Corrente d'escrita 56

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Ano V — Número 56

Mensal: agosto de 2022

Corrente d’escrita Plantando Cultura * Santa Catarina * Brasil

Fundado por Afonso Rocha—julho 2017

www.issuu.com/correntedescrita

Uma homenagem 10 de agosto de 1912 - 6 de agosto de 2001


Corrente d’ escrita

Florianópolis Santa Catarina Brasil +55 48 991 311 560 narealgana@gmail.com www.issuu.com/correntedescrita Fundador e diretor: Afonso Rocha

Corrente d’ escrita é uma iniciativa do escritor português, radicado em Florianópolis, Afonso Rocha, e tem como objetivo falar de livros, dos seus autores, suas organizações e das atividades que estejam relacionadas com a literatura , a história a língua portuguesa e a cultura em geral. Chamaremos para colaborar com o Corrente d’ escrita escritores e agentes literários, a qualquer nível, cuja colaboração será exclusivamente gratuita e sem qualquer contrapartida, a não ser, o compromisso para divulgar, propagar e distribuir este Magazine Literário. O envio para publicação de qualquer matéria (texto ou foto) implica a autorização de forma gratuita. As matérias assinadas são da responsabilidade exclusiva de seus autores e não reflete, necessariamente, a opinião de Corrente d’ escrita. As imagens não creditadas são do domínio público que circulam na internet sem indicação de autoria. As matérias não assinada são da responsabilidade da redação.

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AVISO: Só os textos não assinados vinculam e responsabilizam a Corrente d’escrita e a sua direção; os textos e opiniões assinados responsabilizam exclusivamente os seus autores.


Corrente d’escrita

Número 50—fevereiro 2022

Editorial

Insistimos no nosso convite para que escrevam sobre o bicentenario da independencia do Brasil e enviem-nos esses trabalhos para integrar a nossa ediçao do Corrente d’escrita relativa ao mes de setembro, especialmente dedicada a esse acontecimento. Lembramos que qualquer colaboraçao sera gratuita e que poderao utilizar, em termos de espaço, cerca de 5 a 6 mil toque, incluindo espaços e eventuais ilustraçoes que queiram utilizar. Os trabalhos a ser divulgados na referida ediçao, deverao ser-nos enviados ate 20 de agosto, utilizando o nosso e-mail: darocha.afonso@gmail.com. O calendario literario e cultural do mes de agosto, inclui as seguintes data de referencia: a 4, Rachel de Queiros, primeira mulher a ser eleita para a Academia Brasileira de Letras (1977); a 6, morte do escritor baiano Jorge Amado (2001) que tambem tinha nascido em agosto, mas no dia 10 (de 1912); a 12, comemora-se o Dia Nacional das Artes; a 17, e o dia do patrimonio historico; a 17, morte de Carlos Drumond de Andrade (1987); a 18, criaçao do Instituto Historico e Geografico Brasileiro (1838) e a 20, nascimento de Cora Coralina.

Das atividades realizadas em julho e que retratamos nesta ediçao, realce para o evento que atribuiu a Comenda do Homem Brilhante 2022; a homenagem sobre o 121º aniversario da escritora, professora e politica, Antonieta de Barros, na ALESC. Por hoje e tudo, boas leituras e ate setembro. Afonso Rocha Página 3

ESCREVA Apoie, critique e faça sugestões. A sua opinião é importante para nós. Envie-nos seus textos


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BICENTENARIO DA INDEPENDENCIA

CONVITE Dirigido a todos que gostam da historia e de escrever, sejam ou nao autores com obra publicada, para escreverem sobre a independencia do Brasil. O numero 57, referente a setembro, sera especialmente dedicado a este importante evento historico. Mandem-nos vossos textos com um maximo de 7.500 toques, incluindo espaços, acompanhado de uma foto do(a) autor(a) e uma pequena biografia. A colaboraçao nao sera remunerada e o criterio de seleçao cabera exclusivamente a direçao do Corrente d’escrita. Trabalhos devem ser enviados, ja revistos, para nosso e-mail, ate ao dia 20 de agosto de 2022. Divulgue—Partilhe—Leia

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Atualidade

Um livro que tem como meta unir o passado com o presente e o futuro foi lançado pela Assembleia Legislativa de Santa Catarina, em parceria com o Conselho Estadual de Educaçao (CEE), na noite da segunda-feira (dia 11/7). Com “Antonieta de Barros – Crônicas Selecionadas”, que reune textos publicados pela primeira mulher negra eleita para o cargo de deputada estadual no Brasil, assegura-se a necessaria condiçao de levar as novas e futuras geraçoes os feitos de uma das mais ilustres catarinenses.

lavras em desuso ou sem contexto no cotidiano atual, o livro de 150 paginas sera distribuído para as escolas da rede publica de ensino. As cronicas foram originalmente publicadas entre 1929 e 1952 nos jornais “O Estado”, “O Idealista”, “Republica” e “Folha Academica”. Para Felipe Felisbino, organizador da obra, a coletanea e um resgate historico. “Fomos motivados pelos 120 anos de nascimento da autora, e tambem pela necessidade de trazer ao reconhecimento, ao debate, esta grande personalidade catarinense que tem feito a diferença nos Com textos traduzidos para o por- dias atuais, de grandes conquistas, tugues contemporaneo por Rami- e da busca e da conquista da cidares Linhares, com legendas das pa- dania”, comentou. Página 5

Segundo ele, as cronicas foram divididas por tematicas sociais. “Alem de darmos este reconhecimento merecido, estamos trazendo a responsabilidade esta juventude de hoje, em idade escolar, para que tambem participe, dialogue e debata os assuntos [abordados por Antonieta] sobre as tematicas sociais relevantes contemporaneas”, complementou. Na opiniao de Osvaldir Ramos, que preside o CEE, a publicaçao feita com apoio da Alesc e “a obra mais importante” ja feita nos 60 anos de historia da entidade. “Saber que vamos poder levar para as escolas da rede estadual de ensino um exemplar destas cronicas que tra-


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Atualidade duzem a importancia desta mulher e muito gratificante. Antonieta de Barros e uma referencia fantastica para todos nos catarinenses. Foi a primeira deputada eleita, primeira deputada negra a presidir uma sessao de uma Assembleia Legislativa no Brasil”, afirmou. Ele cre ainda que a historia de Antonieta como jornalista vai contribuir muito o ensino da disciplina de língua portuguesa, justamente pelo fato de as cronicas estarem agora disponíveis no formato original e no idioma contemporaneo. Vice-reitora da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), a professora Joana Celia dos Passos defendeu que o livro tem o significado de “colocar Antonieta no lugar onde ela ja deveria estar ha muito tempo, nas maos das crianças, dos jovens, dos adultos das escolas”. Na visao dela, e essencial que todos conheçam a historia de Antonieta e as lutas que travou, alem da “importancia desta mulher como jornalista, como professora, como escritora e como parlamentar.” “Antonieta foi uma multiprofissional, atuando em diferentes frentes e sempre tendo a educaçao como seu principal foco. Esta obra vai fazer com que ela esteja mais presente na vida de Santa Catarina, servindo como um exemplo, um referencial para as novas geraçoes. Vivemos em um Estado que ha uma ideologia do branqueamento muito forte. O racismo estrutural se materializa muito mais fortemente. Entao, trazer Antonieta neste tempo, para que as pessoas acessem sua Página 6

obra, sua historia, e tambem mexer presidida pelo brilhante professor com este racismo estrutural que a e escritor Miguel Joao Simao, tamgente ainda tem”, concluiu. bem presidente da ALBSC e outros Alessandro Bonassoli—Agência AL representantes da organizaçao e do poder municipal de Governador Censo Ramos, onde, apos ser lida a Nota: Antonieta de Barros e patrona da biografia de cada um, receberam o Cadeira 06, ocupada pelo nosso dire- trofeu e o certificado de Homem tor, Afonso Rocha, na Academia de LeBrilhante 2022. tras de Biguaçu

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HOMEM BRILHANTE 2022 Juntamente com mais 41 outros cidadaos masculinos, o nosso diretor e fundador, Afonso Rocha, foi, no passado dia 16 de julho, contemplado com a Comenda Homem Brilhante 2022, e a Comenda Pedro Antonio Grisa, presidente da ALBSC, pela sua atividade cívica no campo da literatura, do jornalismo, da atividade cultural e social, em geral. Outras 41 personalidades, nos mais diversos campos de atuaçao, mereceram identica homenagem, que foi atribuída pela Academia de Letras do Brasil de Florianopolis, no mes em que completa 14 anos de aturada, ativa e produtiva atividade em prol das letras no Estado de Santa Catarina. Na ocasiao, por sua atuaçao literaria no estado de Santa Catarina, Afonso Rocha, foi ainda agraciado com a Comenda Pedro Antonio Grisa, presidente da ALBSC. Cada uma das personalidades foram chadas a tribuna de honra,

Na impossibilidade de aqui reproduzirmos todas as referidas biografias, ficamos com a biografia do nosso diretor: Afonso Rocha, nascido em 1946, é cidadão português, radicado em Florianópolis/SC desde 2013, onde foi, em 2022, no dia da cidade, agraciado com a Medalha e Diploma de Mérito Virgílio Várzea (2022) atribuída pela Câmara Municipal de Florianópolis, capital do estado de Santa Catarina – pelos relevantes serviços prestados à comunidade e pela sua atividade cultural e literária; neste ato, também


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Mensal: agosto de 2022 e às letras e em 2015, o “Destaque Literário" - pelo poema "Libertai-vos, escravos", ambas comendas atribuídas pela Academia de Artes, Letras e Ciências de Cruz Alta/RS. Afonso Rocha é palestrante, editor, jornalista, radialista e escritor, autor de oito livros a solo e coautor de vinte outros publicados no Brasil e em Portugal; é fundador e diretor da Corrente d'escrita, revista digital literária plantando cultura, editada em Florianópolis para todos países de língua oficial portuguesa; membro efetivo da Academia de Letras de Biguaçu/SC (cadeira 06, tendo como patrona Antonieta de Barros) e membro correspondente da Academia de Artes, Letras e Ciências de Cruz Alta/RS (cadeira 21, tendo como patrono o poeta português, António Aleixo).

Como profissional, é gestor de empresas aposentado, especializado em contabilidade, direito tributário e gestão empresarial pela Faculdade de Ciências Econômicas e Empresariais recebe a comenda "Homem Brilhante siderado "Personalidade Literária In- da Universidade Católica Portuguesa 2022” pelos relevantes serviços pres- ternacional" – pela dedicação às artes (Lisboa). tados à cultura e à literatura, atribuída pelo Instituto ARTECULLI e pela Academia de Letras do Brasil de Santa Catarina e ainda a comenda Pedro Antônio Grisa (Patrono da ALBSC), pela sua atuação literária no estado de Santa Catarina; em 2020, recebeu uma “Menção Honrosa” no Prémio Filo Lisboa 2020, pelo poema (em tempos de pandemia) “Vou partir”; em 2018, recebeu o título de "Destaque Literário" – atribuído pelos relevantes serviços prestados à cultura e à literatura pela Academia de Letras de Biguaçu/SC; em 2017 foi conPágina 7


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À direita-centro, Valdir Mendes, presidente da ALBSCFlorianópolis

À direita-cento, Roberto Rodrigues de Meneses, ex presidente da Academia de Letras dos Militares Estaduais de SC , eleito recentemente para a Academia Catarinense de Letras.

Miguel João Simão, um dos homenageados, Vera Portela, do Grupo de Poetas da Trindade e a esposa de Miguel Página 8

Silvana Beeck Stival, de São João do Itaperiú, Afonso Rocha e Simone Nascimento, presidente da Associação das Letras e membro da Academia Joinvilense de Letras.

Márcia Ferreira, que integra o Conselho Estadual de Cultura (SC), representando o setor de literatura, à direita, na foto.


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BICENTENARIO DA INDEPENDENCIA

CONVITE Dirigido a todos que gostam da historia e de escrever, sejam ou nao autores com obra publicada, para escreverem sobre a independencia do Brasil. O numero 57, referente a setembro, sera especialmente dedicado a este importante evento historico. Mandem-nos vossos textos com um maximo de 7.500 toques, incluindo espaços, acompanhado de uma foto do(a) autor(a) e uma pequena biografia. A colaboraçao nao sera remunerada e o criterio de seleçao cabera exclusivamente a direçao do Corrente d’escrita. Trabalhos devem ser enviados, ja revistos, para nosso e-mail, ate ao dia 20 de agosto de 2022. Divulgue—Partilhe—Leia

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Na compra de SANGUE LUSITANO, receba mais um título, à sua escolha. R$ 40,00 Portes inclusos

As páginas em brancos... Um pingo de tinta Borrou as contas letradas Nas paginas em branco onde Descrevia minha vida! E a alça do ç Que começa um começo qualquer... E o pingo dos is Desfraldando uma nova Página 10

Bandeira que reluz... O sol descobre Atras dos montes As nostalgias das noites escuras Das lutas que sempre foram... E terminam... Um dia! Um pingo de tinta Borrou as contas letradas Que um dia percorri Pelas veredas da vida Foi uma lagrima perdida

No cintilar dos sinos Na capela da vila... Um pingo cortou o vento Um pingo cortou o tempo Um pingo... Um ponto final da minha estoria Nos sonhos sonhados de outrora! Vera De Barcellos


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Mensal: agosto de 2022 des da Cunha. Nesse livro, Euclides explica a Guerra de Canudos, o conflito entre os seguidores de Conselheiro e o Exercito Brasileiro, e cita, em certos trechos, tanto a favela quanto o Morro da Favela. Depois do massacre de Canudos, os soldados voltaram para o Rio de Janeiro, entao capital republicana.

Você sabe por que as favelas se chamam favelas?

Apos a guerra, deixaram de receber seus salarios, e, por falta de melhores condiçoes, foram obrigados a se instalar em barracos nos morros da cidade sem nenhuma infraestrutura. Os primeiros foram no atual feijoes), assim como ‘barbela’ e de ‘Morro da Providencia’, que, relem‘barba’ e ‘costela’ e de ‘costa’. E que brando o Morro da Favela, em Casuas sementes sao parecidas com nudos, passou a chamar simplesmente de ‘favela’. as da fava.

O genero significa ‘espinho urticanEsse e um registro daquela que e te’ (do grego ‘knídos’: urtiga; considera a primeira favela do Bra- ‘skolos’: espinho). O epíteto especísil - O Morro do Pinto, em Santo fico significa ‘folha de carvalho’. Cristo, no Rio de Janeiro, por volta Mas o nome comum, favela, aparede 1910. ceu, entretanto, por escrito so em Porem, o nome "favela" nao tem 1902 na obra ‘Os Sertoes’ de Euclinada a ver com esse morro. O nome provavelmente vem de uma arvore do cerrado e caatinga. Mais ou menos entre 1896 e 1897, um grande numero de sertanejos, liderados por Antonio Conselheiro, fundaram a comunidade de Canudos no interior da Bahia. Canudos ficava perto de um monte chamado ‘Morro da Favela’. O morro assim era chamado porque la cresciam muitas favelas, plantas euforbiaceas espinhosas, xerofilas, bastante resistentes a estiagem. ‘Favela’ e diminutivo de fava (planta leguminosa, como os Página 11

Com o tempo, qualquer aglomerado habitacional, de materiais improvisados, onde moram pessoas de baixa renda passou a ser chamado assim, mesmo que nao seja num morro. Elson Godoi


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Mensal: agosto de 2022 frances no norte da Africa. Os soldados ingleses, com seus uniformes impecaveis, marchavam contra os “rebeldes” indianos pelo simples prazer da aventura? Evidente que nao; estavam defendendo os interesses de uma multinacional, a Companhia das Indias Orientais.

ONDE ESTÁ A AVENTURA? Uma de minhas maiores decepçoes foi descobrir que (quase) toda atividade tem por tras de si a busca de ganhos economicos ou de poder. E nem precisei ler a obra do velho Marx para chegar a essa conclusao. Eu explico, eu explico: desde garoto sou admirador das aventuras de piratas, caubois, espadachins, cavaleiros medievais e outros tantos, no cinema e nos gibis. Navegava, nessa epoca inocente, no mundo maravilhoso da aventura pela aventura. Herois nao recebiam dinheiro, nao tinham que se preocupar com a sobrevivencia economica, bastava lutarem contra o mal e a injustiça.

Mudando de aventuras para semvergonhices, me responda, leitor: se fossem eliminados os ganhos diretos e indiretos (voce me entendo exercito. Depois de velho, apro- de) dos políticos, haveria centenas veitou a fama (talvez imerecida) de candidatos em cada eleiçao? que lhe possibilitou um jornalista de segunda categoria – exagerando Hilton Görresen e algumas vezes inventando seus feitos – para abrir um circo e se apresentar pela Europa. Era, portanto, nada mais do que um empresario. Sim, o heroico Bufalo Bill!

Os piratas, por mais romanticas Foi duro descobrir que nao existe que fossem suas aventuras pelos isso. sete mares, tinham como fim unico Pior do que descobrir que nao exis- apossar-se dos tesouros transportia Papai Noel. tados pelos navios. Jean Lafitte, piSem a busca de ganhos ou de poder rata frances, criou um posto comernao haveria conflitos e sem confli- cial na ilha de Barataria onde ventos nao haveria a açao dos valentes dia a preço modico os produtos aventureiros. O autor do romance que pilhava (sera que nao esta nisDom Quixote mostrou que sair pelo so a origem do nome “barato”?). mundo lutando por puro ideal e Os herois da coisa de maluco. Legiao EsO velho Oeste foi conquistado pela trangeira, procura de terras, pela corrida do preparados ouro ou pela criaçao de gado. O he- duramente roico cauboi, bom cavaleiro e rapi- para enfrendo no gatilho, era no fundo – vejam tar os temíveis homens so! – um assalariado. do deserto, As lutas entre índios e soldados estavam ali foram motivadas pela invasao de para ganhar terras. Bufalo Bill chegou a matar o seu e de índios e milhares de bufalos porquebra manque ganhava a vida como batedor ter o domínio Página 12


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Mensal: agosto de 2022 para a sogra atravessar a rua. Ciclista parado em sinal fechado? O que? Onde?

Inimigos públicos Nao faltam acusaçoes de parte a parte entre motoristas, motociclistas, ciclistas e pedestres, cada um deles um santo sendo ameaçado pelos demonios atras de volantes, em cima de bicicletas, motocicletas ou caminhando. Para complicar o quadro, ha diferenças abissais entre quem usa motos possantes, que se autodenominam “motociclistas”, e os que usam as de baixa cilindrada para trabalhar, apelidados de “motoqueiros”, assim como entre os “pedaleiros” e quem faz uso da bicicleta como meio de transporte no dia a dia. Se levarmos em conta que grande porcentagem desses personagens se insere em mais de uma categoria, da para piorar as coisas.

E os motoristas? A quantidade de carros estacionados indevidamente, as buzinas que anunciam os arautos da burrice, as tentativas de assassinato de pedestres e ciclistas superam o imaginavel.

gam muito longe da lateral da via e ainda uns aos lados dos outros e “costuram” no meio do transito. O mesmo codigo diz que a bicicleta e um veículo, o mais fragil deles, e deve trafegar na mao, na borda da pista, que apenas os pedestres devem se deslocar no sentido contrario do transito, mas um inteligente diz que outro inteligente disse que deve-se pedalar na contramao para que o ciclista veja os veículos que Compliquemos mais ainda: nunca e vem. Ver o que? A placa de quem “um motorista”, “um ciclista” etc., bateu de frenmas “os isto”, “os aquilo”. Nao que te com ele? a generalizaçao seja totalmente Faixa de segudestituída de verdade, pois parece rança parece que, em muitos, postura e persoser enfeite do nalidade mudam de acordo com o piso: pedesveículo utilizado ou quando camitres atravesnham. sam onde O codigo de transito estabelece que bem entenveículos automotores devem man- dem, motorister uma distancia lateral de metro e tas, motocimeio das bicicletas, mas isso nao e clistas e cipossível porque as ruas sao muito clistas nao estreitas, porque os ciclistas trafe- param nem

O quadro caotico descrito acima e real, porem – ainda bem - nao aplicavel a todos os lugares e muito menos a todas as pessoas. E, sim, possível manter um transito humanizado, coerente, harmonico e seguro; o mundo esta cheio de exemplos, inclusive no Brasil: basta parar de achar desculpas esfarrapadas, seguir as regras, respeitar aos outros e a si mesmo. Sem arrogancia e sem “coitadismo” aproveitador. Donald Malschitzky

Para divulgar (grátis) seus trabalhos no

Corrente d’escrita Envie-nos seus textos (maximo: 4 mil toques para cronica, conto ou ensaio). Página 13


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Que novos canteiros floresçam… Acabam de ser formadas as Academias de Letras do Brasil de Santa Catarina, seccionais de Criciuma (em cima) e de Içara (em baixo) as quais Corrente d’descrita deseja longa vida e o maior sucesso.

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Perfil

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para a coroa portuguesa, e fez a ligaçao por terra de Laguna a Rio Grande, a Maldonado, a Colonia do Sacramento e a Montevideu.

e conduçao desde Sacramento.

Passados anos, ja em 1726, o bandeirante deixou uma carta para o Rei de Portugal a respeito das terFrancisco, aliado aos indígenas mi- ras conquistadas e a relaçao com os nuanos do pampa, iniciou os pri- indígenas da regiao: meiros movimentos pecuarios de No ano de 1726, Francisco de Brito origem luso-brasileira na regiao Peixoto escrevia ao Rei que: platina.

Francisco de Brito Peixoto O primeiro caminho aberto por terra entre o Brasil e o Uruguai foi Numa atitude corajosa ante os casobra de um Bandeirante, que tam- telhanos de Buenos Aires, estabeleceu seu comercio e mandou seus bem foi embriao do tropeirismo. homens para a Colonia de SacraFrancisco de Brito Peixoto, foi um mento, logo a frente, de possessao bandeirante vicentista e nasceu no portuguesa, onde explorou o coano de 1650, em Santos-SP. Filho mercio de gados, mulas, cavalares e de Anna da Guerra do Prado e de couro, a fim de introduzir em Sao Domingos de Brito Peixoto. Paulo, inaugurando assim o primeiSeu pai foi filho e neto dos povoa- ro caminho entre Sacramento e Ladores da Capitania de Sao Vicente guna e o primeiro movimento de (atual Estado de Sao Paulo), que integraçao da Regiao do Prata ao partiu do Porto de Santos para des- Brasil, no caminho entre Sacramenbravar o sul brasileiro no fim do to, Laguna, Paranagua, Curitiba, seculo XVII, junto dos filhos Sebas- Sorocaba e Sao Paulo. tiao de Brito Guerra e o proprio Pelas notícias dos consecutivos suFrancisco, mais de 60 homens, com cessos de suas empreitadas, aliados armas, muniçoes, mantimentos e aos indígenas minuanos na conduferramentas, fundaram a Vila de çao de gados e muares, novos banSanto Antonio dos Anjos da Laguna deirantes focaram suas investidas (atual município de Laguna/SC), no no novo movimento que surgia, a ano de 1676, conforme escritos do fim de introduzir o muar em Sao proprio Francisco. Paulo e na regiao das Minas. Como Francisco como fundador, ficou em Laguna e, mais tarde, entre 1715 e 1718, com recursos proprios explorou, descobriu, tomou posse e iniciou o povoamento dos campos do Rio Grande de Sao Pedro do Sul (hoje Estado do Rio Grande do Sul) Página 16

Francisco de Souza e Faria e Cristovao Pereira de Abreu, que desce com uma tropa de bandeirantes, um dos quais tivera contato pessoal com o bandeirante Francisco de Brito Peixoto, que ja reunia tropas de mulas e de gados para comercio

"Mandei no serviço de S.M. que Deus Guarde, para o Rio Grande de Sao Pedro 31 homens a minha custa, e por capitao deles o meu genro Joao de Magalhaes, a quem ordenei que chegando a paragem do Rio Grande escolhessem algum lugar que fosse mais conveniente para formarem as suas casas em forma de povoaçao e logo façam canoas de pau, suficientes para serventia de passagens de gado, encomendando-lhes tambem aquele zelo e diligencia de passarem gado para esta parte da nossa campanha para a multiplicaçao, pois e um grande serviço que se faz a EI-Rei Nosso Senhor, enxotando-o para o meio da campanha para o dito gado tomar posse (...) Tambem se me oferece dizer a Vmc. que ja desta banda do Rio Grande se acham 800 reses de gado vacum que mandei buscar das campanhas a minha custa (...) por entender que nisso fazia serviço a S.M. que Deus Guarde, para a multiplicaçao na campanha desta parte, e por nao haver nela gado algum e ter capacidade para nela estarem milhoes de gado, e na diligencia de conduzir mais


Ano V — Número 56 estou sempre (...) Tambem digo a Vmc. que tenho adquirido a boa amizade dos índios minuanos (...) e ser conveniente ao real serviço a amizade destes gentios, por estarem as campanhas francas para delas se tirar quanto gado quiserem.

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Pedro, por tres anos.

Faleceu em 31 de outubro de 1735, em Laguna/SC, cidade que fundou. Seus restos mortais estao no altar principal da Igreja Matriz Santo Antonio dos Anjos, construída por ele na freguesia em 1696.

Substituindo Bernardo Cavalcanti de Mello, tornou-se comandante da Ilha de Santa Catarina, para o período de 1721 a 1728, e governou-a desde 1º de fevereiro de 1721 ate 25 de outubro de 1724. Interina- Com tais feitos Francisco de Brito mente, assumiu a administraçao, Peixoto e considerado um dos maiCom essas notícias a Coroa passou Augusto Xavier de Carvalho. ores bandeirantes de Sao Paulo, a investir a partir de 1732 em Ses- Depois do episodio, Francisco pren- pela iniciativa de tornar a regiao marias, dando início ao povoamen- deu Avelar, remeteu-o para a vila platina como parte do Imperio Porto luso-brasileiro em terras plati- de Santos, onde teve seus bens con- tugues, como por ser o precursor nas. dos primeiros movimentos tropeifiscados apos inquerito. Nunca se casou oficialmente, mas Em 1732, solicitou ao Rei de Portu- ros do Brasil. com Sevirina Dias, indígena Carijo, gal concessao de campos e terras Possui estatuas em sua homenateve tres filhos: Ana, Maria e Sebas- de Garopaba/SC ate o rio Traman- gem no Museu Paulista do Ipiranga, tiao, todos “de Brito Peixoto”. Com daí/RS, por seu empenho, posses e na cidade que fundou (Lagunaoutra índia teve mais quatro filhos investidas e serviços prestados a SC). (Domingo Leite Peixoto, Victor de coroa, mas recebeu uma Sesmaria In Paulistânia Tradicional Brito, Ana da Guerra e Catarina de de Legua e Meia em Quadro. Brito). Com Paula Dias do Prado, teve o filho Luis de Brito Peixoto, deixando grande descendencia em Santa Catarina, Rio Grande do Sul e Uruguai. Foi preso por ordem do Sargento-Mor Manuel Manso de Avelar (de Nossa Senhora de Desterro, atual Florianopolis), provavelmente por motivaçao política - ja que denunciava os contrabandos na regiao. Foi liberado em 1º de fevereiro de 1721, quando recebeu do rei Joao V de Portugal a carta patente de Capitao-Mor das terras de Laguna, da Ilha de Santa Catarina e do Rio Grande de Sao Página 17


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frio, mas nunca o sentimos tanto. E mais, todos estavam mareados, um deitado aqui outro ali, sera difícil imaginar nossa situaçao.

CASOS com História

Páginas do passado

Estavamos alojados no segundo conves, trancados como num galinheiro, eramos mais de 250 pessoas, sem qualquer assistencia do pessoal de bordo. Os beliches ate o

Enfim alcançamos o mar aberto. Avistamos ainda a ultima cidade em chao europeu: CALAIS, e daí por diante nada mais que ceu e agua. A viajem prometia ser tranquila, porem na segunda feira de Pentecostes, terça e quarta, fomos atingidos por uma tempestade tao violenta que fomos proibidos de sair do alojamento. Fomos trancafiados e nao

A saga de um imigrante A SAGA DE UM IMIGRANTE PARA CHEGAR AO BRASIL “No dia 8 de Maio de 1863, quando chegamos em Hamburgo, fomos alojados na nova Casa do Emigrante, onde permanecemos tres dias. No segundo dia, fui ate o cais para conhecer o navio que nos levaria para a America. Qual a minha surpresa, por mais de duas milhas, pontas e mais pontas de mastros, uma infinidade de navios e ninguem sabia informar qual seria o nosso. No porto, o mar e muito tranquilo e nos imaginamos que assim seria por toda viajem. No terceiro dia nosso navio estava pronto para a partida, um veleiro de nome FRANKLIN. Nos mesmos tivemos que carregar as nossas bagagens ate o porto, e so foram embarcadas no dia seguinte pela manha. Logo em seguida um rebocador nos conduziu ate KUXHAVEN, onde permanecemos por mais tres dias, quando finalmente, partimos para o canal ingles. Ventos contrarios fortíssimos empurraram-nos mais de 100 milhas em direcçao ao Mar do Norte. Estavamos acostumados com Página 18

teto para 4 ou 5 pessoas, todo mundo passando mal, so quem viveu a situaçao podera imagina-la. Estavamos todos muito enjoados. Tínhamos nojo de tudo, mesmo da melhor comida e quando a fome nos obrigava a comer, o estomago devolvia. Depois de uma semana, tornamos a passar no mesmo lugar de onde saímos. Agora iniciamos a passagem no canal ingles, e ja no primeiro dia esbarramos duas vezes no fundo. Foram choques tao violentos que pensamos ter chegado nosso fim. Chegamos na regiao que habitualmente permanece sob forte neblina. Durante o dia navegava-se com permanente toque de sino, e a noite com foguetes sinalizadores. Hoje vapores modernos tem apitos que se ouvem de muito longe. Mas nos estavamos em um veleiro e mesmo com todos os sinos, foguetes e a atençao dos nossos marinheiros por pouco, muito pouco, nao trombamos com outro veleiro. Graças a perícia da nossa tripu1açao, numa rapida manobra passamos a alguns metros do outro barco.

sabíamos mais o que acontecia. Por sorte nosso navio estava bem lastrado, com carga pesada o que evitou que o vento o virasse de lado e nos, presos, morressemos miseravelmente afogados. Quando nos foi permitido sair, o proprio capitao nos disse nunca ter enfrentado tamanha tormenta. Fome nao passamos, mas a comida era estranha e a agua nao conseguíamos beber. A carne era boa, porem muito salgada, provocando muita sede e a agua nas barricas, fedorenta e cheia de vermes. Sempre que eu bebia, fechava os olhos e o nariz e assim conseguia engolir uns poucos goles. Em lugar de pao ofereciam-nos torradas, provavelmente assadas ha anos, duras como pedras. Daria para partir a cabeça de alguem. O jeito era mergulha-las no cafe ou no cha. Era bom? Nao se questionava desde que a fome fosse aplacada. Vimos baleias e tubaroes. Divertimo-nos com os peixes voadores, muitos caiam a bordo e eram levados imediatamente para a cozinha. Fazia tres meses que estavamos entre o ceu e o mar e ainda nao havia terra a vista. Acho que ja esta-


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vamos tao desesperados, quanto o pessoal do Cristovao Colombo. Ate que numa manha de chuva e nevoeiro, avistamos uma mancha escura no horizonte. Corremos ao capitao, que de luneta nas maos nos disse: “E terra”. Finalmente terra! Foi uma alegria geral. Estavamos nos aproximando do Brasil, porem ainda a 30 milhas da costa, mas a esperança de logo deixar o navio e poder colocar os pes em terra firme, alegrou a todos. Apos mais algum tempo chegamos a entrada de um porto, totalmente cercado de grandes montanhas, ventos fortes provocavam ondas enormes a quebrar no paredao de pedras. O comandante considerou impossível a entrada e ordenou lançar ancoras e aguardar melhor tempo.

damente comemos. Novamente o navio bateu em uma pedra estremecendo a embarcaçao violentamente e todos muito assustados duvidamos por momentos, chegar vivos ao solo brasileiro. Imaginamos que teríamos o mesmo fim do nosso companheiro Manoel SchafNa manha seguinte prosseguimos fer, que uma semana antes falecera viajem e no mesmo dia alcançamos e o seu corpo costurado em um peSanta Catarina. Tambem tivemos daço de lona, foi sepultado no mar. que ancorar devido ao mau tempo. Finalmente atracamos em Santa Ao longe víamos montanhas e per- Catarina (Sao Francisco ?) mas tivecebemos a proximidade de terra mos ordem de permanecer a bordo pela quantidade de folhas e grave- por mais tres dias. Finalmente eu tos boiando na agua. Na manha se- podia apreciar a paisagem, lindas guinte ficamos felizes com a chega- palmeiras e as bananeiras que nunda do pratico que nos conduziu ao ca tinha visto ao natural. Eu me porto. senti como nascido de novo em

(Trecho da Carta relatorio, do imigrante Antonio Pospissil, publicada na “Nordmä hrische Rundschau 1904” (Revista da Moravia do Norte) Austria (Hoje Republica Tcheca) reproduzida no livro “Die Deutschen in Parana” do Pastor Wilhelm Fugmann editado em Ponta Grossa PR, no ano de 1929. (Os Alemaes no Parana- Traduçao Paulo A. Grö tzner). Extraído do livro A Saga de Um Pioneiro, de Paulo Grotzne, por Milton Wendel.

Varios barquinhos se aproximaram uma terra melhor e muito mais bojogando laranjas e bananas que avi- nita que a minha patria”. Divulgue—Partilhe—Leia

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Os primeiros ofícios no Brasil A necessidade de construçoes militares para defesa da Colonia faz aportar mestres, ferreiros, entre outros ofícios. Tome de Souza (primeiro governador), chega ao Brasil em 1549, na Bahia, para fundar a cidade de Salvador, acompanhado de Luís Dias, mestre de obras e arquiteto [1] que tinha o título de “mestre da pedraria” [2]; Diogo Peres, mestre pedreiro; Pedro Goes, mestre pedreiro arquiteto e construtor dos primeiros engenhos de açucar [3]; Luis Martins, mestre de fazer cal; Francisco Nicolas, mestre de carpintaria; Diogo de Castro, boticario; os carreiros Joao Dias de Soajo e Martim Gonçalves entre outros oficiais [4] em um total de 77 artífices [5] alem de 47 trabalhadores braçais [6]. Rodrigo Andrade denomina Luís Dias como “o pioneiro de nossos arquitetos” tendo construído a primeira casa Da Camara e cadeia, alem dos edifícios da alfandegas e seus armazens [7]. A Camara Municipal de Sao Paulo por diversas vezes (1578, 1583 e 1586) perseguiu ferreiros por ensinarem seu ofício aos índios. Segundo Afonso de Taunay “Compreende-se a preocupaçao Página 20

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com que os vereadores queriam a todo custo impedir que os selvagens pudessem substituir por armas de ferro os toscos tacapes, os machados de pedra e as farpas osseas das flechas”.[8] O mesmo Taunay informa que em Sao Paulo em 1593 residiam dois carpinteiros, um ferreiro, dois alfaiates, dois teceloes, um sapateiro e um oleiro.[9]

primeiros povos brasileiros, descobrimento e colonizaçao, 2009, v.1, p. 227; MOTOYAMA, Shozo. Preludio para uma historia: ciencia e tecnologia no Brasil, Sao Paulo:Edusp2004, p. 89; SOUZA. Bernardino Jose. Ciclo do carro de bois no Brasil. Sao Paulo: Cia Editora Nacional, 1958, p. 104

[1]TELLES, Pedro Carlos da Silva. Historia da Engenharia no Brasil: seculos XVI a XIX, Rio de Janeiro: Clube de Engenharia, 1994, p.74; MENDES, Chico; VERISSIMO, Chico; BITTAR, William. Arquitetura no Brasil de Cabral a Dom Joao VI, Rio de Janeiro; Imperial Novo Milenio, 2009, p. 59

[6]LIMA, Heitor Ferreira, Formaçao Industrial do Brasil, período colonial, Rio de Janeiro: ED. Fundo de Cultura, 1961, p. 259

[5]LIMA, Heitor Ferreira. Historia Político economica e industrial do Brasil, Sao Paulo: Cia Editora Nacional, 1970, p. 107

[7]MARTINS, Wilson. Historia da inteligencia brasileira, v. I (1550-1794), Sao Paulo: USP, 1976, p. 72

[8]LIMA, Heitor Ferreira. Formaçao in[2]MARTINS, Wilson. Historia da inteli- dustrial do Brasil, Rio de Janeiro: Fundo gencia brasileira, v. I (1550-1794), Sao de Cultura, 1961, p. 115 Paulo: USP, 1976, p. 72 [9] LIMA, Heitor Ferreira, Formaçao In[3]SCHWARTZ, Stuart. Segredos inter- dustrial do Brasil, período colonial, Rio nos: engenhos e escravos na sociedade de Janeiro: ED. Fundo de Cultura, 1961, colonial. Sao Paulo: Cia das Letras, 1988, p. 260 p. 408, nota 61 [4]BARSA PLANETA, Historia do Brasil:

António Abantes


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doc.com

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por isso que eu a escolhi”, diz An- taminam, independente do suporte. chieta. Nesta entrevista ao Nexo, a pesquisadora detalha as descobertas de seu estudo, que envolveu viagens a diferentes países para ter acesso aos materiais originais, e tambem aponta as consequencias concretas desses estereotipos na vida das

Se por um lado ha uma atençao a imagem em varios suportes – trabalhei com panfletos, esculturas, pinturas, filmes – ha tambem uma atençao as funçoes desses meios de comunicaçao. Por isso trabalho com a ideia de imagem e nao de

Das bruxas… imagem da mulher mulheres de diferentes epocas e os arte, porque nem todas as imagens

DAS BRUXAS ÀS ESTRELAS DE ecos das imagens no presente. com que eu trabalhei eram consiCINEMA: UM ESTUDO DA IMAQue tipo de imagens voce analisou? deradas naquele momento, socialGEM DA MULHER mente, obras de arte. E essa, em resumo, a linha traçada pela trilogia “Imagens da mulher no ocidente moderno”, lançada pela editora Edusp em dezembro de 2019. A construçao dessas imagens de mulheres ao longo de seculos foi objeto de estudo da sociologa Isabelle Anchieta ao longo de quase uma decada. Sua analise extensiva foi dividida nos volumes “Bruxas e Tupinambas canibais”, “Maria e Maria Madalena” e “Stars de Hollywood”. O “ocidente moderno” do título da obra se refere a transiçao, com o fim do período medieval, para a Idade Moderna nessa area do globo. “A modernidade tem um sentido muito específico na obra, o do processo de buscar uma dessacralizaçao do mundo, uma quebra de uma serie de mitos e entendimentos e uma crescente individualizaçao e humanizaçao. Sao esses dois conceitos que vao definir, para mim, o ocidente moderno. E a mulher vai ser emblematica nisso, e Página 21

ISABELLE ANCHIETA - Em geral, pesquisas academicas exigem recortes muito precisos. Nao e muito comum trabalhar com um conjunto de material tao diverso como eu trabalhei. Mas argumentei e mostrei que eu estava fazendo sobretudo uma analise da imagem – ainda que o suporte fosse muito importante. Mostrei tambem como essas imagens dialogam entre si e se con-

Por exemplo, as xilogravuras impressas em panfletos noticiosos que circulam alertando sobre as bruxas nao eram consideradas obras de arte. Ao contrario, eram uma especie de alerta sobre um disturbio social que estava acontecendo naquele momento. Estive muito atenta as funçoes de cada suporte naquele momento e nao


Ano V — Número 56 me interessava analisar propriamente arte, ainda que eu trabalhe com alguns objetos artísticos. O que me interessava era reconstruir o mecanismo de estereotipizaçao das mulheres, como ele foi sendo elaborado em varios suportes e imagens distintas, nao so na arte. Que período essas imagens compreendem? O que entra na definiçao de ‘ocidente moderno’ do título do trabalho? ISABELLE ANCHIETA - Eu começo na transiçao do seculo 13 para o 14, e depois sigo ate o seculo 20, parando em 1968, com o filme "Barbarella", que e mais ou menos minha ultima analise. Na historiografia, consideram moderno a transiçao do final da Idade Media. E a modernidade tem um sentido muito específico na obra, o do processo de buscar uma dessacralizaçao do mundo, uma quebra de uma serie de mitos e entendimentos e uma crescente individualizaçao e humanizaçao. Sao esses dois conceitos que vao definir, para mim, o ocidente moderno. E a mulher vai ser emblematica nisso.

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ISABELLE ANCHIETA - As cortesas italianas sao as primeiras [pessoas comuns] a serem retratadas pelos grandes pintores da epoca, Tintoretto [1518-1594], [Paolo] Veronese [1528-1588]. Sao as primeiras mulheres comuns a terem direito a um retrato publico. Exatamente por estarem a margem de uma serie de padroes sociais, elas conseguem uma ascensao social que nem os homens tinham. Entao, quando falo de entrar na modernidade, e no sentido de conseguir uma mobilidade social a partir de outros criterios que nao a origem social, marcaçoes muito estratificadas. Sao mulheres que ja começam a ter mo- transformaram ao longo do tempo? bilidade antes mesmo disso se tor- Voce poderia apontar e descrever nar algo mais comum na sociedade. uma imagem-síntese de cada período analisado, explicando seu conA possibilidade de elas serem re- texto?

A mulher e a primeira a entrar na modernidade, propriamente. A primeira a quebrar e a legitimar, de certa forma, um projeto individualizante de uma forma socialmente mais ampla, porque ela quebra a ideia de família, vai quebrando algumas organizaçoes sociais ao reivindicar um projeto autobiografico. O lugar da mulher nessa transiçao para a modernidade e muito interessante. Ela e a primeira a por o pe la.

tratadas ja e um indício de como isso chega primeiro para elas. Sao mulheres que vao ter poder economico e mesmo político. Claro que so algumas mulheres conseguem essa ascensao social. Mas a prostituta, de certa forma, e a primeira a entrar na modernidade. E uma inversao de poder. Eram mulheres que foram marginalizadas, porque naquele momento a regua moral era a virgindade de Maria, era a ideia da castidade, era toda uma pedagogia da boa esposa. Essas mulheres estavam a margem disso, porque tinham perdido o capital social que era a virgindade. Por outro lado, eram mulheres que podiam se educar, se formar, o que nao era nem possível pras outras mulheres. Elas tem uma ascensao e os retratos sao indícios disso.

Como isso aparece nas imagens?

Como as imagens das mulheres se

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ISABELLE ANCHIETA - Eu começo com as bruxas e com as tupinambas canibais. A historia das bruxas e a historia de um processo de diabolizaçao da mulher. Ha toda uma tentativa de qualificar mulheres que nao atendiam a algumas normas e funçoes tidas como femininas. Geralmente, dois tipos de mulheres eram consideradas bruxas: mulheres viuvas ou jovens que tinham uma sexualidade mais livre e as medicas, parteiras, benzedeiras, mulheres que sabiam usar as ervas e começam a incomodar muito a Igreja Catolica. Ha uma disputa entre essas mulheres, que ganham muito poder nas suas comunidades rurais, e a Igreja. Elas passam a incomodar porque disputam o monopolio salvacionis-


Ano V — Número 56 ta do mundo. Ha uma tentativa da Igreja, entao, de tentar distinguir o sobrenatural que podia ser aceito, mediado pelos homens da Igreja e com Deus, e o sobrenatural que nao podia ser aceito, que era a magia dessas mulheres pactuadas com o diabo. Nao ha uma aceitaçao desse sobrenatural feminino que, de alguma forma, concorria com a Igreja.

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faz uma serie de mais de 50 xilogravuras descrevendo os rituais canibais, em que as indígenas tinham protagonismo e usavam um caldeirao para uma serie de atividades: esquentar agua e escaldar a pele da vítima para retira-la, depois para fazer uma sopa com as vísceras. Tambem usavam o caldeirao para produzir a primeira bebida A construçao da estereotipia da alcoolica brasileira, o Cauim. Ou bruxa e muito interessante: e feita seja, o caldeirao aparece o tempo por um conjunto de inversoes de todo nessas imagens. funçoes tidas como femininas. Se a Essas imagens do canibalismo vao mulher produz alimento, a bruxa impactar muito os europeus. Eu produz o veneno que mata os ho- mostro como o caldeirao das brumens. Se a mulher e a que da a vida, xas so passa a aparecer na iconoa bruxa comete o infanticídio. Se a grafia depois da circulaçao dessas vassoura pertence a domesticidade, imagens das índias tupinambas capara a bruxa ela e o veículo para as nibais. Em grande medida, e essa orgias sabaticas. A imagem da bruxa e a imagem da transgressao das funçoes tidas como femininas. E uma construçao muito longa. Começa em livros do seculo 14 que ja representam essas mulheres. A imagem da bruxa no início era uma mulher com arco e flecha caçando um homem no campo. Havia uma inversao: ela era perigosa e ele era a vítima. Mais do que uma misoginia, um odio em relaçao as mulheres, havia tambem na construçao dessa estereotipia das bruxas um fascínio e um temor. Ela e uma “marginal atrativa”. E possível observar isso nas proprias imagens, que geralmente trazem mulheres jovens e bonitas. A associaçao da bruxa a velhice e a decrepitude acontece so mais tarde, no final do seculo 16 e no seculo 17. Nessa epoca, o alemao Hans Staden Página 23

iconografia das índias canibais que vai influenciar uma mudança iconografica das bruxas na Europa. O contrario acontece tambem, por isso o mais correto e falar em uma dupla contaminaçao [entre a representaçao das bruxas e das tupinambas], porque ha um olhar demonologico que explica o canibalismo como um instinto demoníaco. Quem esta qualificando isso e a cultura europeia. Entao tem uma troca, uma mistura entre essas imagens nesse período. Eu comprovo essa minha hipotese com uma imagem do Crispim de Passe, um impressor frances, uma xilogravura que coloca as índias de um lado, as bruxas de outro e Saturno em cima, chamando-as de “as


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filhas de Saturno” e mostrando a conexao entre essas duas imagens. Isso passa a acontecer exatamente depois de 1557, quando circulam as imagens do Hans Staden.

tante e mais bem-sucedida da religiao, que e Maria. Isso acontece em um período meio simultaneo ao das bruxas, ate como contraponto moral. Ela e tao desumana quanto, mas Vou mostrando essa contaminaçao inverte a polaridade moral. Sao mue a diabolizaçao dessas mulheres. lheres absolutamente idealizadas. As índias das imagens tambem sao A imagem de Maria muda, ela tem extremamente atraentes, se olha- uma capacidade de se moldar a mos por exemplo as gravuras do uma serie de demandas. No princíTheodore de Bry. Ao mesmo tempo pio da Igreja, quando ela esta se [as figuras representadas estavam], legitimando, em 300 d.C., voce ve cometendo atos medonhos. nas imagens bizantinas, nas primeiHa uma mistura de sentimentos, ras imagens de Maria, uma Maria uma ambiguidade nessa represen- muito imperial, geralmente no trotaçao que e bem interessante. E no. Essa imagem persiste praticatragica, com consequencias reais: mente ate o seculo 13, 14. um holocausto que aconteceu. Um holocausto mesmo, porque a palavra vem do grego e significa colocar na fogueira. E foi isso que fizeram com as mulheres. A construçao da estereotipia e uma coisa muito seria, ela legitima a perseguiçao, ate hoje.

A imagem de Maria se confunde com a propria imagem da Igreja Catolica. Ela e a ideia de que para Deus nada e impossível, ou seja, uma mulher pode gerar e continuar sendo virgem. Ela aponta para o menino Jesus [nas imagens desse período] mais como uma prova do A segunda parte [do estudo] trata poder do que propriamente como da imagem ocidental mais impor- uma relaçao maternal.

A VIRGEM DE MELUN, DE JEAN FOUQUET (C. 1450) Essa imagem muda muito no seculo 14, quando a burguesia italiana começa a patrocina-la. Voce começa a ver uma Maria muito mais maternal, ate amamentando o menino Jesus. Torna-se muito comum, ja com essa ideia dos valores burgueses, familiares. Depois, ha a reforma promovida por Sao Francisco de Assis e a imagem de Maria muda mais uma vez: e a ideia da Natividade, de uma Maria agora absolutamente humilde, agachada. NATIVIDADE, PINTURA DE FRA ANGELICO (1440-1441) Essa cena passa a ser reproduzida por pintores ligados ao movimento franciscano e dominicano, como Fra Angelico, absolutamente humanizada, despida de joias. Ate se tornar negra. Aqui no Brasil a gente

Se tens uma crônica, um conto, um poema, um ensaio que queiras partilhar com nossos leitores, envia para narealgana@gmail.com e dependendo do espaço e de identificação com nossos propósitos, poderás ter teu trabalho divulgado pelo corrente d’escrita.

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exemplo, os conventos foram utilizados como uma forma dissimulada de encarcerar as prostitutas. Tanto e que a imagem de Maria Madalena passa a ser a padroeira de muitos conventos. So que muitas mulheres usavam a propria imagem de Maria Madalena pra forjar possessoes demoníacas. Elas supostamente tinham poderes sobrenaturais e delatavam algumas pessoas e conseguiram mandar alguns padres para a fogueira. Elas usam muito a astucia, e um processo bem interessante aí que nao e um jogo tao pacificado, tao submisso. Ha um tem a Nossa Senhora Aparecida e pital social central para a mulher. conjunto de usos e inversoes dos começam a surgir uma serie de Perde-la as levava a prostituiçao. sentidos dessas imagens. imagens de Marias negras em va- Tem uma frase da Simone de Beau- E a segunda parte do estudo vai ate rios lugares, na Colombia, no Mexi- voir que eu gosto muito: ela diz que Maria Madalena? co, em Cuba. Sao imagens ja fruto estar fora do mundo nao e uma pode um sincretismo religioso, possi- siçao boa para quem quer transfor- ISABELLE ANCHIETA - Vou ate a velmente produzidas por escravos mar o mundo. [A imagem de] Maria [pintura] “Olympia” de [Edouard] e índios – nao sem razao, elas apa- chega a um determinado limite de Manet (1832-1883), que e uma recem na forma de escultura, que humanizaçao. Quem consegue que- prostituta ja sem sinais de arrepenseria um meio mais facil de produ- brar esse limite e exatamente Maria dimento. A imagem de Maria Madalena vai se secularizando, se humaçao dessas imagens e mais barato, Madalena. nizando, vai perdendo essa ancoraem relaçao a pintura. Maria Madalena talvez seja uma gem religiosa e se tornando absoluA chegada [da imagem] de Maria das imagens mais interessantes e tamente humana. Madalena se da exatamente no mo- emblematicas dessa transiçao para mento da Reforma e da Contrarre- a modernidade. Uma humanizaçao forma, em que a Igreja precisava de mesmo real, uma encarnaçao da OLYMPIA, PINTURA DE EDOUARD uma imagem nao tao imaculada mulher, ainda que ancorada em MANET (1863) para reencontrar o caminho da alguns aspectos religiosos – sempre A Olympia do Manet causa um Igreja Catolica. Maria Madalena vai com o evangelho, a caveira, uma grande escandalo e ela e consideraser essa figura pecadora que, por expressao angustiada, arrependida. da, pelo menos na historia da arte, meio de uma pedagogia da peniten- Uma eterna penitencia. O pecado o marco da modernidade. E a imacia, volta a se santificar. Essa ima- passa a ser aceitavel, desde que se gem que representa a modernidagem começa no final do seculo 16. cumpra uma serie de rituais religi- de. Como essas imagens religiosas im- osos. Depois tambem trabalho com algupactaram a vida das mulheres? Ao mesmo tempo, o que e interes- mas imagens das pintoras, porque ISABELLE ANCHIETA - A historia da virgindade foi um grande drama que condicionou a vida de muitas mulheres. A virgindade era um caPágina 25

sante tambem e como elas foram conseguindo, nas margens e nas brechas dessas representaçoes, inverter alguns jogos de poder. Por

a partir do seculo 17 as mulheres ja começam a se autorrepresentar e a representar outras mulheres. Começa com a Artemísia Gentileschi


Ano V — Número 56 (1593 -1656) e mais adiante Mary Cassatt (1843 -1926), Berthe Morisot (1841-1895), as grandes impressionistas, que vao representar mulheres completamente humanizadas, burguesas, lendo seus folhetins, sempre no espaço domestico, muito tristes. Tambem trabalho um pouco com as mulheres de cabare do Edgar Degas (1834-1917), que tambem sao mulheres que tem uma margem de poder. Chego ate aí. E a terceira e ultima parte trata das imagens em movimento? ISABELLE ANCHIETA - Exato. Começo no [cinema] mudo, a partir de 1915, com as primeiras stars de Hollywood: Mary Pickford, Theda Bara. E interessante ver essa longa trajetoria da formaçao da imagem da mulher porque uma nao quebra e cria outra em absoluto. Elas vao sempre dialogando, como antagonistas ou depois se "mixando". As stars de Hollywood vao misturar referencias do passado. Sao mulheres meio diabolicas, meio santas. Começam a complexificar o lugar da mulher. RITA HAYWORTH NO FILME GILDA (1946) Costumo dizer que, a partir das stars de Hollywood, ja nao da pra falar de uma mulher no singular ou de uma mulher abstrata. Elas começam a ampliar as possibilidades e a legitimar a transgressao. Uma coisa que me impressionou muito nos filmes das stars e que para elas criarem uma “sobrepersonalidade”, para serem uma star, geralmente iam pelo caminho da transgressao. Página 26

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Elas fumam, dirigem, escolhem o parceiro, se divorciam. Isso nao e um fator menor, porque com isso começam ate a legitimar [socialmente] o divorcio.

pouco a conclusao: as mulheres lutaram por duas coisas ao longo do tempo. Primeiro para se humanizar, deixar de ser santas, de ser bruxas e se encarnarem. Depois, Isso nos filmes ou nas imagens vei- com as stars, ha uma disputa pela individualizaçao, o direito de ter culadas das atrizes? um rosto, uma biografia, uma trajeISABELLE ANCHIETA - Nas duas toria específica. coisas. As stars vao fazer uma mistura entre a vida privada e a ima- Porque a star e a primeira imagem gem que elas criam. Isso diz muito da mulher universalmente conhecida sociedade contemporanea, disso da baseada em uma pessoa real. de misturar o publico com o priva- Ate entao, Maria, bruxas, eram imado, a historia das redes sociais. Ha- gens gerais, abstratas, nao era a via todo um sistema, “um star sys- imagem de uma pessoa específica. Isso representa ja um processo de tem”. crescente individualizaçao, a necesNesse capítulo, eu mostro como sidade e o direito de ter uma trajecada uma dessas atrizes – Bette toria particular reconhecida publiDavis, Rita Hayworth, Mary Pick- camente. O direito a ter um rosto, ford, Theda Bara – vao repetir a nao so visual mas simbolicamente. mesma personagem em uma serie Elas vao legitimar o projeto autobide filmes. Muda o filme, o roteiro, a ografico feminino. A possibilidade historia, mas a personagem e muito de escolhas que nao sejam mais parecida. A Bette Davis sempre e dadas socialmente. As stars de alrapida, mimada, inteligente. Em guma forma vao legitimar o impetodos os filmes ela e assim. A Mary rativo do desejo, da vontade indiviPickford e sempre ingenua, virgi- dual. Criei um neologismo que se nal, sofre. A Theda Bara e sempre chama "individumanismo" para uma vamp, uma destruidora de la- definir esse processo, primeiro de res. Elas constroem estereotipos humanizaçao e que vai desembocar pra elas mesmas, se tornam ima- da individualizaçao. gens. Eu estudei a mulher, mas e um proMas elas tambem vao se complexi- cesso que tambem valeria para [a ficando. A Rita Hayworth e a "bad representaçao de] outros grupos good girl", ela e ma e boa ao mesmo sociais, que tambem foram estereotempo. Aquele maniqueísmo ja nao tipados e marginalizados. cabe tanto, elas ja começam a oferecer lugares mais plurais para a Como eu disse, nao foi um processo pacífico, o da mulher. Ela nao estemulher. Mais humanos. ve vitimizada e pacificada o tempo Isso tem a ver com o processo de todo diante das representaçoes. E individualizaçao de que voce falou ela nao tomou poder depois que ela antes? Para onde essa pluralizaçao passou a se autorrepresentar. Isso aponta? fica muito claro nas obras das priISABELLE ANCHIETA - Essa e um meiras pintoras – voce nao ve uma


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grande transgressao nessas imagens. Nao tem uma grande ruptura quando a mulher começa a se autorrepresentar. Essas rupturas ja estavam no caminho, antes. A mulher luta ha muito tempo para se autodeterminar, desde as bruxas, desde a Idade Media. Voce diria que os estereotipos do passado permanecem? ISABELLE ANCHIETA - Permanecem, so que de uma forma muito mais ironica e reflexiva. Ha uma apropriaçao, agora, sem trazer as ancoragens religiosas, morais. Ela e quase subversiva. Mas [as imagens] nao deixam de atuar. Eu costumo dizer que as imagens Página 27

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nao morrem. De alguma forma, as imagens [do passado] estao sempre assombrando as imagens contemporaneas. Mas hoje ja ha uma consciencia muito mais ironica delas. Elas nao tem mais aquele poder de conformar as sociedades, as organizaçoes.

passado. Ela se traveste de Madonna e de Maria, so que ela deixa a falsificaçao dessas imagens e o construto delas em evidencia. Ela usa uma protese no seio que voce percebe que esta meio solta, uma maquiagem exagerada. Uma tentativa mesmo de ironizar essas refeVoce tem em mente algum exemplo rencias. Mas ela as utiliza. que sintetize isso? E uma caricatura. E com isso [essa ISABELLE ANCHIETA - Tenho. Con- imagem] perde o efeito, voce nao a cluo o terceiro livro com algumas leva a serio. Ao revelar os bastidoimagens contemporaneas da Cindy res da construçao, a imagem perde Sherman, que e uma fotografa ame- os poderes de atuaçao. Nao e mais um estereotipo, e uma caricatura. ricana. [Sherman] ate usa a ideia da beleza, Ela faz um autorretrato que nao e mas leva isso ao extremo ridículo, um autorretrato, porque na verda- mostrando que e so uma imagem. de usa uma serie de referencias do


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Fotos com História

No emaranhado das grandes cidades,...

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terminado muito mais pelos artigos do que pelas vogais tematicas, se voces querem uma língua neutra, precisam criar um artigo neutro, nao encher um texto de X, @ e E. E mesmo que fosse o caso, o portugues nao aceita genero neutro. VoPROFESSORA DE PORTUGUÊS ces teriam que mudar um idioma DANDO AULA inteiro pra combater o "preconceito". "Nao sou homofobica, transfobica, gordofobica. Eu sou professora de Meu conselho e: ao inves de insistir portugues. tanto na coisa do genero, entendam Eu estava explicando um conceito de uma vez por todas que genero de portugues e fui chamada de des- nao existe, e uma coisa socialmente construída. O que existe e sexo. respeitosa por isso (ue).

Minha língua, minha pátria.

Entendam, em segundo lugar, que genero linguístico, genero literario, genero musical, sao coisas totalmente diferentes de "genero". Nao faz absolutamente diferença neEm portugues, a vogal tematica na nhuma mudar generos de palavras. maioria das vezes nao define gene- Isso nao torna o mundo mais acoro. Genero e definido pelo artigo lhedor. que acompanha a palavra. E entendam em terceiro lugar que Vou mostrar pra voces: voces podiam tirar o dedo da tela e O motorista. Termina em A e nao e parar de falar abobrinha, e se engafeminino. O poeta. Termina em A e jar em algo que realmente fizesse a nao e feminino. A açao, depressao, diferença ao inves de ficar arruimpressao, ficçao. Todas as pala- mando pano pra manga pra discuvras que terminam em çao sao fe- tir coisas sem sentido." mininas, embora terminem com O. Vivian Cabrelli Mansano Eu estava explicando por que nao faz diferença nenhuma mudar a vogal tematica de substantivos e adjetivos pra ser "neutre".

Boa parte dos adjetivos da língua portuguesa podem ser tanto masculinos quanto femininos, independentemente da letra final: feliz, triste, alerta, inteligente, emocionante, livre, doente, especial, agradavel, etc. Terminar uma palavra com E nao faz com que ela seja neutra. A alface. Termina em E e e feminino. O elefante. Termina em E e e masculino. Como o genero em portugues e dePágina 29

Uma história çençaçional! Em 2005, a Camara de Foz do Iguaçu, no Parana, aprovou um projeto de lei para alterar o nome do município para ‘Foz do Iguassu’. A intençao era facilitar a propaganda turística da cidade aos falantes do ingles e do espanhol, línguas em que o cecedilha nao existe. O prefeito foi esperto. Fez uma consulta popular e, ao saber que 90% da populaçao eram contrarios, vetou a mudança. O curioso e que o ce cedilhado vem justamente da língua espanhola, mas que acabou o abandonando no seculo XVIII. Em portugues, no entanto, o Ç permaneceu em inumeras palavras portuguesas, a ponto de merecer uma tecla so para ele nos teclados de computadores PTBR. Ate o final do seculo XIX, um monte de gramaticos torciam o nariz para o amplo e indiscriminado uso desse sinal. O povo escrevia ‘çapato’, ‘çaguao’, ‘çargaço’, ‘çujo’ e ate ‘çigano’. Era uma bagunça! Os antigos estudiosos da língua reclamavam: “Para que usar Ç se o S cumpre bem o papel de representar o som /s/ (sibilante alveolar surda)?” Pois entao, ha quem se queixe disso ate hoje alegando que sua permanencia so complica a aprendizagem da língua. Taí o bololo entre ‘seçao/sessao’, ‘paço/ passo’ e ‘ruço/russo’ que nao me deixam mentir. A questao e que o, por muito tempo, S e Ç tinham sons diferentes, em portugues, espanhol, frances e catalao. O Ç equivalia ao som /ts/


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ou /dz/. A palavra ‘braço’, por matico portugues Duarte Nunes de exemplo, era lida /bratso/ e / Leao, na sua obra ‘Orthographia da Lingoa Portugueza’ (1576, p. 23), ja bradzo/. falava que as pessoas tinham dificulO símbolo surgiu no seculo XI. Dudade em diferenciar os sons /s/ e / rante a Idade Media, para represendz/ dos indígenas. Como disse o autar esse som, no Reino Visigodo (na tor, “era uma especie de Z”. península Iberica), era costume escrever um Z (parecido com este sím- Uma gramínea usada para cobrir as bolo: ʒ) com um pequeno sinal, pare- casas era falada ‘çape’, mas o ouvido cido com um C, colado acima. Com o pouco atento registrava ‘sape’. No tempo, o C ficou maior enquanto o Z final das contas, muitas localidades ficou reduzido ali abaixo, um Z pe- brasileiras tinham seus nomes escritos dos dois jeitos e cada uma adotou quenino. a grafia mais popular: Mogi Guassu/ Em espanhol antigo, o Z era chamado Guaçu (SP), Pirassununga/ ‘ceda’ (vindo do latim ‘zeta’). AdicioPiraçununga (SP), Quiçaman/ nando-lhe o sufixo diminutivo ‘-illa’, Quissaman (RJ) (atual Quissama), surgiu a palavra ‘cedilla’ (pequeno Mossoro/Moçoro (RN). Eis o início ze), que ficou ‘cedilha’ em portugues. daquele enrosco da cidade de Foz do So la pelos seculos XVI e XVII e que a Iguaçu. diferença na pronuncia de Ç e S desaReferencias: ‘Balança intellectual’, pareceu. Afinal, falar so /s/ e bem por Francisco de Pina de Sa e de mais facil. O ‘braço’ passou a ser proMello’ (1752), ‘Grammatica philonunciado /brasso/. Por isso, a Real sophica da lingua portuguesa’, por Academia Espanhola, no seculo XVIII, Jeronymo Soares Barboza (1822), e aboliu o Ç do espanhol e voltou a gra‘O que e a cedilha (ç)?’, por Bruno far Z na maioria dos casos. Hoje, os Vaiano, na revista espanhois escrevem ‘zapato, abrazo, ‘Superinteressante’ (jul. 2021). corazon, azucar’, todos com som /s/. Guilherme Moreira Em portugues, por força da tradiçao, __________________________________________________ o ce-cedilha permaneceu. O Ç havia tomado o lugar de muitas palavras latinas em que o som de TI era /tsi/ ou /si/. Assim, ‘justitia’ (pronunciado /iustítsia/ ou /justíssia/, dependendo do lugar) ficou ‘justiça’ e ‘orationem’ virou ‘oraçao’ – e assim mantivemos. As palavras de origem arabe tambem conservavam esse som e, portanto, eram grafadas com Ç, como açougue (‘as-suq’), açafrao (‘az-zafaran’), açude (‘as-sudd’) e taça (‘tasa’).

me de lesa-língua e se expoe a muitos perigos. Se fizessem a mesma coisa com as leis de transito ou com a Constituiçao, se ferrariam, sem poder alegar desconhecimento ou ignorancia. Escolas, publicas ou privadas, pagam os professores para que ensinem a norma culta aos alunos. E vírgula e ponto? A pessoa so os poe onde quer e se quer? Examinando onde poe ou onde deixa de por, os leitores tem o direito de perguntar: nao tinha outro lugar para enfia-las? Outros adoram fazer colocaçao sem sequer se acocorar. Mas o galinaceo a faz melhor e jamais em pe. Deonísio da Silva __________________________________________________

Rés-vés Campo de Ourique

“Res-ves Campo de Ourique” – e uma expressao utilizada quando surge a necessidade de expressar alguma proximidade, por exemplo “a agua chegou res-ves a Campo de Ourique”, que foi o que de facto aconteceu na manha do primeiro de Novembro de 1755, quando a onda gigantesca (tsunami) que sucedeu ao terramoto galgou terra e atingiu um dos pontos Pais e avós… mais altos da cidade, precisamente o Atençao, pais e avos: voces sabem o Campo de Ourique. que andam ensinando a seus filhos e No terramoto de 1755 que atingiu netos? Lisboa, os 35 arcos do Aqueduto soOs "alunu" ja "sabe" "fala" e "escreve" breviveram sem rachadura. Diz "os oto", "nois vai", "nois sabe", "nois quem sabe, que ficam situados na que" etc. junçao de duas placas do Cretacio Os "profe" que "axa" que assim "ta Superior, muito perto de uma falha serto" "faiz" o "k" na escola? E por sísmica, a de Campo de Ourique. Por que nao fizeram suas provas e teses isso, se diz tambem que quando alguna Língua Portuguesa que ensinam? ma coisa escapou por milagre “foi Ah, sim, porque pimenta no dos ou- resves, Campo de Ourique”.

Um som parecido era observado em muitos vocabulos tupis, o que nos Nota: Campo de Ourique e um bairro justifica o Ç em palavras como, açaí, tros e refresco. araça, babaçu, juçara e paçoca. O gra- Quem assim procede incorre em cri- localizado na cidade de Lisboa. Página 30


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OUTONO, uma forma de pensar a MOMENTOS, que poderiam ser de vida. Quando se atinge tres quartos de um seculo, a vida tem outros horizontes, outros prazeres, outros estados de alma. Os temas das conversas sao diferentes, as preocupaçoes sao outras, mas, e sobretudo, a experiencia e as liçoes da vida sao muito mais enriquecedoras e valorizadas.

CANASVIEIRAS — 270 anos, retrata a historia e as gentes que fundaram este distrito de Florianopolis/SC. Criado oficialmente a 15 de abril de 1835, o povoado ja existia desde os primordios da fundaçao do arraial Nossa Senhora do Desterro, em 1673, por Francisco Dias Velho. Recebeu um grande incremento populacional com a chegada dos primeiros açorianos em 1748. No tempo, o povoado estava integrado na freguesia de Santo Antonio de Lisboa desde 1750. O seu nome deriva da existencia na regiao de um grande canavial (cana -do-rei, ou simplesmente cana). Muitos escritores, particularmente Virgílio Varzea escreveram sobre Canasvieiras. Afonso Rocha da-nos, com este seu recente trabalho, um novo olhar e uma previsao futurista do balneario mais famoso de Floripa. Página 32

Foi isso que o autor quis testemunhar com este OUTONO—cronicas & arrufos, um conjunto de 75 narrativas—uma por cada ano, que tomam a forma de cronicas, contos, ensaios, reportagens. Umas mais longas, outas mais curtas; umas mais distantes, outras mais recentes, mas todas com endereço e nome. Sao testemunhos de vida e de estados de alma.

amargura, de tristeza, de sofrimento, mas tambem de alegria, de comemoraçao, de comemoraçao, mas, embora possam ser tudo isso, sao, sobretudo, MOMENTOS de poesia e de reflexao. Afonso Rocha mistura poesia com pensamentos de cariz fisiologico, mas sobretudo, de pensamentos refletivos tomados ao longo das vivencia do quotidiano.


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Sangue Lusitano e a historia do Rio Grande do Sul e de Santa Catarina, de suas vilas e cidades e de seus povos (indígenas, portugueses, negros e outros que se lhes juntaram posteriormente). Um livro a nao perder.

As mulheres, os homens, as crianças e os idosos; a comunidade LGBT; os negros, os índios, os ciganos, os imigrantes e todos os demais desprotegidos, sao perseguidos, violentados, agredidos e estuprados... Nesta obra intimista, Afonso Rocha passeia-se pela sua propria experiencia, mas tambem a de todos nos, como comunidade, para que se dinamize e reforce a forma de combater estas mazelas, estes crimes barbaros (a pedofilia, estupro), ja considerados como o holocausto do seculo XXI.

SANGUE LUSITANO, atraves de estorias imperdíveis, Afonso Rocha leva-nos ate 500 anos atras, quando os portugueses chegaram ao sul do Brasil, onde criaram família, cultivaram tradiçoes e culturas que viriam a “marcar” a cultura catarinense. Ao longo dos tempos Página 33

Trovas ao Vento, e uma coleta-

Olhos D’Água — Historias de um tempo sem tempo, relata-nos as vivencias do povo portugues entre 1946 e 1974 e a sua resistencia a ditadura e ao fascismo do regime salazarista de entao. Por outro lado, configura uma autobiografia do autor (Afonso Rocha) nas suas andanças pelo período escolar, pelo serviço militar; a guerra colonial em Africa; a emigraçao em França; a resistencia, ate a revoluçao dos cravos. Em 25 de abril de 1974. Um livro a nao perder, sobretudo para quem gosta de historia.

nea de poemas e outros pensares, enriquecida com o contributo de outros poetas convidados naturais do Brasil, Portugal, Cabo Verde, Moçambique, Angola e da Galiza, como expressao do pensar lusofono. Um encontro de expressoes diferentes, manifestadas pela língua comum que nos cimenta e faz pensar portugues.


Corrente d’ escrita

Número 37 - setembro 2020

I N É D I TOS n a a ma z o n . c o m

Casa dos Livros e da Leitura

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Corrente d’ escrita


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