Corrente d'escrita 46

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Ano IV — Número 46 - Mensal: agosto de 2021

Corrente d’escrita Plantando Cultura * Santa Catarina * Brasil

Fundado por Afonso Rocha—julho 2017

www.issuu.com/correntedescrita

Anita 200 anos depois... Página 23

Censura ou racismo?

Pág. 25

(pag. 14)


Corrente d’ escrita

Florianópolis Santa Catarina Brasil +55 48 991 311 560 narealgana@gmail.com www.issuu.com/correntedescrita Fundador e diretor: Afonso Rocha

Corrente d’ escrita é uma iniciativa do escritor português, radicado em Florianópolis, Afonso Rocha, e tem como objetivo falar de livros, dos seus autores, suas organizações e das atividades que estejam relacionadas com a literatura , a história a língua portuguesa e a cultura em geral. Chamaremos para colaborar com o Corrente d’ escrita escritores e agentes literários, a qualquer nível, cuja colaboração será exclusivamente gratuita e sem qualquer contrapartida, a não ser, o compromisso para divulgar, propagar e distribuir este Magazine Literário. O envio para publicação de qualquer matéria (texto ou foto) implica a autorização de forma gratuita. As matérias assinadas são da responsabilidade exclusiva de seus autores e não reflete, necessariamente, a opinião de Corrente d’ escrita. As imagens não creditadas são do domínio público que circulam na internet sem indicação de autoria. As matérias não assinada são da responsabilidade da redação.

Deonísio Da Silva /Rio de Janeiro

____________________ Obrigado, Afonso. Apreciando a capa de seu livro, creio tambem concordar: o Sul so e brasileiro porque antes foi portugues! Abraço, Meu caro Afonso, Muito obrigado pelo Corrente d'escrita, de que sou leitor. Estou apreciando ler mais uma ediçao, como sempre. Lembro, porem, que moro no Rio ha 18 anos, pesquisei a origem do nome dos bairros para programa que faço semanalmente na Band News FM desde 2011 e posso assegurar-lhe que se trata de "fake news" a origem lendaria publicada neste numero. Tanque, Freguesia, Pechincha e outros bairros tem origens documentadas. Nao sao as que foram agora publicadas. Quanto as críticas a Academia Catarinense de Letras, justas e bem-vindas, os problemas vem ha algum tempo preocupando academicos sinceramente empenhados em mudar. O atual presidente, o jornalista e escritor Moacir Pereira, lidera uma diretoria que esta procedendo a varias reformas, inclusive dos Estatutos. O numero de cadeiras vagas ja ultrapassa um terço do índice de frequencia de academicos as reunioes e sessoes, e por isso as mudanças sao urgentes. Cordialmente,

Alcides Buss/Floripa

_____________________ Boa noite confrade Afonso

epoca da Segunda guerra mundial...totalmente por mim desconhecidos. Uma excelente materia sobre a escritora Carolina Maria de Jesus. Um abraço, Maria da Luz/Floripa

AVISO: Só os textos não assinados vinculam e responsabilizam a Corrente d’escrita e a direção. Os textos e opiniões assinados responsabilizando exclusivamente os seus autores.

Parabens por mais uma maravilhosa obra que nos remete a uma leitura muito construtiva, Agradeço a gentileza por compartilhar. Um grande abraço Janice Marés Volpato

_____________________ Boa noite amigo Passando para parabenizar por mais um exemplar da bela revista. E um trabalho magnífico, e que aprendemos muito. Es o cara! Sou teu fa. Um forte abraço. Miguel Simão/Ganchos

__________________ Mais um excelente numero do Corrente. Muita informaçao, conhecimento e descobertas, como os campos de concentraçao que existiram no Brasil na

ESCREVA Apoie, critique e faça sugestões. A sua opinião é importante para nós. Envie-nos seus textos


Editorial

Corrente d’escrita

Número 44—junho 2021

C ORRENTE D ’ ESCRITA . Nesta edição de agosto, com 43 páginas e quando se comemoram duzentos anos do nascimento de Anita Garibaldi, a heroína de dois mundos, não podíamos deixar de voltar ao tema e traçamos um perfil da guerreira e de seu marido, Giuseppe Garibaldi. Ana de Jesus, ou simplesmente Anita, como lhe queiram chamar, foi uma mulher extraordinária, fora de seu tempo, que revolucionou práticas e mentalidades que só viríamos a vivenciar muitos e muitos anos depois.

Mas trazemos muitas outras matérias que não deixarão de interessar aos nossos leitores, como por exemplo: discurso de tomada de posse de Elizabete Fontes, na Academia Joinvilense de Letras; a vida e obra de Miguel Torga, um dos maiores escritores portugueses, proposto por três vezes ao prémio Nobel de literatura (1960, 1978 e 1991); o inédito, sobre a passagem por Santa Catarina do Primeiro Imperador do Brasil, Dom Pedro; traços da vida do negro abolicionista que, quase 140 anos após a sua morte, é declarado Doutor Honoris Causa, Luiz Gama; uma apresentação do que foi a União Ibérica que marcou a presença portuguesa no Brasil-Colónia (1580-1640); a vida da primeira mulher soldado brasileira, Maria Quitéria de Jesus, hoje Patrona do Quadro Complementar dos Oficiais do Exército Brasileiro; uma orientação/guia para quem sonha escrever seu primeiro livro e, como já é habitual, as nossas dicas de português. Registamos ainda, nesta edição, as crônicas de Afonso Rocha, Hilton Gorresen, Deonisio da Silva, e Donald Malschtzky e colaborações pontuais de Joel Paviotti, Nina Zobarzo e M. J. Faria.

Gostaríamos de voltar a sublinhar os propósitos editoriais do Corrente d’escrita: apoiar e divulgar os escritores, particularmente aqueles que se exprimem na nossa língua comum, isto é, a língua portuguesa; divulgar e promover a literatura e a história em geral; e aprimorar o uso da língua portuguesa. Nesses propósitos, nossas páginas estarão sempre abertas, gratuitamente, para divulgar seus textos, livros e outros materiais e eventos que se insiram nos propósitos acima descritos. Corrente d’escrita fica grato com vossas apreciações criticas e sugestões. Boas leituras. Afonso Rocha Página 3


Ano IV — Número 46 - Mensal: agosto de 2021Miguel Conheci

Torga em Coimbra. Encontrava-o muitas vezes no eletrico carreira nº 3, quando ambos regressavamos dos nossos respetivos trabalhos, nos anos 70, rumo a parte alta da cidade.

Portugal

São Martinho de Anta 12-08-1907 Por: Luísa Viana Paiva Boléo escritora e historiadora

Miguel Torga Medico que sempre foi a par de escritor, terminava as consultas no seu consultorio no Largo da Portagem, 45 e eu ja apanhara o mesmo electrico [trem] duas paragens antes, na Av. Fernao de Magalhaes onde trabalhava entao, na Federaçao dos Gremios da Lavoura da Província da Beira Litoral, num predio emblematico, todo forrado a azulejos amarelos, que felizmente ainda nao sofreu a voragem das demoliçoes, mesmo junto a estaçao dos caminhos-de-ferro, mais conhecida em Coimbra por Estaçao Nova.

Torga nao era uma pessoa muito dada, mas eu varias vezes meti conversa com ele, ate porque temas nao faltavam dado vivermos na mesma cidade. Mais de uma vez fiquei ao seu lado no tal electrico, e, se muitas pessoas o conheciam, muitas mais naquela carreira ignoravam quem era aquele senhor, de faces magras, como que esculpidas em rocha, com um tom de pela escura e um olhar penetrante. Com o tempo muitas mais sabiam que ele era um escritor de repercussao mundial e uma das glorias de Coimbra, embora ali nao O meu pai, Manuel de Paiva Boleo, foi professor da tenha nascido. Universidade de Coimbra na Faculdade de Letras e, Mais tarde, nos anos 90, conheci em Lisboa uma japodesde sempre, na minha família se falou de Miguel nesa que foi professora de literatura portuguesa nuTorga, tambem porque a mulher do escritor, Andree ma universidade de Toquio e que traduziu varios texCrabbe Rocha tambem professora de Letras cruzava- tos de Miguel Torga para japones. Chama-se Takiko se com o meu pai na faculdade. Uma irma minha, ami- Okamura e e muito conhecida no meio literario portuga do Leandro Morais Sarmento morava ao lado de gues, porque ja foi bolseira do Instituto Camoes e penMiguel Torga e passavam la muitos fins de tarde a so que da Gulbenkian e que alem de Torga ja traduziu conversar. Lembro-me da minha irma comentar que Jose Cardoso Pires e «Os Lusíadas» para japones e pulhe parecia Miguel Torga ter uma grande angustia pe- blicou ha escassos anos (2003, salvo erro) uma bem rante a morte, o que e patente no seu «Diario». documentada biografia de Wenceslau de Morais, em A admiraçao e o conhecimento da obra de Miguel Tor- japones. A professora Takiko admirava muito Miguel ga eram partilhados na minha família, onde a minha Torga com quem esteve na sua terra natal mais de mae nos recitava «Herodes» “o tal das tranças” la na uma vez e com quem tirou fotografias, que me mosJudeia que foi para o Inferno “so porque nao gostava trou. de crianças” e outros textos. Como e sabido, Miguel A religiosidade de Torga que perpassa pela sua obra e Página 4


Ano IV — Número 46 - Mensal: agosto de 2021 tao autentica, percebe-se que foi forjada na vida dura que levou em criança, na relaçao proxima entre o ceu e a terra. Mais tarde, no Brasil, em casa do tal tio que o obrigava a trabalhos duros, a imensidao da natureza e quantas vezes nao se tera interrogado sobre o que afinal fazemos neste mundo e um Deus que nem sempre nos parece magnanimo, perante tanta rudeza que nos rodeia, nas relaçoes humanas e da paisagem agreste. Adolfo Correia Rocha, nasceu a 12 de Agosto (dia de Santa Clara) de 1907 em S. Martinho de Anta, numa pequena aldeia de Tras-os-Montes, distrito de Vila Real. Filho de camponeses pobres, o pequeno Adolfo foi sempre muito chegado a mae por quem nutria uma enorme afeiçao, como ele proprio diria em «A Criaçao do Mundo». Eram tres irmaos. Em 1913 Adolfo Rocha terminou a escola primaria com o Sr. Botelho, a quem Miguel Torga dira que deveu muito da sua formaçao. «Um mundo! Um nunca acabar de terra grossa, fragosa, bravia, que tanto se levanta a pino num ímpeto de subir ao ceu, como se afunda nuns abismos de angustia, nao se sabe por que telurica contriçao». Miguel Torga, pseudonimo que escolheu por duas razoes: Miguel por ser o nome proprio de dois mestres da língua castelhana como Cervantes (1547-1616) e Unamuno (1864-1936) grandes escritores tambem preocupados com a alma humana. E Torga de «torgas» urzes que florescem nas terras transmontanas, cor de vinho, com profundas raízes bem metidas nas rochas. Que melhor nome poderia ter escolhido? Nao e ele tambem uma rocha, ate no nome? Adolfo terminou a 4ª classe com distinçao e o pai percebeu que devia continuar a estudar, o que era raro na epoca nos meios rurais. Escapou assim a vida no campo e a enxada, que trocaria pela caneta. O pai ofereceu -lhe um cavaquinho quando terminou a 4ª classe e por nao ter posses para o poder mandar estudar disse -lhe: «tens de escolher ou o Seminario ou o Brasil»

buscar o correio longe da fazenda, fazer a escrita e tudo o mais que fosse preciso. Foram dias de inferno para o jovem Adolfo, nao tanto pelo trabalho, mas porque os tios lhe nao dedicavam grande afeto, e ele que adorava a mae, sentia fortemente a sua ausencia. Em 1925, como recompensa pelo trabalho de cinco anos o tio anuncia-lhe que lhe paga os estudos num colegio em Coimbra. Fez em tres anos o liceu que era de sete.

Em 1928, entrou para o curso de medicina. Escreveu o primeiro livro de versos «Ansiedade» e em 1929 dase com o grupo da revista «Presença», onde pontoavam Jose Regio, Branquinho da Fonseca e Joao Gaspar Simoes, mas cedo o individualismo de Torga o afasta do grupo. E a altura em que o jovem estudante de medicina e literato le os grandes nomes da literatura Adolfo Rocha esteve um ano no Seminario de Lamego, mundial: Gide, Dostoievski, Ibsen, Proust, Jorge Amamas aos 13 anos (em 1920) optou pelo Brasil tendo do, Cecília Meireles, etc. Em 1930 publica «Rampa». ido para casa de um tio – fazenda de Santa Cruz, no «Tributo» e «Pao Azimo» em 1931. Estado de Minas Gerais. Ali a vida do futuro escritor Em 1932, começou a publicar o que seriam dezasseis nao foi facil: mungir as vacas, cujo leite era o alimenta volumes do «Diario». da casa, tratar dos porcos, ir ao moinho, ir a cavalo Página 5


Ano IV — Número 46 - Mensal: agosto de 2021 Acaba a licenciatura em 1933 e passa a exercer a sua especialidade de clínica geral, na sua terra natal e em Vila Nova de Miranda do Corvo, mas cedo se radica em Coimbra.

no Largo da Portagem, com vista sobre o Mondego – a «sua» janela para o mundo.

Escreve os celebres contos «Montanha» (mais tarde com o título «Contos da Montanha») apreendido pela Em 1934, usa pela primeira vez o pseudonimo que o Censura. imortalizaria – Miguel Torga, em «A Terceira Voz». Começa a escrever o seu celebre «Diario». Escreve, em 11 de Dez de 1934, o poema «Prece»:

Miguel Torga fez ediçoes de autor, porque se recusava «Senhor deito-me na cama/Coberto de sofrimento;/ E a entregar os textos previamente a Censura, como era a todo o comprimento/Sou sete palmos de lama:/Sete obrigatorio na epoca e porque, dizem os que o conhepalmos de excremento/Da terra-mae que me chama. / ceram de perto que era extremamente economico. Senhor, ergo-me do fim/Desta minha condiçao:/Onde O seu romance «O Senhor Ventura» data de 1943, era assim, digo nao,/Onde era nao, digo sim;/Mas nao mais tarde sera transposto para o cinema e foi um dos calo a voz do chao/Que grita dentro de mim. /Senhor primeiros a ser traduzido para o chines, ha poucos acaba comigo/Antes do dia marcado;/O tiro de um anos. Penso que tambem foi traduzido pela Takiko inimigo.../Qualquer pretexto tirado/Dos sarcasmos Okamura, de que falei, para japones. que te digo.» A sua vida literaria decorre com regulares ediçoes. A Em 1937, escreve «A Criaçao do Mundo» iniciando mulher completa o doutoramento em 1947. A filha uma autobiografia ficcionada. Viaja pela Europa: Fran- nasceu em 1955. ça, Italia, Belgica, Espanha e por Portugal e colabora Em 1954, recusou um premio literario atribuído por na Revista de Portugal dirigida pelo escritor Vitorino ocasiao das comemoraçoes do Centenario de Almeida Nemesio. Garrett. Escreve «Peregrinaçao». Em 1960, o prof. Jean-Baptiste Aquarone (da Faculda«Corro o mundo a procura dum poema/Que perdi nao de de Letras de Universidade de Montpelier) propoe sei quando, nem sei onde./Chamo por ele, e a voz que Miguel Torga para premio Nobel da Literatura. me responde/Tem o timbre da minha, desbotado. /As O escritor recebe em 1969 o Premio Literario Diario vezes no mar largo ou no deserto/Parece-me que sim, de Notícias. que o sinto perto/Da inspiraçao;/Mas sigo afoito em cada direçao/E e o vazio passado/Acrescentado... / Com o 25 de Abril de 1974 escreveu no Diario XII: Areia movediça ou solidao./Teimoso lutador, nao de- «Golpe Militar. Assim eu acreditasse nos militares. sanimo/Olho o monte mais alto e subo ao cimo,/ A ver Foram eles que durante macerados cinquenta anos se ao pe do ceu sou mais feliz./Mas aí nem sequer ou- patrios, nos prenderam, nos censuraram, nos apreenço o que digo; /O silencio de Orfeu vem ter comigo/E deram e asseguraram com as baionetas o poder a Tinega os versos que afinal nao fiz.» rania. Quem podera esquece-lo. Mas pronto de qualAdolfo Rocha/Miguel Torga chegou a ter, em 1939, quer maneira e um passo. Oxala nao seja duradoiraum consultorio [de medico] em Leiria, mas passava os mente de parada...» fins de semana em Coimbra, com professores e intelectuais como Paulo Quintela e Vitorino Nemesio em casa de quem conheceu a futura mulher – Adree Crabbe, de apelido, por casamento, Rocha.

Em 1976, foi-lhe atribuído o Grande Premio Internacional de Poesia da XII Bienal de Knokke-Heist (Belgica). Dois anos depois foi de novo proposto para premio Nobel. Em 1978 a Fundaçao Calouste GulbenUm texto de Miguel Torga sobre a guerra civil espa- kian prestou-lhe homenagem nos 50 anos de carreira literaria. Em 1980 recebeu o Premio Morgado de Manhola levou-o a prisao, onde esteve tres meses. teus, ex-equo com o escritor brasileiro Carlos DrumCasou em 27 de Julho de 1940. mond de Andrade. (Cont. pag. 8) Em 1941, abriu consultorio de medico em Coimbra, Página 6


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Vida/Atividade na Academia PABST, patrono da cadeira numero 7. Engenheiroagrimensor e botanico alemao, nascido em 1825, radicado em Joinville e falecido em 1863, foi inspetor e membro administrativo da Colonia Dona Francisca em 1855. A ele se deve a obra “A Colonia Dona Francisca 1853”, publicada em 1859.

No passado dia 1 de julho, na Academia Joinvilense de Letras, tomaram posse como acadêmicas, as escritoras Elizabeth Aparecida de Castro Mendonça Fontes (primeira, de esquerda, na foto acima) e Bernadéte Schatz Costa. Transcrevemos de seguida o discurso de posse da nova acadêmica, Beth Fontes.

Exma. Sra. Maria Cristina Dias, presidente Exmo. Sr. Ronald Fiuza, vice-presidente Academicos e Autoridades que compoem esta mesa Demais academicos, familiares, padrinhos afetivos, amigos presentes e os que nos acompanham de forma virtual Senhoras e senhores, “Tudo o que a memória amou, já ficou eterno”.

Tenho a grata satisfaçao de receber, como patrono, um homem de olhar debruçado sobre a natureza. Um botanico explorador de caminhos, com amplo conhecimento científico. Significativo e pensar que Joinville, eternizada como Cidade das Flores, cuja beleza dos espaços naturais inspiraram meu livro “Sobre os Jardins”, foi exatamente o berço dos estudos e registros paisagísticos do meu patrono, realizados ha quase 2 seculos, diante das belezas da Mata Atlantica e dos desafios dos caminhos da Serra Geral. Essa experiencia de desbravar terras, explorar paisagens, construir caminhos, encantar-se com as delicadezas da flora tornam-se hoje o meu legado simbolico, lugar de inspiraçao, onde devo pousar a minha escrita poetica. E o que e a escrita poetica senao exatamente o desbravar, o explorar e o descobrir os caminhos inimaginaveis da palavra, diante da delicadeza dos sentimentos? Recebo, por herança, o encantamento daquele que vislumbra novos mundos. Encantamento que ilumina os olhos e que encontra sentido hoje em outra luz, na metafora da palavra e da escrita poetica. Certamente, um legado muito belo, significativo e simbolico, o qual recebo e agradeço como precioso presente.

Início com o verso de Adelia Prado, que acompanha os sentimentos e as emoçoes que em mim se reverberam, Reverencio tambem a memoria de JURGEN JAKOBS nesta noite em que se eternizam nomes, reverenciam- PULLS, primeiro sucessor. Nasceu em 1919 e faleceu se memorias e perpetuam-se legados. em 1994. Foi professor e doutor em química industriSinto-me muito honrada e feliz pelo privilegio de ter al, considerado um dos maiores mestres do Parana. minha candidatura aprovada por esta casa, e quero Diretor-tecnico da Escola Tecnica Tupy, em Joinville, expressar meus sinceros agradecimentos aos acade- na epoca da sua fundaçao, no final dos anos 50. Jornamicos que participaram desse processo, e que reco- lista, colaborador da revista “Blumenau em Cadernos”, nheceram meu nome para integrar a família de escri- do jornal “O Academico”, alem de redator do jornal “Folha de Londrina”. Foi um dos fundadores da Assotores da Academia Joinvilense de Letras. Neste breve discurso, quero apenas declarar palavras ciaçao Filatelica de Joinville (em 1945), da Comissao de extrema gratidao, reverencia, homenagem e com- de Voluntarios do Museu Nacional de Imigraçao e Colonizaçao (em 1961) e da Academia Joinvilense de Leprometimento. tras (AJL), na qual foi admitido em 1972, na condiçao Primeiramente, reverencio a memoria de CARL de cofundador. Página 7


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Vida/Atividade na Academia Estou muito honrada por ser sua sucessora e sinto-me inspirada por sua notavel carreira como professor, escritor, incentivador da cultura e da filatelia, areas afins em minha trajetoria pessoal e profissional, motivo pelo qual terei orgulho, comprometimento e responsabilidade em representa-lo. Diante desses nomes tao expressivos que me antecederam na historia e na memoria desta Academia, e o legado que deixaram na cultura e na educaçao, reitero, neste momento, o desejo de trabalhar em prol da difusao literaria e do fomento a leitura. Quero tambem contribuir para a formaçao leitora, o cultivo das sensibilidades e o desenvolvimento artístico e estetico da literatura em nossa cidade. Especialmente, com os olhos voltados para as crianças e a infancia – esse tempo fecundo para criar habitos, despertar o prazer de ler e a capacidade de decodificar e interpretar o mundo. Espero fazer jus a nobre missao de florescer ideias, cultivar emoçoes e ampliar consciencias. Neste momento, com especial apreço, quero prestar tambem minhas homenagens e agradecimentos ao academico David Gonçalves, que incentivou e defendeu minha candidatura, e que me apresenta oficialmente a esta Academia. Com o coraçao comovido, agradeço a Deus por minha caminhada artística e literaria. A meus pais, irmaos e família pelo apoio constante. As minhas filhas Ana Luiza e Maria Fernanda, que sao a maravilhosa poesia da minha vida, meu amor imperecível. A todos que caminharam comigo no percurso da arte e da musica, e aos que caminham comigo agora, pelos terrenos da literatura. Finalizo com versos de “Cançao Amiga”, de Carlos Drummond de Andrade. Poema feito mapa, bussola e esperança, para iluminar e guiar meus caminhos. “Eu preparo uma canção em que minha mãe se reconheça, todas as mães se reconheçam e que fale como dois olhos […] Eu preparo uma canção que faça acordar os homens e adormecer as crianças.” Muito obrigada! Página 8

Tens medo de fazer amor comigo? - Tenho - respondeu ele. - Por eu ser preta? - Tu não és preta. - Aqui, sou.

- Não, não é por seres preta que eu tenho medo. - Tens medo que eu esteja doente... - Sei prevenir-me. - É porquê, então? - Tenho medo de não regressar. Não regressar de ti. Deolinda franziu o sobrolho. Empurrou o português de encontro à parede, colando-se a ele. Sidónio não mais regressaria desse abraço. (Mia Couto) Venenos de Deus, Remédios do diabo.

Miguel Torga (continuaçao) A 10 de Junho de 1989, o juri do Premio Camoes dalhe esse prestigiado galardao e, em Janeiro de 1991, a revista «Le Cheval de Troie» dedica-lhe um numero especial. E mais uma vez nomeado para o Nobel da Literatura pela Associaçao Portuguesa de Escritores. Em 1993, publica o 16º vol. de «Diario». O ultimo onde escreve o poema «Requiem por mim». A 17 de Janeiro de 1995, as 12 horas e 33 minutos, deixa este mundo. Fiquemos com estas suas palavras: «Ser livre e um imperativo que nao passa pela definiçao de nenhum estatuto. Nao e um dote, e um Dom».


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'casa antiga'), entre muitos outros?... Ou sobrenomes famosos como Abelaira, Migueis, Queiros?

Leituras...

Esta disponível nas livrarias da Galiza e Portugal o livro Apelidos da Galiza, de Portugal e do Brasil. Chaves e segredos da nossa onomastica do professor galego Diego Bernal Rico. O autor, que ja publicara anteriormente na Atraves um ensaio sobre o portugues brasileiro e as suas relaçoes com o galego, debruça-se nesta ocasiao sobre a nossa antroponímia abordando a genese, classificaçao e significaçao dos nossos apelidos. De onde veem os nossos apelidos? Que significam? Que relaçao teem com outros apelidos de línguas europeias? Sao algumas das respostas que achara neste interessante estudo, que conta tambem com uma seleçao de mais de meia centena de apelidos analisados pormenorizadamente. Alias, o volume e uma cuidada ediçao de 230 paginas, belamente ilustrado por Maurício Castro e prologado polo linguista portugues Marco Neves. Manancial de apelidos Ja alguma vez se perguntou donde proveio o seu sobrenome Couceiro, Varela, Araujo, Azevedo ou Saavedra (de Sala Vedra Página 9

Disto, e de bastante mais, fala Diego Bernal Rico em "Apelidos da Galiza, de Portugal e do Brasil. Chaves e segredos da nossa onomastica" (Ed. Atraves, Santiago de Compostela, 2021).


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Leia livros na nossa língua

O mais recente livro (impresso), de Afonso Rocha.

MOMENTOS, poesia & outras falas, está disponível no site Clube de Autores. É só entrar no site e procurar pelo nome do autor ou do livro, Capa dura, 21 x 15, com ilustraçoes, 110 paginas, R$ 40,13.

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Lá no socalco da serra Anda a cavar teu irmão Debruçado sobre a terra P'ra que tenhas vinho e pão Permita-se ser malvista, mal falada, mal avaliada! Permita que se enganem a seu respeito, que deem risadinhas pelas costas! Permita que julguem, que cochichem, que acreditem saber quem você é! Permita que te "olhem torto", que se afastem, que te excluam, que te rejeitem! Deixe sua reputação cair por terra, enfrente seu maior pesadelo! E veja que SIM, ela acaba em morte! Morte desta que era escrava "dos outros". E então viva, viva livre, sem medo. Porque a "outra" não tem mais poder sobre você.

Para além daquela serra P'ra que tenhas vinho e pão Abrindo o corpo da terra Dobra o corpo o teu irmão Sua mão concha do cacho sua mão concha do grão Em cada gesto que faz Põe a vida em comunhão." Sophia de Mello Breyner Andersen Postado por Kika Gomes e retirado do perfil do amigo Manuel Dias/Portugal,

Nina Zobarzo

"Tu sentado à tua mesa Bebes vinho comes pão Quem é que plantou a vinha? Quem é que semeia o grão?

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Ano IV — Número 46 - Mensal: agosto de 2021 janela, mas ele continua a tocar. Toca para a noite e a pouca luz da lua, toca porque e apaixonado por tocar. Os vizinhos abrem as janelas para melhor ouvir. O casal de velhinhos se beija apaixonadamente. Nao sabem o que significa “cirandar” as crianças que, de maos dadas e em círculo, cantam “Ciranda, cirandinha, vamos todos cirandar...”. Uma das maes começa a cantarolar baixinho, outra a segue, aumentam o som, dao-se as maos e esticam os braços convidando as outra maes. “Ciranda, cirandinha...”, cantam as maes. Dorme tranquilo o sobrinho a quem o tio, pela quinta vez, contara a mesma historia e sabia que em outro dia teria que repeti-la. Nao se importava em faze-lo, pois tambem gostava de como era escrita. Vendo a cena, bateu a saudade da namorada distante. Ligou para ela e, sem deixa-la falar, declamou: “Em tudo, ao meu amor serei atento antes/ E com tal zelo, e sempre, e tanto/ Que mesmo em face do maior encanto/ Dele se encante mais meu pensamento”. Donald Malschtzky

Para quem nao conhece, desde 2004 realiza-se anualmente o Semeador em Sao Bento do Sul, um evento beneficente de poesia e musica, sempre com lotaçao plena. Sao mais de 40 artistas. Neste ano sera uma live, no dia 11 de agosto, as 20 h, com o tema "Bendita Arte". Bendita Arte Entra na sala vazia e muda e depara-se com o quadro “A ronda noturna”, de Rembrandt. Pisa devagar e respira com cuidado para que seu halito nao embace o magnífico jogo de luzes da pintura. Petrificado, tenta imaginar como ele conseguiu, naquela epoca, esses efeitos todos, quantas camadas de tinta utilizou, quantos estudos fez, quanto tempo levou. Carregado de encanto, segue para outro comodo com uma das paredes de dimensoes nao convencionais, de 3,49 m x 7,77 m, toda coberta pelo quadro Guernica, de Picasso. Afliçao, revolta, horror, raiva, muita raiva tomam de seu ser. “A guerra e coisa de humanos”, pensa, sem conseguir tirar os olhos de cada detalhe da obra. Finalmente, sai e chega a um espaço em que o desenho feito pela filha quando ela tinha seis anos adorna a cabeceira da cama. Vestem-se de esperança seus olhos cansados. No meio da praça, o menino olha as folhas que o vento levanta em redemoinho e dança, dança como se tivesse pertencido as arvores la de cima e visto o fim do horizonte e agora precisava contar com seus movimentos como tudo e diferente quando se mudam os angulos. Feliz, rodopia com as folhas. Enche a noite o som do saxofone da serenata que o musico faz para sua amada. Ela, amuada, nao aparece na Página 12


Ano IV — Número 46 - Mensal: agosto de 2021 tugal), bem como do Ministerio da Cultura e do governo de Sao Paulo. A ausencia de Bolsonaro, para os mais atentos, nao sera estranho, mas e de lamentar. Este gesto hostil e desrespeitoso para com seus homologos em nada ajuda no relacionamento com e na Comunidade dos Países de Língua Oficial Portuguesa (CPLP). O museu da língua portuguesa—o unico no mundo dedicado a uma língua—localizado em Sao Paulo, na Estaçao da Luz, foi inaugurado em 2006 e pegou fogo em 2015. Realizou-se, no passado dia 31 de julho, a reinauguraçao do Museu da Língua Portuguesa, em Sao Paulo, com a presença do presidente de Portugal, dos primeiros ministros de Cabo Verde e de Moçambique, o governador de Sao Paulo e dos ex presidentes FHC, Temer e Sarney, entre outras importantes personalidades ligadas ao ensino da nossa língua comum, mas a ausencia do Presidente do Brasil, a quem, se nos permitem, competia receber seus homologos dos países que tem o portugues como língua oficial e como país anfitriao, onde se localiza tao importante meio difusor da nossa língua patria. A reconstruçao do Museu so foi possível com a ajuda financeira (85 milhoes) de entidades privadas, nomeadamente da Globo e da EDP (Eletricidade de Por-

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Agora, renovado, é digno de sua visita.


Ano IV — Número 46 - Mensal: agosto de 2021 tanta civilizaçao. A senhora e uma artista, admiravel em sua arte, a mais nobre das artes, a da culinaria.

Coralina & Jorge Amado

O raro registro da visita de Jorge Amado a Cora Coralina, em 1977.

Ao demais, sinto-me feliz de contar com mais uma amiga em Goias – eu e minha mulher, Zelia. Receba um beijo dela e outro afetuoso de Jorge Amado". A visita, uma grande troca de experiencias e degustaçao de doces, selava o encontro de dois grandes nomes da literatura brasileira. Texto original de Joel Paviotti

Cora Coralina, que passou a maior parte da vida como doceira e poetisa, vivendo no anonimato, resolveu, com quase 90 anos, enviar para Jorge Amado uma carta e alguns dos doces que fazia. O Baiano, que morava em Salvador, recebeu os mimos e resolveu agradecer a escritora. Primeiro escrevendo uma carta. Depois aparecendo na casa da poetisa, para comer mais doces e conhecer a grande escritora pessoalmente. Junto com sua esposa Zelia Gattai, Jorge Amado foi ate Goias Velho, terra de Cora, e passou dois dias ao lado de sua colega de letras, saboreando muitos doces e jogando papo pro ar. Jorge tambem mostrou alguns de seus rascunhos e tambem conferiu alguns poemas criados pela nova amiga, em sua adolescencia. Segue a carta, de agradecimento de Jorge Amado: "Prezada amiga, dos doces posso dizer que sao sublimes e divinos e ainda digo pouco. Da gentileza de envia-los, nada posso dizer, faltam-me as palavras para agradecer

Para divulgar (grátis) seus trabalhos no

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Ano IV — Número 46 - Mensal: agosto de 2021 ras, uma em cada ponta - e aí estava o que, ja nos anos sessenta e setenta, começou por ser o primario esqueite dos nossos dias. Nao rodavamos de pe como os de hoje, mas sentados, quase raspando o traseiro pelo chao duro e pedregoso dos caminhos rurais.

O esqueite do avô Zeca O meu primo Zeca era dos mais afoitos. E nao so nas carretas. Era afoito em tudo. Foi o primeiro do grupo a aprender a nadar no riacho da aldeia; o primeiro na classe do primario; o primeiro a ter namorada, mas tambem o primeiro que ficou preso dois dias por ser pego a roubar uma galinha do mato ao vizinho. O nosso grupo era capitaneado por ele e tínhamos a fama por sermos, embora de boas famílias, desordeiros e malandroes, que nada fazíamos de util. Nosso passatempo favorito apos as aulas da primaria, era construir carretas – uma prancha de madeira corrida com mais ou menos meio metro, duas varas cilíndricas pregadas em cada uma das pontas da referida prancha, quatro rodinhas pregadas nas vaPágina 15

Eramos escorraçados, particularmente por nossos pais, por fugirmos aos trabalhos, por nos ferirmos, por rasgar as calças, quando as tínhamos; por fazermos algazarras desenfreadas quando eles queriam sossego e porque derrubavamos as arvores, ainda pequenas, para obter os tais paus que serviriam de eixo.

todo modernaço, com rodízios em aço e esferas, tudo trabalhado industrialmente, que so lhe faltava voar e falar. Correm vinte anos do novo seculo, com tres geraçoes pelo meio, e o esqueite virou moda, primeiro nos Estados Unidos e, depois, galgando as bordas do mundo e as notícias internacionais, começando a realizar-se torneios estaduais, interestaduais, nacionais e ate, ja nos nossos dias, provas Olímpicas. Ramires, o jovem neto do primo Zeca, que nem conheceu o esqueite de seu avo, ja nao e mais escorraçado das ruas; ganhou prestígio e espaço nos mídea e a prefeitura de sua cidade mandou construir uma pista especial, toda novinha, para ele, e outros apaniguados, treinarem.

Os praticantes do esqueitismo nao sao mais os “malandros” de outrora que nada faziam de util, mas homens e mulheres que escrevem, pintam, surfam, advogam, domiNos anos setenta, essas pranchas, a nam a informatica, as redes sociais que chamavamos inicialmente de e a política multicolorida. carretas ja tinham virado moda, se Quando escrevemos esta cronica, vendiam no comercio e alguns gudisputa-se no Japao a prova Olímpiris nas cidades começavam a invaca, com os reis do esqueite a dispudir o espaço publico destinado aos tar o medalhao de oiro. passantes. Nova guerra se abriu com os polícias locais. Conquistar o terreno, isto e, conquistar o direito ao lazer e ate ao novo desporto, que ja motivava aglomeraçao de praticantes e curiosos, foi uma epopeia dos diabos. Nesses anos 70 e 80, ja nao era a nossa turma da província que imperava nas vilas e cidades, capitaneados pelo primo Zeca, mas seu filho Arturzinho que recebera, de prenda, um esqueite


Ano IV — Número 46 - Mensal: agosto de 2021

O “NÉ?” CATARINA Uma das características mais notadas no catarinense e o uso da expressao “ne?” no final de quase toda frase. Observe quando um grupo de reportagem pega um transeunte desprevenido e o entrevista. As respostas sempre vem com uma saraivada de “nes”. Pessoas de outros estados sempre acham que estamos a lhe perguntar. Engano: o catarinense afirma perguntando. Nosso ne equivale ao gaucho “tche!” ou ao mineiro “so!”. E tambem um dos componentes de um time bastante familiar, como "ta?", "ok?", "percebe?", "entendeu?", e outros.

algumas conclusoes complicadas a respeito do assunto, com base nada científica, apenas de oitiva, o que, em linguagem vulgar, significa de ouvido, de “oreia”.

Ja que e difícil para a classe dos “nezistas”, entre os quais me incluo, policiar-se a fim de diminuir a quantidade de nes por minuto, temos que valorizar nossa expressao Existem varios tipos de ne. Um de- mais conhecida, ne? les o ne terminativo, uma especie de eufonia para nao deixar a frase terminar secamente: Nessa hora senti que estava errado, ne! Existe o ne interativo, uma estrategia para envolver o nosso interlocutor na conversa: que frio, ne? E uma afirmaçao que exige volta, uma resposta do outro. As vezes, o ne revestese de recriminaçao: Voce nao me ouviu, ne?! Agora se vire! Outras vezes, vira uma resposta sarcastica: Quem estragou o aparelho? So poAcademia Joinvilense de Letras de ser o fulano, ne? Ou o ne serve como uma imposiçao: Voce nao vai faltar a aula, ne? Nesse caso, quem fala nao tem objetivo de perguntar e sim de ordenar, prevendo uma resposta. No caso, trata-se de uma imposiçao com açucar.

O "ne?" vai saindo de forma tao sorrateira que voce passa a usa-lo sem perceber. Alguns ficam surpresos ao verificarem numa gravaçao que Nossa característica tem eco numa em dois minutos usaram mais de língua de prestígio, o ingles. Obseruma dezena de "ne?". ve a frase: “You like cine, isen’t? Seria isso uma especie de muleta Traduçao: Voce gosta de cinema, verbal? Uma questao de baixa auto- ne? estima? Insegurança ao afirmar? Alguem ja fez pesquisa para saber Por que nao somos assertivos como quantas vezes numa conversa os os paulistas ou paranaenses? americanos utilizam essa expresNao sou linguista, sociologo ou psi- sao? cologo, mas posso tambem tirar Divulgue—Partilhe—Leia

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Ano IV — Número 46 - Mensal: agosto de 2021 na”. Contou-me ser apaixonado por historia e que um projeto seu era escrever a historia de Barra Velha, onde nasceu e passou boa parte da vida.

As tainhas voltarão

“A chegada da epoca de tainhas e fundamental para nos, os nativos daqui, nao so pela comida, mas por tudo que acontece. Corre no nosso sangue, e cultural”. Foram as ultimas palavras que ouvi dele em uma das muitas vezes que, pedalando, passava em frente a sua casa e o procurava para uma parada e papos gostosos. Vilmar Pedro de Souza e eu eramos amigos ha mais de 40 anos e sempre havia assunto sobrando, entre política, costumes e lembranças. No dia 13 a noite, uma publicaçao do amigo Dorval Schmitt pedia força aos amigos pela recuperaçao do Vilmar, internado por complicaçoes da Covid. Dia seguinte, ja cedo, outra postagem: Vilmar falecera. Partiu em plena temporada de tainhas. Ha algum tempo, dei-lhe de presente os livros “Pequenas historias de Sao Bento” e “A historia da Polícia Militar Ambiental de Santa Catari-

O ir-se esta sempre distante de nossa mente e, por nao crermos no inevitavel, procrastinamos o quanto possível todas as providencias que, logicamente, deveríamos tomar, uma vez que a chegada e inexoravel. E ficam os baus repletos de coisas inacabadas para que os que ficam relembrem, acalentem momentos, abracem tristezas. Isso em condiçoes que talvez possamos chamar de “normais”, como a morte por velhice ou por doença que se sabe fatal, mas que demorara seu tempo. Tudo se agrava quando a partida acontece sem a compra da passagem, sem tempo para nada, nem para dizer adeus.

ficou, encontrarao belas surpresas? Talvez material para mais um “Arco íris Azul”, o livro de poemas que publicou, talvez as anotaçoes da historia de sua terra, talvez mensagens que colarao nos coraçoes? Mas, e o que quis escrever e ficou apenas no querer, para onde foi? Possivelmente, sua alma esperou o vento sul que veio soprar forte por esses dias e aproveitando que soprava, pediu a ele que levasse tudo sobre o mar e a areia para que fosse achado por pescadores e crianças, e tudo recomeçasse. Ate a volta das tainhas, no ano que vem.

Vilmar se foi assim, sem tempo de verificar o que precisavam seus cavalos na cabanha que tanto amava, sem oportunidade de curtir mais um pouco a família, terminar alguns dos muitos assuntos com os amigos, escrever mais uma pagina, um poema, um bilhete. Tudo ficou do lado de fora enquanto seu respiro o abandonava. Nas buscas e arrumaçoes do que

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Ano IV — Número 46 - Mensal: agosto de 2021 pelo Sul do Brasil. O manuscrito foi anexado a carta enviada a imperatriz Leopoldina, desde Porto Alegre, em 8 de dezembro de 1826.

Casos com História Páginas do passado

O documento esta arquivado no Museu Imperial de Petropolis, no Rio de Janeiro. O resgate historico foi feito pelo jornalista gaucho Nelson Adams Filho, em seu livro “A maluca viagem de Dom Pedro I pelo Sul do Brasil”, lançado em 2016. Nele, sao apresentados as particularidades da aventura que passamos a descrever. Dom Pedro I tinha saído do Rio de Janeiro em 25 de

O imperador em Floripa/SC Foi graças a um pescador que o governador de Santa Catarina, brigadeiro Francisco de Albuquerque Mello, ficou sabendo da presença do imperador Dom Pedro I em Desterro.

novembro de 1826 e quatro dias depois chega a Desterro, sua primeira parada, onde ficaria dois dias. Duas horas depois de sair de Canasvieiras, seu escaler chegou na Ponta do Sambaqui. Ali, Dom Pedro colocou os pes em terra pela primeira vez no Sul do Brasil. Caminhou pelo local e, depois de uma hora e meia, continuou navegando pela costa Oeste da Ilha, passando por Santo Antonio de Lisboa, Cacupe e Joao Paulo, ate a Baía Norte, onde chegou as 11h30min. Nesse momento, desembarcou no Forte Santana (que ele chama de Forte do Estreito), seguindo imediatamente a pe ate o centro da cidade, onde assistiu a missa na Catedral. No trajeto de 15 minutos, algumas pessoas que ja sabiam da ilustre presença começaram a acompanha-lo e aclama-lo pelas precarias ruas da epoca.

Eram 17h30min do dia 29 de novembro de 1826 quando o navio com o imperador a bordo fundeou na Praia de Canasvieiras, no Norte da Ilha de Santa Catarina. Na madrugada do dia seguinte, Dom Pedro acordou as 5h e deixou o navio a bordo de um pequeno bote, chamado escaler, em direçao ao Centro da cidade, onde chegou antes do meio-dia. Alertado pelos nativos, o governador foi tentar recepciona-lo na Baía Norte com seu proprio escaler, mas os ventos nao permitiram o encontro no mar. Para surpresa geral, Dom Pedro e sua comitiva desceram no Forte Santana, na atual Avenida Beira Mar Norte, e foram cami"Esta feliz notícia, comunicou-se logo por toda a cidanhando ate a Catedral para assistir a missa. de por maneira que no desembarque e por todo o O dia em que o imperador Dom Pedro I visitou Destertransito ate a Igreja matriz, foi S. Majestade acomparo, assistiu a missa, passeou e foi embora. O imperanhado pelo povo que em vivas patenteava os seus dor estava a caminho do Rio Grande do Sul e pretensentimentos e, na sua ingenuidade, a sinceridade das dia coordenar as tropas brasileiras que lutavam consuas impressoes”, escreveu o governador Albuquertra a Argentina pela posse do territorio uruguaio: era que Mello, em correspondencia enviada semanas dea Guerra Cisplatina, que se desenvolveu entre os anos pois ao Marques de Caravelas, ministro do Imperio. 1825 e 1828. No manuscrito, Dom Pedro conta que apos a missa na Os detalhes desta historia foram descobertas recenteatual Catedral foi com sua comitiva ao Palacio do Gomente e estao baseadas no relato do proprio imperaverno (hoje, Palacio Cruz e Sousa) onde se hospedou. dor, que escreveu uma especie de diario, chamado Ali recebeu as homenagens das autoridades locais e ‘Itinerario de Jornada’, sobre sua viagem de 37 dias de “cidadaos de todas as classes que, a porta, ambicioPágina 18


Ano IV — Número 46 - Mensal: agosto de 2021

navam a honra de beijar a mao augusta do adorado soberano”, como detalha o governador. Mas o imperador buscou abreviar as deferencias porque queria conhecer os encantos da cidade. Por isso, depois do almoço subiu no seu cavalo para dar um passeio pelas redondezas, que se estendeu por toda a tarde. A presença do imperador provocou um frenesi entre os moradores do Centro. “Repicavam os sinos, chamando as irmandades para, reunidas ao vigario, conduzirem o palio; os tambores tocando a reunir soldados de linha e milicianos. Apressadamente tratavam outros de mandar preparar as lanternas e candieiros com azeite de baleia para iluminaçao, enquanto outros se dirigiam a mata em busca de palmeiras para ornamentaçao das praças e ruas; dir-se-ia que uma violenta comoçao nervosa havia abalado aquele pacato povo”, contou Albuquerque Mello.

ra isso, como explica o governador, “ordenou a prontidao dos seus transportes, pagando tudo do seu particular bolsinho”. As 4h do dia 1º de dezembro, a pequena comitiva deixou o centro de Desterro pelo mar. A bordo do escaler saíram do Forte Santana e costearam a margem Oeste da Ilha, passando Escaler com Dom Pedro pelas praias do Saco dos Limoes, Costeira, Tapera e Ribeirao da Ilha ate chegar a Caieira do Sul. Em seu itinerario, Dom Pedro informa que o percurso de 40 quilometros ate as proximidades da Fortaleza de Nossa Senhora de Araçatuba (atual Praia de Naufragados) foi completado em pouco mais de quatro horas, chegando as 8h30min. Ali tomaram cafe da manha, ja providenciado por um grupo precursor, o mesmo que comprou os cavalos para a viagem. As 11h30min, iniciaram a travessia de barco para o continente ate a Praia do Sonho.

Iniciava-se, nesse momento, a cavalgada de 450 quilometros ate a capital gaucha, sendo 200 deles pelo litoral catarinense. “A 1 hora chegamos ao Rio Imbaha (Embau) onde passamos em canoas e os cavalos a nado, montamos do outro lado do rio a 1 ½ e chegamos a Praia de Garopaba as 3 ½ e a Armaçao (Imbituba) as 8 ½”, escreveu Dom Pedro, que era um exímio cavaleiro. Naquele dia, a comitiva fez um total de quatro hoNa epoca, a Ilha tinha 6,5 mil moradores e a Província ras e meia navegando e oito horas cavalgando. de Santa Catarina somava 35 mil habitantes. Naquela Lembrando que Santa Catarina nao tinha estradas a tarde, Dom Pedro I começou a preparar a sua saída a epoca, eram trilhas ou pedaços de caminho. Ja os navicavalo para o Rio Grande do Sul, seu destino final. Pa- os de transporte com as tropas, as corvetas e a Nau

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Ano IV — Número 46 - Mensal: agosto de 2021 Pedro I, que acompanhavam o imperador e chegaram com ele a Canasvieiras, seguiram pelo mar para Rio Grande. No sabado, 2 de dezembro, Dom Pedro sai de Armaçao, as 8h, chegando quatro horas depois a Vila Nova (atual Imbituba), onde almoçou. O livro ‘A maluca viagem…’ descreve a sequencia. “As 15h45m, retomaram a jornada e percorreram os 30 quilometros ate Laguna, onde dormiram num casarao de tres andares, no Centro, na atual Rua Gustavo Richard. A casa foi demolida no seculo 20. Era um predio com tres portas de entrada e arcadas, identicas aos portais da Igreja Matriz da cidade. O proprietario era Sidney Barreiros”. Nelson Adams Filho continua: “Em 3 de dezembro, Dom Pedro se levantou as 6h e foi a missa no Centro da cidade e logo depois embarcou para atravessar o rio Tubarao. Ele e a comitiva retomaram a cavalgada, passaram por Jaguaruna, Ararangua e Arroio do Silva, Balneario Gaivota, chegando a Passo de Torres as 19h30m, onde pernoitaram numa barraca de sape abandonada. Apos dormirem nesse lugar inospito,

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sujo e abandonado, atravessaram o Rio Mampituba e ao chegar a Torres, a primeira coisa que Dom Pedro fez foi lavar-se! Ou seja, estava sujo da jornada e da noite anterior.” No dia seguinte, entraram no Rio Grande do Sul rumo a Porto Alegre, onde chegaram em 7 de dezembro. Terminava assim a passagem do Imperador Dom Pedro I por Santa Catarina. Foram cinco dias em territorio catarinense, nos quais ele pode conhecer parte das belezas do Estado. Esta historia da passagem de Dom Pedro I por Santa Catarina, em 1826, e desconhecida para a maioria dos catarinenses, inclusive as autoridades. Por isso, esta reportagem faz eco a reclamaçao do jornalista Nelson Adams Filho, autor do livro “A maluca viagem…’, que aponta nao existir em nenhum lugar por onde Dom Pedro I passou em Santa Catarina, uma placa indicativa ou informaçao historica sobre o fato. Tambem nao ha, na literatura do Estado, alusao a passagem do imperador. "Um desleixo historico das autoridades, pesquisadores que parecem desconhecer esse momento”, diz Adams Filho.


Ano IV — Número 46 - Mensal: agosto de 2021 dias...

Gente com História O homem vai, mas a abra fica

Mas infelizmente ele precisou partir. Foi vendido ao contrabandista Antonio Pereira Cardoso, fazendeiro da regiao de Lorena - SP, esse mesmo contrabandista foi preso na decada de 1870 por ter matado de fome alguns escravizados. Antonio cometeu suicídio com um tiro na cabeça. O menino de 10 anos foi comprado em um lote de mais de 100 escravizados! A criança fez a viagem de Santos a Campinas, a pe. Mais de 187km de incertezas, humilhaçoes e medo. O garotinho andou bastante e em cada lugar era ofere-

Luiz Gama Por: Rodrigo Bastos Santana

Luiz Gama nasceu no dia 21 de junho de 1830, em Salvador / Bahia. Era filho de um homem que pertencia a uma das principais famílias da Bahia de origem portuguesa. O nome do pai Luiz jamais revelou, mas disse que o pai era um fidalgo. Sua mae, uma negra africana livre da Costa Mina (Nago de Naçao) chamava-se Luiza Mahin. Em suas memorias, Luiz citou que sua mae era quitandeira que tinha os “dentes alvíssimos como a neve, era bonita, magra, com a cor preto retinto e sem lustro, muito altiva, insofrida e vingativa”. Luiz Gama relata que a mae “foi presa como suspeita de envolver-se em planos de insurreiçao de escravos, que nao tiveram efeito.” Essa descriçao leva muitas pessoas a crerem que ela foi a líder da Revolta de Males (1835) e Sabinada (1837). Luiza merece uma postagem exclusiva porque o assunto sobre ela e grande. Apos os envolvimentos políticos de insurreiçao na Bahia, Luiza foi ao Rio de Janeiro e nunca mais voltou. Luiz ficou com o pai e aos 10 anos, no dia 10 de novembro, foi vendido para ser escravizado. Partiu em um navio para o Rio de Janeiro e chegando la, junto com outros escravizados, foi para a casa de um comerciante que recebia escravizados a comissao. Luiz Gama disse que a família era muito bondosa e que a matrona era um exemplo de candura e piedade. Disse tambem que teve muitos cuidados e amor por alguns

cido para ser comprado. Ninguem o queria pelo simples fato de ser baiano!!!! Chegou a ser escolhido por um senhor chamado Francisco Egídio de Souza Aranha, mas foi deixado de lado. O senhor lhe disse: “Baiano? Nem de graça o quero. Ja nao foi por bom que o venderam tao pequeno!” Tadinho Luiz voltou a casa de Antonio Pereira Cardoso e la aprendeu a cozinhar, costurar, engomar roupa e ser copeiro. Em 1847 o fazendeiro recebeu um hospede estudioso chamado Antonio Rodrigues de Prado Junior. O estudante de humanidades logo se afeiçoou ao Luiz e acabaram virando amigos íntimos. O “irmao dileto” lhe ensinou entao as primeiras letras. Luiz, com 17 anos aprendeu a ler e escrever, e secretamente tentou garantir provas de que era livre! As provas eram inconcussas, entao ele fugiu da fazenda (1848). Logo depois alistou-se, chegando a ser cabo. No tempo livre trabalhava escrevendo textos (copista) para o escritorio do escrivao Major Benedito Antonio Coelho. Em 1854 foi insultado por um oficial e nao deixou barato! Acabou sendo preso por 39 dias. Na cadeia lia bastante, sofria de insonia e quando adormecia sonhava com a mae sendo presa. Por diversas vezes Luiz Gama disse que via a imagem da mae lhe chamando, fato que uma vez lhe assustou e lhe fez gritar! Ele nunca esqueceu... “Era mui bela e formosa, era a mais linda pretinha. Oh! Que saudades que tenho dos seus mimosos carinhos”. Luiz chegou a procura-la no Rio de Janeiro nos anos de 1847, 1856 e 1861.

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Local onde existiria a propriedade do Marechal


Ano IV — Número 46 - Mensal: agosto de 2021 com outros membros fundou o Clube Radical Paulistano, a ala mais radical do Partido Liberal — que, futuramente, geraria o movimento republicano. Uma das particularidades de Luiz Gama foi assumir explicitamente em seus textos que era um negro que estava falando e como tal, todos poderiam ser agentes e protagonistas de sua liberdade! Por sua causa muitas pessoas acreditaram que seria possível acabar com a escravidao. Guardem esse nome: Luiz Gama. Figura chave do movimento abolicionista, atuante nos tribunais paulistas em favor de escravizados. Sob a guarda do arquivo do Tribunal de Justiça encontramse centenas (quase 500) de processos em que ele conseguiu a alforria por via judicial. Com certeza outras centenas perderam-se ao longo do tempo... Luiz Gama faleceu em decorrencia da diabetes aos 52 anos de idade, no dia 24 de agosto de 1882. Ficou preso do dia 1 de julho a 9 de agosto e apos esse fato trabalhou para diversas autoridades oficiais como copista e foi nomeado amanuense (quem escreve textos a mao) da Secretaria de Polícia. Em 1868 foi demitido “a bem do serviço publico”, por razoes políticas e por promover processos em favor de pessoas livres que eram criminosamente escravizadas! Luiz Gama casou-se com Claudina Fortunata de Sampaio e juntos tiveram um filho chamado Benedito Graco Pinto da Gama. Autodidata e impedido de fazer o curso de Direito, aprendeu sozinho as ciencias jurídicas para defender e alforriar os escravizados que segundo ele eram “pessoas livres criminosamente escravizadas”. Voces sabiam que foi ele quem “desenterrou” a Lei Feijo (que proibia a importaçao de escravizados para o Brasil)? Ele fez de tudo para libertar os africanos comercializados mesmo depois da promulgaçao da lei e por este motivo bateu de frente com os principais juízes da epoca. Disse ao juiz as seguintes palavras: “Respeite o Direito e cumpra seu rigoroso dever, para o que e pago com o suor da naçao.” O fato do Brasil ser a unica monarquia das Americas e ultima naçao escravagista o incomodava muito e junto Página 22

FOI O MAIOR FUNERAL DO ESTADO DE SAO PAULO que na epoca contava com cerca de 40 mil habitantes. Pobres e ricos, brancos e negros foram prestar as ultimas homenagens. O caixao passou de mao em mao e o sepultamento aconteceu as 16h no Cemiterio da Consolaçao. Seis anos depois aconteceu o que Luiz Gama mais queria: a aboliçao da escravatura. Porem a luta pela liberdade ainda continua...


Ano IV — Número 46 - Mensal: agosto de 2021

UNIÃO IBÉRICA

península. A gestao de Felipe II caracterizou-se pela habilidade política e administrativa. O monarca manteve os portugueses nas principais esferas da administraçao, sem precisar, portanto, indispor-se militarmente com seus novos suditos. Alem da preservaçao dessas características, Felipe II operou algumas mudanças tambem. Umas das mais significativas foram as alteraçoes na estrutura administrativa das colonias portuguesas, sobretudo do Brasil. A mais significativa dessas alteraçoes foi a divisao do Brasil em dois: do lado oeste, a colonia do Maranhao, cuja sede era Sao Luís, e do lado leste, a colonia do Brasil, cuja sede era Salvador.

Muitos leitores desconhecerão do que se tratou Foi no período da Uniao Iberica tambem que houve as aquando da União Ibérica, apesar da história do invasoes de outros países no Brasil, como Holanda e França; tendo a primeira maior sucesso que a segunBrasil estar diretamente relacionada a este fato. da. Isso ocorreu principalmente porque essas naçoes, A Uniao Iberica, pode-se dizer, foi um fenomeno políque antes mantinham uma relaçao amistosa com Portico ocorrido entre a segunda metade do seculo XVI e tugal, confrontaram-se diretamente com a Espanha. a primeira metade do seculo XVII (1580-1640) que se Entre os motivos, podemos citar dois: um de ordem caracterizou pela junçao das coroas portuguesa e eseconomica, o controle do comercio de açucar e da expanhola. Essa junçao aconteceu apos o desaparecitraçao de metais; e o outro de ordem religiosa, a Espamento e morte de Dom Sebastiao na Batalha nha era catolica enquanto a Holanda e parte dos frande Alcacer Quibir, no Marrocos, quando estava em ceses haviam aderido ao protestantismo. O período guerra contra os mouros, em 1578. conhecido como “Brasil Holandes”, em que vigorou A morte de D. Sebastiao provocou uma crise sucesso- uma sofisticada administraçao holandesa em parte da ria em Portugal, haja vista que o rei nao havia deixado costa nordeste brasileira, ocorreu exatamente nesse herdeiros, portanto nenhum sucessor direto poderia contexto. Os efeitos da indisposiçao entre Espanha e assumir o trono. Temporariamente, quem se encarre- Holanda podem ser vistos no trecho de uma pesquisa gou da tarefa de substituir o rei foi seu tio-avo, o car- desenvolvida pelo historiador Alírio Cardoso, disposto deal D. Henrique (Henrique I, de Portugal), que, ja abaixo: muito idoso, faleceu em 1580. A morte de D. Henrique “A ideia de enviar ao Maranhao soldados castelhanos marcou o fim da dinastia de Avis. destacados para ir ao Chile vai ser discutida peCom o fim dessa dinastia, o trono portugues passou a lo Consejo de Portugal, sempre baseada no pressuposser disputado por outras dinastias europeias, que rei- to de que o Maranhao estaria mais proximo as Indias vindicavam ligaçao de parentesco com Dom Sebastiao. Castelhanas, e mais distante em relaçao ao Estado do O entao rei da Espanha, Felipe II, um dos monarcas Brasil. Ao final, o Conselho avalia ser inconveniente o mais poderosos de sua epoca, era neto de Dom Manu- envio dos ditos soldados, por deixar um caminho el, O Venturoso, que, por sua vez, era tio de Dom Se- aberto ao avanço holandes nas partes do sul, com a bastiao. Essa ligaçao parental foi reivindicada por Fe- saída de tantos homens dessa regiao. Estava claro lipe II e usada como legitimaçao para a invasao espa- que, para o conde de Salinas, a tomada do Maranhao nhola em Portugal no ano de 1580. fazia parte de uma ampla preocupaçao defensiva conFelipe II passou assim a ser o rei tanto da Espanha tra os inimigos de Castela. De fato, existe uma boa quanto de Portugal, inaugurando a Uniao Iberica, ja aceitaçao da formula filipina de intervençao internacique os dois países juntos cobrem o territorio dessa onal armada no processo de conquista. Nao por acaso, Página 23


Ano IV — Número 46 - Mensal: agosto de 2021 a ideia original para a integraçao do Maranhao ao imperio incluía a participaçao ativa de espanhois.” (CARDOSO, Alírio. “A conquista do Maranhao e as disputas atlanticas na geopolítica da Uniao Iberica (1596-1626)”. Rev. Bras. Hist., Sao Paulo , v. 31, n. 61, 2011 p. 329-330)

luta contra o "Turco"; (ii) recentrava o poder da Coroa Portuguesa no Atlantico, diminuindo a dependencia do Indico, de dia para dia mais dispendiosa em gente e fazenda; (iii) libertava-o da tutela do tio, Filipe II, e das maquinaçoes deste num teatro político que pouco dizia a Coroa Portuguesa (recordo que, ao tempo, o prologo da Guerra dos 30 Anos ja estava em cena).

A Uniao Iberica foi desfeita com a restauraçao do tro- Filipe II, perspicaz, tentou demover o sobrinho da aventura no portugues, em 1640. magrebina e proibiu mesmo que mercenarios castelhanos participassem na expediçao militar a Marrocos.

Outra visão: Muito se diz sobre a Uniao Iberica, a loucura juvenil de D. Sebastiao e a astucia de Filipe II (o tal que "herdou, pagou e conquistou o Reino de Portugal). Mas nem sempre se diz bem. Filipe II era o chefe da linhagem Habsburg que detinha, atraves da Casa de Austria, o Sacro Imperio. Filipe II assumia a estrategia dos Habsburg/Austria relativamente as Republicas Unidas de Zeeland e Holanda (esta, tambem, uma concertaçao de Estados Germanicos sob a Casa de Nassau).

A Galiza ficou arredada da Historia quando o Reino de Portugal se afirmou. Ora, o Reino de Portugal afirmou-se porque a Historia fazia-se, entao, a Sul no dialogo e no confronto com as taifas muçulmanas. Dito de outro modo, a partir do final do sec. XII a Historia deixou de passar pela Galiza (que tinha sido um Reino, sob Garcia, filho mais novo de Afonso VI, tio de Teresa, a quem esta procurou suceder). Como aconteceu em grande parte com a Escocia: com a Guerra dos 100 Anos, a Historia ficou centrada a sudeste, no Canal da Mancha e no relacionamento com o Reino de França e as Cidades-Estados Hanseaticas. Muito longe das Highlands, portanto. Justamente, a França, as Republicas Unidas (herdeiras das Cidades-Estados Hanseaticas) e a Inglaterra que iriam atormentar os dias dos Habsburg e de Filipe II.

Filipe II era, alem de tio e chefe de linhagem, o tutor de D. Sebastiao e usou o sobrinho nas suas manobras de poder no teatro europeu, dando-o em casamento para, logo a seguir, entregar a mao da prometida noiva a outro, apontan- O que se passava na America do Sul so começou a ser reledo-lhe uma nova noiva que pronto deixaria de ser, num vante no sec. XVIII, ja com Sebastiao Jose no poder. E so carrossel intoleravel para um jovem orgulhoso. ficou definitivamente plasmado (ate ver...) com as Guerras D. Sebastiao pensou, com razao, que uma vitoria retumban- do Paraguay. Mas isto sao outros contos. te no Norte de Africa atingiria tres objetivos estrategicos: Abraço (i) afirmava-o como soberano europeu indispensavel na APM

escritor—escreve (ou deve escrever) advogado—advoga (ou deve advogar) médico—cura (ou deve curar)

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Ano IV — Número 46 - Mensal: agosto de 2021

Anita Garibaldi—200 anos depois ha duzentos anos, que sua vida viria a fazer pular coraçoes de paixao e de respeito, verter lagrimas nos lindos olhos negros dos seus antepassados açorianos e promover gritos de alegria e de aplauso nos dois lados do mundo: Brasil e Italia.

Anita não era mulher de mudar fraldas; de facas, garfos, pratos e panelas; de rendilhados, perfumes e cosméticos; de receitas, regimes alimentares ou academias; de poemas, literaturas e, segundo se pensa, nem ler e escrever sabia. Era uma mulher de causas, de lutas, de facões, bacamartes, arcos e flechas, se preciso fosse. Mulher de paixões que não hesitou em abandonar seu marido para se juntar ao amor de sua vida, à causa que abraçou, não recuando perante o preconceito, a tradição comezinha do tradicionalismo doentio, das barreiras sociais, políticas e geográficas.

Em Laguna, na localidade de Morrinhos entao integrando Tubarao, a vida decorria, a mingua, pobre, mas tranquila. Trabalhava-se de sol a sol a pouca terra que rodeava a casa rudimentar, com ferramentas e utensílios hoje considerados arcaicos, mas que o progresso na altura produzia, terra de onde tiravam o indispensavel sustento para sobreviver e matar a fome. O pai – Bento Ribeiro da Silva - tropeiro, natural do Parana, habituado a rasgar os sertoes caldeados de morros e vales quando descia a serra com seus burros de carga, sempre reservava um pouco de alimento para reforçar o que a família retirava da terra. Com a morte de Bento - tinha a pequena Ana Maria poucos anos -, que se casara em Lages com Maria Antonia de Jesus Antunes, esta ficou com os dez filhos nos braços para alimentar e educar, sendo a pequena Ana a terceira da prole. Com a falta dos ganhos do marido e o pouco que produziam na roça, a míngua nos porcos e galinaceos, levavam a que a família conhecesse os amargos da fome.

Descobriu novos saberes, novos cheiros, novos paladares e, lado a lado com seu novo companheiro e pai de seus cinco filhos, deu lições ao mundo, que os homens e mulheres dos tempos modernos, deveriam seguir, enfrentando os desafios da sociedade atual que mantém as desigualdades, o preO tempo foi passando e Ana e os irmaos cresceram. conceito, as injustiças e a irracionalidade de penDe repente passaram-se dez, doze anos e Ana ganhou samento e de ação. corpo; tornou-se mocinha; rebelde; ousada ate e traAnita é, antes de mais, uma causa, uma luta que quinas. A vizinhança nao aprovava o comportamento deve ter continuidade, duzentos anos após sua da mocinha, galhofava dela e chegava mesmo a hostimorte. liza-la devido ao seu comportamento juvenil e, segunDeixo-vos, a seguir, um texto romanceado sobre a do as mas-línguas, provocador. vida de Anita, perdão, Ana Maria de Jesus, nascida Sem conseguir domar seu ímpeto, necessitando em terras catarinenses em agosto de 1821. “calar” as vozes do povo e precisando de ajuda para manter a casa e o resto da família, Benta Antonia cedo Mal sabia aquela criancinha chorona, a quem viriam procurou um marido para a filha rebelde. chamar Ana Maria de Jesus, naquele mes de agosto de Esse destino estaria guardado para o sapateiro ManuPágina 25


descortinasse a lagunense, esticando o olhar atraves Ano IV — Número 46 - Mensal: agosto 2021 dadesua luneta naval, encostado na ombreira da venda, para que ficasse loucamente apaixonado pela catarinense rebelde e jurasse, para consigo mesmo, de que “tens de ser minha”. Nao se sabe se foi pelos odores que pairavam nos ares ou se por telepatia, que os lindos olhos negros da moçoila catarinense tambem brilharam ou ver o italiano sorridente, com farda de oficial lustroso, atravessar o terreiro de terra batida, dirigir-se a venda cheia de bebados, e, de rompante, dizer entre um espanhol e um portugues mal acasalado: “quero que sejas minha”. el Duarte Aguiar, que, tendo Ana Maria catorze anos incompletos e ele vinte e oito, catarinense de nascença, por decisao da mae decidem juntar os “trapos” na igreja Matriz da freguesia de Santo Antonio dos Anjos de Laguna. Mas nem os costumes da terra, nem a obediencia aos chamados deveres de mulher casada, acalmaram a extravagancia e os excessos nas escapadelas extra matrimoniais de jovem esposa.

Deixando o sapateiro com seus sonhos e ideais monarquistas, com seus sapatos de sola rota batida, suas bebedeiras constantes na venda do terreiro, nao demorou um mes ate que os dois amantes cavalgassem na frente das tropas comandadas por Giuseppe.

O casamento, esse, so viria bem mais tarde, mas os filhos começaram logo a aparecer: Monotti, em 1840, nascido em Mostardas (Rio Grande do Sul) e logo mais tres, seguidos de rajada, ja quando vivam no Uruguai, Logo que perdeu o pai, Ana passou a conviver mais de onde se casaram oficialmente. perto com seu tio, Antonio da Silva Ribeiro, tambem tropeiro como seu irmao, que percorrendo esses ser- Logo nos primeiros dias, Aninhas, assim rebatizada toes quase desertos, sempre olhava para as coisas da por Giuseppe, em vez de enfrentar as panelas do arroz vida diferentemente do povo lagunense e por isso e do feijao, os garfos e os pratos, integrava, com bramesmo, começou a simpatizar com os lampejos da vura e galhardia, as armas e os ideais da republica farrepublica. As aventuras míticas que o tio lhe contava roupilha. sobre esses ideais revolucionarios, apaixonavam Ana Maria. Ao contrario de seu marido sapateiro, que simpatizava com os monarquistas de sua alteza real, chegando mesmo alistar-se nas tropas do imperio que combatiam os farrapos gauchos. Entre estes dois ideais, estes dois mundos, se assim podermos dizer, e sob a influencia do tio, Ana Maria descambou definitivamente para o romantismo da revoluçao. A revoluçao farroupilha, ou guerra dos farrapos, foi a mais longa rebeliao do período regencial do Brasil, ocorreu no Rio Grande do Sul e durou dez longos anos, entre 1835 e 1845. O termo “farrapo” vem dos trajes maltrapilhos que o exercito rebelde usava.

Em 1840 foram os dois presos na batalha de Curitibanos, mas logo fogem para Mostardas. Atacados pelos imperiais, ele por um lado e ela por outro, com o filho nos braços e a arma nas maos, fogem a cavalo, ate que em 1841, os dois se reencontram de novo. A euforia pelas lutas esmorece. Cansados e em certa medida desanimados, dirigem-se para o Uruguai e daí, sete anos mais tarde, embarcam para Nice, envolvendo-se nas causas libertarias italianas e particularmente na Proclamaçao da Republica de Roma. Por longo temo participam, lado a lado, em inumeras refregas revolucionarias. Nasce-lhes o quinto filho, e Anita, em resultados dos frios, chuvas, ventos, fomes e sem medicamentos, contrai a febre tifoide, o que a leva a morte em 4 de agosto de 1849.

E quando um jovem marinheiro, vindo das outras bandas do mundo, entrou garboso pelas ruelas empedradas de Laguna a frente de um grupo de maltrapi- Tinha 28 anos e para que seu corpo fosse liberado pelhos, o “caldo” entornou-se e a calma vida domestica las autoridades, teve de ser exumado sete vezes. de Ana Maria foi para os cafundos. So noventa anos depois, em 1938, seu corpo foi transBastou uma semana para que o marinheiro Giuseppe lado e enterrado no centro de Roma, junto a estatua Página 26


em sua homenagem. Ainda hoje la esta. çao de dois navios, que arrasta por terra, com ajuda Ano IV — Número 46 - Mensal: agosto de 2021 Mas quem foi esse quase lendario Giuseppe que de- de bois e de muitos homens, ate ao mar. sencantou a nossa Anita catarinense no seu reduto Chega a Laguna integrado nas forças revolucionarias lagunense? que, em julho de 1839, fundam a Republica Juliana, Nasceu em 1807, em Genova, Italia e era conhecido assim chamada por ocorrer no mes de julho. como moço briguento, que desde cedo se empenhou na luta pela unificaçao italiana. Afoito e aventureiro, aos 20 anos ja participava na marinha mercante italiana, chegando, em resultado disso, a visitar a Russia, o Mar Negro e a Turquia, adquirindo conhecimentos e alguma experiencia nautica. Aos 26, adere ao movimento nacionalista de unificaçao da Italia, tendo sido preso pelo exercito realista e condenado a morte. Exilado em Marselha, foge para a Tunísia, e com documentos falsificados, embarca para o Brasil, chegando ao Rio de Janeiro em 1836. Aqui conhece os carbonarios Tito Livio e Luiz Rossoti, este tambem jornalista e revolucionario. E e atraves deles que conhece Bento Gonçalves, que estava preso no RJ, que o envolve na luta dos farrapos. Servindo-se dos conhecimentos que adquirira na marinha, algures nos mares da costa brasileira, Giuseppe, captura um navio aos imperiais e com ele navega para o Uruguai, onde e preso, torturado e perde o navio. Consegue fugir, dirige-se ao Rio Grande do Sul e passa a integrar as forças farroupilhas. Numa fazenda da irma de Bento Gonçalves, Giuseppe lidera a constru-

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E entao que o dardo do amor e da paixao, furando o ar vazio do terreiro lagunense, atravessa o coraçao do marinheiro e vai cravar-se no coraçao sofrido da nossa Anita de Laguna, a heroína de dois mundo. Afonso Rocha


Ano IV — Número 46 - Mensal: agosto de 2021 ria de Jesus:

Perfil

1. Pedido ao pai Filha de pequenos agricultores, ela nasceu em Arraial de Sao Jose das Itapororocas, atual município de Feira de Santana, e tentou convencer seu pai a deixa-la se alistar como combatente na luta contra os militares portugueses aos 19 anos de idade, segundo o historiador Pereira Reis Junior, na obra 'Maria Quiteria: Heroína da Guerra da Independencia do Brasil'.

Maria Quitéria de Jesus MULHER DISFARÇADA ENTRE OS HOMENS NO EXÉRCITO:

5 FATOS SOBRE A BRILHANTE TRAJETÓRIA DE MARIA QUITÉRIA

A resposta chegou como um lembrete do papel com o qual a filha deveria se contentar: “Mulheres fiam, tecem e bordam. Nao vao a guerra”. Mesmo diante do impedimento paterno, ela nao esmoreceu — pelo contrario, bolou um plano e, com o auxílio de parentes proximos, conseguiu enganar as tropas.

A baiana foi figura feminina mais importante das For- 2. Disfarce perfeito ças Armadas apos os feitos pela independencia. “Deixou a fazenda e foi procurar auxílio na casa de sua “E verdade, que nao tendes filho, meu pai. Mas lem- meia-irma Teresa, que a socorreu, providenciando o brai-vos que manejo as armas e que a caça nao e mais corte dos cabelos e fazendo com que seu marido, Jose nobre que a defesa da patria. O coraçao me abrasa. Cordeiro de Medeiros, lhe emprestasse a farda”, relata Deixai-me ir disfarçada para tao justa guerra”, com a obra 'Dicionario Mulheres do Brasil – de 1500 ate a essas palavras, Maria Quiteria de Jesus implorou ao atualidade' (Editora Zahar), de Schuma Schumaher e pai para que pudesse se tornar uma combatente du- Erico Vital Brazil. rante os conflitos pela independencia da Bahia contra Disfarçada de homem, ela seguiu com o Batalhao dos os lusitanos. Periquitos – assim chamado por causa da farda verde Mesmo com a recusa, ela entrou para a historia do país ao se disfarçar entre os homens do primeiro batalhao militar do que seria o Exercito Brasileiro, se tornando a 'soldado Medeiros' e, posteriormente, recebendo honrarias como a primeira mulher a trajar uma farda militar. Com isso, a revista Aventuras na Historia separou cronologicamente os episodios que marcaram a historia da patrona das Forças Armadas. Confira cinco fatos sobre a trajetoria de Maria QuitePágina 28

– para a defesa da Ilha de Mare e, logo apos, para Conceiçao, Pituba e Itapua. Participou tambem de batalhas na foz do Rio Iguaçu. 3. Talento para combater “Destacou-se desde o começo por sua bravura e destreza no manejo das armas. Seu batismo de fogo aconteceu no combate da Pituba e, em fevereiro de 1823,


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no confronto em Itapua, foi citada na ordem do dia Apos a morte do marido, ela se mudou para Feira de por ter atacado uma trincheira inimiga e feito muitos Santana, na intençao de receber parte da herança de prisioneiros”, revela o Dicionario Mulheres do Brasil. seu pai, que veio a falecer em 1834. Entretanto, acaDepois de suspensa a luta armada, ainda foi condeco- bou desistindo do inventario por causa da morosidarada por sua bravura junto com os demais membros de da Justiça e foi viver em Salvador com a filha. Mordo Batalhao dos Periquitos. O historiador Murilo Mel- reu praticamente cega e no anonimato, em Salvador, lo, em entrevista a AH, ainda acrescentou que ha um no dia 21 de agosto de 1853. documento comprovando o interesse do general fran- 5. Orgulho dos batalhões ces Pierre Labatut —um dos principais estrategistas Apos a morte, sua figura passou a ser ainda mais predo confronto — em torna-la cadete do Exercito. sente na memoria nacional, principalmente com a Sua xara inglesa, Maria Graham, a conheceu pessoal- abertura para mais pautas femininas. "A construçao mente e deixou registradas as seguintes impressoes: do mito vai se dar, sobretudo, 100 anos depois de sua “Maria de Jesus e iletrada, mas viva. Tem inteligencia morte — ela vai ter um reconhecimento em vida, tanclara e percepçao aguda. Penso que, se a educasse, ela to que vai ser recebida pelo imperador do Brasil. [...] se tornaria uma personalidade notavel. Nada se ob- Mas ela nao tinha ideia da figura que ela se tornaria serva de masculino nos seus modos, antes os possui ao longo do tempo", relatou o historiador Murilo Melgentis e amaveis”. lo. 4. Após os conflitos Depois de ter deixado o Exercito, Maria Quiteria se casou com um antigo namorado, chamado Gabriel Pereira de Brito, com o qual teve uma filha, Luísa Maria da Conceiçao. Chegou a se encontrar com Dom Pedro I e receber a garantia de um soldo — antigo salario, recebido anualmente. Página 29

Em 1996, ela recebeu o auge de suas honrarias pelas Forças Armadas; o título de Patrona do Quadro Complementar de Oficiais do Exercito Brasileiro, sendo considerada a figura feminina mais importante da historia da instituiçao. Aventuras na História Rafaela de Campos Mello / Wallacy Ferrari


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Fotos com História

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A arte com os pinceis

Passando o Rio—1990. A simplicidade da vida no campo. Obra de Alexander Sedov (1929-)

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Precisam-se de escritores... ro que tambem se propoe colocar o livro nas redes sociais e nas grandes lojas, como a Amazon, a Saraiva, a Cultura, o Mercado Livre.... e tantas outras. Mas, a primeira observaçao que quero ressaltar e relativa ao elevadíssimo valor que pedem por essa "assessoria" editorial; a segunda, e que nunca encontraras teu livro físico num expositor das lojas abertas ao publico; a terceira, e que, no melhor dos casos, teu livro aparecera nas paginas digitais de poucas livrarias e o livro físico, caso seja pedido por algum leitor, sera impresso "a pedido", ficando substancialmente mais caro e demorada a sua entrega. Voce, que e ou quer ser escritor, perante esta situaçao deve desistir de publicar seu livro? Isso nunca! Aqui, na Corrente d'escrita, ja temos abordado esse assunto e vamos continuar a falar dele, mas desde ja aconselhamos: voce mesmo pode fazer grande parte do trabalho; se nao souber, contrate diretamente um profissional (diagramador, criador de capas, revisor, tipografia), mas nao caia na esparrela de acreditar em todas as propostas editoriais que circulam na Internet.

Nunca assisti a campanha tao ativa como a que assistimos atualmente nas redes sociais implicando os escritores e a ediçao seus de livros. Pela frequencia e persistencia das ofertas apresentadas, da a impressao de que o setor livreiro esta num mar de rosas, a crescer e que os Serao todos vendedores se ilusoes? Claro que nao. Ha escritores nao tem maos a medir nas suas criaçoes. muito boa gente profissional, seria e confiavel. Mas a O que acontece e bem ao contrario. Livrarias, algumas de maioria nao sao profissionais, nao tem estrutura nem renome, estao a encerrar suas portas ou a limitar seus quadro de pessoal especializado para executar o trabaespaços e os leitores, infelizmente, estao a minguar. Por- lho, limitando-se a servir de intermediario entre a sua tando, em termos comerciais, a situaçao nao e boa, e a criaçao e os verdadeiros profissionais. Se voce tem alnao ser que sejas um "Paulo Coelho" qualquer, tuas tira- guns conhecimentos e tempo, faça voce mesmo. Mas, por favor, de largas a sua criatividade e nao fique com os gens tem de ser limitadíssimas. originais na gaveta. Mas, alem deste aspecto comercial, o que quero alertar, e para o embuste das mil e uma ofertas para editar teus livros. A volta dos escritores, ou candidatos a escritor, gira um nucleo de gente que se propoe editar teu livro, que ganharas “rios de dinheiro”, dando a falsa ideia de que eles analisam teu original, te fazem uma proposta de direitos autorais e que tu nao investes nada alem de teu trabalho criativo. De tudo o resto eles se encarregam. Nada mais falso. Eles nao vendem teu livro. Limitam-se, no melhor dos casos, e se tu pagares, a contratar um diagramador, um criador de capas, a solicitar o ISBN, e se pagares ainda mais, a contratar um revisor de texto pago a pagina. ClaPágina 32


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Dicas de como escrever e divulgar seu livro? Numa parceria:

Corrente d’escrita/ Clube de autores

O que defino como “descriçao física”, muita gente chama simplesmente de “descriçao”.

E comum voce ouvir: nao gosto de tal autor porque ele faz muitas descriçoes. E embora eu nao possa diComo escrever uma boa história? zer que se deve fazer x ou y de linhas de descriçoes Para escrever uma boa cena e preciso dominar os 5 físicas, pois cada um deve descrever segundo o que modos narrativos. Talvez ninguem nunca te tenha fa- considerar necessario, nao existe nada pior do que lado isso, mas voce certamente ja ficou em duvida so- zero descriçoes. bre o que estava faltando em determinada cena que (A nao ser, e claro, que seja intencional, como o Conto escreveu. Aquela sensaçao de insegurança. Voce nao (Nao Conto), do Sergio Sant’Anna). sabe o que fazer. Bom, neste artigo voce vai aprender E preciso estabelecer as descriçoes físicas tanto do como solucionar este problema. Ao dominar os modos personagem como do espaço. Inclusive e possível utinarrativos, seu leitor ficara imerso em sua escrita e lizar a percepçao que o personagem tem de um espacertamente nao conseguira desgrudar da sua historia. ço para revelar seu estado emocional. Vamos começar entendendo cada um deles individuOu em vez de dizer que um personagem e desleixado, almente. mostrar o quarto dele, revelando esta característica. Os 5 modos narrativos fundamentais para escreJa no que se refere a descriçao do proprio personaver uma boa história gem, e importante fugir do que chamo de “ficha de O que estou chamando aqui de “modo narrativo” sao academia”. Nada de dizer que ele e “forte, de ombros as variaçoes que o narrador faz para contar a historia. largos e muito alto”. Em vez disso, em dado momento Ora, o personagem faz uma açao, depois pensa, entao diga que ele quase bateu com a cabeça no alto do umfala alguma coisa etc. bral da porta. Depois que ele ergueu alguma coisa com Escritores iniciantes costumam usar demais um ou um braço etc. dois dos modos e esquecer dos outros. Algumas histo- E retomando nosso exemplo. Veja so, apos a açao, o rias (principalmente, contos) ate pedem isso. espaço: Antes de vermos como um texto equilibrado trabalha “Fernando se sentou no banco da praça. Tirou o chacom os modos, vamos entender cada um individual- peu e acendeu um cigarro. Apoiou os cotovelos sobre mente. as pernas magras. Ação A sua frente, em um canteiro, irmaos gemeos discutiEu ja disse aqui que “sem conflito nao ha historia”. am sobre quem ficaria com a pa e quem com o baldiEste e um fato inegavel. Uma mera descriçao de um nho de areia. O cheiro de pipoca enchia o ar, embora ele nao visse o carrinho e nem o pipoqueiro. No ceu, ambiente nao e uma historia. Logo, se preciso de conflito, havera açao. Nao no senti- alguns urubus faziam voos circulares, como se ele fosdo de “filmes de açao”. Mas quando voce escreve se carniça.” “Fernando sentou no banco da praça”, esta descreven- Pensamento/lembrança do uma açao. Talvez a grande mudança que voce vera da literatura A historia pode ate conter poucas açoes. Talvez se do seculo XV, por exemplo, em relaçao a do seculo XX, passe quase toda na mente do personagem, mesmo seja o quanto a historia deixa de ser contada externaassim, nao ha como fugir da necessidade deste modo. mente para se tornar interna. Descrição física Página 33

Esta mudança de focalizaçao abriu margem para inse-


Ano IV — Número 46 - Mensal: agosto de 2021 rirmos os pensamentos e as lembranças dos persona- Por meio do dialogo, e possível fazer a historia avangens. çar, revelar os personagens e acrescentar sutilezas ao Em outras palavras, as narrativas se tornaram mais texto. psicologicas. Obrigado, Dostoievski.

Mas, nao esqueça, alem do aspecto oral dos dialogos, voce pode usa-los intercalando com as descriçoes físicas.

Desta forma, foram acrescentadas mais camadas de interpretaçao e profundidade. E uma boa historia so Veja a ultima parte do nosso exemplo. tem a ganhar com isso. “De volta ao presente, percebeu a presença dela. Nao podendo se conter, Fernando bateu o pe direito no Pense em nosso exemplo. chao, tentando bani-la, mas sua força de vontade foi Fernando esta na praça e, depois de estabelecer a desfraca. criçao física, ele pode mergulhar em uma memoria. — O que voce quer? — resmungou. “Foi como viajar no tempo, do banco da praça ao primeiro dia apos se separar de Larissa e de sua filha. — Vingança — Larissa respondeu. Sentava-se ao seu Aquele passeio sem rumo pelo parque, depois pelas lado, olhando os gemeos brincarem. ruas do centro, ate dar-se por si sobre a Ponte dos — Se nao me deixar em paz, vai se arrepender. Arcos e receber o convite. Poderia se livrar do seu Ela virou-se para ele, a pele amarelada como um defardo se aceitasse fazer parte de uma ordem secreta.” funto, onde deveria estar o olho direito, um ninho de Resumo

vermes eclodia, e deu uma gargalhada sem abrir a Outro assunto que ja toquei e cena e sumario, mas boca. Desapareceu. prefiro chamar sumario de resumo. Fernando acariciou o anel da ordem. Estava tranquilo, Basicamente, um resumo e quando em vez de mostrar pelo menos ate pensar em sua segunda esposa.” cena a cena um grande período de tempo da historia, Como equilibrar os 5 modos narrativos voce o comprime em poucas linhas. Em minha defesa, nao planejei o exemplo acima. Foi Talvez seja mais facil demonstrar do que explicar. algo que surgiu conforme fui explicando os modos narrativos. Voltemos ao nosso exemplo: “Os anos que se seguiram foram de estudo aprofundado. Seus cabelos caíam no mesmo ritmo em que subia grau a grau nos misterios da ordem. A cada vez que via Larissa, ao buscar a filha, assustava-se com o quanto ela envelhecia, deixando de ser a jovem esguia e de olhos ambiciosos pela qual se apaixonou para se recrudescer em uma mulher de meia idade cansada e desesperançada, cheia de rugas. Morreu tres anos atras.” Diálogo Meu artigo sobre dialogo e um dos mais lidos aqui do site, o que me surpreende. Ainda que, tenho percebido, quando algum escritor iniciante domina este modo narrativo, costuma usa-lo em tudo. Ate esquecendo dos demais. Certamente, este e um dos modos mais poderosos. Página 34


Ano IV — Número 46 - Mensal: agosto de 2021 Mas se voce voltar a ele, vera que varias partes desses deslocando-se debaixo do barco, a medida que os momodos estao mesclados. E aí que entra a habilidade vimentos dos remos os aproximavam da palida alvodo grande escritor. rada cor-de-rosa. Depois de passar tanto tempo na Voce pode misturar açao com descriçoes físicas, fa- escuridao, o mundo era tao encantador que Jaime zendo com que o personagem va dialogando com ou- Lannister se sentia tonto. Estou vivo, e bebado de sol. Uma gargalhada atravessou seus labios, subita tro enquanto se lembra de algo passado. como uma codorna espantada do esconderijo. Funciona como um esqueleto, em que cada osso de– Silencio – resmungou a moça, carregando o cepende do outro para o corpo poder se sustentar. nho. Carrancas adequavam-se mais ao seu rosto grosDigamos que esta seja “a grande arte do escritor ao seiro do que um sorriso. Nao que Jaime a tivesse visto criar uma cena.” sorrir alguma vez. Divertia-se imaginando-a com um E, e claro, considerando que toda cena deve ter início, dos vestidos de seda de Cersei em vez do justilho de desenvolvimento e fim. Vale acrescentar que voce po- couro com tachas que envergava. Tanto faz vestir de de se fazer as cinco perguntinhas basicas para saber seda uma vaca ou essa aí.” se sua cena esta completa: Ficou bem colorido, nao e? Porque o Martin sabe Quem? equilibrar bem uma cena. Quando? Alias, temos o personagem Jaime Lannister sendo esOnde? O que? Por que? Nao necessariamente nesta ordem.

coltado por Brienne de Tarth, uma espadachim por quem ele tem desprezo. E veja como o narrador expoe toda a cena sob o ponto de vista dele para que isso fique claro.

Que tal examinarmos o exemplo de outro escritor?

E muito bem-feito. Agora voce deve passar a notar esses modos naquilo que le. Fica o exercício.

Como George R. R. Martin trabalha em uma cena

Consideraçoes finais sobre os modos narrativos

George R. R. Martin e uma referencia por aqui. Tanto por sua habilidade de criar mundos fantasticos como em sua escrita magnetica.

O bom escritor domina os fundamentos. Tem varias ferramentas a seu dispor. Nao fica repetindo recursos.

Por isso, se voce deseja escrever bem, procure domiNao por acaso, se nos determos em cenas de seus li- nar os modos narrativos. vros, veremos uma habilidade muito grande em mani- Como sempre digo, a tecnica literaria existe para ampular os modos narrativos. plificar seu talento. Se voce duvida, estude-a e vera os Veja abaixo este excerto de A tormenta de espadas, resultados em sua escrita. Vol. 3 das Cronicas de Gelo e Fogo. Escolhi uma cor para cada um dos modos narrativos: - Açao - Descriçoes físicas - Pensamento/lembrança - Resumo - Dialogo “Um vento vindo do leste soprou atraves de seus cabelos emaranhados, tao suave e perfumado quanto os dedos de Cersei. Ouvia aves cantando e sentia o rio Página 35

Colaboração: Clube de Autores / Corrente d’escrita


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Em defesa da língua portuguesa A CABRA DA VIZINHA DÁ MAIS LEITE DO QUE A MINHA

nordica, em que Eva esta debulha- Caim. da em lagrimas enquanto lava as roupas ensanguentadas de Abel.

O primeiro homicídio da Humanidade deu-se por inveja. Caim ficou desesperado com o sucesso de Abel e matou o irmao com uma pedrada.

A inveja e um dos sete pecados capitais e tem resultado em desgraças tremendas. Os outros seis sao a gula, a luxuria, a avareza, a ira, a soberba e a preguiça. Eles surgiram na Idade Media e demoraram alguns seculos para serem oficialmente reconhecidos pela Igreja.

Portanto, a inveja, um dos sete pecados capitais, vitimou 20% da Humanidade ainda nos albores do Eden. So nao foram 25% porque Abel teve uma irma gemea. De todo modo, foi o primeiro genocídio.

Todavia a inveja e anterior a lista. Os antigos romanos designavam um conjunto de sentimentos desarrumados sob a rubrica da inveja, que incluía a antipatia, o odio, a ma vontade, o ciume e a rivalidade.

Jorge Luís Borges, que nao ganhou o Premio Nobel de Literatura e involuntariamente tornou ainda menores muitos daqueles que o receberam por razoes extraliterarias, voltou a este tema diversas vezes em sua obra.

Inveja veio do Latim invidia, do verbo videre, ver, e carrega o significado de negar o que se ve, pelo prefixo in, que indica negaçao. Nao e que o invejoso nao ve, e que ele se recusa a ver e, quando ve, quer negar o que ve.

Numa delas, Abel e Caim estao andando no deserto e param a noite para comer e descansar. A luz da fogueira, Caim ve a cicatriz na cabeça de Abel, deixa cair o pao que esta levando a boca e pede perdao pelo crime. Abel responde: “Foi voce quem me matou ou fui eu quem te matou?”.

Como na tradiçao portuguesa, pouco se le, o povo guardou a sabedoria dos proverbios e dos ditados com versos e rimas, com o fim de garantir a memorizaçao.

Diz Caim: “Agora sei que em verdade voce me perdoou, pois perdoar e esquecer. Tambem vou tratar de esquecer”. Abel conclui: “E isso mesmo. Enquanto ha remorso, ainda ha culpa”. Noutra passagem, Borges lembra trecho de uma kenningar, genero desconcertante da poesia medieval Página 36

E, por fim, o primeiro homicídio da Humanidade representou nos tempos míticos uma rivalidade terrível entre a agricultura e a pecuaria. Caim era agricultor e Abel era pastor, diz a Bíblia. E o agricultor tomou-se de uma inveja danada quando Deus (o Estado, segundo a leitura leiga do texto sagrado), revelando sua preferencia pela carne assada que Abel lhe oferecia nos sacrifícios, nao deu muita bola para os frutos da terra oferecidos por


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Em defesa da língua

vorado. A noite, do mesmo modo, havera toque de silencio e de silencia. Nas patentes, tambem havera identificaçao do genero: caba/cabo; sargenta/sargento; tenenta/tenento; capitoa/capitao; majora/major; coronela/ coronel, etc. [Lembram-se da Presidenta e do Presidente? Haja pachorra ou pachorro!].

Numa desenfreada campanha para revisar a gramática portuguesa para a tornar mais “digesta”, alguns pretensos especialistas, não poupam esforços para caírem no ridículo. Esta tendência não ocorre só no Brasil ou em Portugal, mas em todos os lados onde a língua portuguesa, deveria ser defendida e praticada. Abaixo o Nas unidades, havera um comandante ou comandanta; o primeiro deve ser competente e inteligente e a texto que nos foi enviado de Portugal.

segunda competenta e inteligenta. Se se portarem bem, as recrutas poderao ir de licença e os recrutos PREPAREM-SE! de licenço. No final da instruçao, havera juramenta de Durante a Convençao do Bloco de Esquerda [partido bandeira e juramento de bandeiro. Todos desfilarao, político portugues], o deputado Pedro Filipe Soares garbosamente - Eles com o passo certo e elas com a iniciou a sua intervençao com o seguinte vocativo: passa certa. Uffa! “Camaradas e Camarados”. A expressao causou algum M.J.Faria espanto e nao poucos sorrisos, mas nao demorou muito tempo a percebermos que, para alem de se nao tratar de um lapso, estavamos no limiar de um novo Deonísio Da Silva cenario civilizacional. Em artigo publicado no jornal Publico, a 20 de Novembro, Pedro Filipe Soares justifica a originalidade da expressao, argumentando que “o modelo patriarcal e machista de sociedade modela os idiomas”. Depois das consolidadas críticas ao “politicamente correto”, esta aberta a caça ao “gramaticalmente correto”. Habituados aos termos camarada e camaradagem, e altura de os militares se irem preparando para as necessarias mudanças. Assim – começando pelo princípio – passara a haver recrutas e recrutos, soldados e soldadas. Não se riam! Na instruçao, as recrutas armar-se-ao de espingarda e os recrutos de espingardo. A primeira podera ter baioneta calada e o segundo baioneto calado. Elas terao uma mochila e eles um mochilo. Eles segurarao os calços com um cinto e elas segurarao as calças com uma cinta. Na cabeça usarao boina ou boino. Quando forem para o campo, os recrutos terao bivaco e as recrutas terao bivaca. No quartel, as recrutas dormirao numa caserna e os recrutos num caserno. Eles irao comer ao refeitorio e elas a refeitoria. Para começar o dia, havera dois toques: o de alvorada e o de alPágina 38

Por que eles são chamados assim: Aiatola (manifestaçao de Deus). Califa (sucessor; no caso, de Maome). Czar (de Caesar, o nome de Caio Julio Cesar, que foi tudo em Roma: consul, ditador, pontífice etc.). Duque (dux, pastor, condutor). Emir (chefe, de onde veio almirante). Ima: (guia, quem vai a frente. Mula: (conhecedor das leis do Alcorao) . Nababo (delegado, poderoso, rico). Papa (pai). Paxa (governador). Príncipe ( principal). Rabino: (mestre, quem ensina, com quem se aprende). Rei (de REG, reger, quem rege diREIto). Satrapa (o mais velho). Sultao (que tem potencia, exerce o poder). Ulema (sabio). Vizir (ministro). Xa (rei). Xeique (anciao).


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Canasvieiras—270 anos, retrata a história e as gentes que fundaram este distrito de Florianópolis/SC. Criado oficialmente a 15 de abril de 1835, o povoado já existia desde os primórdios da fundação do arraial Nossa Senhora do Desterro, em 1673, por Francisco Dias Velho. Recebeu um grande incremento populacional com a chegada dos primeiros açorianos em 1748. No tempo, o povoado estava integrado na freguesia de Santo António de Lisboa desde 1750. O seu nome deriva da existência na região de um grande canavial (cana-do-rei, ou simplesmente cana). Muitos escritores, particularmente Virgílio Várzea escreveram sobre Canasvieiras. Afonso Rocha dá-nos, com este seu recente trabalho, um novo olhar e uma previsão futurista do balneário mais famoso de Floripa.

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As mulheres, os homens, as crianças e os idosos; a comunidade LGBT; os negros, os índios, os ciganos, os imigrantes e todos os demais desprotegidos, são perseguidos, violentados, agredidos e estuprados... Nesta obra intimista, Afonso Rocha passeia-se pela sua própria experiência, mas também a de todos nós, como comunidade, para que se dinamize e reforce a forma de combater estas mazelas, estes crimes bárbaros (a pedofilia, estupro), já considerados o holocausto do século XXI.

Através de estórias imperdíveis, Afonso Rocha leva-nos até 500 anos atrás, quando os portugueses chegaram ao sul do Brasil, onde criaram família, cultivaram tradições e culturas que viriam a “marcar” a cultura catarinense. Sangue Lusitano é a história do Rio Grande do Sul e de Santa Catarina, de suas vilas e cidades e de seus povos (indígenas, portugueses, negros e outros que se lhes juntaram posteriormente). Um livro a não perder.

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Olhos D’Água—Histórias de um tempo sem tempo, relata-nos as vivências do povo português entre 1946 e 1974 e a sua resistência à ditadura e ao fascismo do regime de então. Por outro lado, configura uma autobiografia do autor (Afonso Rocha) nas suas andanças pelo período escolar, pelo serviço militar; a guerra colonial em África; a emigração em França; a resistência, até à revolução dos cravos... Um livro a não perder, sobretudo para quem gosta de história.

Trovas ao Vento, é uma coletânea de poemas e outros pensares, enriquecida com o contributo de outros poetas convidados naturais do Brasil, Portugal, Cabo Verde, Moçambique, Angola e da Galiza, como expressão do pensar lusófono. Um encontro de expressões diferentes, manifestadas pela língua comum que nos cimenta e faz pensar português. Um livro de cabeceira, não para ler, mas para pensar e refletir.

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Corrente d’ escrita

Número 37 - setembro 2020

I N É D I TOS n a a ma z o n . c o m

Casa dos Livros e da Leitura

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Corrente d’ escrita

Número 37 - setembro 2020

O Governador do Estado de Santa Catarina, Carlos Moises da Silva, anunciou na noite desta quinta-feira (29/7) o lançamento da ediçao de 2021 do Premio Elisabete Anderle de Estímulo a Cultura, durante a realizaçao do evento-teste no Teatro Ademir Rosa, no Centro Integrado de Cultura (CIC), com show da Camerata Florianopolis. Neste ano, o principal instrumento de fomento a arte e a cultura catarinense mantera o valor da ediçao anterior, de R$ 5,6 milhoes distribuídos a 215 projetos de todas as regioes do estado. As inscriçoes começam no dia 8 de agosto de forma gratuita e totalmente digital. "Este e um anuncio importante: mais um movimento do governo em valorizaçao da cultura catarinense", pontuou Moises. Promovido pela Fundaçao Catarinense de Cultura (FCC), o Premio divide-se em tres editais: Patrimonio e Paisagem Cultural, Artes Populares e Artes. Estes, por sua vez, subdividem-se em 13 categorias. Sao elas: Patrimônio e Paisagem Cultural: - Patrimonio Material - Patrimonio Imaterial - Museus - Bibliotecas Publicas Artes Populares: - Artes Circenses - Culturas Populares e Diversidades - Culturas Negras e Afro-Brasileiras - Culturas dos Povos Indígenas Artes: - Artes Visuais - Dança - Musica - Teatro Casa dos Livros e da Leitura - Letras: Livro, Leitura e Literatura Em 2020, o Edital teve inscriçoes abertas entre julho e agosto e contemplou 215 projetos de todas as regioes do Estado. No total, 1.251 propostas foram encaminhadas para concorrer a premiaçao. Para informações e inscrições, informe-se na FCC. Página 43


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