Corrente d'escrita 55

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Ano V — Número 55

Mensal: julho de 2022

Corrente d’escrita Plantando Cultura * Santa Catarina * Brasil

Fundado por Afonso Rocha—julho 2017

www.issuu.com/correntedescrita

Cinco anos de publicação contínua, mês após mês, ultrapassando as adversidades, inclusive os dois anos de pandemia. Não deixamos, nunca deixamos, de marcar presença junto de nossos leitores, com o propósito de mantermos uma relação estreita, mais que estreita amiga e solidária, entre quem escreve e quem nos lê. Afinal era, e é, esse o nosso propósito. Abrimos as portas aos escritores, independentemente serem ou não acadêmicos desta ou daquela academia, deste ou daquele clube literário. E assim vamos continuar. Contamos com todos vós, amigos leitores e colaboradores. Sem vocês, Corrente d’escrita, não faz sentido.


Corrente d’ escrita

Florianópolis Santa Catarina Brasil +55 48 991 311 560 narealgana@gmail.com www.issuu.com/correntedescrita Fundador e diretor: Afonso Rocha

Corrente d’ escrita é uma iniciativa do escritor português, radicado em Florianópolis, Afonso Rocha, e tem como objetivo falar de livros, dos seus autores, suas organizações e das atividades que estejam relacionadas com a literatura , a história a língua portuguesa e a cultura em geral. Chamaremos para colaborar com o Corrente d’ escrita escritores e agentes literários, a qualquer nível, cuja colaboração será exclusivamente gratuita e sem qualquer contrapartida, a não ser, o compromisso para divulgar, propagar e distribuir este Magazine Literário. O envio para publicação de qualquer matéria (texto ou foto) implica a autorização de forma gratuita. As matérias assinadas são da responsabilidade exclusiva de seus autores e não reflete, necessariamente, a opinião de Corrente d’ escrita. As imagens não creditadas são do domínio público que circulam na internet sem indicação de autoria. As matérias não assinada são da responsabilidade da redação.

... Desconhecia a origem da expres- sados e da nossa escrita. sao “ Santo do Pau Oco”. Que tal dar Amei a cronica das galinhas... agora uma passada no Vaticano? sou dono… a partir daí o homem muda de status, de posiçao e diria Sobre o conflito identitario - Exce- ate, de valores. lente resgate da historia da Musica O texto falando da origem e da ime Capoeira. Vou procurar um salao portancia da Capoeira na nossa culpara aprender “ danças de umbiga- tura tambem e bastante interessanCaro Afonso e equipe do Corrente das”. te para conhecermos e valorizard´ Escrita! mos nossas raízes africanas. Sempre muito interessantes os as- Sempre aprendendo um pouquinho O Corrente esta cada dia melhor. suntos que o pesquisador Deonisio mais.... que bom! Muito bem escrito, tabulado e ilus- da Silva, nos brinda – Os nomes do trado. Corpo. Maria da Luz Machado O exemplar de Junho veio recheado de boas novidades. Estou relembrando e aprendendo como se escreve algumas palavras Notas: – Vale incluir sempre essas dicas. ... Preciso de mais tempo em Portugal para enxergar o que Ruth Ma- Agradeço a generosidade de voces nus, sentiu. pelo presente mensal. Sobre a Cronica de Antonio Lobo Antunes: Excelente cronica- Acida e verdadeira. Quando estive por la, me pareceu um grande comercio ambulante. ...Crença a prova de bala… Muito boa essa expressao.

Parabens! Silvio Vieira ______________________________________

AVISO:

Só os textos não assinados vinculam e responsabilizam a Corrente d’esSempre aprendendo com leveza um crita e a sua direção; os textos e opipouco mais da nossa cultura, da niões assinados responsabilizam nossa historia, dos nossos antepas- exclusivamente os seus autores.


Editorial

Corrente d’escrita

Número 50—fevereiro 2022

Julho de 2017—julho de 2022, cinco anos. Cinco anos de entrega a causa da literatura, da cultura, da historia, da arte e do aprimoramento da língua portuguesa. Foram, ate hoje, cinquenta e cinco numeros do Corrente d’escrita que nos proporcionaram conhecer melhor os escritores e os agentes que lidam com a educaçao, com a formaçao, com a civilizaçao.

Os nossos projetos—alguns realizados e outros em curso, vao todos no sentido de fomentar a leitura e a formaçao humanitaria do Homem. Estamos contentes com os resultados e sobretudo, com o apoio que sempre temos recebido de nossos leitores e amigos. Isso nos anima e alimenta. Vamos seguir em frente.

Obrigado por nos acompanharem e participarem na nossa caminhada. Como podem constatar pelo convite que vos endereçamos na pagina sete (7) estamos a preparar uma ediçao especial no mes de setembro, mes em que se completam os 200 anos da independencia do Brasil. Renovamos o convite. Escrevam sobre a independencia deste grande país. Contem-nos vossas apreciaçoes. Nao importa o angulo com que abordam o assunto. E vosso criterio e escolha. Nos limitamo-nos a disponibilizar o espaço e a divulgaçao dos vossos textos. E nao esqueçam que estamos sempre abertos a divulgar vossos livros, vossos trabalhos, vossas iniciativas. Corrente d’escrita nao faz sentido sem voces. Foi pensando na literatura, nas artes, particularmente nas letras e na nossa língua, que lhe demos forma. Boas leituras, Afonso Rocha Página 3

ESCREVA Apoie, critique e faça sugestões. A sua opinião é importante para nós. Envie-nos seus textos


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Atualidade CAFÉ COM PORTUGUÊS Chamo-me Carla Nepomuceno, sou professora de portugues língua nao materna, tradutora e curadora do espaço «Café com Português», moro em Espanha, nomeadamente na Galiza.

O «Cafe com Portugues» e espaço de interlocuçao entre professores, artistas, poetas e estudantes para falar sobre as mais diversas manifestaçoes da literatura: o ensino de literatura, as relaçoes interartes, os modos como fala do mundo, a intervençao e a resistencia, a celebraçao, as continuidades e as ruturas em encontros distendidos e proximos ao publico em geral.

Com o mote “Celebrar a diversidade que nos une”, o “Cafe com Portugues”, nasceu em 2020 com o obje- O projeto assenta em dois pilares tivo de reunir escritores, poetas, distintos, mas complementares: artistas em língua portuguesa, e ja 1. Encontros literarios: visa inteestamos na 4.ª ediçao. grar e divulgar a escrita realizada Os encontros sao abertos ao publi- por mulheres, saindo desta literaco e gratuito, em formato online tura essencialmente masculina. atraves da plataforma Zoom, as 2. Encontros com professores de sextas-feiras, pelas 18h (horario da portugues língua nao materna: diGaliza—15h horario de Brasília), e vulgaçao da produçao de materiais disponibilizados no canal do Aula voltados para o ensinode Portugues La e Ca, no Youtube. aprendizagem do portugues língua Ja recebemos escritoras, poetas e nao materna. artistas de Portugal, Brasil, MoçamSiga-nos nas redes sociais: bique, Galiza, Cabo Verde, Sao ToLink do Facebook: https:// me e Príncipe e Guine-Bissau.

www.facebook.com/ auladeportugueslaeca Link do Instagram: https:// www.instagram.com/ auladeportugueslaeca Link do Twitter: https:// twitter.com/carlanepomusk E-mail para contatoto: auladeportugueslaeca@gmail.com Muito obrigada!

HOMEM BRILHANTE O Instituto ARTECULLI e a Academia de Letras do Brasil de Santa Catarina, leva a efeito, no proximo 16 de julho, aniversario da ALBESC, num hotel localizado em Governador Celso Ramos/SC, um evento onde 32 homens de todo o Estado de SC serao homenageados com a Comenda Homem Brilhante do ano de 2022, pelas suas atividades e empenho nas especialidades que desempenham. Este e o segundo ano que se realiza este importante evento cultural e social, ja que em 2020 e 2021, por motivos da pandemia, nao se realizou e o primeiro ocorreu em 2019. Da lista de homenageados consta o nosso Fundador e Diretor, Afonso Rocha, nomeado pelas suas multiplas atividades ligadas a cultura, a literatura e ao jornalismo. Em proximo numero da Corrente d’escrita daremos o devido destaque.

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Atualidade CCJ aprova inscrição de Antonieta de Barros como Heroína da Pátria PQP… para quem não sabe o significado destas três letras, que me pergunte no particular, que eu explico detalhadamente. Mas é a expressão do mais razoável que consigo ser perante o descaso e a ausência, dos deputados e senadores da república originários de Santa Catarina. Foi preciso ser um deputado de outro estado, neste caso de Rio de Janeiro, para ter uma iniciativa que caberia, por direito e obrigação, aos eleitos de Santa Catarina, e mais ainda, sabendo existir deputados e senadores de SC que se arvoram de escritores, professores e outros que tais…. Antonieta de Barros, a homenageada, foi professora, deputada estadual por Santa Catarina e, entre outras grandes virtudes, criou o feriado do Dia do Professor Como diz Tadeu Alencar, "Antonieta lutou contra os preconceitos de cor, classe e genero".

conclusivo e seguira direto para o Barros criou o Dia do Professor, Senado, caso nao haja recurso para com feriado escolar em 15 de outuanalise no Plenario. bro, em Santa Catarina. A data seria O relator, deputado Tadeu Alencar oficializada no País inteiro somente (PSB-PE), recomendou a aprova- em outubro de 1963. çao. "Antonieta de Barros foi uma personagem de grande importancia na historia de luta contra os preconceitos de cor, classe e genero no Brasil, tendo dedicado sua vida a combater o analfabetismo de adultos carentes, na crença de que a educaçao era a unica arma capaz de libertar os desfavorecidos da servidao", destacou. Feriado Alfabetizada tardiamente por jovens estudantes, Antonieta de Barros (1901-1952) formou-se professora e esta entre as primeiras mulheres a ocupar cargos eletivos no Brasil. Foi eleita em 1934 deputada estadual por Santa Catarina, mesmo ano que a medica Carlota Pereira de Queiros se elegeu deputada federal por Sao Paulo.

A Comissao de Constituiçao e Justiça e de Cidadania (CCJ) da Camara dos Deputados aprovou o Projeto de Lei 4940/20, do deputado Alessandro Molon (PSB-RJ), que inscreve o nome de Antonieta de Barros no Livro dos Herois e Heroínas da Patria. Em 1948, um A proposta foi aprovada em carater projeto de lei de Antonieta de Página 5

Antonieta de Barros e patrona da cadeira 06 na Academia de Letras , ocupada, atualmente, por mim, O Livro dos Herois e Heroínas da Patria se encontra no Panteao da Patria e da Liberdade Tancredo Neves, na Praça dos Tres Poderes, em Brasília. Afonso Rocha, escritor


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BICENTENARIO DA INDEPENDENCIA

CONVITE Dirigido a todos que gostam da historia e de escrever, sejam ou nao autores com obra publicada, para escreverem sobre a independencia do Brasil. O numero 57, referente a setembro, sera especialmente dedicado a este importante evento historico. Mandem-nos vossos textos com um maximo de 7.500 toques, incluindo espaços, acompanhado de uma foto do(a) autor(a) e uma pequena biografia. A colaboraçao nao sera remunerada e o criterio de seleçao cabera exclusivamente a direçao do Corrente d’escrita. Trabalhos devem ser enviados, ja revistos, para nosso e-mail, ate ao dia 20 de agosto de 2022. Divulgue—Partilhe—Leia

Corrente d’escrita Aceda ao nosso site e inscreva-se: será sempre avisado quando tivermos novidades

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Mensal: julho de 2022 2º passo: largar o telemóvel

Não tenho tempo para ler...

Quem nunca usou esta desculpa para justificar os meses ou mesmo anos que ja passaram desde a ultima vez que pegou num livro? Tirando eu e outros “ratinhos de biblioteca”, que acrescentaríamos a frase “todos os livros que queria”, aparentemente ninguem. Os índices de leitura do nosso país estao na cauda da Europa, rondando os 30% contra os mais de 60% dos países do topo (Suecia, Finlandia e Inglaterra). Eu sei. E normal que estes sejam os países onde se le mais. Ja viram o clima? Entre invernos com apenas quatro horas de sol e a chuva constante da ilha britanica, o tempo passado dentro de casa da para ver todas as series da Netflix e ainda sobra. Nos países do sul, a malta quer e andar no lareu e chegar a casa tarde. Ainda assim, ler por prazer uma media de apenas 1,3 livros por ano parece-me catastrofico. Foi por isso que decidi escrever alguma coisa realmente util para resolver este problema, em vez de me limitar a enumerar as razoes para os vergonhosos habitos de leitura e apontar dedos as tecnologias ou ao Plano Nacional de Leitura (hei-de la ir numa cronica futura). Como criar tempo para a leitura, mesmo que sejamos a pessoa mais ocupada do mundo? A resposta esta aqui, em 5 passos. 1º passo: encarar o livro como uma fonte de entretenimento. Desde que foram criados, os livros estiveram conotados com as elites eruditas. Alias, durante seculos, apenas uma ínfima minoria sabia ler e tinha acesso a eles. Mas amigos, estamos no seculo XXI. Continua a haver muita literatura erudita, mas tambem ha milhares de autores que escrevem livros leves e despretensiosos, cujo objectivo nao e iluminar as mentes mas sim, entrete-las. Ha tantos generos literarios, da prosa a poesia, do ensaio ao humor, que e impossível nao encontrar algum livro que sirva o simples proposito de entreter, tal como faz uma novela, serie ou blockbuster do cinema. Página 9

Nao ha volta a dar. Em media, os portugueses passam 50 minutos por dia nas redes sociais. E, verdade seja dita, pelo que vejo a minha volta de cada vez que me sento numa esplanada ou ando em transportes publicos, esta media deve estar muito abaixo da realidade. Mas vamos assumir que sao mesmo 50 minutos. Se conseguíssemos reduzir esse tempo para metade, o que e mais do que suficiente para passar os olhos pelas redes, fazer um post e deixar uns quantos comentarios, ainda sobrariam 25 minutos que poderíamos dedicar a leitura de um livro. 25 minutos de leitura corresponde, mais ou menos, a 10 paginas. So isso. Descontando aqueles dias em que nao deu mesmo para cumprir, ainda assim, daria para ler um livro de 200 paginas por mes. Incrível nao e? 3º passo: não insistir num livro que não nos diz nada Todos nos temos a ideia de que um livro deve ser lido ate ao fim, ate porque, a maioria das estruturas narrativas tem princípio, meio e, la esta, fim. Mas essa e uma percepçao errada. Tal como nos basta ver o episodio piloto de uma serie para saber se vale a pena continuar, basta ler as primeiras trinta paginas de um livro para saber se nos vai cativar. Se nao o fizer, passa ao proximo. Insistir em ler algo apenas porque e um classico ou alguem nos disse que era muito bom, e um erro crasso que so servira para transformar a leitura num momento aborrecido e, aí sim, uma perda de tempo. Por exemplo, durante varios anos da minha juventude tentei ler Saramago e sempre desisti ao fim de dez paginas. Aquilo nao me dizia nada. Mais tarde, ja perto dos 30, tentei de novo e fiquei totalmente rendida, sendo hoje um dos meus autores preferidos. Ou seja, nao vale a pena insistir. Ha tantos livros no mundo, que algum sera o mais adequado ao nosso gosto e estado de espírito num determinado momento da vida. 4º passo: escolher o livro certo Este passo esta interligado com o passo anterior. E importante escolher bem o proximo livro e evitar entrar numa livraria ou numa biblioteca sem fazer ideia do que procuramos. E que ha tantos livros e tantos generos, que convem ter uma ideia do que nos apete-


Ano V — Número 55 ce ler. Drama? Policial? Ficçao? Vampiros? E dentro desse tema, que tipo de autores? Cada vez e mais difícil encontrar livreiros que nos saibam aconselhar, por isso, perguntem aos amigos, nas redes sociais, visitem uma farmacia literaria ou comecem por comprar, precisamente, Remedios Literarios, um livro com 750 sugestoes para os mais variados males. Quando se começa a ler o livro certo, um que nos prende desde o início, difícil sera ter tempo para fazer outra coisa. 5º passo: criar uma rotina Ha pessoas que gostam de ler na cama, outras que gostam de ler no sofa. Ha pessoas que gostam de ler de dia e outras que preferem a noite. Tal como encaixamos na nossa rotina diaria o exercício físico ou o passear o cao, e importante encaixarmos os tais 20 ou 30 minutos de leitura. Pode ser no metro (15 minutos para cada lado do percurso), pode ser a hora de almoço, pode ser nos tempos de espera entre actividades. Cada um deve escolher o melhor momento para si. Ajuda ter

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sempre um livro por perto. Na sala, na mesa de cabeceira, no portaluvas do carro ou na mala. Olhem que ha inumeras ediçoes de bolso que pesam tanto quanto um telemovel. Em suma, ler nao e apenas sinal de erudiçao. E conhecer novos lugares, pessoas, perspectivas. E transformar pequenos traços pretos impressos em papel branco em imagens mentais e, com isso, exercitar partes do nosso cerebro que nao usamos nas tarefas do dia-a-dia. E criar conexoes menos obvias. E estimular a memoria e aumentar a capacidade de concentraçao. Ler e um exercício. Um exercício para o cerebro. So por isso, devia fazer parte da nossa rotina diaria, como lavar os dentes, caminhar ou comer fruta. Alias, acho que os medicos deviam receitar sempre livros junto com os medicamentos. E agora que estamos de novo confinados, nao havera falta de tempo para pegarmos num. Ora experimentem! Filipa Fonseca Silva—Observatório da Língua


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Croniquinha

Um daqueles junhos das borrascas no sul. E foi ali no cantinho lindeiro da Canastra que nasci. Um plano alto conhecido como Chapadao, numa casa feita de retalhos-remendos de madeira, proxima do salao de bailes, tertulias, quermesses, que animavam a comunidade de Sao Joao, em Canela-RS. Mas pouco durou a morada. Logo papai, mamae e o gurizinho foram de mala e cuia para os Campos de Cima da Serra. Primeiro, Jaquirana, quilometros longe da cidade, num confim de campo onde no inverno tinha que tirar a neve do telhado de tabuinhas para nao ruir. Em seguida, Sao Chico de Paula, numa fazenda com vastas coxilhas, serraria, pinheiros abundantes. E frio tambem. O garotinho cresceu e papai queria que ele estudasse. Internato com oito anos. O abece, os numeros, uma caneta, e eles, os livros. Primícias dum leitor. O guri se fez adolescente. Quinze anos. A primeira assinatura: Seleçoes do Reader's Digest. A porteira se abriu na variedade das leituras. Nos rastros dos livros vieram os escreveres - versos, cronicas, redaPágina 11

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çoes. E a filosofia deixando pegadas. As sementes, o fermento dos leres, viraram plantaçao, cultivo, colheita. A lavra acabou em investimento forte de recursos para sempre. O escrevinhador apaixonado pelas letras e leituras saiu pelo mundo espalhando emoçoes, sentimentos, pensares a granel em forma de palavras. Romeiro da cultura, anda com a arrecova recheada de livros, esses depositos de conhecimentos que alimentam as mentes de todos nos, sendo nortes-instrumentos para que na vida se avance. Silmar Bohrer


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Balneário Camboriú, a Meca dos Sheiks e Reis da Soja

Por João José Leal Academia Catarinense de Letras

Pois e assim. Um dia ja distante, BCamboriu foi praia apenas de veranistas do Vale do Itajaí, Brusque e Blumenau em primeiro lugar. Chegaram os paranaenses, de Curitiba e de Londrina, tambem veranistas gauchos e do Oeste catarinense. Entao, o Balneario conheceu os primeiros edifícios. Veio o tempo dos argentinos que preferiam as “olas tranquilas y las aguas calientes” de Balneario Camboriu, ao mar agitado e gelido de Mar del Plata. De dezembro a março, chegavam aos milhares para lotar os hoteis, pensoes, apartamentos e fazer a alegria de proprietarios e comerciantes. Mas, do outro lado da fronteira a crise esta braba e, agora, quase nao se ouve o portunhol nessa cidade praiana.

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Atlantico. Agora, vem paraguaios, uruguaios, chilenos e alguns teimosos argentinos, que carregam sangue cigano nas veias.

Como o Brasil e grande e Deus e maior, Balneario Camboriu tem agora outra clientela fiel, gente brasileira do Centro-Oeste para fazer a alegria dos donos de bares e restaurantes. E, claro, dos empresarios da poderosa construçao civil. Atualmente, o grosso dos veranistas vem do Centro-Oeste brasileiro, Hoje, Balneario Camboriu nao tem dessa vasta regiao de novos ricos mais porteiras, invadida por veraprodutores de carne e graos. nistas que vem de perto e de longe, Nao e preciso consultar indicado- de muitos estados brasileiros, o res economicos oficiais para cons- Centro-Oeste em primeiro lugar e tatar esse fato. Se veículo de luxo de outros países. Isso explica a ouainda e indicador de prosperidade, sadia da construçao de predios de ao menos de classe media que per- 80 e promessas de outros de 160 mite viajar e veranear por alguns andares, com apartamentos e codias, basta observar os veículos que berturas de milhoes de reais para transitam em Balneario Camboriu os reis da soja e do futebol, para durante o verao e o restante do sheiks das Arabias e outros bilionaano. Com certeza, vera luxuosas rios sem coroas.

SUVs de cidades daquela regiao transitando pelas engarrafadas avenidas desse badalado balneario cataMesmo sem argentinos, a cada final rinense. de ano, uma multidao de turistas vinda de todos os cantos deste país Sim, veraneio toma de assalto essa badalada e tempo de praia, ja apelidada de Dubai Brasi- avenidas conleira, para transforma-la num cam- gestionadas po de batalha, com gente disputan- em Balneario do espaço ao sol na praia, mesa Camboriu, de num restaurante e enfrentando transito que longas filas nos supermercados. E nao se mexe, muita gente, comprimida numa es- exigindo dos treita geografia entre a BR-101 e o motoristas ao Página 12

volante tempo e paciencia. Nas minhas caminhadas pela calçada da Brasil, ultrapasso esses veículos parados, o sol fervendo a lataria que exala ainda mais calor no ambiente escaldante dos dias de verao intenso. E verdade que, bem perto dali, esta a praia tomada por uma multidao de veranistas se banhando nas aguas do mar ou buscando o refresco da brisa que sopra sobre as ondas do Atlantico.


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LANÇAMENTO Na onda de outros importantes lançamentos, o academico David Gonçalves, membro da Academia Catarinense de Letras e da Academia Joinvilense de Letras, acaba de apresentar mais um importante romance, desta feita, Estaçao das Trevas. Estação das Trevas e uma obra inusitada, que se mobiliza entre os prenuncios e os tempos sombrios da pandemia da Covid-19. Desvela uma sociedade submersa no caos e na violencia, que se depara com o incompreensível e o incontrolavel. A natureza anuncia algo diferente que se aproxima, os bichos pressentem o que esta para chegar, aquilo que, para os humanos, e invisível. O enredo se desencadeia de forma desinteressada, como o fluir da propria vida, em contraponto a morte. O personagem secreto - o Mal - espreita, incita a cobiça e a ambiçao humana desmedida. Impera a busca pelo poder e pela riqueza, o novo cangaço, a corrupçao e a humanidade aporta na Estaçao das Trevas. E quando os personagens se apercebem que estao de frente para o futuro, lugar onde todas os seres vivos de fato ficam diante do inevitavel: a morte. Quadrínculo – a cidade metafora – e um microcenario desse drama vivido pela humanidade, infortunio que dizimou milhares de pessoas pelo mundo, trazendo a Página 13

tona angustias humanas e mazelas sociais. Esses escritos retratam de forma singular a ocasiao em que o ser humano e tomado pelo medo, um dos grandes gigantes da alma. Em contrapartida, propoem o repensar da existencia humana na terra, lançando o olhar para a vida que esta presente na simplicidade do ambiente natural. Dessa narrativa, emerge a problematizaçao acerca de quem e mais sabio: o ser humano ou os animais irracionais? Um romance impactante e questionador sobre os tempos sombrios em que vivemos. David Gonçalves e natural de Jandaia do Sul - PR, e professor, palestrante, consultor de empresas, membro da Academia Joinvilense de Letras e da Academia Catarinense de Letras, atualmente reside em Joinville - SC. Publicou mais de 30 livros, e e premiado nacionalmente. O seu primeiro romance, "As Flores que o Chapadao Nao Deu", foi um dos primeiros romances brasileiros a tratar da questao racial no país. Sua tematica, em geral, aborda as condiçoes humanas, sem amarras ideologicas. A realidade e o estranho se unem de forma unica e grotesca, o realismo se mistura com o fantastico numa simbiose constante. Estilo direto, pejado de denuncias, linguagem que nao tolera obscuridade, trocadilhos e falsos brilhos linguísticos. Acompanhe o autor atraves de seu site: davidgoncalvesescritor.com


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LANÇAMENTO O garoto que fazia furo n'agua sao historias com personagens jovens, situadas em epocas diversas, denotando que a juventude e a mesma, nao importa se paramentada com estilingues, bolas de gude ou com modernos celulares. Ou que os banhos de rio e as "peladas" em terreno baldio sejam substituídos pelos jogos eletronicos. E um livro para os (as) jovens que todos fomos. Ed. Manuscritos Editora/2022 Autor: Hilton Görresen e formado em Letras, com especializaçao em Língua Portuguesa. Exerceu atividades como instrutor de cursos, redator e revisor de publicaçoes. Foi, durante anos, cronista de “A Notícia” e “Notícias do Dia”, jornais de Joinville (SC) e tem publicadas diversas obras, alem de colaboraçoes em antologias e em sites da internet.

Entre outros e autor de: Com humor se paga (cronicas) 2004; Mostrando a língua (cronicas) 2005; Sao Chico Velho de Guerra (memorias) 2007 e 2009; O que aprendi sobre redaçao—e lhe posso ensinar, 2008; Quando minha avo tirava a roupa (cronicas) 2012; Historias para ler no baPublica atualmente suas cronicas no jornal “A Ga- nheiro, 2013; A Língua e nossa—linguagem e cozeta” de Sao Bento do Sul (SC). E membro da Aca- municaçao, 2013; Elefante Branco (cronicas), demia Joinvilense de Letras e da Associaçao das 2015 e Por que matei Rocky Lane? e outros conLetras (Joinville). tos, 2018. Página 14


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Perfil

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uma vida atribulada - nomeadamente a nível amoroso - o que lhe serviu de inspiraçao para as suas novelas. Orfao de mae aos dois anos e de pai aos nove, foi viver para Vila Real com uma tia paterna a partir dessa idade. Em 1844, instalou-se no Porto com o intuito de estudar Medicina, mas desistiu do

e 1863 publicou onze novelas e romances, atingindo uma notoriedade dificilmente igualavel. A partir de 1881, a sua saude começou a piorar e a perder a visao. Em 1889, por ocasiao do seu aniversario, foi calorosamente homenageado por varios escritores, artistas e estudantes. A 1 de junho de 1890,

Camilo Castelo Branco ‘A Outra Metade’

curso.

Quando este corpo meu esfacelado

Em 1845 estreou-se na poesia e no Baixar á leiva húmida da cova, ano seguinte no teatro e no jornaHão de os jornais carpir a infausta lismo. Nessa altura, o seu nome começava a soar nos meios jornalístinova, cos e literarios do Porto e de LisTaxando-me de sábio consumado. boa: ja alimentara varias polemicas Estalará na imprensa enorme bra- e publicara alguns romances. Considera-se que atingiu a do, Pedindo a ressurgência d’um Cano- maturidade literaria com ”Onde esta a Feliva cidade?” (1856). Que a morta face em mármore renoFoi eleito socio da Acava demia Real das CienPara insculpir meu busto laureado. cias de Lisboa em E algum dos imbecis necrologistas, 1858, por proposta de Alexandre Herculano. Com soluçantes vozes de saudade, Em 1860, alvo de um Dirá em ricas frases nunca vistas: processo de adulterio, “Esse génio imortal, rei dos artistas, entregou-se na Cadeia No céu pede ao Senhor que a outra da Relaçao do Porto. metade Reparta por vocês, ó jornalistas!” -in ‘Nas Trevas - Sonetos Sentimentaes e Humorísticos’,; 1890 Um dos escritores mais marcantes da literatura portuguesa—Camilo Castelo Branco, nasceu a 16 de março de 1825, em Lisboa, teve Página 15

O rei D. Pedro V visitou-o - em 1861 - na cadeia, e em outubro desse ano os reus foram absolvidos. Foi ainda o 1.º Visconde de Correia Botelho, título concedido pelo rei D. Luís. Entre 1862

ja cego e impossibilitado de escrever, suicidou-se. A sua arte de narrar constituiu - a par da de Eça de Queiros - um modelo literario para muitos escritores, principalmente ate meados do seculo XX.


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A f onso R oc ha

Para divulgar (grátis) seus trabalhos no

Corrente d’escrita Envie-nos seus textos (maximo: 4 mil toques para cronica, conto ou ensaio). Página 16


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calor tornasse opressivas e, nalguns casos, guardando apenas o traje que a decencia requer”, reportou o ingles John Luccok.

CASOS com História

Páginas do passado

Ele trazia muares de Sorocaba. O preço variava entre 40 mil e 50 mil reis, valendo as ruanas um pouco mais: $ 60.000.

Quando as mulheres estavam pre- Alguns fazendeiros criavam-nas sentes, guardavam um pouco mais tambem em suas terras, ou comde decoro. pravam-nas do ingles George A vida era marcada por horarios Marsh, instalado na Serra dos Orrígidos. Em suas memorias, o Vis- gaos. As dificuldades que antes ti-

A vida dos fazendeiros No primeiro período da expansao cafeeira, o movimento de investimento em terra e cativos para trabalhar na lavoura de cafe foi intenso. O viajante e naturalista SaintHilaire ao passar pelo Vale da Paraíba, em 1822, reproduziu um dialogo com um residente na area, sobre o emprego dos lucros com o ouro verde. Perguntado sobre o destino do dinheiro, o interlocutor respondeu: “O senhor pode ver que nao e construindo boas casas e mobiliando-as. Comem arroz e feijao. Vestuario tambem lhes custa pouco e nada gastam com a educaçao dos filhos, que se entorpecem na ignorancia, sao inteiramente alheios aos prazeres da convivencia [...] e, pois, comprando negros que gastam toda a renda”. De fato, esses eram tempos cujo lema era enriquecer. E a marca, a rusticidade. A civilidade ainda nao tinha se instalado entre boa parte dos fazendeiros. Boas maneiras, nem pensar. O habito de estar mal ou pouco vestido era generalizado ate na hora das refeiçoes: tiravamse sapatos, meias e “peças que o Página 17

conde de Araxa, Domiciano Leite Ribeiro, falou dos costumes dos fazendeiros da regiao. Levantavamse com as galinhas e entravam logo na labutaçao domestica ate o escurecer.

veram tido os mineradores, tinham agora os lavradores de cafe, porque entre eles e os portos de embarque, as fazendas e a Corte, havia a serra e seus íngremes e seus caminhos.

Na correspondencia a seu irmao, o “Almoçavam as oito da manha, jan- Barao de Vassouras se queixava: tavam a uma da tarde, a noite reza- “E o defeito destas paragens ja tao vam o terço e metiam-se logo na longe [...] O que estraga e a lonjura cama depois de tomado o compe- por uns caminhos, onde muita bestente banho.” A maior parte, julgan- ta de sela e de cangalha tem quedo insuficientes as tres comidas, brado as pernas e o pescoço”. fazia outra as onze e merendava Em 1860, o viajante portuantes do terço. gues Augusto Emílio ZaluComo era o banho? Tomava-se o ar observou as primeiras mudanças banho de sopapo, em gamelas ou no Vale do Paraíba: “Os grandes tinas, ou, no melhor dos casos, em proprietarios de terrenos, deixando bacias de folhas-de-flandres. Quan- de frequentar os povoados, e redo a fazenda dava para uma estra- concentrando-se em suas fazendas, da, um pouso e armazem para os que sao os verdadeiros castelos tropeiros e viajantes de passagem feudais de nosso tempo, fazem contambem se fazia necessario. Na pri- vergir aí toda a vida, que reflui das meira metade do seculo 19, a im- povoaçoes para essas moradas osportancia das tropas de muares, tentosas onde, muitas vezes, o luxo para o transporte de graos ate o e a riqueza disputam primazia com litoral, era fundamental. os palacios da capital”. Cada fazendeiro tinha seu fornecedor. Certo Joaquim Cardoso, por exemplo, era o do Barao de Vassouras, Francisco Jose Teixeira Leite.

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Dom Pedro I percorreu o Vale em 1822. So em 1878 seu filho faria o mesmo percurso. E aí encontrou tudo mudado. De Vassouras, escreveu a imperatriz, Dona Teresa Cristina, entusiasmado com as festas as quais compareceu. Mulheres bemvestidas, o som das valsas, a imponencia das missas, tudo embalou a farta distribuiçao de comendas, honrarias e brasoes que deu origem aos “baroes do cafe”. A suave paisagem se enchia, entao, de novas construçoes. Fazendas se instalavam ou aprimoravam: a Bocaina, a do Resgate, a Boavista, a

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das Antinhas, da Olaria, entre outras. Estradas vicinais cortavam a regiao. As cidades que antes pontuavam os caminhos ganhavam visibilidade.

Norte de Sao Paulo. Apice da modernidade, o chiado das locomotivas passou a cortar as noites do Vale. Mary del Priore—escritora

A necessidade de transporte ferroviario que viesse dar escoamento ao aumento crescente da produçao de cafe se materializou na construçao de linhas ferreas. A difícil conquista da serra foi vencida desde 1863. Os trilhos chegaram sucessivamente, em 1863, a Barra do Piraí, em 1871, a Barra Mansa e, nos ultimos anos do Imperio, a Cachoeira, de onde partia a Estrada Divulgue—Partilhe—Leia

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um dos lemas do Marxismo.

uma funçao social para a terra.

Para garantir esse direito surgiu a Manter 13% do nosso territorio cerca, a propriedade individual e a porque 168 tribos nomades frase “esta terra e minha”. “poderao um dia precisar dele” nao Nesse sentido pre-agrícola, o Brasil condiz com o princípio de terra produtiva. era uma terra de ninguem. Os proprios índios nao tinham o conceito de propriedade privada, “viviam da caça, da pesca e da agriO Brasil não era dos índios cultura de subsistencia, mudando periodicamente a instalaçao das aldeias conforme a exaustao dos A narrativa que aprendemos nas recursos naturais disponíveis no escolas afirma que o Brasil perten- entorno”. cia aos Indios e por violencia o to- Que os índios sao o povo originario, mamos deles. como muitos dizem, tambem e falImaginem o Brasil de 1500, com so. 30.000 aldeias indígenas. Nossos indígenas sao da Asia, onde Seriam 30.000 pontinhos minuscu- alguns poucos atravessaram o eslos, mais um raio de 2 dias cami- treito de Bering 15.000 anos atras, nhando a pe em volta, menos que e chegaram no Brasil 5.000 anos depois. 50 quilometros. Seriam pontinhos muito menores Ate hoje 23% das terras sao devolutas, ou seja, nao pertencem a nindo que o mapa retratado abaixo. guem. Ou seja, eram tres milhoes de indígenas, que ocuparam 0,1 do nosso Pertencera aqueles que acharem territorio, o resto se manteve vazio por 400 anos e improdutivo. Sim, nos descobrimos terras, que ate os índios desconheciam. A narrativa que Cabral viu um índio na praia e disse "vamos para as Indias porque essa terra ja esta tomada", e ridícula. “Tomar” na nossa cultura e tornar a terra produtiva, e nao depreda-la e mudar de acampamento de tempos em tempos como faziam os índios. Propriedade privada surgiu com a agricultura, o direito do plantador ter o fruto do seu proprio trabalho, Página 19

Ou seja, e uma narrativa mentirosa que nos roubamos o Brasil dos índios. Os portugueses descobriram sim terras novas, que os proprios índios, a maioria no Amazonas, desconheciam. Tema recorrente do Enem, “apenas 13,8% de todas as terras do Brasil sao reservadas aos povos originarios”. Como se 100% das terras devessem pertencer aos povos originarios, que na realidade nem sao, e nos brancos somos crueis usurpadores de terras. E totalmente falsa a ideia de que os tres milhoes de índios que existiam em 1500 eram “donos” do Brasil. Tres milhoes cabem na cidade de


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Salvador, com 0,01% da area nacio- Manter os índios na Idade da Penal. dra, ausentes de tanto conhecimenEles eram uma parte muito peque- to adquirido desde entao, e uma na do Brasil, o resto eram terras maldade politicamente correta que fazemos com os índios. nao produtivas sem dono. Em 1800 continuamos a ser somente tres milhoes de brasileiros e índios quando surge a imigraçao de italianos, poloneses e alemaes morrendo de fome.

Do ouro, prata e diamantes prospetados em solo brasileiro, a totalidade pertencia a coroa, ao Estado, que abandonava 80% ao pesquisador e cobrava-lhe 20%, os chamaFelizmente, 30% dos índios brasi- dos quintos reais. leiros ja assimilaram e vivem nas Os pesquisadores sonegaram 2/3, cidades. ou seja, 14%; entregaram, de facto, Mas foram com essas mentiras que 7%. Portugal recebeu 7% do ouro Ongs, a maioria estrangeiras, con- do Brasil, de que metade apenas quistaram 13% do territorio nacio- ingressou em Portugal; a outra menal, para somente 100.000 famílias tade foi embolsada pela Inglaterra.

Que os portugueses e brasileiros roubaram a terra brasilis dos ínPortugal embolsou, de facto, 3,5% dios que aqui estavam nao e bem índias ainda existentes. assim. Quando somos 50 milhoes de famí- do ouro do Brasil, que nao pertencia ao Brasil e sim a Portugal, pois Havia espaço para todos, como ain- lias ao todo. o Brasil era territorio portugues, da tem. 1.000 brasileiros possuem Em vez de terras indígenas, o que ultramarino, era Portugal, e nao 43 km2, Coreia do Sul 1.000 Corea- deveríamos ter feito e os índios país independente. nos vivem em 2,6 km2. exigido, que ensinassemos a tecnoAtendendo a reivindicaçoes popuQuerer manter 99% do territorio logia da agricultura. lares, em 1730, o rei baixou, temporque os índios ainda sao noma- Ou profissoes uteis, que de fato porariamente, os 20%, para 12%. des, seria imoral com tantos euro- 300.000 índios aprenderam e hoje peus passando fome, e precisando vivem nas cidades com 1/1000 do Para mais da cobrança dos quintos, havia impostos. Para ater-me a Mide muito menos terras por serem espaço…. nas Gerais, de 1700 a 1800, neagricultores. Texto: Prof. Stephen Kanitz, in Facenhum imposto foi cobrado sem O Brasil do descobrimento na reali- book.com/Roberto Costa, 2022/05/20 previa discussao e aceitaçao das dade era uma terra despovoada, camaras. nao havia cidades como em PortuNo mesmo período, na França, o gal, nem estradas, nem aquedutos Ainda sobre o Estado embolsava 50% da renda como em Roma. famigerado ouro... do burgues, do operario e do camNossos índios ainda tateavam na pones; apesar do volume do embolarea da agricultura desenvolvido so, a coroa portuguesa aplicava no 12.000 anos atras na Europa, e por A recente inauguraçao, em Lisboa, Brasil mais do que a coroa francesa isso precisavam enormes espaços do Museu do Ouro, que exibe ouro aplicava no seu proprio territorio. portugues, colhido no territorio do para sobreviver. (posterior e atualmente) país inde- Por “ouro do Brasil” deve-se enPor serem nomades nem o conceito pendente que e o Brasil, ja serve tender ouro existente no territorio de propriedade tinham, muito mepara reestimular o ressentimento entao pertencente a Portugal e nao nos de cultivar e cercar a terra e historico de brasileiros para com ao que posteriormente se tornou construir casas permanentes. Portugal. Assanha-se, como e tradi- no país autonomo daquele nome. E Por serem ainda nomades, muda- cional, o mito de que "Portugal rou- grosseira na sua linguagem e falsa vam de tempos em tempos, aban- bou o ouro do Brasil" & coisas do a todos os títulos a acusaçao de que donando terras que haviam esgota- estilo. Sao bobagens; senao, eis “Portugal roubou o ouro do Brasil”. Houvesse se apropriado de 100%, do. que: Página 20


Ano V — Número 55 era ouro que lhe pertencia e ao Brasil que, como soberania proprietaria do ouro, somente surgiu em 1822. Portugal nao “roubou” o ouro brasileiro porque lhe era o legítimo dono. Criação de riqueza no Brasil. Perola de mitologia devida a Eduardo Bueno: Não restam dúvidas de que, desde o momento de seu desembarque, tanto os donatários quanto seus colonos visavam ao lucro imediato. O principal - e quase único- objetivo da maioria era [o de] enriquecer o mais rápida e facilmente possível e retornar para Portugal. Nesse sentido, os homens que os donatários trouxeram para ocupar suas terras não eram “colonos” no sentido literal da palavra: eram conquistadores dispostos a saquear as riquezas da terra – especialmente as minerais. (in Capitães do Brasil, p. 13).

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car e regressar a Portugal, 3- eram conquistadores, 4- empenhados em auferir as riquezas locais, maxime o ouro, a prata e os diamantes. Neste paragrafo acumulam-se fantasias literarias que o proprio texto de pesquisa historica que lhe segue nao confirma; elas candidamente exprimem ideias de senso-comum que nao resultam da averiguaçoes do proprio autor. Surpreende que, exato e honesto na sua descriçao factual, Eduardo Bueno haja sido imaginoso na sua analise sociologica.

-se de frase de efeito, bombastica, preconceituosa e vazia de verdade. Para suscitar um mínimo de duvidas, transcrevo Gilberto Freyre: No Brasil, os portugueses substituíram a exploração da riqueza local pela criação de riqueza no local. (apud A Colonização Portuguesa no Brasil, p. 84). Tambem Franklin de Oliveira propalou o mito que Bueno transmitiu. Redigiu bombastico prefacio a America Latina, de Manoel Bomfim (editora Topbooks, 1993), eivado de frases de efeito e de declamaçoes em que amesquinhou a colonizaçao portuguesa pela insistencia nos chavoes lusofobos. A proposito dos engenhos de cana de açucar, sentenciou que o seu proprietário era um simples feitor; o seu objetivo era enriquecer no Brasil e, ricaço, retornar a Portugal (obra citada, p. 21).

Ao contrario do que Bueno assere, “restam duvidas” de que os donatarios e os seus acolitos visavam ao lucro imediato, de que o seu principal ou quase exclusivo fosse o de enricar e regressar tao logo quao possível a Portugal. Restam todas as duvidas de que os adventícios portugueses fossem conquistadores dispostos a saquear as riquezas Que falsidade!!! exclamam Jose VerAssim: 1- os donatarios e os colo- da terra. dasca e Antonio Netto Guerreiro, a nos visavam ao lucro imediato, 2- o proposito (A Colonizaçao Portugueseu objetivo precípuo era o de enri- No seu tom e na sua elocuçao, trata

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sa no Brasil, p. 27). E prosseguem:

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nhos e produzir o açucar, investinAfirmaçao completamente destituí- do muito para, passados dois a tres da de fundamento, contraria da re- anos, poder auferir os rendimentos alidade, ofensiva e irresponsavel, do capital e do trabalho” (idem). feita por ignorancia ou talvez ma fe, Escreveu Koebel: “A certos aspecela nao revela ao leitor que o tos, talvez, nenhuma naçao haja “proprietario dos engenhos” era o colonizado com tanto entusiasmo Capitao Donatario (ou um ilustre como Portugal. Uma vez estabelecirico-homem com fortuna e provas dos no país, os seus pioneiros nundadas) que, escolhido entre os mais ca encaravam a nova conquista coricos nobres portugueses, se desfa- mo um lugar para residencia tranzia de sua avultada fortuna para, sitoria” (apud Manoel Bomfim, O em Portugal, embarcar para o Bra- Brazil na America, 1929, p. 406). sil, em naus fretadas e ou adquiri- Bomfim, acrescenta, contudo, resdas, materiais e colonos, que des- salva: De facto, era assim, nos pribravassem o sertao, plantassem as meiros tempos do Brazil, ate que mudas de cana, edificassem e im- aqui se constituiu, pela lavoura, plantassem casas e engenhos, e cri- uma riqueza propria, capaz de ser assem todas as condiçoes necessa- explorada pelos mercantis. Depois, rias e suficientes ao fabrico e trans- no tempo de Fr. Vicente, ja os porte da cana e do açucar, ou seja, reinois eram mais transitorios do primeiro havia que criar a riqueza que definitivos. Pouco importa: a no local, mediante vultuosos inves- necessidade de cultivar a terra para timentos, grandes riscos e sobre- ter riqueza fez o essencial, e deu a humanos sacrifícios. Por aqui ve- colonizaçao primeira do Brazil o mos que apenas homens ricos, ti- carater que mais lhe convinha; e e nham condiçoes de trazer para o isto o essencial na verificaçao que Brasil pessoas e bens, mudas e ani- nos interessa. (idem, p. 406). mais, desmatar a selva e plantar as mudas de cana, implantar os enge- Prossegue, linhas adiante: [...] os colonos portugueses iniciaram uma Página 22

sociedade estavel, agrícola, vinculada ao solo, orientada imediatamente a fazer do país uma patria [...] (idem, p. 407). “O portugues foi por toda a parte, mas sobretudo no Brasil, esplendidamente criador nos seus esforços de colonizaçao”. (Gilberto Freyre, O mundo que o portugues criou, e realizaçoes, 2010, p. 25.). Carlos Lisboa Mendonça: Acrescentemos, ainda, ao contrario do que muitas vezes ouvimos dizer, que o Brasil foi colonizado por material humano de boa qualidade; o melhor que naquela epoca existia em Portugal. Os líderes eram homens que ja haviam demonstrado seu valor na India e pertenciam a camada mais representativa da vida política e social portuguesa [...]. Os colonos eram pessoas cuidadosamente escolhidas, com quem os Capitaes pudessem contar nos momentos de dificuldade [...]. (500 anos do descobrimento, editora Destaque, 2000, p. 242). Carlos Fino, in Facebook.com


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doc.com

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das duas, a França. Integrantes da fraternidade Irmazinhas de Jesus, as freiras viveram por decadas com - e como - os Apyawa. Veva, que chegou com o primeiro grupo em 1952, la ficou praticamente todo o tempo ate morrer, 60 anos depois, quando foi enterrada pelo costume indígena, segundo sua escolha.

Epidemias entre indígenas A forte reduçao populacional na primeira metade do seculo passado foi provocada principalmente por doenças transmitidas por nao indígenas, como gripe e varíola, contra as quais os Tapirape nao tinham anticorpos. A situaçao depois foi agravada por um ataque dos índios

Freiras, no Mato Grosso As freiras que, em vez de cate- Odila, que se juntou a ela em 1982, quizar, defenderam cultura indí- retornou a Paris em janeiro, encergena e viram povo 'renascer'. rando um ciclo de 65 anos na coSetembro de 2013, nordeste do munidade: foi a ultima religiosa a Mato Grosso. A casa simples da viver com os Tapirape. freira Genevieve Helene Boye, a Quando Veva e mais duas freiras irmazinha Veva, estava tomada por chegaram para estabelecer a prialgumas dezenas de pessoas. No meira missao das Irmazinhas nas interior da residencia, fora cavado Americas, a populaçao Apyawa esum buraco retangular no chao de tava reduzida a cerca de 50 pessoas terra e, dentro dele, jazia seu corpo, e corria o risco de desaparecer. Hopendurado em uma rede branca, a je sao quase mil, aproximando-se mesma na qual ela dormia todas as do tamanho que tinham no início noites. do seculo 20. Ao redor, índios Apyawa - conhecidos tambem como Tapirape - batiam levemente os pes no chao, balançando sutilmente o corpo, enquanto entoavam um longo canto lamurioso. Depois de a cova ser fechada com tabuas, as mulheres, chorando, peneiraram quilos de terra por cima, conforme sua tradiçao. Alguns nao indígenas acompanhavam o ritual e repetiam os movimentos, entre eles Odile Eglin, a irma Odila. A cerimonia aconteceu a cerca de oito mil quilometros da terra natal Página 23

Kayapo, entao seus inimigos. O papel das freiras para a recuperaçao desse povo lhes rendeu a alcunha de "parteiras dos Tapirape", criada pelo teologo Leonardo Boff. Elas atuaram primeiro no tratamento das doenças, mas depois tambem no fortalecimento cultural do grupo e na recuperaçao de seu territorio tradicional. Seu sucesso veio de uma formula nova de "evangelizaçao": ao inves de catequizar os indígenas, elas se


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integraram ao seu modo de vida e buscaram elas mesmas serem Apyawa. As religiosas viviam em casas semelhantes as dos indígenas, plantavam e comiam como eles e chegaram a participar em alguns rituais. A forma como Veva foi enterrada, na tradiçao tapirape, sintetiza o espírito dessa relaçao, conta o cacique geral Warei Elber Tapirape. "O povo Tapirape sabe muito bem como elas trabalharam: respeitaram nossa cultura, nossa maneira de conviver entre nos e com a natureza. E a gente tambem foi apoiando elas. Essa relaçao foi em harmonia", resumiu ele em conversa com a BBC News Brasil em abril, durante o ultimo acampamento Terra Livre (encontro anual de povos indígenas em Brasília). O estilo dessas freiras segue os ensinamentos de Charles De Foucault, missionario frances beatificado em 2005 que viveu anos entre arabes nomades no norte da Africa na virada do seculo 19 para o 20, mas sem catequiza-los. Foi ele quem inspirou Magdeleine Hutin a fundar a fraternidade Irmazinhas de Jesus em 1939, na Argelia, com proposito de atender comunidades vulneraveis, principalmente as mais isoladas. Abandono da catequese forçada A atuaçao dessas religiosas era algo inovador no Brasil e - apos seculos de catequese forçada e massacre da cultura indígena - contribuiu para o desenvolvimento de uma nova forma de a Igreja catolica lidar com os povos originarios no país, processo que culminou na criaçao do Cimi Página 24

(Conselho Indigenista Missionario), em 1972, observa Gilberto dos Santos, membro do secretariado nacional da organizaçao.

"animo" para sua multiplicaçao.

"A atuaçao das irmazinhas ajudou muito o grupo a ter mais conhecimento, informaçao e, portanto, a se "Foi uma experiencia muito forte sentirem mais fortes para lutarem porque eram religiosas num perío- pelos seus direitos", resume Amado em que a gente ainda nao tinha ral. essa leitura de respeito a cultura, Trabalho em prol da saúde indíde nao catequese, que aparece no gena final dos anos 60", ressalta Santos. No início, a principal atuaçao das A antropologa e demografa Marta freiras era nos cuidados de saude. Maria do Amaral, ex-presidente da Elas tratavam os Apyawa de doenFunai (Fundaçao Nacional do In- ças como gripe, sarampo, catapora dio), considera que a presença das e malaria e acompanhavam os ínreligiosas foi "absolutamente fun- dios quando eles precisavam ir a damental" para a recuperaçao po- unidades de atendimento, contou pulacional dos Tapirape. De um Odila a BBC News Brasil quando lado, destaca ela, o cuidado com a esteve em Brasília para o lançasaude e a segurança alimentar pro- mento do livro "Parteiras de um movido pelas freiras permitiu que Povo", dias antes de embarcar para o grupo atingisse taxas de mortali- a França. dade infantil mais baixas que a de "Iamos na cidade para eles nao fioutros povos indígenas. carem perdidos, assustados, e para Por outro, acrescenta, a propria os medicos tambem terem vergovalorizaçao do modo de vida Tapi- nha na cara e atenderem melhor. E rape e seu empenho para ampliar a a gente tentava que os pajes pudesarticulaçao do grupo deram sem ir juntos, (para que) o respeito


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mutuo das ciencias pudesse se realizar. Isso nem sempre era possível, porque alguns lugares nao aceitavam", recorda.

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zaçao indígena, na discussao das questoes trazidas nas assembleias (com outros povos)", ressalta Gouvea.

Os Tapirape, porem, ainda alimentam a esperança em seu retorno, enquanto mantem contato por email e WhatsApp.

Apesar da conquista da demarcaçao, persistem as invasoes do territorio Tapirape por madeireiros e criadores de gado. Uma parte da terra, ocupada por uma fazenda, esta em disputa na Justiça. Em abril, o cacique Warei e outras lideranças Tapirape, com assistencia jurídica do Cimi, passaram horas na Funai, em Brasília, em reuniao para tratar do processo. Ele lamenta que Odila nao esteja mais na aldeia para participar dessa luta.

Batismo de índios

Antes das chegadas das religiosas, os Apyawa ja estavam em contato havia cerca de quatro decadas com o catolicismo por meio dos frades dominicanos, que os visitavam esporadicamente e os batizavam. Apos o ataque Kayapo, esses missionarios persuadiram os indígenas remanescentes a se reagruparem perto do posto do Serviço de Proteçao aos Indios (SPI, orgao depois substituído pela Funai), nas mar"Ela mostrou alguns caminhos para gens do Rio Tapirape. Apenas nos nos, mas mesmo assim a gente sen- anos 90 eles retornaram a serra do te um pouco de dificuldade para Urubu Branco, territorio sagrado. correr atras das coisas, principal- Todo o processo de vivencia e mente na questao do territorio", aprendizado com os indígenas foi disse o cacique. registrado por elas em diarios. O

Para alem do cuidado com a saude, porem, elas viraram confiaveis interlocutoras entre eles e o mundo fora da comunidade. As freiras atuaram na instalaçao de uma escola indígena na aldeia nos anos 70, reivindicaçao dos proprios Tapirape, assim como participaram do longo processo de reconhecimento do seu territorio, homologado pelo governo federal como Terra Indígena Odila nao queria deixar o povo, mas, ja idosa, voltou a França em Urubu Branco em 1998. respeito a decisao da fraternidade, Luiz Gouvea e Eunice Dias foram os que hoje carece de novas freiras primeiros professores da escola e para dar continuidade ao trabalho. desenvolveram um metodo de alfabetizaçao dos indígenas na língua tapirape a partir do trabalho feito pela freira Marie Baptiste, que estudou profundamente o idioma, e da linguista Yonne Leite. Hoje, conta Gouvea, todos os professores da escola e seus administradores sao índios Tapirape, com formaçao em licenciatura intercultural indígena (curso oferecido em algumas universidades publicas do país). "Podemos dizer que e graças as Irmazinhas de Jesus (que foi estabelecida a escola). Isso foi importante porque a escola foi tambem um apoio na luta pela terra, na organiPágina 25

livro "Parteiras de um Povo" conta que, nos primeiros 20 anos da presença das religiosas na comunidade, as freiras tinham o desejo de "introduzir (os Tapirape) pouco a


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Mensal: julho de 2022 tuídos por roupas comuns. Os rituais catolicos eram praticados com discriçao. O filme historico "Veva Tapirape", da produtora catolica Verbo Filmes, mostra a capela, um pequeno puxadinho na casa onde as religiosas moravam. Em um canto da parede, havia uma pequena imagem de Maria, no outro, uma cruz de madeira simples, sem a imagem de Cristo talhada.

pouco no conhecimento de Jesus", embora "sem coerçao". No entanto, elas acabaram compreendendo que a força do grupo estava justamente nos seus rituais indígenas.

"Aos poucos, as irmazinhas perceberam que o ritual era a força vital deles. Acho que isso foi uma luz e que deu tranquilidade de dizer: 'esse povo nao precisa ser catolico "Todos os Tapirape eram batizados para viver'. Mas isso nao foi dito de quando chegamos. Para nos apare- um dia para o outro", conta. cia a questao: o que aportamos pa- A pratica do batismo acabou sendo ra essas pessoas que (em tese) sao abandonada gradualmente, assim catolicas?", ressalta Odila. como os habitos de freira, que elas inicialmente vestiam, foram substi-

"Nosso modo de rezar, a capela, tudo isso a gente simplificou, simplificou, para pelo menos nao chocar. Nao ficar tao longe (dos costumes) deles", explicou Veva, em depoimento ao filme. Os Apyawa acreditam na existencia de varios espíritos com os quais se relacionam por intermedio da atuaçao dos pajes. Ao inves de uma postura de rechaço pela religiao indígena, as freiras chegaram a participar de alguns rituais, por exemplo produzindo o cauim (bebida típica fermentada) para a festa de Kawiypyparakawa (festa da dança em

Se tens uma crônica, um conto, um poema, um ensaio que queiras partilhar com nossos leitores, envia para narealgana@gmail.com e dependendo do espaço e de identificação com nossos propósitos, poderás ter teu trabalho divulgado pelo corrente d’escrita.

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Ano V — Número 55 torno do cauim). Devido a localizaçao da casa de Odila, ao sul da aldeia, parte das danças e cantos dessa cerimonia, que marca o fim do Ka'o (conjunto de cantos noturnos) e dos rituais da estaçao chuvosa, ocorriam dentro da sua residencia. "Num primeiro momento achavam que batizar um índio seria uma coisa boa, mas depois entenderam que o Apyawa tinha sua religiao, sua cultura. Porque Takana, a casa dos homens, que fica no centro da aldeia, tem todos os segredo da vida. A questao da espiritualidade, a questao dos pajes, ter esse dialogo com as almas das florestas, as almas dos animais. Graças a elas ate hoje o Apyawa tem ainda sua cultura viva", disse a BBC Brasil Inamoreo Reginaldo Tapirape, uma das lideranças. Por outro lado, conta ele, os indígenas tambem tinham a sensibilidade

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de respeitar os rituais catolicos.

meçam a interferir dentro da co"No Natal, as freiras faziam a missi- munidade, enquanto elas (as Irmanha. Aí de manhazinha as crianças zinhas) nao traziam esses proble(Tapirape) levavam um presente mas", afirma o cacique geral Warei. para aquele menino (Jesus), tipo Os dados do ultimo censo nacional uma florzinha. Era uma forma de realizado pelo IBGE mostram que o agradar tambem elas. Essa relaçao numero de índios evangelicos cresnao e para destruir a cultura indí- ceu 42% entre 2000 e 2010, sogena, era uma forma de relaciona- mando 210 mil, um quarto do total. mento de paz, de felicidade, de ale- Apesar disso, Odila se mostra otigria", recorda. mista com a continuidade da tradiçao Tapirape e aponta que hoje os Igrejas evangélicas e indígenas povos indígenas tem muito mais Hoje, apos a saída da fraternidade, apoio do que decadas atras. os Tapirape deparam-se com o assedio de outras religioes. Grupos "Eu penso que as religioes cristas evangelicos de cidades proximas tem força mas eu nao sei se nessa tem tentado converter as famílias. altura da vida do mundo elas tem o poder de acabar com esses povos. "Vemos que as outras igrejas ten- Acredito que nao. Tenho essa trantam entrar, mas nos, as lideranças, quilidade dentro de mim", disse. estamos impedindo. Elas entram Por: Mariana Schreiber devagarzinho, mas la na frente co- @marischreiber—BBC News Brasil em meçam a proibir a gente de fazer Brasília ritual, falar nossa língua. Eles co-


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Fotos com História

Impressionante escultura em tamanho real do artista americano Benjamin Victor

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exposiçoes».

Minha língua, minha pátria.

«Diz-se “chamar a atençao”, sem acento, ou “chamar a atençao”»? Quantas vezes esta duvida nao ecoa nas nossas cabeças — e quantas vezes nos nao a ignoramos simplesmente porque um acento nao fara mal a ninguem?

diferenças da língua portuguesa em Como se ve, chamar a atençao rege- diversas partes do mundo, de acorse pela preposiçao de, tendo em do com a identidade dos povos que conta que e sempre necessario es- a falam . clarecer ‘a quem e que pertence’ a Especialmente promovida para atençao que queremos cativar. uma audiencia lusofona nos EstaChamar a atençao — onde o <a> e o dos Unidos da America (EUA), a resultado da contraçao de duas vo- décima Conferência de Literatugais semiabertas (o artigo defini- ra em Língua Portuguesa decordo a e a preposiçao a), que resulta reu de forma virtual, com o título numa vogal aberta presente em “Em que português nos entendepalavras como c[a]sa — e uma ex- mos?” e foi organizada pela Coorpressao que significa «chamar al- denaçao do Ensino Portugues nos guem para que essa pessoa preste EUA (CEPE-EUA) e pelo Centro de atençao», «admoestar», «advertir» Língua Camoes na Universidade de etc. Vejam-se os proximos exem- Massachusetts, na cidade norteamericana de Boston. plos:

Bem, antes de mais, façamos a ressalva: ter a duvida nao e vergonha nenhuma, mas ignora-la talvez diga 3) «O pai chamou os filhos a atenmais de nos — e sobre a nossa relaçao porque nao se estavam a portar çao, tantas vezes descomprometibem.» da, com a nossa língua. 4) «Quando fazem muito barulho, Vamos entao ver como e que um os alunos sao chamados a atenpequeníssimo acento grave pode çao pelo professor». provocar tamanha diferença, nao so na realizaçao fonetica de cada Nestes exemplos, em que chamar a uma destas expressoes mas tam- atençao pode ser sinonimo de bem, e sobretudo, no seu significa- «repreender», o importante e detectar o complemento directo da do. oraçao: isto e, quem e que se esta a Chamar a atençao — onde o <a> e advertir ou a chamar. um artigo definido feminino (e uma vogal semiaberta) que precede o E ou nao e facil? substantivo atençao — e uma ex- Pois bem, deixa de falhar o acento, pressao que significa «despertar ou e nunca mais seras chamado a atrair o interesse de alguem para atençao! alguma coisa», isto e, utiliza-se Caso contrario, nada temas: a Escriquando queremos dizer que vaninha nao tenciona deixar «captamos a atençao» de alguem, de chamar a atençao dos seus leitoseja la como for. Vejam-se os dois res para os erros mais insistentes. exemplos que se seguem: Escrivaninha

1) «O pai chamou a atençao dos filhos gritando-lhes do cimo da arBoston, Estados Unidos (Lusa) vore.» Tres escritores do Brasil, Cabo Ver2) «Um bom professor chama a de e Portugal destacaram que deatençao dos alunos atraves de boas vem ser aceites e incluídos como Página 29

A diversidade e fonte de “dinamica”, disse o escritor brasileiro e diplomata Joao Almino, membro da Academia Brasileira de Letras, construindo que todos podem “enriquecer” com o dialogo entre as diferenças e deslocando que “o que ameaça a língua e a paralisia ”. Professor universitario e autor de diversos romances e volumes de ensaios sobre literatura e sobre historia e filosofia política, Joao Almino disse que o portugues “e muito diverso de um lugar para outro e nos devemos respeitar diferenças, reconhece-las e aceita-las do ponto de vista gramatical ou sintatico ”. Defendendo que os escritores, originarios de qualquer parte do mundo, devem ter “liberdade” para “incorporar” como suas vivencias e cultura na mesma língua portuguesa, Joao Almino acrescentou: “E quando eu leio, por exemplo, um escritor africano, eu quero sentir o sabor da língua da Africa, daquele lugar ”.


Ano V — Número 55

Mensal: julho de 2022

A escritora cabo-verdiana Maria Augusta Teixeira, tambem conhecida como Mana Guta, defendeu que e da responsabilidade e da “militancia” dos escritores, que sao os que “estao sempre na vanguarda” de soluçoes, “recuperar a memoria oral” cultural de cada país para uma “forma perene”, com uma transcriçao das historias para livros.

Entre outros assuntos, foram discutidos o “impasse” do acordo ortografico e as abordagens sobre o “fim do mundo” na literatura, com os tres autores a concordarem que, de uma maneira ou outra, o mundo esta “num momento de transitado” ou de “quase fim do mundo”, por causa da crise sanitaria mundial provocada pela pandemia de covid19 desde início do ano 2020.

O presidente da Assembleia Geral da Sociedade Cabo-verdiana de Autores e vice-presidente da Autoridade Reguladora para a Comunicaçao Social considera estar numa posiçao, em Cabo Verde, de “juntar as pontas soltas” das duas línguas no país insular, portugues e caboverdiano ou crioulo.

Na apresentaçao da conferencia, o consul-geral de Cabo Verde em Boston, Hermínio Moniz sublinhou que “mais do que nunca, precisamos de inclusao linguística, porque a língua e uma arma muito poderosa”.

Mana Guta, tambem gestora publica e professora universitaria, defendeu “sair da dicotomia: porque nos temos crioulistas e lusofonistas em Cabo Verde. A minha aparencia e juntar as pontas soltas, precisamos das duas línguas ”. Para Lídia Jorge, autora portuguesa de 26 obras e distinguida com numerosos premios portugueses e internacionais, mais do que diferenças, as identidades sao tambem formadas por contrastes, inclusive em Portugal.

O tema da língua e construçao de identidades e, para o consul-geral do Brasil em Boston, Benedicto Fonseca Filho, “vastíssimo” e “abre tantas possibilidades (…), como relaçoes de poder ou papel das migraçoes”. Joao Pedro Fins do Lago, consul-geral de Portugal em Boston, destacou que uma conferencia “tripartida” e multicultural, no seu decimo aniversario, decorreu numa nota “positiva de inclusao e reconhecimento do papel da mulher na literatura”, com a atribuiçao do Premio Camoes a escritora moçambicana Paulina Chiziane.

“Eu fiquei profundamente marcada por um país que era pobre, de estender a mao, mas que queria ser ao mesmo tempo um país que dominava uma vasta zona do mundo”, disse a professora, que ja ensinou em Portugal, Angola e Moçambique e e membro do Conselho de Estado, “E com imensa satisfaçao orgao político de consulta presi- e com imenso orgulho dencial. que vimos um premio tao Página 30

importante ser atribuído a uma mulher, uma mulher africana, um vulto da literatura lusofona, que ha muito merecia esse reconhecimento”, disse o consul portugues. A conferencia, com apresentaçao em ingles e em portugues, teve a assistencia 'online' de dezenas de pessoas e pelo menos duas turmas de estudantes nos Estados Unidos. Entre as entidades envolvidas na promoçao da Conferencia de Literatura Portuguesa destacam-se o Camoes - Instituto de Cooperaçao e da Língua, da Fundaçao LusoAmericana para o Desenvolvimento e da Universidade de Massachusetts de Boston.


Ano V — Número 55

Mensal: julho de 2022

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amargura, de tristeza, de sofrimento, mas tambem de alegria, de comemoraçao, de comemoraçao, mas, embora possam ser tudo isso, sao, sobretudo, MOMENTOS de poesia e de reflexao. Afonso Rocha mistura poesia com pensamentos de cariz fisiologico, mas sobretudo, de pensamentos refletivos tomados ao longo das vivencia do quotidiano.


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nea de poemas e outros pensares, enriquecida com o contributo de outros poetas convidados naturais do Brasil, Portugal, Cabo Verde, Moçambique, Angola e da Galiza, como expressao do pensar lusofono. Um encontro de expressoes diferentes, manifestadas pela língua comum que nos cimenta e faz pensar portugues.


Corrente d’ escrita

Número 37 - setembro 2020

I N É D I TOS n a a ma z o n . c o m

Casa dos Livros e da Leitura

Página 34


Corrente d’ escrita


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