Filipe Barboza
Marianense x Guarany Hist贸rias de rivalidade al茅m das quatro linhas
Marianense x Guarany Hist贸rias de rivalidade al茅m das quatro linhas
Filipe Barboza
Ficha técnica Pesquisa: Filipe Barboza Texto: Filipe Barboza Projeto gráfico e diagramação: Rafa Buscacio e Gabriela Ribeiro Professora-orientadora: Adriana Bravin
Dedico este trabalho Ă minha famĂlia, aos amigos, Ă turma 10.1 Jornalismo Ufop e aos amantes dos clubes Marianense e Guarany. A todos que, de alguma forma, foram importantes e estiveram presentes nessa caminhada.
Agradecimentos
Para que este trabalho pudesse ser concretizado, necessitei da contribuição de muitas pessoas. Agradeço às diretorias e aos funcionários do Marianense e do Guarany por confiarem no projeto; aos entrevistados: Alípio Evangelista Borges, Amadeu da Silva, Derly Pedro da Silva, Emílio Ibrahim, Felicio Timóteo dos Santos, Frederico Ozanan Teixeira Santos, Hebe Maria Rôla Santos, Israel Quirino, Jaime André Machado, João Luiz dos Santos, Marcílio Geraldo Vieira de Queiroz, Mário Rodrigues Rocha, Marlene de Souza Maia, Marly Moysés Silva Araújo, Moacir Eleutério, Rafael Arcanjo Santos e Raimundo Esidoro Maurício por contarem boas histórias (sem elas essa obra, simplesmente, não existiria); à Liga Esportiva de Mariana (Lema); à minha orientadora Adriana Bravin; à minha irmã jornalista Dayana Barboza e sua disponibilidade em sempre ajudar; aos meus pais que trilharam comigo esse caminho; aos amigos e colegas que torceram pelo sucesso do projeto e à Prefeitura de Mariana pelo apoio.
Prefácio Apresentação 1º tempo: Clubes políticos e sociais 2º tempo: Clubes de futebol Acréscimos: O fim da rivalidade dos clubes Rivalidade em imagens Referências
Sumรกrio 10 12 14 28 49 62 82
Prefรกcio
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Apresentação O livro-reportagem: “Marianense x Guarany: Histórias de rivalidade além das quatro linhas” tem como objetivo construir narrativas desses dois clubes de futebol de Mariana (MG) revelando as relações políticas, sociais e esportivas entre as duas instituições que movimentaram a cidade e os seus moradores em grande parte do século XX. A ideia de tratar dessas histórias pode ter surgido quando eu, ainda criança, por volta de nove ou dez anos, cismei em ser goleiro. Ao procurar um time para treinar, escolhi o Guarany simplesmente pelo fato do campo ser mais próximo da minha casa – no caso, menos longe – já que eu morava no Bairro Cartuxa, área periférica do município. Lembro-me que era sábado e eu tive que acordar bem cedo para o primeiro treino. Ao me aproximar do gramado, o pessoal que iria treinar comigo perguntava qual era o bairro em que eu morava, se eu era bom goleiro, onde havia comprado minha chuteira, entre outras questões utilizadas para aproximação. Mas, em meio ao bombardeio de interrogações, uma pergunta ficou marcada: “É você quem está vindo do Marianense?”. Na verdade não sei se as palavras foram exatamente essas. E isso nem interessa tanto, até porque, o que ficou realmente registrado em minha memória foi a expressão de desconforto no rosto do garoto que estava me questionando, além daquele silencioso clima de apreensão dos demais. Após os iniciais segundos desse tenebroso momento, tudo voltou ao normal quando esclareci ao grupo que eu não era o goleiro que estava vindo do Marianense, e que, provavelmente, eles deveriam estar me confundindo com outra pessoa que estava por chegar 12
ao time. Mas e se a minha resposta fosse “sim”? E se eu fosse esse goleiro? O que eles iriam dizer? O que iria acontecer? Naquele sábado não houve treino, pois na noite anterior a chuva havia castigado o campo e o técnico decidiu cancelar as atividades. Voltei para casa sem nenhuma grande defesa para me gabar com os amigos do bairro. Depois disso, não retornei mais aos treinos tentar ser goleiro, por pura preguiça de acordar cedo nos finais de semana. Mas foi naquele dia que senti um pouco do que representa a rivalidade entre Guarany e Marianense. Talvez isso tenha sido o pontapé inicial para chegar até as histórias que conto aqui sobre política, futebol e sociedade relacionadas a esses clubes. Em narrativas que vão além das quatro linhas. Para construir tudo isso, o trabalho se desenvolveu por meio de pesquisas documentais, bibliográficas e entrevistas em história oral, concomitantemente. Foram entrevistadas 17 fontes e testemunhas orais, entre ex-jogadores, dirigentes, sócios e moradores de Mariana que vivenciaram ou tomaram conhecimento de situações relacionadas às rixas entre as entidades; pesquisados diversos documentos entre fotos, jornais e artigos nas sedes dos clubes e nos próprios arquivos dos entrevistados; e coletados trabalhos acadêmicos que citam os clubes socioesportivos. “Marianense x Guarany: Histórias de rivalidade além das quatro linhas” é resultado de um minucioso trabalho de pesquisa em conjunto com as minhas decisões autorais. É um quebra-cabeça histórico, social e jornalístico que proponho montar. O resultado disso, você é convidado a acompanhar a partir de agora. 13
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Clubes polĂticos e sociais
Marianense X Guarany Histórias de rivalidade além das quatro linhas No início do século XX, a política de Mariana girava em torno do domínio da família republicana Freire de Andrade. Dois irmãos ditavam o jogo: o médico e professor Gomes Freire de Andrade e o advogado Augusto Freire de Andrade. Por desavenças internas, os dois companheiros políticos se separaram criando um racha denominado Direita e Esquerda. No período republicano, a Direita marianense apoiou a União Democrática Nacional (UDN) – força de raiz elitista, conservadora e contrária ao governo de Getúlio Vargas – enquanto o lado da Esquerda construiu laços com o Partido Social Democrata (PSD), facção mais ligada ao “populismo”. Mas a força da política local era tão viva na cidade que as pessoas assimilavam (e assimilam até hoje) melhor a ideia de que tal político representava o Partido da Direita ou da Esquerda do que, propriamente, a UDN, o PSD ou qualquer outra sigla. Entender essa divisão política é um processo complexo. As alcunhas não tinham ligação filosófica declarada para a classificação consensual sobre “ser de direita” ou “ser de esquerda”. Eram partidos de características próprias nos moldes das disputas municipais e com apoio de forças e interesses nacionais distintos. Não havia discussões comunistas ou neoliberais (os dois lados rechaçavam os ideias bolcheviques, por exemplo). A história da origem das nomenclaturas Direita e Esquerda não é clara. Entretanto, algumas pessoas afirmam que os nomes se deram da seguinte forma: na Câmara Municipal, o grupo de Gomes Freire se sentava à direita enquanto os correlacionados ao Augusto se posicionavam do lado oposto. Isso também se repetia nos momentos de entrada e saída do prédio em que cada um subia e descia as escadas correspondentes ao seu nicho político. Direita e Esquerda também chegaram a ter outros nomes, na verdade apelidos: Percevejo e Piolho, respectivamente. Isso porque, durante grande parte do século passado, Mariana foi 15
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uma cidade de poucos recursos financeiros e se isso refletia na baixa qualidade dos serviços públicos, como, por exemplo, a saúde. Por isso, não era rara a proliferação de insetos dentro do ambiente urbano, como os percevejos e os piolhos. Como eram constantes e asquerosos, não demorou muito para a criatividade humana associar os pequenos animais ao rival como método de demérito ao adversário. Havia, inclusive, uma música entoada pelos fanáticos da Direita, em certas festividades do município, como o Carnaval: Sai, piolho, sai, piolho, sai, piolho Isso aqui não é seu lugar. Sai, piolho, sai, piolho, sai, piolho Deixa a Banda da União passar. Os irmãos rivais, fundadores das duas facções partidárias, deixaram a cidade no início da década de 1930 para seguirem com as vidas políticas e profissionais na capital Belo Horizonte. Mesmo com a saída dos Freire de Andrade, Direita e Esquerda continuaram fortes, pois outros políticos tomaram as rédeas do poder. Na Direita, a liderança ficou com o advogado Octávio do Espírito Santo até a década de 1960, quando entraram em cena os irmãos Salim Mansur (João, Badih e Elias). Na Esquerda, com a saída de Augusto, o sucessor foi o também advogado Celso Arinos Motta, substituído por João Ramos Filho, nos anos de 1970. O chamado bipartidarismo reinou absoluto durante grande do século passado em Mariana. Um fato interessante: como frisado anteriormente, a economia de Mariana era pouco movimentada (1) e por isso, a prefeitura não tinha muita arrecadação. Há quem diga que ela era mais pobre que muitos comerciantes e famílias tradicionais da 1 Pelo menos até a instalação das grandes mineradoras por volta da década de 1970.
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Marianense X Guarany Histórias de rivalidade além das quatro linhas época. Mas se envolver com política tinha lá suas vantagens. Além de agregar status, eram os prefeitos quem nomeavam cargos importantes, como delegados de polícia, diretores de escolas, promotores e até juízes. Portanto, participar da política naquele momento não significava lucro financeiro em salários volumosos (ou em possíveis desvios de verbas), mas sim possuir voz e comando. Desse modo, quando a Direita assumia o governo, por exemplo, parte das famílias de Esquerda, simplesmente, não entrava mais na prefeitura, nem para cobrar serviços públicos, muito menos para pagar impostos. Estar no controle trazia o benefício do mando e do desmando na cidade (mesmo que com pouca grana). Não estar, trazia o malefício do isolamento. Mas o que tudo isso (Gomes Freire x Augusto Freire – Direita x Esquerda – UDN x PSD – Percevejo x Piolho) tem a ver com o futebol e, mais especificamente, com a rivalidade entre Marianense e Guarany? É que a cidade de Mariana se desenvolveu a partir desse antagonismo partidário. E isso inclui a criação das instituições culturais, sociais e esportivas, como é o caso dos clubes. A grosso modo, durante parte considerável do século passado, a Direita se caracterizou por ser um grupo de elite, predominantemente composto por pessoas brancas, que defendia propostas a respeito de projetos estruturantes da parte central da cidade, como a criação de bancos, casas de saúde, escolas e o desenvolvimento do comércio. O partido da Direita também adotava a bandeira da preservação dos patrimônios históricos. A Esquerda já atingia as classes menos favorecidas de Mariana, muitas delas residentes nas áreas periféricas ou nos distritos. Desse modo, os planos governistas da Esquerda eram mais ligados à criação de empregos e doação de lotes, construção de novos bairros, além das ações assistencialistas, como a distribuição de cestas básicas ou a abertura 17
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das “Casas da Sopa”. Apesar das diferenças, os dois partidos também trabalhavam em ações semelhantes, principalmente, no desenvolvimento sociocultural do município. Dr. Gomes Freire, por exemplo, fundou a Banda União XV de Novembro, em 1901. Anos mais tarde, surge a Banda São José – associação musical que rivalizava com a União. Reza a lenda que, ao término de eventos religiosos como as procissões, as bandas se posicionavam em frente à Igreja da Sé para disputas musicais. A cada dobrado, marcha, peça de harmonia, valsa ou demais canção tocada por um grupo, o outro tentava responder de forma superior. Muitas vezes, o encontro só era interrompido tarde da noite pelo vigário, delegado ou juiz de paz. Ninguém queria sair da rua antes do rival. Entre outras ações ligadas à vida social de Mariana, no dia 17 de junho de 1912, o Marianense Futebol Clube é criado (clube pioneiro). Em 14 de julho de 1925 é a vez do Guarany Futebol Clube(2) nascer, em oposição ao primeiro time. Ambas as fundações contaram com apoios de cunho político. Apesar das atas não terem sido encontradas nos trabalhos de pesquisa efetuados nas sedes das instituições, muitos sócios e ex-jogadores credenciam a participação do direitista Gomes Freire ao surgimento do Marianense e do esquerdista Celso Arinos Motta ao Guarany. E esse apoio das lideranças era fundamental para o crescimento das facções municipais e, inclusive, dos próprios partidos nacionais, pois os clubes acabavam se tornando espaços para os conchavos em níveis local, estadual e federal. Não era raro, por exemplo, um deputado estadual da UDN visitar as 2 A escolha do nome Guarany representa, para alguns, a tentativa de explicar o antagonismo local através da famosa rivalidade entre índio e branco (o Marianense era considerado um time de brancos). Para outros, o nome surgiu para reforçar a identidade nacional naquele momento, já que o índio é considerado um personagem “nativo” do Brasil. Há também quem afirma que o nome Guarany é uma homenagem à capacidade de luta e de organização em grupo dos índios, características que os fundadores queriam para o time.
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Marianense X Guarany Histórias de rivalidade além das quatro linhas dependências do Marianense em época de campanha, assim como acontecia do lado oposto, em que políticos do PSD reuniam com sócios, jogadores e simpatizantes do Guarany em busca de votos (3) .
Exclusão socioesportiva Além do futebol (as narrativas dentro de campo serão contadas no próximo capítulo), os clubes desenvolviam diversas atividades sociais. A Mariana do início do século passado era um lugar pacato e desprovido de grandes eventos. Só para se ter ideia, a população da década de 1920 girava em torno de cinco mil habitantes. As principais atividades econômicas da região correspondiam a empresa de extração de bauxita Eletro Química Brasileira S.A., localizada em Ouro Preto, mas que empregava muitos cidadãos marianenses; a Fabrica de Tecidos São José S.A., instalada no final dos anos 1930 nas margens do Ribeirão do Carmo; a Companhia mineradora Mina da Passagem; a atividade agropecuária oriunda dos distritos; e ao comércio local, que envolvia farmácias, sapatarias, alfaiatarias entre outras variedades de serviços. Como as opções de lazer eram escassas na pequena cidade, Marianense e Guarany ditavam a moda socialmente. Eram nas sedes das instituições que ocorriam as paqueras, os beijos às escondidas, as reuniões políticas, as relações familiares... As entidades promoviam bailes nas noites de sábado, horas dançantes ao som de LPs, concursos de beleza, salão de jogos, festas juninas, comemorações de 7 de Setembro, Réveillon e até Carnaval. Vale ressaltar que as sedes dos dois clubes nem 3 No período da ditadura militar, os apoios municipais se dividiram entre Arena 1 (Esquerda) e Arena 2 (Direita). Mais detalhes dessa história no subtítulo “O Pluripartidarismo” do capítulo 3.
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sempre foram próprias, desse modo, muitas vezes os eventos ocorriam em casarões alugados ou emprestados por algum sócio mais abastado. Uma coisa era certa: os clubes movimentavam e conferiam status à comunidade local. Se você não era de nenhum dos dois lados, certamente se sentiria excluído. Agora, caso escolhesse (ou fosse escolhido) para participar de alguma das duas alas, frequentar o terreno adversário estava, automaticamente, fora de cogitação. Assim como também era indigesto ser vizinho do rival (os mais fanáticos só alugavam casa para morar depois de conferir qual era o time dos moradores mais próximos). Como o antagonismo era implacável, o cidadão de Mariana que não tomava partido corria o risco de sofrer dobrado. Isso aconteceu, por exemplo, com o advogado Derly Pedro da Silva, 70 anos. Ele conta que na época de adolescente, por volta da década de 1950, quando ainda exibia uma postura política e clubística neutra, chegou a ser expulso das duas instituições. Eu era rapazinho e fui à sede do Guarany. Cheguei lá e o pessoal falou: “O que você está fazendo aqui? Você não é Guarany!”. Eu saí e disse: “Já que vocês não me querem aqui, vou embora, vou para o outro lado”. Então, cheguei no Marianense e o pessoal falou: “O que você está fazendo aqui? Eu te vi lá no Guarany!”. Já para os moradores que declaravam abertamente qual instituição seguiam, frequentar o lado inimigo, mesmo em eventos particulares, era sinônimo de confusão. O ex-jogador do Marianense e atual presidente da Banda União XV de Novembro, Amadeu da Silva, relembra uma história de expulsão. A minha esposa foi convidada para ser madrinha de um casamento de uma moça que frequentava o Guarany, em 1953. A recepção ocorreu na sede do clube que ficava onde hoje funciona a pousada Solar dos Corrêa, na Rua Direita. Na época, eu ainda namorava com a minha mulher e resolvi acompanhá-la. Rolou salgadinhos, conjunto musical tocando e eu 20
Marianense X Guarany Histórias de rivalidade além das quatro linhas fiquei dançando tranquilamente. Aí, de repente, um rapaz do Guarany bateu nas minhas costas e me chamou de canto. Era para eu descer a escada, pois eu não podia ficar lá. Ali não era lugar de gente do Marianense. Eu não respondi nada, podia meter a mão na cara dele, mas não queria isso. Acontece que um homem da diretoria do Guarany chamado Zé Vieira percebeu aquele movimento e foi ver o que se tratava. Ele disse: “O que está acontecendo, Amadeu?”. Eu falei: “É que eu fui convidado para a recepção do casamento, vim com a minha namorada e esse homem está aqui falando para eu descer a escada”. O Zé deu um sopapo no rapaz, me puxou, chamou a namorada dele, que era irmã da noiva, e disse para nós dois dançarmos. Mas, quando terminei de dançar ali, fiquei sem jeito de continuar com a vergonha que passei. Aí falei com minha namorada, nós descemos e fomos embora da sede do Guarany . Apesar dos exemplos de hostilidade, uma história destoa dessas narradas. A pedagoga Marly Moysés Silva Araújo, 74 anos, revela um fato marcante de sua juventude: ela e algumas amigas, frequentadoras do Marianense, decidiram se aventura em terras desconhecidas. Uma vez eu e três amigas entramos na sede do Guarany. A gente não tinha nem 15 anos ainda e fomos a um baile de sábado. Fomos recebidas com toda delicadeza, mas todos ficaram espantados: “Elas entraram aí”. Quando saímos de lá, todo mundo já sabia. Nossos pais questionaram: “Quem mandou vocês fazerem isso?”, pois era um antagonismo que não podia misturar, entendeu? Hoje eu vejo com outros olhos, mas, naquela época, era pintado para gente assim: “Vocês não podem se misturar”. Era um preconceito horroroso. Então, nós tínhamos medo, porque achávamos que se entrasse lá, alguma coisa muito negativa iria acontecer e a gente iria ficar apavorada para o resto da vida. Mas não teve nada disso. Eles foram cordiais, carinhosos e ficaram muito felizes com a nossa presença. Então a gente ficou encantada. Foi uma aventura, porque adolescente é curioso mesmo, né? Como frisado por Marly, se misturar era ação rechaçada na cidade. Isso também acontecia fora dos clubes, como nas praças públicas, por exemplo. O espaço que hoje se chama Praça 21
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Gomes Freire e é conhecido, popularmente, como “Jardim”, no início do século XX já desenhava rachas socioculturais, assim como faziam Marianense e Guarany. No “footing”, caminhada em que moças e rapazes aproveitavam para flertar, ocorriam divisões da seguinte maneira: na parte de baixo da praça andavam os jovens brancos; na parte de cima circulavam os negros. Ainda a respeito do racismo, outros casos chamam a atenção, como a proibição de entrada de negros nas festividades do Marianense. Durante os primeiros anos de existência da entidade, “gente de pele escura” não podia pisar dentro da sede do clube elitista. Com o passar do tempo, a exclusão deixou de existir de forma tão declarada, mas ainda sim, havia resquícios e situações de discriminação. Fato é que jogadores de futebol e demais convidados de cor negra ou parda não se sentiam à vontade nos eventos sociais do clube. É o que revela o ex-meio de campo do Marianense, Raimundo Cauby, 74 anos, (mais detalhes sobre o jogador no capítulo seguinte). Ele conta que certa vez a sua irmã sofreu racismo ao tentar entrar em um baile no Marianense: Eu sofria, minha irmã sofreu e larguei o clube por causa disso. O presidente da época chamou minha irmã de preta. Ela falou isso comigo e achei ruim. Não falei nada, só não voltei mais para jogar no time. Porque no Marianense tinha esse negócio: se você era branco, tinha vez. Se não fosse, não tinha. Eles não me tratavam bem lá dentro, eu já entrava um pouco desfeito, aí cismei e disse: “Quer saber de uma coisa, vou deixar isso de lado”. Saí de lá e fui jogar no Guarany e depois no Olimpic. Contudo, a história revela uma exceção chamada Sabu. De todos os jogadores negros do Marianense, Sabu parecia ser o único bem-vindo à sede. O motivo seria a elegância do esportista fora de campo. Sempre vestido de terno de linho e muito bem perfumado, o “negro bom de bola” era também considerado um ótimo dançarino, fama que lhe trazia sucesso, 22
Marianense X Guarany Histórias de rivalidade além das quatro linhas principalmente, com as madames. Já no Guarany, não havia aceitação completa dos pobres, mesmo o clube sendo considerado um representante das pessoas de menor poder aquisitivo. De fato, o alviverde era uma instituição de característica mais popular, principalmente, se comparado ao arquirrival. Entretanto, suas lideranças eram compostas, em maioria, por pessoas de certa ascensão e status. Sendo assim, os mais desprovidos e parte considerável dos negros residentes em Mariana não se sentiam representados por nenhuma das grandes forças antagônicas socioesportivas da cidade, o que favoreceu o surgimento de outros clubes, como o Olimpic Sport Club (terceira força do futebol de Mariana), fundado em 1938, e outra entidade, apenas social, chamada Maracatu. Esta realizava nos carnavais do município um animado bloco que despertava a curiosidade e o interesse de pessoas de outras classes. Mas essas serão histórias reveladas a seguir.
Disputas de folia Dentro do aspecto social, as narrativas que mais evidenciam a dualidade entre Marianense e Guarany estão presentes nos carnavais. As atividades dos dois clubes fizeram parte das principais atrações da cidade, durante cerca de quatro décadas (tiveram maior força por volta dos anos 1930 até o decênio de 1960), e eram compostas por desfiles de blocos nas ruas, com a presença de carros alegóricos, e bailes nas sedes. Geralmente, os eventos aconteciam nos três últimos dias de folia. Os desfiles ocorriam sempre no fim da tarde e, posteriormente, se realizavam as festas dentro das entidades. Além da apresentação principal que envolvia os carros alegóricos, outras atrações enchiam a programação dos clubes, como ma23
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tinês, concursos de fantasia e blocos temáticos voltados aos homens, às mulheres e às crianças associadas. No Marianense, por exemplo, existia o Bloco do Jardim da Infância em que a meninada saia cantando: Nós já sabemos soletrar o B-A-BA Um B com A faz BA-BA Nós já sabemos fazer conta de somar De dividir e de multiplicar Agora só nos resta aprender A conjugar o verbo amar. Para chegar aos animados dias de festança e poder jogar confetes e serpentinas nos outros, dançar, beber, cantar marchinhas ou, até mesmo, usar o famoso lança-perfume (entorpecente muito comum nos Carnavais do século passado), as pessoas precisavam se organizar meses antes. Como não havia muitos recursos financeiros da prefeitura, eram os próprios moradores que montavam e enfeitavam as atrações e as demais brincadeiras. No caso do Marianense e do Guarany, isso ficava, obviamente, por conta de associados e simpatizantes. Na base da cooperação, surgiam dinheiro e mão de obra para a folia. No clube rubro-negro tudo era mais sofisticado. A elite gastava muito para conseguir montar o bloco mais bonito da cidade. O destaque ficava com o artista-carpinteiro José Mesquita e o seu braço-direito Fabinho. Enquanto um cuidava mais da construção dos carros, o outro caprichava nas pinturas. Durante cerca de três meses, tudo acontecia de forma sigilosa na carpintaria de Zé Mesquita para que o Guarany não descobrisse a temática do Carnaval adversário. Um dos diferenciais do Marianense em relação ao Guarany é que, além de possuir maior investimento na infraestrutura, os carnavalescos apostavam em temas criativos, como quando o 24
Marianense X Guarany Histórias de rivalidade além das quatro linhas bloco elaborou dirigíveis espaciais, homenageou o russo Yuri Gagarin e até construiu um carro em alusão ao Sputnik. O Carnaval alviverde era mais simples, mas não menos trabalhoso. Duas famílias se responsabilizavam pelos enfeites e ornamentação do bloco: Souza e Figueiredo. Apesar de ter sido considerado um bloco de posição menos elevada em relação a investimentos financeiros, o Guarany fazia de tudo para se equiparar ao rival (ou até mesmo superá-lo). É o que conta o professor Rafael Arcanjo Santos, 66 anos, através de lembranças da sua infância: Obviamente, o Marianense era um clube mais sofisticado, então fazia aqueles carros alegóricos maravilhosos, lindos. Também o Guarany fazia carros muito bonitos, lindos mesmo, mas inferiores, de certa forma. Eu me lembro, era ainda muito criança, devia ter uns dez anos aproximadamente, que ambos os clubes estavam se preparando para sair com o bloco de Carnaval e o Guarany estava concentrado lá na praça Getúlio Vargas. Ia ficar, realmente, um desfile maravilhoso do Guarany. Ia suplantar, sem dúvida alguma, os carros alegóricos do Marianense também. Infelizmente caiu um chuvão tão grande que estragou tudo. Além das duas grandes entidades socioesportistas, outras importantes manifestações culturais surgiram em Mariana ao longo do século. No carnaval, existia o Zé Pereira da Chácara, tradicional bloco de catitões; o já comentado Maracatu, clube social de característica enraizada na cultura negra que funcionou pouco mais de duas décadas na Rua Frei Durão; e o Bloco Vem Quem Quer, instituição voltada aos pobres que se desenvolveu quando o Maracatu estava entrando em declínio. Resumidamente, o Vem Quem Quer era promovido pela prefeitura e acontecia no Cine-Teatro Municipal (onde hoje funciona o Sesi-Mariana). Na prática, as cadeiras do cine eram recolhidas para abrir espaço para o baile (sempre regido ao som de animadas orquestras). Para participar dos grupos carnavalescos voltados às pes25
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soas de menor poder aquisitivo, não era cobrado ingresso, mensalidade de associado, status ou boa vestimenta (diferentemente do que acontecia no Marianense e no Guarany). Desse modo, a segregação acontecia apenas contra os mais humildes, pois não era raro ver chefes de famílias tradicionais caindo no samba do Maracatu ou enchendo a cara nas festanças do Vem Quem Quer. Outro fato curioso é que os clubes voltados aos pobres contribuíam para os encontros dos casais oriundos das forças antagônicas do município. Sendo assim, a moça da Direita conseguia achar o rapaz da Esquerda no meio da folia do povo. Obviamente, todas essas ações eram feitas de forma discreta para que os pais não tomassem conhecimento. Assim como eram conturbados os cruzamentos entre os rivais na política e no futebol, dentro do carnaval isso funcionava de forma semelhante. Os blocos tinham que sair em horários distintos, pois, caso houvesse encontro, a guerra de serpentinas e confetes se transformava rapidamente em combates de socos e pontapés. Foi o que aconteceu em uma folia da década de 1950, quando o jogador de futebol Willian (um dos maiores zagueiros da história do Cruzeiro e do Atlético Mineiro) saiu no tapa com foliões do Bloco do Guarany. Willian, que era forte, galã e briguento, desfilava tranquilamente em um carro do Marianense próximo à Praça Gomes Freire, quando surgiu o grupo alviverde em sentido oposto e o tumulto se instaurou. No embate dos dois blocos, começaram as trocas de insulto, até que alguém do Guarany resolveu provocar o jogador e a situação ficou crítica. Sem hesitar, o zagueirão, que tinha família ligada ao Marianense, pulou para o carro adversário e saiu no pescoção com o provocador. Fora as brigas dos encontros entre os integrantes dos blocos, mandos e desmandos políticos também aconteciam para prejudicar o desfile do rival. O mais marcante aconteceu no 26
Marianense X Guarany Histórias de rivalidade além das quatro linhas governo de Josafá Macedo (1934-1943). O Marianense havia construído um carro em forma de um grande avião para sair no carnaval. Pessoas da Esquerda espalharam ao delegado da cidade que na frente desse avião existia um dente de paca. Segundo os delatores, este objeto seria uma provocação ao pai do delegado que, por possuir dentes de ouro, recebia o apelido de “Dente de Paca”. O chefe da polícia se ofendeu e imediatamente proibiu a saída do avião. Ao saber da proibição, o então prefeito, que era da Esquerda assim como o delegado, pediu para ver o carro alegórico censurado. Josafá se espantou com a beleza do trabalho e autorizou a saída, passando por cima da decisão anterior. Reza a lenda que depois dessa medida, a relação entre o prefeito e a Esquerda se estremeceu até ele se desligar completamente do partido e sair da cidade. A título de curiosidade, os tradicionais blocos de Carnaval do Marianense e do Guarany, a partir dos anos de 1980, começaram a ser trocados pelas escolas de samba com apoio da prefeitura. Um dos objetivos para a criação dessa nova forma de pular Carnaval era promover ações nas praças públicas e, assim, abolir de vez as folias dentro dos clubes, já que a cidade vivia naquele momento um período de crescimento habitacional e não havia espaços fechados suficientes para abrigar tanta gente. Os clubes também enfrentavam crises financeiras, o que impedia grandes investimentos na folia.
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Clubes de futebol
Marianense X Guarany Histórias de rivalidade além das quatro linhas No “jogo” deste livro, os clubes só entram em campo no segundo tempo, ou melhor, no segundo capítulo. Atrasos à parte, as histórias entre Marianense e Guarany revelam partidas marcantes de muita rivalidade e desvendam também situações curiosas, como disputas ferrenhas mesmo sem a ocorrência de jogos entre os dois oponentes. Não se sabe ao certo qual foi o primeiro encontro entre as duas equipes, dúvida refletida na falta de dados e arquivos organizados sobre jogos de futebol já realizados em Mariana e região. Há quem diga que os clubes duelaram, pela primeira vez, no primeiro campeonato municipal da cidade, em 1938, em um jogo que resultou em um empate de 2x2 no campo do Marianense, com gols de Euclides Pimenta e Chico Motta (Guarany) e dois tentos de Benedito de Horácio (Marianense). Não há muitas informações sobre o andamento desse torneio. Ele foi encurtado, terminando antes da realização do segundo turno por desavenças entre os dirigentes dos clubes organizadores. O Guarany se considera o campeão de 38 por ser o time com maior pontuação antes do fim prematuro do campeonato. Há outros vestígios de possíveis duelos entre Marianense e Guarany registrados em veículos impressos. O jornal “O Cruzeiro”, o “Órgão Official da União de Moços Cathólicos” de Mariana relata, na edição do dia 2 de julho de 1933, a fundação da “Liga Ouropretana de Foot-ball”. Em comemoração à instituição, foi realizado o torneio “Initium da Liga” com os clubes: Mineiro, Torpedo e Athletico Ouropretano (equipes de Ouro Preto), União Passagense (time do distrito de Passagem de Mariana), Guarany e Marianense. Nesse campeonato, disputado na cidade de Ouro Preto, o União Passagense sagrou-se campeão, seguido do Marianense. O Guarany chegou em quarto lugar. O jornal não explica o formato daquela competição, por esse motivo não dá para afirmar que tenha 29
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ocorrido o clássico, em 33. Mas é um indício que as equipes podiam se encontrar com certa frequência nesses torneios de tiro curto, comuns no início do século XX (as partidas tinham a duração de meia hora, 15 minutos cada tempo, e, na maioria das vezes, todos os times jogavam entre si no mesmo dia). Antes disso, na capa da edição número um do jornal institucional “O Guarany”, de 1931, Zéba, “o guapo guarda-vallas” (goleiro) do Guarany daquela época, afirma na reportagem “Vida esportiva dos nossos” que um dos jogos mais importantes da sua carreira foi o clássico vencido por 6x1 contra o Marianense (ele só não cita o ano nem o campeonato em que essa goleada aconteceu). Em contrapartida, em relação à ocorrência de possíveis jogos entre as agremiações de maior rivalidade de Mariana, em 1928, o jornal “O Mariannense Foot-ball Club”, edição comemorativa do 16º aniversário do clube, já demonstrava as dificuldades de se fazer duelos entre as associações esportivas. Segundo o impresso, a extensa programação do clube aniversariante contou com apresentações musicais da banda União XV de Novembro, missa em ação de graças na Igreja do Carmo comandada por Cônego Braga, visita aos túmulos de sócio-fundadores, como Luiz Almeida, José de Oliveira, Raul de Pádua Coelho, Antonio Guimarães e José de Souza Novaes, sessão solene na Câmara Municipal, com o Presidente Augusto Gomes Freire de Andrade (filho de Gomes Freire de Andrade, criador da Direita de Mariana e sobrinho de Augusto Freire de Andrade, fundador da Esquerda) e disputa de um torneio de futebol denominado Taça Áurea. Representantes dos clubes de futebol Rosarense, Sociedade Operária, Gymnasiano, Syrio Libanez e Guarany também estiveram presentes no evento e leram ofícios em homenagem ao rubro-negro que acabara de completar mais uma primavera. Apesar das aparentes cortesias entre os clubes ocorridas na 30
Marianense X Guarany Histórias de rivalidade além das quatro linhas Câmara, no campo desportivo o jornal não deixou de cutucar o rival Guarany. Na verdade, quem cutucou foi o capitão do “team” Marianense daquele ano, Antonio Marques da Silva. O jogador explica que estava acordada uma partida entre Guarany e Marianense para a disputa da Taça Áurea. Em artigo de sua autoria, o craque afirma que os ONZE jogadores do Marianense (utiliza o termo onze em maiúsculo mesmo) desejavam esse “espetáculo inédito, nos annaes do sport de nossa terra”, mas que o “valente collega” Guarany desistiu da “lucta”. Três coisas chamam a atenção no texto do capitão rubro-negro: a não-explicação do motivo de desistência do adversário, a utilização do termo valente – que soa mais como provocação do que como qualquer outra coisa – e a frase espetáculo inédito nos annaes do sport de nossa terra, que pode nos fazer deduzir: até 1928, Marianense e Guarany ainda não tinham se enfrentado em campo. Para que o torneio não fosse cancelado, o Gymnasiano, time composto por estudantes do “Gymnasio Municipal Archidiocesano”, jogou no lugar do Guarany, perdeu por 8x0 e a Taça Áurea ficou com o dono da festa, o Marianense.
1944: o campeão sem taça Todos os fatos, pistas e peças do quebra-cabeça que narram as primeiras histórias de rivalidades futebolísticas entre Marianense e Guarany se tornam menores quando se fala do jogo de 1944. Partida que, de tanta polêmica, certamente fez as memórias dos amantes dos dois times se esquecerem um pouco dos encontros anteriores a essa data. Para muitos, 44 foi o primeiro embate de verdade entre rubro-negros e alviverdes. O campeonato municipal daquele ano representou a retomada de uma organização desportiva. Desde os desentendimentos 31
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de dirigentes em 1938 (com o término precoce do campeonato da cidade), Mariana não realizava um torneio de futebol. Estava passando da hora de os times reorganizarem a competição e, de preferência, terminá-la sem interrupções ou brigas. Em 44 ainda não existia a Liga Esportiva de Mariana (Lema) - seria fundada 22 anos depois -, mas os dirigentes dos clubes resolviam suas antigas pendências dentro da Liga de Desportos de Mariana, entidade que funcionava próxima à Praça Gomes Freire (Jardim) e tinha como objetivo reaproximar os clubes da cidade. Ficou definido que o campeonato seria disputado ao longo do ano, em turno e returno. Todos os times se enfrentariam. O que acumulasse mais pontos iria se sagrar campeão, modelo de disputa próximo ao que hoje é utilizado no Campeonato Brasileiro de futebol: o famoso torneio de “pontos corridos”. As equipes participantes da competição de 1944 eram: Esporte Clube 29 de Junho, União Passagense, Bandeirante, Olimpic, Marianense e Guarany. O time alviverde jogou a maior parte do torneio com os craques: Chico Tutu, Eliseu e Jaime; Durval, Emílio Ibrahim e Periquito; Bias, Wilson, Zé Vaca, Cici e Carlyle. O rubro-negro era composto por: Chico Rapadura, Benedito Alves e Jorge; Neneco, Itagiba e Bida; Tim, Nonô Marques, Zizi Sapateiro, Marcos e Canhoto. O jogo de ida, ocorrido nas dependências do Marianense, terminou em 0x0 sem grandes polêmicas. O campeonato foi se afunilando com o Guarany na liderança e o Marianense logo atrás. A partida de volta, no campo do Guarany que naquela época se chamava Estádio dos Eucaliptos, aconteceu no domingo, 10 de setembro, precisamente às 15h. Caso vencesse, o time da casa se tornaria campeão invicto. A chance dos torcedores alviverdes gritarem “é campeão!!!” na frente do adversário, fez com que aquele jogo se tornasse uma espécie de final para um campeonato de modelo “pontos 32
Marianense X Guarany Histórias de rivalidade além das quatro linhas corridos”. Por isso o clima de rivalidade na cidade, sempre pesado, naquele dia estava fervendo. Era como se todos destinassem a tarde para acompanhar o clássico. Foguetes, como de praxe, não paravam de ser soltos (quem mora atualmente em Mariana sabe como o foguetório se faz presente, mas agora relacionado a outro clássico: Cruzeiro e Atlético Mineiro). Sem contar que, semanas antes, as equipes estavam usando artimanhas para que espiões não vissem como eram as preparações das jogadas e escalações. O plano das comissões técnicas era de cobrir as laterais dos campos com cobertores estendidos em varais, pois nos estádios da época não havia muros, alambrados ou grandes portões. Sendo assim, um possível oponente curioso seria atrapalhado por uma muralha de cobertas ao adentrar na região de treino do rival. Para acompanhar o jogo daquela tarde de domingo, parte da torcida do Marianense subiu ao morro do Seminário Menor, onde hoje funciona o Instituto de Ciências Humanas e Sociais (ICHS) da Universidade Federal de Ouro Preto (Ufop). Os torcedores do Guarany fizeram o mesmo no jogo de ida, mas lá eles subiam a região do Galego, morro localizado nas proximidades do campo do Marianense. A ideia de ambas as partes era a de não pisar no terreno inimigo. E a cidade de Mariana contribuía para a ocorrência desse “apartheid” futebolístico, tanto na geografia, com a abundância de morros próximos aos campos, quanto na ocupação territorial, por naquele período ainda existir muitos terrenos baldios. Enquanto uns subiam morros para evitar pisar no terreno rival, outros faziam questão de estar colados ao campo. O Marianense marcava presença no Estádio dos Eucaliptos, do Guarany, com sua torcida feminina. Todas as mulheres se vestiam com as cores do clube e carregaram grandes sombrinhas. Mas, apesar de elegantes, elas não deixavam de gritar e provocar o rival, prova de que o futebol é coisa de mulher há muito 33
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tempo. Além de ser o primeiro time fundado em Mariana, o Marianense foi pioneiro em relação à torcida de mulheres. Para aquela época, levar as moças aos campos era uma revolução de comportamento, um grande tabu a ser quebrado, mesmo elas ficando em uma área mais distante dos homens. A ligação das torcedoras com o rubro-negro era tão forte que está até versada em trechos do próprio hino do clube, adotado em 29 de setembro de 1928, com letra de Lourenço de Oliveira e música de Jorge da Silva: Das ‘torcedoras’ o incontável bando, de applausos grandes o teu nome cobre, porque, na liça, quando estás luctando, és forte e bravo e generoso e nobre!. A torcida do Guarany, em maior número naquela tarde por jogar em casa, era composta por pessoas mais simples. E que isso não soe como um desmerecimento, até porque o clube sempre se orgulhou de ser mais popular, guerreiro e fanático que o rival (característica também exacerbada por torcidas “populares”, como as do Flamengo e do Corinthians, contra os oponentes mais “elitizados”, como Fluminense e São Paulo). Tanto é que em seu hino oficial, composto por Alfredo Peixoto de Moraes e musicado por Lincoln Gomes, as palavras da primeira estrofe deixam claro o que representa ser Guarany: De um povo forte e audaz, de encantos cheio O seu viver de luta é glória e amor, Desse povo guerreiro é que te veio O nome que tu ostentas com valor. Ainda por parte do Guarany, o destaque da agitação do 34
Marianense X Guarany Histórias de rivalidade além das quatro linhas lado de fora do campo ficava mais forte com o tradicional grito: “G-U-A-R-A-N-Y, Irajá, Guarany, Guarany, Guarany!”. Os torcedores do time alviverde sempre foram considerados apaixonados, como Mestre Luiz de Pinho, famoso pelos seus rituais pró-vitórias. Luiz de Pinho, que é considerado uns dos fundadores do Guarany, comia apenas couve e angu em dia de jogo, desprezando as outras delícias da mesa. Sua justificativa era que os dois alimentos dariam sorte, pois representavam as cores oficiais do seu time de coração: verde e amarelo. Não se sabe se Luiz de Pinho acompanhou a partida de 1944, mas se estivesse lá, certamente o cardápio de domingo seria em verde e amarelo. Você pode questionar: “Mas o Guarany não é alviverde (branco e verde)?” Para entender essa confusão colorida, vale uma breve explicação antes de retornarmos ao jogo de 1944. Em 1925, as cores para vestir o time do Guarany foram definidas em verde e amarelo, reforçando, assim, o patriotismo dos fundadores. Entretanto, segundo o jornal “O Guarany”, de 14 de julho de 1987, após o fim da Segunda Guerra Mundial, em 1945, um decreto do presidente Getúlio Vargas proibiu a utilização dessas tonalidades nos uniformes dos clubes desportivos de todo o Brasil. Essa versão é questionável, pois Getúlio sempre foi conhecido pelo seu esforço na criação da identidade nacionalista, desse modo, seria um tiro no próprio pé proibir a utilização das cores brasileiras. Vale lembrar também que o decreto famoso de Getúlio ocorreu antes, em 1942 (durante a Segunda Guerra Mundial), com a proibição do uso de nomes relacionados aos países do Eixo (Alemanha, Itália e Japão) em diversas instituições. O que fez, por exemplo, o Palestra Itália da cidade de São Paulo se chamar Sociedade Esportiva Palmeiras e o Palestra Itália de Belo Horizonte se transformar em Cruzeiro Esporte Clube. A versão mais coerente para a mudança de cor do unifor35
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me do Guarany tem a ver com a Seleção Brasileira de futebol. A camisa branca com detalhes em azul foi usada pelo Brasil nas Copas de 1930, 1938 e 1950, sendo este último ano o campeonato da marcante derrota da Seleção para o Uruguai, em pleno Maracanã. A decepção pela perda do título para os vizinhos sul-americanos fez com que o jornal “Correio da Manhã”, com aval da Confederação Brasileira de Desportos (CBD), criasse um concurso, em 1953, para a nova vestimenta do Brasil. Vencido pelo desenhista gaúcho, Aldyr Schlle, de apenas 19 anos, o concurso promoveu o novo uniforme, usado até os dias de hoje: camisa amarela, calção azul e meias brancas. Algumas pessoas próximas ao Guarany, como o ex-jogador e ex-presidente do clube, Mário Rocha, 70 anos, acreditam que com essa escolha em verde e amarelo, os times de mesma tonalidade foram obrigados pela CBD a repensarem suas vestimentas, já que a Seleção possuía uma nova identidade e esta deveria ser só dela. Hora de retornar à tarde de 10 de setembro de 1944, quando o Guarany ainda auriverde (ao invés de alviverde) enfrentava o Marianense diante de uma tremenda festa das duas torcidas no Campo dos Eucaliptos. Não há registros que possam ilustrar o desenvolvimento da partida, como a súmula do jogo ou a crônica de um jornal. Sendo assim, é difícil cravar em qual minuto a bola foi cruzada ou em qual lance o juiz apitou falta. Mas o resultado final do duelo marcou a memória de muita gente: 4x1 para o time da casa, fora o baile. Hoje os torcedores do Guarany (que estavam ou não acompanhando a partida daquele dia) falam do placar com um sorriso no rosto, enquanto os do Marianense trazem um olhar vazio. Os gols foram marcados por Zé Vaca, Cici e Wilson (dois). O tento de honra do Marianense foi feito por Marcos. As explicações para um resultado tão largo, se tratando de duas agremiações famosas por disputas acirradas, são várias e há inúme36
Marianense X Guarany Histórias de rivalidade além das quatro linhas ras teorias de ambas as partes. A mais coerente tem a ver com algo bem simples de se compreender no futebol: Geralmente, quem tem os melhores jogadores, vence. E, naquele ano, naquele campeonato, o Guarany tinha mais craques que o Marianense. Só para se ter ideia da qualidade dos atletas do Guarany, no mesmo ano, dia e horário, a cidade do Rio de Janeiro acompanhava outro clássico: Botafogo e Flamengo. O placar foi de 5x2 para o time da estrela solitária, resultado também exorbitante para um clássico. A torcida do Botafogo que comemorava naquela tarde de domingo de 1944 a goleada sobre o Flamengo, com show do craque Heleno de Freitas (autor de dois gols), jamais imaginou que no mesmo momento, em uma cidade do interior de Minas Gerais, outro atacante que também disputava um clássico de muita rivalidade vestiria, anos mais tarde, a camisa do grande time carioca. Para quem não entendeu ainda esta relação, o avante Carlyle Guimarães Cardoso, natural de Almenara (MG), que brilhou no campeonato municipal de 1944, atuando pelo Guarany Futebol Clube de Mariana, foi, posteriormente, jogador profissional em clubes como Botafogo, Fluminense, Santos, Palmeiras e Atlético Mineiro. Sendo, inclusive, o primeiro atleta do Galo a vestir a camisa da Seleção Brasileira. Além de craque dentro de campo, conquistando títulos importantes como o Campeonato Mineiro de 1947, pelo Atlético, e o Campeonato Carioca de 1951, pelo Fluminense, Carlyle possui várias histórias peculiares dentro do futebol brasileiro. É citado por Ruy Castro na famosa biografia de Mané Garrincha, “Estrela Solitária: um brasileiro chamado Garrincha” (1995): “O atacante Carlyle, recém-comprado ao Fluminense, tinha apenas um naco de cartilagem no lugar da orelha esquerda. Gozar Carlyle era perigoso, porque ele era também um grande gozador. Mas Garrincha apelidou-o de ‘Orelhinha’ e Carlyle não se importou”. 37
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A história da orelhinha de Carlyle pode ser comprovada na sede do próprio Guarany Futebol Clube. O jogador sempre tirava as fotografias em poses laterais, tentando esconder, assim, a captura imagética de sua deformação. As poses de Carlyle são notórias nas imagens do acervo do clube expostas nas paredes. Outro jogador do timaço de 1944 do Guarany também fez história no futebol nacional, dentro e fora de campo. O marianense Emílio Ibrahim era o capitão do time no lendário jogo dos 4x1. Emílio também chegou a jogar profissionalmente no Atlético Mineiro e, posteriormente, no Fluminense, em 1948. Simultaneamente com a sua vida de atleta, ingressou na Escola Nacional de Engenharia do Rio de Janeiro. Com dificuldades de conciliar as responsabilidades de jogador e universitário, principalmente pelo fato das excursões com o Fluminense, o craque optou pela carreira de engenheiro. Mas, mesmo longe dos gramados, Emílio faz parte de um importante capítulo do futebol nacional: dirigiu a recuperação e o acabamento do estádio do Maracanã no Governo de Carlos Lacerda. Mas a história mais curiosa de tudo o que ocorreu no dia 10 de setembro de 1944 não é a dos craques que disputaram o clássico e se tornaram profissionais anos mais tarde, como Carlyle e Emílio Ibrahim, nem a dos foguetes, nem a dos torcedores subindo o morro para não entrar no estádio, nem da torcida feminina do Marianense, nem mesmo da própria goleada, muito menos do fim de um campeonato vencido de forma invicta pelo Guarany. O que aconteceu naquela data e marcou a rivalidade entre Marianense e Guarany foi, nada mais, nada menos, que o furto da taça. Isso mesmo, o Guarany foi campeão, mas não levantou o troféu, nem o levou para casa. O objeto sumiu antes mesmo do apito final. O jogo já estava praticamente liquidado pelo Guarany, quando Zizi Sapateiro, atleta do Marianense, pegou a bola, 38
Marianense X Guarany Histórias de rivalidade além das quatro linhas driblou meio time adversário e, na hora de finalizar, chutou para o céu. Essa foi a gota d’água para a torcida rubro-negra. Uma torcedora do Marianense viu que não seria mais possível reverter o placar e, no finzinho da partida, quando os olhos de todos ainda estavam direcionados para dentro do campo, simplesmente colocou a taça, exposta em uma mesinha, dentro da sua elegante saia e fugiu. Algumas pessoas perceberam o ocorrido e começaram a alertar sobre o furto: “Ela pôs debaixo da saia, pôs debaixo da saia!”. Mas já era tarde, a senhora era rápida na corrida. Essa taça nunca mais foi encontrada. A quem diga que ela ficou escondida na Liga Desportiva de Mariana por suposta ligação da instituição com a força política da Direita, outros acreditam que o troféu está até hoje na sede no Marianense. Teoria que não pode ser comprovada, pois, dos 237 títulos catalogados na sede no clube centenário, entre campeonatos de futsal, vôlei e futebol de todas as categorias e idades, não foi encontrado nenhum do ano de 1944. Em contrapartida, há exatas 26 taças identificáveis (algumas de aspecto bem antigo), fato que pode, certamente, alimentar as lendas sobre o paradeiro do troféu até as próximas duzentas gerações de torcedores do Marianense e do Guarany. A direção do Guarany, para não ficar no prejuízo histórico, teve uma ideia alternativa na década de 1990: pegar uma taça sem identificação e inscrever nela: “Guarany Futebol Clube – Campeão Invicto – 1944”. Hoje, quem visita a sede vai encontrar este troféu exposto.
Guerra Fria entre as duas potências do futebol Após o escandaloso furto do troféu do campeonato municipal de 1944, o clima entre Marianense e Guarany se tor39
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nou uma guerra: quente (pelos ânimos aflorados de ambas as partes), mas fria (por não haver embate direto). Não havia possibilidade de se realizar mais partidas entre os times. As diretorias dos dois clubes negavam todos os convites. As respostas eram sempre as mesmas: “Se tiver jogo vai dar briga”; “Se tiver jogo vai ter morte”. Mas a proibição, resultante de antigas disputas políticas e socioesportivas da cidade e agravada com o furto da taça de 1944, não conseguiu diminuir a rivalidade dentro de campo. Uma nova luta se iniciava nos anos seguintes, sem jogos, mas com muitas provocações (incluindo, logicamente, inúmeros foguetes). Torcedores, dirigentes e jogadores dos dois times desenvolveram uma nova fórmula de disputa dentro do futebol para dizer qual equipe era melhor. Funcionava da seguinte maneira: se o Marianense convidasse um determinado clube de outra cidade para disputar um jogo amistoso ou mesmo um campeonato, vencendo ou perdendo, na semana seguinte o Guarany faria o mesmo convite para o time forasteiro (e vice-versa). Disso surgiam várias discussões para os dias seguintes: “Ontem nós conseguimos vencer aquele time horrível que vocês perderam semana passada”; ou “Nós conseguimos ganhar com goleada daquele timeco que vocês custaram a vencer mês passado”; ou até mesmo: “Vocês quebraram a cara achando que iriam vencer aquele time de fora como nós vencemos dias atrás”. Logicamente, essa discussão só era iniciada pelos vencedores do momento. A curiosa queda de braço entre os dois times, mesmo sem a realização de jogos, aconteceu diversas vezes e os clubes utilizados como peso da balança eram, geralmente, das cidades mineiras de Ponte Nova, Nova Lima, Diogo de Vasconcelos, Acaiaca, Ouro Preto e, até mesmo, Belo Horizonte. Esse hiato de partidas durou, exatamente, 16 anos. O reencontro é uma história à parte. 40
Marianense X Guarany Histórias de rivalidade além das quatro linhas 1960: o maior título não vale taça A volta do clássico, em 1960, tem a ver com uma polêmica partida ocorrida no ano anterior. No final de 1959, a diretoria do Guarany Futebol Clube convidou o treinador Dico (técnico do Marianense) a montar uma equipe com atletas do município para jogar um amistoso beneficente contra o time alviverde (sim, agora se pode dizer “alviverde”, pois naquele período o Guarany já jogava de verde e branco). Dico formou a Seleção de Mariana, equipe que atuou com um uniforme emprestado pelo time de futebol do Seminário: camisa branca, com listas verdes e vermelhas. Esse evento, destinado a arrecadar recursos para o Natal dos Pobres das Conferências Vicentinas, aconteceu no campo do Guarany. O resultado foi 3x2 para o time da casa, com gols de Carlos, Paulo Munheca e Mário Rocha (Guarany) e Severino, autor de dois tentos (Seleção). O ambiente do jogo era pra ser festivo e de grande celebração, mas acabou se transformando numa atmosfera pesada com muitas discussões e ameaças, um verdadeiro inferno. Isso porque, já no final da partida, o juiz assinalou um pênalti polêmico a favor da Seleção de Mariana. Os jogadores do Guarany não aceitaram a marcação do árbitro e resolveram, simplesmente, encerrar o jogo. Em contrapartida, os atletas da Seleção, que queriam a marcação de qualquer forma, apelaram para uma velha máxima do futebol: “Vocês estão é com medo da gente empatar e virar o placar”. Diante desse tenso impasse de bate, não bate, bate, não bate, bate e não bate a penalidade, ficou acordada a realização de uma segunda partida, dessa vez em campo neutro, no estádio da terceira força futebolística de Mariana: o Olimpic, localizado entre a Avenida Manoel Leandro Corrêa e a Rua Bom Jesus. Esse segundo jogo seria o tira-teima e serviria como prova final para saber quem era o melhor no momento. 41
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Mas o que isso tem a ver com o clássico Marianense e Guarany? É fácil de explicar, pois a base da Seleção de Mariana era composta por quase todos os atletas do próprio Marianense Futebol Clube (ao todo, nove titulares rubro-negros). E isso gerou piadas por parte dos torcedores do Guarany após o encontro: “Vencemos o Marianense em 1944 e agora ganhamos novamente”. Os jogadores do Marianense, além do treinador Dico, ficaram mordidos com essa conversa fiada de perder para o Guarany e tiveram uma ideia audaciosa. Dico então disse aos craques no treinamento seguinte: “Estão dizendo que ganharam do Marianense. Vocês topam jogar o próximo jogo vestidos realmente de Marianense?”. Os jogadores não titubearam. Toparam na hora. E foi exatamente o que aconteceu. No dia 1º de janeiro de 1960, para surpresa de todos, inclusive da própria diretoria rubro-negra, contrária à volta do clássico por receio de violência fora e dentro de campo, os atletas do Marianense jogaram vestidos com as cores oficiais do clube: vermelho e preto. Era o fim do período proibido. O fato de entrarem escondidos com a camisa do Marianense redobrou a responsabilidades dos atletas. Eles sabiam que, caso ocorresse uma nova derrota, os dirigentes iriam penalizá-los por manchar o nome do clube. O jogo valia muito. Era a hora de lavar a alma. O Marianense jogou com os seguintes craques: João Luiz, Milton e Nilo; Paulo, Tonico e Pico; Cláudio, Delmo, Cocó, Nilo e Delão. Já o Guarany foi a campo com Jair, Zeba e Jan; Darrama, Sebastião e Tinô; Miguel, Feliciano, Pina, Paulo Munheca e Bebê. Sobre essa escalação, uma história paralela merece ser contada: no time do Guarany o craque era Paulo Munheca, para muitos, o maior jogador de todos os tempos da região (Paulo 42
Marianense X Guarany Histórias de rivalidade além das quatro linhas tinha esse apelido por não ter uma das mãos). Já no Marianense, o grande nome era Cauby, personagem citado no capítulo anterior por conta de um caso de racismo. Nascido Raimundo Esidoro Maurício, o craque foi apelidado assim por possuir um eloquente vozerão grave. Era uma referência ao cantor Cauby Peixoto. Cauby (o jogador) armava o time rubro-negro como ninguém e era indispensável para a equipe. Mas, simplesmente, não pôde participar do famoso clássico de 1960. A diretoria do Marianense, contrária a realização do evento, proibiu de entrar em campo a maior estrela do clube, inclusive sob ameaças de perda de emprego. Isso porque Cauby trabalhava como eletricista na Companhia Força e Luz de Mariana, empresa na qual o presidente do Marianense Futebol Clube, Benjamim Lemos, era gerente. O estádio estava lotado. Todos queriam acompanhar o fim da Guerra Fria futebolística de Mariana. Cerca de 300 pessoas se apertaram nos alambrados do campo do Olimpic. Mais uma vez, o fanatismo da torcida do Guarany era apresentado, dessa vez pelo torcedor Ninico Botelho, um dos diretores alviverdes. Naquele dia ele trabalhou na portaria, cobrando os ingressos. Segundo a lenda, a cada ataque do Guarany, Ninico pegava terços do bolso do casaco, apertava as pedras e começava a rezar para sair gol. Mas, quando acontecia gol do time adversário, a santa paciência ia por água abaixo e Ninico, de raiva, jogava os terços longe. Os mais maldosos provocam dizendo que em 1º de janeiro de 1960, Ninico jogou fora muitos terços. Isso porque, diferentemente de 1944, a vitória dessa vez foi do Marianense. O jogo, de modo geral, foi bem disputado, mas em etapas diferentes. O primeiro tempo só deu Marianense no ataque e o segundo período foi só pressão do Guarany. O jornal “O Arquidiocesano” conta um pouco dessa história em uma reportagem, publicada em 3 de janeiro de 1960: “O Marianense 43
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esteve realmente em tarde de grande inspiração, em que quase tudo, de modo especial no 1º tempo, deu certo, com dois goals relâmpagos aos 2 e 4 minutos. Há contenta, com tentos espetaculares de Delmo e Nilo, o 1º particularmente, em que Delmo, o maior elementos dentre os 22, acertou notável cabeçada que burlou a vigilância de Jair, que andou falhando no começo, inclusive em dois tentos, para se firmar no 2º período; aos 15 minutos, entusiasmado pela sua torcida, que não cansava de aplaudir as sensacionais jogadas de seus craks, o Marianense conseguiu por intermédio de Nilo ainda o seu 3º tento e que seria no final o da vitória”. Agora os ocorridos do segundo tempo, ainda sob o ponto de vista do jornal: “O Guarany sentiu-se ferido no seu brio e partiu para uma grande reação, conseguindo reabilitar-se em parte. O Marianense sentiu a falta de Nilo, expulso juntamente com Sebastião na 1ª fase, e seus ataques foram mais raros na fase final, à base de contra-ataques. Nesta fase dominou o Guarany, que já tinha obtido o seu primeiro goal ao apagar das luzes do período inicial por intermédio de Bebê, e ao final do prélio quase empata a partida, não fossem as oportunas intervenções de João Luiz que brilhou sempre no arco, defendendo inclusive um penalty cobrado por Paulo, ainda no primeiro tempo. Assinala-se uma espetacular defesa, já na fase dos descontos, quando sensacionalmente espalmou para o lado um potente arremate de Pina”. Depois de descrever o jogo, “O Arquidiocesano” fez um balanço de cada agremiação: “No Marianense não há nomes a destacar. Certo em sua defesa e no seu ataque enquanto contou com Nilo; mostrou-se um grande quadro e tranquilizou a sua torcida para os futuros compromissos. No Guarany, Jan, Tinô, Darrama, Bebê e Paulo foram os melhores, de modo especial os dois últimos que foram incansáveis. O quadro, que começou mal, teve os méritos de reação, valorizou a vitória 44
Marianense X Guarany Histórias de rivalidade além das quatro linhas de seu antagonista e demonstrou no 2º tempo muita garra, sangue e contribuiu para o espetáculo, caindo de pé”. Como se pode constatar com os relatos do jornal, o encontro foi bem disputado. A rixa trouxe consigo também outras ações, como a violência exagerada. A partida foi marcada por “botinadas” para todos os lados. Narizes sangrando, cotoveladas, divididas arredias. O negócio ferveu no Estádio do Olimpic. Tanto é que o árbitro expulsou dois atletas, ainda no primeiro tempo, por agressões mútuas: Nilo (Marianense) e Sebastião (Guarany). Após a aguerrida e emocionante partida, vencida por 3x2 pelo Marianense, a cidade voltou a agitar. Os atletas vencedores saíram comemorando a vitória como se estivessem conquistado uma Copa do Mundo, só não havia taça nem medalhas. Mas isso era o de menos. A festa representava um grito entalado na garganta desde 1944. O próprio goleiro do time vencedor, João Luiz, 81 anos, desabafa sobre isso: Eu gostava de uma sinuquinha. Ia jogar sinuca em um lugar ou outro e tinha que ficar ouvindo ‘44’, ‘44’... Tudo era 44. A gente então ficava com aquele osso atravessado doido para jogar contra o Guarany. João guarda em casa a foto do time vencedor aquele duelo. No verso da imagem está escrito: “Esta é a maior vitória que João Luiz ‘têve’ em ‘sima’ do Guarany F.C. Deus tarda mais não falha”. A comemoração estilo Copa do Mundo começou pela Praça Gomes Freire. O presidente do Marianense, Benjamim Lemos, e o sócio do clube, Badih Salim Mansur (comerciante de muitas poses e político da Direita influente em Mariana), deixaram os atletas à vontade. Todos podiam comer e beber o que quisessem do Bar do Vicente Mão Pelada, estabelecimento próximo ao local da festança. De barriga cheia e com umas e outras pinguinhas na cabeça, as provocações contra o rival só aumentaram. Da praça alguns jogadores fizeram questão de caminhar até a fachada da sede do Guarany para gozar 45
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o oponente. O alvo principal era o Dr. Celso Arinos Motta, líder da Esquerda de Mariana e sócio do Guarany. Felizmente, nesse dia nenhum ato de violência física foi registrado. Mesmo uma semana após o combate de maior triunfo sobre o adversário, as comemorações não pararam. Para celebrar o épico jogo, Benjamim e Badih bancaram os jogadores novamente, dessa vez na própria sede do Marianense. Os vencedores foram agraciados com um jantar finíssimo, servido pelas madames do clube. Naquela noite, os atletas se sentiram pertencentes à alta sociedade de Mariana. Várias histórias e teorias sobre o jogo de 1960 foram criadas e debatidas a fim de acalorar ainda mais o clássico. Se não acontecesse isso, não seria Marianense e Guarany. Mas antes de contá-las, só a título de curiosidade, no final da partida, quando o Marianense era pressionado pelo Guarany, diretores do rubro-negro (os mesmos que proibiram) pediram a Raimundo Cauby para entrar no jogo. O jogador estava no estádio assistindo o confronto nos alambrados e, educadamente, se negou a jogar. Não seria justo o craque ofuscar, por alguns minutinhos, o brilho e o esforço daqueles que se mataram em campo desde o primeiro minuto. Voltando às teorias conspiratórias sobre o clássico de 1960, antes de tudo é necessário levar em consideração o fato de não existir nada que as comprovem. Portanto, até segunda ordem, o Marianense venceu o clássico com todo o mérito e de forma lícita. A primeira teoria diz que na noite anterior ao confronto, ou seja, no Réveillon, cerca de quatro jogadores do Guarany foram convidados a participar do baile na sede do Marianense. Aos atletas, tratados com muita cortesia, foram oferecidas diversas bebidas alcoólicas. Como ninguém é santo, todos “encheram a funaca” na festa da virada do ano e no dia seguinte entraram em campo de ressaca. Essa hipótese é recha46
Marianense X Guarany Histórias de rivalidade além das quatro linhas çada pelos torcedores e jogadores do Marianense das seguintes maneiras: o acesso aos bailes era difícil até para os atletas do próprio rubro-negro, imagina para os rivais? E outra, a própria diretoria do Marianense era contrária a realização do clássico e também foi pega de surpresa com a entrada dos jogadores utilizando o uniforme do clube. Portanto, como ela teria planejado a armadilha contra os atletas adversários? Outra suposição questionável ao resultado do jogo tem a ver com o desempenho do goleiro do Guarany, Jair. Segundo alguns torcedores do time alviverde, Jair entregou os gols por possuir passado muito arraigado ao rival. É que ele, antes de se tornar goleiro do Guarany, atuava pelo Marianense (só saiu do clube por desavenças com a diretoria, pois não recebeu uma ajuda financeira prometida por um dirigente bem abastado). O próprio jornal “O Arquidiocesano”, responsável pela crônica da partida cita as falhas do goleiro: “(...) Jair, que andou falhando no começo, inclusive em dois tentos (...)”. Mas, mesmo com os prováveis erros embaixo das traves, é uma ação completamente leviana afirmar a desonestidade do goleiro. Segundo amigos próximos e ex-companheiros de time, Jair sempre foi uma pessoa honesta e jamais cometeria uma atitude antidesportiva. Hoje, o goleiro não está mais entre nós para dar sua versão da história. Em contrapartida aos fatos que tentam desmerecer a vitória do Marianense, polêmicas do lado inverso também existem. O goleiro João Luiz, personagem de várias defesas importantes, pegando, inclusive, um pênalti batido pelo craque Paulo Munheca, afirma que foi procurado por um diretor do Guarany para deixar passar um tento. Segundo o goleiro, no final da partida o cartola se aproximou da baliza e ofereceu dinheiro para facilitar a vida do rival. João Luiz negou imediatamente. Os jogadores do seu time estavam com um palmo e meio de língua pra fora, se arrastando em campo para sus47
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tentar a vitória. Não seria justo entregar um gol por dinheiro. Polêmicas à parte, depois de 1960, cada torcedor possuía agora sua glória e seu teto de vidro. Os dois lados tinham memórias para lembrar e esquecer, narrativas para esgoelar e engasgar. Pois, se alguém gritasse pelas ruas “44”, o outro respondia de bate-pronto “60” (e vice-versa). O jogo de 1960 também é um dos marcos referente à diminuição da rivalidade entre Marianense e Guarany, fenômeno que será tratado com mais detalhe no próximo capítulo.
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AcrĂŠscimos:
O fim da rivalidade dos clubes
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Eu mudo, meu ciclo de amizade muda, os móveis da minha casa mudam, a música da moda de cada verão muda e não é diferente que a relação entre Marianense e Guarany também se transforme. Hoje quem frequenta um dos dois (ou os dois) clubes não consegue visualizar nem um quinto da rivalidade narrada ao longo desse livro. Há resquícios? Há. Principalmente dos amantes mais antigos dessas agremiações antagônicas, mas não é nada que se aproxime das histórias do passado. Não é nada parecido com o racha que separou Mariana em duas forças políticas, sociais e esportivas em grande parte do século XX. É possível desenvolver várias versões sobre os motivos dessa queda de rivalidade ao longo dos anos e, consequentemente, da diminuição do poder das duas instituições dentro da cidade. Não é intenção deste livro afirmar ou provar qual história faz mais ou menos sentido. A ideia é, simplesmente, colocar as possibilidades em campo. Se você sair em Mariana perguntando ex-jogadores, sócios, torcedores e demais representantes do Marianense e do Guarany sobre a razão da queda de rivalidade entre as entidades, a grande maioria vai responder, ingenuamente, da seguinte forma: “A mentalidade do pessoal mudou”. Sim, essa resposta inicial não ajuda em nada. É uma justificativa óbvia. Desse modo, uma reformulação da pergunta cai bem: O que fez com que a mentalidade das pessoas mudasse em relação a esta rivalidade? Essa questão é a chave de abertura das portas que evidenciam mais um quebra-cabeça de difícil montagem. Os argumentos serão divididos a seguir em quatro principais linhas de raciocínio: a organização do futebol, a educação das novas gerações, o fluxo migratório minerador e o pluripartidarismo.
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Marianense X Guarany Histórias de rivalidade além das quatro linhas A organização do futebol Ao longo do capítulo 2, vários desacordos relacionados às organizações dos campeonatos de futebol da cidade foram retratados. Vale lembrar o torneio municipal de 1938 (terminado antes da realização do segundo turno), o furto da taça de campeão do Municipal de 1944 (em pleno campo de jogo) e o próprio hiato de 16 anos sem disputa do clássico. Todos esses marcantes mandos e desmandos de diretores, jogadores e sócios do Marianense e do Guarany dentro de campo se tornaram “mais ordenados” a partir do dia 26 de dezembro de 1966, data de fundação da Liga Esportiva de Mariana (Lema). A Lema foi uma iniciativa do desportista Francisco de Assis Santos, ex-treinador e importante figura do Guarany. Ela surgiu com o objetivo de dar ao futebol de Mariana uma entidade máxima para que os clubes da época – Guarany, Marianense, Olimpic, Bandeirantes, Industrial, Municipal, Esporte Clube 29 de Junho e União Passagense – pudessem acordar todos os torneios e regras. A instituição, que substituiria naquele momento a antiga liga de desportos da cidade, começou a ser modelada em reuniões ao longo de 1966. Todos os representantes dos clubes eram convocados e as decisões passavam por votação, fato que trazia credibilidade à entidade. A sua primeira diretoria foi composta por Benjamim Lemos (presidente), Jésus Breyner (secretário) e Geraldo de Assis Oliveira (tesoureiro). Com a formação desta gerência, a confiabilidade da Lema não podia mais ser questionada, pelo menos em relação a maior rivalidade da cidade, já que o fundador da instituição, Francisco, era Guarany doente e o primeiro presidente, Benjamim, Marianense roxo. A partir de 1967, com a Lema já no comando do futebol, os campeonatos municipais eram disputados de forma com 51
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que os “chiliques” de cada time fossem resolvidos, antes de qualquer coisa, dentro da própria liga. Este fato trouxe como benefício a segurança na continuidade dos torneios. Entretanto, para algumas pessoas, essa organização tirou o charme do maior clássico de Mariana. Os dois clubes começaram a jogar ininterruptamente e não existia mais a possibilidade de furtar o troféu do rival, parar um campeonato no meio, oferecer dinheiro ao jogador adversário dentro de campo ou criar mistérios em relação à realização ou não do clássico no final de semana seguinte. Se esses abusos ocorressem, certamente, haveria punições severas nas votações da Liga Esportiva de Mariana. Essa visão que defende o amadorismo esportivo em relação à organização e, consequentemente, às quebras de regras, pode parecer atrasada ou até difícil de compreender. Mas, dentro do mundo do futebol, é um argumento mais recorrente do que muitos imaginam. Hoje, não é raro vermos jogadores, cartolas, torcedores ou jornalistas esportivos dizerem que o futebol era mais gostoso quando não existia tanto dinheiro, organização e normas a se cumprir. Muita gente acusa o esporte de ter ficado chato, já que ninguém pode provocar, insultar ou infligir alguns regulamentos ou “regras de boa etiqueta”. E é exatamente assim o entendimento de muitos sobre a forma com que a rivalidade entre Marianense e Guarany se perdeu.
A educação das novas gerações Além da criação da Lema, outra atitude relacionada às tentativas de apaziguar as diferenças entre os rivais chama a atenção. Em 1975, ano do cinquentenário do Guarany, a diretoria alviverde, através do presidente Francisco Xavier Pacheco, de52
Marianense X Guarany Histórias de rivalidade além das quatro linhas cidiu convidar os cartolas do Marianense a participarem de algumas festividades na própria sede do Guarany. Os encontros aconteceram de forma amistosa e, para retribuir a cortesia, o Marianense, com o então presidente Paulo Aníbal Walter, também organizou recepções para o rival em sua dependência. Era o primeiro esforço oficial de aproximação entre os clubes. Uma tentativa de maturar as relações. E era também a demonstração de poder das novas gerações. Essas ações conjuntas das duas diretorias seriam impensadas em anos anteriores. Como já retratado em algumas histórias de rivalidade neste livro, pisar na sede do rival era ato proibido para os dois lados. Mas o que chama a atenção nessa situação, até então inédita, é que, em 1975, as diretorias e os sócios começaram a ganhar novos nomes. Isso porque, os filhos e os netos dos fundadores e das demais figuras fanáticas dos clubes, naquele momento, já eram adultos. Também existiam novos frequentadores de famílias forasteiras ou não tão tradicionais de Mariana, o que trazia abertura para as possíveis aproximações. Essa mudança de mentalidade oriunda dos mais jovens tem, inclusive, uma razão ligada à educação escolar. Desde a transferência do Ginásio Arquidiocesano para Ouro Preto, em meados da década de 1930, Mariana ficou desprovida de uma instituição de ensino secundário para homens (o que se equivale ao ensino médio nos dias de hoje). A cidade passou vários anos apenas com a Escola Estadual Dom Benevides, responsável pelo curso primário (ensino fundamental), o Colégio Providência, que na época era destinado apenas às moças, e os Seminários Maior e Menor, ambos ligados à formação de rapazes para a carreira eclesiástica. Sendo assim, após a formação primária, os jovens do sexo masculino que não tinham condições de se mudarem para outros municípios, eram obrigados a abandonar os estudos. 53
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Para acabar com essa lacuna, em 1954, foi criado o Ginásio Gratuito Dom Frei Manoel da Cruz – nome escolhido em homenagem ao primeiro bispo de Minas Gerais. O colégio funcionou inicialmente na própria sede da Escola Dom Benevides, sob direção do Cônego Oscar de Oliveira, sempre no período noturno. Após ser nomeado bispo auxiliar de Pouso Alegre (MG), Dom Oscar teve que deixar Mariana e, consequentemente, a direção da instituição. Para assumir o posto, padre José Dias Avelar foi escolhido – cargo no qual ocupou até o seu falecimento, em 1991. Ainda em 1954, a Prefeitura de Mariana prometeu doar um terreno para a construção do novo prédio da escola Dom Frei Manoel da Cruz. O local determinado foi a Rua do Catete, próximo à chamada “Ponte de Areia”. O projeto demorou a ser implantado, apenas em 1964 o ginásio ganhou sede própria, ainda que parcialmente construída. Durante todos os percalços enfrentados para a consolidação do ginásio, que envolvia pedidos de verbas para o término das obras e trabalhos voluntários com a própria comunidade, Padre Avelar não media esforços. E o pesado trabalho do religioso para efetivar a educação secundária em Mariana surtiu efeito positivo. Em 1983, já havia mais de 40 professores e cerca de mil alunos no Ginásio Dom Frei Manoel da Cruz. Todos os estudantes podiam cursar 1º e 2º graus além de habilitações profissionais em magistério, técnicos em contabilidade e enfermagem. Na construção do ginásio, Padre Avelar batalhou pela melhoria da educação de milhares de moradores de Mariana, principalmente, dos menos abastados. O que talvez tenha deixado o padre surpreso foi ver que, em consequência a essa formação, houve desenvolvimento de vínculos entre classes divididas da cidade. Isso porque, como o ginásio necessitava de vários esforços para se manter, o espírito de união entre estudantes e professores deixava as rivalidades políticas, es54
Marianense X Guarany Histórias de rivalidade além das quatro linhas portivas e sociais de fora. Na escola todo mundo se misturava para rebocar uma parede, pintar um muro ou arrecadar dinheiro para uma festa junina. Então, o estudante que ouvia em casa: “Não vá brincar com fulano, porque fulano não presta, a sua família é de Esquerda, do Guarany (ou Direita, do Marianense)!”, via na escola que tudo não passava de uma grande bobagem, pois o tal fulano imprestável era, na verdade, um companheiro, um amigo de sala. A título de curiosidade, o Ginásio Dom Frei Manoel da Cruz chegou a se chamar Colégio Municipal Padre Avelar, em 1995, ano em que passou a ser administrado pela Prefeitura de Mariana. O Colégio Padre Avelar funcionou até 2008, quando a prefeitura cedeu o local, por vinte anos, para a expansão da Universidade Federal de Ouro Preto (Ufop). Hoje a área abriga o Instituto de Ciências Sociais Aplicadas (Icsa).
O fluxo migratório minerador A história de Mariana está diretamente ligada à extração mineral. No ícone “histórico” do site oficial do município, a narrativa de “descoberta” da região é contada da seguinte forma: “Em 16 de julho de 1696, bandeirantes paulistas liderados por Salvador Fernandes Furtado de Mendonça encontraram ouro em um rio batizado de Ribeirão Nossa Senhora do Carmo. Às suas margens nasceu o arraial de Nossa Senhora do Carmo, que logo assumiria uma função estratégica no jogo de poder determinado pelo ouro. O local se transformou em um dos principais fornecedores deste minério para Portugal e, pouco tempo depois, tornou-se a primeira vila criada na então Capitania de São Paulo e Minas de Ouro. Lá foi estabelecida também a primeira capital”. 55
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A exploração aurífera, presente desde a fundação do arraial de Nossa Senhora do Carmo (que obteve o título de cidade, em 1711, se tornando, a partir de então, Mariana), contribuiu significativamente para a urbanização e povoamento da região. Mas o período denominado “Ciclo do Ouro” teve seu fim por volta da década de 1790, o que gerou uma crise na mineração do município. Com o declínio da produção de sua maior riqueza, Mariana, assim como outras cidades brasileiras, começou a receber investimentos britânicos em mineração subterrânea no século XIX. Vale lembrar que nesse momento, o Brasil já estava emancipado politicamente de Portugal, fato que beneficiou a vinda dos ingleses. Desse modo, a partir dos anos de 1883, são criadas várias frentes de lavra aurífera com técnicas de trabalho mais desenvolvidas na região, como a Companhia Mina da Passagem. Os grupos que de tempos em tempos abriam, trocavam de donos ou fechavam as portas, foram se especializando em outras explorações, como as do minério de ferro. A extração de jazidas de minério de ferro ganhou significativo aumento nas décadas de 1970 e 1980, quando grandes empresas tomaram conta do negócio. A primeira grande corporação, S.A. Mineração Trindade (Samitri), chega na região em 1965. Com a Samitri, o crescimento populacional da sede do município passa de 6.837 habitantes, em 1960, para 7.720, em 1970 – aumento ainda tímido. Em 1977, Mariana recebe a companhia Samarco, mineradora que traz um fluxo de pessoas bem mais significativo que o da década precedente. Cerca de 10 mil pessoas chegam à cidade, muitas delas empregadas das empreiteiras. A população sobe de 7.720 habitantes para 12.853 no final da década de 1970, um crescimento de 18,63%. No ano de 1979, era a vez da Companhia Vale do Rio Doce (CVRD) se instalar. A Vale começa a operar, efetivamente, em 1984. Só para ter ideia da expansão da cidade, 56
Marianense X Guarany Histórias de rivalidade além das quatro linhas segundo os últimos dados do Censo, em 2013, o número de moradores de Mariana foi estipulado em 57.639. Com a vinda das grandes mineradoras, bairros periféricos surgem na cidade. Alguns mais planejados, como as “vilas”, que nascem já possuindo serviços básicos, como escolas, praças, supermercados e áreas de lazer; outros totalmente desordenados, sem infraestrutura e em condições insalubres, caso dos bairros Cabanas e Santo Antônio (mais conhecido como “Prainha”). Essa implementação de novos espaços por conta da mineração fez com que Mariana desenvolvesse, a grosso modo, três grandes grupos populacionais: os “moradores tradicionais da cidade”; as famílias dos trabalhadores das mineradoras, ou simplesmente, “trabalhadores da Vale”; e o grupo constituído por pessoas vindas, em sua maioria, da zona rural ou de pequenas cidades da redondeza, atraídas pela possibilidade de emprego e pelo sonho da prosperidade. Mas agora você pode questionar mais uma vez o autor: “O que essa linha do tempo sobre a mineração local tem a ver com o fim da rivalidade entre Marianense e Guarany Futebol Clube?”. Oras, estou tentando mostrar como a exploração mineral está enraizada na história de Mariana, desde os primórdios, quando Salvador Fernandes Furtado de Mendonça encontrou pepitas de ouro no ribeirão. E é óbvio que essa atividade acarretou, ao longo dos séculos, vários fluxos migratórios. E, em consequência disso, a cidade sofreu mudanças sociais, políticas, culturais, ambientais, arquitetônicas, entre várias outras transformações. Seguindo esse raciocínio, não é difícil imaginar como o aumento populacional, oriundo do final do século XX, mudou alguns costumes do período de estagnação econômica de Mariana, entre eles, o poder e a rivalidade dos clubes Marianense e Guarany. 57
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O Pluripartidarismo Como falar de Marianense e Guarany é também discorrer sobre política, há uma questão referente aos partidos de Mariana que deve ser lembrada, pois, de certo modo, também contribuiu para o fim da rivalidade dos clubes: o pluripartidarismo. O bipartidarismo entre a Direita e a Esquerda, no qual os dois clubes socioesportivos estavam inseridos e, portanto, sofriam diretamente reflexos, prevaleceu durante grande parte do século passado, inclusive no regime militar. Nesse período, era permitida apenas a existência de dois partidos: a força da situação, chamada de Aliança Renovadora Nacional (Arena) e Movimento Democrático Brasileiro (MDB), uma espécie de oposição consentida pelo governo. Na terra do Marianense e do Guarany, tanto a Direita quanto a Esquerda eram ligadas ao regime. Mas, mesmo apoiando o governo, a cidade vivia sob um antagonismo peculiar dividido em Arena 1 (força dos esquerdistas) e Arena 2 (força dos direitistas). Ou seja, no âmbito municipal, a rivalidade continuava a mesma de antes da ditadura. Entretanto, com a redemocratização do país, ocorrida na década de 1980, esse racha entre as duas grandes facções da cidade perdeu força e sentido, já que o sistema pluripartidário brasileiro entrou em vigor. Desse modo, Esquerda e Direita viram, ao mesmo tempo, a derrocada do governo militar e o surgimento de dezenas de novas siglas, como PT, PMDB, PTB, entre outras. Assim, as lideranças foram se espalhando entre os novos partidos e isso fez com que pessoas, antes rivais, se aproximassem na formação de novas alianças. Hoje, o Brasil conta com 32 partidos. Desse número, existem cerca de 20 forças com algum tipo de representação em Mariana. Com essa quantidade de facções, é difícil manter solidificadas ape58
Marianense X Guarany Histórias de rivalidade além das quatro linhas nas duas frentes no poder. Como escreve Frederico Ozanan Teixeira Santos, em suas postagens sobre a memória política de Mariana no “Blog do Ozanan” (blogdoozanan.blogspot. com), o cenário atual é: “Todos juntos e misturados”. Antes de fechar mais um raciocínio sobre os motivos que levaram o fim da rivalidade entre Marianense e Guarany, é preciso ter em mente que o pluripartidarismo apenas foi a “apunhalada final” para a queda da Esquerda e da Direita. Várias situações, anteriores a essa reforma política, já evidenciavam a tendência de homogeneizar. Assim como era inadmissível entrar na sede do clube rival (e algumas pessoas entravam), também era impensável trocar de facção partidária (e algumas pessoas trocavam). A infidelidade era rara, mas acontecia. Como, por exemplo, nas eleições de prefeito do ano de 1978. Jadir Macedo, então político da Esquerda, rompeu com João Ramos Filho (líder do partido) e firmou apoio com algumas pessoas da Direita. No fim dessa disputa, João Ramos, que havia sido prefeito de Mariana anteriormente, de 1973 a 1977, acabou perdendo as eleições para Jadir, seu antigo parceiro. Vale ressaltar também que o próprio João Ramos Filho também já havia rompido ligações com o Dr. Celso Arinos Motta (chefe da Esquerda por mais de 30 anos) no início da década de 1970 para se juntar com políticos rivais. O curioso é que, nos dois casos, a união trouxe vitória ao “infiel”.
O fim de um ciclo Todos esses argumentos esportivos, educacionais, migratórios e políticos narrados nesse capítulo (sem contar as outras possibilidades que ficaram de fora por não se revelarem nas minhas entrevistas e pesquisas, como, por exemplo, a pos59
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sível influência da Igreja Católica no poder da Direita, da Esquerda e, consequentemente, dos clubes), mostram o fim de um ciclo. Ciclo de polêmica, insulto, revanchismo, provocação e preconceito, mas também de muito saudosismo por parte considerável das pessoas que o vivenciaram. A rivalidade entre Marianense e Guarany fazia grandes inimigos, mas, ao mesmo tempo, incentivava as pessoas a serem melhores em suas atividades. Melhores no esporte, nos desfiles do Carnaval, na dança dos bailes, nos argumentos políticos... A dicotomia entre os clubes movimentou socialmente uma cidade estagnada pelo fim de outro ciclo – o do ouro – e que não possuía muitos atrativos culturais e de lazer. Talvez, no fundo de toda aquela briga existia o desejo em ser bem aceito em um grupo. Vontade esta que, muitas vezes, por infelicidade e mesquinhez humana, se transforma em negação e estranhamento do outro. Atualmente, os clubes não possuem “grandes poderes” dentro do município. As sedes das duas instituições são mais aproveitadas como espaços alugados para festas e aulas particulares de danças e lutas. O Guarany ainda organiza horas dançantes aos domingos, mas o evento não dá muito retorno financeiro. O clube alviverde mantém a equipe principal de futebol (mesmo o time não conquistando um título de expressão desde 2007 – ano que venceu seu último campeonato da primeira divisão de Mariana). Já o Marianense nem time tem mais e esse é, certamente, o maior sintoma do fim da rivalidade. Em 2012, a diretoria resolveu extinguir o departamento de futebol por entender que estava dando prejuízo aos cofres do clube. Essa revelação vem à tona somente agora, pois diante de tantas histórias de rivalidade que me apareceram no processo de construção do livro, confesso que eu não soube lidar muito bem com a informação da extinção do futebol rubro-negro. Até agora não 60
sei ao certo onde colocar essa narrativa, pois, a partir dela, não é mais possível acompanhar novos clássicos ao vivo e a cores no Estádio Emílio Ibrahim (atual nome do campo do Guarany), no Estádio Augusto (casa do Marianense) ou, para tentar evitar brigas, em espaço neutro. Com essa peça do quebra-cabeça que faltava, agora os jogos só acontecem nas lembranças dos mais velhos e na imaginação dos jovens curiosos. Mas, para que o clima de nostalgia não fique impregnado nesse livro, sei que após um ciclo, outra etapa se inicia. E Mariana está vivenciando novas fases de exclusões e interações sociais, políticas e esportivas. Novas formas de agregar e afastar as pessoas. E não vai demorar muito para emergirem outras grandes rivalidades e disputas. E deve demorar menos ainda para aparecer alguém que se proponha a escrever sobre elas. Talvez, nesse momento, algum garoto deve estar sendo questionado se pertence ao time, grupo, equipe, conjunto ou turma A, B ou C, assim como fui perguntado se era do Marianense quando tentei ser goleiro no Guarany há mais de 10 anos. Talvez essa pergunta esteja despertando a reflexão e se desdobrando em outras. Talvez seja o início de um novo ciclo.
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Rivalidade
em Imagens
Marianense X Guarany Histórias de rivalidade além das quatro linhas A seguir, algumas fotografias que ilustram parte das narrativas construídas neste livro.
A atual sede social do Marianense Futebol Clube fica localizada na Praça Gomes Freire, 162 – Centro. Foto: Diogo Queiroga 63
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A atual sede social do Guarany Futebol Clube fica localizada na Rua Frei Durão, 32 – Centro. Foto: Diogo Queiroga 64
Marianense X Guarany Histórias de rivalidade além das quatro linhas
O médico, professor, político e fundador da Direita, Gomes Freire de Andrade, é hoje nome de praça no centro da cidade de Mariana. Foto: Ricardo Maia 65
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À esquerda, Dr. Celso Arinos Motta em discurso de inauguração da galeria dos ex-presidentes do Guarany Futebol Clube. O evento ocorreu na sede da entidade, no dia 16 de julho de 1975, e fez parte das comemorações do cinquentenário. Sentados, o também líder da Esquerda, João Ramos Filho (de terno claro) e o diretor esportivo do Guarany, Francisco de Assis Santos. Foto: Autor desconhecido/Arquivo do Guarany Futebol Clube. 66
Marianense X Guarany Histórias de rivalidade além das quatro linhas
Alegoria “Pagode Japonês” do Bloco do Marianense. Carnaval de 1967. Foto: Autor desconhecido/Arquivo do Marianense Futebol Clube. 67
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Desfile de crianças no Bloco do Jardim da Infância, grupo organizado pelos associados do Marianense. Data do Carnaval desconhecida. Foto: Autor desconhecido/Arquivo do Marianense Futebol Clube. 68
Marianense X Guarany HistĂłrias de rivalidade alĂŠm das quatro linhas
Alegoria em homenagem ao Sputinik enfatiza a aposta temĂĄtica no Carnaval do Marianense. Data do Carnaval desconhecida. Foto: Autor desconhecido / Arquivo do Marianense Futebol Clube. 69
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Baile de Carnaval na sede do Guarany, localizada na Rua Frei Dur達o. Ano: 1975. Foto: Autor desconhecido/Arquivo do Guarany Futebol Clube. 70
Marianense X Guarany Histórias de rivalidade além das quatro linhas
Os clubes também realizavam desfiles de beleza feminina, como o concurso “Rainha do Cinquentenário”, organizado pelo Guarany no ano de 1975. Foto: Autor desconhecido/Arquivo do Guarany Futebol Clube. 71
Filipe Barboza
Time do Guarany Futebol Clube campeão municipal de 1944. Esta equipe recebeu as faixas, mas não levou o troféu. Foto: Autor desconhecido/Arquivo do Guarany Futebol Clube. 72
Marianense X Guarany Histórias de rivalidade além das quatro linhas
Troféu confeccionado na década de 1990 para representar, simbolicamente, o título municipal de 1944 do Guarany Futebol Clube. O paradeiro da taça original até hoje é um mistério. Foto: Filipe Barboza. 73
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Material de divulgação para o encontro entre Marianense e Guarany no ano de 1944. Nota-se que após a partida alguém escreveu, com lápis de cor verde, o resultado do jogo: 4x1. Foto: Arquivo do Guarany Futebol Clube. 74
Marianense X Guarany Histórias de rivalidade além das quatro linhas
Emílio Ibrahim vestido com a famosa camisa do Fluminense Football Club. O jogador, que iniciou sua carreira no Guarany, foi contratado pelo tricolor carioca em 1948. Foto: Autor desconhecido/Arquivo do Guarany Futebol Clube. 75
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Time do Marianense Futebol Clube do ano de 1960. A equipe venceu o Guarany por 3x2 no campo do Olimpic. Mesmo não valendo título, para muitos, esta é a maior vitória do clube rubro-negro. Foto: Autor desconhecido/Arquivo Pessoal de João Luiz dos Santos. 76
Marianense X Guarany Histórias de rivalidade além das quatro linhas
Verso da foto anterior. Com data e placar do jogo, o ex-goleiro do marianense João Luiz escreveu: “Esta é a maior vitória que João Luiz ‘têve’ em ‘sima’ do Guarany F.C. Deus tarda mais não falha”. Foto: Arquivo Pessoal de João Luiz dos Santos. 77
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Ao centro da imagem, Paulo Munheca em ação pelo Guarany. Paulo era portador de necessidade especial – não tinha uma das mãos – mas isso não o impediu de ser considerado um dos melhores jogadores da região. O craque esteve em campo no clássico de 1960. Foto: Autor desconhecido/Arquivo do Guarany Futebol Clube. 78
Desfile comemorativo do Marianense no ano de 1963. Na imagem estão em destaque Cláudio, Dico e João Luiz. O treinador Dico e o goleiro João são importantes personagens do clássico entre Marianense e Guarany em 1960. Foto: Autor desconhecido/Arquivo do Marianense Futebol Clube. 79
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Recorte do Jornal: “O Arquidiocesano”, do dia 3 de janeiro de 1960. A reportagem narra a crônica do jogo vencido pelo Marianense sobre o rival Guarany. Foto: Arquivo Pessoal de Rafael Arcanjo Santos. 80
Marianense X Guarany Histórias de rivalidade além das quatro linhas
Imagem do Padre José Dias Avelar sobre o Colégio Dom Frei Manoel da Cruz – atual Instituto de Ciências Sociais Aplicadas (Icsa). Foto: Autor desconhecido / Arquivo Pessoal de Oscavo Carimbos. 81
Filipe Barboza
Referências Fontes orais - Alípio Evangelista Borges, “Alípio Doido”, 67 anos, carcereiro aposentado – ex-lateral-direito do Marianense (jogou aproximadamente dos 12 aos 23 anos no time, somando categorias de base à equipe principal). Também atuou em duas partidas pelo Guarany em 1965 (Entrevista concedida ao autor em 06/11/13). - Amadeu da Silva, 81 anos, eletricista aposentado – meia-armador do Marianense de 1947 a 1957, treinador dos times juvenis e infantis do Marianense de 1958 a 1968 e presidente da Banda União XV de Novembro (Entrevista concedida ao autor em 06/11/13). - Derly Pedro da Silva, 70 anos, advogado – ex-conselheiro do Marianense na década de 1980 (Entrevista concedida ao autor em 02/10/13). - Emílio Ibrahim, 88 anos, engenheiro aposentado – meio-campista do Guarany no início da década de 1940 e jogador profissional do Atlético Mineiro e Fluminense (Entrevista concedida ao autor em 08/11/13). - Felicio Timóteo dos Santos, 84 anos, minerador aposentado – presidente do Guarany de 1978 a 1980 (Entrevista concedida ao autor em 01/10/13). - Frederico Ozanan Teixeira Santos, 72 anos, funcionário do Banco do Brasil aposentado – diretor social do Marianense na 82
Marianense X Guarany Histórias de rivalidade além das quatro linhas década de 1970 (Entrevista concedida ao autor em 24/09/13). - Hebe Maria Rôla Santos, 82 anos, professora emérita da Ufop - sócia do Marianense e ex-promotora de eventos do clube (Entrevista concedida ao autor em 04/10/13). - Israel Quirino, 52 anos, advogado, professor e assessor técnico da Prefeitura de Mariana – sócio do Guarany no início dos anos 1980 (Entrevista concedida ao autor em 12/11/13). - Jaime André Machado “Jaime Porco”, 93 anos, motorista aposentado – ex-zagueiro do Guarany (jogou futebol até por volta dos anos 1950) (Entrevista concedida ao autor em 03/10/13). - João Luiz dos Santos, 81 anos, mecânico aposentado – goleiro do Marianense nas décadas de 1960 e 1970 (Entrevista concedida ao autor em 01-10-13). - Marcílio Geraldo Vieira de Queiroz, 52 anos, advogado – sócio do Marianense (Entrevista concedida ao autor em 05/12/13). - Mário Rodrigues Rocha, 70 anos, professor de educação física aposentado – zagueiro do Guarany de 1960 a 1966, conselheiro do Guarany por 17 anos e ex-presidente do clube por dois mandatos (décadas de 1970 e 1980, aproximadamente) (Entrevista concedida ao autor em 24/09/13). - Marlene de Souza Maia, 73 anos, pedagoga aposentada – sócia do Marianense por mais de 30 anos. (Entrevista concedida ao autor em 16/10/13). - Marly Moysés Silva Araújo, 74 anos, pedagoga aposentada 83
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– sócia do Marianense por mais de 30 anos (Entrevista concedida ao autor em 16/08/13). - Moacir Eleutério, 66 anos, metalúrgico aposentado – atual presidente do Guarany (Entrevista concedida ao autor em 1909-13). - Rafael Arcanjo Santos, 66 anos, professor aposentado – ex-tesoureiro do Guarany (década de 1970), ex-secretário do conselho deliberativo do Guarany (década de 1980) e atual secretário do conselho deliberativo do Marianense (Entrevista concedida ao autor em 23/09/13). - Raimundo Esidoro Maurício “Cauby”, 74 anos, eletricista aposentado – meia-armador do Marianense na primeira metade dos anos de 1960 (aproximadamente 1960, 1961, 1962) e meia-armador do Guarany na segunda metade dos anos de 1960 (aproximadamente 1965, 1966) (Entrevista concedida ao autor em 04/11/13).
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Filipe Barboza é natural de Ouro Preto, mas reconhece Mariana como a sua cidade natal, visto que nela foram desenvolvidos os maiores laços e afinidades responsáveis pelo seu crescimento. Bacharel em Jornalismo pela Universidade Federal de Ouro Preto, ele narra neste livro-reportagem, fruto do seu trabalho de conclusão de curso, histórias de uma rivalidade socio--esportiva que o instiga desde criança.
Marianense x Guarany Hist贸rias de rivalidade al茅m das quatro linhas