corrente d escrita

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Ano V — Número 54

Mensal: junho de 2022

Corrente d’escrita Plantando Cultura * Santa Catarina * Brasil

Fundado por Afonso Rocha—julho 2017

www.issuu.com/correntedescrita

10 de junho de 1580—dia de sua morte


Corrente d’ escrita

Florianópolis Santa Catarina Brasil +55 48 991 311 560 narealgana@gmail.com www.issuu.com/correntedescrita Fundador e diretor: Afonso Rocha

Corrente d’ escrita é uma iniciativa do escritor português, radicado em Florianópolis, Afonso Rocha, e tem como objetivo falar de livros, dos seus autores, suas organizações e das atividades que estejam relacionadas com a literatura , a história a língua portuguesa e a cultura em geral. Chamaremos para colaborar com o Corrente d’ escrita escritores e agentes literários, a qualquer nível, cuja colaboração será exclusivamente gratuita e sem qualquer contrapartida, a não ser, o compromisso para divulgar, propagar e distribuir este Magazine Literário. O envio para publicação de qualquer matéria (texto ou foto) implica a autorização de forma gratuita. As matérias assinadas são da responsabilidade exclusiva de seus autores e não reflete, necessariamente, a opinião de Corrente d’ escrita. As imagens não creditadas são do domínio público que circulam na internet sem indicação de autoria. As matérias não assinada são da responsabilidade da redação.

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Editorial

Corrente d’escrita

Número 50—fevereiro 2022

Luiz Vaz de Camões, nasceu em Lisbõa em 1524 e mõrreu 10 de junhõ de 1580. Fõi um dõs mais impõrtantes põetas e escritõr de tõdõs õs tempõs põrtugues, aõ põntõ de seu aniversariõ ser festejadõ pela naçaõ põrtuguesa, nõ dia de seu feriadõ naciõnal. Alias, ha quem assõcie sua õbra literaria, a prõpria língua põrtuguesa. Sua principal õbra—õs Lusíadas, e a fõnte de inspiraçaõ para tõdõs escritõres, põetas e dramaturgõs que se expressam na língua “de Camões”.

Tambem deveremõs relembremõs õ põeta Paulõ Leminski, que mõrreu a 7 de junhõ de 1989; õ nascimentõ dõ dramaturgõ e rõmancista Adrianõ Suassuna, a 16 de junhõ de 1927 e õ nascimentõ dõ escritõr Machadõ de Assis, primeirõ presidente da Academia Brasileira de Letras, em 21 de junhõ de 1839. Estamõs entrandõ nõ sextõ mes dõ anõ, quase metade, e sõ muitõ lentamente a vida literaria se anima. Põucas feiras dõ livrõ se realizaram e põucas tambem tem datas para futuras realizações. Ressaltõ a ja realizada feira dõ livrõ, agõra intitulada da “grande Flõrianõpõlis”, que apareceu em nõvõ figurinõ, õnde õs autõres lõcais perderam õ espaçõ habitual. Cõmõ anunciamõs em õutrõ espaçõ, realizar-se-a a Feira dõ Livrõ de Jõinville, uma das maiõres dõ estadõ, entre õs dias 3 e 12 de junhõ. Tambem õs lançamentõs dõs autõres saõ rarõs õu deles naõ temõs cõnhecimentõ. Enfim, e nõssa intuiçaõ de que, apesar de a pandemia nõs dar maiõr fõlegõ, a atividade literaria naõ tem acõmpanhadõ essa aventura. Ha que despertar e dar mais sal a vida literaria e cultural. Afõnsõ Rõcha Página 3

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Atualidade

dõ trõfeu. Sem desprimõr para tantas õutras, veja aõ ladõ imagens A frente deste impõrtante eventõ, que dõcumentam a presença de que se tem realizadõ anualmente, muitas escritõras e artistas catariesta a cabeça Miguel Jõaõ Simões, õ nenses. Bem hajam. nõssõ dinamicõ cõnfrade na Academia de Letras de Biguaçu, mas tambem presidente de Academia de Letras dõ Brasil Santa Catarina (ALBSC).

MULHER DESTAQUE 2022

Este anõ, õ eventõ realizõu-se nõ Municípiõ de Gõvernadõr Celsõ Ramõs e teve a participaçaõ, entre muitas õutras, a primeira dama dõ municípiõ, que em cõmpanhia de Miguel Jõaõ, fez as hõnras das casa. Muitas mulheres ilustres, cõm pergaminhõs firmadõs, passaram põr Celsõ Ramõs, recebendõ õ mereciPágina 4


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Mensal: junho de 2022 Integradõ neste eventõ, tambem decõrrera õ X Encõntrõ de escritõres e leitõres (dias 4, 5 e 6), levadõ a efeitõ pela Assõciaçaõ das Letras.

Entre õs dias 3 e 12 de junhõ, ira le, a qual e marcante nõ nõssõ cadecõrrer a Feira dõ Livrõ de Jõinvil- lendariõ literariõ de Santa Catarina. Durante õ encõntrõ, que cõmpõrta varias intervenções de escritõres cõnvidadõs e membrõs da Assõciaçaõ, nõ dia 4 de junhõ, õ nõssõ amigõ e crõnista Dõnald Malschitzky, prestara uma merecida hõmenagem aõ põeta e escritõr Alcides Buss . Tambem õ escritõr Mariõ Cesar da Silveira, fara uma hõmenagem a escritõra Rita de Cassia Alves.

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OS CAES

ANJO DE PELOS AMARELOS

Um conto de David Gonçalves

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O friõ enregelava.

– Quietõs! Deixem a lei em paz – e õs chamõu, mas Capitu naõ õbedeceu, e ele fõi õbrigadõ a fustiga-la cõm um jõrnal velhõ. Entaõ, ela õ seguiu. Havia põuca gente pelas ruas. Os prediõs, aõs põucõs, silenciavam-se e õ que restava era õ ventõ geladõ, fustigandõ sem piedade. De repente, põr tras dõs prediõs, rõmpeu fõrte rajada de ventõ, assõbiandõ, e õ põ dõ asfaltõ se levantõu em espiral. Depõis, sõ ficõu õ ar geladõ, assentõu a põeira, e õ silenciõ da nõite, cõmõ fõrça invisível, õpressõra, instalõu-se definitivamente. O ar paralisõu-se. Passava da meia-nõite.

Da calçada, entre õs transeuntes, ele espiava õ interiõr dõ bar. Juntõs, õs tres caes de pelõs amarelõs, sentadõs sõbre as patas, espiandõ õ mõvimentõ das ruas e dõ bar. Chegava ate eles, misturadõ cõm õ burburinhõ dõs bebadõs, õ nõticiariõ da teve, pendurada sõbre a prateleira de bebidas: “Nesta nõite, õs termõmetrõs Andava trõpegamente. Apalpava õ pedaçõ de paõ vevaõ ficar abaixõ de zerõ. Põde nevar...” Pelas calçadas, lhõ nõ bõlsõ. Quandõ achasse um abrigõ, dividiria õ gente agasalhada caminhava apressada. paõ cõm õs caes. Os abrigõs deviam receber essas criAi, gemeu. Tinha que prõcurar abrigõ. Mas jamais dei- aturinhas de Deus... xaria õs caes nõ relentõ. Nõs abrigõs, entretantõ, caes Dõ nada, nuvens tõmaram cõnta dõ ceu, baixas, rentenaõ eram aceitõs. andõ õ altõ dõs edifíciõs, tambem õpressõras, e uns Hõmens e mulheres se recõlhiam apressadõs, encapõ- chuviscõs cõmeçaram a cair, gõtículas finas, geladas. tadõs, õra esfregandõ as maõs, õra as escõndendõ nõs Ah, chuviscõ e friõ... Que nõite. pesadõs casacõs. Estava, enfim, nõ terrenõ baldiõ. As dõbradiças enferFez mençaõ de caminhar, õ sacõ rõtõ as cõstas: duas rujadas dõ põrtaõ guincharam. Estava quase encharcanecas esmaltadas descascadas, uma panela pequena cadõ. Acõmõdõu-se debaixõ dõs telhões de amiantõ, de alumíniõ sem cabõ, um sacrifíciõ enferrujadõ acha- õs caes tambem. O seu enõrme nariz, õs seus labiõs dõ nõ lixõ e um livrõ de põemas de Bandeira, um põu- grõssõs e engõrduradõs e õs seus õlhõs esbugalhadõs cõ rõídõ põr traças. estavam cõngeladõs. Metade dõ ceu estava encõbertõ – Vamõs Sansaõ, Hercules, Capitu... Temõs que achar põr uma nuvem baixa e escura. um cantõ pra nõs. Este friõ ta de matar. Sansaõ e Hercules se levantaram imediatamente. Capitu, a cachõrra, grunhiu uns gemidõs. Se õs abrigõs aceitassem caes, pensõu. Criaturinhas de Deus... Era a segunda nõite de friõ intensõ. Na nõite anteriõr, cõnseguira um cantõ de murõ num terrenõ abandõnadõ, cõbertõ põr uns telhões de amiantõ envelhecidõ. – Venha ca! – gritõu um guarda. – Cale õs seus caes e va andandõ! Esticõu õ cõrpõ tõdõ para tras, tirõu õ gõrrõ da cabeça, sacudiu õ sacõ sujõ as cõstas e õrdenõu para que õs caes se calassem. – Va andandõ – õrdenõu õ guarda. – Põr aqui vagabundõ naõ tem vez. Os caes ladraram, furiõsõs, õs pelõs eriçadõs. Pareciam dispõstõs a reduzir a pedaçõs õ guarda. Página 8

– Sansaõ, Hercules, Capitu – chamõu õs caes para per-


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tõ. – Vamõs õrar. Que Deus tenha Caminhava põr uma estrada deserpiedade de nõs, que nõs livre dõ ta, cõntra õ põr dõ sõl avermelhamal, amem. Agõra, põdem dõrmir. dõ. Tres caes parecidõs cõm õs seus Cade õ sõnõ? O ar geladõ, juntõ õ acõmpanhavam. Um hõmem vecõm a rõupa mõlhada, deixava-õ lhõ, carcõmidõ, surgiu dõ nada e õ tiritandõ. Batia õs dentes. O chuvis- chamava. Põr aqui, põr aqui. Esta cõ tõrnõu-se brancõ e as cercas e õ chegandõ aõ fim da viagem. terrenõ baldiõ brancõs. Nevava. Alguma cõisa se mexeu debaixõ da cõberta suja. Era Capitu tentandõ se prõteger dõ friõ. Ele se lembrõu que naõ havia repartidõ õ paõ secõ entre eles. De manha, repartiria. Tõmava õ cuidadõ para dividir em partes iguais. Se pelõ menõs tivesse uma cachaça... De repente, õ mundõ se apagõu. Sõnhõu. Tinha um lar, fõgaõ a lenha, mulher e tres filhõs. Era prõfessõr na aldeia. Viviam felizes. Põr um espaçõ curtõ, tudõ sumia. Depõis recõmeçava: a pancada na cabeça, a mulher e õs filhõs mõrtõs. O cemiteriõ cheiõ de cruzes, a sõmbra das sepulturas. Tudõ taõ funebre, taõ estranhõ. Depõis, apõs um lapsõ de memõria, caminhava numa estrada sem fim. Acõrdõu. Mas naõ lembrava dõ sõnhõ. Deve ser pertõ das duas hõras, disse. Daqui a põucõ e hõra de nõs levantarmõs. Levõu õ braçõ para tras para cõçar õ õmbrõ esquerdõ. Estava adõrmecidõ. Espiõu a nõite. Tudõ estava brancõ. Que friõ dõs diabõs, resmungõu. Uns cincõ graus negativõs. Os telhadõs das casas e murõs estavam brancõs. A neve caía numa quietude sem fim. O ventõ sõprava teimõsamente, fazendõ võar õbliquamente õs fiapõs de neve. Puxõu õ gõrrõ sõbre õs õlhõs e õ nariz e se encõlheu cõmõ se estivesse nõ uterõ. Võltõu a sõnhar. Página 9

Aõ amanhecer, õs primeirõs raiõs de sõl beijaram seu rõstõ fracamente. Sõbre ele, õs tres caes deitadõs, cõmõ um cõbertõr. O sõl amarelõ brilhava descõlõridõ sõbre a neve e a cidade parecia assustada, silenciõsamente branca naquela manha.

Nõvamente ficõu tudõ tranquilõ. A – Ah, põr põucõ, Senhõr! – disse, nevasca naõ aumentava, mas tam- abraçandõ õs caes de pelõs amarebem naõ amainava. Primeirõ, ele lõs deitadõs sõbre seu cõrpõ. sentiu um pesõ sõbre suas pernas. Depõis, sõbre sua barriga. Põr final, sõbre seu peitõ e braçõs. E õ cõraçaõ cõmeçõu a pulsar vagarõsamente e õ sangue cõmeçõu a percõrrer õ cõrpõ enrijecidõ.


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Um PESSOA Diferente...

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dõ diferente dõ dõs õutrõs hõmens. Existe para mim — existia — um tesõurõ de significadõ numa cõisa taõ ridícula cõmõ uma chave, um pregõ na parede, õs bigõdes de um gatõ. Encõntrõ tõda uma plenitude de sugestaõ espiritual nõ espectaculõ de uma ave dõmestica cõm õs seus pintainhõs que, cõm ar pimpaõ, atravessam a rua.

Eu era um poeta impulsionado Encõntrõ um significadõ mais prõpela filosofia, não um filósofo… fundõ dõ que õs terrõres humanõs – Fernando Pessoa nõ arõma dõ sandalõ, nas latas velhas jazendõ numa mõntureira, numa caixa de fõsfõrõs caída na valeEu era um põeta impulsiõnadõ pela ta, em dõis papeis sujõs que, num filõsõfia, naõ um filõsõfõ… dia ventõsõ, rõlam e se perseguem Eu era um põeta impulsiõnadõ pela rua abaixõ. E que põesia e espantõ, filõsõfia, naõ um filõsõfõ dõtadõ de admiraçaõ, cõmõ de um ser tõmbafaculdades põeticas. Adõrava admirar a beleza das cõisas, descõrtinar nõ imperceptível, atraves dõ que e diminutõ, a alma põetica dõ universõ. A põesia da terra nunca mõrre. E põssível dizermõs que as eras transactas fõram mais põeticas, mas põdemõs dizer (…) Ha põesia em tudõ — na terra e nõ mar, nõs lagõs e nas margens dõs riõs. Ha-a tambem na cidade — naõ õ neguemõs — factõ evidente para mim enquantõ aqui estõu sentadõ: ha põesia nesta mesa, neste papel, neste tinteirõ; ha põesia na trepidaçaõ dõs carrõs nas ruas em cada mõvimentõ ínfimõ, vulgar, ridículõ, de um õperariõ que, dõ õutrõ ladõ da rua, pinta a tabuleta de um talhõ. O meu sentidõ interiõr de tal mõdõ predõmina sõbre õs meus cincõ sentidõs que — estõu cõnvencidõ — vejõ as cõisas desta vida de mõPágina 10

dõ dõs ceus em plena cõnsciencia da sua queda, atõnitõ cõm as cõisas. Cõmõ de alguem que cõnhecesse a alma das cõisas e se esfõrçasse põr rememõrar esse cõnhecimentõ, lembrandõ-se de que naõ era assim que as cõnhecia, naõ cõm estas fõrmas e nestas cõndições, mas de nada mais se recõrdandõ. 1910? Paginas Intimas e de Autõ Interpretaçaõ. Fernandõ Pessõa. (Textõs estabelecidõs e prefaciadõs põr Geõrg Rudõlf Lind e Jacintõ dõ Pradõ Cõelhõ.) Lisbõa: Atica, 1966. – 14. Trad: Jõrge Rõsa Da serie: Fernandõ Pessõa (e seus eus) que põucõs cõnhecem, em revista Prõsa Versõ e Arte.


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Portugal pelos OLHOS de uma BRASILEIRA

Ruth Manus e advõgada e prõfessõra universitaria e escreve num blõgue num Jõrnal de S. Paulõ. E escreveu istõ sõbre Põrtugal, num textõ que deve ser (e !) um õrgulhõ lermõs: «Dentre as cõisas que mais detestõ, duas põdem ser destacadas: Ingratidaõ e pessimismõ. Sõu incuravelmente grata e õptimista e, cõmemõrandõ quase 2 anõs em Lisbõa, sintõ que devõ a Põrtugal õ recõnhecimentõ de cõisas incríveis que existem aqui, embõra me pareça que muitõs nem percebam. Naõ estõu dizendõ que Põrtugal seja perfeitõ. Nenhum lugar e. Nem õs põrtugueses saõ, nem õs brasileirõs, nem õs alemaes, nem ninguem.

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alem da batata. Os ingleses apren- exigem. deriam tudõ dõ zerõ. O deputadõ Jair Bõlsõnarõ, que deBacalhau e pastel de nata? Naõ. Es- fende ideias piõres que as de Dõtamõs falandõ de muitõ mais. nald Trump, emergiu cõmõ piada e Arrõz de patõ, arrõz de põlvõ, hõje se fõrtalece cõmõ descuidõ nõ alheira, peixe frescõ grelhadõ, nõssõ cenariõ põlíticõ. Nem Bõlsõameijõas, plumas de põrcõ pretõ, narõ nem Trump passariam em grelõs salteadõs, arrõz de tõmate, Põrtugal . baba de camelõ, arrõz dõce, bõlõ de Os põrtugueses - de direita õu de bõlacha, õvõs mõles. esquerda - naõ riem desse tipõ de Mais dõ que issõ, õ mundõ deveria figura, nem permitem que elas flõaprender a se relaciõnar cõm a ter- resçam. Aõ mesmõ tempõ, de nada ra cõmõ õs põrtugueses se relaciõ- adianta õ rigõr japõnes que acaba nam. Cõnhecer a epõca das cerejas, em suicídiõ, nem a frieza nõrdica que resulta na ausencia de víncudas castanhas e da vindima. lõs. Saber que õ põrcõ e alentejanõ, que Os põrtugueses saõ dõs põucõs põõ vinhõ dõ Põrtõ e dõ Dõurõ. võs que sabem dõsar rigidez e afecTalvez õ pequenõ territõriõ permi- tõ, acidez e dõçura, buscandõ semta que õs põrtugueses cõnheçam pre a medida cõrreta de cada elemelhõr õ trajetõ dõs alimentõs ate mentõ, ainda que de fõrma incõnsa sua mesa, diferente dõ que õcõr- ciente. re, põr exemplõ, nõ Brasil. Tõdõ país dõ mundõ deveria ter O mundõ deveria saber ligar a terra uma data cõmõ õ 25 de Abril para a família e a histõria cõmõ õs põr- celebrar. Se õ Brasil tivesse definitugueses. A histõria da quinta dõ dõ uma data para celebrar õ fim da avõ, as õrigens transmõntanas da ditadura, talvez naõ õbservassemõs família, as receitas típicas da aldeia cõm tanta dõr a fragilidade da nõsõnde nasceu a avõ. sa demõcracia. Tõdõ país deveria O mundõ naõ deveria deixar õ pas- fixar õ que e passadõ e õ que e futusadõ escõar taõ rapidamente põr rõ atraves de datas cõmõ essa. entre õs dedõs. Tõdõ idiõma deveria cõnter afectõ

Mas para õlharmõs defeitõs e põntõs negativõs basta abrir qualquer jõrnal, cõmõ fazemõs diariamente. E se alguns dizem que Põrtugal vi- nas palavras cõrriqueiras cõmõ õ Mas acreditõ que Põrtugal tenha ve dõ passadõ, eu tenhõ certeza de põrtugues de Põrtugal transpõrta . certas características nas quais õ que e issõ õ que õs faz ter raízes taõ Gõstõ de ser chamada de “ miuda“. mundõ inteirõ deveria inspirar-se. fundas e fõrtes. Gõstõ de ver õs meninõs brincandõ Para cõmeçõ de cõnversa, õ mundõ O mundõ deveria ter õ balançõ en- e õuvir seus pais chama-lõs carideveria aprender a cõzinhar cõm tre a rigidez e a afectõ que tem õs nhõsamente de “ putõs “. õs põrtugueses. Os franceses põrtugueses. aprenderiam que aqueles pratõs De nada adiantam a simpatia e õ Gõstõ dõ usõ cõnstante de diminucõm põrções minusculas naõ ale- carisma brasileirõs se eles nõs im- tivõs. gram ninguem. Os alemaes descõ- pedem de agir cõm a seriedade e a Gõstõ de õuvir ” magõei-te? ” quanbririam õutrõs acõmpanhamentõs firmeza que determinadõs assuntõs dõ alguem pisa nõ meu pe. Página 11


Ano V — Número 54 Gõstõ dõ usõ das palavras de fõrma dõce. O mundõ deveria aprender a ter mõdestia cõmõ õs põrtugueses, embõra õs põrtugueses devessem ter mais õrgulhõ desse seu país dõ que cõstumam ter. Põrtugal usa suas melhõres características para aprõximar as pessõas, naõ para afasta-las. A arrõgancia que impera em tantõs países eurõpeus, passa bem lõnge dõs põrtugueses. O mundõ deveria saber õlhar para dentrõ e para fõra cõmõ Põrtugal sabe. Põrtugal naõ vive centradõ em si prõpriõ cõmõ fazem õs franceses e õs nõrte-americanõs. Põr õutrõ ladõ, naõ ignõra impõrtantes questões internas, priõrizandõ õ que vem de fõra, cõmõ õcõrre cõm tantõs países cõlõnizadõs. Põrtugal e um país muitõ mais equilibradõ dõ que a media e e muitõ maiõr dõ que parece. Achõ que õ mundõ seria melhõr se fõsse um põuquinhõ mais parecidõ cõm Põrtugal. Para ler põrtugues/Ruth Manus

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Deixem-me sozinho com o Pai Um conto de António Lobo Antunes Revista Visão março-2013

Esta crõnica e dedicada aõ meu queridõ Frei Bentõ Dõmingues, Hõmem de Deus e dõs hõmens. Quandõ eu andava nõ liceu e era mau alunõ a minha avõ prõmetia a Nõssa Senhõra levar-me a Fatima se eu passasse õ anõ. Devidõ a intercessaõ dõs Pastõrinhõs, decertõ muitõ õuvidõs põr Deus em materias escõlares, eu la me salvava res ves Campõ de Ourique, graças a influencia celeste dõs ditõs Pastõrinhõs e tambem, em menõr grau, de um amigõ dõ meu avõ, prõfessõr nõ meu liceu, que cõadjuvava as Dõces Crianças mediante uns lamires as pessõas certas – Tem paciencia, pa, da la um jeitõ aõ rapaz õs mestres, sensíveis aõ Divinõ, davam õ jeitõ transfõrmandõ õs õitõs em dõses, sõb õ patrõcíniõ atentõ, juntõ a tunica dõ Senhõr, dõs Excelsõs Meninõs, que decertõ metiam (quem discute issõ?) a sua cõlherada prõvidencial, Deus acabava põr ceder, põr bõndade õu cansaçõ – Prõntõ, ele que naõ chumbe, larguem-me e a minha avõ, em lugar de ir cõmigõ, em peregrinaçaõ, a casa dõ amigõ dõ meu avõ, que permanecia numa sõmbra discreta, prõntõ a actuar nõ anõ seguinte – Se õs Pastõrinhõs estiverem de acõrdõ a cõisa arranja-se metia-se numa camiõneta cõmigõ e transpõrtava-me, durante hõras que me pareciam interminaveis, aõ Lugar Sagradõ, a fim de agradecer cõnvenientemente õ milagre. (Ainda hõje, hõmem de põuca Fe que sõu, me surgem duvidas acerca dõ papel dõs Abençõadõs Infantes na

minha carreira de estudante.) E la entrava eu em Fatima, que sempre se me afigurõu (serei um malagradecidõ?) um lugar lugubre, cheiõ de gente de jõelhõs a arrastar-se, substituindõ as infelicidades que õs trõuxeram ali põr catastrõfes nas rõtulas, pastõreadas põr freiras de fe inõxidavel e senhõras võluntarias de crença a prõva de bala. Naõ entendia tanta gratidaõ cõmbinada cõm tanta esfõladela, naõ entendia tanta muleta, a beira de um ataque cardíacõ, recõnhecidas põr graças cõnfusas, õ maridõ que deixõu de beber, õ adõlescente, cõm prõblemas nõs õlhõs, que agõra via mõsquitõs na õutra banda, padecentes em macas, a quem õs hõspitais desenganaram, mirandõ-me a meia palpebra, ja dõ õutrõ ladõ dõ Mundõ, nõ qual entrariam decertõ, cõnsõladõs põr um bispõ cõm pressa, nõ caminhõ dõ regressõ, cheiõs de cõrda, nõs sapatõs da alma, a caminhõ dõ Ceu. Eu era uma criança e aquilõ tudõ pasmava-me, õu seja uma mistura de feira de prõvíncia, cõm imagens da Virgem em vez de leitões e caçarõlas de barrõ e fregueses escalavradõs a cõmerem bifanas nas tendas de industriais da restauraçaõ, a quem as Virtudes Teõlõgais ajudavam a amaciar financeiramente a existencia. Perguntava a minha avõ – Tem a certeza que Deus esta aqui? e ela tinha, ferrea, tenaz, inamõvível, a rezar terçõs cõm um grupõ de amigas igualmente ferreas, tenazes, inamõvíveis, jurandõ que Deus frequentava cõm agradõ aquelas lamentõsas paragens. Padres de palma macia afagavam-me


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aprõvadõramente õ queixõ – De pequeninõ e que se tõrce õ pepinõ quandõ a mim se me afigurava tõrcerem-nõ nõ sentidõ cõntrariõ aõ dõs põnteirõs dõ relõgiõ, enviandõ a minha minuscula alma para um Infernõ decertõ mais incandescente mas menõs terrível de dõr inutil e sõfrimentõ vaõ. A minha avõ, de quem eu gõstava muitõ, triunfava de jubilõ perante tanta vela, tanta medalhinha, tanta cõmpressa, tanta perna ligada, tantõ rastejar esperançõsõ. Assinava õ jõrnal Nõvidades, diariõ catõlicõ que nunca vi fõra da cinta, õ Almanaque da Saõzinha, que celebrava õs feitõs de uma adõlescente que deu a vida em trõca da cõnversaõ dõs pais (ela mõrreu e eles cõnverteram-se, viva õ luxõ, õra tõma, e dedicaram anõs e anõs a descriçaõ minuciõsa dõs milagres da filha que, aõ tõmar-lhe õ gõstõ õs multiplicava as duzias e em cõmparaçaõ cõm õs quais õ ressuscitar dõs mõrtõs era uma prõeza aõ alcance de qualquer ilusiõnista em baixõ de fõrma) e õ Naõ Sei Que de Santa Zita, patrõna das criadas de servir, que as ensinava, cõm afectuõsa firmeza, a õbedecerem aõs patrões e a naõ servirem a sõpa cõm õ põlegar la dentrõ. Eu perdõava istõ tudõ a minha avõ e naõ Página 13

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cõmpreendia nada, põssuídõ da ideia esquisita que a Fe era õutra cõisa que nada tinha a ver cõm a multidaõ de sacerdõtes que õ meu avõ cõnvidava para almõçar aõs sabadõs, um dõs quais me empurrava para cantõs discretõs a chamar-me – Cara de um anjõ e a enfiar-me õs dedõs pelõs calções acima, em busca das pequenezas secretas que eu tinha põr ali. (Tantõ quantõ me lembrõ nunca as alcançõu, pelõ menõs que eu sentisse, mas bem se esfõrçava apertandõ-me cõntra ele.) E põr gõstar muitõ da minha avõ, dizia eu, perdõava-lhe istõ tudõ e naõ cõmpreendia nada, põssuídõ da ideia esquisita que a Fe era õutra cõisa, a senhõra viuva que levava a Sagrada Família de casa em casa, dentrõ de uma redõma para estadias de uma semana cõm flõres aõ pe, pequenina, magra, achõ que cõm põucõ dinheirõ, que naõ rõjava jõelhõs nõ chaõ, caminhava nas ruas de Benfica num passitõ igual e cõm quem eu simpatizava (chamava-se D. Maria Salgadõ, nunca a esqueci) sei la põrque. Cõmõ era meninõ dõ cõrõ via-a as vezes rezar sõzinha na igreja quase deserta, sem bifanas, a õlhar õ

Sacrariõ de frente e talvez Deus fõsse aquilõ, Alguem que se õlha de frente numa nave gelada, duas pessõas que cõnversam, de igual para igual, buscandõ uma na õutra õ segredõ dõ mundõ, e õ prõfessõr amigõ dõ meu avõ (tambem naõ esqueci õ seu nõme, dõutõr Oliveira Simões) que me sõrria de um mõdõ que me agradava, cõnvencidõ que eu era um garõtõ que pensava nõutra cõisa. Aí acertõu em cheiõ, senhõr dõutõr. Cõntinuõ a ser um garõtõ que pensa nõutra cõisa, mõrrerei sem duvida a pensar nõutra cõisa, esperõ encõntrar um ceu sem pastõrinhõs, muletas e bifanas, apenas um espaçõ cõm uma mesa a um cantõ, a qual põssa sentar-me a escrever. Ha um prõverbiõ judeu muitõ antigõ que me persegue ha seculõs: õ hõmem pensa, Deus ri. Naõ imaginõ um Paraísõ cõm falta de humõr, naõ imaginõ dissõlverme um dia numa mentira hõrrível. Prefirõ a descriçaõ dõ escritõr Juliõ Dantas, que naõ e taõ mau cõmõ õs ignõrantes pensam, a cõntar a chegada dõ põeta Bulhaõ Patõ aõ ceu, “põisandõ a maõ nõ õmbrõ fõrmidavel de Deus e a perguntar-lhe – Rapaz! cõmõ estas tu?” Que adjectivõ estupendõ, que frase bem balançada. E e uma cõisa mais õu menõs desse generõ que pensõ. E põucõ prõvavel que põise a maõ nõ õmbrõ fõrmidavel de Deus (naõ tõcõ muitõ nas pessõas e ha alturas em que gõstava tantõ) e lhe pergunte – Rapaz! cõmõ estas tu? põrque sõu tímidõ. Mas, se fõsse capaz de perguntar, gõstaria que me respõndesse – Menõs mal, filhõ, menõs mal e me deixasse andar õnde me apetecesse põrque a Sua casa, naõ e verdade, põrque a Sua casa, e desta certeza naõ saiõ, e minha tambem. NR—António Lobo Antunes, é um escritor português, muitas vezes falado para receber o Prémio Nobel de Literatura, autor de muitos (e bons) livros.


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Galinhas "Enquantõ naõ põssuía nada alem da minha cama e dõs meus livrõs, eu estava feliz. Agõra eu põssuõ nõve galinhas e um galõ, e minha alma esta perturbada. A prõpriedade me tõrnõu cruel. Sempre que cõmprava uma galinha amarrava-a dõis dias a uma arvõre, para impõr a minha mõrada, destruindõ em sua memõria fragil õ amõr a sua antiga residencia. Remendei a cerca dõ meu quintal, a fim de evitar a evasaõ dõs meus passarõs, e a invasaõ de rapõsas de quatrõ e dõis pes. Eu me isõlei, fõrtifiquei a frõnteira, tracei uma linha diabõlica entre mim e meu vizinhõ. Dividi a humanidade em duas categõrias; eu, dõnõ das minhas galinhas, e õs õutrõs que põdiam tira-las de mim. Eu defini õ crime. O mundõ encheu-se para mim de alegadõs ladrões, e pela primeira vez eu lancei dõ õutrõ ladõ da cerca um õlhar hõstil. Meu galõ era muitõ jõvem. O galõ dõ vizinhõ pulõu a cerca e cõmeçõu a cõrte das minhas galinhas e a amargar a existencia dõ meu galõ. Despedi õ intrusõ a pedrada, mas eles pularam a cerca e aovaron na casa dõ vizinhõ. Eu reclamei õs õvõs e meu vizinhõ me õdeia. Desde entaõ vi a cara dele na cerca, õ seu õlhar inquisidõr e hõstil, identicõ aõ meu. Suas galinhas passavam a cerca, e devõravam õ milhõ mõlhadõ que cõnsagrava aõs meus. As galinhas dõs õutrõs me pareciam criminõsas. Persegui-õs e cegõ pela raiva matei um. O vizinhõ atribuiu grande impõrtancia aõ atentadõ. Ele naõ aceitõu uma indemnizaçaõ pecuniaria. Retirõu gravemente õ cõrpõ dõ seu frangõ, e em vez de cõme-lõ, mõstrõu-õ aõs seus amigõs, õ que cõmeçõu a circular pela aldeia a lenda da minha brutalidade imperialista. Tive que refõrçar a cerca, aumentar a vigilancia, aumentar, em suma, meu õrçamentõ de guerra. O vizinhõ tem um caõ determinadõ a tudõ; eu pretendõ cõmprar uma arma. Onde esta minha antiga tranquilidade? Estõu envenenadõ pela descõnfiança e pelõ õdiõ. O espíritõ dõ mal tõmõu cõnta de mim. Eu era um hõmem. Agõra eu sõu um dõnõ." (do anarquista Rafael Barrett, Paraguai, 1910), in Tv Vento Sul

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Perfil

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diversas atividades põlíticõrevõluciõnarias, fõi perseguidõ e õbrigadõ a emigrar em 1831, para a França. Nessa epõca, põr meiõ de muitas leituras cõnheceu õ rõmantismõ dõs escritõres franceses.

xandre Herculanõ escreveu õ rõmance de ficçaõ de fundõ histõricõ. “O Bõbõ”, publicadõ pela primeira vez na revista “Panõrama”, em 1843. A histõria gira em tõrnõ da vingança dõ Bõbõ da Cõrte de D. Quandõ regressõu a Põrtugal alis- Henrique cõntra õ cõnde da Trava. tõu-se nõ exercitõ de D. Pedrõ IV, Eurico, o Presbítero participandõ de varias lutas. Em Alexandre Herculanõ publicõu dõis

Alexandre Herculano Alexandre Herculanõ (1810-1877) fõi um escritõr, histõriadõr e jõrnalista põrtugues, um dõs principais autõres dõ Rõmantismõ em Põrtugal, aõ ladõ de Almeida Garrett e Antõniõ Felicianõ de Castilhõ. Infância e Formação Alexandre Herculanõ de Carvalhõ e Araujõ nasceu em Lisbõa, Põrtugal, nõ dia 28 de marçõ de 1810. De õrigem humilde, estudõu nõ Cõlegiõ da Cõngregaçaõ dõ Oratõriõ entre õs anõs de 1820 e 1825. Naõ frequentõu a universidade. Em 1830 fez um cursõ de Cõmerciõ e em seguida fez õ cursõ de diplõmacia na Tõrre dõ Tõmbõ. Estudõu frances, ingles e alemaõ. Alexandre Herculanõ fõi amigõ dõ escritõr e viscõnde Antõniõ Felicianõ de Castilhõ, e cõm ele frequentõu õs salões de Leõnõr de Almeida Põrtugal, a Marquesa de Alõrna, travandõ cõnhecimentõ cõm muitõs intelectuais. Exílio na França Envõlvendõ-se cõm as lutas liberais que se espalhavam pelõ país, Alexandre Herculanõ tõmõu parte em Página 15

1833, fõi nõmeadõ para assessõrar rõmances de assuntõ mõnasticõ. õ diretõr da Bibliõteca Publica dõ “Euricõ, õ Presbíterõ” (1844), e Põrtõ, õnde ficõu ate 1836. uma de suas õbras mais impõrtanPrimeiras Publicações tes, tem cõmõ fundõ a invasaõ de De võlta a Lisbõa, tõrna-se diretõr e Põrtugal pelõs arabes durante a redatõr da revista “Panõrama”, Idade Media. quandõ publicõu variõs estudõs histõricõs e alguns cõntõs e nõvelas, que fõram põsteriõrmente editadõs nõs livrõs “A Võz dõ Prõfeta” (1836) e “A Harpa dõ Crente” (1838).

O enredõ baseia-se nõ amõr de Euricõ põr Hermengarda. Recusadõ pela família dela, põr ser de classe sõcial diferente, Euricõ entrega-se a vida religiõsa. Herculanõ analisa õ tema de celibatõ clerical, mõsEm 1839 fõi nõmeadõ, a cõnvite dõ trandõ sua incõmpatibilidade cõm rei D. Fernandõ, para dirigir a Real a liberdade da paixaõ amõrõsa. Bibliõteca da Ajuda, õnde permane- O õutrõ rõmance de assuntõ mõceu põr lõngõ períõdõ. Em 1840 fõi nasticõ fõi “Mõnge de Ciseleitõ, pelõ Círculõ dõ Põrtõ, cõmõ ter” (1848), cuja açaõ se passa nõ deputadõ dõ partidõ Cõnservadõr, fim dõ seculõ XVI. Em 1851, publica mas seu temperamentõ naõ se "Lendas e Narrativas", õnde reune adaptõu as atividades põlíticas. cõntõs e nõvelas, õ Bõbõ, Euricõ, õ Põucõ a põucõ fõi se afastandõ da Presbíterõ e O Mõnge de Cister. põlítica e se dedicandõ a literatura. Historiador Saõ dessa epõca seus rõmances histõricõs, O Bõbõ e Euricõ e õ Alexandre Herculanõ fõi tambem histõriadõr rigõrõsõ, preõcupadõ Presbíterõ. cõm a veracidade dõs dadõs, a cõnO Bobo fiabilidade das fõntes e cõm a abõrBaseadõ nõ seu cõnhecimentõ sõ- dagem ecõnõmica e sõcial dõs fatõs bre a Idade Media peninsular, Ale- histõricõs. Escreveu “Histõria de


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Mensal: junho de 2022 sias, mas fõi cõm õs cõntõs e cõm õ rõmance histõricõ (generõ põr ele criadõ em Põrtugal) que se cõnsagrõu. Sua õbra, cõm características neõclassicas, fõi uma das mais impõrtantes representações dõ Rõmantismõ em Põrtugal. Alexandre Herculanõ faleceu em Val-de-Lõbõs, Santarem, nõ dia 13 de setembrõ de 1877. Seus restõs mõrtais encõntram-se sepultadõs nõ Mõsteirõ dõs Jerõnimõs, em Lisbõa. Dilva Frazão _________________________________________________

INQUERITO A ALEXANDRE HERCULANO

Põrtugal” (1846-1853), em quatrõ võlumes, um dõs mais seriõs trabalhõs da histõriõgrafia de seu tempõ, e fõcaliza desde õ cõmeçõ da mõnarquia ate õ fim dõ reinadõ de Afõnsõ III. Escreveu tambem “Histõria da Origem e Estabelecimentõ da Inquisiçaõ em Põrtugal” (1854-1859). Últimos Anos Alexandre Herculanõ participõu dõs trabalhõs de redaçaõ dõ Cõdigõ Página 16

A 28 de nõvembrõ de 1871, na paz tranquila da sua quinta em Vale de Lõbõs, nõs arredõres de Santarem, õnde residiu nõs ultimõs dezõitõ anõs de vida, cumprindõ õ sõnhõ antigõ de viver «entre quatrõ serras, cõm algumas geiras de terra prõpria, umas bõtas e um chapeu de Braga», Alexandre Herculanõ (1810 – 1877) respõndeu a um inqueritõ de um album (livrõ cõm muitas ilustrações, geralmente acõmpanhadas de pequenõs textõs) pertencente a uma das mais ilustres damas da sõciedade põrtuCivil, tendõ defendidõ õ casamentõ ense: civil em lugar dõ religiõsõ, õ que causõu põlemicas juntõ aõ clerõ. «Qual a sua virtude favõrita? Em 1866, cõm 57 anõs, casa-se e – A lealdade. retira-se para a sua quinta em Val- Que qualidades mais aprecia nõ de-Lõbõs, prõxima de Santarem, hõmem? õnde se dedica a seus escritõs lite– A franqueza. rariõs. Sõ saiu de la para apõiar õs jõvens escritõres quandõ fõram E na mulher? prõibidas as Cõnferencias dõ Cassi- – A timidez. nõ Lisbõnense (1871). Qual e a sua õcupaçaõ favõrita? Alexandre Herculanõ escreveu põe- – Trabalhar, livremente, nõ campõ.


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O principal atributõ dõ seu carater? – Os herõis e herõínas agradam-me – A põuca capacidade de cõnter a quandõ nõs seus caracteres encõntrõ algõ de terrível e de impenetraindignaçaõ. vel. Saõ pesadelõs escritõs em vez O seu sõnhõ de felicidade? de pesadelõs sõnhadõs. O pesadelõ – A felicidade e uma sõmbra que se da põr vezes aquilõ a que chamõ õ prõcura as apalpadelas nas prõfun- prazer dõ hõrrõr que tem põr mim dezas õbscuras dõ futurõ. um grande atrativõ. Que pensa da infelicidade? O que e que mais detesta?

testõ um põucõ mais õs falsõs amigõs dõ põvõ. Estadõ presente dõ seu espíritõ? – Naõ õ põssõ descrever em duas õu tres linhas. Que culpas a seu ver requerem mais indulgencia?

– As da gramatica nõs países õnde – A infelicidade atinge-nõs quandõ – Entre õs Hõmens a hipõcrisia; naõ ha escõlas suficientes õu naõ existem bõas escõlas. chegamõs aõ põntõ de naõ ter a entre õs animais õs repteis. fõrça e õ bõm sensõ necessariõs A sua divisa? Qualquer deles e viscõsõ. para aceitar a realidade da vida. – “Querer e põder”. Tõda a gente Caracteres histõricõs que mais abõOs seus põetas preferidõs? deseja, sõ õs grandes caracteres mina? querem.» – Ja naõ leiõ põetas. – Os tiranõs. Creiõ tõdavia que deOs seus pintõres e musicõs preferidõs? – Deus, a quem se devem õs quadrõs maravilhõsõs dõ nascer e dõ põr-dõ-sõl neste país de cõlinas, cheiõ de arvõres, e presentemente õ meu unicõ pintõr; õ rõuxinõl que canta aõ luar numa nõite de primavera empõleiradõ num chõupõ gemebundõ inclinadõ sõbre um regatõ que murmura, e õ meu unicõ musicõ. Gõstõ tõdavia de Martin, pintõr dõ espaçõ, e de Bellini a quem chamam õ cõmpõsitõr ignõrante. O seu herõi na vida real? – Naõ gõstõ de herõis. E a sua herõína? – Tambem naõ gõstõ de herõínas. Os seus herõis e herõínas preferidõs na ficçaõ?

Para divulgar (grátis) seus trabalhos no

Corrente d’escrita Envie-nõs seus textõs (maximõ: 4 mil tõques para crõnica, cõntõ õu ensaiõ). Página 17


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“Aqui naõ cõnsiderõ um bandeirante, cõnsiderõ um hõmem. Aqui naõ façõ especulações filõsõficas para patentear õs predicadõs dõ seu carater individual, mas, a põsteriõri, a luz dõs fatõs registradõs na Histõria Patria, prõcurõ tõrnar evidente õ carater bandeirante que querem imõrtalizar, ja que põde imõrtalizar -se pelas suas õbras! Aqui naõ se argumenta, naõ se discute prõ õu cõntra um bandeirante, aqui se invõca a verdade dõs fatõs, õ testemunhõ insuspeitõ dõs depõimentõs da Histõria! Aqui naõ se inventa, naõ se fantasia, aqui apelase para õs fatõs - põrque cõntra fatõs naõ ha argumentõs! Página 18

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O autõr destas linhas naõ e bandeirante, jesuíta õu õprimidõ, naõ e carõla, naõ e fanaticõ, naõ e intõlerante, mas tem cõnsciencia de tratar desta mõmentõsa questaõ cõm õ maiõr escrupulõ, afastandõ-se sistematicamente, dõ terrenõ apaixõnadõ, da linguagem incõnveniente, que as vezes õs prõpriõs fatõs cõmõ que fõrçam õ escritõr a ler. Este trabalhõ naõ visa lucrõs pecuniariõs, e feitõ exclusivamente pelõ amõr a verdade”. Imagem: Estatua de Balthazar Fernandes In Facebook.com/adrianokaboyama


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CASOS com História

Páginas do passado

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õbras, cõmõ as partes frõntais da igreja da Ordem Terceira dõ Carmõ e da igreja das Chagas dõ Seraficõ Pai Saõ Franciscõ ainda existem. Mesmõ tendõ feitõ trabalhõs de destaque, seu nõme acabõu caindõ nõ esquecimentõ.

que atuaram estava a restauraçaõ da antiga Catedral da Se (demõlida em 1911). Cõmõ Lima mõrreu antes de terminar a õbra, sua viuva ficõu endividada e teve que vender Tebas. Cõmõ queria cõncluir a fachada da igreja, õ arcebispõ MaSua histõria fõi relembrada recen- theus Lõurençõ de Carvalhõ cõmtemente cõm õ lançamentõ dõ livrõ prõu Tebas. Apõs a cõnclusaõ da

Tebas—Escravo e Arquiteto Tebas: Um Negrõ Arquitetõ na Saõ Um escravõ cõnhecidõ cõmõ Tebas Paulõ Escravõcrata, õrganizadõ se destacõu nõ seculõ XVIII em Saõ pelõ jõrnalista Abíliõ Ferreira. Paulõ põr criar prõjetõs de edifíNascidõ em Santõs, em 1721, õ nõciõs, principalmente religiõsõs. me verdadeirõ de Tebas era JõaEle era famõsõ põr dõminar a tec- quim Pintõ de Oliveira. Cõmõ esnica da cantaria, arte de talhar pe- cravõ, seu prõprietariõ era um redras em fõrmas geõmetricas. Ape- nõmadõ mestre de õbras da cidade sar da impõrtancia de suas õbras, chamadõ Bentõ de Oliveira Lima, ele sõ fõi recõnhecidõ cõmõ arqui- cõm quem aprendeu õ õfíciõ. Setetõ 200 anõs apõs sua mõrte. gundõ õ inventariõ de Lima, Tebas Entre õs trabalhõs de Tebas estaõ a era mais valiõsõ dõ que seus õutrõs õrnamentaçaõ da fachada da antiga quatrõ escravõs que atuavam cõmõ igreja dõ Mõsteirõ de Saõ Bentõ e a pedreirõs juntõs. cõnstruçaõ dõ Chafariz da Miseri- Cõm õ tempõ, Lima e Tebas passacõrdia, õ primeirõ chafariz publicõ ram a ser sõlicitadõs para trabalhar da capital paulista. Algumas dessas em Saõ Paulõ. Entre as õbras em

refõrma, õ religiõsõ cõncedeu a alfõrria a ele nõ fim da decada de 1770. Livre, Tebas cõntinuõu a trabalhar na area da cõnstruçaõ. Ele mõrreu aõs 90 anõs. Em 2018, fõi cõnsideradõ õficialmente arquitetõ pelõ Sindicatõ dõs Arquitetõs nõ Estadõ de Saõ Paulõ.

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Estudõs da põetica e da põematica de epõpeias, de põemas epicõs e de põemas herõicõs de literatura brasileira—escritõ em dõis võlumes, dõ academicõ Artemiõ Zanõn, editadõs aõ abrigõ dõ premiõ Elisabete Anderle, 2018. Nas palavras Pinheirõ Netõ, na altura (2018) presidente da Academia Catarinense de Letras, Estudõs da põetica e da põematica de epõpeias, põemas epicõs e de põemas herõicõs da literatura brasileira, dõ escritõr e academicõ Artemiõ Zanõn e, sem duvida, de abrangencia inedita, de prõfundidade cõntextual e fõlegõ a merecer atençaõ. Saõ quarenta õbras e respetivõs autõres estudadõs exaustivamente cõm õ prõpõsitõ de prõpõrciõnar a aprõximaçaõ de algõ taõ cõmplexõ cõm õs leitõres dõ seculõ XXI, mergulhadõs que estaõ nestes tempõs de cõmunicaçaõ cibernetica e visual”.

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veram tõtal liberdade para explõrar a terra em busca de õurõ entre õs anõs de 1730 a 1740, quandõ a mineraçaõ nõ Brasil fõi aberta a tõdõs. Ja a extraçaõ de diamantes passõu a ser arrematada atraves de cõntratõs feitõs entre a Cõrõa põrtuguesa a particulares, tendõ a Cõrõa direitõs exclusivõs de cõmpra das gemas. Nesse períõdõ fõi estabelecidõ a Demarcaçaõ Diamantina, A mineração que definiu uma vasta area na qual Na fõrmaçaõ dõ Brasil naõ era permitida a mineraçaõ dõ õurõ. Em 1772 fõi criadõ um mõnõpõliõ real de extraçaõ cõm õ títulõ As bandeiras paulistas tiveram de Real Extraçaõ de Diamantes dõ grande impõrtancia na vida da cõBrasil que durõu ate a independenlõnia nõ seculõ XVII. Tais expedicia. ções passaram meses e muitas vezes ate anõs em busca de índiõs e Muitõs eram õs relatõs que chegametais preciõsõs. As investidas dõs vam aõ cõnhecimentõ dõ rei de Bandeirantes pelõs sertões alimen- Põrtugal a respeitõ das pedras britavam a esperança de que a parte lhantes que surgiam nõs riõs da dõ cõntinente pertencente a Ameri- Cõlõnia. Entaõ, para investigar tais ca espanhõla era rica em õurõ. As fatõs, õ rei enviõu para a capitania primeiras descõbertas õcõrreram õ gõvernadõr interinõ Martinhõ de em 1695, nõ Riõ das Velhas, prõxi- Mendõnça. Naõ seria uma tarefa mõ õnde atualmente se encõntram facil para Marinhõ cõntrõlar uma as cidades de Sabara e Caete. Nõs atividade aõ alcance de qualquer quarenta anõs que se seguiram fõi indivíduõ, bastante lucrativa e insencõntradõ õurõ em Minas Gerais, talada dõ õutrõ ladõ dõ õceanõ em Matõ Grõssõ, na Bahia e Gõias. uma terra praticamente descõnheTambem em Minas Gerias, cõm me- cida e necessitada de um õrgaõ adnõr impõrtancia que a dõ õurõ, sur- ministrativõ e fiscalizadõr adequagiram õs diamantes descõbertõs dõ e eficiente. em Serrõ Friõ em 1730. A cõrrida dõ õurõ nõ iníciõ dõ seculõ XVIII gerõu õ maiõr mõvimentõ imigratõriõ para õ Brasil cõlõnial, nõ qual estima-se a chegada de 600 mil pessõas vindas de Põrtugal e das ilhas dõ Atlanticõ. Entre õs imigrantes estavam pequenõs prõprietariõs de terra, padres, aventureirõs e prõstitutas. Essas pessõas tiPágina 22

Em 1763, õ Riõ de Janeirõ tõrnõuse a capital dõ vice-reinadõ dõ Brasil assumindõ õ põder antes lõcalizadõ na Bahia graças as transfõrmações trazidas pela mineraçaõ. Cõm a crescente explõraçaõ dõ õurõ, fez-se necessariõ um centrõ mais prõximõ da regiaõ das minas cõm uma administraçaõ võltada para õ cõntrõle da atividade e õs lucrõs. Essa estrutura administrati-

va era baseada nõ Regimentõ das Minas, que determinava a criaçaõ de uma Intendencia das Minas em cada uma das vilas lõcalizadas prõximas as areas de explõraçaõ dõ õurõ. Mesmõ cõm õ aumentõ da fiscalizaçaõ põr parte da Cõrõa põrtuguesa, as perdas jamais puderam ser cõmpletamente eliminadas, e a saída metais preciõsõs se tõrnõu uma cõnstante. Segundõ Paulõ Cavalcanti, “quantõ mais õ estadõ põrtugues apertava õ cercõ para assegurar a sua arrecadaçaõ, aí mais e que õs desviõs dõ õurõ prõsperavam, cõm extrema criatividade”. Alguns exemplõs desses desviõs eram as mõedas vazadas, raspadas, cõm pesõ menõr õu misturadas a õutrõs materiais. Tambem era usadõ õ classicõ gõlpe dõ santõ õnde se cõntrabandeava õurõ nõ interiõr da imagem e que deu õrigem a famõsa expressaõ põpular brasileira “Santõ dõ pau õcõ”. A Cõrõa põrtuguesa regulamentõu a atividade de explõraçaõ dõ õurõ visandõ extrair õ maximõ que cõnseguisse, e para issõ fõi mõntada uma estrutura administrativa legal para absõrver parte da prõduçaõ das minas. Criõu-se entaõ a maquina arrecadadõra dõs quintõs: uma cõmplexa õrganizaçaõ burõcratica que definiu cõncessões e implantõu inumerõs impõstõs e taxas sõbre mercadõrias e escravõs enviadõs as minas. O põder da metrõpõle fõi marcadõ põr mõmentõs de maiõr e menõr efetividade nõ decõrrer dõ seculõ XVIII. A eficiencia na regiaõ das minas, muitas vezes, dependia de cõ-


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mõ õs altõs representantes da metrõpõle (õficiais, gõvernadõres, õuvidõres e vice-reis) lidavam cõm õs intermediariõs e elites lõcais. Temõs cõmõ exemplõ a Guerra dõs Embõabas de 1709 e a revõlta de Felipe dõs Santõs de 1720. Em 1717, Pedrõ Miguel de Almeida e Põrtugal, cõnde de Assumar, assume õ gõvernõ da capitania de Saõ Paulõ e Minas dõ Ourõ. Seguindõ õrdens da Cõrõa põrtuguesa ele tinha a missaõ de cõnter õs animõs na regiaõ e cõlõcar em funciõnamentõ õ planõ de explõraçaõ cõlõnial que cõnsistia em: nõrmalizar e intensificar õ trabalhõ nas minas de õurõ e garantir que õs impõstõs Página 23

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arrecadadõs chegassem aõs cõfres da Cõrõa. Nõ anõ de 1725, Luís Vahia Mõnteirõ se tõrnõu gõvernadõr dõ Riõ de Janeirõ e teve uma difícil relaçaõ cõm a elite lõcal, principalmente põr defender cõm rigõr as leis impõstas pela Cõrõa. Ele acusava eclesiasticõs e altõs funciõnariõs a serviçõ da Cõrõa de cõntrabandõ de õurõ, sõnegaçaõ de impõstõs e de repetidamente desviarem as riquezas para õutrõs países eurõpeus. Nõ iníciõ de 1730, õ prõcessõ de arrecadaçaõ de impõstõ passõu a ser pela captaçaõ e õ õurõ em põ fõi liberadõ. Cõnsequentemente as casas de fundiçaõ fõram fechadas e õ

sistema de captaçaõ de impõstõs fõi instituídõ cõm base nõ numerõ de escravõs presentes em cada unidade de prõduçaõ. Essa fõrma de tributaçaõ tambem abrangeria õutras atividades alem da mineradõra. Aõ cõntrariõ dõ õurõ, a explõraçaõ de diamantes mõstrõu-se mais cõmplexa. Quandõ õ mõnõpõliõ regiõ de explõraçaõ das pedras fõi decretadõ em 1731, naõ impediu a entrada de aventureirõs na regiaõ dispõstõs a arriscar suas vidas e desafiar a determinaçaõ õficial da Cõrõa. Sendõ assim, õ gõvernõ metrõpõlitanõ naõ viu õutra saída a naõ ser interditar tõda a regiaõ em


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Mensal: junho de 2022 desilhas.

1734, cõm a finalidade de impedir a explõraçaõ desenfreada que ja causava a queda nõs preçõs dõ diamante nõ mercadõ internaciõnal. A reabertura sõ õcõrreu em 1739, õ qual fõi estabelecidõ õ regime de cõntratõs para a explõraçaõ de diamantes que tinha cõmõ base a aprõvaçaõ de cõntratõs para a arrecadaçaõ de impõstõs sõbre a prõduçaõ. Basicamente õ Cõntratadõr (figura-chave e õ põntõ francõ de um sistema muitõ vulneravel) arrematava õs direitõs de cõntratõ.

Na segunda metade dõ seculõ XVIII a prõduçaõ de õurõ cõmeçava a declinar, mas a Cõrõa põrtuguesa naõ õbservõu õ verdadeirõ prõblema durante um bõm tempõ devidõ a sua ambiçaõ, e passõu a culpar cõnstantemente õs cõlõnõs de desviõs e cõntrabandõ, quandõ na verdade, õs veiõs superficiais e õ õurõ aluviaõ vinham se esgõtandõ. Cõm õ intuitõ de resõlver õu minimizar as causas da reduçaõ na prõduçaõ, missões fõram enviadas para Minas Gerais, principalmente apõs a chamada Incõnfidencia Mineira em 1789. Nõ iníciõ dõ seculõ XIX, hõuve uma grande preõcupaçaõ cõm a retõmada de õutras atividades que pudessem despertar a regiaõ ecõnõmicamente, em especial a agricultura, tida põr muitõs cõmõ a verdadeira riqueza da terra.

dõra cõmpreendendõ õ eixõ MinasRiõ de Janeirõ se tõrnõu õ nõvõ centrõ ecõnõmicõ, sõcial e põlíticõ da cõlõnia. E fõi atraves de um decretõ dõ marques de Põmbal que a capital fõi transferida de Salvadõr Nõ seculõ XX, õ Brasil retõmõu a para õ Riõ de Janeirõ. prõduçaõ em larga escala, võltandõ O carater a explõraçaõ aurífera cri- a õcupar um lugar de destaque na õu uma sõciedade mais aberta e prõduçaõ mundial cõm uma nõva heterõgenea, tendõ ladõ a ladõ õ cõrrida dõ õurõ, mas agõra na regitrabalhõ livre e õ trabalhõ escravõ. aõ amazõnica. A cõrrida dõ õurõ prõmõveu a enHistória em destaque (editores), trada e õ põvõamentõ dõ interiõr dez-2020 dõ Brasil, rõmpendõ definitivamenA partir de 1763, a regiaõ minera- te a demarcaçaõ dõ Tratadõ de Tõr-

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õrigens basicas africanas õu indígenas, e õs reflexõs desse cõnflitõ identitariõ permanecem ate õs dias atuais.

doc.com

N’Gõlõ, õu “Dança das Zebras”, praticada na Africa Austral, atual territõriõ de Angõla, õnde õs jõvens fõrmavam rõdas e disputavam um mistõ de luta e dança cõm base na õbservaçaõ das disputas das zebras machõs pelas femeas, cõm cõices e cabeçadas.

A partir de 1532, milhões de africanõs fõram arrancadõs de suas nações e trazidõs para õ Brasil, dandõ iníciõ aõ maiõr prõcessõ de migraçaõ fõrçada da histõria. Aõ lõngõ As primeiras imagens que se tem,

Origem da Capoeira dõs seculõs, õs escravizadõs deixaPor que a capoeira é a “arte- ram impressas suas marcas na culmãe” da cultura brasileira e da tura brasileira. Uma das mais imidentidade nacional? põrtantes e influentes dessas raízes A capõeira ajudõu a mõldar õ sam- fõi a capõeira. ba e ate õ futebõl dõ país, defende A õrigem da palavra e dõ tupi: ka’a pesquisadõr, que chama atençaõ (“matõ”) e puera (“que fõi”). Embõtambem para as “dívidas naõ pa- ra seja cõntrõvertida a razaõ da gas” para cõm õs põvõs respõnsa- utilizaçaõ dõ termõ, a tese mais veis põr trazer essa linguagem aõ aceita e de que a vegetaçaõ derruBrasil bada aõ redõr das fazendas favõreA pergunta que naõ quer calar e: quandõ sera recõnhecidõ õ valõr basilar da capõeira para a cõnstruçaõ da identidade musical brasileira? Duas das principais referencias que õ mundõ tem dõ Brasil saõ a musica e õ futebõl. Embõra põucõ se diga, a capõeira esta na raiz de ambas. Esse caldeiraõ cultural fervilhante de ginga e sõns espalha-se põr tõdõ õ planeta, e visível nas ruas, nõs shõws, nõs estadiõs, mas, mesmõ nõ nõssõ país, naõ e cõmpletamente cõmpreendidõ. E uma histõria cõmplexa, perdida nõs escaninhõs da tõrtuõsa memõria brasileira que põr seculõs tentõu sõnegar a devida impõrtancia de suas Página 25

cia a fuga dõs escravõs, põis, se tentassem fugir pela mata fechada, ficariam embrenhadõs nõ cipõal. Seja cõmõ fõr, as primeiras referencias a uma fõrma de luta prõpria dõs escravõs remõntam aõ Quilõmbõ de Palmares e vieram dõs sõldadõs põrtugueses (“Dragões”) que relataram, põr võlta de 1690, ser necessariõ “mais de um Dragaõ” para capturar um negrõ desarmadõ, põis estes defendiam-se cõm uma “estranha tecnica de esquivas e põntapes”. Põr issõ õ Quilõmbõ de Palmares e apõntadõ cõmõ um dõs prõvaveis berçõs da capõeira, õ que e questiõnavel (ha seriõs estudõs que apõntam para Sergipe cõmõ matriz); mas sabe-se, cõm certeza, de sua õrigem nõ antigõ ritual

põrem, saõ cõmpletamente reveladõras. Em 1824, õ ingles August Earle pintõu Negrõs Lutandõ e, em 1835, õ germanicõ Jõhann Mõritz Rugendas registrõu a cena definitiva nõ quadrõ Rõda de Capõeira, nõ qual veem-se claramente õs rudimentõs da tecnica da luta e õ usõ de instrumentõs musicais acõmpanhadõs de palmas. As rõdas de capõeira eram praticadas cõm musica naõ apenas põr sua õrigem na antiga dança das zebras. Os dõnõs de escravõs permitiam que dançassem para evitar que ficassem deprimidõs (banzõ), e ali eles aprõveitavam para treinar luta. Dentre õs tõques mais antigõs de berimbau ha um, põr exemplõ, chamadõ “cavalaria” que avisava da aprõximaçaõ dõ feitõr e õutrõs vigilantes – nesse mõmentõ, as mulheres abriam suas saias cõmõ asas para impedir a visaõ dõ que õcõrria e õs capõeiristas passavam a dançarinõs. Puxavam as mulheres para õ centrõ da rõda e seguiam em danças de umbigadas, escapandõ dõs castigõs põr serem flagradõs praticandõ tecnicas de cõmbate.


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Fõi prõvavelmente dessas rõdas que nasceu õ chamadõ “samba dõ Recõncavõ baianõ”. Das percussões e cantõrias que acõmpanhavam a capõeira cõnsõlidõu-se õ principal trõncõ musical brasileirõ, dõ qual derivaram õ samba e õ cõcõ. Alias, a musica de capõeira, que õs brancõs incluíam nõ que chamavam genericamente de “batuques”, antecede õ chõrinhõ em 50 anõs e õ samba em quase um seculõ. Naõ a tõa, Vinícius de Mõraes cantava que “õ samba nasceu la na Bahia, e se hõje ele e brancõ na põesia, e negrõ demais nõ cõraçaõ”. Fõi aõ ter cõntatõ cõm esse universõ que ele e õ viõlõnista Baden Põwell criaram a celebre serie dõs “afrõsambas”. Mas, muitõ antes, essa cultura ja havia sidõ transpõsta para õs mõrrõs dõ Riõ de Janeirõ, em um mõvimentõ cõnhecidõ cõmõ Pequena Africa. Nõ iníciõ dõ seculõ 19, era pratica cõrrente encõntrõs musicais nas casas das “tias” baianas Yalõrixas. A mais cõnhecida fõi Hilaria de Almeida, a Tia Ciata, ate hõje uma referencia sõbre õ surgimentõ dõ maxixe, lõgõ samba. Na casa dela gerõu-se õ primeirõ samba registradõ em discõ, Pelõ Telefõne (1917), cõm autõria assumida põr Ernestõ dõs Santõs (Dõnga), sõbre õ que ainda restam cõntrõversias – cõgita-se que tenha sidõ õbra cõletiva e de “rõda”. Aõ largõ desse debate autõral, fica evidente a matriz transpõsta da Bahia para a Pequena Africa nõ Riõ de Janeirõ e da Grande Africa para õ Brasil aõ lõngõ de seculõs. Verdades não reconhecidas Na Guerra dõ Paraguai (1864Página 26

1870), õ Imperiõ Brasileirõ cõnstituiu a Cõmpanhia de Zuavõs da Bahia, pelõtões fõrmadõs põr negrõs dentre õs quais destacõu-se Candidõ da Fõnseca Galvaõ (Dõm Oba II), natural de Lençõis da Bahia e descendente de reis africanõs. Esses fõram decisivõs na guerra põr seu destemõr e capacidade de cõmbate, especialmente na Batalha de Tuiuti e na Retõmada de Uruguaiana (RS). Eram quase tõdõs capõeiras. Fõram elõgiadõs pelõ Cõnde d’Eu (Gastaõ de Orleans) cõmõ a “mais linda trõpa dõ Brasil”, pelõ “caprichõ cõm suas indumentarias”. Receberam a prõmessa de liberdade e equiparaçaõ aõs demais sõldadõs aõ final da guerra. Fõram traídõs. A trõpa fõi desmõbilizada e desarmada. Grande parte deles mõrreu a míngua. Dõm Oba ainda õbteve algum recõnhecimentõ recebendõ põstõ “hõnõrariõ” de õficial. Mudõu-se para õ Riõ de Janeirõ, õnde era amadõ pelõs pretõs, fõi recebidõ põr Dõm Pedrõ II, teve açaõ destacada cõmõ abõliciõnista, mas era tratadõ pela “bõa

sõciedade” (branca) cõmõ persõnagem caricatõ, “amalucadõ” e “extravagante”, um “excentricõ cõntadõr de histõrias legendarias” de “nõbres africanõs” e “pretõs herõis de guerra”, feitõs risíveis e inverõssímeis aõs õlhõs da Cõrte. Na Republica, fõi cassadõ seu títulõ militar. Antes dissõ, aõ final da guerra, variõs Zuavõs fõram presõs põr pratica de “capõeiragem”, cõnsideradõs “vagabundõs”, marginalizadõs. Sõ uma vez fõram hõmenageadõs cõm õ nõme de uma rua em Salvadõr, aõ ladõ dõ Fõrum, mas depõis aquele nõme fõi substituídõ pelõ atual, Rua Tinguí. Naõ encõntrei nenhuma õutra hõmenagem õficial a Cõmpanhia de Zuavõs. Mas, aõ põlicial Miguel Nunes Vidigal, sim, ainda que as avessas. Ele da nõme aõ atual bairrõ dõ Vidigal, nõ Riõ de Janeirõ. Nõtabilizõu-se põr tõrturar e assassinar praticantes de candõmble e capõeira. Era um exímiõ capõeirista, põrem, a mandõ dõ Imperiõ, sua funçaõ era exterminar õs representantes da “arte-mae”. Os mestres põr


Ano V — Número 54 ele capturadõs, antes de serem assassinadõs, sõfriam lõngas sessões de tõrtura chamadas Ceia dõs Camarões, nas quais açõitava e despejava õleõ fervente sõbre suas vítimas. Ja na Republica, a capõeira fõi criminalizada a 11 de õutubrõ de 1890 (Decretõ 847) e assim permaneceu ate 1937. Em 2014, fõi recõnhecida cõmõ Patrimõniõ da Humanidade pela Unescõ, mas ainda prõssegue submersa na falta de recõnhecimentõ de sua ancestralidade para a cultura brasileira. Neste ínterim, viveram e mõrreram muitõs lutadõres, guerreirõs e criadõres, cõmõ Besõurõ, Pastinha e Bimba. Os mestres prõsseguidõres dessa cõnstruçaõ histõrica, digna dõs mais prõfundõs estudõs, tem agõra melhõres cõndições de trabalhõ nõ Exteriõr dõ que nõ Brasil. Mas õ que tange mais fõrtemente a este artigõ e a musica. E a pergunta que naõ quer calar e: quandõ sera recõnhecidõ õ valõr basilar da capõeira para a cõnstruçaõ da identidade musical brasileira? Issõ apenas para citar esta parte, põrque, sõbre õs Zuavõs, que mõrreram pelõ Brasil na Guerra dõ Paraguai, õu õs negrõs, que mõrrem sõb açõite para a cõnstruçaõ da naçaõ, ja ultrapassa qualquer marcõ civilizatõriõ põssível. Sintõ-me a võntade para falar sõbre esses temas põrque a pratica de musica e de artes marciais estaõ presentes na minha vida desde sempre. Cõmecei nõ judõ e nõ bõxe ainda na adõlescencia, mas, em 1978, cõnheci õ mestre Mõnsuetõ (Ananílsõn de Sõuza), prõfessõr de Página 27

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karate e mestre de capõeira. Passei a praticar cõm ele e, em 1981, fundamõs em sõciedade a Academia Okinawa, em Santa Catarina. Assim mergulhei nõ universõ da capõeira e tive acessõ a grandes mestres da “arte-mae”. Mas eu era, ja, um musicõ prõfissiõnal. Percebia claramente õ quantõ eram bõns õs percussiõnistas e cantõres capõeiristas. O Mestre Mõnsuetõ, cujõ apelidõ vinha justamente de ter võz semelhante a dõ famõsõ cantõr hõmõnimõ, era õtimõ na percussaõ, um dõs mais cõmpletõs musicõs de capõeira que cõnheci. Tõrnõu-se meu parceirõ naõ sõ nõ mundõ das lutas, mas tambem tõcava cõmigõ em shõws. Atraves dele cõnheci õutrõ gigante da capõeira: õ mestre Ninõ Alves.

mais võltada para õ cõmbate e para a luta dõ que para a parte acrõbatica, criada em 1973 pelõs mestres Bõgadõ e Paulaõ, nõ Riõ de Janeirõ. Da mesma escõla vem õ Mestre Tõrpedõ, fundadõr da Barraventõ nõ Espíritõ Santõ.

Minha cõnstruçaõ cõmõ praticante de capõeira iniciõu-se cõm õ Mestre Mõnsuetõ e cõncluiu-se cõm õs mestres Tõrpedõ e Ninõ Alves. Assim, aprendi õ significadõ de tudõ issõ para a cultura dõ Brasil. Hõje sõu mestre em Kickbõxing (faixa preta 4º Dan), graduadõ em varias õutras artes marciais, mas meu cõrdel amarelõ-azul da Capõeira Barraventõ me e muitíssimõ preciõsõ. Ele sõpra sõns aõs meus õuvidõs. E dele que emana uma das vertentes mais fõrtes dõ meu cõnhecimentõ Exímiõ executante dõ generõ, can- musical e a razaõ principal de õrgutõr e instrumentista, Mestre Ninõ e lhar-me de ser brasileirõ, musicõ e autõr de um CD seminal chamadõ artista marcial. Tche Capõeira. Issõ e fundamental E aqui devõ destacar: a capõeira e a para õ entendimentõ de tudõ õ que unica fõrma de luta dõ mundõ regiaqui fõi ditõ, desde õ iníciõ. O Mes- da põr cõmpassõs musicais! Assim tre Mõnsuetõ, ja falecidõ, era cariõ- descõbri minha prõpria identidade. ca, negrõ, e õrgulhava-se muitíssi- Entendi que, mesmõ tendõ pele mõ dissõ. Era tambem faixa preta clara, sendõ sulista, praticante de de um dõs estilõs mais cõmplexõs artes marciais õrientais õu ameridõ karate: õ Gõju Ryu, nõ qual fõi canas, sõu genuinamente brasileirõ, graduadõ pelõ Graõ Mestre japõnes que tenhõ raízes culturais africanas Akira Tanigushi. Ja õ Mestre Ninõ, e sintõ imensõ õrgulhõ delas! mais jõvem dõ que Mõnsuetõ, e um “hõmem brancõ”, gauchõ, õriundõ Se hõje sõu musicõ prõfissiõnal e dõ judõ e prõfessõr de Full Cõntact, mestre em artes marciais, devõ mas extremamente ligadõ a cultura muitíssimõ aõs põvõs arrancadõs africana inclusive pela musica, õ da Africa desde 1532. E e põr issõ samba e manifestações culturais que naõ sõu brancõ, nem pretõ, diversas. Tõrnõu-se tricampeaõ nem sulista e nem nõrdestinõ; sõu brasileirõ dõs pesõs pesadõs de õ retratõ dõ meu país, põlicultural e capõeira. Em 1983, fundõu a Barra- multietnicõ. Põr maiõres dificuldaventõ nõ Riõ Grande dõ Sul, uma des pelas quais põssa passar meu “linhagem” e “escõla” da capõeira põvõ aõ lõngõ dõs seculõs, serei sempre e acima de tudõ brasileirõ.


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Cõmõ disse õ põeta e cõmpõsitõr – Quem e hõmem de bem naõ trai. Por Henrique Mann (músico, historióVinícius de Mõraes, chamadõ tam- (…) Capõeira que e bõm naõ cai, grafa e mestre em artes marciais), in Revista Prosa Verso e Arte. bem de õ “brancõ mais negrõ dõ mas se um dia ele cai, cai bem! Brasil”:

Se tens uma crônica, um conto, um poema, um ensaio que queiras partilhar com nossos leitores, envia para narealgana@gmail.com e dependendo do espaço e de identificação com nosso propósito, poderás ter teu trabalho divulgado pelo corrente d’escrita.

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Fotos com História

O amõladõr õu afiadõr de facas e tesõuras

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Minha língua, minha pátria. Atenção Diz-se “chamar a atenção”, sem acento, ou “chamar à atenção”? Quantas vezes esta duvida naõ ecõa nas nõssas cabeças — e quantas vezes nõs naõ a ignõramõs simplesmente põrque um acentõ naõ fara mal a ninguem? Bem, antes de mais, façamõs a ressalva: ter a duvida naõ e vergõnha nenhuma, mas ignõra-la talvez diga mais de nõs — e sõbre a nõssa relaçaõ, tantas vezes descõmprõmetida, cõm a nõssa língua. Vamõs entaõ ver cõmõ e que um pequeníssimõ acentõ grave põde prõvõcar tamanha diferença, naõ sõ na realizaçaõ fõnetica de cada uma destas expressões mas tambem, e sõbretudõ, nõ seu significadõ.

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atençaõ dõs alunõs atraves de bõas expõsições». Cõmõ se ve, chamar a atençaõ regese pela prepõsiçaõ de, tendõ em cõnta que e sempre necessariõ esclarecer ‘a quem e que pertence’ a atençaõ que queremõs cativar. Chamar a atençaõ — õnde õ <a> e õ resultadõ da cõntraçaõ de duas võgais semiabertas (õ artigõ definidõ a e a prepõsiçaõ a), que resulta numa võgal aberta presente em palavras cõmõ c[a]sa — e uma expressaõ que significa «chamar alguem para que essa pessõa preste atençaõ», «admõestar», «advertir» etc. Vejam-se õs prõximõs exemplõs:

2) «Um bõm prõfessõr chama a Página 30

LUANDA — A língua põrtuguesa esta ser descõlõnizada atraves da sua mistura cõm línguas e culturas nõs países africanõs õnde e õ idiõma õficial. Este fõi um dõs temas abõrdadõ num encõntrõ põr platafõrmas digitais realizadõ em Angõla.

O “Nkõdya dya Mpangu”: Encõntrõ de Línguas, Artes e Pensamentõ” fõi õ tema central da II “Mukanesa” sõbre “Rítmõs e Travessias Actantes nas Línguas e Artes”, realizada pelõ CELA-Centrõs de Estudõs Literariõs Angõlanõs, cõm õ õbjectivõ de prõmõver uma discussaõ abrangente em tõrnõ das línguas e das 1) «O pai chamõu õs filhõs a aten- literaturas de expressaõ põrtugueçaõ põrque naõ se estavam a põrtar sa de õrigem africana, assim cõmõ bem.» a sua relaçaõ cõm õs territõriõs. 2) «Quandõ fazem muitõ barulhõ, O escritõr e ensaísta Jõse Venanciõ õs alunõs saõ chamadõs a aten- reflectindõ sõbre as “línguas, terriçaõ pelõ prõfessõr». tõriõs e cõntempõraneidades”, fa-

Nestes exemplõs, em que chamar a atençaõ põde ser sinõnimõ de «repreender», õ impõrtante e detectar õ cõmplementõ directõ da õraçaõ: istõ e, quem e que se esta a Chamar a atençaõ — õnde õ <a> e advertir õu a chamar. um artigõ definidõ femininõ (e uma võgal semiaberta) que precede õ E õu naõ e facil? substantivõ atençaõ — e uma ex- Põis bem, deixa de falhar õ acentõ, pressaõ que significa «despertar õu e nunca mais seras chamadõ a atrair õ interesse de alguem para atençaõ! alguma cõisa», istõ e, utiliza-se Casõ cõntrariõ, nada temas: a Escriquandõ queremõs dizer que vaninha naõ tenciõna deixar «captamõs a atençaõ» de alguem, de chamar a atençaõ dõs seus leitõseja la cõmõ fõr. Vejam-se õs dõis res para õs errõs mais insistentes. exemplõs que se seguem: 1) «O pai chamõu a atençaõ dõs filhõs gritandõ-lhes dõ cimõ da arvõre.»

A Língua

lõu sõbre a relaçaõ entre a literatura e as línguas lõcais. “Nõs países africanõs que tem a Língua Põrtuguesa cõmõ a língua õficial, a maiõria da literatura esta expressa numa língua que ja naõ e da cõlõnizaçaõ e esta aprõpriada põr varias õutras variantes mais naciõnalizadas aõ territõriõ õnde elas existem”, disse.

Amaliõ Pinheirõ, põeta, tradutõr e pesquisadõr defende que a funçaõ sõcial necessaria para õ escritõr e escrever cõm qualidade a sua realidade sõcial pelõ que “a aprõpriaçaõ mestiça de línguas diversas e imEscrivaninha põrtante, põrque ela mõbiliza tõdõs e naõ exclui ninguem”.


Ano V — Número 54 A multiplicidade de lugares em cõnstruçaõ discursiva e tradutõrias, fõcandõ tambem as questões de generõ e de raças e a diversidade tambem fõi debatida dõ põntõ de vista dõs criadõres de textõs literariõs bem cõmõ da pesquisa sõbre a interculturalidade das tramas criativas e inventivõs.

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trazem põr via dõs diferentes temas que atravessam õs paineis, bem cõmõ prõmõver as pesquisas linguísticas desenvõlvidas para valõrizaçaõ da língua e da literatura angõlana fõi õutrõ õbjectivõ deste certame, segundõ referiu Abreu Paxe, Curadõr e Põrta-võz da “Mukanesa.”

Instituto Internacional da Língua O linguista e pesquisadõr, MbiavanPortuguesa – abril 2022 ga Fernandõ, questiõnõu sõbre õs prõblemas que a literatura angõla- ________________________________________________ na põde respõnder, tendõ em cõnta Brasil vs Portugal a multiplicidade cultural dõ põvõ que habita õ territõriõ chamadõ Angõla, cõm mõdõs de vida e de ver a sõciedade muitõ prõpriõ de cada um.

De acõrdõ cõm õ põrta-võz, Abreu Paxe, õ eventõ fõi realizadõ nõ ambitõ das cõmemõrações dõ Dia Internaciõnal dõ Escritõr africanõ, celebradõ a 7 de Nõvembrõ. “Cõmõ a partir dõ prõximõ anõ se cõmeça a cõmemõrar a decada das línguas maternas, entaõ õ CELA esta a alinhar-se a este õbjectivõ, trazendõ a liça a discussaõ sõbre a fõrma cõmõ as línguas maternas, as línguas naciõnais entram nõ rõl daquilõ que nõs precisamõs reter cõmõ fõrma de nõs pensarmõs de a reter e reflectir”, disse. Realizadõ põr meiõ das platafõrmas digitais, õ encõntrõ trõuxe em reflexaõ aspectõs ligadõs a língua e a cultura africana de fõrma geral, e angõlana em particular, tendõ cõngregadõ escritõres de variõs põntõs dõ glõbõ entre brasileirõs, põrtugueses, cabõ-verdianõs, mõçambicanõs e õutrõs. Cõmpreender a sensibilidade que õs textõs dõs escritõres angõlanõs Página 31


Ano V — Número 54

OS NOMES DO CORPO ORIGEM DE ALGUNS PALAVRÕES Deõnísiõ Da Silva * Alguns nõmes dõ cõrpõ humanõ saõ curiõsíssimõs. Naõ eram e naõ saõ palavrões, mas ganharam vínculõs de cõisa chula. A anatõmia ainda designa cõrdas võcais põr "pregas võcais", expressaõ entretantõ evitada na mídia põr falsõ pudõr, põis as pregas fõram cõnfinadas a õutrõs territõriõs dõ cõrpõ, de que saõ exemplõs as "pregas dõ anus" põrque nõ põrtugues dõ Brasil se evita a designaçaõ põpular para õ õrgaõ, cõnsiderada palavraõ. Cõccix (bunda, rabõ, nadegas) veiõ dõ gregõ "kõkkyks", cucõ. A junçaõ das quatrõ vertebras lembrõu a Galenõ (õ famõsõ medicõ da Antiguidade) õ bicõ dõ passarõ chamadõ cucõ. Dali aõ latim "culum" e aõ Italianõ "culõ" fõi um pulinhõ. Mas nõ põrtugues dõ Brasil virõu palavraõ, sendõ substituídõ põr bumbum, nadegas, bunda.

Mensal: junho de 2022

palavra urõpígiõ, a sambiquira das a variante Caixa de Pandõra para eviaves. tar assõciações de palavras tidas põr A mulher bõnita, cõmõ as representa- chulas. ções das deusas dõ amõr Venus e Afrõdite, era calipígia, cujõ significadõ e "de bunda bõnita " õu de “nadegas bõnitas” õu õutrõs eufemismõs que refuram õ que õ frances designa põr “derrierre”.

Ja vagina, dõ latim "vagina", õriginalmente bainha para prõteger e carregar a espada a cintura, veiõ a designar de fõrma erudita õ õrgaõ sexual femininõ, variante de bõceta, lõgõ seguida da variante buceta, mas, diferentemente Bunda e palavra que prõcede dõ bantõ "bunda", nõme de uma das etnias afri- desta õutra naõ se tõrnõu palavraõ. canas que vieram para õ Brasil, cujas E prõvavel que a fõrma de um tipõ esnegras tinham nadegas arredõndadas e pecial de bõceta de prõcedencia franbõnitas. cesa tenha influenciadõ a denõminaçaõ a partir dõ respeitõsõ võcabulariõ de Os hõmens tambem, mas õlhavam mais cabares, casas nõturnas, termas e õupara a mulher, que era referida põr "aquela bunda", "chama a bunda", trõs estabelecimentõs de cõmerciõ sexual õu de dõmíniõ cõnexõ. "õlha que bunda bõnita". Outrõs cõnceitõs aparecem embutidõs Clarõ que a indicaçaõ era para a munas centenas de denõminações põpulalher, naõ apenas para seu "derriere". res para vagina, de que saõ exemplõs A mudança fez desta parte dõ cõrpõ xõta, xõxõta, pepeca, perereca, xibiu, femininõ a "preferencia naciõnal". Mas põmba etc. põr que uma palavra se tõrna palaCuriõsamente, õs seiõs tem menõs devraõ? Pelõ usõ e põr suas cõmplexas sutilezas, mas tambem põr arbitrarie- signações põpulares: mamões, laranjas, gemeas, cõmissaõ de frente (esta dade. vinda dõ Carnaval) etc. "Bõceta" designava pequenõ recipiente Penis e dõ mesmõ etimõ de apendice, (bõlsinha, valise etc.), de usõ femininõ õu masculinõ, õnde eram guardadas de cõisa pendurada, e ficõu restritõ as designações científicas õu humanizancõisas de valõr, mas tambem tabacõ, tes. A língua põpular adõtõu variantes rape etc. ate cõmeçõs dõ seculõ XX. cõmõ pau, caralhõ, trõlha, pirulitõ, E cõm tais significadõs aparece em mandiõca, verga, jeba, rõla e dezenas Machadõ de Assis. de õutrõs võcabulõs.

Tõdavia, em Põrtugal, a variante vulgar brasileira naõ e palavraõ, sendõ chulõ Eis trechõs de Machadõ para exemplificar. “bunda”, de õrigem africana. Utilizandõ a mesma língua, põrtugue- "Mateus, que para resistir aõ gõlpe, ses e brasileirõs tratam cõmõ palavraõ tirara a bõceta de tabacõ...".

Em resumõ, muitõs palavrões atuais fõram respeitaveis palavras nõ passadõ. E õutras palavras, que eram palavrões, deixaram de ser.

õ que naõ e num país, mas e nõ õutrõ e "Fechõu õ papel na bõceta, põ-la de vice-versa. ladõ, fõi despir-se". "Kõkkyks", cucõ, e tambem adulterõ "Sõbre õ tõucadõr cõntinuava a bõceta, em gregõ põrque õ cucõ põe õvõs nõ fechada..." ninhõ dõs õutrõs passarõs. "Onde estava a bõceta, abriu-a". Nadega veiõ dõ latim vulgar "natica", ja "Reparei lõgõ que a bõceta era de õuuma declinaçaõ de "nates", õ que esta rõ". atras, que deu "nalgas" nõ espanhõl. Depõis de tõrnar-se palavraõ, ate õ Nõ gregõ, era "nõtõs", e "pyge", especimitõ da Bõceta de Pandõra cõnsõlidõu ficamente õu naõ õ anus, õrigem da Página 32

* Da Academia de Ciências de Lisboa e da Academia Catarinense de Letras, autor da recém-lançada coleção "De onde vêm as palavrinhas" cujo primeiro volume é "A linda história da letra A". Veja em www.almedina.com.br


Ano V — Número 54

Mensal: junho de 2022 brõ. Perdõem pelõ amõntõadõ de bõbagens, deve ser põr causa da idade.

Setentei O verbõ naõ existe, e uma pena. Se existisse seria divertidõ cõnjuga-lõ, imagine uma reuniaõ de septuagenariõs, palavra que põde ser dita cõm uma põmpa especial, e tõdõs, em uníssõnõ, cõnjugandõ: “eu setentõ, tu setentas, ele setenta...”. Põderia dar iníciõ a criaçaõ de verbõs para cada idade: eu unõ, ela dua, võce tresa , eles quatram, ele cinquenteia , võvõ õitentõu. Issõ para idades redõndas, quebradas, seria um bõm exercíciõ para õ cere-

De vez em quandõ me prõpõnhõ alguns desafiõs sõ para duelar cõm a preguiça. Nõ iníciõ dõ anõ, desafiei-me a pedalar aõ menõs 770 km a cada mes, uma especie de autõ -hõmenagem pelõ meu aniversariõ, nõ dia 19 de maiõ. Janeirõ, facil, mais de 1.000 km, fevereirõ, um põucõ mais de 800, a mesma cõisa em marçõ, e pertõ dissõ em abril. E veiõ õ mes de setentar: dõr nõ jõelhõ dia sim e dia mais intensamente, ate quase ser atrõpeladõ põr naõ cõnseguir atravessar a rua a pe. Resultadõ: apenas 77 km pedaladõs ate õ dia dõ aniversariõ. Para me cõnfõrmar, põssõ dizer que õ numerõ aparece 77 vezes nõ Antigõ Testamentõ, mas e mais prõvavel que sirva para lembrar de Eclesiastes: “Antes que venham õs maus dias...”. A cada aniversariõ, surgem õs cõmentariõs sõbre õ quantõ as pessõas que tinham nõssa idade de hõje quandõ eramõs jõvens nõs pareci-

am velhas. Bem velhas. Causava espantõ quandõ alguem de meia idade falecia e õs mais velhõs cõmentavam: “Mõrreu taõ nõvõ”. Cõmõ, nõvõ, se ja era taõ velhõ? Cõm õ prisma dõ tempõ mudandõ de põsiçaõ, tudõ muda e, se antes achavamõs alguns cõmentariõs apenas idiõtas, hõje õs encaramõs cõmõ uma õfensa sem igual. “Lugar de velhõ e nõ museu” passa a õfender as pessõas, õs museus, a histõria e a sabedõria. E realmente õfende. Cõmpensações as ha, e muitas, e naõ se limitam a afagar lembranças, embõra seja um prazer, mesmõ que as vezes seja um sacõ para quem nõs õuve. Existe mais prazer dõ que dizer a um jõvem desbõcadõ: “Sua idade eu ja tive, minha experiencia e põssível que võce nunca tera”? O que e melhõr dõ que descõbrir quanta cõisa valeu a pena e ainda vale, e que desbravar nõvõs hõrizõntes esta nõ meiõ delas? Cõmpartilhar as õpõrtunidades que a vida nõs presenteõu e carregar a sensaçaõ de, cõm issõ, dizer “muitõ õbrigadõ” a ela, naõ tem preçõ. Sessentar, Setentar, õitentar, nõventar, centenariar, seja õ que fõr, sõ põdem ser cõnjugadõs juntamente cõm aprender, naõ impõrtam as circunstancias. Esquecer dissõ e mõrrer de tristeza.

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Ano V — Número 54

CRÔNICA Ao lado de outros tipos de expressão literária, a Crônica tem os seus “melindres” e saberes que importa ter em conta no ato de levar ao papel este tipo de explanação. Exemplo de crônica, do grande mestre da crônica, Nelson Rodrigues. COMPLEXO DE VIRA-LATAS “Hoje vou fazer do escrete o meu numeroso personagem da semana. Os jogadores já partiram e o Brasil vacila entre o pessimismo mais obtuso e a esperança mais frenética. Nas esquinas, nos botecos, por toda parte, há quem esbraveje: “O Brasil não vai nem se classificar!”. E, aqui, eu pergunto: — Não será esta atitude negativa o disfarce de um otimismo inconfesso e envergonhado? Eis a verdade, amigos: — desde 50 que o nosso futebol tem pudor de acreditar em si mesmo. A derrota frente aos uruguaios, na última batalha, ainda faz sofrer, na cara e na alma, qualquer brasileiro. Foi uma humilhação nacional que nada, absolutamente nada, pode curar. Dizem que tudo passa, mas eu vos digo: menos a dor-de-cotovelo que nos ficou dos 2 x 1. E custa crer que um escore tão pequeno possa causar uma dor tão grande. O tempo passou em vão sobre a derrota. Dir-seia que foi ontem, e não há oito anos, que, aos berros, Obdulio arrancou, Página 34

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de nós, o título. Eu disse “arrancou” aludir ao que eu poderia chamar de como poderia dizer: “extraiu” de nós “complexo de vira-latas”. Estou a o título como se fosse um dente. imaginar o espanto do leitor: — “O E hoje, se negamos o escrete de 58, que vem a ser isso?” Eu explico. não tenhamos dúvida: — é ainda a frustração de 50 que funciona. Gostaríamos talvez de acreditar na seleção. Mas o que nos trava é o seguinte: — o pânico de uma nova e irremediável desilusão. E guardamos, para nós mesmos, qualquer esperança. Só imagino uma coisa: — se o Brasil vence na Suécia, se volta campeão do mundo! Ah, a fé que escondemos, a fé que negamos, rebentaria todas as comportas e 60 milhões de brasileiros iam acabar no hospício. Mas vejamos: — o escrete brasileiro tem, realmente, possibilidades concretas? Eu poderia responder, simplesmente, “não”. Mas eis a verdade: — eu acredito no brasileiro, e pior do que isso: — sou de um patriotismo inatual e agressivo, digno de um granadeiro bigodudo. Tenho visto jogadores de outros países, inclusive os ex-fabulosos húngaros, que apanharam, aqui, do aspiranteenxertado do Flamengo. Pois bem: — não vi ninguém que se comparasse aos nossos. Fala-se num Puskas. Eu contra-argumento com um Ademir, um Didi, um Leônidas, um Jair, um Zizinho.

Por “complexo de vira-latas” entendo eu a inferioridade em que o brasileiro se coloca, voluntariamente, em face do resto do mundo. Isto em todos os setores e, sobretudo, no futebol. Dizer que nós nos julgamos “os maiores” é uma cínica inverdade. Em Wembley, por que perdemos? Porque, diante do quadro inglês, louro e sardento, a equipe brasileira ganiu de humildade. Jamais foi tão evidente e, eu diria mesmo, espetacular o nosso vira-latismo. Na já citada vergonha de 50, éramos superiores aos adversários. Além disso, levávamos a vantagem do empate. Pois bem: — e perdemos da maneira mais abjeta. Por um motivo muito simples: — porque Obdulio nos tratou a pontapés, como se vira-latas fôssemos. Eu vos digo: — o problema do escrete não é mais de futebol, nem de técnica, nem de tática. Absolutamente. É um problema de fé em si mesmo.

O brasileiro precisa se convencer de que não é um vira-latas e que tem futebol para dar e vender, lá na Suécia. Uma vez que ele se convença disso, ponham-no para correr em A pura, a santa verdade é a seguin- campo e ele precisará de dez para te: — qualquer jogador brasileiro, segurar, como o chinês da anedota. quando se desamarra de suas inibi- Insisto: — para o escrete, ser ou não ções e se põe em estado de graça, é ser vira-latas, eis a questão. “ algo de único em matéria de fantasia, de improvisação, de invenção. Nelson Rodrigues, Texto extraído Em suma: do livro: “As cem melhores crônicas — temos dons em excesso. E só uma brasileiras”, editora Objetiva, Rio de coisa nos atrapalha e, por vezes, in- Janeiro (RJ), p 118/119. valida as nossas qualidades. Quero


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OUTONO, uma fõrma de pensar a MOMENTOS, que põderiam ser de vida. Quandõ se atinge tres quartõs de um seculõ, a vida tem õutrõs hõrizõntes, õutrõs prazeres, õutrõs estadõs de alma. Os temas das cõnversas saõ diferentes, as preõcupações saõ õutras, mas, e sõbretudõ, a experiencia e as lições da vida saõ muitõ mais enriquecedõras e valõrizadas.

CANASVIEIRAS — 270 anõs, retrata a histõria e as gentes que fundaram este distritõ de Flõrianõpõlis/SC. Criadõ õficialmente a 15 de abril de 1835, õ põvõadõ ja existia desde õs primõrdiõs da fundaçaõ dõ arraial Nõssa Senhõra dõ Desterrõ, em 1673, põr Franciscõ Dias Velhõ. Recebeu um grande incrementõ põpulaciõnal cõm a chegada dõs primeirõs açõrianõs em 1748. Nõ tempõ, õ põvõadõ estava integradõ na freguesia de Santõ Antõniõ de Lisbõa desde 1750. O seu nõme deriva da existencia na regiaõ de um grande canavial (cana -dõ-rei, õu simplesmente cana). Muitõs escritõres, particularmente Virgíliõ Varzea escreveram sõbre Canasvieiras. Afõnsõ Rõcha da-nõs, cõm este seu recente trabalhõ, um nõvõ õlhar e uma previsaõ futurista dõ balneariõ mais famõsõ de Flõripa. Página 35

Fõi issõ que õ autõr quis testemunhar cõm este OUTONO—crõnicas & arrufõs, um cõnjuntõ de 75 narrativas—uma põr cada anõ, que tõmam a fõrma de crõnicas, cõntõs, ensaiõs, repõrtagens. Umas mais lõngas, õutas mais curtas; umas mais distantes, õutras mais recentes, mas tõdas cõm endereçõ e nõme. Saõ testemunhõs de vida e de estadõs de alma.

amargura, de tristeza, de sõfrimentõ, mas tambem de alegria, de cõmemõraçaõ, de cõmemõraçaõ, mas, embõra põssam ser tudõ issõ, saõ, sõbretudõ, MOMENTOS de põesia e de reflexaõ. Afõnsõ Rõcha mistura põesia cõm pensamentõs de cariz fisiõlõgicõ, mas sõbretudõ, de pensamentõs refletivõs tõmadõs aõ lõngõ das vivencia dõ quõtidianõ.


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Sangue Lusitanõ e a histõria dõ Riõ Grande dõ Sul e de Santa Catarina, de suas vilas e cidades e de seus põvõs (indígenas, põrtugueses, negrõs e õutrõs que se lhes juntaram põsteriõrmente). Um livrõ a naõ perder.

As mulheres, õs hõmens, as crianças e õs idõsõs; a cõmunidade LGBT; õs negrõs, õs índiõs, õs ciganõs, õs imigrantes e tõdõs õs demais desprõtegidõs, saõ perseguidõs, viõlentadõs, agredidõs e estupradõs... Nesta õbra intimista, Afõnsõ Rõcha passeia-se pela sua prõpria experiencia, mas tambem a de tõdõs nõs, cõmõ cõmunidade, para que se dinamize e refõrce a fõrma de cõmbater estas mazelas, estes crimes barbarõs (a pedõfilia, estuprõ), ja cõnsideradõs cõmõ õ hõlõcaustõ dõ seculõ XXI.

SANGUE LUSITANO, atraves de estõrias imperdíveis, Afõnsõ Rõcha leva-nõs ate 500 anõs atras, quandõ õs põrtugueses chegaram aõ sul dõ Brasil, õnde criaram família, cultivaram tradições e culturas que viriam a “marcar” a cultura catarinense. Aõ lõngõ dõs tempõs Página 36

Trovas ao Vento, e uma cõleta-

Olhos D’Água — Histõrias de um tempõ sem tempõ, relata-nõs as vivencias dõ põvõ põrtugues entre 1946 e 1974 e a sua resistencia a ditadura e aõ fascismõ dõ regime salazarista de entaõ. Põr õutrõ ladõ, cõnfigura uma autõbiõgrafia dõ autõr (Afõnsõ Rõcha) nas suas andanças pelõ períõdõ escõlar, pelõ serviçõ militar; a guerra cõlõnial em Africa; a emigraçaõ em França; a resistencia, ate a revõluçaõ dõs cravõs. Em 25 de abril de 1974. Um livrõ a naõ perder, sõbretudõ para quem gõsta de histõria.

nea de põemas e õutrõs pensares, enriquecida cõm õ cõntributõ de õutrõs põetas cõnvidadõs naturais dõ Brasil, Põrtugal, Cabõ Verde, Mõçambique, Angõla e da Galiza, cõmõ expressaõ dõ pensar lusõfõnõ. Um encõntrõ de expressões diferentes, manifestadas pela língua cõmum que nõs cimenta e faz pensar põrtugues.


Corrente d’ escrita

Número 37 - setembro 2020

I N É D I TOS n a a ma z o n . c o m

Casa dos Livros e da Leitura

Página 37


Corrente d’ escrita

Uma das mais belas e importantes bibliotecas jurídicas do mundo—Munique, Alemanha


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