pontuais nao dao muita mos- “Antes da hora nao e hora, depois da hora, nao e hora, tra de se incomodarem, mesmo ja tendo passado mui- hora e hora”. to do horario. Esperam por um convidado especial ______________________________________________________________ conhecido pela impontualidade e perdoado por isso Homem com o isqueiro (cont)... como se fosse normal, natural e nao engordasse. Quando chega, bem mais de uma hora atrasado, nao Fogo! Alguem grita. La, naquela grota. Entao ja gritam faltam sorrisos e, mesmo risadas ao primeiro comen- dois. Todos gritam. Os homens correm com baldes. tario, possivelmente nada divertido, do ilustre impon- Labaredas lambem a noite. Chamas sao cascaveis lamtual. O som das batidas nas costas, sinal de intimidade, bendo algumas estrelas tímidas. Línguas compridas, enche o ambiente. E continuam os cumprimentos em incertas. meio de nem tao discretos “chega pra la”. E o relogio Na estrada poeirenta e escura, carroças e caminhoes nao para. carregam as cargas – mobílias, animais e gente. O hoAtrasado, atrasado e meio: interminaveis discursos mem com o isqueiro enegrecido no bolso se enfileira precedidos de imensos leques de citaçoes dos nomes na cobra rastejante na noite abafada. Aperta o isqueide uma pleiade de presentes, com as inevitaveis ro enegrecido no bolso. Sim, quinze celeiros queimaomissoes constrangedoras, finalmente, horas apos o dos. Por uma semana, sua raiva descontrolada desaplanejado, termina a cerimonia sem que faltem cum- parece. O perseguidor guarda os oculos de fundo de primentos a precisao na escolha das palavras e coisas garrafa no bolso. Tateia as cegas. Esta feliz? – indaga o homem gordo em forma de barril. Ele nao responde, assim, e todos estao contentes ou fingem estar. caminha rastejando na noite abafada. No balaio velho, Parece apenas mais um desses eventos a que estamos os gatinhos dormem. acostumados, e e, mas e muito mais do que isso: sem David Gonçalves que os personagens se deem conta, estao sendo rouMembro da Academia Catarinense de Letras bados, sendo-lhes surripiado seu bem mais precioso, e da Academia de Letras Joinvilense melhor e unico que possuem: seu tempo. Dizemos que e preciso recuperar o tempo perdido, Página 13


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Antologia ou Coletânea?

Na sequência de nosso texto de setembro sobre este tema: antologia ou coletânea, voltamos ao assunto com um artigo do escritor catarinense Artêmio Zanon (1).

________________ Breve estudo da origem das palavras – Significados teoricos – Exemplos de uso adequado. Conclusao. Uma Academica(2), durante o transcurso do II Congresso Estadual de Academias de Letras e Associaçoes de Escritores (dias 22 e 23 de outubro de 2008 – tendo como local o Auditorio da Academia Catarinense de Letras e como tema: Quem escreve HOJE em Santa Catarina – Conhecer para Integrar, com paineis sobre Poesia, Conto, Romance, literatura Infantojuvenil e Cronica), me aborda e indaga a respeito da diferença entre antologia (exemplificando com certo tipo de publicaçoes feitas por academias de letras ou associaçoes de escritores, independentemente do lapso de tempo entre uma e outra ediçoes, em cuja obra sao publicados textos – v. g. poema (s); conto(s); cronica (s); ensaio(s), e outros generos comportaveis para certo espaço previsto, por evidente, entao, nao parte deles e coletanea (tambem título de publicaçao, no caso, coletiva de produçao literaria dessas entidades). Uma resposta dada de pronto, nao me satisfez (e, creio, que a ela). Assim sendo, a pesquisa e uma posiçao final: Antologia, do grego anto ou antho – flor; e log, logos, logia – estudo, palavra. Antologia – coleçao de flores. Em grego, trata-se de uma coleçao de trabalhos literarios, geralmente poemas, agrupados por tematica, autoria ou período. A palavra vem do nome da mais antiga antologia que se tem conhecimento, organizada pelo poeta grego Meleagro(3). Coletanea, em sentido estrito, pode ter duas aplicaçoes: uma: ccoletanea musical: seleçao de cançoes de diferentes albuns; e coletanea literaria: seleçao de contos, cronicas, poemas e afins. Antologia, s. f. Do grego anthologia. Tratado das flores. Coleçao de flores. Figurativo: escolha, coleçao, de poesias. Coleçao de trechos em prosa e verso; seleta; crestomatia. (Verbete. Dicionario da Língua Portuguesa de Candido de Figueiredo4, 14ª ediçao, volume I, Livraria Página 14

Bertrand, Lisboa, Portugal / Editora Merito S.A., Rio de Janeiro, Brasil). Coletanea, s. f. Excertos seletos e reunidos de diversas obras. Coleçao de varias obras ou de varias coisas. (Verbete. Dicionario da Língua Portuguesa de Candido de Figueiredo, 14ª ediçao, volume I, Livraria Bertrand, Lisboa, Portugal / Editora Merito S. A., Rio de Janeiro, Brasil). Antologia, s. f. Do grego anthologia. Parte da botanica, em que se estudam as flores; tratado das flores; coleçao de flores; figurativo, coleçao de trechos de bons autores, crestomatia, seleta. (Verbete. Dicionario da Língua Portuguesa, volume I, Editora Globo, Rio de Janeiro, Porto Alegre, Sao Paulo, 1959). Coletanea, s. f. Excertos seletos e reunidos, de uma ou varias obras, de um ou de diversos autores; antologia; por extensao, coleçao (de varias coisas). (Verbete. Dicionario da Língua Portuguesa, volume I, Editora Globo, Rio de Janeiro, Porto Alegre, Sao Paulo, 1959). Antologia [do grego anthologia.] S. f. 1) Tratado acerca das flores. 2) Coleçao de trechos em prosa e/ou em verso; analecto. Crestomatia, florilegio, espicilegio, seleta, parnaso. 3) Por extensao. Coleçao de trechos selecionados de filmes, ou de obras musicais, etc (Novo Aurelio – O Dicionario da Língua Portuguesa – Seculo XXI, Editora Nova Fronteira, 2ª impressao, Rio de Janeiro, 1999). Coletanea. [Do latim collectanea.]. S. f. Conjunto de excertos seletos de varias obras. (Novo Aurelio – O Dicionario da Língua Portuguesa – Seculo XXI, Editora Nova Fronteira, 2ª impressao, Rio de Janeiro, 1999). Antologia s.f. (1858, cf MS(5) 1) BOT estudo das flores 2) coleçao de flores; florilegio 3) (1858) coleçao de textos em prosa e/ou em verso, geralmente de autores consagrados organizados segundo tema, epoca, autoria etc. 4) livro que contem essa coleçao. ETIM gr. Anthologias ´açao de colher flores, coleçao de trechos literarios`; ver ant(o)-e-logia; f.hist.1858 anthologia. SIN/VAR analecto, cataleto, coletanea, crestomatia, espicilegio, florilegio, grinalda, pacarpia, parnaso, seleta. HOM antologia (fl. Antologia). (Verbete. Dicionario Houaiss da Língua Portuguesa. Objetiva, Rio de Janeiro, 2001, 1ª ediçao). Coletanea s.f. (1563 cf. HPint(6) 1) conjunto de trechos seletos de diferentes obras. 2) coleçao de varias obras ou coisas. ETIM lat. Collectanea, ´apontamentos ou extratos colhidos de varios livros`; (...); SIN/VAR ver sinonímia de antologia. (Verbete. Dicionario Houaiss, obra ja citada). Como tenho em torno de vinte dicionarios (e alguns deles em mais de um volume), atenho-me apenas a mais dois: Dicionario Escolar das Dificuldades da Língua Portuguesa (publicaçao da PENAME – Fundaçao


Ano III — Número 38 - Mensal: outubro de 2020 Nacional de Material Escolar, 1963, Rio de Janeiro – Guanabara): Antologia – Tratado das flores. Florilegio, polianteia, coletanea (literaria), seleta, crestomatia. Coletanea – antologia, florilegio, polianteia, seletea; apanhado, ramalhete. E Dicionario da Língua Portuguesa, 2004 (Dicionario Editora, Porto Editora Lta, Portugal, 1952): Antologia s. f. 1) coleçao escolhida de trechos em prosa e/ou verso do mesmo ou de diferentes autores; selecta; 2) estudo das flores. 3) coleçao de flores; florilegio. (Do grego anthologia. ´colheita de flores`. Coletanea. Em Dicionario da Língua Portuguesa, 2004, nao esta verbetada esse substantivo. Do exposto, creio que seja facil (e se nao ficou claro que se proceda a uma leitura mais atenta), fazer-se a (des)necessaria diferença (pelo que ha de ser conteudo de uma e outra). Verdade que alguns dicionaristas, filologos, nao sao claros; outros copiam-se e outros sao mais objetivos, o que e normal em toda manifestaçao cultural. Em antologia, a ideia ficou clara (ao menos para mim): trata-se de compendio no qual sao reproduzidos (pelos mais diversos criterios de escolha, direcionamento, tema, etc), trechos do conjunto de obras de um autor (aqui trato do escritor); ou de trechos de um livro (para que com eles se possa elaborar uma antologia). Em coletanea, a ideia e bem diferente (ao menos para mim): trata-se de um compendio no qual sao publicados (pelos mais diversos criterios de escolha, direcionamento, tema, etc), o texto completo do poema, do conto, da cronica, etc, em geral composiçao inedita (para que com ele se possa elaborar uma coletanea). Por estes exemplos, nao havera mais duvida: Exemplo um: Roteiro Literario de Portugal e do Brasil – Antologia da Língua Portuguesa: volume 1 – portugueses e volume 2 – brasileiros. Qual e o conteudo dessas antologias? Apenas trechos (ou um soneto completo, evidentemente!) dos escritores lusos desde Pai Soares de Taveiros a Carlos Queiros (Editora Civilizaçao Brasileira S. A., Rio de Janeiro, 1966) e desde Padre Jose de Anchieta a Artur Ramos (idem). Exemplo dois: Antologia Escolar Portuguesa (1ª ediçao, FENAME – Fundaçao Nacional de Material Escolar/Ministerio da Educaçao e Cultura, Rio de Janeiro, 1970). Apenas com trechos (ou um ou mais sonetos completo, evidentemente!) dos escritores lusos desde Dom Dinis a Sebastiao da Gama e Antologia Escolar Portuguesa (1ª ediçao, FENAME – Fundaçao Nacional de Material Escolar/Ministerio da Educaçao e Cultura, Rio de Janeiro, 1970). Apenas trechos (ou um ou mais sonetos completos, evidentemente) dos escritores brasileiros desde Anchieta a Carlos Pena Filho (tudo Página 15

depende do espaço, do tema, do proposito do “organizador”, do “estudioso”, etc). E o que, entao, ha de ser uma coletanea? A resposta e simples: uma publicaçao (no caso literaria), geralmente coletiva, na qual se dao a lume textos ineditos e sem “cortes” , ou seja nao em trechos (embora, a criterio do autor, as vezes pode ser apenas um trecho (ou excerto), nos diversos generos. Assim deveriam ser nominadas as publicaçoes das instituiçoes de letras – v. g. Academias, Associaçoes literarias, etc. Com esta ressalva: e perfeitamente viavel, entao, que com as seguidas publicaçoes em forma de coletanea, e tendo havido varias publicaçoes, nao seja possível publicar-se uma antologia de tais coletaneas (o que, em nao poucos casos, e recomendavel, para melhor e sempre presentificaçao dos autores e seus escritos). _________ (1) Artemio Zanon, 68. Escritor e Jurista. Da Academia Catarinense de Letras, da Academia Desterrense de Letras e da Academia Sao Jose de Letras. (2) “Uma Academica...”. Trata-se da escritora Deyse de Abreu Teodoro, autora de Fragmentos de Emoçoes (Poemas. Editora Secco, Florianopolis, SC, 2007, 112 paginas). (3) Meleagro na mitologia grega era irmao de Dejanira, ambos filhos de Eneu, o rei de Calidon. Logo apos seu nascimento, sua mae ficou sabendo que, quando a tora que estava na lareira fosse consumida, Meleagro morreria. Assim, ela apagou o fogo com agua e escondeu a tora. Anos mais tarde, quando Meleagro matou seus dois tios, irmaos de sua mae, esta lembrou-se da profecia e jogou a tora no fogo, causando assim a morte de seu filho. (4) Antonio Candido de Figueiredo nasceu em Lobao da Beira Tondela, 19 de setembro de 1846 e faleceu em Lisboa, em 26 de setembro de 1925. Foi um filologo e escritor portugues. Autor do Novo Dicionario da Língua Portuguesa originalmente publicado em 1899 e depois alvo de multiplas reediçoes ate ao presente. Foi um dos fundadores da Sociedade de Geografia de Lisboa e socio correspondente da Academia Brasileira de Letras. (5) MS – em Dicionario da Língua Portuguesa (...) por Antonio de Morais Silva, 1 ediçao Lisboa, 1789. Verbete. Seguiram-se mais de dez ediçoes. (6) HPint – em Imagem da Vida Christam per dialogos como membros de sua composiçam. Compostos por Frey Hector Pinto, frade Ieronymo (1 parte, 1563). Artêmio Zanon Da Academia Catarinense de Letras


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Hora do Poema...

O Amor

O AMOR, quando se revela, Nao se sabe revelar. Sabe bem olhar p'ra ela, Mas nao lhe sabe falar. Quem quer dizer o que sente Nao sabe o que ha de dizer. Fala: parece que mente... Cala: parece esquecer... Ah, mas se ela adivinhasse, Se pudesse ouvir o olhar, E se um olhar lhe bastasse P'ra saber que a estao a amar! Mas quem sente muito, cala; Quem quer dizer quanto sente Fica sem alma nem fala, Fica so, inteiramente! Mas se isto puder contar-lhe O que nao lhe ouso contar, Ja nao terei que falar-lhe Porque lhe estou a falar. Fernando Pessoa

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LATIFÚNDIOS Há 170 anos, Lei de Terras oficializou opção do Brasil pelos latifúndios. Apenas 0,7% das propriedades tem area superior a 2.000 hectares (20 km²), mas elas, somadas, ocupam quase 50% da zona rural brasileira. Num momento em que o governo Bolsonaro manobra para travar a demarcaçao de terras indígenas no Brasil, dando a ideia de que “quem der menos leva” e oportuno ponderar sobre esta realidade.

campo brasileiro foi planejada. Os proprios senadores e deputados eram, em grande parte, senhores de terras. O senador Costa Ferreira (MA), por exemplo, discursou: — Isso de repartir terras em pequenos bocados nao e exequível. So quem nunca foi lavrador e que pode julgar o contrario. Sao utopias. Ninguem vai para la [o interior do país]. Ninguem se quer arriscar. O argumento dele era que os pequenos camponeses nao tinham força para expulsar os indígenas e que, por isso, era natural que a terra fosse para os grandes senhores. Costa Ferreira continuou:

— Existem nas províncias muitas terras, mas algumas nao se acham demarcadas nem sao beneficiadas porque estao infestadas de gentios [indígenas]. Nas minhas fazendas ja tenho tido alguns prejuízos por essa RICARDO WESTIN (AGENCIA SENADO) causa em gado, escravos etc. A maior parte dos 16 SEP 2020 [pequenos] lavradores da minha província nao lavra para o interior porque o gentio nao os deixa. Mas um Ha exatamente 170 anos, o Brasil tomou uma medida lavrador poderoso, logo que entra, pode beneficiar as que seria determinante para a sua historica concenterras. Muito lucra, pois, a naçao em se venderem as traçao fundiaria. Em 18 de setembro de 1850, o impe- fazendas nacionais a particulares que as cultivem. rador dom Pedro II assinou a Lei de Terras, por meio Na epoca do Imperio, embora o Brasil fosse agrario e da qual o país oficialmente optou por ter a zona rural dividida em latifundios, e nao em pequenas proprie- dependesse da renda gerada pela exportaçao do cafe, a zona rural estava mergulhada no caos e na insegudades. rança jurídica. Ao contrario de hoje, poucos eram os Atualmente, apenas 0,7% das propriedades tem area fazendeiros com o registro da propriedade. Eles eram superior a 2.000 hectares (20 km²), mas elas, soma- os donos das chamadas sesmarias, terras doadas de das, ocupam quase 50% da zona rural brasileira. Por papel passado pelo rei portugues, ainda nos idos da outro lado, 60% das propriedades nao chegam a 25 Colonia, com a exigencia de que fossem cultivadas. hectares (0,25 km²) e, mesmo tao numerosas, so co- Sendo extensas demais e tendo so um pedaço efetivabrem 5% do territorio rural. Os dados sao do Instituto mente explorado, as sesmarias viviam sob o constante Nacional de Colonizaçao e Reforma Agraria (Incra). risco de serem confiscadas. Antes de chegar as maos de dom Pedro II, a primeira Em 1823, logo apos a Independencia, dom Pedro I lei agraria do Brasil independente percorreu um lento proibiu a doaçao de novas sesmarias, mas nao pos no e tortuoso caminho dentro do Senado e da Camara. O lugar nenhuma nova regra para a apropriaçao da zona projeto da Lei de Terras entrou no Parlamento em rural. No vacuo legal, as pessoas começaram a invadir 1843, baseado num anteprojeto redigido por conse- as terras publicas desocupadas. Nesse Brasil despovolheiros do imperador. Apos sete anos de debates, ne- ado, ainda longe dos 10 milhoes de habitantes (hoje gociaçoes, impasses e reviravoltas, os senadores e sao 210 milhoes), havia terras livres de sobra. Assim, deputados enfim deram ao projeto de lei a versao de- por meio da simples ocupaçao, surgiram humildes finitiva. camponeses cultivando para a propria subsistencia e Documentos da epoca hoje guardados no Arquivo do tambem poderosos latifundiarios plantando para a Senado, em Brasília, revelam como a composiçao do exportaçao. Página 17


Ano III — Número 38 - Mensal: outubro de 2020 Na ausencia do título oficial da propriedade, tanto pobres quanto ricos nao passavam de posseiros e, como tais, tambem corriam o risco de terem a terra confiscada a qualquer momento. Enquanto os sesmeiros eram minoria, os posseiros eram maioria. — No Brasil, tem sido esbanjadas as terras — queixou -se o senador Bernardo Pereira de Vasconcellos (MG). — So nao e proprietario o que nao quer ser. Depois da suspensao das sesmarias, qualquer se apodera de terreno devoluto, fixa nele sua residencia, planta, colhe e ninguem lhe disputa.

dele, apenas os grandes posseiros eram dignos da proteçao publica: — Em presença da inercia, do desleixo do governo, a populaçao cansou-se de esperar e entrou sem mais cerimonia pelas terras da naçao, prestando assim um verdadeiro serviço ao país, pois contribuiu para o aumento e progresso da lavoura. Nao se pense que todas as posses se reduzam a uma pequena roça e a construçao de uma casinha de palha. A princípio podia ser assim, mas depois em boa parte delas estabeleceram-se grandes plantaçoes.

Para o senador Vergueiro (MG), o problema eram Para completar o caos fundiario do Imperio, nao exisapenas os pequenos posseiros: tiam limites claros entre uma terra e outra. Os sesmei— Se nao se puser obstaculo a essas invasoes, apenas ros evitavam a demarcaçao porque os tecnicos que restarao algumas terras devolutas nas províncias do mediam os terrenos eram escassos e careiros. Os posPara, de Mato Grosso e de Goias [as atuais Regioes seiros, por sua vez, porque nao tinham escritura. Em Norte e Centro-Oeste inteiras]. Para as mais, acabam- razao das divisas nebulosas, os conflitos entre vizise em pouco anos. E sera isso util? Nao, e prejudicia- nhos eram corriqueiros. líssimo nao so aos interesses do Tesouro, mas da civilizaçao, porque essa gente espalha-se pelo meio do sertao e barbariza-se, nao reconhece autoridades senao as suas paixoes.

— Ha nas terras muitas posses de muitos donos. Cada um deles fixa os seus limites arbitrariamente. Quando ha contestaçoes, a questao quase sempre se decide pelo bacamarte [especie de espingarda] — afirmou o O senador Carneiro Leao (MG) concordou. Na visao senador Francisco de Paula Souza (SP). — Agora mes-

Posseiros

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Ano III — Número 38 - Mensal: outubro de 2020 mo tenho notícia de que na Vila da Constituiçao [atual Piracicaba], em Sao Paulo, nos ultimos meses houve 13 ou 14 assassinatos em consequencia de questoes de terras. Eu estou convencido de que esta lei e sumamente necessaria, principalmente para prevenir os abusos e as violencias que se praticam no interior.

Nao foi por acaso que a Lei de Terras nasceu em 1850. Duas semanas antes de ela entrar em vigor, outra norma historica havia sido assinada por dom Pedro II: a Lei Eusebio de Queiros. Foi a primeira das leis abolicionistas. Por meio dela, o Brasil, pressionado pela Gra-Bretanha, proibiu a entrada de novos escravos Para tentar por alguma ordem no campo, o primeiro africanos no territorio nacional. Embarcaçoes britaniartigo da Lei de Terras dizia que nao mais se toleraria cas passaram a interceptar navios negreiros no Oceaa invasao de terras publicas. Quem desobedecesse a no Atlantico e confiscar a carga humana. lei iria para a cadeia. A partir de entao, elas seriam vendidas. No entanto, haveria uma anistia geral para Os latifundiarios entenderam que a escravidao, mais cedo ou mais tarde, chegaria ao fim e que os seus cafequem vivia na corda bamba ate aquele momento. zais corriam o risco de ficar sem mao de obra. A Lei de — Ora, se devemos providenciar para o futuro e pasTerras eliminaria esse risco. Uma vez tornadas ilegais sar uma esponja sobre o passado, essa esponja deve a invasao e a ocupaçao da zona rural, tanto os exabranger posseiros e sesmeiros — defendeu o senaescravos quanto os imigrantes pobres europeus ficador Vergueiro. riam impedidos de ter suas proprias terras, ainda que Dessa forma, os fazendeiros que haviam descumprido pequenas, e naturalmente se transformariam em traa exigencia de cultivar suas sesmarias seriam perdoa- balhadores abundantes e baratos para os latifundios. dos, e os posseiros que tinham se assenhorado de terDa mesma forma, os pequenos posseiros que fossem ras que nao lhes pertenciam ganhariam a escritura. expulsos de seus antigos lotes, excluídos da anistia Seria algo parecido com o que hoje se chama de regupor nao poderem pagar as taxas previstas na Lei de larizaçao fundiaria, recorrente em terras publicas Terras, tambem reforçariam o contingente assalariaocupadas por particulares na Amazonia. do dos cafezais. Na pratica, porem, a anistia de 1850 alcançaria apeCom base nesse mesmo raciocínio, os senadores afirnas os grandes posseiros. Os pequenos acabariam maram que o governo deveria fixar altos preços para sendo barrados. as terras publicas colocadas a venda. O Visconde de — Sabe-se quantas vezes tem acontecido que homens Abrantes opinou: que apenas levam consigo um bocado de farinha den— O preço deve ser elevado para que qualquer proletro de um saco e uma foice e um machado ao ombro tario que so tenha a força do seu braço para trabalhar tem se introduzido no interior dos matos virgens das nao se faça imediatamente proprietario comprando fazendas ou matas devolutas da naçao, derrubando e terras por vil preço. Ficando inibido de comprar terroçando, e se apresentado dizendo: “Esta terra e miras, o trabalhador de necessidade tem de oferecer seu nha, porque dela tomei posse”. Nao e possível que a trabalho aquele que tiver capitais para as comprar e lei consinta em tal absurdo — indignou-se o senador aproveitar. Assim consegue-se que proprietarios e Clemente Pereira (PA). trabalhadores possam ajudar-se mutuamente. — Convem que sejamos generosos com aqueles posO senador Vergueiro apontou outra vantagem que os seiros dignos de equidade — disse o senador Visconlatifundiarios teriam com as terras publicas sendo de de Abrantes (CE), referindo-se aos grandes posseicomercializadas a preços exorbitantes: ros. — O homem empregou seu tempo, afrontou talvez perigos, sujeitando-se as febres que sempre apa- — Suponhamos que e impossível vender terras por recem depois das derrubadas da mata virgem, e foi esse preço. Quem quer adquirir terras, nao podendo regar a terra com o seu suor. Como se diz a esse ho- estabelecer-se em terras devolutas, ha de compra-las. mem que lhe tiramos o fruto de tantas fadigas? Um E entao sobe o valor das propriedades [privadas]. E homem nessas circunstancias, aventuroso e corajoso, um benefício aos atuais proprietarios. Os donos de extensas sesmarias vem a ganhar muito com esta lei. e digno de proteçao. O grande obstaculo que a Lei de Terras impos aos camponeses, afastando deles a anistia, foi a cobrança de taxas para a regularizaçao da propriedade. Para os grandes posseiros, as taxas nao pesavam no bolso. Para os pequenos, elas podiam ser proibitivas. Página 19

O historiador Marcio Both, professor da Universidade Estadual do Oeste do Parana (Unioeste) e estudioso da Lei de Terras, explica que o sistema colonial de sesmarias ja havia significado a escolha do Brasil pelo latifundio. Como havia a exigencia de que as sesmarias fossem exploradas, o latifundio e o trabalho escra-


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Imigrantes europeus vo andavam de maos dadas.

der do latifundiario foi passando dos escravos para a — Em meados do seculo XIX, no contexto de expansao terra. mundial do capitalismo, o Brasil precisava oficializar Os senadores e deputados, no fim das contas, nao ina transformaçao da terra em mercadoria. E claro que, cluíram na Lei de Terras o tal preço estratosferico paantes de 1850, a terra podia ser comercializada, mas ra a venda das terras publicas. Acabou ficando a cargo essa nao era a regra. A Lei de Terras veio como parte do governo fixar o valor. Por outro lado, eles tiveram de uma serie de reformas liberais que procuraram sucesso em barrar uma proposta de taxaçao das terras privadas. O anteprojeto escrito pelos conselheiros por o Brasil entre as naçoes ditas civilizadas. Ainda de acordo com Both, a mudança do status das de dom Pedro II previa a cobrança anual de um tributerras em 1850 teve ligaçao com a iminente mudança to semelhante ao atual Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural (ITR). No Parlamento, a grita foi gede status dos escravos: ral. — Ate entao, o poder do latifundiario se media pelo numero de pessoas sob seu controle, principalmente — A simples enunciaçao desta proposiçao importa escravos. Em epocas em que a terra nao tinha frontei- uma questao grave. Grave porque e odiosa. Odiosa ras definidas nem documentos que comprovassem a porque tem em vista estabelecer um imposto — protitularidade, os escravos, sim, tinham registro, garan- testou o Visconde de Abrantes. tiam segurança financeira e eram ate utilizados como — Eu nao me queixo pelo que me toca. Nao me causa garantia em emprestimos. Com a aboliçao da escravi- gravame pagar este imposto que se propoe, porque as dao a caminho, a terra precisava ser transformada minhas terras produzem, dao-me um lucro corresdefinitivamente em mercadoria e ganhar valor. O po- pondente. Mas nem todos estao nestas circunstancias Página 20


Ano III — Número 38 - Mensal: outubro de 2020 — argumentou Vergueiro. — Meus vizinhos mesmo, que tem terras de inferior qualidade [e produzem pouco], nao podem pagar isto. E muito pesado para eles. Nao falo agora das terras que estao nos lugares mais remotos, nas províncias do interior, sem comercio de exportaçao — Como se pode tributar o terreno que nada produz ou produz muito pouco? Bem ve o Senado que esta medida nao so e oposta as regras da ciencia, como a justiça e ao bom senso — acrescentou Francisco de Paula Souza.

Em tom dramatico, o senador Costa Ferreira argumentou que a situaçao dos fazendeiros ja era dura demais sem o imposto: — Quem nao e lavrador e se sustenta a larga dos rendimentos dos lavradores julga que eles sao felizes. Mas quem e lavrador experimenta o peso das desgraças sobre seus ombros e no fim do ano, depois de empregar 90 ou 100 escravos na lavoura, recolhe uma quantia tal que apenas chega para sustentar sua família. Esse homem e que sabe a vida que passa. Legisladores, quereis aumentar a afliçao ao aflito, vos que nunca experimentastes a necessidade? Este tributo nao e so injusto, mas injustíssimo, porque carrega sobre uma classe que nao pode suporta-lo.

publicas depois de 1850. Apos a derrubada da Monarquia e a imposiçao da Republica, a elite agraria continuou no comando do país e a concentraçao fundiaria, embora guiada por novas regras, pouco mudou. Estudiosos da questao dizem que o historico predomínio do latifundio levou ao surgimento dos trabalhadores rurais sem terra e tornou rotineira a violencia no campo. Tambem condenou a agricultura brasileira a um longo período de atraso tecnico. A vastidao das propriedades permitiu que os fazendeiros mudassem suas plantaçoes de lugar sempre que determinada terra se esgotava, avançando sobre novas fronteiras agrícolas e derrubando florestas. Caso os lotes fossem pequenos, eles teriam sido forçados a investir em novas tecnologias para aproveita-los ao maximo. — A sociedade e o Estado tem uma dívida historica com camponeses pobres, indígenas, ex-escravos, descendentes de escravos — diz o historiador Marcio Both. — A concentraçao fundiaria e um problema social, político e economico que passa por toda a historia do Brasil, desde a Colonia ate o momento presente. E certo que, ao longo desse período, houve ruturas, como a Lei de Terras, de 1850, mas sempre com o fito de garantir a permanencia daquilo que e estrutural. Materia originalmente publicada na seçao Arquivo S do Portal

Ele deixou no ar uma sutil ameaça ao governo imperi- Senado Notícias, resultado de uma parceria entre a Agencia Senaal: do e o Arquivo do Senado. — E assim que se quer avexar os lavradores, que sao os verdadeiros sustentaculos da Monarquia? Lembraivos, senhores, que a besta suporta a carga, mas a sobrecarga a sacode. Proprietario de latifundio do Nordeste no fim do seculo XIX.BIBLIOTECA DO SENADO A Lei de Terras serviu de base para que latifundiarios recorressem ao governo e ate aos tribunais para ampliar suas propriedades. No lado oposto, sem dispor de informaçao, dinheiro ou influencia, muitos sitiantes perderam suas terras. A anistia foi prorrogada varias vezes, beneficiando posseiros que invadiram terras Página 21

Latifundiário


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Leituras...

MOMENTOS, Mais um lançamento do escritor Afonso Rocha, desta feita dedicado a poesia.

Este segundo livro dedicado a poesia vem na sequencia do livro TROVAS AO VENTO—Num roda de amigos, lançado em Portugal e no Brasil, em 2014. Momentos agrega alguns poemas que constavam no Trovas, corrigidos e atualizado, alem de outros ja arcados pelo período de pandemia que todos estamos a vivencial. Alem de poemas, o trabalho tras outros pensamentos, ja característicos do autor, bem como algumas cronicas e contos. Devido ao indispensavel isolamento social, de momento o livro so se encontra na ediçao e-book kindle, disponível no site da Amazon.com. Excecionalmente se algum leitor estiver interessado, podera pedir diretamente ao autor, pelo nosso endereço: narealgana@gmail.com ediçao especial em PDF. Como diz Paulo Leminski: Embora a maioria dos dicionários defina a poesia como composição poética pouco extensa composta por versos, é inequívoco limitar a poesia ao gênero literário poema. A poesia é comunicação, efetuada por meio de palavras ou não, geralmente permeada por conteúdos psíquicos, sejam eles de ordem afetiva, sensorial ou conceitual, sempre repletos de sensorialidade ou sentimentalidade. Assim faz o autor em seus trabalhos de natureza poetica, nomeadamente em MOMENTOS. Livro e-book kindle, disponível na amazon.com, ideal para ser lido em iphone’s, celulares, note-books, PC’s e outros leitores digitais. Página 22


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No início da tarde de 26 de abril de 1914, um grupo de dezanove homens chegou a confluencia de dois rios no coraçao da selva amazonica. Durante meses eles enfrentaram uma sucessao de dificuldades e privaçoes para realizar um feito notavel: navegar e mapear um rio ainda desconhecido, chamado rio da Duvida, porque seu curso e comprimento eram um misterio. Os líderes dessa expediçao eram Theodore Página 23

Roosevelt, ex-presidente dos Estados Unidos, e o brasileiro Candido Mariano da Silva Rondon, que ha mais de vinte anos explorava a regiao. Depois que a jornada com Roosevelt chegou ao fim, Rondon continuaria por muitos anos seu importante trabalho, que incluiu o levantamento de rios, montanhas e vales ate entao ignorados, a instalaçao de quilometros de linhas telegraficas, a construçao de estradas, pontes e a fundaçao de povoamentos. Foi tambem Rondon quem primeiro estabeleceu contatos pacíficos com dezenas de etnias indígenas. Em 1910, fundou o Serviço de Proteçao aos Indios, em um esforço de inclusao dos índios ao Estado nacional brasileiro. Hoje Rondon empresta seu nome a ruas, museus, cidades e ate a um estado, Rondonia. O lema que norteou suas expediçoes e contatos com os povos indígenas ― “Morrer se preciso for, matar nunca” ―, porem, se perdeu no tempo, e muitos de seus incríveis feitos como explorador permanecem ignorados. A grandiosidade de seus feitos inspirou o jornalista Larry Rohter a mergulhar por mais de cinco anos em sua trajetoria, oferecendo agora ao leitor brasileiro um livro que redimensiona o lugar de Rondon na historia do Brasil. Suely Moraes—Brasil/Portugal.


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A posição da Igreja Católica mudou ao longo do regime militar, e terminou com um papel decisivo da igreja. Por: Igor Natusch—2019-04-02 aventurasnahistória.uol.com.br

exceçao que a muitos pareceu promissor, mas que com o tempo se revelou intoleravel. O apoio “Em maio de 1964”, diz o historiador Paulo Cesar Gomes Bezerra, “um manifesto assinado por 26 bispos da CNBB agradecia aos militares por ‘salvarem’ o país do perigo iminente do comunismo”. Bezerra e autor de Os Bispos Catolicos e a Ditadura Militar Brasileira: a Visao da Espionagem. A declaraçao dos bispos manifestava gratidao aos novos governantes por terem “acudido a tempo” e impedido a consumaçao de um “regime bolchevista” no

DITADURA MILITAR E A IGREJA CATÓLICA O golpe que lançou o Brasil em 21 anos de regime militar em 1964 encheu de euforia o coraçao de um presbítero de Petropolis (RJ). Reconhecendo na “revoluçao” a chance de um novo país, livre do comunismo ateu que ameaçava a cristandade, o padre deslocou-se ate o Rio de Janeiro com um so objetivo: dar a bençao as tropas do general Olímpio Mourao Filho, que tinham vindo desde a mineira Juiz de Fora para ocupar a Guanabara.

Brasil. “Ao rendermos graças a Deus”, dizia o documento, “agradecemos aos militares que, com grave risco de suas vidas, se levantaram em nome dos supremos interesses da naçao.”

As palavras refletem um sentimento que animou boa parte das açoes da Igreja naqueles dias: o temor diante do comunismo, destruidor da família, que vinha para esmagar os preceitos cristaos. Mas demonstra tambem uma proximidade com o poder, o que, no caso brasileiro, nao era novidade. No país, ate o final do Dois anos depois, esse religioso, chamado Paulo Evaseculo 19, a Igreja nem sequer existia como entidade risto Arns, foi ordenado bispo; em 1970, assumiu coautonoma. mo arcebispo de Sao Paulo. Desde entao, o outrora entusiasta da ascensao dos militares assumiu posiçao No sistema do padroado, eram os governantes que decisiva na contestaçao e denuncia dos crimes da di- nomeavam bispos e padres, alem de financiarem e tadura. Lutou contra a tortura, liderou o historico ato administrarem grande parte da estrutura eclesiastica. na Catedral da Se em memoria do jornalista Vladimir Mesmo com a Republica e a institucionalizaçao do EsHerzog, criou a Comissao Justiça e Paz e abraçou o tado laico, a ligaçao estreita se manteve – e os dirigenprojeto Brasil: Nunca Mais, que evitou o sumiço de tes entendiam bem a importancia do apoio religioso milhares de documentos fundamentais para contar a as suas decisoes. historia daqueles dias. Ate o fim da vida, foi conside- A Marcha da Família com Deus pela Liberdade, decisirado, com justiça, um heroi da resistencia aos gene- va como suporte ideologico e popular ao movimento rais – um contraste e tanto com o apoio prestado ao militar, evidenciava tais laços, uma vez que a Igreja entao recem-nascido regime. atuou fortemente na organizaçao das manifestaçoes. As posturas de Dom Paulo sao representativas da tra- Em Sao Paulo, Leonor Mendes de Barros, esposa do jetoria da Igreja Catolica durante a ditadura no Brasil. governador Ademar de Barros, ao fim da marcha, asUm caminho acidentado no qual, apos a euforia pela sistiu a missa do padre irlandes Patrick Peyton, que queda de Joao Goulart, posiçoes conservadoras e atos estava no Brasil a convite do cardeal Jaime de Barros de reaçao conviveram durante muito tempo, ate que a Camara, da Arquidiocese do Rio. ilusao de um governo redentor desabasse e a redemoManifestações cratizaçao se tornasse inevitavel. Em um país de forte Manifestaçoes semelhantes ocorreram no Rio de Jabase catolica, os movimentos da Igreja desenham a neiro, Belo Horizonte e Curitiba. O padre Antonio propria postura da sociedade civil diante do estado de Abreu, ligado ha mais de 40 anos ao Instituto BrasileiPágina 24


Ano III — Número 38 - Mensal: outubro de 2020 ro de Desenvolvimento (Ibrades), organismo vinculado a Conferencia Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), descreve outros aspectos que influenciaram a posiçao da instituiçao. Segundo ele, alem de proteger a Igreja e a cristandade, havia entre alguns simpatia por um nacionalismo popular de base militar, a exemplo do que Gamal Abdel Nasser promovia no Egito. “No momento do golpe, a identificaçao da Igreja era com as elites em geral, em uma postura política antiliberal e antidemocratica”, afirma Abreu. “Entre os que realmente queriam políticas publicas de carater social, parcela razoavel acreditava ser mais provavel os militares realizarem aquilo que na democracia nao era viavel. Julgavam ditaduras esclarecidas mais eficazes para o bem publico.”

do em primeiro plano a justiça social, a defesa dos direitos humanos e o auxílio aos necessitados de todos os tipos. Era momento de repensar a relaçao da fe catolica com o ambiente político e social que a cercava – um sopro de mudança que demorou um pouco a arejar o alto comando da Igreja brasileira, ainda que tenha sido percebido em outros lugares. A contestação

O apoio da Igreja Catolica ao golpe pode ter sido majoritario, mas nao foi unanime. O bispo de Volta Redonda, Dom Waldyr Calheiros, foi quase um pioneiro: ja na noite do 31 de março de 1964, leu um sermao cheio de comentarios desabonadores a derrubada de Jango. Sem contar a oposiçao ferrea de dom Helder Camara – um homem tao combativo que logo passou a Fundada em 1952, a CNBB elegeu em 1964 uma dire- ser monitorado de perto pelos militares. çao conservadora. A presidencia ficou com dom Agnelo Rossi, que logo em seguida seria nomeado pelo pa- Pelo menos desde 1966, o Centro de Informaçoes da pa Paulo VI arcebispo de Sao Paulo. O entao secretario Polícia Federal abastecia um dossie sobre o bispo, e a -geral da entidade, dom Helder Camara, opositor de divisao de segurança e informaçoes do Itamaraty fazia primeira hora do regime, foi deslocado do Rio de Ja- de tudo para impedir suas viagens ao exterior – nas neiro para a arquidiocese de Olinda e Recife, sendo quais ele invariavelmente denunciava a violencia da substituído por dom Jose Gonçalves, mais simpatico ditadura brasileira. A partir de 1970, a imprensa nao aos novos tempos. Com uma elite catolica pronta a dar podia nem ao menos citar o nome de dom Helder, para o bem ou para o mal; era como se o religioso, messeu aval, os militares estavam legitimados para agir. mo vivo e atuante, nao existisse. Os mandatarios religiosos seguiam alinhados aos militares, mas outras esferas adotavam uma postura crescente de resistencia e contestaçao. “A Igreja, em todos os tempos e lugares, sempre refletiu a luta de classes, como todas as instituiçoes”, afirma Frei Betto, da ala mais radical da oposiçao a ditadura. Ele tomou parte direta na mais explícita atuaçao de setores da Igreja junto a guerrilha: o alinhamento com a Aliança Libertadora Nacional, de Carlos Marighella.

Marcha “da família com “deus” Apesar do conservadorismo da cupula, vivia-se um período de renovaçao na Igreja Catolica. Entre 1962 e 1965, ocorreu o Concílio Vaticano II, uma das mais amplas reformas da historia do catolicismo. A partir dele, a Igreja tentou transformar sua relaçao com a sociedade, colocanPágina 25

Enquanto os dominicanos como Frei Betto auxiliavam pessoas a fugir do Brasil, o arcebispo do Rio de Janeiro, dom Eugenio Sales, oferecia ajuda a indivíduos perseguidos por outras ditaduras da America do Sul. Iniciado em 1976, o processo ganhou tal volume que, a partir de 1979, o bispo chegou a hospeda-los em sua propria residencia, na Rua da Gloria. Ao todo, com o apoio da Caritas brasileira e do Alto Comissariado das Naçoes Unidas para Refugiados (Acnur), dom Eugenio teria socorrido, ate 1982, mais de 4 mil pessoas. Alguns chegavam por iniciativa do entao padre da Companhia de Jesus argentina Jorge Mario Bergoglio, hoje papa Francisco. Tanto dom Eugenio quanto dom Paulo Evaristo Arns teriam recebido pessoas enviadas por Bergoglio ao Brasil – uma das muitas historias que evidenciam a colaboraçao entre religiosos no continente.


Ano III — Número 38 - Mensal: outubro de 2020 que os aproximou de Carlos Marighella e da Aliança Libertadora Nacional. Em 1968, com o advento do AI5, a repressao chegou ao momento mais duro – e Frei Betto, morando no Rio Grande do Sul, ajudou dezenas de pessoas a atravessar a fronteira do Uruguai. A ligaçao dos dominicanos com questoes sociais e políticas vem desde os anos 1940, a partir da Açao Catolica (AC), movimento que buscava maior inserçao da Igreja junto aos movimentos da sociedade civil. Como forma de recrutar estudantes, surgiram dentro da AC grupos como a Juventude Estudantil Catolica (JEC) e a Juventude Universitaria Catolica (JUC). A partir deles, nasceu a Açao Popular (AP), segundo Frei Betto “um Manifestação contra o governo movimento de esquerda, laico, independente da Igreja”, com forte presença dos dominicanos e forte inserA ditadura nao estava alheia a esses movimentos e çao no meio universitario. Depois do golpe, a organicomeçou a agir de forma cada vez mais dura. Em 1966 zaçao passou a clandestinidade. o padre Henrique Pereira Neto, auxiliar de dom Helder Camara, foi assassinado pelo Comando de Caça Com o endurecimento do regime, os serviços de inteliaos Comunistas (CCC), um grupo paramilitar. A partir gencia passaram a prestar especial atençao nos domidaí, o porao do regime perdeu o constrangimento e se nicanos, levando a uma serie de prisoes, como a dos voltou contra a Igreja. A reaçao dos orgaos eclesiasti- frades Fernando, Ivo e Tito, todos alvo de torturas e cos, em princípio, foi tímida: apenas em maio de 1970 expostos como terroristas. viria o primeiro documento da CNBB denunciando a O caso de frei Tito tornou-se tristemente celebre: inpratica de tortura no país, ainda assim com o cuidado capaz de conciliar-se com as memorias dos padecide criticar tambem açoes atribuídas a esquerda, como mentos, ele se suicidou nos arredores de um convento frances em 1974, aos 28 anos. No exílio ou na cadeia, assaltos e sequestros. Em outubro daquele ano, porem, a prisao do secreta- os dominicanos continuavam incomodando o poder. rio-geral da CNBB, dom Aloísio Lorscheider, durante uma açao do Departamento de Ordem Publica e Social (Dops) na sede do Ibrades, azedou totalmente o dialogo. Foi a primeira vez que um alto dirigente da CNBB se viu nas maos dos militares. Lorscheider ficou preso durante cerca de quatro horas. Tempo suficiente para o alto clero atacar o regime com ousadia inedita. Os cardeais chegaram a enviar carta diretamente ao entao presidente, o general Emílio Garrastazu Medici, lamentando a “deterioraçao” de seus vínculos. O impacto internacional tambem foi pessimo: a imprensa do Vaticano noticiou o fato e ate o papa Paulo VI manifestou publicamente apoio aos bispos brasileiros. “Foi quando se resolveu criar a Comissao Bipartite, que funcionou entre 1970 e 1974, com o intuito de promover dialogos entre a Igreja e o Estado e evitar a ruptura”, afirma o historiador Paulo Cesar Gomes Bezerra. O efeito da medida, contudo, foi limitado: as relaçoes entre as instituiçoes jamais voltariam a ser as mesmas.

“Nos, religiosos presos, eramos a principal fonte de denuncia no exterior dos crimes praticados pela ditadura. E o papa Paulo VI nos deu ouvidos e apoio”, diz Frei Betto. “Na tentativa de nos neutralizar, nos obrigaram a partilhar do mesmo regime carcerario dos presos comuns. Nem assim cessamos as denuncias, pois as informaçoes sempre nos chegavam.” A voz dos dominicanos ecoou em todo o mundo e levou a uma rejeiçao cada vez maior a ditadura no exterior.

A denúncia Em 1970, a mudança de comando na Arquidiocese de Sao Paulo aumentou o fosso entre Igreja e militares. Frei Betto afirma que, mesmo apos visitar dominicanos no Dops e ouvir seus relatos, o entao arcebispo, dom Agnelo Rossi, seguia negando que houvesse tortura nas prisoes. O Vaticano, entao, resolveu transferir dom Agnelo a Roma – uma especie de promoçao as avessas, ja que abriu espaço para seu auxiliar, dom Paulo Evaristo Arns, assumir a arquidiocese.

A essa altura, a simpatia de dom Paulo pelo golpe ja tinha virado fumaça. Ele se tornou firme opositor da Os frades passaram a apoiar perseguidos políticos que ditadura no Brasil, tanto no discurso quanto na pratiprecisavam esconder-se ou fugir do país. Foi essa açao ca: fundou a Comissao Justiça e Paz, o grupo Clamor Dominicanos no cárcere

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Ano III — Número 38 - Mensal: outubro de 2020 (uma rede de solidariedade a fugitivos das ditaduras sul-americanas) e o projeto Brasil: Nunca Mais, que reunia em segredo documentos relativos aos poroes da ditadura militar. Alem disso, promoveu a criaçao de varias pastorais (como a da Moradia, a da Criança e a Operaria), de valioso papel na consolidaçao dos movimentos sociais na reta final do período dos militares no comando do país.

forma explícita casos como o que vitimou o padre Joao Bosco e o operario Fiel Filho. “A segurança, como bem da Naçao, e incompatível com uma permanente insegurança do povo”, dizia uma dessas notas, condenando as “medidas arbitrarias”, os “desaparecimentos inexplicaveis” e “inqueritos aviltantes” promovidos pelos militares. Ainda assim, alguns bispos – entre eles dom Antonio Castro Mayer e dom Geraldo Sigaud Durante os anos de chumbo, surgiram tambem as Co- – teriam, segundo o historiador Paulo Cesar Bezerra, munidades Eclesiais de Base (CEBs). Incentivadas por permanecido fieis ao regime militar ate o fim. A meseguidores da Teologia da Libertaçao, como Leonardo moria Boff e o proprio Frei Betto, as CEBs tentavam suprir a Com a consolidaçao da abertura política, a tensao enfalta de sacerdotes nas areas de baixa renda, em espe- tre religiosos e militares diminuiu. Entretanto, o lado cial no Nordeste. “Por serem movimento de Igreja, a da fe continuou somando vítimas, como o líder metarepressao nao deu muita importancia a elas, que se lurgico Santo Dias da Silva, militante da Pastoral Opetornaram incubadoras de movimentos populares”, diz raria, morto pela Polícia Militar em outubro de 1979 enquanto participava de uma greve em Sao Paulo. A Frei Betto. Em 1975, o caso do jornalista Vladimir Herzog, tortu- violencia representou mais um abalo nas ja frageis rado ate a morte no quartel-general do II Exercito, em estruturas do regime: o velorio, novamente na CateSao Paulo (veja ao lado), abalou os alicerces do regi- dral da Se, reuniu mais de 15 mil pessoas e o cenario me. A partir do episodio, ficou impossível negar o que forçou uma mudança de postura do governo com relaacontecia nos poroes. No ano seguinte, o metalurgico çao as entidades sindicais. Manuel Fiel Filho foi outra vítima fatal da tortura nas A CNBB assumiu no final da decada papel ativo na prisoes do Doi-Codi. campanha pela anistia e depois contribuiu na articulaA repercussao do assassinato – mais um suicídio por çao do movimento Diretas Ja. Alem disso, seguiam os enforcamento, na versao dos militares – foi tao ex- esforços para preservar a memoria do período. A Edipressiva que o general Eduardo d’Avila Mello, adverti- tora Vozes, vinculada a Igreja Catolica, editou o lido pelo presidente Ernesto Geisel no caso Herzog, foi vro Brasil: Nunca Mais em 1985, meses depois da reexonerado do comando do II Exercito. Para o jornalis- tomada da democracia. Se tinham sido fundamentais ta Elio Gaspari, autor da maior obra sobre a ditadura na sustentaçao do regime militar quando este se inicimilitar brasileira, o enquadramento de Geisel aos mili- ou, no apagar das luzes da ditadura os religiosos abritares do porao no episodio marcou o fim da bagunça am caminho para que nao fossem esquecidos os duros anos de repressao. na tropa. A essa altura, a Igreja tinha assumido uma postura de clara oposiçao. No final dos anos 1970, as Forças Armadas tentaram sem sucesso deportar dom Pedro Casaldaliga, bispo de origem catala que atuava na regiao de Sao Felix do Araguaia (MT). Proximo de dom Pedro, o padre Joao Bosco foi morto em 1976 com um tiro dentro de uma delegacia aonde tinha ido denunciar abusos contra camponeses. A sequencia da queda de braço com os religiosos incluiu investigaçao a outros bispos, como dom Fernando Gomes e dom Waldyr Calheiros, e o monitoramento de perto do jornal O Sao Paulo, da Arquidiocese da cidade – o ultimo veículo brasileiro a livrar-se da censura previa, ja em 1978.

O projeto Brasil: Nunca Mais resultou em cerca de 900 mil paginas, referentes a centenas de processos. O material foi microfilmado e enviado ao Conselho Mundial de Igrejas, em Genebra, na Suíça, para evitar que fosse apreendido e destruído pelos militares. Foram necessarios 25 anos ate que esse pedaço da historia brasileira fosse repatriado. Em 2011, os microfilmes voltaram ao país, e em agosto de 2013 foi lançado o BNM Digital, site que disponibiliza a consulta a toda essa documentaçao.

Hoje, com a Comissao Nacional da Verdade e suas ramificaçoes estaduais, o país busca iluminar os cantos escuros do período gerado pelo golpe e, a partir deles, enxergar melhor a si mesmo. A ditadura talvez nao A memória tivesse se consolidado sem a bençao inicial da Igreja Da segunda metade dos anos 1970 em diante, a Igreja Catolica ao novo regime, mas as denuncias e a combabrasileira acertou o passo com a sociedade civil na tividade dos religiosos foram igualmente fundamencaminhada de retorno a democracia. Entre 1976 e tais na retomada da democracia. 1977, a CNBB lançou documentos denunciando de Página 27


Ano III — Número 38 - Mensal: outubro de 2020 O ato ecumênico por Herzog, na Sé

ceder a Catedral da Se para o ato, dom Eugenio Salles recusou, no Rio de Janeiro, pedido da Associaçao Brasileira de Imprensa (ABI) para uma missa com o mesmo objetivo. A recusa nao era inexplicavel: o clima era de tensao, com constantes ameaças.

“A morte do Vlado evidenciou muitas açoes dos bispos. Antes, o registro do que diziam, ficava no canto de pagina dos jornais. Isso quando saía”, diz o jornalista Audalio Dantas, autor de As Duas Guerras de Vlado Herzog, livro-reportagem que recebeu o Premio Pouco antes do ato na Se, dom Paulo Evaristo Arns foi Jabuti em 2013. visitado por dois secretarios do governador de Sao A versao de suicídio apresentada pelos militares foi Paulo, Paulo Egydio Martins. Segundo os emissarios, contestada nao apenas pelos colegas do jornalista centenas de policiais tinham ordens de atirar ao menor sinal de confusao. Usando uma inauguraçao como morto, mas tambem por líderes religiosos. pretexto, o presidente Geisel abalou-se de Brasília paHerzog era judeu. ra a capital paulista para acompanhar os desdobraSegundo o rito judaico, os suicidas devem ser enterra- mentos. “So foi embora quando o culto terminou”, diz dos perto dos muros dos cemiterios. Mas ao ver o cor- Audalio. po, o rabino Henri Sobel tomou uma decisao que teve O culto ecumenico aconteceu no dia 31 de outubro de o peso de denuncia: ordenou que Herzog fosse enter- 1975, presidido por dom Paulo e com a presença do rado na area comum do Cemiterio Israelita do Butan- rabino Henri Sobel e do pastor protestante James ta, em Sao Paulo, um claro desmentido a versao dos Wright. Mesmo proibida qualquer mençao a seu nome militares. em veículos de imprensa, dom Helder Camara tamFoi o Sindicato dos Jornalistas de Sao Paulo, do qual Audalio fazia parte, que teve a ideia de um culto ecumenico em memoria de Herzog. No dia 28 de outubro, mesma data em que dom Paulo concordou em

bem compareceu, sem pronunciar palavra. Mais de 300 barreiras policiais impediam o acesso da populaçao a catedral; ainda assim, 8 mil pessoas lotaram o lugar.

Herzog Página 28


Ano III — Número 38 - Mensal: outubro de 2020 mereçam grande repreensao, por serem piores do que brutos animais”, dizia a Igreja. Controlado o prazer, o sexo no casamento virava debito conjugal e obrigaçao entre os conjuges. Nega-lo era pecado, a nao ser que a solicitaçao fosse feita em dias proibidos, ou se a mulher estivesse muito doente. Dor de cabeça nao valia. O que se procura e cercear a sexualidade, reduzindo as situaçoes de prazer. Essa vigilancia extrapola o leito conjugal, espalhandose pela sociedade. Condenavam-se as cantigas lascivas, os bailes desonestos, os versos torpes, a alcoviti-

Quando o sexo era sério ce, as bebedices, os galanteios. Essas expressoes resgatam o burburinho da vida social com seus encontros, festas, enfim, a sexualidade do cotidiano, que a Coluna de Mary del Priore — 23/10/2019 Igreja precisava regulamentar, dominar desde o naNo passado, as regras da Igreja Catolica pareciam es- moro as relaçoes conjugais. conder-se sob a cama dos casados, controlando tudo. Gestos miudos de afeto, como o beijo, eram controlaProibiam-se ao casal as praticas consideradas contra a dos por sua “deleitaçao natural e sensitiva”, considenatureza. Alem das relaçoes “fora do vaso natural”, rados “pecado grave porque e indecente e perigoso”. eram pecados graves “quaisquer tocamentos torpes” Alem de evitar beijos, devia-se estar em guarda contra que levassem a ejaculaçao. as sutilezas das menores expressoes de interesse seAssim, se perseguiam os “preparativos” ou prelimina- xual que nao conduzissem ao chamado “coito ordenares ao ato sexual. A pratica aparece em tratados de do para a geraçao”. PAPAI E MAMAE QUANDO O SEXO ERA SÉRIO

confissao encarregados de simular o dialogo entre o Casos de desajustes conjugais devido a pouca idade da pecador e o padre: “Pequei com algumas pessoas na esposa nao foram raros e revelam os riscos por que cama, pondo-lhes as maos por lugares desonestos e passavam as mulheres que concebiam ainda adolesela a mim, cuidando e falando em mas coisas”, diria o primeiro. “Ja pagar seus pecados!”, diria o segundo. O sexo admitido era restrito a procriaçao. Donde a determinaçao de posiçoes “certas” durante as relaçoes sexuais. Era proibido evitar filhos, gozando fora do “vaso”. Era obrigatorio usar o “vaso natural”, e nao o traseiro. Era proibido a mulher colocar-se por cima do homem, contrariando as leis da natureza. Afinal, os homens comandavam. Ou colocar-se de costas, comparando-se as feras e animalizando um ato que deveria ser sagrado. Certas posiçoes, vistas como sujas e feias constituíam pecado venial, fazendo com que “os que usam de tal Página 29


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Retrato de uma família brasileira no século IXX, por Jean-Baptiste Debret

centes. Ha meninas que, casadas aos 12 anos, mani- trar dominadores, voluntariosos no exercício da vonfestavam repugnancia em consumar o matrimonio. tade patriarcal, insensíveis e egoístas. As mulheres Num deles, o marido, em respeito as lagrimas e quei- apresentavam-se como fieis, submissas, recolhidas. E xumes, resolvera deixar passar o tempo para nao vio- provavel que os homens tratassem as mulheres como lenta-la. Escolastica Garcia, uma jovem casada aos 9 maquinas de fazer filhos, submetidas as relaçoes seanos, declarava em seu processo de divorcio que nun- xuais mecanicas e despidas de afeto. Basta pensar na ca houvera “copula ou ajuntamento algum” entre ela e facilidade com que eram infetadas por doenças e nos seu marido, pelos maus-tratos e sevícias com que multiplos partos. sempre tivera que conviver.

Acrescente-se a rudeza o tradicional racismo. Os gestos diretos, a linguagem chula eram destinados as negras escravas e forras ou mulatas. Os convites para a fornicaçao sao feitos as negras e pardas, fossem elas escravas ou forras.

Os casos de casamentos contraídos por interesse, ou na infancia, somados a outros em que idiossincrasias da mulher ou do marido revelam o mau estado do matrimonio, comprovam que as relaçoes sexuais dentro do sacramento eram breves, desprovidas de calor ou Afinal, a misoginia racista da sociedade colonial clasrefinamento. sificava as mulheres como faceis, alvos naturais de Cada vez mais se evidencia o elo entre sexualidade investidas sexuais, com quem podia-se ir direto ao conjugal e mecanismos puros e simples de reprodu- assunto. Gilberto Freyre chamou a atençao para o paçao. Maria Jacinta Vieira, por exemplo, bem ilustra a pel sexual dessas mulheres, reproduzindo o ditado valorizaçao da sexualidade sem desejo. Ela se recusa- popular: “Branca para casar, mulata para foder e neva a copular com seu marido “como animal”. Bem lon- gra para trabalhar”. ge ja se estava dos excessos eroticos cometidos quando das primeiras visitas do Santo Ofício a colonia.

E como funcionava o matrimonio? Os casais desenvolviam tarefas específicas. Os maridos deviam se mosPágina 30


Ano III — Número 38 - Mensal: outubro de 2020

Biografia de Caramuru Por: Adilson Santos

[7] ele teria conseguido impor-se definitivamente perante os indígenas por ter disparado para o ar uma arma de fogo, desconhecida dos índios, os quais, muito assustados, teriam passado a chamalo, desde entao, "Caramuru", nome para o qual foram atribuídos muitos significados, a depender da fonte consultada: 'filho do fogo', 'filho do trovao', 'homem do fogo', 'dragao do mar', 'dragao que o mar vomita', peixe semelhante a moreia, grande moreia ou 'aquele que sabe falar a língua dos índios'. O episodio da arma de fogo - pela primeira vez referido, por escrito, pelo padre jesuíta Simao de Vasconcelos -, aparece em quase todas as narrativas sobre o Caramuru ate meados do seculo XIX. Varnhagen foi o primeiro a duvidar desse relato e a ironiza-lo. Historiadores posteriores, porem, continuaram a repetir a mesma historia. As origens nobres de Diogo Alvares começariam a ser afirmadas no seculo XVII, com Frei Vicente do Salvador e o padre Simao de Vasconcelos, prosseguindo com Sebastiao da Rocha Pita, no seculo XVIII

Diogo Alvares Correia (Viana do Minho, Portugal, 1475) — Tatuapara, Salvador, Brasil, 5 de outubro de 1557) foi um naufrago portugues que passou a vida entre os indígenas da costa do Brasil e que facilitou o contato entre os primeiros viajantes europeus e os povos nativos do Brasil. Recebeu a alcunha de Caramuru (palavra tupi que significa moreia) pelos Tupinamba. E considerado o O naufrago foi bem acolhido pelos Tupinambas,a fundador do município baiano de Cachoeira. ponto de, o chefe deles, Taparica, ter-lhe dado Diogo alcançou a costa na altura do Arraial do Rio uma de suas filhas, Paraguaçu, como esposa. Ao Vermelho como naufrago de uma embarcaçao longo de quatro decadas, Correia manteve contafrancesa, entre 1509 e 1510 ou, segundo outras tos com os navios europeus que aportavam ao fontes, apos 1530. Acerca do episodio, afirma-se: litoral da Bahia em busca de madeira da “Viajando para Sao Vicente por volta de 1510, o "Caesalpinia echinata" (pau-brasil) e outros geneFidalgo da Casa Real Diogo Alvares naufragou nas ros tropicais. As relaçoes com exploradores franproximidades do Rio Vermelho, em Salvador, na ceses levaram-no, entre 1526 e 1528, a visitar baía de Todos os Santos. Seus companheiros fo- aquele país, onde a companheira foi batizada em ram mortos pelos Tupinamba, mas ele conseguiu Saint-Malo, Catherine du Bresil, possivelmente sobreviver e passou a viver entre os índios, de em homenagem a Catherine des Granches, esposa quem recebeu a alcunha de Caramuru, que signi- de Jacques Cartier, que foi a sua madrinha. Posteriormente, Paraguaçu passaria a ser referida cofica moreia.” mo Catarina Alvares Paraguaçu. Na mesma ocasiO apelido seria uma referencia ao fato de Diogo ao, foi batizada outra índia Tupinamba, Perrine, o Alvares ter sido encontrado pelos indígenas em que fundamenta outra lenda segundo a qual vameio as pedras da praia e as algas, como se fosse rias índias, por ciumes, teriam se jogado ao mar uma moreia. Segundo outra versao, muito difunpara acompanhar Caramuru quando este partia dida, embora contestada por varios historiadores, para a França com Paraguaçu. Página 31


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Conhecedor dos costumes nativos, Diogo Alvares contribuiu para facilitar o contato entre estes e os primeiros missionarios e administradores europeus. Em 1548, tendo Joao III de Portugal formulado o projeto de instituiçao do governogeral no Brasil, recomendou ao Caramuru que criasse condiçoes para que a expediçao de Tome de Sousa fosse bem recebida, fato que revela a importancia que o antigo naufrago alcançara tambem na Corte portuguesa. O seu naufragio e vida junto aos indígenas foram envolEstátua de Caramuru, em sua terra natal, Viana do Castelo, Portugal. tos em contornos de lenda na obra do padre jesuíta Simao de quando este partia para a França com Paraguaçu. Vasconcelos, em 1680, na qual se inspirou, um Sob o governo do donatario da capitania da Ba- seculo mais tarde, frei Jose de Santa Rita Durao hia, Francisco Pereira Coutinho, recebeu impor- para compor o poema epico em dez cantos Caratante sesmaria, tendo procurado exercer uma muru (1781). funçao mediadora entre os colonos e os indígenas, nao conseguindo, todavia, evitar o reencontro de Itaparica, onde, apos naufragio do bergantim que possuía vindo de Porto Seguro, Pereira Coutinho perdeu a vida devorado pelos tupinambas no local hoje conhecido como Cacha Pregos. Diogo Alvares, por suas ligaçoes e proeminencia entre os indígenas, escapou ileso, retornando a Salvador. Página 32


Ano III — Número 38 - Mensal: outubro de 2020

Biografia de D. Pedro II escrita por

Machado de Assis Por: Ailton Silva/Lusa – set-2020 A doutoranda e pesquisadora da Universidade Federal de Santa Catarina, Cristiane Garcia Teixeira encontrou uma biografia do imperador brasileiro D. Pedro II, escrita por Machado de Assis. O texto tera sido publicado a 6 de novembro de 1859. O achado agora anunciado foi tema da uma tese de mestrado defendida pela pesquisadora chamada “Um projeto de revista n’O Espelho: literatura, modas, industria e artes (1859-1860)”.

A biografia foi escrita na primeira pessoa e, segundo a responsavel por sua descoberta ja e possível perceber na obra algumas características que marcariam a escrita de Machado de Assis “que [na biografia de Pedro II] alertava para o facto de nao estar escrevendo sobre o imperador a partir de uma perspetiva política porque o ‘calculo’ e a ‘conveniencia’ nao permitiam que fizesse isso”. A pesquisadora da UFSC tambem lembrou que a epoca em que a biografia foi escrita Machado de Assis estava longe de ser famoso, e portanto, isto pode ter ajudado o texto a permanecer desconhecido do publico ate agora. “Com entao vinte anos de idade, o Machadinho que colaborou para a revista O Espelho nao era ainda tao conhecido pelos jornais e leitores da epoca, embora possam ser encontrados textos de sua autoria na Marmota de Paula Brito desde 1855. A revista surgiu para o literato iniciante como sua primeira oportunidade de trabalho. Anterior a sua fundaçao Machado de Assis ja havia aparecido de forma episodica em outros impressos”, contou.

Machado de Assis (1839-1908) e um dos maiores escritores brasileiros, autor de livros consagrados como “Dom Casmurro”, “Memorias postumas de Bras Cubas”, “O alienista”, O retrato de Pedro II foi publicado na ediçao 10 de O Espeentre outros, alem de ser fundador e primeiro presidente lho, mas curiosamente ela nao esta anexado ao numero arda Academia Brasileira de Letras. quivado na Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro. Ja Pedro II foi Imperador do Brasil de 1831 a 1889, sendo Sobre sua descoberta, Cristiane Garcia Teixeira disse acredeposto por militares que instauraram a Republica no país. ditar na existencia de ‘textos escondidos’ em periodicos Cristiane Garcia Teixeira explicou na entrevista dada a antigos, capazes de mudar a maneira como os pesquisadoUFSC que o texto descoberto tera sido publicado em 6 de res analisam a historia do Brasil na imprensa, na literatura novembro de 1859 numa publicaçao da epoca chamada ‘O e os intelectuais do seculo XIX. Espelho: revista de literatura, moda, industria e artes’. “Sempre tem algo a se encontrar: as paginas amareladas da “Machado de Assis tinha vinte anos de idade quando come- imprensa oitocentista sao, em minha opiniao, baus de teçou a escrever nesta revista. Ele foi o colaborador mais assí- souros”, concluiu. duo, escreveu 38 textos em apenas quatro meses”, explicou. Página 33


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Fotos com História

Mesmo não sendo alfaiate ou costureira, conheceu, pelo menos na juventude, com máquinas deste género. As mais conhecidas, pelo menos na “terrinha”, eram as da marca “Singer”.

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Dicas de português... Marcos Schmalz

Seria maio o mes mais apropriado para colocar um maio? Quem sabe mais entre a sabia e o sabia? O que tem a pele do Pele? O que ha em comum entre o camelo e o camelo? O que sera que a fabrica fabrica? E tudo que se musica vira musica? Sera melhor lidar com as adversidades da conjunçao ”mas” ou com as mas pessoas? Sera que tudo que eu valido se torna valido? E entre o amem e o amem, que tal os dois? Na sexta comprei uma cesta logo apos a sesta. E a primeira vez que tu nao o ves. Vao tachar de ladrao se taxar muito alto a taxa da tacha. Asso um cervo na panela de aço que sera servido pelo servo. Vao cassar o direito de casar de dois pais no meu Português não é para amador país. Por tanto nevoeiro, portanto, a cerraçao impediu Um poeta escreveu: a serraçao. "Entre doidos e doídos, prefiro nao acentuar ". Para começar o concerto tiveram que fazer um As vezes, nao acentuar parece mesmo a soluçao. conserto. Eu, por exemplo, prefiro a carne ao carne. Ao empossar, permitiu-se a esposa empoçar o paAssim como, obviamente, prefiro o coco ao coco. lanque de lagrimas. No entanto, nem sempre a ausencia do acento e Uma mulher vivida e sempre mais vívida, profetifavoravel... za a profetisa. Pense no cagado, por exemplo, o ser vivo mais Calça, voce bota; bota, voce calça. afetado quando alguem pensa que o acento e meOxítona e proparoxítona. ra decoraçao. Na duvida, com um pouquinho de contexto, gaE ha outros casos, claro! ranto que o publico entenda aquilo que publico. Eu nao me medico, eu vou ao medico. E paro por aqui, pois esta lista ja esta longa. Quem baba nao e a baba. Realmente, portugues nao e para amador! Voce precisa ir a secretaria para falar com a secretaria. (autor desconhecido, mas enviado pelo Marcos) Sera que a roma e de Roma? Seus pais vem do mesmo país? A diferença na palavra e um acento; assento nao tem acento. Assento e embaixo, acento e em cima. Embaixo e junto e em cima separado.


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Dicas de português...

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Professora de Português dando aula...

Boa parte dos adjetivos da língua portuguesa podem ser tanto masculinos quanto femininos, independentemente da letra final: feliz, triste, alerta, inteligente, “Vamos conversar com a tia. Nao sou homofobica, emocionante, livre, doente, especial, agradavel, etc. transfobica, gordofobica. Eu sou professora de portuTerminar uma palavra com E nao faz com que ela seja gues. neutra. Eu estava explicando um conceito de portugues e fui A alface. Termina em E e e feminino. chamada de desrespeitosa por isso (ue). O elefante. Termina em E e e masculino. Eu estava explicando por que nao faz diferença nenhuma mudar a vogal tematica de substantivos e ad- Como o genero em portugues e determinado muito mais pelos artigos do que pelas vogais tematicas, se jetivos pra ser "neutra". voces querem uma língua neutra, precisam criar um Em portugues, a vogal tematica na maioria das vezes artigo neutro, nao encher um texto de X, @ e E. nao define genero. Genero e definido pelo artigo que E mesmo que fosse o caso, o portugues nao aceita geacompanha a palavra. Vou mostrar pra voces: nero neutro. Voces teriam que mudar um idioma inO motorista. Termina em A e nao e feminino. teiro pra combater o "preconceito". O poeta. Termina em A e nao e feminino. Meu conselho e: ao inves de insistir tanto na coisa do A açao, depressao, impressao, ficçao. Todas as pala- genero, entendam de uma vez por todas que genero vras que terminam em çao sao femininas, embora ter- nao existe, e uma coisa socialmente construída. O que minem com O. existe e sexo.

Entendam, em segundo lugar, que genero linguístico, genero literario, genero musical, sao coisas totalmente diferentes de "genero". Nao faz absolutamente diferença nenhuma mudar generos de palavras. Isso nao torna o mundo mais acolhedor. E entendam em terceiro lugar que voces podiam tirar o dedo da tela e parar de falar abobrinha, e se engajar em algo que realmente fizesse a diferença ao inves de ficar arrumando pano pra manga pra discutir coisas sem sentido. Tenham atitude! (Palavra que termina em E e e feminina). E parem de ficar militando no sofa! (palavra que termina em A e e masculina). Texto de Lisy Lopes Silveira

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Florianópolis Santa Catarina Brasil +55 48 991 311 560 narealgana@gmail.com www.issuu.com/correntedescrita Fundador e diretor: Afonso Rocha

Corrente d’ escrita é uma iniciativa do escritor português, radicado em Florianópolis, Afonso Rocha, e tem como objetivo falar de livros, dos seus autores, suas organizações e das atividades que estejam relacionadas com a literatura , a história e a cultura em geral. Chamaremos para colaborar com o Corrente d’ escrita escritores e agentes literários, a qualquer nível, cuja colaboração será exclusivamente gratuita e sem qualquer contrapartida, a não ser, o compromisso para divulgar, propagar e distribuir este Magazine Literário. O envio para publicação de qualquer matéria (texto ou foto) implica a autorização de forma gratuita. As matérias assinadas são da responsabilidade exclusiva de seus autores e não reflete, necessariamente, a opinião de Corrente d’ escrita. As imagens não creditadas são do domínio público que circulam na internet sem indicação de autoria. As matérias não assinada são da responsabilidade da redação.

LEIA, DIVULGUE, PARTILHE, COLABORE escravos. Para mim, realmente foi uma novidade. Sobre as benzedeiras, também conversei com algumas, acho que em torno de uns 10 anos, lá em Governador Celso Ramos. Estimado escritor e incentivador cultural Afonso Rocha, Gostei muito das matérias apresentadas. Cumprimentando-o pela qualidade de Corrente d’escrita n. 37, Abraço Sem investir em qualquer dos assuntos (todos de exce- Janice Marés Volpato. lente lavra), o referente ao que se possa entender por antologia e coletânea chamou-me a atenção, Caro Afonso, em que pese os nomes mencionados e citações. recebi e agradeço o Corrente d’Escrita, n. 37. Como, há anos, em encontro acadêmico, também escrevi a respeito, como contribuição, segue, na íntegra, com Mais uma vez, parabéns pelo seu incansável e valioso trabalho literário. meus agradecimentos antecipados. Parabéns, também, pela publicação da obra Canasvieiras, 185 Anos. E agradeço pela orientação que, há alArtêmio Zanon, gum tempo estava precisando, para me cadastrar na Acadêmico Amazon e no tal de Kindle. Adquiri teu livro e já li a parte inicial.

CORREIO

Um abraço. Boa noite Afonso, JJLeal Parabéns pela iniciativa e elaboração do Corrente . Muito interessante. Sabe que também pesquisei, até nos mesmos sites, sobre Coletânea e Antologia. Falei com o Miguel e o Braz sobre o que achavam, justamente pelas colocações em relação a essas palavras, na ficha catalográfica. Acabamos continuando com a Antologia, Nossa!!! Quem ia imaginar que escravos também podiam ter


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Número 37 - setembro 2020 I NÉ DI TO AGORA EM E-BOOK KINDLE—PREÇO ÚNICO: R$ 9,44 - € 1,35 Corrente d’ escrita

Casa dos Livros e da Leitura

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