Nós da mineração

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A atividade mineradora como desveladora de histĂłrias em Mariana


Universidade Federal de Ouro Preto Instituto de Ciências Sociais Aplicadas - ICSA Curso de Jornalismo Cristiano Quirino Gomes Laura Helena Carvalho Vasconcelos Autores Frederico Tavares Professor orientador Gabriela Ribeiro Projeto gráfico e diagramação Gabriel Falconiere Arte da capa e contracapa

G633n

Gomes, Cristiano Quirino. Nós da mineração: a atividade mineradora como desveladora de histórias em Mariana / Cristiano Quirino Gomes, Laura Helena Carvalho Vasconcelos – 2014. 218f. Orientador: Prof. Dr. Frederico de Mello Brandão Tavares.

Monografia (Graduação) - Universidade Federal de Ouro Preto. Instituto de Ciências Sociais Aplicadas. Departamento de Ciências Sociais, Jornalismo e Serviço Social. Área de concentração: Jornalismo. 1. Minas e recursos minerais. 2. História oral. 3. Entrevistas. 4. Mariana (MG). 5. Jornalismo – Manuais de estilo. I. Vasconcelos, Laura Helena Carvalho. II. Universidade Federal de Ouro Preto. III. Título. CDU: 070


Ă€s nossas famĂ­lias e a todo corpo docente do curso de Jornalismo da Universidade Federal de Ouro Preto



Introdução

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Do ouro ao minério - as nuances entre o passado e o presente em Mariana

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A descoberta A descoberta da primeira mina deda primeira mina de 17 ouro em Mariana 20 Um nó a mais em sua formação 22 O novo ouro –– uma nova mineração A descoberta de jazidas em Mariana 24 uma nova mineração regulamentada Uma nova maneira de se fazer mineração A mineração e a sociedade

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Gente de Mariana

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Filhos da terra Vidas transformadas

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Entrelaçados pelo tempo

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Mariana por Mariana

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Entrevistados

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Referências Bibliográficas

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introdução



Mariana, berço da cultura mineira, retroalimenta em sua

história uma grande essência repleta de características atreladas ao processo mineral, que podem ser percebidas por meio das diversas formas presentes na cidade - pelo ato, a fala ou até mesmo a linguagem. A partir da escuta - prática adotada no dia a dia de um repórter - descobrimos diferentes personagens que, por ironia do destino, estão conectados a essa realidade. Como em uma rede, verdadeiros nós, a partir de cada detalhe, foram sendo descobertos e o resultado dessa pesquisa foi delineando histórias, que puderam ser evidenciadas neste livro jornalístico. A ideia de sua construção nasceu a partir de um desejo dos autores - que nasceram em Mariana - de oferecer um retorno à cidade, já que nela começaram uma nova etapa de suas vidas durante a graduação em Jornalismo, pela Universidade Federal de Ouro Preto. Ao longo de quatro anos de muitos estudos, técnicas e teorias colocadas em prática, notou-se a necessidade de revelar mais do que histórias, mas também momentos presentes no cotidiano de quem vive ou simplesmente passa por Mariana. Quem são eles? Lédio, Marina, Walter, José, Hebe, dentre outros que contaram, por meio de entrevistas, momentos marcantes de suas vidas. Envolta a essas histórias, está a mineração com alguma parcela de participação. Entre uma pergunta e outra, o respiro, o suspiro, a mão apertada e às vezes o silêncio tomaram conta do momento. Pensamentos estavam por trás de cada semblante, e as memórias, volta e meia, se mesclaram entre os depoimentos, junto à emoção. Primeiramente, um breve resgate de momentos marcantes da história de Mariana, de sua fundação a chegada da mineração nos anos 70 são abordados no livro. Logo após, são reveladas, por meio de entrevistas, histórias de vida de trabalhadores de fora e da cidade, assim como de moradores que deixam à mostra as influências que a mineração conseguiu exercer em suas vidas, bem como as transformações que Mariana passou ao longo de mais de 50 anos

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do processo mineral - do ouro ao minério de ferro. Um cruzamento entre o primeiro e o segundo capítulo procura evidenciar as mudanças e o atual cenário da cidade, que ganha voz no último capítulo, revelando, por meio de um perfil poético, e com um tom mais literal, as suas características, desejos e a sensações adquiridas ao longo do tempo. As histórias desses personagens se cruzam no dia a dia pelas ruas da cidade que tem vida. Talvez muitos deles não se conheçam, mas as suas vidas estão conectadas, como em uma rede, revelando sentimentos e sensações que podem passar despercebidas, mas se ligam por uma linha imaginária. Algumas dessas histórias estavam, até o momento, presentes apenas em dizeres populares, e não evidenciadas na linguagem escrita. Como em uma colcha de retalhos, os nós foram construídos. Sinta-se à vontade e descubra estes laços construídos e conectados pelo tempo e por quem vive, mora, trabalha e se reinventa com o intuito de manter a identidade de Mariana sempre viva.


Do ouro ao minĂŠrio as nuances entre o passado e o presente

capĂ­tulo i



Em 16 de julho de 1696, fundou-se Mariana, que primeira-

mente recebeu o título de Vila de Albuquerque, pelo bandeirante Salvador Fernandes Furtado de Mendonça, dentre outras autoridades da época. O título foi dado em homenagem ao então CapitãoGeneral da Capitania de São Paulo e Minas Gerais (1710), que foi o responsável pela criação, em 1711, das primeiras vilas no Brasil. A denominação da Vila também se deu pelo fato de Albuquerque ter vindo se instalar em Mariana. As expedições de bandeirantes, homens que andavam em busca de novas descobertas, principalmente de riquezas, proporcionaram à Vila o destaque de pioneira entre as outras cidades mineiras a receber essas expedições. Mariana revelou mais do que um extenso território, assim como verdadeiras joias em seu interior, que anos mais tarde se tornaram as fontes principais de riquezas do Estado de Minas Gerais. O título Mariana foi concedido oficialmente em 1745, em homenagem à rainha D. Ana de Áustria, esposa de Dom João V, rei de Portugal. Entretanto, não foi só o nome que se modificou: a antiga Vila se elevou a categoria de cidade, a “primaz de Minas Gerais”. Essa conquista ocorreu após sua participação em uma disputa interna, em que a vila que arrecadasse a maior quantidade de ouro por determinado tempo se tornaria cidade e, logo, capital das Gerais. Os traços criados desde a sua descoberta começaram a despertar o interesse de muitas pessoas, que viram a chance de encontrar outras oportunidades entre as montanhas, o rio, e em seu extenso território. Com isso, as comunidades — antigos arraiais — foram formadas para receber imigrantes, que, assim como os primeiros bandeirantes, trouxeram características que contribuíram para a formação de Mariana. A miscigenação entre esses novos e os antigos habitantes trouxe características de culturas, traços, costumes peculiares, que começaram a desenhar a identidade da primeira capital de Minas. Entre os séculos XVII e XVIII, urbanismo, religião, infraestrutura foram alguns dos temas que ganharam destaque na rotina de uma sociedade que rapidamente ganhou solidez e deu um novo rumo para quem

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estava pisando pela primeira vez em solos marianenses. O arraial Ribeirão do Carmo foi o primeiro a ser criado. Depois nasceram outros: Camargos, Furquim, Cachoeira do Brumado e Bento Rodrigues. Em toda região ao redor de Mariana foram encontradas reservas de ouro, o que ocasionou a vinda de pessoas para a redondeza. O amarelo começou a se destacar nas bateias — objeto de madeira que se usa na lavagem da areia, onde estava presente o material valioso — e, antes, o que era apenas o verde das matas, ganhou novos aspectos e cores. Em 1718, Mariana já possuía cerca de 10 mil dos quase 35 mil escravos do estado de Minas Gerais; a cidade aos poucos foi adotando a lavra como forma para realizar o processo de extração. De acordo com a pesquisa realizada pelo autor Olintho Pereira da Silva, “A mineração em minas gerais: passado, presente e futuro”, o Ciclo econômico do Ouro conseguiu se sobrepor também à descoberta e extração de diamantes, caracterizada por ações predatórias de jazidas. Houve ainda a degradação do meio ambiente e o desequilíbrio que eram causados pelo desabastecimento das fontes de ouro. A exploração do diamante, da prata e de outros minerais não foram tão intensas quanto a do ouro, que ganhou significância econômica, gerando uma intensa busca pelo mineral que precisou ser controlada. Com isso, a mineração do ouro sofreu séria decadência: não haviam alimentos e nem cuidado devido com a população. Essa situação causou o êxodo das terras, então descobertas, promovendo, assim, a exploração de outras minas próximas à região. Então, a partir de 1700, vieram os ciclos de fome: o interesse se voltava para a ganância do recebimento dos impostos e a população ficava em segundo plano. Para estabelecer um sistema de controle do que era conquistado nas montanhas de Mariana, por volta de 1709, a Coroa Portuguesa criou os dois principais impostos responsáveis pela organização do comércio de ouro: o Quinto e os tributos cobrados pelas Casas de Fundição. As Casas - destino do ouro extraído das minas e jazidas -


eram encarregadas de recolher os tributos sobre o que era vendido, controlando, assim, a quantidade de ouro que entrava e saía da cidade. Já o quinto era o imposto cobrado sobre o ouro encontrado nas colônias da Coroa Portuguesa. A taxa correspondia a 20% do metal extraído, que recebia também um certificado de recolhimento. Primeiramente, pagava-se por bateia e depois da revolta de alguns populares, em 1720, foi acertado com o governador Antônio de Albuquerque o pagamento de 30 arrobas - unidade de massa adotada em Portugal - por ano. Esse tipo de imposto cobrado não tinha somente o intuito de vigiar a movimentação do ouro, mas também de manter o controle da riqueza nas mãos da Coroa. O que justifica isso é que, mesmo antes da descoberta das minas na região e até mesmo no Brasil, o Reino de Portugal determinava como direitos reais as minas de ouro, prata e outros metais. Em 1745, quando a Vila Nossa Senhora do Carmo se transforma em Mariana, o Papa Bento XIV constrói na cidade a sede do primeiro Bispado de Minas Gerais, desmembrado da diocese do Rio de Janeiro. Esse ato de independência em relação à diocese anterior traz à Mariana a possibilidade de construir seu próprio berço e legado de religiosidade. No Ciclo do Ouro, a produção mineral mundial atingiu cerca de 1.500 toneladas, sendo que a capitania de Minas Gerais – entre Mariana e Ouro Preto – foi a responsável por contribuir com 700 toneladas, metade do ouro produzido no período.

A descoberta da primeira mina de ouro em Mariana Registros históricos mostram que o ouro foi descoberto na Vila da Passagem, localizada entre as cidades de Ouro Preto e Mariana, pelos mineiros que, durante a bateia nos rios e depósitos aluviona-

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res – materiais depositados pelos cursos de água –, visualizaram o ouro pela primeira vez no local. O distrito foi percorrido por bandeirantes, que atingiram a bacia do Rio Doce, chegando ao Ribeirão do Carmo, no qual localizaram o ouro aluvionar abundante. A falta de conhecimento do material e de como extraí-lo foi compensada pela riqueza dos instrumentos rudimentares, de fácil acesso. Quando a mina a céu aberto foi descoberta, em 1709, o trabalho local de exploração era manual e escravo, contando com milhares de homens, evoluindo alguns anos depois para a mecanização. As formas de exploração foram a prospecção (uso de bateias, nos rios) e a lavra a céu aberto. Pouco antes da chegada da Família Real Portuguesa (1808), descobriu-se ouro no interior de rochas como: quartzitos, xistos grafitosos e dolomitos, dando maior longevidade ao Ciclo do Ouro, que passou a ser explorado também através das jazidas, nas lavras das minas subterrâneas. Os escravos e exploradores possuíam como alternativas à falta de ferramentas aprimoradas algumas habilidades no que diz respeito à elevação da água para os morros e encostas da região. Em 1808, a partir da transferência da Corte Portuguesa para o Rio de Janeiro, Dom João VI percebeu a terrível crise da mineração aurífera e contratou o Barão Wilhelm Ludwig von Eschwege, habilitado pela Universidade de Göttingen, na Alemanha, para realizar um diagnóstico da mineração brasileira como um todo. O Barão deveria sugerir soluções práticas para os problemas detectados e avaliar ainda outros possíveis materiais passíveis de serem economicamente aproveitados. Eschwege foi incansável nos seus esforços de desenvolver a indústria mineral brasileira. Procurou visitar todas as ocorrências que lhe foram relatadas e fomentar o aproveitamento daquelas que julgava úteis e econômicas. Indo muito além das suas obrigações contratuais, ele criou a Sociedade Mineralógica de Passagem, primeira empresa do setor. Dessa forma, pôde extrair o restante do material


que ainda existia na margem direita do Ribeirão do Carmo, em Passagem de Mariana. Seu nome é relembrado, principalmente quando se trata das mais variadas tentativas de explorar a região: pesquisou métodos utilizados em outras cidades e desenvolveu técnicas específicas para a Mina da Passagem. A Mina pertenceu a várias pessoas e esteve paralisada por quase 16 anos não consecutivos. Em 14 de março de 1883, foi vendida a um sindicato francês, que constituiu a “The Ouro Gold Mines of Brazil Limited” (Minas de Ouro do Brasil LTDA). Até o ano de 1927, a empresa funcionou com sucesso, quando foi vendida ao grupo Ferreira Guimarães, de banqueiros de Minas Gerais e transformada, em maio do mesmo ano, na Companhia Minas da Passagem, que persistiu até 1954. Depois disso, esteve paralisada por mais alguns anos, devido à inflação, falta de capital, de técnicas engenhosas de exploração e alta no preço do ouro. O que finalmente lacrou a decadência da Companhia foi a obrigatoriedade de toda a produção ser vendida ao Banco do Brasil, tornando a lavra economicamente inviável. Entre 1967 e 1973, o Grupo da Companhia Anglo Brasileira de Construções assumiu as ações da Companhia Minas da Passagem, mas não obtiveram sucesso na tentativa de reorganizar o processo exploratório. No ano de 1976, os acionários majoritários retornaram o controle acionário a Walter Rodrigues. Atualmente, o local pertence aos irmãos da família Rodrigues, que dividem as ações entre si. Ainda nesse período, empresas inglesas que se consolidaram no Brasil foram introdutoras de novas e revolucionárias tecnologias, especialmente processos hidrometalúrgicos para extração de ouro de minérios com baixo grau de liberação com o metal. Entre os anos de 1819 a 1960, extraíram-se aproximadamente 35 toneladas de ouro, divididas entre portugueses e ingleses. Hoje, a Mina de Ouro da Passagem ainda possui material, mas só funciona para visitação, que atrai turistas do mundo inteiro.

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Um nó a mais em sua formação

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Mariana também se tornou cenário de grandes manifestações culturais e artísticas. O entoar dos sinos, presentes nas igrejas católicas durante sua formação, começou a fazer parte da vida dos moradores da antiga Vila. Esses badalos, muitas vezes eram os responsáveis por revelar ações que aconteciam em Mariana, mostrando principalmente o poder da religião e como ela conseguiu se concretizar na cidade. Cada horário e o modo com que os toques dos sinos soavam já eram conhecidos pela população, que a partir do som compreendiam a mensagem transmitida pela igreja, o que permanece até os dias atuais. De acordo com a historiadora Hebe Rola, essa forma de comunicação, imperativa e ao mesmo tempo sensitiva, conduzia o ritmo de Mariana, se tornando a forma mais direta de diálogo mútuo entre os dogmas católicos e a comunidade. Segundo o Instituto de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), a prática dos toques dos sinos tem mais de 700 anos na história mundial, e foi por meio dela que marcas foram evidenciadas, como a gestual, o culto e a devoção aos santos, isso, a partir do conhecimento da doutrina e por meio do aprofundamento da fé. Essas expressões culturais foram se tornando cada vez mais intensas, tendo em vista as singularidades presentes nas mensagens que queriam ser transmitidas à população, por meio de procissões, e demais rituais católicos. A população associava as práticas aos momentos cotidianos da vida, mesclados entre os afazeres do ritmo da cidade, e as atividades do setor mineral, o que persiste até os dias atuais. Cada toque ganhava um significado: poderia ser um nascimento ou morte, um chamado para missa ou a revelação da agonia, transmitida por algum doente da cidade. A cultura dos sinos continua se fazendo presente na “primaz de Minas”, porém somente em algumas situações, sendo mais perceptí-


vel em festas religiosas, ou quando há um falecimento na cidade. Ao todo, 11 capelas e igrejas fazem parte do acervo histórico de Mariana. Além da religião, a cidade também foi cenário que inspirou grandes artistas, escritores, pintores e demais profissionais da arte. A inspiração veio da sua arquitetura, incluindo as suas principais formas de expressão e singularidades. Obras dos mestres Antônio Francisco Lisboa (Aleijadinho) e Manoel da Costa Athayde também completam o cenário arquitetônico da cidade, que traz um ar bucólico e singular, e que complementam o rico patrimônio que se tornou. Inspiradas nesses artistas, outras obras continuam sendo produzidas, mantendo a tradição e a cultura. Uma das peças mais antigas da cidade, e a única que existe fora da Europa, foi trazida para Mariana, em 1753. O Órgão Arp Schnitger, que possui mais de mil tubos em sua constituição, foi um presente do Rei D. José I. Encantando pela sua grandiosidade, assim como as formas com que transmitiam os sons, a peça ainda se mantém na Catedral da Sé, localizada no centro da cidade. Outra marca profunda e que ainda se mantém na cidade são as comidas típicas, que possuem o sabor do passado. O tempero se mescla entre as características dos hábitos indígenas, com toques das culinárias portuguesa e africana. Um dos pratos é o feijão tropeiro. A mistura entre feijão cozido, farinha de mandioca e linguiça se tornava, às vezes, o único alimento do dia, mas que era responsável por satisfazer e renovar as energias para mais expedições. Já para os escravos, era servida galinha caipira com quiabo e angu (farinha de fubá com água). As heranças entre a religiosidade, produções artísticas e traçadas pela culinária se cristalizaram por todos os lados da cidade. O jogo de interesses pode ser percebido em todas essas áreas que denunciam em detalhes as peculiaridades de Mariana, trazidas e criadas em seu solo por quem passou por ele e deixou marcas. A força da primaz de Minas cresceu a cada momento e fato histórico, possibilitando o seu desenvolvimento econômico, geográfico e

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social. A sociedade nasceu e, com ela, suas formas de expressão entre os badalos, as forças por meio da fala e de suas atitudes, trespassadas pelos ciclos vivenciados ao longo de mais de 300 anos de história. Consideravelmente, pode-se dizer que o ouro descoberto nas Gerais só pode ser evidenciado graças às mãos dos escravos e trabalhadores que, dia após dia, realizavam a extração do mineral. Foi nesse contexto que Mariana começou a delinear aspectos significativos de um sistema em que as questões sociais e as relações entre individuo, trabalho e espaço de convivência passaram a fazer parte da sua identidade. Esse processo se deu em vista às histórias de vida, que delinearam o fomento de formas sociais, diretamente ligadas à estrutura econômica da região, que crescia juntamente com a chegada de cada vez mais pessoas que vislumbraram na cidade a chance de construírem uma nova forma de viver. As características desses indivíduos, como num ciclo, fizeram com que a cidade fosse ganhando um perfil multifacetado e repleto de diferentes comportamentos e culturas. A partir do olhar e das ações de pessoas oriundas de outras regiões do país, do mundo, e daqueles que nasceram em terras marianenses, e aqui começaram a construir suas vidas é que se construiu a atual identidade da cidade de Mariana.

O novo ouro A cidade de Mariana foi uma das principais fornecedoras de ouro para Portugal, sob responsabilidade da Coroa Portuguesa. A história do ouro e de sua exploração é intrínseca à sua história, fazendo parte da maioria dos discursos da cidade e de seus moradores. Dentre as descobertas na região, destaca-se que em 1876 foi fundada, em Ouro Preto, por Claude Henri Gorceix, a Escola de Minas, que se tornou a pioneira nos estudos relacionados às áreas


de geologia, mineração e metalurgia. A iniciativa de sua criação se deu por parte de D. Pedro II, que viu a possibilidade de progressão da instituição na área e na região. Paralelo a isso, fundou-se, em Itabirito, a Usina da Esperança, que se caracterizou por ser uma das primeiras e mais modernas no Ciclo da Siderurgia. Entre os séculos XIX e XX, foram descobertas ricas jazidas de minério de ferro na região central de Minas Gerais, na cidade de Itabira, com alto teor de qualidade. O Pico do Cauê, onde se encontrava a maior quantidade das riquezas nessa cidade, se tornou alvo de disputa por empresários estrangeiros. Somente em 1942, a extinta Companhia Vale do Rio Doce, empresa estatal, foi instituída e assumiu o comando da exploração. Itabira foi somente o pontapé inicial para a descoberta de novas jazidas no Quadrilátero Ferrífero - que abrange as cidades de Sabará, Santa Bárbara, Mariana, Congonhas, Ouro Preto, João Monlevade, dentre outras - sendo responsável por 60% da produção nacional de minério de ferro, localizado em uma área de sete mil quilômetros quadrados. Além do minério, foram extraídos também, em quantidade significativa, ouro e manganês. A partir de 1960, a cidade de Mariana viu no minério de ferro um novo ouro. A chegada das grandes mineradoras deu início ao surto minerário da cidade: S.A. Mineração Trindade (Samitri) (1939), a Companhia Vale do Rio Doce (CVRD) (1942), e Samarco Mineração S.A (1977). As empresas trouxeram progresso, giraram a economia a altos golpes, mas também colocaram o bloco da degradação no espaço social. As minas da região, como a de Germano e Timbopeba, ganharam grande investimento das mineradoras - sedentas de progresso e ganância - e o tamanho das minas, caminhões e usinas de beneficiamento já se mostravam prova disso. Em 24 de outubro de 1944, o primeiro bloco de pedra retirado marcou o início do projeto em Mariana, gerando repercussão nacional e dando inicio à exploração naquela região.

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A descoberta de jazidas em Mariana – uma nova mineração regulamentada

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A partir do fim do século XIX, a monarquia já não se encaixava mais nos padrões desejáveis para o governo brasileiro, mas tudo o que se passou marcou a história da mineração no Brasil. Além disso, deu subsídios para que ela se desenvolvesse, expandindo os horizontes, experimentando novas técnicas e adquirindo experiências no que diz respeito à exploração mineral. As mudanças no governo e no sistema (de Monarquia para República) influenciaram diretamente na mineração, repercutindo na economia e na sociedade como um todo. Os princípios defendidos por Eschwege no século XIX impulsionaram, direta e indiretamente, uma nova visão sobre a mineração: a de descobrir fontes alternativas de exploração. Surgiram, então, novas matérias-primas, métodos de exploração e maneiras alternativas de se fazer uso da riqueza, causando menos danos ao meio ambiente. A legislação mineral também evoluiu com o passar dos anos, se adaptando às necessidades do setor, das instituições relacionadas à mineração, do comércio e do país. Foram criados novos órgãos, conselhos e leis que regulamentavam a extração do solo e subsolo. Um dos decretos mais importantes da história da mineração data do ano de 1934, com a criação do Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM), órgão que centraliza todas as informações geológicas e de mineração existentes no país. Entre os anos de 1940 e 1946, surgiram duas das grandes empresas do país (Vale e Companhia Siderúrgica Nacional – CSN), colaboradoras para o desenvolvimento das cidades do Quadrilátero Ferrífero. Outra grande conquista foi a criação do Ministério das Minas e Energia (MME), em 1960, que assume as duas antigas responsabilidades do Ministério da Agricultura. A partir de então, a mineração passa a ser organizada de forma mais institucional, se vinculando a leis, decretos e constituições. Com o surgimento de empresas e também descobertas de novas jazi-


das – como a da Serra de Carajás, em 1967 –, definir setores e criar projetos para atender às demandas específicas se tornou essencial. A criação da Compensação Financeira pela Exploração dos Recursos Minerais (CFEM), em 1988, também incidiu sobre os valores da mineração, uma vez que determinou o pagamento de até 3% sobre o valor do faturamento líquido resultante da venda do produto mineral. Atualmente, as regras ditam que 65% da arrecadação da CFEM devem ser destinadas ao município onde o bem foi extraído. Os outros 23% vão para o Estado, e 12% para a União. A contribuição não pode ser usada para o quite de dívidas públicas ou folha de pagamento. De acordo com o Governo Federal, essa compensação financeira é calculada sobre o valor do faturamento líquido, obtido por ocasião da venda do produto mineral. Entende-se por faturamento líquido o valor da venda do produto mineral, deduzindo-se os tributos (ICMS, PIS, COFINS), que incidem na comercialização, como também as despesas com transporte e seguro.

Uma nova maneira de se fazer mineração As empresas mineradoras tiveram que abandonar o método tradicional de lavra e se adequar às novas demandas do mercado, extraindo o minério de ferro em grande escala. Havia a demanda de exportação, além da importação, e somente uma lavra mecanizada e técnica seriam capazes de atingir as metas de produção de cada empresa. A mecanização dos processos de lavra, beneficiamento e transporte do minério de ferro, foi essencial para garantir agilidade e qualidade ao produto final. A lavra ganhou técnicas de detonação e desmonte, com produtos e maquinários cada vez mais tecnológicos, que visam ao maior aproveitamento das jazidas. O beneficia-

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mento, fase de tratamento do material, em que se separa o minério do rejeito, ganhou técnicas de flotação – em que se usa água, amido ou outros elementos -, separação magnética e métodos que buscam aproveitar das características químicas e físicas do produto para separá-lo do indesejável. Já o transporte do material é feito por minerodutos: o minério, já tratado, é misturado à água, formando uma polpa, e colocado em dutos de ferro que ligam as empresas mineradoras às cidades em que o minério é pelotizado, consistindo na última fase do processo. Depois de transformado em pelotas, o minério segue para a exportação em navios, ancorados em portos de estados litorais. Para ser lavrado, o minério de ferro precisa se tornar economicamente viável. Essa relação é medida a partir do seu teor, que mede a relação entre a quantidade de minério, a qualidade, o valor a ser gasto na sua extração e seu valor de mercado. Muitas vezes, o valor a ser investido em sua exploração será inferior ao valor de comércio. O rejeito também tem seu custo de tratamento, e também pode fazer com que o minério, ao qual está agregado, se torne economicamente inviável quando sua quantidade for superior. As empresas mineradoras investem em mão de obra técnica especializada e experiente, que esteja atenta às especificidades do mercado, que muda suas necessidades a todo o momento; e às tecnologias, que buscam aperfeiçoar o processo e diminuir gastos e danos ao meio ambiente. Atualmente, segundo dados fornecidos pela Samarco, a empresa consegue gerar em torno de 1.559 empregos diretos em Mariana e Ouro Preto e outros 1.994 em empresas contratadas. Fornecedores da mineração também podem ser considerados como potencializadores da geração de novas vagas em outros setores, como comércio e serviços. No período entre 2011 e o primeiro semestre de 2014, a Samarco investiu cerca de R$ 4 milhões em ações de desenvolvimento social. Os recursos foram aplicados em ações culturais, educacionais e de geração de renda elaboradas pela comunidade


com o propósito de valorizar as tradições e estimular o empreendedorismo local. Fora os recursos destinados a essas áreas, existem outras que diretamente estão relacionadas ao processo da dinâmica provocada pela mineração, como o comércio, em destaque para a habitação, alimentação e o setor de transporte. Todo esse ciclo se constitui por meio das relações sociais existentes nesse processo. Relações estas que têm grande responsabilidade para a construção da dinâmica da sociedade, fazendo com que as várias histórias de vida dos indivíduos envolvidos permeiem o desenrolar do desenvolvimento da identidade cultural e histórica da cidade de Mariana.

A mineração e a sociedade A partir do século XXI, a mineração se tornou a principal fonte de renda da cidade de Mariana e de Minas Gerais como um todo. Em 2013, o segmento mineral foi responsável pela geração de mais de 38 mil postos de trabalho em Minas Gerais, e mais de 227 mil no Brasil, além de contribuir com 16,31% para o Produto Interno Bruto (PIB) do país. De acordo com o Instituto Brasileiro de Mineração (Ibram), o estado de Minas Gerais possui 19% das 300 minas em operação no país. As exportações de bens minerais primários de Minas no ano de 2012 representaram 46,5% do total exportado pelo País, de R$ 38,6 bilhões. A mineração cresce, mas a cidade de Mariana chega aos limites da sua área habitável. A devastação ambiental é perceptível nos morros e encostas onde se lavra o minério de ferro. O trânsito é caótico nos horários de pico, os aluguéis têm preços exorbitantes e viver em uma das principais cidades mineradoras do Quadrilátero Ferrífero pode custar caro demais. De acordo com o IBGE, em 2013, a população estimada para

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a cidade era de 57.639 habitantes. Cenário bem diferente do que existia em 1970, quando houve o início da exploração ferrífera em Mariana, fase em que chegaram na cidade as primeiras grandes empresas mineradoras, provocando um intenso êxodo rural e também de outras regiões do país. Entre lados positivos e negativos proporcionados pela mineração, a cidade de Mariana foi se transformando em um cenário onde histórias de vida se entrelaçaram, se tornando um de seus elementos fundamentais, que contribuíram para a concretude de seus valores materiais e imateriais. Moradores, trabalhadores da região e de outras cidades do país, do poder público e as próprias mineradoras, possuem visões diferentes sobre a prática da mineração, e principalmente as marcas deixadas por ela na vida e no cotidiano dos marianenses e de quem passa por ela. A cada fala, uma nova descoberta se revela sobre Mariana, possuidora de singularidades que contribuem para a formação da sua identidade, mas também de outras pessoas que possuem a cidade de Mariana como uma das personagens de suas histórias de vida. Um verdadeiro nó se forma, conectando as diversas histórias de vida num contexto social intenso. Para dar sentido a essa constante construção, que se completa de sentidos, a cada chegada e partida, a cada suspiro de vida ou de morte, deu-se início a escritura deste livro. A fim de descobrir personagens, de nativos a estrangeiros, que possuam momentos em suas vidas que entrem em sintonia com o enredo que cada um constrói para si mesmo, ao mesmo tempo em que contribui para a narrativa dessa Mariana.


gente de mariana

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Quem constrói a história e a identidade da cidade de Ma-

riana é o seu povo. Gente que nasceu, cresceu e construiu laços com a primaz. Outros, sem rumo definido, caíram aqui de paraquedas para lavrar junto aos nativos o tão valioso bem que nasce em meio às montanhas das Minas Gerais: o minério de ferro. Diante dos olhos de quem se diz gaveteiro - apelido que se dá aos marianenses, pois reza a lenda que os antigos moradores escondiam das visitas os pratos de comida em gavetões nas mesas da sala de jantar - passa um filme cujo personagem principal – Mariana – contracena com os bens minerais e todos os seus coadjuvantes. Uma história que começa a ser contada no século XVII por quem deu início à exploração mineral, com o Ciclo do Ouro, e que já dava sentido à formação sociológica dos indivíduos pertencentes ao meio. Índios, escravos, exploradores, ou qualquer outra pessoa que tenha retirado minerais da terra para seu próprio uso. Perante o cenário de interação entre homem e natureza, emergem a cultura, os patrimônios materiais – o casario da era Barroca, com toda sua suntuosidade, as igrejas construídas pelos escravos, repletas de ouro – e os imateriais – as lendas urbanas, as danças, as crenças e os mitos de um povo. Tudo isso se reúne para dar forma ao conteúdo, fazendo com que a cidade de Mariana seja única e, por mais transformações que sofra, continuará traçada de memórias, rascunhadas nos livros, guardadas nas pessoas ou soltas pelas suas ruas de pedras. Independente do lugar que ocupe no processo da mineração ou de seu círculo, cada personagem exerce um papel essencial na escritura da história de Mariana. Os moradores, como Dona Hebe Rola e o senhor Frederico Ozanan, viram com os próprios olhos a transformação da Mariana do ouro, para a Mariana do minério de ferro. Viram a rotina da cidade passar de pacata a movimentada. Acompanharam cada uma das descobertas das minas na cidade. Dona Hebe, conhecida senhora de Mariana, fez da vida uma luta para que a identidade da antiga Vila não se perdesse em meio

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às árvores cortadas e as pelotas de minérios, ou os ônibus e mais ônibus que chegavam com trabalhadores dos quatro cantos do mundo, cada qual com sua cultura e bagagem social. Todos para morarem aqui, junto aos nativos. Enquanto isso, Frederico Ozanan observava, da janela da sua casa no centro da cidade, a carroça que recolhia lixo ser substituída por um caminhão. Os familiares bailes dos clubes recreativos da cidade perdendo todo o seu clima intimista, e reunindo pessoas totalmente desconhecidas. Mas com isso, Ozanan via também o progresso: dinheiro que fazia circular a economia de Mariana, e que enche, até hoje, os cofres públicos. Já para Laércio não poderia ser diferente: uma nova oportunidade de crescer na vida. A chegada da Vale a Mariana abriu as portas para a independência financeira e deu rumo à vida antes cheia de incertezas. Morar em Mariana tornou-se algo agradável, por ser pequena e acolhedora. Com tudo isso, veio ainda o bônus: fazer uma graduação, ter o apoio da empresa, pensar em um futuro. Há vida além da mineração. No meio do caminho encontram-se José César e Walter, ambos demitidos da Vale na era Collor. José César, com o acerto, soube administrar seus bens e seu psicológico, fazendo com que a demissão desse impulso para que a vida continuasse. Para Walter, as coisas se embaralharam no meio do caminho: a perda de um filho, o divórcio. Anos depois, na barbearia de Periquito (Walter), eles se reencontram e têm uma nova oportunidade de voltarem juntos ao mercado de trabalho. Há ainda o Lédio, que trabalhou a vida inteira no mesmo lugar. Seu sobrenome é Samarco. Ele faz parte da turma que veste a camisa e tatua no peito o que ama fazer. Cresceu junto com a empresa, acompanhou a chegada da tecnologia e a evolução das relações entre empresa e funcionário. Casou-se, teve filhos, e hoje assiste ao sucesso profissional dos três, que seguem margeando o seu mesmo caminho.


Por fim, existem aqueles que passam, deixam marcas e se deixam marcar, e depois vão embora, ou ficam para sempre, como filhos adotados. De todos os lugares do mundo, a cada nova expansão nas empresas, milhares de pessoas passam a fazer parte da família marianense. Eles chegam sem avisar: bagunçam o trânsito, inflacionam os preços em todo o mercado, alugam as casas na cidade. Há quem diga que fazem subir também o índice de violência e criminalidade. Todos querem ter a oportunidade de crescer, de juntar dinheiro e voltar para sua família, assim como Jassoir e Geraldo. E o poder público? O acha sobre as transformações que a cidade se submeteu? As respostas são várias e os caminhos nem sempre planejados. De um lado, a população reclama por melhorias em todos os seguimentos - saúde, educação, mobilidade urbana e saneamento básico - do outro, a prefeitura declama a impossibilidade de agir. “Não há espaço, a estrutura da cidade não permite, mas temos dinheiro.” Mariana construiu laços visíveis e invisíveis entre as pessoas, por meio da mineração e das atividades relacionadas a ela. O que cada um tem a contar sobre essa distinta cidade, os momentos e as memórias vividas aqui alimenta a cada dia o seu patrimônio imemorial. O passado, presente no imaginário social e em toda a arquitetura marianense, se impõe perante o presente de forma bruta: a cidade não tem mais para onde crescer. Enquanto isso, o futuro grita impaciente sem saber para onde vai.

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FILHOS DA TERRA


Quem é da terra conhece bem suas as peculiaridades. A

rotina de quem viveu no passado, com a chegada da mineração, como Dona Hebe e Sr. Ozanan, é um pouco diferente das observações de quem vive na cidade hoje e depende, diretamente ou indiretamente, do processo mineral. Marina, Luciano e outros tantos que nasceram na cidade e aqui resolveram ficar possuem em suas memórias sensações, sentimentos de perdas, conquistas, altos e baixos. Essas lembranças, muitas vezes, são perceptíveis pelo olhar, que demonstra o quanto foram importantes e significativas, além de transformadoras. Mudanças fazem parte da vida das pessoas. No que diz respeito às lembranças, umas preferem ficar guardadas na caixa de memórias que cada um possui dentro de si, outras escorrem junto às palavras ditas por meio do relacionamento interpessoal. Apesar de todo o processo diário de transformação que a cidade passa, as histórias se entrelaçam e fazem com que um novo capítulo, a cada dia, seja construído, cujos autores são os personagens da vida real que se passa em Mariana. O poder público também exerce papel majoritário nessa construção do cotidiano da cidade. Além de serem moradores da cidade, Duarte Jr., Israel Quirino e Ronaldo Bento enxergam além das molduras da cidade, percebendo o contexto social e econômico de toda a região e também do país. Muito mais que garantir a segurança, saúde, educação e todos os direitos básicos dos cidadãos marianenses, inclusive dos trabalhadores, estão antenados às mudanças estruturais e organizacionais da cidade a partir da chegada de novos trabalhadores e a forma com que se acomodarão no território.

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Hebe Rola “Eu vivi o reflexo da mineração no meu dia a dia. Vi o dia em que eles tiraram as pessoas de suas casas, quando elas saíam da escola.” Dona Hebe Rola é a senhora mais popular de Mariana. Boa parte dos seus 83 anos de vida foram dedicados à manutenção da identidade cultural imaterial da cidade de Mariana, terra onde nasceu e foi criada. Apesar da idade, que avança a passos rápidos, Hebe faz parte da Academia Marianense de Letras e é fundadora da Academia Marianense Infanto-Juvenil de Letras, na qual leciona aulas de português e gramática. Participante assídua das reuniões populares da cidade, Hebe faz valer seu título de cidadã, manifestando sua opinião e lutando, dia após dia, para que os traços da memória de Mariana não se apaguem em meio à evolução. Como à senhora vê a relação entre a exploração do ouro e do minério de ferro?

Eu não vejo muita mudança. Naquela época, não havia aparelhagem. Em relação ao solo, o prejuízo é o mesmo. A mineração hoje dá mais amparo, principalmente na questão da nutrição dos trabalhadores, coisa que a Companhia Mina da Passagem carecia. Outra coisa que eu acho similar ainda é questão do impacto na terra, e também na falta de preservação da identidade cultural. E a cidade de Mariana, como era nos anos 70?

A cidade de Mariana para mim era principalmente a dos anos 50, quando a mineração da Passagem estava em franca decadência, e as outras mineradoras ainda não tinham chegado. Era uma cidade exclusivamente educativa e cultural, mas era sacrificada sob alguns aspectos. Havia uma fábrica de tecido só e a linha ferroviária, e não havia mais emprego. Então, o povo aprendeu a cultivar! No bicen-

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tenário de Mariana, o povo passou fome. Eles não sabiam nada, não criavam galinha, não plantavam, porque em Mariana, todo mundo ficava na sede do ouro, e ninguém se aprimorou. Nos anos 70, já foi mudando, porque nós já tivemos o fluxo de empresas mineradoras, e um prefeito que punha na televisão que estava doando terrenos e casas. Houve um fluxo de pessoas bem grande para a cidade, pois as empresas mineradoras traziam as empreiteiras. Essa explosão demográfica de Mariana não foi planejada a partir de um plano diretor. Todo mundo ia ganhando terreno, fazendo casa, invadindo tudo! Mariana, que tinha um traçado muito bem feito por José Fernandes Pinto Alpoim, engenheiro português, começou a se perder. O nosso povo, que era fino e altamente civilizado, e tinha uma educação fora do comum, viu a educação cair. Com a afluência das mineradoras, nós ficamos com uma população flutuante, que era das empreiteiras, que vinha e depois ia embora. Essas coisas todas foram modificando a vida de Mariana. Qual foi o impacto principal?

O urbanismo da cidade se perdeu. Perdeu-se também aquele ar de cidade provinciana, que era um ar gostoso, diferente. Ainda há lugares assim no Brasil. Perdeu-se também aquele jeito de ser, a maneira de agir. Nós fazíamos saraus nas casas, era outro tipo de vida. Não era essa Mariana afobada que temos hoje, com esse trânsito horroroso, sem nenhuma organização. A senhora saberia responder quem foi o responsável por trazer a mineração de volta nos anos 70?

Todo mundo sabia que aqui era um terreno minerador, próprio para a mineração. Tudo começou com a Companhia Mina de Passagem: ela se impôs em Passagem de Mariana, e acabou proliferando a tuberculose, porque os operários não tinham o mínimo de conforto para ficar explorando ali debaixo da terra. Eu assisti outro episódio, na Companhia de Passagem nos anos 70, quando eu era


diretora concursada da escola de Passagem: eles fecharam a Mina, tiraram as pessoas das casas, dispensaram os empregados e não acertaram com eles. Durante um período, nós da escola mandávamos para as famílias latas de refeição, para dar as crianças menores. Isso é o que uma empresa faz! Sofreu com algum impacto da mineração na sua vida?

Eu e minha família sempre moramos aqui no centro. Nós não tivemos muito impacto físico, mas temos o impacto social, porque quando a mineração chegou aqui, os nossos hábitos e costumes foram modificando o povo. O jeito do povo agir, tudo isso influenciou em nós. Agora, em relação ao impacto, eu penso várias coisas. Eu não sou uma cientista, mas penso que ao tirar os componentes da terra, pode estar causando problemas para a nossa flora e para a nossa fauna. Será que não causa problemas para a própria vivência das pessoas naquele lugar? Isso dá uma instabilidade para o solo, aos lençóis de água. Será que não causa impacto? Com relação ao povo, eu concluo que todos precisam ter mais personalidade. Elas querem ter um canal, querem ter alguém para falar as coisas para as autoridades. O povo de Mariana é frio, é pacato, quer que alguém resolva para ele. A minha preocupação é trabalhar com crianças, porque formar a criança é melhor, eles não têm nada na cabeça: é uma página em branco, em que a gente pode ajudar a escrever alguma coisa. E eu mostro pra eles que eles podem resolver, podem ser um ponto de apoio da comunidade. Por outro lado, um impacto que houve aqui foram os aluguéis, que agora são exorbitantes. O que foi? As empresas mineradoras! Os preços em Mariana da cesta básica são altíssimos! Também por causa das mineradoras, eles vieram ganhando bem e nós, que não ganhamos quase nada, sofremos o impacto. E de aspecto positivo?

A economia de Mariana é outra. O que a prefeitura recebe não é ainda o ideal, mas já é muito bom para o prefeito manter a cidade.

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Deu emprego também a mais gente. As senhoras que são domésticas têm um emprego melhor, vale transporte, todos os benefícios de um profissional. Há outra questão nessas grandes empresas que eu também respeito, que são os projetos em que elas ajudam o povo, em relação à cultura e à educação. Com essa convivência entre marianenses e com as pessoas que vêm de outras cidades, as pessoas de Mariana começaram a mostrar mais amor à terra. A principio, ficavam meio assustados, mas hoje eles têm consciência que precisam assegurar a terra e a identidade da terra deles. Isso eu acho muito bom!

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Dos anos 70 para cá, muitos grupos culturais se perderam ou acabaram. A senhora viu isso?

Vi! Nós tínhamos um grupo de folia que era um grupo cultural excelente, que não fazia só carnaval. Era eu quem fazia a marcha enredo e nós trabalhávamos temas como a descoberta e a história da cidade de Mariana. Esses grupos foram se perdendo, nossa folia também. O próprio Zé Pereira da Chácara já não tem a identidade dele, que é o batuque antigo, ritmado. Hoje, fazem boneco de Rede Globo, misturam muito as coisas, mas nós temos gente que trabalha para essa preservação com unhas e dentes. Hoje, quais são os grupos existentes?

Hoje temos a Associação das Bandas, criada há 3 anos para fortalecer essa cultura musical que estava se perdendo, porque as pessoas tinham vergonha de tocar na banda. Fazem parte da organização 11 bandas e nós temos um projeto denominado “Música com Classe”, em que, todo domingo, uma banda toca no jardim. Eu tenho também um grupo que trabalha comigo que se chama “Floresça Mariana, uma flor em cada janela e um livro em cada mão”, que tem o objetivo de preservar o cultivo das letras e da terra também, porque aqui ninguém planta mais. Nele, eu ensino os meninos a plantar flores, coloco na janela, falo com eles que se


a mãe deles plantar uma horta, eles vão comer muito bem. Eu vou estimulando os meninos, porque os velhos e os adultos já estão perdidos e Mariana está muito árida. Essa cultura, que nós sempre cantamos, nos vangloriamos dela, está se decepando, inclusive no congado, que perde seus elementos principais a cada ano. A senhora frequenta a Igreja Católica e costuma ir à missa?

De vez em quando eu vou lá. Se morrer uma pessoa, eu vou à missa do defunto. Eu acredito sim que a Igreja Católica já foi muito mais forte, ela dominou Mariana num período. A nossa atividade artística ficou muito parada por causa dela, porque tinha um bispo aqui chamado Dom Helvécio que levou para Ouro Preto tudo do nosso museu. Boa parte do museu de Ouro Preto é de Mariana. Levou também o Colégio Arquidiocesano, porque ele infiltrava na política partidária e brigava conosco, com o resto do povo que queria o bem da cidade, brigava com os meus pais, comigo não! A igreja Católica era muito rígida. As manifestações folclóricas, por exemplo, ela cortou todas. Mariana teve esse impacto provocado pela religião. A diminuição do poder dela aqui, tem a ver com a mineração?

Não! Tem a ver com a criação das igrejas evangélicas! A senhora acredita que o aumento no número de igrejas evangélicas foi ocasionado pela vinda de mais pessoas para a cidade?

Pode ser! Eu acho que é mesmo uma maneira da igreja trabalhar. Houve um aumento de fieis por conta dessas igrejas, mas a criação delas pode ter alguma relação indireta com as mineradoras. O que a senhora acha que vai virar Mariana daqui a cem anos?

Eu trabalho muito pra valorizar o patrimônio imaterial, mas é um trabalho de formiga. O turismo é que vai ser a salvação, mas ao mesmo tempo, estou pensando na formação da cidade histórica

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também: o turista vai vir aqui para promover o patrimônio imaterial, pois trabalho com a linguagem imaterial dos sinos. Nem os padres sabem a linguagem dos sinos, que é da constituição primeira da Igreja do estado da Bahia. Sino é igual gramática, para ser seguida religiosamente, pois não tem como você utilizar um termo sendo que você não sabe quem criou. Eu falo que o sino é o sistema mais democrata que nós temos, porque ele fala para todo mundo, a qualquer hora. Quais as marcas a mineração deixou na sua vida?

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Na realidade, a de Passagem deixou uma marca muito grande, porque eu convivi com a situação, com o grassar da tuberculose. Eu vivi o reflexo da mineração no meu dia a dia. Vi o dia em que eles tiraram as pessoas de suas casas, quando elas saíam da escola. Eu vivi o reflexo disso no dia a dia, na população de passagem. Com relação às outras empresas, eu não falo muito, pois há um impacto sim, em questão da terra, da vegetação, fauna, flora, eles vão devastando. O que me marcou mais foi a Companhia Mina da Passagem, porque eu convivi com essa situação. É muito difícil você ver as pessoas sem saber o que iam comer, ou como iam arrumar uma casa. Acho que essa foi a pior experiência que eu tive, em relação a outras companhias. Mariana está conseguindo preservar sua identidade?

Não, está se perdendo! Nós temos pouca gente que compreende o que é uma identidade cultural. Boa parte das pessoas que estão em altos cargos acha que a única forma de cultura é a acadêmica. Eu luto pela cultura popular, que é a nossa identidade! Os superiores, que se acham acima de nós, é que escreveram a história popular. Eu trabalho mais pelo patrimônio imaterial, já que o material todo mundo sente, porque é no bolso. Ele está se perdendo mesmo por influência de terceiros, que não entendem nada do que é Mariana. Eles estão acabando e destruindo a nossa identidade!


Frederico Ozanan Teixeira Santos “Papai até dizia que o silêncio é de ouro: enquanto as outras cidades só falavam no ouro, Mariana ficava calada juntando o mineral até o dia da grande apuração” Frederico Ozanan Teixeira Santos tem 73 anos e nasceu em Mariana. Durante sua vida, presenciou marcos importantes da transição histórica das minerações aurífera e de minério de ferro: viu a Companhia de Minas da Passagem se enriquecer, e depois sofrer forte declínio, viu as grandes empresas chegarem para lavrar o minério de ferro e alavancarem a economia marianense, trazendo o progresso, o desmatamento e o crescimento urbano desordenado. Advogado, membro da Academia Marianense de Letras e Diretor Executivo e Cultural da Casa de Cultura de Mariana, já foi funcionário do Banco do Brasil e editor de dois importantes jornais impressos da cidade histórica: o Jornal de Mariana e a Folha de Mariana. Na bagagem, ele carrega as imagens vistas e as histórias ouvidas ao longo dos 73 anos percorridos com simplicidade e amor pela cidade de Mariana. Com um pé no passado e outro no futuro, Frederico relembra saudoso os tempos efêmeros da pacata Mariana e sonha com um futuro de sossego, com os pés enraizados na cidade em que ele se orgulha de pertencer. Qual era a estrutura da cidade antes da mineração chegar?

A minha geração viveu a tradição, aqueles costumes de nossos bisavós. Porque nada no Brasil crescia, tudo era igual. Eu sou do tempo que não tinha televisão em Mariana, nem geladeira. Havia fogão a lenha com serpentinas para aquecer a água, porque a companhia que fornecia luz para os marianenses era muito fraca. Era uma iluminação ruim mesmo, aquelas lâmpadas vermelhas. Havia um episódio interessante: a gente tinha que esperar dar dez horas

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da noite, que era a hora em que a fábrica desligava, para que a luz aumentasse e a gente pudesse ouvir os rádios “rabo de foguete”, que exigiam menos força. Os usos e costumes de Mariana, na época, não mudavam, mas a cidade era tranquila, uma calmaria! Nós tínhamos dois clubes: o Marianense e o Guarani, que tinha futebol e bailes. Eu vou dizer: era tudo familiar, quando você saía na rua, sabia com quem ia conversar. Hoje, às vezes, você sai e fica no meio de gente que nunca viu. As festas nos clubes eram muito intimistas e muito familiares. Hoje já não são mais. Eu não sou contra a evolução, está muito bom assim. Mas a cidade era muito diferente. E o progresso veio em função da mineração. Como a mineração começou a marcar a história de Mariana?

A mineração já existe desde o início dos tempos na história de Mariana e exerce um lado sociológico importante na formação da nossa cidade, porque nós somos uma área de mineração, assim como Ouro Preto, essas cidadezinhas pequenas aí, como Santa Bárbara, Catas Altas. Então, as nossas atividades, desde os tempos imemoriais do século XVIII, se baseiam na mineração. Agora se diversificou, porque além da mineração, outras atividades vão surgindo com ela. Quando Mariana se elevou ao posto de cidade, ela ganhou uma competição de extração de ouro. Papai até dizia que o silêncio é de ouro: enquanto as outras cidades só falavam no ouro, Mariana ficava calada, juntando o mineral até o dia da grande apuração. Mariana ganhou o arcebispado e passou de vila para cidade. A Companhia Mina de Passagem, que pertencia aos ingleses no século XVIII e hoje pertence à família Rodrigues, também tem um papel importante. Ela foi muito importante porque gerou muitos empregos, e até meu bisavô já trabalhou nela. Quando o senhor começou a perceber os primeiros sinais da evolução chegando à cidade?

Evolução econômica e social eu percebi nos anos 70 e 80. Co-


meçou a vir muita gente pra Mariana e, logo em seguida, em 70, chegaram as primeiras mineradoras. Nós tivemos duas fases de mineração: a do ouro e a atual, a mineral. A do ouro trouxe essa beleza das igrejas, do casario colonial. Mariana é uma cidade que tem um traçado especial, feito pelo arquiteto português José Fernandes Pinto Alpoim, devido à mineração aurífera. Isso, há 200 anos ou mais, já existia. Toda essa beleza que se vê aí no centro histórico de Mariana vem do ouro, além de mais algumas outras como São Pedro, Santana, e a do Rosário. Já essa outra mineração foi mais predatória, porque trouxe o desenvolvimento, mas trouxe também os problemas de mobilidade urbana, violência, invasões de terra, coisas que não existiam em Mariana. Aqui sobrava casa. Qual importância a cidade de Mariana tem para você?

Eu tenho orgulho de ser marianense. A cidade mais antiga, a primeira capital, o primeiro bispado. Mariana era o berço da primazia, pois foi aqui que se instalou a primeira vila, o primeiro município de Minas Gerais. Outra coisa que me enche de orgulho é esse órgão: o único europeu existente fora da Europa. Ele parou de funcionar em 1937, e a sua reinauguração foi a festa mais suntuosa que eu já vi em Mariana, com orquestra e coro internacional, os melhores musicistas e maiores cantores de todo o mundo. A Catedral ficou cheia dos maiores diretores internacionais e executivos. Isso se tornou parte da minha memória cultural e religiosa. Mariana, hoje, não é aquela cidade de que os marianenses tinham orgulho. A cidade cresceu muito quantitativamente, qualitativamente não. Ela já foi muito melhor.

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Marina Horácio “Se tirarem essas empresas daqui, a cidade morre.” Assumir o controle de uma cozinha não é uma tarefa fácil, ainda mais quando se tem um público exigente. A fome com que se chega do trabalho, muitas vezes, precisa ser sanada em instantes. Três meses fizeram com que a vida de Marina Horácio, moradora de Mariana, e dona de um restaurante no bairro São Gonçalo, mudasse completamente. Folga não faz mais parte do seu vocabulário, nem da sua vida. Mesmo assim, o jeito acolhedor se mantém e o clima fraterno se impera no estabelecimento, que apesar desse ar de tranquilidade, já foi palco de episódios, que pelo olhar de Marina, revelam como o ser humano é imprevisível. Por que você resolveu comprar esse estabelecimento? Por causa do local ou pela presença dos trabalhadores?

Não! Porque eu sempre quis esse ponto. Só que eu não esperava dele estar do jeito que está hoje. Esse foi um dos melhores pontos que a cidade já teve, mas eu não peguei pra essa finalidade não, peguei para mexer com bar. Só que quando eu comprei aqui, já tinha esse contrato com essas empresas, aí tive que dar continuidade. Então, como é por pouco tempo, eu peguei. Assim que encerrar, eu começo com o que eu quero. Que é montar um boteco?

É, um barzinho. Uma coisa que dá um retorno praticamente imediato, e realmente é a minha área. Qual é o retorno atual que as mineradoras conseguem dar pro seu restaurante?

Nesses 3 meses que eu estou aqui, já peguei na faixa de uns 38

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mil reais. Porque aqui na cidade, em qualquer lugar que vocês forem, qualquer coisa aqui em Mariana, gira em torno das empresas. Para você ter uma ideia, se tirarem essas empresas daqui, a cidade morre. Como é o seu relacionamento com o seu público?

Depende do público. Tem os educados, tem os mal-educados, tem os seres humanos e tem os animais. Animais em qual sentido? Já chegou a ter uma situação específica?

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Sim. Situações de falta de respeito mesmo, palavras de baixo calão. Tem uns que, se chegam e não tem o que eles querem, eles falam mesmo. Só que, infelizmente, se a gente abaixar, a gente apanha. Teve situação aqui de funcionária ter que pegar faca para se defender. Você já chegou a ser agredida fisicamente?

Nunca. Só verbalmente, muitas vezes. Se uma empresa te procurasse para que você permanecesse atendendo os trabalhadores, você aceitaria?

Depende da proposta. A minha intenção é ganhar dinheiro. Mas interesse mesmo... eu não tenho não! É uma coisa que me toma tempo demais e eu trabalho todo dia, não dá pra ter folga, é de segunda a segunda. Nesse tempo, você fez muitas amizades?

Amizade não, conhecimento. E esse seu jeito de agir é intencional ou você é assim mesmo?

Não. Esse é o meu jeito mesmo, mas isso para eles não faz diferença. Por que você acha isso?

Se você tratar bem não faz diferença não. Mas se tratar mal complica. Eu já me acostumei e não ligo não.


Aconteceu algum fato específico que te faça ter toda essa certeza?

Aconteceram vários. Só aqui nesse ponto, foram vários desagradáveis. Um que tenha te marcado?

Todos. Porque foram em continuidade. Mas o primeiro que aconteceu, como foi?

Os que mais conversam, os mais “gente boa” são os piores. Todos os que aprontaram aqui foram esses. Eles geralmente não chegam aqui assim, porque você vê o jeito que eu trato todo mundo. Eles costumam querer trocar o vale pela cerveja e refrigerante que vendo aqui, e eu não troco, porque eu compro à vista. A empresa demora a me pagar, dependendo da empresa, até 60 dias. Varia muito. Ao invés deles irem até a empresa e explicarem que queriam trocar o vale e eu não aceitei, eles chegam e falam que a comida ou o atendimento são ruins. Dessa mesa ali de trás, só salva o que vocês entrevistaram. Alguns são “na deles”, mas eu não confio não. E tem a turma de “noiado”, que me dá trabalho nos dias de domingo. Que tristeza! Eles dormem até duas ou três horas da tarde e o meu atendimento é de onze às duas da tarde. Então, eles chegam aqui esmurrando a porta, gritando e xingando, achando que eu estou por conta deles, pra ficar o dia inteiro aberto, até eles acordarem. E agora está tranquilo assim porque quase todos já foram embora, porque os de antes... Eram uns cães. Era difícil demais de conviver, muito complicado. Não é fácil mexer com peão. É cansativo, é estressante. E como funciona aqui?

Na verdade a comida é liberada, a carne são dois pedaços. E eles não entendem essa parte. Isso já é negociado na empresa. Agora está tranquilo, mas antes tinha que ficar uma funcionária ali tomando conta da carne.

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Isso também gerava confusão?

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Gerava sim. Porque são dois e eles ficam insistindo e querendo saber por que. Quando acontece de estar tumultuado e um pega mais carne que o outro, dá problema. Mas em todos os restaurantes que atendem empresas, é isso que acontece. É muito complicado, eles brigam por tudo. Aqui, na época do antigo dono, tinha uma máquina de suco. A nutricionista daqui sugeriu que a gente tirasse, porque era pura química. Eu coloquei, no lugar do suco, dois tipos de fruta. Eles foram lá reclamar na empresa porque não entenderam que eu tirei o suco que fazia mal. Eu acho que eles já estão tão acostumados que o organismo já se adaptou. E também coloquei água mineral pra que eles bebam a vontade, e é mineral mesmo! Antes eles não criavam caso com nada disso… Então esse clima que a gente viu ali, todo mundo conversando, é falso?

Tudo falso! Tem uns que arrumam encrenca com todo mundo, intriga pra tudo enquanto é lado. Ninguém gosta desses. Eles ficam de “trairagem” com os outros no serviço. Aí, quando chegam aqui, vêm tirar satisfação e resolver as diferenças. Você acredita que o maior problema é a falta de educação generalizada?

É a falta de educação e também as confusões. É complicado. Mulher também dá problema. Se chegasse uma turma e visse alguém acompanhada, eles não respeitariam quem quer que fosse. Eles vão chegar, vão sentar perto. Nem eu gosto de comer perto de peão. Porque eles chegam, sentam, te “cantam”, te desrespeitam, e nunca é um só... sempre dois ou três. O pessoal não gosta de comer no meio de peão. Eu tenho muito particular durante o dia e dia de domingo, quando eles nunca estão aqui. Com eles aqui é difícil. Se tiver outra pessoa olhando ou tirando a comida, os peões já vêm logo empurrando, se eles estiverem estressados. Eles não têm jeito não!


Você é casada?

Eu sou separada. Já aconteceu de te cantarem aqui dentro do restaurante?

Não, mas tem alguns que tem o meu telefone, porque a gente às vezes tem que entregar a refeição em casa. É um inferno, um passa meu número pro outro. É uma tristeza. Eles ligam toda hora. Mas eu descobri alguns e falei: “se você não tiver o que fazer, deita e vai dormir, vai rezar, mas não fica incomodando quem trabalha não!” Você acha que eles são infiéis no casamento?

Eu acredito que sim, porque você vê as ligações. Quando a gente trabalha assim, a gente sabe o que é esposa e o que é amante. Dá é pena! Tem uns que até falam... você vê eles conversando no telefone numa tristeza, numa saudade da família. Aí você sai daqui e os vê numa alegria com as amantes! O que o seu namorado acha desse seu relacionamento diário com os peões?

Ele me conheceu assim! E ele não tem ciúme porque também é desse meio, só não tem tanto contato com eles por causa da área dele. E tem muita coisa que ele me ensinou... como lidar com peão, o jeito que tem que fazer. Você teve dificuldade no início?

Não, pelo fato de restaurante não ser tão a minha área, eu já estava acostumada com bar. E com bar, de todo jeito, você tem que saber se defender. Então eu já aprendi. Eu nunca tive problema com o pessoal do “golo”. Os problemas que eu tive eram com os sãos. O bêbado você tem que saber levar, não bater boca, e olha que já faz 20 anos que estou nesse meio.

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O estresse diário é grande?

Varia do dia. Tem dia que eu saio daqui esgotada, porque não é só com eles, tem funcionário. Eu não tenho funcionário de noite, de dia eu tenho. Com relação a horário, tenho que ter aquela preocupação de que enquanto o funcionário não chega em casa, a responsabilidade é minha. Se você fosse colocar numa balança os prós e os contras de trabalhar com o povo da mineração, o que compensa mais: trabalhar ou não?

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Não trabalhar. Melhor deixar eles pra lá. Porque, no fim das contas, é um lucro que você tem, mas que faz você comer o pão que o diabo amassou. Todo dia eu chego aqui entre sete e meia e oito horas da manhã, e antes de eu chegar aqui eu faço muita coisa na rua. Na hora que eu libero o almoço, eu tenho que sair de novo, e tenho a responsabilidade de voltar mais tarde para preparar o jantar. Eu não tenho folga, eu sou uma pessoa que só trabalha. E acaba que sai mais barato e eu passo menos raiva estando aqui do que colocando outra pessoa. Porque eu sou assim: se eu estou de folga, não quero ninguém me ligando pra ficar perguntando das coisas. Se me ligar uma vez eu venho, resolvo e já libero aquela pessoa. Eu não tenho essa paciência não. O que você espera para o seu futuro?

Espero acabar esse contrato depressa, para que eu possa mexer com o meu bar. Vou continuar dependendo da mineração, mas como clientes. Eles mesmos vão ter que pagar a conta. Porque aí muda: eles como pessoas de empresa, acham que são patrões. E já em bar, eles são clientes. Em cada ambiente eles agem de um jeito. Tem chefe que vem aqui e não cumprimenta ninguém, vão até embora se tiver gente na porta. Nós que temos restaurantes nos bairros afastados temos nossa lista de pagamento em ultimo lugar, primeiro vêm os do cen-


tro. Isso me contraria demais. Fico suportando essas coisas de peão e na hora de receber, ainda tenho que passar essa raiva. Chega o dia de eu receber e eles não querem me pagar. E eu fecho as portas e não abro! Aí, nessa hora, aparece um responsável da empresa. Teve empresa que eu parei de atender porque nunca conheci nenhum responsável. E eles não entendem isso! Poucos peões entendem. Aí eles querem até quebrar o local. E se alguém fizer graça comigo eu chamo a polícia! Aí eles ficam rebeldes! Se eles te marcarem e falarem que vão te pegar, pode esperar que vão mesmo! Há uns três anos atrás teve um caso desses. Tinha um bandido muito perigoso que matou a família inteira, assaltante, dentro da cidade e ninguém sabia. Ria, conversava, brincava igual todo mundo. Pessoa que vivia rezando e agradecendo a Deus.

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Luciano Almeida “Os eventos em Mariana nos fazem perceber que são consolidados e voltados para a população, não para turistas.” Promover práticas e assumir posicionamentos em vários palcos. Dessa maneira, a cultura de Mariana se transforma juntamente com os reflexos do seu desenvolvimento. O investimento, por parte das mineradoras, acontece, mas de maneira pontual, refletindo assim em eventos também pontuais. Vivendo esse cenário de conversas, editais e termos a serem cumpridos, Luciano Almeida, produtor cultural há 5 anos, mantém acesa a chama de sempre realizar alguma estreia. Seu desejo é que o público bata palma para a arte, e que ela consiga se manter por muitos anos na memória e no cotidiano de quem vive ou passa por Mariana. Cinco anos atrás, era diferente essa realidade que você encontra hoje aqui?

Eu acho que não era tão diferente assim, não. Eu vejo o povo um pouco mais estruturado, a Associação Marianense de Bandas (AMAB), por exemplo, é recente. Entra mais uma organização dos atores culturais, do que propriamente da prefeitura. No caso da AMAB, tudo o que eles conseguiram foi através da prefeitura, mas só foi possível através da organização deles. As empresas mineradoras têm interesse em realizar eventos culturais?

Eu pessoalmente mandei proposta, mas nunca foi aceita. As empresas têm um critério, vai da estratégia de cada uma. Geralmente atacam nos distritos em que elas estão atuando. Se for a Samarco, é em Bento Rodrigues. A Vale já é Antônio Pereira. Elas querem muito atingir pontualmente esses lugares. Se tem um even-

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to, como o Circo Volante ou o Encontro de Palhaços, ou o Teatro de Bonecos, eles querem, em contrapartida, uma apresentação nesses lugares. Então, é muito voltado para isso, esse apoio ajuda como um todo a ação, mas no geral não é pensado a longo prazo, e sempre muito pontual. Sempre é assim. Evento! Política pública! Fora esses eventos, quais outros recebem apoio?

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O Festival de Cuscuz é cultura, entra na gastronomia e em culinária típica, a Samarco apoia, porque Padre Viegas é uma área de interesse deles. Tem a festa de Bento Rodrigues, onde tem as festas religiosas que eles dão o apoio e tudo mais. Aquela coisa, né? Da a mão, mas... Querem a contrapartida?

É! Tem o impacto positivo, porque não é só na cultura, mas no modo geral, tem o desenvolvimento econômico e tem uma dinâmica nova na cidade. Quero dizer, essa troca de pessoas vindo para cá, de crescimento da economia, trazendo mais eventos, e tudo mais, eu acho que desenvolve quem está aqui. O Atelier do Catin, por exemplo, é um espaço de visitação. Se aqui não tivesse nada, não teria como manter, e lá não cobra nada para entrar, é captado pela própria companhia. Só tem isso, porque tem uma dinâmica no espaço, que a cidade permite que não é o turismo. Mariana não tem turismo. O dinamismo acaba contribuindo com isso?

Sim, com o ciclo do ouro, as igrejas foram construídas. Ataíde e Aleijadinho só tiveram a oportunidade porque tinha muito ouro e a questão da religiosidade por trás. Eu acho que, com a mineração, foi a mesma coisa, só tem os artistas hoje, como a Associação de Artistas Plásticos, que tem, mais ou menos, umas 60 pessoas. Isso só é possível, porque tem essa dinâmica. Se não tivesse, Mariana ia ter quantos habitantes? Você acha que uma cidade pequena, com


25 a 30 mil habitantes ia ter esse desenvolvimento cultural? Poderia ter só movimento de cultura popular, religiosidade, congado. Aqui tem muito essa questão da religiosidade, é muito forte. O SESI só existe por causa da indústria, é o único teatro que está em atividade. Além do outro, que fica na Rua Venceslau Braz, que cabe 190 pessoas. Ele nunca ficou aberto, mas o gestor de lá está começando agora e movimentando para funcionar: lá tem um coral e uma orquestra. Existe o espaço físico, mas a gestão está iniciando agora. A circulação de peças, por exemplo, que vem aqui é mais por interesse dos artistas, não por bilheteria. O pessoal de Viçosa vem aqui todo ano, vem já com o edital sem cobrar ou com recurso próprio. Você viu a população de Mariana se tornando mais interessada?

Mariana tem o diferencial de Ouro Preto, os festivais, eventos que acontecem ou é a prefeitura, ou a universidade ou uma produtora de fora que faz. Mariana tem o Encontro de Palhaços e a Mostra de Bonecos que são eventos médios, que são de companhias próprias. Eu vejo que sim, de cinco anos pra cá, os dois festivais cresceram muito. Melhorou no sentido de criar essa estrutura, mas de quem tinha algumas ações em relação aos eventos. Mas, te falar que foi um salto enorme, eu não acredito não! E o número de participantes?

Então, aí é que entra! Os eventos em Marina nos fazem perceber que são consolidados e voltados para a população, não para turistas. Eu estive conversando com o pessoal da Associação dos Restaurantes, Hotéis e Bares de Mariana, e eles falaram que não é vantajoso para um hotel apoiar um evento desses, porque não são voltados para o turista. Você vê o crescimento da população a cada ano nesses eventos. Mas eu não vejo em relação ao crescimento cultural da pessoa, de consumo de cultura. Um exemplo é que ninguém consegue encher um SESI se não for uma comédia ou se não for uma escola de dança, em que os filhos vão trazer os

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familiares. Então, isso tem um reflexo da população em relação a esse desenvolvimento. O público também é formado por trabalhadores?

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Isso é complicado, porque em Mariana ou você trabalha no comércio, na prefeitura, ou na Universidade. Com certeza faz parte, mas se você pensar a cultura na área de artes cênicas, artes plásticas, tem uma participação menor do que deveria ser de público. No geral, o público é menor. Isso, pelo menos, é o que eu tenho percebido, mas tudo depende do evento. O Festival da Vida, que é música, a Feira Agropecuária, tem maior participação, e não deixa de ser cultural.


Duarte Eustáquio Gonçalves Junior “Nós temos que entender que a mineração é um mal necessário” Duarte Eustáquio Gonçalves Junior tem 33 anos e é vice-prefeito da cidade de Mariana. Apesar de jovem, Du, como é conhecido, acompanhou de perto as transformações da cidade, principalmente nos contextos econômico e político, no decorrer dos anos. Observando o cenário de Mariana com os olhos do poder público, o político destaca a importância do bem mineral para a sustentabilidade e giro comercial da primaz de Minas. Qual é a importância da mineração para a cidade de Mariana?

A mineração é a nossa principal fonte de renda. Mariana hoje chega a receber, somente com a mineração, 85% da arrecadação do município. Nós temos que entender que a mineração é um mal necessário, porque Mariana é uma terra muito rica e nós temos que explorá-la. E é exatamente a partir dessa exploração que nós conseguimos melhorar a vida do cidadão marianense. Hoje, a maioria dos municípios que vivem do fundo de participação está em situações difíceis, não conseguem pagar nem o décimo terceiro salário aos funcionários ou férias. E, em Mariana hoje, a situação está um pouco mais controlada graças à mineração. Em que é investida essa arrecadação?

Nós conseguimos pagar ao professor o melhor salário de Minas Gerais, conseguimos colocar uma guarda municipal muito bem montada nas ruas da cidade, montar escolas de tempo integral, que ajuda muito as famílias. Quais você considera serem os pontos negativos da mineração?

A desvantagem da mineração é que hoje, se a gente analisar,

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grande parte das pessoas não é filho de Mariana. Essas pessoas vêm pra Mariana e passam a ser filhos dessa terra, e a ter um carinho enorme pela cidade. Mas acontece também de ter muita contratação de terceirizadas, e isso, muitas vezes, prejudica o dia a dia de Mariana. Hoje o trânsito em Mariana está numa situação complicadíssima. Porque o número de pessoas que a cidade abriga aumenta muito o trânsito. A mobilidade urbana é um problema que Mariana vive, e que é muito sério. Hoje, no horário das 18h, perto do trevo da Vila Maquiné, não é possível se locomover. Outro problema que a gente percebe é que toda essa demanda que vem de fora, a cidade tem que assumir. Na área da saúde inclusive. Alguns são atendidos pelo SUS, outros têm plano de saúde, mas todos vão para o mesmo atendimento que os marianenses. Então, temos que ter uma atenção especial para a saúde, que enfrenta uma situação mais complicada. Por isso, hoje, nós temos uma policlínica funcionando até meia noite no bairro Cabanas. Mariana tem arrecadação alta com a população flutuante?

Arrecada sim. Essa porcentagem de 85% é direta e indireta. Então, todas as empresas pagam o seu ISS e isso ajuda muito na arrecadação do município, que colhe impostos de todas as terceirizadas. Quanto a isso, as terceirizadas têm sido corretas com o município. Você fala em 85% de arrecadação. Qual parte vai para os projetos extras?

Toda a arrecadação é investida em projetos. Ela é utilizada e movimenta o município como um todo. É através dela que a gente paga a folha de pagamento dos funcionários, toda a educação em tempo integral, também o programa Rede pela Vida, as patrulhas rurais, etc. Todos os programas são desenvolvidos porque a arrecadação nos permite fazer isso. A guarda municipal, por exemplo, não é uma obrigação do município, a obrigação de garantir a segurança é do Estado. Mas se nós temos uma boa arrecadação, podemos in-


vestir na segurança. A gente consegue investir isso para melhorar a vida do cidadão. Hoje, se Mariana reforma muitas casas, é porque temos dinheiro pra isso. A mineração traz sim seus prejuízos. Mas o que nós não podemos fazer é deixar as riquezas lá e não utilizá -las, deixando o nosso povo sofrer aqui. Nós temos que saber como utilizar isso, com responsabilidade, e até facilitar a vida do cidadão marianense. Como você vê a questão ambiental?

Nas duas grandes empresas, Vale e Samarco, temos que reconhecer que eles prezam muito por isso. Têm um lado social muito bacana, são muito parceiras e, sempre que o município precisa, elas dão patrocínio e estão muito próximos da gente. Eles possuem todas as licenças ambientais, respeitam, não fazem nada sem a autorização do município. As pessoas que estão à frente delas, que fazem contato diretamente com o município, prezam muito pelo respeito com a comunidade, com as licenças ambientais. É claro, óbvio que a mineração traz uma degradação enorme: onde existe hoje um morro, daqui a pouco terá um buraco. Mas tem a recuperação que é feita. Apesar do prejuízo ambiental que fica para o município, o que é indiscutível. Os locais mais afetados com esse prejuízo são Bento Rodrigues e Santa Rita Durão, distritos de Mariana. Muitas vezes a população de lá têm problemas com a água. Isso advém da proximidade com a área da mineração. E a relação da Prefeitura com as empresas?

É muito boa. Sempre que a gente precisa de entrar em contato com as empresas, tanto Vale, quanto Samarco, ou orientar um projeto de parceria, as empresas têm sido susceptíveis a conversar, a entender a importância. Sempre que há uma parceria, eles se demonstram interessados, nunca tivemos dificuldades com as empresas nesse sentido. É claro que nós estamos passando por um momento difícil, não adianta tentar tampar o sol com a peneira.

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São vários os marianenses que foram demitidos nesses últimos dias. Isso nos preocupa muito, porque são filhos de Mariana e precisam de uma oportunidade. O minério sofreu uma queda em seu valor e isso nos preocupa. Mas a situação está controlada, nós estamos com Mariana muito enxuta, estamos tendo muito cuidado com a nossa arrecadação, então a gente está bem. Como você vê Mariana sem a mineração?

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Eu acredito que hoje seja totalmente inviável pra Mariana viver sem a mineração. Se o minério acabasse amanhã, nós estaríamos perdidos, porque hoje quase todo o nosso recurso advém da mineração. A gente tem feito um trabalho de tentar valorizar mais o nosso turismo, porque Mariana é uma cidade muito rica, com muitas belezas naturais e culturais, e a gente tenta cada dia mais vender essa imagem. Por isso que às vezes temos tantos eventos: pra tentar mostrar como realmente Mariana é, pra gente cultivar outra fonte de renda. Mas a gente sabe que precisa de mais. A gente sabe que precisa trazer outras empresas que venham para o município, que não dependam da mineração, que sejam de outros ramos, porque a gente não pode depender unicamente da mineração. Se a mineração deixar de existir em Mariana, nós teremos um transtorno enorme, porque toda essa arrecadação é investida em programas extras. Alguns exemplos são a patrulha rural, que corta terra para todos os produtores de Mariana, a Guarda Municipal, as Escolas em Tempo Integral, os programas de saúde na família nos distritos. Se a arrecadação cai, isso tudo deixa de existir. Tudo o que o município arrecada hoje é investido em programas, nos funcionários, nas folhas de pagamentos. O que nós precisamos é começar a pensar o nosso futuro. A gente sabe, pelo que a gente conversa, que a mineração em Mariana ainda vai longe, tem muito minério nessa região, mas a gente precisa, rapidamente, começar a pensar no futuro.


Ronaldo Bento “Não voltaria para a mineração, porque eu acredito muito em progressão de vida.” Trabalhador de chão de fábrica e conhecedor nato do processo da mineração: esse é Ronaldo Bento, de 37 anos, Presidente do Sindicato Metabase de Mariana. Por conhecer a realidade e os bastidores do processo, se envolveu com a política, e hoje comanda a entidade, que possui mais de 30 anos de atuação em Mariana. O ato de associar é fundamental para que os trabalhadores compartilhem momentos e sentimentos em comum, que podem ou não serem colocados em prática. Qual era a realidade do Sindicato há 33 anos?

São vários pontos, várias vertentes. O Sindicato era arcaico, no sentido de que tinha força e não tinha condições. Hoje, ele ainda mantém a sua força e consegue maiores amparos para buscar resultados. Existem dados de que no passado nós não tínhamos uma forma de saúde e segurança da maneira que é gerida hoje. Antigamente aconteciam muitos casos de fatalidade, hoje diminuiu gradativamente. As empresas tinham máquinas que não tinham ar condicionado, não tinham cabines. O funcionário trabalhava exposto a ruído, a poeira, vulnerável ao acontecimento de situações diversas. Eu acredito que a segurança cresceu muito em relação ao passado. Se você buscar, há pouco mais de três décadas atrás, nós tínhamos, pra quem trabalhava na realidade nossa hoje, em relação a Vale e Samarco, melhores salários, mas condições de trabalhos ruins. Hoje não se tem melhores salários, mas têm-se condições de saúde, porque é o princípio básico que nós pregamos: saúde e segurança. Ele está presente nas principais cidades mineradoras?

Sim, no coração da mineração, no Quadrilátero Ferrífero em

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Minas Gerais. O complexo sudeste, que pega Mariana, Barão, Rio Piracicaba, São Gonçalo do Rio Abaixo e Itabira, é responsável, anualmente, por aproximadamente 100 milhões de toneladas de minério de ferro, onde a Vale tem uma cadeia de produção – como no ano passado – de 312 milhões de toneladas – sendo que só Minas Gerais foi responsável por quase 200 milhões de toneladas de minério. É uma quantidade representativa!

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Nossa primaz, região dos Inconfidentes, é representante de quase um terço do que é hoje o universo Vale, de quase 130 mil trabalhadores, eu acredito que aqui nós somos brindados no sentido de ter essa riqueza, de uma exploração, que é prejudicial por um lado e sustentável por outro. Quando eu pego esse viés, sustentabilidade, eu digo não por questão de empregabilidade, mas questão de infraestrutura, no sentido de hoje de que as regiões minerárias, assim como Mariana, têm, aproximadamente, 85% da sua receita nos royalties do minério. Qual seria a solução pra esse problema, na sua opinião?

A política de inserção obrigatória dos três poderes, executivo, legislativo e judiciário e, em quarto plano, o Sindicato, representando a categoria e a empresa que será a cessionária do emprego. Mas, como é esse diálogo hoje, para chegar a essa solução?

Não existe. É um diálogo em que cada qual possui sua matriz de responsabilidade. Para eu abrir uma mina, eu começo pelo sistema de acordo com o DNPM, com audiências públicas e por aí vai. Então, qual é a inserção do Sindicato nesse cenário? Nenhum. Ele deveria ser o link entre o município e empresa. Com a empresa em si, a qual o sindicato representa, nós temos uma conversação diária. Mas a maioria das vezes para tratar de assuntos corriqueiros. Não pra tratar de assunto relativo à expansão, às empresas que estão che-


gando, que nem passam pela nossa visão muitas das vezes, porque somos sindicatos cada um com sua matriz de responsabilidade, no sentido de que cuidamos do setor mineral, e os outros de saúde, transporte, etc. Existe, sim, esse entendimento, não para a política macro, que não é de responsabilidade do sindicato, mas que deveria estar inserida no cenário, porque ele é que é o porta-voz da comunidade frente a esse crescimento desordenado. Para o Sindicato, qual é a satisfação hoje?

Zero. Eu sou a favor de que se tenha o crescimento de forma ordeira. Eu sou a favor que se abra, pra você buscar benefícios. Vão ter coisas que vão trazer malefícios, mas que isso, de certa forma, venha na maior concentração para o município. Os sindicalizados concordam com essa opinião?

Eu teria que fazer uma pesquisa, mas no dia a dia e no corpo a corpo, a maioria sim. Eles veem esse crescimento como uma coisa que não traz lucro para a cidade?

Fato. Eu fui secretário de desenvolvimento econômico por 5 meses na gestão de Celso Cota no ano de 2013, antes de tomar posse aqui no Sindicato. E pude perceber o inadimplemento que ficou no comércio por questões dessas empresas que vêm para a cidade e deixam a saúde defasada, deixam dívidas, um turbilhão de coisas negativas. A cidade em si não tem ganho nenhum, o índice de criminalidade cresce, tudo cresce em desfavor da população. Quando você vai buscar aquilo que nós temos aqui, e a conversa é sempre a mesma: “não temos mão de obra qualificada”. Temos, por exemplo, aqui, o nosso SENAI, que qualifica a mão de obra, e muitas vezes as pessoas vão em busca de maiores resultados porque não conseguem nada aqui dentro do município.

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E de benefício, não traz nada?

Traz. Enriquecimento para a patronal, para o capitalismo. Para Mariana traz o enriquecimento da nossa receita, os 85% saem de onde? Da exploração, automaticamente, aumentando uma usina, por exemplo. É um sistema de grandes discussões. Aqui dentro nós fazemos, mas frente à política externa, nós somos fracos. Pelo o que o Sindicato tem lutado hoje?

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O Sindicato a todo tempo teve como sua bandeira primordial: saúde e segurança. Valorização da vida em primeiro lugar. Partindo daí, em segundo plano, nós vamos trabalhar qualidade de vida para o trabalhador, melhores condições de trabalho e, paralelamente, direitos sociais e econômicos. O salário parou e os benefícios aumentaram. Você concorda com isso?

Afirmo que isso aconteceu. Se você buscar hoje, a nossa carga tributária é a pior do mundo. Por essa carga tributária, eles preferem dar cem reais de aumento no cartão-alimentação, sair de 65% de estorno educacional para 80%, do que dar 10% de aumento ao trabalhador. Porque os 10% impactam em todos os fins de direito: aposentadoria, FGTS, aviso prévio. Qual é o número total de associados hoje?

Nós temos hoje, representados, aproximadamente, 7 mil da Vale e Samarco está na casa de 3 mil. E o número total de trabalhadores que o Sindicato consegue abordar?

Aproximadamente 15 mil. Representados por essa casa. Como é que você chegou a essa cadeira de presidente?

É uma longa história. Na realidade, eu tenho quase 14 anos


de empresa, 20 de mineração. Eu fiz algumas críticas construtivas, com o intuito de tentar moldar o sistema. Mas a política sindical é uma política atípica, da relação de conhecimento da sociedade. É uma politica incomum, que se eu quero candidatar, eu vou lá, registro, filio, vou na urna e voto. Não. Ela tem toda a forma de maculação. E, durante esse tempo, eu imaginei a forma com que nós poderíamos mudar o cenário, as condições que nós víamos de mesmice que nós vimos durante décadas da mineração. Então você trabalhou na área?

Eu sou trabalhador de base. Fui trabalhador de base. Falo que sou porque estou na base constantemente. Há um ano estou aqui, porque é a forma que eu consigo fazer gestão. Porque eu fico no meio, no esteio da relação, porque quem vai outorgar com a anuência do trabalhador, ou qualquer coisa, é o Ronaldo Bento e a diretoria. Durante 4 anos. Voltaria pra mineradora?

Não! Não voltaria porque eu acredito muito em progressão de vida. Acho que o meu momento de mineração já se deu, já tive minha oportunidade, e a minha missão, que eu assumi com muito afinco e muita dedicação, com muita responsabilidade, já foi cumprido. Então eu estou aqui, primeiramente porque Deus me permitiu e porque o pessoal ainda quer que eu continue, depois que o mandato vencer, nós veremos o resultado. Mas, não sendo interesse do empregado, vou partir pra outra esfera. Mineração, não. Já chega. Já me dei por completo. A sua vivência dentro da área te dá hoje uma visão diferente das coisas?

Completamente. Porque não existe maculação, não existe inserção de uma inverdade. Existe, hoje, uma clareza muito grande. Quando eu parto para uma negociação, eu sei onde eu posso che-

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gar e como vou chegar. E quando vem alguma denúncia, alguma particularidade, eu já sei que aquilo é fato, porque eu conheço toda a forma de enxugar o processo para o resultado chegar. Então não tem como burlar o sistema do Ronaldo, porque o Ronaldo é trabalhador de base e Ronaldo conhece em essência a realidade de quem está lá dentro da mina. E o que a chefia pode fazer e faz pra buscar o seu resultado. Durante esse período na empresa, quais foram as marcas que a mineração conseguiu deixar em você?

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Com muito respeito à mineração e aos mineiros, eu acredito e falo com muito orgulho disso, foi a bandeira da minha vida de stand up, de conhecimento, de visão externa: foi a forma de fazer política na forma de pressão. É uma política legalizada escravizada. É aquela força que você trabalha 24 horas sob pressão. E essa pressão se inicia na diretoria, vem pro seu Gerente Geral, pro seu Gerente de Área, para o chefe de equipe, pro seu técnico, até chegar ao pobre coitado do trabalhador de base. Então, essa sistemática me deixou muita marca. Porque nós temos, sim, que cumprir a nossa matriz de responsabilidade, o planejado. Como o Sindicato vê essa transformação, de cada vez mais trabalhadores chegando aqui, como os 3500 que chegaram no ultimo ano?

Eu afirmo que as políticas dos poderes, hoje, devem ser encaradas num âmbito geral. Eu não tenho que pensar numa política micro, e sim numa política macro. E quando eu penso nessa política, penso em política de sustentabilidade, em política de saúde, educação, em várias vertentes de políticas existentes no nosso país. Se nós temos uma politica hoje de crescimento, como a 4ª Pelotização da Samarco, que trouxe pra cidade mais de 3 mil homens, temos que ter uma política de enfrentamento. Essa política é metódica, que fica dentro de escrita, mas que de fato não acontece, no


sentido de que é uma expansão que explora, que deixa doença, que deixa mulheres grávidas, que não traz resultados diretamente para os munícipes. O que você espera do seu futuro?

Eu nasci em uma família muito pobre, aprendi com a vida. Deus me deu uma oportunidade de conseguir me formar em Direito, sou advogado, especialista na área de direito do trabalho, gosto muito do que faço e meu único objetivo de vida é poder contribuir com o que me foi incumbido e outorgado com tanta confiança e levar abrilhantamento ao nosso cenário interno, que é a nossa fábrica, à nossa sociedade, deixando um legado positivo. Se nem Deus conseguiu agradar a todos, não vai ser o Ronaldo Bento que vai, mas eu quero deixar um legado de 50%+1 positivo. Que as pessoas tenham satisfação de falar “temos um sindicato atuante! Temos um sindicato que defende as ideologias do trabalhador, que pensa para o trabalhador, que faz para o trabalhador, que resgate aquilo que é o anseio do trabalhador”. Sei que sou uma formiga diante do sistema, mas a minha contribuição faço e irei fazer enquanto estiver no lugar fui me incumbido.

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Israel Quirino “A nossa cidade é mineradora por excelência.” Uma das visões mais politizadas sobre os impactos da mineração na cidade de Mariana vem do poder público. Israel Quirino tem 53 anos, há 18 trabalha na administração pública, e hoje é advogado da Prefeitura Municipal de Mariana. Ele desenvolveu, ao longo de sua vida, um ponto de vista aguçado para opinar sobre esses impactos. Tendo trabalhado como advogado de funcionários que sofreram acidentes no trabalho, Israel viu os dois lados da moeda: o das empresas e o dos trabalhadores. E, muito além disso, procura enxergar um terceiro lado: os problemas sociais ocasionados indiretamente pela mineração. Qual é a importância da mineração para a cidade de Mariana?

A nossa cidade é mineradora por excelência. Eu acho que Minas Gerais inteira é mineradora, o nome do estado vem disso. Nós somos mineradores antes de sermos mineiros. Tivemos a safra do ouro, o Ciclo do Ouro, depois tivemos um período longo de ostracismo, de decadência, iniciamos outro ciclo, a mineração de alumínio que foi produtiva aqui na região, e agora nós estamos na mineração de ferro. Esse ciclo que vem seguindo mostra realmente a vocação dessa região para a mineração. Ela é uma atividade predadora, o impacto no meio ambiente é gigantesco, mas o impacto social também é muito grande. Então, se nós tivemos aqui na nossa região o ciclo do ouro com todo aquele impacto ambiental, a primeira lavra do ouro, os estragos ambientais que ela fez, nós não temos registros documentais. Nós temos o Morro da Queimada aqui em Ouro Preto e o Morro do Gogô em Mariana, em que ainda existem reminiscências do que foi a mineração de ouro naquele século XVIII e a gente calcula que os danos ambientais tenham sido enormes. Principalmente por causa do curso d’água.

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Como o senhor vê os impactos negativos dessa atividade?

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Nesse outro ciclo moderno que nós vivemos hoje, o impacto social é inegável. Mariana é uma cidade hoje de 60 mil habitantes com 40 mil veículos, então há um veiculo para cada 1 habitante e meio. Se você considerar que esses meios são crianças, nós temos um veículo para cada cidadão adulto na nossa cidade, rodando nas nossas ruas. Ruas projetadas para carroças, do século XVIII. Quando a gente vê as cidades mineradoras que estão começando agora, como Conceição do Mato Dentro, é que a gente percebe o quanto a mineração vai impactar aquele lugar. É uma cidadezinha tranquila, quinze mil habitantes, um recanto no alto da Serra do Cipó, que de uma hora pra outra virou um polo minerador. Então caminhonetes, veículos, pessoas, estranhos, estrangeiros, ocupam os hotéis e pousadas, alugam os imóveis, a inflação dispara, ou seja, há uma pressão muito grande. Nós vivemos isso aqui nos anos 70. Com a chegada da Vale e da Samarco, nós tivemos esse impacto brutal na nossa sociedade. Mas claro que há também pontos positivos. E quais são eles?

Pessoas se enriqueceram, o comércio aqueceu. A cidade de Mariana se verticalizou quase toda. É fácil ver como Mariana ganhou prédios de 2 e 3 andares. Antes a nossa estrutura era toda linear, com sobradinhos, porque era uma cidade da decadência da mineração do ouro. Dos anos 80 pra cá, a cidade deu um boom de crescimento. Para vocês terem uma ideia, o nosso polígono minerador, em 1980, tinha a Colina em fase de expansão, ela não existia ainda, e que hoje tem 8 mil habitantes aproximadamente; nós tínhamos o Cabanas em fase de implantação, que tinha 300 casas, hoje a nossa estimativa é que o Cabanas tenha 2 mil casas. Desse circuito que Mariana tem hoje, que gira entre 28 e 30 mil imóveis, nós tínhamos 12 mil há algum tempo. Então, a cidade dobrou de tamanho em questão de 30 anos. E qual foi a promoção disso? Exclusivamente Mineração.


Além da mineração, quais atividades geram renda para Mariana?

A agricultura de Mariana apresenta 4% da sua renda. A mineração quase 90%, direta e indiretamente, porque promove um crescimento indireto: ela demanda serviços, demanda a rede toda de apoio a ela, não exclusivamente a extração de minério. No entorno da mineração gravitam uma série de pequenos negócios: aqui em Mariana é possível ver farmácias, pousadas, restaurantes, lavasjatos, uma série de serviços em torno da mineração que acabam dependendo dela, de uma forma ou de outra. É possível que tais negócios não tivessem êxito se a mineração não existisse, mas hoje recursos diretos da mineração, dentro da renda de Mariana, ultrapassam 60%. Os outros 40% são trabalhados nessa gravidade aí. De receita própria, nós temos uma estimativa, ou uma meta a ser cumprida de 10%. Essa meta está para ser consolidada desde 2000 e nós não conseguimos chegar lá. Por que não conseguimos? Porque quando a economia cresce, ela cresce em torno da mineração. Quais são as dificuldades encontradas para que essa mudança aconteça?

Nós não conseguimos - e estou na administração publica desde 1996, acompanho esses números e faço parte da massa pensante do governo – fazer crescer os recursos econômicos locais sem que eles estejam vinculados à mineração. Qual seria a alternativa? A agricultura? Mas a agricultura só produz se eu tiver consumo. E se eu tiver consumo, ele está ligado à mineração. Eu tenho que produzir verduras pra vender nos restaurantes. Então os restaurantes demandam da mineração. Então, onde nós teríamos crescimento aqui? É a indústria do turismo. Essa desvincula da mineração, porque ela está atrelada a um circuito histórico do século XVIII e a essa cultura que está em torno da cultura do século XVIII. Então são duas cidades, duas realidades muito bem caracterizadas. Muitas pessoas gostam e usam essa frase: “A indústria da mineração do ouro do século XVIII nos deu o barroco. E a mineração está nos dando o barraco”.

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Você concorda com isso?

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Não sei se isso é verdadeiro. Porque eu analiso a cultura do ouro dessa mesma forma. Ela nos deu muitos barracos. Talvez a indústria do ferro, que veio depois, tenha demolido os barracos e construído prédios. Porque a mineração é muito seletiva, é uma indústria extremamente excludente. Ela tem as suas riquezas, e tem a sua linha de pobreza que se mantem numa linha, então, é certo que a mineração do século XVIII se fez em forma de estratos, tinham os senhores e os escravos. Hoje eu tenho as mineradoras, que tem um nível de decisão e tenho uma massa de operários, que dificilmente cresce economicamente. E assim, o entorno se enriquece? Claro. Aqueles que tiveram oportunidades de negócios e que entraram na mineração vendo a oportunidade de um negócio, esses cresceram economicamente. Quanto é a CFEM de Mariana?

Anualmente, por volta de 150 milhões. Esse é um valor significativo, sem sombra de dúvidas. É a receita do município. Mariana tem o 10º maior PIB do Estado. Se você considerar que o estado de Minas é um continente, praticamente, porque nós temos grandes cidades - como Montes Claros, Juiz de Fora, Contagem e Betim - e Mariana é o décimo, pra uma cidade com 60 mil habitantes. O volume de dinheiro que circula aqui é gigantesco e isso circula Mariana, Ouro Preto, Itabira, mas todas são cidades que têm um potencial limitado, de reserva mineral, e essa reserva vai acabar. Esse talvez seja o risco maior dessas cidades. Como o senhor vê a cidade no futuro?

Quando a mineração de ouro entrou em decadência, aqui na cidade de Mariana, foi ainda no século XVIII, quer dizer, nós tivemos um boom de mineração no início do século XVIII, nós já estávamos em decadência. E essa decadência durou até os anos 70 do século XX. Quer dizer, praticamente 200 anos de estagnação,


até que você descobre um novo viés econômico. Eu não acredito que nós vamos ter 200 anos de estagnação com o fim do minério de ferro. Claro que há um cenário e outro, mas há uma preocupação muito grande com relação a isso. O que você demanda hoje de serviços públicos, a instalação do serviço público, vem acompanhando o crescimento da receita, você cria escolas, unidades de saúde, segurança, espaços públicos de lazer, de recreação, várias coisas. Mas isso tudo tem uma manutenção pra ser feita. Não é simplesmente dizer que vai investir 50 milhões pra fazer uma unidade de saúde. Essa unidade de saúde que você construiu com 50 milhões vai demandar pelo menos mais outros 50 para se manter durante um determinado período. A estrutura não consegue acompanhar isso. Então a grande discussão da mineração hoje é ter ferramentas para que se possam desenvolver outros cenários econômicos que sobrevivam independentes da mineração. E isso eu acredito que é um desafio de todo gestor. Ninguém tem a fórmula pronta. Alguma ferramenta já está sendo colocada em prática?

Sim. É um trabalho conjunto das cidades mineradoras para o desenvolvimento do turismo em torno da mineração. Mas o turismo no Brasil, hoje, não é tratado como fonte de renda. Nós temos um ministério do turismo. Mas o turismo brasileiro não é tratado de maneira profissional, a gente vê isso nessas cidades que são chamadas turísticas. No Rio de Janeiro, que recebe o maior contingente do turismo, a segurança é extremamente precária, os serviços públicos são precários, transporte também. Há uma desatenção ou uma desarticulação, talvez, de políticas públicas em relação ao turismo. Nas cidades menores isso é ainda mais difícil. Nós somos uma cidade mineira do centro de Minas. O acesso é difícil: as nossas estradas são estreitas, são montanhosas, são perigosas, o número de acidentes é gravíssimo, o nosso aeroporto mais próximo está a 3 horas de distância, então esse gargalo existe. Outros gargalos? Nós concorremos com o litoral, que tem belezas naturais, que tem

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uma variedade de opções. Há uma concorrência maior nesse aspecto entre as cidades históricas e as mineradoras. Os nossos hotéis são caríssimos porque atendem a mineração, não porque atendem ao turista. Os nossos restaurantes todos são limitados num padrão de atendimento, típico de operário da mineração. Não tem um restaurante na nossa cidade onde você possa escolher um serviço de qualidade. Eles são feitos para atender à mineradora, a grande massa da mineração. Qual é o distrito que mais sofre impacto da mineração?

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Santa Rita Durão sofre impacto direto. Bento Rodrigues é um distrito um pouco menor, mas que também sofre. Em Santa Rita você consegue ver a mineração, porque aqui nessa região, nós somos muito felizes nesse aspecto: em Mariana e Ouro Preto você não consegue ver a mineração como você vê em Itabira ou Congonhas. Então, nós não sofremos aqui com a poeira da mineração. Congonhas é um caso de polícia, porque a mineração está no alto do morro, a poeira desce e se sedimenta toda nas ruas. E com uma gravidade maior: no momento em que a poeira desceu e se depositou nas ruas, até aí tudo bem, o incomodo é no ar. Quando chove e ela é drenada pra dentro das redes de drenagem, ela entope as redes, porque o minério de ferro é pesado. Então você tem uma cidade histórica como Congonhas que frequentemente tem que trocar todas as redes de drenagem. Isso acontece aqui na nossa cidade também. Isso é um incômodo fora do comum. No nosso caso, o minério vem nas rodas dos carros. Existem discussões para melhorias de problemas, como a mobilidade urbana?

Sim. A cidade não comporta mais a pressão urbana que está acontecendo. Nós estamos limitados pelas cadeias de montanhas no entorno e por propriedades privadas, principalmente a Mina da Passagem, que é a grande latifundiária do entorno, e a cidade


não consegue crescer mais. Então, como ela não consegue crescer, mas a demanda existe, ela está verticalizando. Quando você pega um imóvel que é um térreo e põe um segundo pavimento nele, você cresceu 100% na ocupação urbana. Se põe dois andares, você cresceu 150%. Isso na demanda de água, de esgoto, na produção de lixo, no consumo de energia elétrica. E isso está acontecendo na cidade toda. Os bairros muito pobres e carentes da cidade, como São Cristóvão, Santo Antônio, são todos verticalizados. Todo mundo já fez um segundo pavimento, essa demanda dobrou a capacidade da rede de drenagem, do fluxo hídrico, na rua, na produção de lixo. Há a necessidade de que a cidade se espalhe um pouco mais. Esses impactos negativos são apresentados para as grandes mineradoras? Existe um diálogo a partir da Prefeitura para que os dados sejam apresentados?

Esses impactos apresentados às mineradoras são mais urbanos. São os mais visíveis. Que você percebe, exemplo: na cidade de Mariana é impossível de se estacionar. Por causa da mineração. Muito visível. Mas você não percebe, por exemplo, quantas crianças ou adolescentes nas nossas escolas públicas estão grávidas. Isso é fator da mineração? Será que está vinculado? Quantos jovens de Mariana morrem de maneira violenta? Isso tem ligação com a mineração? Ou quantos alcoólatras nós temos na cidade? Será que isso é fator da mineração? Ou a violência domestica? Não temos estudos sobre isso. As empresas têm grandes projetos de recuperação de áreas degradadas. É meio controverso pensar que o mesmo que destrói é o que vai cuidar, não é?

É. Mas você tem que conciliar as duas coisas, porque se for só destrutivo, rapidamente você adquire uma antipatia da população, e você não consegue mais ter ambiente para trabalhar. E aqui a Vale investe muito em cultura, a Samarco investe em parcerias com o município, em atividades culturais, até mesmo para despertar no

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trabalhador certo orgulho. Porque as pessoas que estão lá na mineração voltam para casa, comentam o que acontece lá. Então, imagina, aquele que vai na frente, com a motosserra, cortando as árvores de onde a mineração vai passar: ele chega em casa e comenta isso com a família. As crianças vão ouvir. Então ele tem que trazer de lá alguma coisa positiva. A criança também vai ouvir isso de maneira positiva. E acho que o conceito de responsabilidade social que nós temos, de 88 pra cá, é de que você não pode ser esse capitalista ferrenho, predatório. O objetivo não é esse, e sim que você possa conviver com a sociedade de maneira a produzir o que precisa, mas também deixar alguma coisa de bom. Não é só deixar os barracos e os buracos.


vidas transformadas


O cotidiano que se vê diariamente pode ser tornar um ele-

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mento que passa despercebido na vida de milhares de pessoas que transitam pelas ruas de Mariana. O peão ou o chefe, que levantava cedo, trabalhava o dia todo, chegando em casa por volta das seis da noite, depois tomava um banho e ia para o sofá para assistir o telejornal, está cada vez mais escasso. Estudos, dinheiro, sonhos e perspectivas começam a fazer parte da rotina dessas pessoas, que pensam no futuro como a porta de entrada para grandes oportunidades. Quem escolheu ou foi escolhido para ficar em Mariana passa juntamente com a cidade por todas as suas transformações. Sair de outro estado e começar a vivenciar a cidade pode ser um desafio ou uma simples escolha para continuar vivendo, às vezes de forma incerta. Quando o contrato acaba, a esperança não termina e um sentimento ainda continua a pulsar em Jassoir e Dó, alguns dos trabalhadores que vieram de outras partes do país e adotaram Mariana como sua nova cidade para viverem e compartilharem momentos que sempre ficarão presentes em suas memórias. Existem também aqueles que, mesmo não estando mais no trabalho diário da mineração, ainda fixam o seu olhar, ou o jeito de ser, no ritmo dela: é o caso dos anistiados Walter e José César demitidos da Companhia Vale do Rio Doce (CVRD) durante a Era Collor, mas que ainda guardam lembranças de um passado muito recente em suas vidas, pois voltaram a trabalhar juntos tempos depois, também por causa da mineração. Existem os novos, antigos e aqueles que viram em Mariana a possibilidade de mudança em suas vidas. Com anos e anos dedicados a mineração, Lédio e Laércio são mais do que funcionários das empresas mineradoras. Sabem aproveitar bem o que a empresa lhes oferece e, com isso, constroem mais do que seu futuro, mas também o de outras pessoas que continuarão a ser multiplicados por ai.


José César Rodrigues Pedrosa “Fazia uma coisa que gostava e, de repente, fui mandado embora.” José César Rodrigues Pedrosa, ex-trabalhador da Companhia Vale do Rio Doce (CVRD) é um anistiado conhecedor da causa. Nos 62 anos de vida, ele foi o responsável por comandar os seus próprios caminhos e de boa parte do trabalho realizado na mineradora. Deu ordens e fez escolhas certeiras, mas acabou sendo demitido em 1991, resistindo até o final. Com o dinheiro recebido, não perdeu as forças e foi à luta. Morando há 20 anos em Mariana, não pensou em deixar a cidade, local onde se fixou, conquistou bens e a sua família, além de amigos. Atualmente trabalha como porteiro do Instituto de Ciências Sociais Aplicadas da Universidade Federal de Ouro Preto, dividindo uma sala e memórias com o amigo Walter Delgado, o Periquito, com quem faz questão de relembrar o passado, e viver o presente, sem pensar no futuro. Em que ano o senhor começou a trabalhar na Vale?

Eu trabalhei em Itabira (MG) primeiro. Depois saí, fiquei um tempo aguardando, e só em 1984 que o projeto da mina de Timpopeba ficou pronto, e eu entrei de novo na Vale. Infelizmente, quando foi em 1991, com o Plano Collor, assim que ele entrou no governo, ele privatizou a maior parte das empresas e muitos órgãos do governo na época. Como lidou quando teve que sair?

Eu acho que foi um baque, não só para mim, mas para praticamente quase todo mundo. Houve um programa de demissão voluntária e metade do pessoal que saiu entrou na demissão voluntária. Foi um trauma emocional! Em Mariana chegou a ter um homem que suicidou. Em Itabira, alguns também suicidaram.

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O senhor se demitiu voluntariamente?

Eu não! Eu, no caso, não quis sair não! Me demitiram sem justa causa. No último dia, como foi?

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Último dia? (silêncio) Eu acho que o último dia lá não foi fácil não! O que aconteceu? Eles chamaram e já avisaram diretamente quem iria ser desligado da empresa. No meu caso, o meu chefe me chamou na sala dele, chegou até ser o gerente geral aqui, um tal de Maurício Marques, e falou que ia ficar a disponibilidade de um mês, porque a Vale estava passando por um processo de reforma, e que depois eu seria chamado ou dispensado. Eu fiquei um mês nessa expectativa. Na minha cabeça, eu sabia que não ia ser chamado, porque era muito improvável que eu voltasse. Quando dispensaram o senhor, qual foi o seu primeiro pensamento?

Eu pensei em muitas coisas! Na realidade, eu sabia mexer com construção civil. Eu tinha, na época, um negócio em Ouro Preto, uma mercearia pequena, do lado da casa da minha mãe, com a minha irmã, e pensei assim: eu toco a mercearia, vou pra lá, compro a parte dela. Por que eu recebi um dinheiro do acerto, mais um incentivo. Um bom dinheiro?

Foi um bom dinheiro na época, porque ela procurou minimizar, pelo menos, essa situação. A Vale era muito humana nesse sentido, teve essa demissão voluntária, para que os trabalhadores não sentissem esse impacto. Então, eu saí com um dinheiro que deu para comprar uma casa aqui em Mariana. Na época, a maior parte das pessoas fez errado. Eles correram para a poupança, por que a inflação estava galopante. Então, todo mundo achou que aquilo iria ficar a vida inteira, pois o dinheiro, quase dobrava em dois meses. Eu falei assim: “Eles vão ter que mexer nisso”. Então, os imóveis


começaram a baratear muito, vendiam um imóvel para aplicar o dinheiro na poupança, pois era muito rentável. Eu, pelo contrário, comprei uma casa, que estava com preço baixo, e ainda sobrou dinheiro. Eu via a alternativa de fazer dela um recurso comercial. Estendi a minha casa para trás, com o dinheiro que sobrou, e abri dois pontos comerciais e aluguei. Fui o primeiro que abri um ponto comercial lá. Hoje já tem mais de trinta. Comprei essa casa, fui vivendo assim e tocando obra, mexendo com obra civil, até em 2011, quando eu voltei a trabalhar. Tratei a minha família assim, com o recurso que eu já tinha, e construindo esse ponto comercial. 83

E como ficou o psicológico?

O psicológico não ficou fácil não. Minha esposa reclamava de algumas coisas. A gente não tinha mais plano de saúde, igual eu tinha na Vale. Tive que fazer um plano de saúde mais barato, mais em conta, um plano popular. Minha esposa se sentiu abalada, mais do que eu. Me apertei um pouco também para poder fazer isso, no sentido de morar mais espremido, até o cômodo ficar pronto, depois fui estendendo as coisas. Na Vale existia um plano de carreira?

É, tipo um plano de carreira! A cada seis meses, o funcionário ganhava uma letra, e de dois em dois anos era um nível. Desde que ele fosse um bom empregado, tivesse ficha limpa. Então, ele automaticamente ganhava um nível. Qual era o seu nível?

A gente entrava no nível sete e poderia ir até o nove, porque o nível dez era supervisor geral. Já era uma pessoa que chefiava os supervisores, mas quem entrava como operador tinha o nível três e o nível cinco. Novato era compatível com o supervisor que chegava no início. Cheguei ao nível oito.


Havia alguma intriga entre os trabalhadores?

Em toda empresa sempre há política interna. Porque existem aquelas pessoas que, infelizmente, querem crescer em cima de alguém. Independente disso, a Vale tinha um clima bom, mas essas coisas são inevitáveis de acontecer. Tanto é que, quando uma pessoa falava em sair da empresa, na época, a Vale preocupava em contratar uma psicóloga, para ver o que estava acontecendo com a pessoa, com a família.

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Por que o senhor não quis mais depender da mineração, logo após a sua saída?

Eu era um funcionário que gostava de trabalhar, de mexer com isso, mas não quis trabalhar com isso mais não. Apesar de gostar, a mineração tem uma pressão psicológica, eles se preocupam muito com a produção, a qualidade. O meu setor era gostoso de trabalhar, mas, ao mesmo tempo, era preocupante, porque a gente tinha que ficar ali, de cima, visualizando as frentes. Se três anos depois que o senhor saiu de lá, eles te convidassem para voltar, você voltaria?

Eu voltava! Tanto é que houve essa anistia 8878/94 assinada pelo Itamar Franco, e o pessoal tinha como voltar, em 1994. Assim que o Collor saiu, com o Impeachment e a posse do Itamar, que era o vice, ele assinou a Lei da Anistia, para aqueles que tinham sido demitidos no governo Collor. Porém, infelizmente, ele assinou faltando poucos dias para completar o fim do governo dele, e o Fernando Henrique entrou, ganhou as eleições, e assinou um decreto, cortando a nossa anistia. Além disso, ele engavetou o processo e mandou tomar conta para que ninguém desengavetasse aquilo. Passamos quatro anos com a nossa anistia sendo caçada pela lei. Depois que o Fernando Henrique entrou e foi reeleito, veio o Lula que assinou outro decreto, e nós conseguimos reaver a anistia. Demorou alguns anos porque teve que criar uma comissão para ana-


lisar todos os processos de todos os demitidos, e isso foi não só na Vale, mas em outras empresas e órgãos do governo, que criaram a CEI (Comissão Especial Interministerial). Ainda existem trabalhadores para serem avaliados pela CEI. Já existia algum sindicato na época do senhor?

Já! Era bom o sindicato, atuante e tinha mais autonomia do que hoje. Depois que a Vale privatizou, parece que os sindicatos enfraqueceram, porque ela foi mais taxativa, parece que não ouvia muito. Na minha época, os sindicatos tinham mais diálogos com a própria empresa. A Vale era mais aberta com os sindicatos, às vezes, quando era a antiga CVRD, havia alguns aumentos que a gente nem esperava, e a proposta da Vale era até melhor que a do sindicato. Chegou a conhecer alguém que tenha sofrido um acidente de trabalho?

Teve um acidente muito grave, de um homem que morreu na mina que eu trabalhava. Foi um operador de escavadeira, trabalhava de encarregado. Ele estava dormindo, dentro de um carro, à noite na mina. O trator estava trabalhando, parece que estava abrindo uma estrada, e tinha uma descida, ele estava no alto. Aquelas máquinas são grandes! Parece que ela veio de ré e o motorista não viu o carro no escuro, o rapaz do carro menor estava deitado no banco de trás, dormindo. O operador não viu e passou por cima do carro, esmagando-o. Foi um acidente feio! Se o senhor não tivesse sido demitido em 1991, em que você acha que a sua vida se transformaria?

Financeiramente estaria bem melhor! Estaria aposentado já, porque eu teria completado o tempo. Estaria em condições financeiras melhores, porque além de comprar essa casinha, eu pretendia morar lá e melhorá-la.

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De maneira geral, a mineração influenciou positivamente ou negativamente na sua vida?

Foi positivo, porque de certa forma eu aprendi e trabalhei. Apliquei, pelo menos, aquilo que eu aprendi. Foi uma experiência na minha vida, um tempo bom. Deu para fazer uma base. Você tem quantos filhos?

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Duas filhas. Uma com 23 e outra com 19, as duas estão na universidade. Uma está fazendo biologia, está quase formando. A outra está fazendo Conservação e Restauro, no IFMG-Campus Ouro Preto. Já está no seu segundo ano. Sua esposa trabalha?

Minha esposa toda vida foi costureira, durante 35 anos. O que ela costurava era dela. Eu nunca me preocupei com ela ajudar na casa. Essas coisas não. Ela sempre comprou as coisas dela, a roupa dela, as coisas para as filhas. Mesmo quando as coisas ficaram difíceis, ela nunca precisou ajudar em casa?

Ela até me ajudou algumas vezes, porque ela costurava e não tinha compromisso com o recurso dela. Ela juntava dinheiro e, às vezes, se eu passava um aperto ou outro, ela me ajudava, nesse sentido. Você se sentia ofendido por essa ajuda?

Não! De forma alguma, e nem podia! Eu a deixava à vontade, porque eu acho que o marido e a mulher têm que andar assim, juntos, e cooperar um com o outro, porque a família não é só o homem, tem que ser a dois. Esse casamento tem quantos anos?

No dia 7 de setembro, eu fiz 29 anos de casado. Realmente, não


é fácil, não! Olha que a minha esposa fez pressão para eu trabalhar. Tinha a confiança de que eu tinha condições. A esposa cobra por ter medo, insegurança. Tínhamos plano de saúde, aquele negócio todo. A gente fica com medo de passar falta. Posso ter passado um aperto, mas falta das coisas, dificuldades, nunca passamos, não. Principalmente nessa questão de alimentação, roupa, essas coisas. Você conhece alguém que a vida tenha dado certo depois da demissão?

Tem que ver se eu lembro. Você conhece alguém, Periquito? Periquito: Eu, graças a Deus, me dei bem! José: Você poderia ter dado melhor, se você tivesse comprado umas duas casas, na época, com o seu dinheiro. Periquito: Eu tenho a minha família, minha casa, meu comércio. Durante esses sete anos na Vale, o senhor construiu muitas amizades?

A maior parte das amizades que eu fiz na CVRD ficou. Eu dialogava bastante, procurava até ajudar alguém que trabalhava comigo (Periquito), que era meu subordinado. Ele foi o meu inquilino durante 20 anos no ponto comercial que eu construi. Ele só saiu agora, quando a minha esposa teve vontade de colocar uma loja lá. Como foi o reencontro de vocês para trabalharem juntos novamente na universidade?

Nós tínhamos que ser absorvidos por um órgão do Ministério das Minas e Energia, porque a Vale do Rio Doce é ligada a esse ministério. Na época, eu estava com dificuldade de saber qual órgão iria nos absorver. Então, fomos absorvidos pelo DNPM, assim como todos os anistiados da Vale. No fim das contas, a pessoa poderia escolher um órgão próximo a onde ela morava para aceitá-lo. Foi bom reencontrar, a gente se sente como uma vitória. No meu caso, eu vim aqui na Universidade Federal de Ouro Preto, con-

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versei com o diretor, expliquei para ele a situação, e ele disse que a Universidade estava em expansão e que iria precisar de mais uns seis ou sete. Então, eu avisei para os meus colegas, para que eles ficassem aqui também. Eles foram até a UFOP, os apresentei ao diretor e conversaram. O que pensa para o seu futuro?

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Eu não preocupo muito com o meu futuro, não. Eu preocupo mais com o futuro das minhas filhas, pois o meu futuro praticamente já está definido. Eu não sou muito de ter ambição, assim, de coisas materiais. A mineração te deixou marcas?

Eu gostava muito da mineração, de trabalhar como controlador de minério. Mas eu fiquei muito frustrado na época, porque eu fazia uma coisa que gostava e de repente fui mandado embora. Não é fácil. Aos 62 anos, se você pudesse se auto definir, quem seria o José César?

Um aprendiz da vida! A gente está ai para viver e lutar!


Walter Bento Delgado “Aqui quem não conhece Periquito, não conhece Mariana.” Desde a sua chegada, em 1982, Walter Bento Delgado mantém a risada contagiante, mas nem sempre a alegria fez parte da sua vida. Saudades e perdas entrelaçadas na memória se tornaram evidências fortes, por meio de um olhar triste e a pele enrugada. Marcas estas que identificam momentos únicos que Periquito, que também é barbeiro, pôde presenciar em seus 70 anos de vida. O que o senhor veio fazer em Mariana?

Eu trabalhava em Nova Era, na Vale, depois eu fui transferido para Mariana. Tem filhos?

Sim, tenho duas filhas que nasceram em Mariana e um filho legítimo, e dois filhos gêmeos adotivos. Você e sua esposa na época adotaram as crianças?

Sim! Esses dois adotivos, vieram depois de um acidente, que eu tive com um filho meu na porta da minha casa, morreu de choque elétrico, com 14 anos de idade. Depois disso aí, vieram os dois meninos na minha vida com três meses de idade. Como eles apareceram na sua vida?

Fui visitar um afilhado no hospital, e eu vi essas duas crianças lá. Aqueles meninos pareciam da Etiópia, com o ossinho aparecendo, a costelinha. Ai eu perguntei para a enfermeira: Esses meninos, o que eles têm? Ela me disse: “Falta de alimentação! Eles ficam três dias em casa, e 10 dias no hospital.” Mas, a mãe não os dá para os outros? “Não sei ele ela vai dar, ela está lá em baixo! Um está inter-

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nado, e o outro está para internar hoje de novo. Conversa com ela”. A mãe disse: “você pode leva-lo, o que já está de alta.”. O outro estava internado, e ficou lá! No dia seguinte, eu voltei para o hospital, e a moça falou que uma mulher queria pegar o outro menino para ela poder criar. Eu fui à casa dela e disse que queria os dois meninos pra criar. Hoje eles estão com 21 anos de idade. A sua esposa aceitou tranquilamente?

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Aceitou! Depois disso daí, passou mais ou menos um ano e nós nos separamos. 17 anos separados e a gente combina bem. Gasto com ela, mais ou menos, uns R$800,00, todo mês. Em 1982, como era a cidade quando você chegou?

Não tinha nada! Não tinha Colina, não tinha Cabanas, Rosário, tinha a Rua do Sapé, mais nada. Nem carro em Mariana tinha! Não tinha nenhuma estrutura?

Estrutura nenhuma! Quem fez Mariana crescer foi o que eles mataram, que é o João Ramos Filho. Era o homem da pobreza, mas por um motivo ou por outro, sumiram e acabaram com ele. Quando chegou e viu essa realidade, o senhor sentiu a necessidade de voltar para Nova Era?

Não! Eu fiquei esse tempo todo na Vale do Rio Doce, com a minha profissão de barbeiro. Falava-se barbeiro, antigamente, de quem fazia barba e cortava o cabelo. Hoje se fala barbeiro, aquele que só faz barba, mas não é não, corta cabelo também. Há quanto tempo o senhor exerce a profissão de barbeiro?

Desde os 14 anos de idade. Quando eu tinha 14 anos, o compadre da minha mãe falou assim: “Efigênia, tem um salão de barbeiro à venda lá em Piscama. Você não quer comprar para o seu filho, para ele apreender a cortar cabelo?”. Meu pai já tinha morrido. Mi-


nha mãe disse que não tinha dinheiro, mas comprou e eu aprendi. Hoje, graças a Deus, eu devo muito a minha mãe, dela ter feito isso comigo (choro). Até hoje guarda os ensinamentos dela?

Desde os 14 anos de idade! Depois tirei carteira de motorista. Fui trabalhar como motorista, rodei o Brasil afora. Fui para esse Brasil de canto a canto com ônibus, por isso, conheço esse país. Depois entrei na Vale do Rio Doce. No momento que você fichou na Vale do Rio Doce, quais eram as suas expectativas?

Um bom salário, um padrão de vida melhor do que nós tínhamos na época. Depois veio essa bendita privatização, que foi obrigada a vender a Vale do Rio Doce, e dispensar a gente. Hoje está ai, lá embaixo. Quando eu fichei, ganhava 11 salários. Hoje, um motorista ficha lá com dois salários no máximo! E desempenhava qual função?

Motorista de equipamento pesado! Ele (José César) era o meu supervisor na época. Nesse período, algum fato te chamou mais a atenção ou algum acidente?

Não! Graças a Deus, eu nunca tive um acidente de trabalho. Lá, só teve um colega meu que morreu num acidente durante a noite que nós estávamos trabalhando. Como eram as relações com os seus amigos?

Tudo muito bom! Muita amizade, nunca tive briga com ninguém. Para a época, a Vale era uma boa empresa para se trabalhar?

Uma das melhores empresas! Depois que privatizou, que o go-

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verno vendeu, ou melhor, entregou para os bancários, está uma escravidão! O senhor se arrepende de ter trabalhado na Vale?

Não, não me arrependo! Eu saí da Vale, na época, pois eu não estava aguentado mais trabalhar de noite. Eu pedi para sair. Saí para montar a minha barbearia. Mesmo assim, eu ganhei na reintegração da justiça, pois eu tinha anos de casa. Você recebeu um acerto, na época. O que fez com o dinheiro?

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Recebemos o acerto normal, com fundo de garantia e 13º. A indenização, ainda estamos para receber. Nós temos direito a indenização desse tempo todinho. O acerto foi um bom dinheiro?

Na época deu. Investi na compra do meu apartamento. Eu tenho um prédio hoje de morada. Hoje, só moram os meus filhos. Não tem inquilino não. A minha Dona Maria, quis sair de casa, mesmo assim eu a ajudo. Todo final de semana, mando uma comprinha pra ela. Todo mês. E olha que não é obrigação minha não, mas eu quero ajudar. Estou ajudando ela a fazer um barraco dela, para ela sair do aluguel. Sou amigo do rapaz que mora com ela. O senhor tinha alguma outra fonte de lucro quando saiu da Vale?

Na época, não! Eu tinha, assim, o meu salão em casa. Não tinha o compromisso de trabalhar com isso todo dia, não. Depois que eu saí que me estabeleci no comércio! Eu perdi o meu filho com 14 anos de idade, com choque elétrico (choro). Foi o maior problema da minha vida! Como ele se chamava?

Edvando! Ele tinha chegado da escola, fazia quinze minutos. Aí, ele chegou, tomou a bênção, estava arrumando o arame para a ferra-


gem. Estava amarrada em uma arvore, um do lado do outro assim, para gente balançar a corda para tecer. Tomou a benção e desceu. O pedreiro estava lá dentro. Ele subiu comendo umas rosquinhas. A janela estava sem tijolo ainda, ele colocou as rosquinhas em cima da janela. “Pai, me deixa enrolar para o senhor!” Eu dei para ele enrolar, e fui ajudar o pedreiro lá dentro e escutei aquele estouro. Corri lá fora para ver, e um cliente nosso gritou para que eu corresse, porque meu filho tinha levado um choque. Ele faleceu na hora?

A corda pegou na alta tensão... (choro) Você estava passando por uma transformação na sua vida. E depois, como foi?

Fui levando a vida. Depois aconteceu o problema da separação, três anos depois ou mais! Já faz 27 anos que ele morreu. (choro) E de onde veio a força para você continuar seguindo seu caminho?

Foi graças a Deus! Vem do todo lá de cima. Do divino pai eterno. Você encontrou no trabalho essa forma de retomar a vida, após o acidente?

Claro, retomar a vida! Entreguei para Deus, né? Jesus sabe o que faz. Se ele levou o meu filho... (choro). A mineração influenciou positivamente ou negativamente na sua vida?

Eu não tenho nada do que reclamar da Vale do Rio Doce, não! A única coisa que eu tenho que reclamar é que, quando saímos, foi injustiça o que o Governo Federal fez com a gente. Fez a gente sair para ser privatizada. E agora nos estamos aí, aguardando o resultado.

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Se tivesse oportunidade de voltar, dois ou três anos depois que o senhor foi demitido…

Se fosse igual era antes, eu voltaria, mas não para trabalhar a noite. Se ela tivesse o horário que ela tem hoje - depois que nós saímos, dois meses depois era um dia em cada horário - eu não tinha saído, não! Nós trabalhávamos de segunda a sexta, pegava domingo à noite. Motorista de caminhão tem uma grande responsabilidade, não é?

Nossa Senhora! O equipamento é pesado, tem 200 toneladas, a noite toda tendo que manobrar aquilo ali… 94

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Existia muita pressão?

Não, não tinha essa pressão, não! Os supervisores eram gente boa, sabe?! O pessoal fazia o serviço direito. Como o senhor conheceu o José César?

Foi lá no serviço. Eu vim de Nova Era, e me trouxeram para cá! Logo vocês criaram uma relação de amizade?

Sim, de amizade! Eu fui inquilino dele durante 22 anos. Graças a Deus, em Mariana, eu não tenho inimigo nenhum, só amizade. Quando eu passo em frente as lojas, ouço pessoas gritando meu nome. Eu comprimento, mas, às vezes, eu nem conheço. Todo mundo me conhece, uai! (risos). Aqui, quem não conhece periquito não conhece Mariana. Já tentou ir para o lado da política?

Não! Eu sou “politiqueiro” demais da conta! Brigo, discuto, mas candidatar, não. João Ramos cansou de me chamar para que me candidatasse a vereador. Político tem que ter três caras, uma em casa, uma na Prefeitura e a outra na rua.


O senhor era muito amigo do João Ramos?

Nossa senhora, era meu cliente lá! Dois dias antes de ele morrer, eu cortei o cabelo dele. Coitado do João Ramos. Mataram ele na maior covardia! Agora a sua volta ao trabalho, em uma Universidade, como foi?

Eu trabalho de dia, para não perder os meus clientes, e à noite aqui. Fico na barbearia de seis e meia da manhã até quase cinco da tarde, depois venho aqui. Não durmo quase nada à noite não. Chego em casa onze e meia, onze e quarenta, tomo um banho e vou deitar meia noite. Meus dois baixinhos moram no apartamento lá do meu prédio. Quando eles saem para trabalhar eu já estou de pé também. Eles sabem que são adotivos, mas todos os dois têm documento com o meu sobrenome e o da minha ex-mulher. Nós não somos separados no papel não, só amigavelmente. Eles não querem conhecer nem mãe e nem pai, legítimos. Eles nem gostam de falar que são adotivos. O que você aprendeu com eles?

Muita coisa! Eles não dão trabalho nenhum, graças a Deus! Com três meses de idade, eu peguei de uma família que eu não conhecia. Eles são bem roxinhos, moreninhos. Minhas filhas são todas loirinhas, meu filho era loirinho também. Minhas filhas os adoram! Falam que são irmãos! O que você ainda tem vontade de fazer?

O que eu tive que realizar, eu realizei! Cada filho tem uma morada. Se o governo resolver pagar essa indenização, durante esse tempo, vai ficar para eles. Contagem regressiva! Apesar de que não sinto nada. Nunca tive dor de cabeça, nunca tive dor de barriga. Minha pressão é 12 por 7. Tomo minha pinguinha na hora do almoço. Tomo uma cerveja à noite. Não sinto nada, graças a Deus! Saúde demais eu tenho!

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O que te faz feliz?

É viver! É viver com os meus filhos e com a minha ex-esposa! Se você pudesse definir em que a mineração conseguiu influenciar a sua vida. O que você destacaria?

O que eu aprendi com a mineração foi a convivência com os meus amigos e a ter muita amizade, com todo mundo. Hoje não, só tem gente novata. Quem é para você o Walter Bento Delgado?

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Eu me considero assim, uma pessoa que não faz mal para ninguém. Nunca roubei, nunca matei e só desejo felicidade para os outros. Periquito, o que você espera para o seu futuro?

O que eu tinha que fazer, eu já fiz. Agora, tenho que esperar a hora que o papai do céu me chamar, para eu ir!


Geraldo Saturnino da Silva “Minha alegria é chegar perto de você e sorrir, bater papo com todo mundo. Eu sou desse jeito, entendeu?” Com um sorriso no rosto: é assim que qualquer um sempre verá o Dó - Geraldo Saturnino da Silva -, morador do Espírito Santo, pelas ruas de Mariana. Em seus 44 anos de vida, Dó já fez de tudo: desde grades e portões até auxílio em autopsias no IML do Espírito Santo. Veio para Mariana em 2013 com o objetivo de trabalhar com a mineração como mecânico montador em uma terceirizada. Com muito bom humor e vontade de ajudar sua família, Dó leva os dias de uma forma leve, com simplicidade, enfrentando todos os obstáculos de uma vida atarefada e repleta de saudade. É possível construir grandes amizades nessa vida do “trecho”?

Eu sou fácil demais para fazer amizades. Eu sei chegar, conversar com o pessoal, sei tratar todo mundo, graças a Deus. Todo mundo ri de mim, sabe por quê? Eu sou um cara alegre, não sei ficar com cara fechada para ninguém, não. Dentro do ônibus eu rio mesmo para todo mundo. Eu posso estar magoado comigo mesmo, sabe? Coração apertado, mas não deixo de sorrir para o pessoal. Minha alegria é chegar perto de você e sorrir, bater papo com todo mundo. Eu sou desse jeito, entendeu? Nasci para isso mesmo! Eu não sou aquele de andar com cara fechada para ninguém não, só se eu tiver passando mal mesmo. Tirando isso, o dia todo eu estou brincando com todo mundo do alojamento. Converso com todo mundo! Várias empresas estão no término de suas obras. Você também está nessa mesma levada que está saindo?

Não vai sair todo mundo, não. Eu nem sei se vou sair também, porque eles estão desmanchando tudo. Tem muito serviço para fa-

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zer ainda, muita coisa que a gente vai deixar para trás. Se for para sair, vão ser só algumas pessoas. Como é viver nessa insegurança?

Eu não posso reclamar da empresa, de tudo o que conquistei com ela. Hoje, eu mexo com serviço de obra também, principalmente aqui em Mariana, eu trabalho como pedreiro, pintor, mecânico de carros. Tem experiência? Já trabalhou com tudo?

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Com tudo! Soldo, faço tudo! Faço grade! É por isso que é bom ter muita profissão. Se você sai de um, não vai faltar serviço. Se eu sair daqui hoje, chegar num depósito, eu não tenho vergonha de pedir um emprego. Posso ganhar um salário mínimo, não tem problema. Quero ver a minha família tranquila, não importa. Posso andar pelado, o importante é a minha família comer. Eu não quero ver a minha família passar fome. Vou falar a verdade, já fiz de tudo um pouco nessa vida, até com defunto eu já mexi no IML do Espírito Santo. O que você fazia?

Ajudava a abrir defunto, guardar na geladeira, ia lá no mato buscar, fazia o transporte. Se precisasse de mim, eu tinha que estar lá para tudo, pegava serviço à noite. Eu ia ao hospital, buscava o corpo, abria, fazia autópsia. Nesse emprego, você trabalhou durante quanto tempo?

Uns dois anos, por isso eu digo que para não ver a minha família passar fome, eu faço de tudo. Há um tempo, todo lugar que você ia estava difícil. Nessa idade que eu estou hoje, agradeço a minha mãe, que sempre nos corrigia. Se chegássemos com um carrinho, minha mãe batia na gente, perguntava onde a gente tinha arrumado aquilo. Até hoje, se bobear, ela mete a mão na minha orelha. Quando eu cheguei nesse emprego, as coisas estavam difíceis. A gente não tinha o que comer, só o dinheiro da passagem,


sem um real no bolso. Quando eu passava nos lugares, via os outros comendo, e eu não tinha nada. Quando eu chegava em casa, a mulher reclamava das contas para pagar e das coisas que faltavam. Eu cheguei a pensar em fazer besteira na minha vida. Que tipo de besteira?

Passar a mão no revólver e fazer outra coisa na minha vida. Muitos falam que a gente tem é que trabalhar, mas o serviço não é para todos. Existe gente que rouba para sobreviver. Se você tiver parado, com uma situação ruim, assim como a sua família, você para e pensa. Se você não tiver Deus no coração, acaba fazendo besteira com esse negócio, como enquadrar uma pessoa ou mesmo um assalto. Você já fez?

Não! Graças a Deus, nunca fiz isso na minha vida. Só pensei, entendeu? Peguei com Deus e pedi pro Pai me tirar dessa vida! Tinha dia que eu chegava em casa chorando! Eu pedia a Deus para conseguir um emprego. Até que um dia eu encontrei com um colega meu que trabalhava no IML e ele me deu essa oportunidade. Você acha que a mineração acabou trazendo mais coisas positivas ou negativas para a sua vida?

À mineração, hoje em dia, tem que agradecer porque nós a temos. A parte maior que tem aqui, para mim, são a Samarco e a Vale. No dia em que elas acabarem, muitas pessoas vão ficar desempregadas aqui dentro. Igual no Espírito Santo, onde a assistência é da Vale, que é forte lá dentro. No dia que acabar também, acabar o sistema, o pessoal está na rua, desempregado. Então, o que ela trouxe de positivo?

Para mim? Ah, trouxe a profissão que eu tenho hoje, agradeço a ela e a empresa que eu trabalho também. Eu mexo mais com isso mesmo, com as montagens e uns negócios aí. Então, se eu não esti-

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vesse nessa empresa, eu estaria na pior até hoje. Agradeço pela força que eles me deram. Se não fosse esse negócio da mineração aqui... Sua vida mudou depois que você começou a trabalhar aqui?

Em uma parte mudou, sim! Porque hoje eu estou com a minha casinha quase pronta com o dinheiro do meu suor. Vai fazer um ano que eu estou aqui, e minha casa está quase pronta, com o dinheiro daqui! E o que te deixa triste?

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Se eu ficar sabendo que a minha família ou algum amigo meu estão passando mal e eu não tenha condições de socorrê-los! É triste porque estou longe da minha família, da minha mãe, dos meus filhos… Você veio para Mariana por que não teve oportunidade no Espírito Santo?

Não! Eu tinha separado da minha mulher. Eu estava bebendo demais, ela ficava jogando as coisas na minha cara. A gente ficava brigando muito. Aí eu fui passar um tempo em João Monlevade, na casa de minha mãe, há dois anos e meio. Eu larguei a minha esposa, mas fiquei com remorso por causa do meu “moleque”, eu tenho muito dó por ele ser deficiente. Mas, se precisar de mim, eu estou aqui pra ajudar todo mundo. O que você faz para divertir aqui?

Eu não saio muito porque eu penso muito no meu moleque. Se você sair daqui, for a uma festa, tem que botar no bolso uns duzentos reais para gastar numa noite. Duzentos reais que eu vou gastar, e que vão fazer falta depois. Costuma fazer o que?

Eu não posso dizer para você que eu só trabalho, tem que ter


umas oportunidades de lazer, né? Eu gosto de dançar! Não é todo dia também, não! Nem todo sábado. Quando “dá na telha”, eu vou para a casa da minha mãe. Agora, eu não estou indo, porque pegar ônibus está fora de mão. Tinha um colega meu, eu ia de carro com ele, que era mais rápido. Só vou de novo quando a obra acabar. O que você espera para o seu futuro?

Como eu estou ficando velho (risos), meu futuro agora é ver se eu começo a trabalhar menos, e me aposento. Eu comecei a trabalhar com 16 anos. 101

Se você pudesse se auto definir, quem seria o Geraldo para você?

Essa pergunta aí, “na moral”, eu não sei responder não (risos). Sou alegre, graças a Deus, gosto de me divertir também e de passear. Esse aí é o Dó.



Jassoir Matias de Souza “Eu sou homem, mas sou capaz de falar que, no trecho, homem é pior que mulher.” Com o capacete da moto na mão e um jeito tranquilo de se expressar, o mecânico montador Jassoir Matias de Souza, de Ipatinga, interior de Minas Gerais, chega ao restaurante da cidade de Mariana para jantar. Essa rotina faz parte da sua vida há 10 meses, tempo em que cumpriu o contrato com uma empreiteira, prestadora de serviços para a Samarco. Com 28 anos, sendo três deles dedicados a mineração, Jassoir não tem medo do amanhã. Mesmo sabendo que pode receber mais um não, seus desejos e sonhos continuam com um sim de esperança, mesmo com a dor da saudade fazendo parte da sua vida. Qual foi o momento em que você decidiu seguir a área de mineração?

Foi a oportunidade que me deram! Um colega me arrumou o serviço, e eu preferi trabalhar fora porque o rendimento é melhor. Compensa até certo ponto! Eu penso em trabalhar fora uns 4 ou 5 anos da minha vida. Porque trabalhar fora de casa, deixar a família para trás não é fácil não. Tem hora que o coração aperta. Como sua esposa lidou com o fato de você trabalhar fora?

Sou casado há 4 meses. Quando eu comecei a namorar ela, eu tava entrando no trecho. Eu falei que eu não tinha vontade de trabalhar assim muito tempo. Tenho vontade de adquirir um dinheiro e montar um salão para ela e uma lanchonete para mim, porque eu sempre mexi com essa área. Na verdade, ela aceitou querendo não aceitar. A vida hoje, se você não der os seus pulos para um lado ou para o outro, não tem jeito não.

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Você vê, na mineração, essa oportunidade de crescimento futuro?

Com certeza. Eu tenho parentes que trabalham na mineração, supervisores e encarregados. De pouco a pouco, tudo vai se encaixando. Atualmente, o que a mineração consegue te proporcionar em questão de benefícios?

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Para mim, hoje em dia, é só o salário, mais nada. Eu posso te falar que, atualmente, não existe nada mais poluente do que uma mineração. É ruído, é poeira, é óleo, é graxa. Eu falo com toda certeza, é só o salário. Você, querendo ou não, está ali no meio, interferindo na natureza diretamente. Como você se sente?

Gostar do que a gente faz, a gente não gosta, mas quando a gente entra para trabalhar, tem que acatar todas as ordens. E lá, a gente tenta amenizar o máximo possível. Você sabe que o máximo nunca ameniza totalmente. A gente tem trabalhado da melhor forma, lonando quando mexemos com óleos, mas somos expostos a todo momento a poeira e minério. Mas todos os seus colegas de trabalho tem essa mesma visão?

Nem todo mundo pensa do mesmo jeito, eu te falo que 1% deve pensar da forma que eu falei. Às vezes a gente nem consegue lembrar do que a gente deve fazer ou não, porque o dia a dia da gente é corrido, mas sempre que a gente pode, a gente tenta dar uma amenizada. O que você vai fazer depois que a obra acabar? O ruim do trabalho no trecho é isso: você tem que dar seus pulos. Corre para um lado, corre para o outro, mas eu tenho previsão de trabalhar com uma empresa lá de Ipatinga. A matriz dela é de São Paulo, ela tem uma filial em Ipatinga, e ela corta serviço


fora: Mato Grosso do Sul, Angola, tudo enquanto é lugar. E você vai pra onde te mandarem?

Aonde ela me mandar, eu estou indo. Medo eu não tenho não. A única coisa que eu não gosto é de ficar longe da minha família, mas não tem outra solução. Ipatinga não tem salário. Você rala o mês inteiro e, se for numa área industrial igual a nossa aqui, você pega mil reais livre. Aqui você trabalha dez dias e pega o salário igual o de lá. Sua mulher também trabalha?

Sim, ela me ajuda bastante. Não é pouco, não. A sorte é que eu tenho uma mulher muito boa. Quando você chegou em Mariana, o que você achou da cidade?

Eu falo a verdade, Mariana é muito boa. Eu gostei demais daqui. Eu gosto do clima daqui, meio frio, quando bate, chega a doer. A única coisa ruim aqui é que a cidade é montanhosa, mas Minas Gerais é desse jeito. Além do seu salário, o que a empresa te oferece?

Plano de saúde, só. Além da moradia, de uma comida boa. Pelo menos a desse restaurante aqui. O plano de saúde é o básico de tudo. Só cobre consultas. Você vive com quantas pessoas nesse alojamento?

Esse alojamento que eu estou tem capacidade pra 18 pessoas. Só tem quatro hoje. No primeiro em que eu morei, a casa tinha dois andares. O primeiro andar tinha 10 pessoas, com capacidade pra 10, e a parte de cima, com capacidade pra 28, tinha 27 pessoas. Graças a Deus, todo mundo era tranquilo. No começo demorou um pouco para todo mundo se entender. Tinha gente pra tomar banho até meia noite, esperando na fila.

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Você viveu alguma situação desagradável?

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Drogas. Tinham umas 5 ou 6 pessoas que mexiam com “pó” e maconha. Tinha um que mexia com outra coisa, crack. No dia que a gente viu ele mexendo, encostamos ele na parede da sala, eu e mais uma 8 ou 9 pessoas, e falamos: “qualquer coisa que sumir aqui, pode ser você ou pode não ser você, você vai ter que dar conta. Porque aqui só tem gente conhecida, todo mundo de Ipatinga, Coronel Fabriciano, Timóteo, e você não é daqui”. Ele era de Contagem. “Não é conhecido nosso, se sumir alguma coisa, nós vamos ter que colocar você pra fora. Você vai ter que dar conta do que sumiu”. Fora isso, mais nada, graças a Deus. E também nunca sumiu nada. Você já usou drogas?

Eu não minto pra ninguém. Todo mundo sabe que eu fumo meu cigarro. Eu gosto do cheiro da maconha, mas nunca usei. Quando eu morava nas Cabanas, com mais 27 pessoas, tive oportunidade de usar, todo mundo ia pro terraço fumar maconha. Eu subia e ficava só sentindo o cheiro. Um amigo disse: “eu sei que não é certo, mas eu vou ter que te oferecer. Você quer?” e eu recusei: “me deixa no meu canto aqui, eu gosto só do cheiro”. Como é conviver com uma pessoa, pensando que pode sumir alguma coisa, a qualquer momento?

A única pessoa que guarda a gente é Deus. A gente tenta fazer as coisas da melhor forma, seguindo a Ele. Pronto. Temos que colocar nas mãos Dele. Hoje em dia a gente não está protegido nem dentro da família da gente. No trecho, você não tem amigo nem inimigo. Você tem que confiar em todo mundo e desconfiar de todo mundo ao mesmo tempo. No trecho, você tem que tratar todo mundo bem, e nunca pode pisar no calo. Se você pisar no calo, pode ter certeza que a partir daquele dia você não vai ter mais sossego.


Qual a parte mais difícil de estar fora de casa?

Às vezes, a saudade. Já bateu uma saudade em mim uma vez, que eu vou te falar a verdade... fiquei um mês fora de casa, larguei o serviço e fui embora. Aí ligaram pra mim da empresa perguntando por que eu estava fora do trabalho há muito tempo. Eu disse para me darem abandono de serviço. Eu não ia voltar, e disse para eles não me ligarem mais. A sorte é que o patrão era uma pessoa gente boa e me deu dispensa, porque abandono de serviço dá justa causa. Mas o que dói mais é a saudade. E ela aperta quando você está dentro de casa sozinho. Para quem trabalha fora, nunca é bom ficar sozinho. Você tem uma válvula de escape?

Agora eu já me acostumei. No começo, o que aconteceu foi isso aí. Aqui em Mariana eu tenho moto, eu fico a semana inteirinha com a moto guardada na garagem. Às vezes eu fico 14 dias com ela dentro de casa, tiro ela na sexta-feira, vou trabalhar e do serviço já pego estrada para ir para casa. Aqui não tem nada. Final de semana eu saio para ver um jogo. Além disso, eu tenho um vício que me estabiliza um pouquinho, que é o cigarro, que me tranquiliza um bocado. Quantos maços você fuma por dia?

Já fumei bastante, uns dois maços por dia. Hoje eu fumo um. Quando eu trabalhava na área da Usiminas, de turno, quando estava de zero-hora, eu fumava uns dois maços e meio de cigarros. Você já fumava antes ou começou no trecho?

Eu fumo desde os dezesseis anos de idade. É o único vício que eu tenho, mas eu pretendo parar. Assim que eu acabar meu serviço aqui, vou dar uma ida ao Oiapoque para procurar um cigarro eletrônico. Meu vício não é a falta de nicotina. Na verdade é o hábito de tragar, mas eu vou comprar e tentar sair disso.

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Dessas relações, dá pra construir grandes amizades?

Você consegue fazer amizades, mas consegue fazer inimizades também. Tem amizades que vêm desde a minha cidade. Você acaba conhecendo mais pessoas, porque convive na casa do outro e ele na sua casa. Aqui, acontece de a gente juntar todo mundo e ficar no mesmo alojamento, e ali você vai vendo quem é a pessoa, vai vendo que um é folgado, o outro é mais espaçoso, o outro é desajeitado, não é cuidadoso com as coisas. O que incomoda mais: o mais nervoso ou o mais preguiçoso?

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Na verdade, o mais preguiçoso, porque na hora que você está ali dando um duro danado, precisando de uma ajuda, você não acha ninguém para dar uma mão. O nervoso você já sabe qual é o ponto fraco dele. Então, você não mexe com a pessoa. Agora o preguiçoso é difícil mexer com ele. Você acha tudo quanto é tipo de pessoa trabalhando fora, assim. É uma prova de vida, você vê de tudo. Vê homem, vê gay, vê vagabundo, vê ladrão, alcoólatra, fumante, viciado em droga, coisa que você pensa que nunca vai ver. Qual é o pensamento se deve ter para lidar com todas essas pessoas?

Andar na sua. Tratar todo mundo bem. Você nunca pode virar a cara para ninguém. Mesmo que você não goste da pessoa, se a pessoa chega e conversa com você, você tem que tratar ela bem. Não estou falando que é certo ser falso, mas chega um certo ponto que você tem que ser falso pra conseguir conviver com aquela pessoa. Você tocou no ponto da relação com a homossexualidade. A imagem que todos os peões têm é que o homem tem que ser “cabra-macho”. Qual sua visão?

Ninguém gosta de se rebaixar, né? É tudo muito escondido. Ele vai ali matutando, matutando... vai batendo papo com a pessoa... e vai vendo aonde ele pode entrar. Se ele achar uma brecha…


E já aconteceu isso perto de você?

Tinha na empresa, um encarregado. Ele ia no alojamento e tinha um relacionamento com funcionário. Por isso que eu te falo, às vezes não são só os “oreia”, lá em cima também tem. Você acha de tudo. Mas fica tudo muito interno, né?

Mais ou menos. Você conhece a rádio peão? Não existe igual não... Se acontece alguma coisa aqui e tem um peão no meio, amanhã tá todo mundo sabendo. Peão é fofoqueiro?

Eu sou homem, mas sou capaz de falar que, no trecho, homem é pior que mulher. Fala demais, de tudo o que você pensar. Sabe que ao mesmo tempo em que a gente está conversando aqui, e eu te falo que bate uma saudade de casa, eu sinto que é bom. Se a pessoa souber levar, é ótimo. Dá pra levar boas experiências pra casa. Tem mulher no trecho?

Essa empresa já teve. De 3500 funcionários, mais ou menos 30% eram mulheres. Soldadoras, eletricistas, mecânicas, de tudo o que você pensar. Não era pouco não. Às vezes elas eram muito melhores que os homens. Porque a mulher é mais dedicada. O homem não, ele sabe que tem que fazer, e vai fazer na hora que ele quiser. Mulher não: acata ordem e faz direitinho. Se você pudesse se autodefinir, quem seria o Jassoir?

Minha principal característica é que, aonde eu chego, eu faço amizade. Sou muito espontâneo. Uma pessoa que não gosta de mim, não gosta de mais ninguém. Durante esse período você acredita que a mineração influenciou sua vida positiva ou negativamente?

Na minha vida, positivamente. Aprendi a viver, né? Foi muito bom.

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Laércio Peixoto “A mudança é a única certeza que a gente tem!” Laércio Peixoto tem 45 anos, 24 deles dedicados ao trabalho na mineração. Laércio nasceu em João Monlevade e, em busca de estabilidade financeira e independência, veio para a cidade de Mariana e constituiu família nos solos minerários. Assim como milhares de trabalhadores, Laércio teve a oportunidade de construir sua carreira na Vale, onde conseguiu ser promovido, ter auxílio financeiro para fazer uma faculdade e se realizar pessoal e profissionalmente, sempre tendo como única certeza as mudanças que a vida poderia lhe proporcionar. Como era a cidade de Mariana quando você chegou aqui?

Mariana era uma cidade bem menos movimentada do que é hoje, sempre pacata, até os dias atuais. Era praticamente uma cidade definida no contorno baixo, com poucos avanços nas regiões de montanha. Durante esses 24 anos, a cidade se transformou, ganhou dimensões geográficas totalmente inesperadas, porque não se preparou para ter um crescimento tão rápido. Talvez o poder público não tenha vislumbrado a capacidade de expansão e definido políticas de crescimento urbano de forma que fosse algo planejado e sustentável. A mineração consegue sustentar esse crescimento, mesmo que seja de forma desorganizada. O centro de Mariana, hoje, apresenta umas três vezes a estrutura física que ela tinha há 20 anos. Sentiu algum receio ou medo de vir para uma cidade como essa?

Não. Porque eu estava convicto do futuro que me esperava diante da empresa em que eu vinha trabalhar. Naquela época, a Vale, ainda estatal, tinha um vínculo forte com o estado e todos que tinham a oportunidade de vislumbrar um emprego na Vale do Rio Doce, que era o nome na época, vinham sem medo e com grandes perspectivas de oportunidades e crescimento profissional.

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Você passou por aquele período do Plano Collor, em que a maioria dos trabalhadores foram demitidos. Você acabou chegando num momento “conturbado” na cidade, não é?

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É, exatamente! O que inclusive retardou a minha admissão, porque eu participei do processo seletivo no final do meu estágio, em 89. Em dezembro, eu comecei a fazer as etapas de seleção pra vir pra cá e a previsão era que eu fosse admitido já em janeiro. Até fevereiro eu não tinha sido chamado. Então, o Collor assumiu no mês de março, e uma das suas primeiras ordenanças como presidente foi que empresas estatais estariam com todos os processos admissionais suspensos até segunda ordem. Eu fiquei aguardando, nesse meio tempo e, enquanto a definição não vinha, eu voltei a trabalhar por conta própria, como serralheiro. No mês de outubro, é que eu tive a oportunidade de ser efetivado. Começou na Vale como técnico?

Comecei como técnico, dois anos depois, o nosso líder técnico – a gente não tinha supervisão, a gente tinha um líder, que era natural de Santa Maria de Itabira e tinha família lá – pediu transferência para Itabira e de 92 para cá eu sempre ocupei a função de líder de equipe. E há uns 10 anos eu fui efetivado como supervisor de manutenção, e estou assim desde então. Pensava em fazer uma faculdade quando entrasse na empresa?

Sim. Eu pensava, mas não na área técnica. O que de fato ocorreu. Em 94, quatro anos depois que eu já estava aqui, eu prestei vestibular na UFOP, para Direito, e não tive a oportunidade de ser aprovado. Aí vieram os filhos, a atenção à família, e as prioridades foram se modificando, até que, há seis anos, eu consegui: um curso de Direito veio para cidade de Mariana, na UNIPAC, e eu ingressei na primeira turma. Já me formei e consegui realizar esse desejo que eu tinha.


Quando chegou a Mariana, já era casado?

Não. Eu namorava, e me casei em 92. Eu vim pra cá em 90, eu já tinha dois anos e meio de namoro com minha atual esposa. Tive dois filhos. O Pablo tem 21 anos e o Patrick, 20. Os dois foram criados aqui, estudaram aqui. Seguiram as influências do pai nessa questão da mineração?

Eu acho que sim. O Pablo está atuando na área de elétrica, está no quadro principal da Vale e faz Engenharia de Produção aqui na FAMAR. E o Patrick fez curso técnico em automação e controle e hoje presta serviço pra Vale através de uma terceirizada na área de fiscalização de contratos na área de automação, e cursa Engenharia de Automação e Controle em Belo Horizonte. Fora esse benefício educacional, quais são os outros que ela oferece?

Beneficio educacional, assistência médica para mim e para família, lazer, programas culturais. A gente vive em um meio em que, onde a comunidade ou o poder público não conseguem suprir para comunidade como um todo, a Vale, de certa forma, através de suas ações sociais, ajuda a promover a questão do incentivo à cultura, preservação do patrimônio público. Tudo isso está dentro de um arcabouço de formação de desenvolvimento das pessoas que estão interagindo ali, nos meios onde a empresa abrange. Então, como empregado, se você olhar como benefício direto, não é. É um beneficio indireto, porque está promovendo um desenvolvimento cultural de todo o ambiente onde você está inserido. Sente orgulho da empresa?

Sim. Eu costumo dizer que a Vale tem uma política, uma visão, de ser uma empresa global número 1 de transformação de recursos naturais em prosperidade e desenvolvimento sustentável, mas ela não somente transforma recursos naturais, mas também as pessoas.

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O ambiente que a gente tem é realmente de transformação. Eu, quando entrei na empresa, era “bronco”, um jovem que havia saído da escola técnica, num mundo bastante limitado. A Vale proporciona oportunidades para os empregados, aqueles que realmente demonstram interesse em se desenvolver. A Vale abriu oportunidades para que eu pudesse realmente me posicionar, me expressar, buscar meu auto desenvolvimento, ela investiu na minha carreira, abriu um horizonte. O que eu consegui juntar nesses 24 anos de trabalho, em nível de patrimônio, é insignificante diante do patrimônio que eu consegui com o desenvolvimento como pessoa, como profissional, como uma pessoa que pode contribuir com o desenvolvimento dos filhos, da família, das pessoas que eu me relaciono na sociedade, mesmo que seja com os colegas de trabalho. Em que isso colaborou na sua vida profissional?

Eu consigo expressar o meu ponto de vista, fazer a leitura do ambiente, com determinada situação que pode parecer difícil de transpor, uma situação com uma aparência negativa. Eu consegui desenvolver uma capacidade de fazer uma leitura diante de toda a bagagem, de toda a experiência, que foi promovida não só por mim, pelo fato do meu esforço, mas também pelas condições que a mineração me proporcionou. Eu me transformei em outro ser humano. Conheço colegas de trabalho que eram muito mais tímidos, mais do que eu, e se desenvolveram através de ferramentas que hoje são utilizadas na empresa como o Ciclo de Controle de Qualidade, que é uma metodologia de análise e solução de problemas que as pessoas se envolvem e adotam uma metodologia de trabalho, em que ela tem a oportunidade de expressar e fazer capacitação em técnicas de apresentação, para quebrar a timidez. Isso não é simplesmente pra que a empresa transforme isso em resultados financeiros e econômicos. Isso é realmente para desenvolver pessoas, e não só para ela, mas para o mundo também. É um patrimônio que, a pessoa saindo, leva com ela, para onde ela for. Eu fui transformado


durante esses anos, pelo ambiente corporativo da Vale. Já passou por algum momento de dificuldade?

Tive. Eu acho que se você perguntar isso pra qualquer um, todos vão ter momentos de dificuldades. O momento em que eu cheguei a pensar em sair, desistir, foi quando meu pai adoeceu, e eu ficava naquela situação de querer estar lá perto dele. São coisas que a gente tem que aprender a lidar. Nós passamos por momentos da privatização da empresa, e também por vários ciclos econômicos em que a empresa precisa fazer adequações na sua forma de gestão para se adequar às variações do mercado, da política econômica, o mercado de consumo, isso gera momentos de tensão dentro da empresa, de incertezas. Vivi durante esse período uns três ou quatro ciclos desses. Mas, particularmente, eu sempre me senti preparado caso eu precisasse deixar a empresa. Nunca passei por um momento de instabilidade que pudesse gerar um descontrole ou uma incerteza plena. Caso a mineração não existisse, qual seria o rumo da sua vida?

Talvez hoje eu estivesse na CEMIG, nessas empresas concessionárias de energia, ou em uma siderurgia, em uma concessionária de telefonia, porque a minha formação é técnico em eletrônica. Ou até mesmo como serralheiro, dono do próprio negócio. Antes de entrar na Vale, eu voltei a trabalhar de forma autônoma, entre março a setembro e, quando eu fiz a entrevista, o salário que me ofereceram era 30% do que eu estava ganhando como autônomo. Só que a minha opção de vir para a Vale era exatamente aquilo que atraía a todos: a oportunidade de crescimento, de desenvolvimento e a estabilidade. Quando você trabalha como autônomo, não pode garantir que você terá aquela rentabilidade todo mês, é uma coisa incerta. Se fosse olhar naquele momento, não era atrativo economicamente, mas eu visualizei a longo prazo, até mesmo por um alerta que o meu pai e o meu irmão mais velho me fizeram. Ele disse: segue o seu caminho e vai abrindo portas para a gente!

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Você se arrepende?

Não. Onde eu estaria eu não sei, mas acho que dificilmente eu estaria da forma que eu estou hoje, dificilmente teria conquistado o que conquistei até hoje. É muito impreciso afirmar isso, mas eu não me via da forma como eu sou hoje, o que eu tenho hoje, tanto do patrimônio material, quanto do intelectual. E pro seu futuro, o que você pensa?

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Eu estou em um momento de escuta. Tenho procurado fazer uma reflexão, dialogar muito com minha esposa, porque eu me formei há dois anos em Direito, advogo informalmente. Eu não tenho um escritório, mas tenho uma parceria com uma colega de escola que formou comigo, para que eu não perca o contato com a prática. Eu completo 25 anos de empresa no ano que vem, poderia pleitear uma aposentadoria especial diante da área elétrica em que eu trabalho. Como integrante da geração anterior, eu penso muito no futuro dos estudos dos meus filhos. Para eu me aventurar numa carreira independente na área do Direito, depois de 24 anos de uma história construída dentro da empresa, com uma estabilidade mesmo que subjetiva, tenho dúvidas se seria o caminho adequado. Você ama o que faz?

Eu gosto muito do que eu faço, eu tenho uma alegria muito grande de acordar e ir ao trabalho. E a gente acaba sentindo falta até mesmo no período de férias, já fico contando os dias para poder voltar. O ambiente é muito gostoso, as pessoas, o convívio ali no dia a dia do trabalho. Se fosse o contrário, eu já teria saído, porque ficar 24 anos no mesmo emprego, só se realmente se sentir bem. Então, a cada dia, eu tenho um desafio novo. Meu trabalho me proporciona isso, a área que eu atuo tem passado por constantes mudanças e, com elas, vêm os desafios. Então, é pouco provável que eu me frustre com rotinas. Eu estou sempre sendo estimulado a novos desafios. Isso talvez supra qualquer desejo de buscar algo


novo. Eu creio que nos próximos anos eu devo continuar agindo dessa forma: trabalhando na empresa e, nos momentos disponíveis, que também não comprometa o lado do lazer, da família, fazer um trabalho ou outro na área jurídica. Pensa em se aposentar?

Eu já tenho começado a planejar isso, mas dentro de uma perspectiva de 10 anos, quando eu completaria 55 anos de idade, o que seria o meu objetivo. Mais do que isso eu acho que eu não ficaria, até mesmo por uma questão de mudança, ou para continuar trabalhando em algum outro segmento ou me dedicar mais a minha vida particular com minha esposa e os futuros netos que, com certeza, Deus vai prover. Se, de repente, eu me frustrar ou acontecer algo, que eu não aguente mais ou não queira, aí eu vou me aventurar na área jurídica. Ou advogar, ou até mesmo seguir uma carreira acadêmica como professor. Uma das marcas da mineração na sua vida foi a transformação. Mas quais outras marcas físicas e psicológicas a mineração conseguiu deixar em você?

Levou meus cabelos (risos). Há 24 anos eu tinha muito cabelo, inclusive meu apelido era “Yahoo”, porque tinha uma banda de rock popular que o vocalista usava o cabelo tipo o Chitãozinho e Xororó, há muito tempo, aquele cabelo compridão, arrepiado. Bom, pelo menos foi só essa. Nunca fui vítima de nenhum acidente, graças a Deus. As coisas foram acontecendo de uma forma natural e eu nunca tive essa infelicidade. A marca psicológica, eu seria repetitivo se eu dissesse a transformação. Mas… O que você aprendeu com a mineração ao longo desses 24 anos?

Que a mudança é a única certeza que a gente tem. E, durante esses anos, a única certeza que a gente tem é que o amanhã não será igual o hoje. E não tem momento fácil, não! Se hoje você está

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tendo uma instabilidade ou sofrendo uma pressão, amanhã pode ser igual ou maior ainda. Então, você tem que estar preparado para o mundo corporativo. Quem quer, de certa forma, “sossego”, administra seu próprio negócio e, mesmo assim, ainda está fadado às influências que aquele determinado negócio vai estar sujeito. Mas, eu acho que a gente, enquanto empregado, em que você vende os seus serviços, seu conhecimento para o mundo corporativo, você tem que estar preparado para as exigências que esse mundo corporativo vai te fazer. E, a cada dia, você receberá uma demanda nova, e você vai estar dentro de um contexto diferente, você vai ter que se adequar àquele novo contexto, àquela nova filosofia de trabalho. Eu passei por uma empresa que era controlada pelo Estado, que tinha uma cultura estadista e, sete anos depois, veio para o mercado privado, com uma cultura totalmente mais agressiva, mais intensa, mais dinâmica e que aqueles que permaneceram tiveram que se adequar. Um aprendizado, uma marca que eu acho que a empresa me deixou foi essa capacidade de entender que a mudança é a única certeza que se tem. Qual é a importância da cidade de Mariana para você?

A cidade de Mariana me acolheu, assim como acolhe desde sempre aquelas pessoas que vêm em busca de melhores condições de vida, até mesmo na época do ciclo do ouro. Mariana sempre teve esse ambiente que atraiu as pessoas que buscavam melhores condições de vida, da região e até mesmo de outros estados. Ela foi a porta de passagem para uma vida melhor, para mim, para minha família, para os meus irmãos.


Lédio Alexandre de Oliveira Alves “Tenho que preparar para mudar o meu sobrenome. É Lédio Alves! Não é o Lédio da Samarco!” O eterno aprendiz! Lédio Alexandre de Oliveira Alves, da cidade de Conselheiro Lafaiete, após 35 anos dedicados a mineração, como Analista de Manutenção, se tornou um dos mais conhecidos da firma. Mesmo não querendo, adotou o sobrenome Samarco, porém falta pouco para deixar isso no passado e começar uma nova vida, sempre lembrando da experiência e o aprendizado diário que conseguiu alcançar, além do sucesso, dentro do ambiente de trabalho e em casa. “O preto” gera ainda muito ciúme em sua esposa, Tânia Alves, parte fundamental de sua vida, que fez com que com se mantivesse em Mariana, progredisse e, ao mesmo tempo, desse forma à sua própria história. Quando o senhor veio para Mariana?

Eu vim para Mariana em 1979, para fazer estágio na Samarco. Eu ia fazer só estágio, e depois ia pra FERTECO, que é mais perto de Lafaiete, mas nós nos encantamos e ficamos. Eu vim e estava namorando ela (Tânia, a esposa). Em julho de 1980, nos casamos e ela veio também. Chegando aqui, teve uma boa impressão da cidade?

Não tive uma boa impressão porque é uma cidade muito pequena, e eu vim de Lafaiete, que é bem maior que Mariana. Então, a gente toma susto, né? “Nossa! Mariana é desse tamanho?”. Muito pequena! As pessoas não eram muito comunicativas, sempre recatadas, com medo. E tem outra, a gente não ficava muito aqui em Mariana. Era Samarco e Vila. Então, Mariana era só final de semana.

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Morou em alojamento quando chegou aqui?

Sim, morei em alojamento durante um ano. Eu fiquei em um alojamento na Samarco e, antigamente era bem melhor, tinha até restaurante. Depois eu casei em julho de 70, aí nós arrumamos a casa e mudamos pra Vila Samarco. E o que a cidade de Mariana representa para você?

Depois de 35 anos, nós já somos marianenses, gostamos de Mariana. A gente vai em Lafaiete, mas fica um ou dois dias, mesmo de férias, e volta para cá. Porque aqui é que é o nosso canto. 120

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Você contou que começou com o estágio na Samarco…

Sim, eu comecei com o estágio no mineroduto. Eu tinha um primo que trabalhava aqui, e ele disse que ia arrumar um estágio pra mim. Um mês depois do estágio eles me disseram: “tem uma vaga pra programador de manutenção. Você quer?”. Eu falei “quero”! Então, eu fiquei uns 20 dias depois do final do estágio preparando a minha documentação e, fichei 20 dias depois. Fui admitido na Samarco. E o que te fez continuar durante 35 anos?

É, eu vim pra ficar pouco tempo. Eu vim pra fazer um estágio, pegar uma experiência e voltar, pra CSN, pra FERTECO, onde eu já havia feito até entrevista. Mas... nós fomos enraizando aqui. A convivência do pessoal da Samarco antigamente era muito boa, era tipo uma família. Tive a oportunidade de sair daqui. Quando foi isso?

Foi em 89, 90... Eu tive a oportunidade de ir pra Açominas. Fui lá, olhei a casa na Vila dos Engenheiros, e já tinha até casa pra gente ir, mas aí nós sentamos, conversamos, e eu perguntei: será que vale a pena? Ah... Não vale não! Vamos ficar aqui! E ficamos!


Mas o que a Samarco te ofereceu que te fez ficar?

O convívio com as outras pessoas. Porque quando você fala em mudança, a pessoa tem medo, mesmo dentro da empresa. Quando alguém diz: “vamos mudar a chefia”, todo mundo já fica meio receoso. E mudança não é bom, né? Eu já estava bem na Samarco, já tinha um cargo bom, muita amizade. A Samarco cresceu muito. Antigamente, quando eu entrei aqui, eram 400, 500 empregados. Hoje a Samarco tem 1500, 2000. Então, você passa perto da pessoa, assim, não conhece, nunca viu, sabe? E, antigamente, o bom era isso, ia à casa um dos outros, ia jogar futebol, ia jogar baralho, fazia sempre um churrasco no final de semana. Você se formou em que? Teve algum tipo de auxílio educacional?

Administração. Fiz em Itabirito. Ela te concede uma bolsa de estudos. Começou com 60%, hoje parece que ela paga 80% do valor. Isso incentivava muito as pessoas a estudar. Fora esse benefício educacional, quais outros benefícios a Samarco oferece?

Ah! A Samarco tem muitos benefícios! Tem a Participação nos Lucros da Empresa (PLR), tem uma assistência médica muito boa que é a Assistência Médica Supletiva (AMS), tem vale-livro, tem o cartão alimentação, estou esquecendo alguma coisa? Devo estar! Porque tem mais! Tem a cesta de natal, tem vários benefícios, tem as festas de 10, 20, 30 anos de Samarco. Na minha época eram de 5 em 5 anos. Então você já participou de todas?

É! (risos). Agora não tem mais de 35 anos... Vou ter que esperar a dos 40! Mas essa daí não vai ter jeito de esperar não.

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Por quê?

Não... Porque eu estou fazendo 60 anos. Quando eu fizer 60, eu tenho que sair. E o que você está pensando em fazer quando sair?

Eu vou abrir uma consultoria pra trabalhar na Samarco, na Vale. Consultoria de Manutenção, vou mexer com correia transportadora, com bombas, sistema de água, sistema de polpa. É... Porque quem ficou 35 anos fazendo isso…

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Deve ter aprendido alguma coisinha, não é? E vocês tiveram filhos?

Nós tivemos três. Rodrigo tem 33 anos, Thiago está com 27 anos e o Diego está com 22. O Rodrigo é comerciante, tem um sex shop lá em Lafaiete. O Thiago trabalha na Samarco, é técnico em instrumentação e o Diego também trabalha na Samarco, no mineroduto. Então os dois seguiram o caminho do pai?

Sim. Só o Rodrigo que não. Não... Influência eu sempre passo pra eles o que é bom e o que não é. “A Vale é boa? A Vale é boa! E a Samarco? A Samarco é melhor!”. Porque a gente que trabalha na Samarco sabe quais são os benefícios que ela tem, a gente conhece a Samarco há muito tempo. Então, ele está fazendo Engenharia agora e me perguntou: “pai, o senhor acha que dá pra eu ficar na Samarco?”. Eu disse: “dá ué! Não só pra você ficar na Samarco! Você pode ir pra Vale, que também é uma empresa boa.” Você sente orgulho ao ver os seus filhos lá dentro da Samarco?

Com certeza! Diego começou a estudar, a fazer Engenharia de Produção, mas como ele está no turno, estava dificultando muito. Então eu falei pra ele trancar a matrícula. E até por isso eu não saí ainda (risos). Porque nós vamos correr atrás pra passar ele para o


administrativo. Eu tenho muitos amigos lá dentro, e eu acredito que esse meu conhecimento, essa minha influência que eu tenho com os caras lá dentro, eu vou conseguir, no final do ano, mudar ele para o administrativo. E todos os três filhos foram planejados?

Sim, com certeza. Todos foram planejados, porque eu penso que, primeiro, um tem que estar comendo com a própria mão, pra depois eu arrumar outro. O senhor deve ter construído uma reputação lá dentro da empresa nesses 35 anos. Sente que as pessoas te olham com diferença?

Sim, com certeza. É, a gente sente que tem algumas pessoas lá dentro que são referência. Então, de vez em quando dizem: “deu problema em tal lugar”, “chama o Lédio lá!”. É assim. Eu fico muito satisfeito com isso porque é uma maneira dela mostrar que eu estou na Samarco, hoje ela está me segurando lá não é porque ela quer segurar, é porque eu tenho conhecimento, eu tenho experiência e a gente resolve muita coisa. Teve alguém como referência ao longo desse tempo?

Teve um cara que me ensinou muita coisa. É um chileno que já não está na Samarco hoje mais, o Mário Mainart. Era um cara que de tudo ele sabia um pouco. E hoje eu acho que está valendo muito o que ele me passou, e ele não gostava de passar muita coisa. Era muito turrão, mas a gente com jeitinho ia cutucando. Ele foi, inicialmente, a referência. Quais as evoluções o senhor viu ao longo do tempo na empresa?

A tecnologia foi mudando e a Samarco foi mudando junto. Então, ela é uma empresa que, muitas vezes, paga um custo mais alto pra ter tecnologia, pra inovar, ela compra alguma coisa no mercado que ninguém nunca usou no Brasil. De vez em quando, ela dá

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umas “cabeçadas”. Pega uns troços ruins, mas na maioria das vezes ela pega tecnologia só de ponta. Tanto que ela produzia 8 milhões de toneladas, e hoje ela produz 35 milhões de toneladas. E a gente dá um jeito de usar ela aqui. Quando chegou aqui com 21 anos, como era o Lédio naquela época?

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Nossa, doidão! (risos). Quando eu cheguei aqui, solteiro, não tinha muito compromisso. Estava ali trabalhando, queria era que desses às 17 horas da sexta-feira pra ir embora pra casa, pra Lafaiete, ver a namorada, a noiva. Depois, casou, aí você muda o foco do negócio. Demora um pouquinho pra você se ajustar, mas não demorou muito não. Mas eu mudei muito... o Lédio de 80 nem parece o Lédio de 2014. Gostaria de saber da senhora. Como era o Lédio?

Tânia Alves (esposa): Gente boa demais! Meu preto! Ele separa bem o trabalho, fica fora de casa! Sempre foi assim. Ele chega, larga tudo lá fora. Não tem nada de trabalho! Todo dia tem conversa! Lédio: Eu chego uma hora da manhã, acordo ela e vamos conversar. E um ponto positivo do Lédio que fez com que vocês mantivessem essa união durante 42 anos?

Tânia: Ser fiel, né? Ser muito alegre, igual ele é! Mas, ele sabe que eu sou assim também, mas gosto de pegar no pé! Eu saio com ele, e ele já sabe: sou ciumenta! Lédio: Se eu fosse o Gianecchini, né? Passa longe, né? Ai eu fico me achando o Lédio Gianecchini. Mas eu não estou com essa bola toda, não! Esposa: Não está? Tadinho de você!


A questão financeira da família, melhorou em quantos por cento, Lédio?

Melhorou muito. Eu já aposentei, então eu fiz um projeto para a minha aposentadoria, para eu parar de trabalhar. A gente é muito controlado, ela (Tânia) é muito controladora. Eu fiz um projeto que foi o seguinte: quando eu estiver ganhando com os rendimentos que eu tenho o que eu ganho na Samarco, eu paro de trabalhar. Isso tem dois anos já, e eu não parei. Você não vai sentir falta?

Eu vou ter que reacostumar, por que hoje eu sou o Lédio da Samarco. Então, o meu sobrenome hoje é Samarco. Tenho que preparar para mudar o meu sobrenome. É Lédio Alves! Não é o Lédio da Samarco, porque eu vou sair. Em que o sistema de mineração conseguiu influenciar na sua vida, Lédio?

A Samarco tem alguns treinamentos para os funcionários, que melhoram a sua vida particular. Eu fiz 3 Mestrados em Administração de Negócios (MBA), Engenharia de Manutenção, Gestão de Projetos e fiz Gestão Financeira. Nesses três cursos que eu fiz, eu aprendi muita coisa que não era só para a Samarco, mas para mim também, para a minha vida particular. Algum colega seu sofreu acidente grave?

Muitos! Foram três empregados da Samarco que morreram. De empreiteiras foram três também, nesses 35 anos que eu estou lá! Faz muito tempo?

O Vitor foi em 82. Depois teve aquele, que caiu no silo do minério, isso deve ter uns 15 anos, mais ou menos. Teve um da mina, onde teve uma avalanche. Ele estava no trator, aí essa avalanche passou por cima dele, esse eu não tinha muito contato. Um guin-

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daste caiu em cima, ele parece que fez um movimento inesperado, uma peça caiu na cabine, amassando, e ele estava lá dentro. Nesses 35 anos surgiram muitas amizades?

Sim, muitas amizades! Tive, na verdade, tenho, muitos amigos na Samarco! Eu acho que eu vou ser até leviano, vou me esquecer de outros, eu prefiro não nomeá-los! Se a mineração não existe, o que acha que estaria fazendo hoje?

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Se eu tivesse a experiência que eu tenho, eu montava uma mineração, e iria por o nome dela de Samarco! Coisa de artista! Quais as marcas a mineração conseguiu deixar na sua vida?

Boas ou ruins? As duas!

Marca ruim nenhuma, e boas são muitas! É o que nós somos, temos hoje, que nós conseguimos, os filhos, direcionar a turma. Enfim, só coisa boa! Tânia: Sai pra lá coisa ruim! Lédio: Eu não vi nada de coisa ruim nesses 35 anos não! (risos) Quem é o Lédio hoje?

Ah, hoje ele é um camarada que tem uma família, que tem uma esposa, uma família muito boa, maravilhosa. O que nós conseguimos hoje foi fruto do meu trabalho, com a ajuda da Samarco. Hoje nós temos tudo o que a gente quer, que a gente sempre quis.


Padre Flávio Carneiro “Sempre houve uma relação de amizade e de respeito entre a Igreja e as firmas que exploravam o minério aqui” Cinquenta e nove anos dedicados ao sacerdócio. Fé, devoção e muita dedicação são alguns dos elementos que caracterizam o Padre Flávio Rodrigues, de 82 anos. Natural da histórica São João Del Rey, ele revive por meio das lembranças aquilo que presenciou quando chegou à Mariana, em 1944. Após ser ordenado Padre, resolveu semear a prática religiosa na cidade, apesar das inúmeras transformações que a Igreja Católica vivenciou e promoveu ao longo dos anos. Em 1944, como era a cidade de Mariana?

Era mais pacata, mais modesta. Ainda não tinha recebido essas indústrias extrativas ao seu redor, como a Samarco e a Samitri. Então, era uma cidade um pouco mais calma, ligada à Arquidiocese de Mariana. Como era a relação da Igreja Católica com os moradores?

Era até mais ativa. A cidade era menor, e então mais submissa e coesa com a unidade eclesiástica. Naquela época havia, sim, mais apreço e estímulo do povo com a Igreja. Quais eram as formas de submissão?

Prática da religião, presença nas igrejas, nos ofícios, nas procissões e nas missas. Que fator pode ter ocasionado isso?

A cidade cresceu e recebeu muita gente de fora. Então, esse apego da população com a Igreja diminuiu. Ainda existe, mas não é tão

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entranhado como foi no passado. A coisa foi acontecendo devagar, paulatinamente. Isso ocorreu devido à chegada da Mina em Passagem de Mariana?

O que deu origem aqui ao lugar, e a Passagem de Mariana, foi justamente a busca do ouro. O ouro era famoso aqui nas Minas Gerais, e atraía muita gente de fora, do Rio de Janeiro e São Paulo, de modo que essa busca do ouro aqui acompanhou o começo, a infância da cidade.

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Na década de 70, quando houve a retomada da exploração do minério na cidade, como era a relação entre a Igreja Católica e a mineração?

A Igreja não influi diretamente assim sobre a atividade dos seus moradores. A Igreja dava cobertura aos fieis, orientações religiosas e catequizava, ensinava e apoiava. Mas a Igreja não tomou iniciativa de conduzir o povo nas suas atividades minerais. A diminuição da relação entre a população e a Igreja está atrelada a mineração?

A mineração deu um modo de sobrevivência, de trabalho para os moradores. Foi a primeira atividade exercida, mais do que a lavoura e a pecuária. A Companhia de Passagem e Morro Velho de Nova Lima, são as duas de Minas Gerais. A primeira atraiu o ouro que era cobiçado de forma muito ativa, trazendo muita gente de fora. Essa chegada de moradores causou um aumento no número de fieis?

Sim, naquela época o povo era mais dócil à orientação da Igreja. Então, os que chegavam também somavam nessa dedicação a religião.


Quais os pontos positivos que a mineração traz para Mariana?

Deu sobrevivência e trabalho para todos daqui e aqueles que chegavam de fora. Então, esse foi o benefício, era um modo de trabalho, de sobrevivência. E como ponto negativo?

É um trabalho difícil e, de certa forma, agressivo. Os mineiros no fundo da terra, aspiravam o silício, causando a silicose, a tuberculose. Então era um risco para a saúde trabalhar nas minas. A Igreja Católica, aqui em Mariana, já recebeu algum apoio das mineradoras?

Pequenas contribuições. Sempre houve uma relação de amizade e de respeito entre a Igreja e as firmas que exploravam o minério aqui. Mas a Igreja nunca lucrou de forma decidida com a mineração. Como o senhor vê Mariana daqui a 50 anos?

No futuro? (risos). Ela vai ter um pequeno avanço, um pequeno progresso, a mesma forma que teve há cinquenta anos passados. Eu não imagino assim um boom, ou uma explosão extraordinária não. Em sua opinião, você considera que Mariana está mantendo a sua identidade histórica e religiosa ou isso está se perdendo com o tempo?

Para mim, ela está mantendo. Evidentemente, Mariana recebeu muita gente de fora, que não tinha raiz aqui, não tinha a educação que os primeiros tiveram, e então isso causou certo declínio. Mas nunca houve nada assim ostensivamente contrário à presença e atividade a presença da Igreja aqui, por exemplo. Como o senhor vê o aumento no número de Igrejas evangélicas?

O número impressionou muito. Em Passagem de Mariana sempre existiu um número grande de não-católicos, de protestantes,

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mas é uma herança dos ingleses, que via de regra são anglicanos, e eles dirigiram a Companhia da Mina de Passagem durante um bom tempo. Então, sempre teve uma presença forte de anglicanos ingleses na região. Agora, nesses últimos tempos, os evangélicos estão ai fazendo muito barulho e estão conseguindo adesões, mas não é um fenômeno próprio do lugar não. Esse aumento faz algum tipo de alteração na Igreja Católica?

A gente não entra em choque, há um respeito mútuo. Então, não existe esse problema.

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Como você acha que será a atuação da Igreja Católica daqui há 50 anos em Mariana?

A mesma. A Igreja tem as suas normas, suas leis e seus códigos, e isso não muda, no passado e também não vai mudar no presente. Se houver mudanças serão insignificantes, mas Mariana já tem mais de 300 anos e a presença da Igreja aqui continua firme e atuante. Então, como foi no passado, a gente prevê continuar no futuro.


entrelaçados pelo tempo

capĂ­tulo iii



Ir a campo em busca da notícia e não esperar que ela caísse em

os nossas mãos. Por meio desse pensamento, decidimos ir em busca de informações que complementassem a nossa extensa e profunda pesquisa sobre a cidade de Mariana, de como a mineração tanto do ouro quanto do minério de ferro conseguiram chegar na cidade. No começo, algumas dúvidas surgiram, principalmente em relação a quem seriam essas pessoas e como iríamos achá-las em meio a uma população de mais de 60 mil habitantes. Identificar histórias e conhecê-las foi um dos nossos primeiros passos. Após a definição de que seriam trabalhadores, moradores da cidade e de fora, além de integrantes do poder público, fomos a campo coletar informações que, pouco a pouco, foram saltando aos nossos olhares. Tendo a mineração como elo, várias foram as evidências percebidas ao longo do caminho. Mencionar apenas aspectos negativos nunca esteve em nossos planos, pois sabemos muito bem que histórias de vida estão entre acontecimentos bons e ruins, e apelar para o sensacionalismo não era a nossa intenção. O objetivo sempre esteve atrelado à escuta de todos os lados das histórias. Ao estudar cada marco de Mariana, a história foi nos fornecendo elementos fundamentais, que fizeram com que fossemos identificando as relações do passado que ainda se mantém no presente e, aquelas que, por algum motivo, deixaram de existir, seja pela força do próprio tempo, ou por novas marcas que aqui começaram a ser implantadas. O primeiro e grande fator que nos auxiliou a entender melhor a transformação de Mariana foi a identificação de que foram pessoas que conduziram essa transformação que a cada dia estava passando por Mariana, a Vila que se transformou em uma cidade. Essa mudança foi se intensificando e, por meio de ações cotidianas, Mariana construiu a sua identidade. Encontrar personagens que vivenciaram um pouco dessas transformações, principalmente na época da chegada da mineração de ferro, e analisar a situação atual, foi um dos nossos objetivos que se intensificou a cada dia, a

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partir das entrevistas. Mesmo não estando presente dentro da cidade, a mineração marca presença nos arredores e possibilita uma mudança significativa no modelo da estrutura, o que não foi diferente com Mariana. A cidade, onde festas religiosas aconteciam de maneira constante, e o clima pacato de ser, se transformou, não em sentido literal, mas prático, em um espaço onde o barulho de automóveis e de mais vozes se tornaram elementos notáveis na rotina dos que transitam pela cidade. Dona Hebe, uma das moradoras mais antigas de Mariana, lembra bem como era o ritmo da cidade antes da mineração de ferro. Quando o ouro predominava na região, cada novo morador que chegava, era percebido pelos mais antigos. Hoje, o vai e vem de pessoas pelas ruas da cidade fez com que ganhasse um estilo de cidade grande. Apesar da grande quantidade de pessoas, alguns moradores lembram muito bem da Hebe e gritam o seu nome na rua. Essas relações de conhecimento dos personagens da cidade vêm se perdendo. Há pouco tempo, o vizinho da frente conhecia o que morava do seu lado. Hoje, poucas pessoas sabem quem está ali vivendo ao seu lado. A explicação? O grande aumento no número de pessoas que transitam pela cidade. Trabalhadores de fora se estabelecem na região durante um tempo, e depois se dirigem para outros locais. Ao notar essa realidade, que também acontecia no passado, mas possui uma forma mais intensa nos dias atuais, achamos personagens que passam por Mariana. No início do dia, antes do sol nascer, filas e filas se formam nos pontos de ônibus da cidade. A predominância das cores do uniforme ajuda a identificar que ali estão trabalhadores. Ao final do dia, essa mesma cena, só que com a claridade da tarde, é possível ver os rostos de quem trabalha com a mineração. Quando resolvemos entrevistar esses personagens, fomos em busca de um local onde a maioria ou grande parte dela poderia estar. O resultado? Um res-


taurante que atende as empreiteiras contratadas pelas grandes mineradoras (Vale e Samarco). Identificar um entre tantos restaurantes da cidade não foi uma tarefa fácil. Anteriormente, quando existiam apenas alguns estabelecimentos comerciais, o público familiar era predominante. Durante as buscas, conhecemos o restaurante da Marina, que foi a nossa opção: ali encontramos histórias de quem veio de longe em busca de dinheiro e progressão de vida. Dó e Jassoir são alguns dos exemplos de profissionais que deixaram as suas casas para procurarem um novo rumo em uma cidade até então desconhecida. No passado, quem vinha de longe logo ganhava fama na cidade. Os moradores queriam saber quem era quem. Hoje, a cada rua, um novo personagem começa a escrever e fazer parte de Mariana. Não foram apenas os de fora que encontraram oportunidade no setor mineral para a melhora de vida. Lédio e Laércio, ex-moradores de outras cidades vizinhas encontraram na cidade a possibilidade de crescimento. Para Laércio, a única certeza na vida é que ela é feita de mudanças - e foi assim que aconteceu com ele e com Mariana. Com o cotidiano da cidade se transformando diariamente, a cultura não poderia ficar de lado: o significado de cultura foi ampliando cada vez mais e as tradicionais festas religiosas do passado foram ganhando um novo tom, algumas associadas ainda à questão religiosa e outras com uma intenção mais de entreter quem na cidade vive ou escolheu Mariana para morar. Mesmo saindo da empresa, o sentimento e o processo passado dentro dela parece não sair da memória. A extração do ouro foi ganhando, ao longo dos anos, um novo ritmo. A mecanização proporcionou ao homem um forte aliado no trabalho. O que antes era feito por mãos, ganhou hoje o poder das mãos sobre os controles que regulamentam as atividades dos trabalhos. Ao saber dos detalhes das histórias de Walter e José Cesar, o processo de organização da mineração, que anos mais tarde chegou a Mariana, também aconteceu em suas vidas particulares. Acordar

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Mariana por mariana

capĂ­tulo iv



Meu nome é Mariana. Sou filha das Minas Gerais, nasci em

um berço coberto de ouro e riquezas naturais, montanhas que guardam segredos e maravilhas, rios que banharam os pés de bandeirantes e descobridores de terras. Tenho trezentos e dezoito anos, contados pelas linhas da história com júbilo e orgulho. O que não me faltam são motivos para me regozijar: fui a primeira capitania de Minas, dei vida à exploração minerária, abri meus braços e meu coração ainda jovens para abrigar e acolher milhares de filhos que vieram até mim em busca de sobrevivência. Outros, somente para fazerem de mim fonte de renda – vi ganância em vários olhares. Nasci e cresci sem saber dos meus dons, deixei que me desvendassem, que mergulhassem em mim, me explorassem, me despissem e descobrissem que sou muito mais do que imaginei, do que eu e minha mãe sempre soubemos. Captaram de mim minha essência: minha cultura, meus sonhos, meus sons – hoje quase inaudíveis -, meus bens, minhas paixões. Nesse entremeio, fui virando uma adolescente – sempre mais madura e precoce do que as outras moças da minha idade. Mas, em relação a elas, e principalmente à minha irmã, Ouro Preto, sempre cultivei um sentimento: inveja. Nós nascemos praticamente juntas, com características semelhantes: curvas íngremes e sinuosas, riqueza nos traços firmes e bem definidos. Temos detalhes muito bem desenhados. Nossa única diferença é a forma com que somos usadas. Em mim, as pessoas não valorizam meu potencial subjetivo, minhas belezas naturais que permeiam meus entornos. Me veem com os olhos do consumo, da avareza, da exploração. Fui ouro no século XVII e hoje sou minério. Retiravam de meus rios o bem mais puro que eu poderia oferecer, sem dó, nem piedade. Sem pesos, nem medidas. Hoje sinto o peso dos caminhões passando sobre meus órgãos, com toneladas de minério de ferro. Sinto a dor de cada detonação em meus membros, de forma desregrada. Sinto-me confortada em saber que o sacrifício de minhas ci-

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catrizes e todas as minhas dores agonizantes dão emprego a meus filhos e colocam comida na boca de meus netos. E que muitos deles se sentem culpados por retirar de mim minhas preciosidades. É isso o que me faz respirar até hoje. A reciprocidade. Mas não deixem que com o passar de meus dias eu me perca em meio a tanta poeira, dinheiro, pelotas de minério e rios contaminados. Lembrem-se de que, antes de ser ouro, minério e exploração, eu fui história. Eu fui música erudita. Fui cultura. Antes de ser qualquer coisa, eu sou meus filhos, vivo e suporto o pesar dos anos e das lutas pelos meus herdeiros. A cada dia que passa, minha respiração fica mais pesada. Lembro-me saudosa do cheiro da minha infância, dos meus carnavais em meio à cultura, as marchinhas e as bandas de música em minha homenagem. Sinto falta de tudo o que perdi, e que fazia parte da minha identidade. Às vezes me olho no espelho e não vejo mais aquela velha menina com olhos espertos e um brilho no sorriso. Assim fui me criando, entre alegrias e tristezas, aprendendo com a vida e adotando características que contribuíram para a minha formação. Chegar aos mais de trezentos anos é uma luta diária, não só de sobrevivência, mas também de desejos e vontades para querer continuar viva. O que pulsa em mim? Pessoas, carros, casas, águas, e principalmente uma multidão de sentimentos. Confesso que não é fácil equilibrar todos essas sensações individuais e coletivas, porém são por meio delas que eu consigo obter força para acordar todos os dias e fazer com que o ritmo não pare e que nenhuma doença apareça. Pode até parecer engraçado, mas, sim, eu já estive doente. Nos séculos XVII e XVIII, quando eu ainda era jovem, os meus desejos de menina eram outros: nunca imaginei no que eu poderia me tornar, ainda mais sendo a responsável por inúmeros filhos e filhas. Ainda menina, pensava em ser mais uma Vila quando crescesse. Nunca em uma cidade. Os pensamentos mudaram, pessoas chegaram e eu me transformei.


Sobre as doenças? Já ia me esquecendo. Não, não estou com mal de Alzheimer, pode ficar tranquilo, é só a idade mesmo. Quando descobriram em mim o ouro, a extração foi instantânea e meu nome começou a ficar conhecido por vários países. Não queria a fama, mas ela veio aos poucos juntamente com as cicatrizes. Ao perfurarem o meu solo, fui sentindo que algo ia sumindo de mim, acreditava que era por causa da idade, e da transformação que todos nós passamos, mas tempos depois descobri que aquilo que os homens tiraram de dentro de mim, nunca mais iria voltar. Susto? Sim, claro! O vazio foi tomando conta, não conseguia mais imaginar no que eu poderia me tornar, já que tiraram uma das minhas principais essências. Os dias iam passando e com isso novas pessoas foram chegando à minha vida. Nunca me esqueci desse momento da perda de algo substancial em mim. Porém, segui em frente, pensando que logo estaria recuperada. O mais engraçado era escutar o meu nome sendo pronunciado por outras pessoas. A minha vizinha, Ouro Preto, morria de inveja naquela época. Ela, com os seus toques requintados e uma estrutura bem maior que a minha, demorou a ganhar destaque. Mas não posso esquecer-me de sua humildade, mesmo com essa inveja, sempre fomos irmãs, e estamos firmes e fortes, uma ao lado da outra até hoje, nos apoiando e dividindo a atenção entre nossos filhos. Em um determinado momento, comecei a sentir que o vazio começou a se fazer presente ainda mais dentro de mim: a decadência do ouro. Desespero, intensidade e uma mistura de sensações foram se tornando sentimentos diários em minha vida. Às vezes, me pego refletindo sobre o que me fez mudar, dar essa reviravolta, de uma hora para outra. A resposta eu ainda continuo pensando. Esse momento - não digo triste - mas de transformação, fez com que eu pudesse me revigorar, aos poucos, não só estruturalmente, mas também em relação a minha personalidade. Quando menina, meus pais me aconselhavam: “Mariana, não

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dê confiança para estranhos”, “Mariana, seja educada com os outros”, “Mariana, seja feliz”. Essa última frase não sai da minha cabeça, não sei o motivo. Felicidade é uma palavra tão bonita... Enfim, com essas e outras frases fui identificando algumas características e dividindo sensações com aquelas pessoas que vieram e passaram por minha vida. Foram muitas, viu? Vou te contar um segredinho, às vezes tem uns barracos, mas no final tudo se resolve. Sempre gostei de respirar um ar puro e calmo, ouvir o canto dos passarinhos e tomar aquele cafezinho no final do dia. Todo domingo de manhã, na verdade, até hoje, acordo com o barulho dos sinos, mas naquela época era sagrado, eu tinha que comparecer a missa na Catedral da Sé. Minha mãe me arrumava toda, laços pelos cabelos, vestido de saia rodada. Branco era a minha cor preferida. Fui notando aos poucos que o branco do vestido já estava ficando com uma cor estranha, puxando para o marrom. Minha mãe falava que era normal e com o tempo poderia passar. Era só lavar e pronto. Quem dera! Quando descobri eu já estava com várias outras cores, e novos sons começaram a fazer parte da minha vida. Ainda no domingo, à tarde, sempre fazia questão de escutar a banda que ia caminhando pelo meu jardim ao som de deliciosas canções. Um ritmo de paquera sempre ficava pelo ar e nos corações que batiam dentro de mim. Era muito engraçado, as meninas de um lado e os meninos de outro. Com o passar dos anos, fui ganhando outras formas e trejeitos. Quando eu percebia, já existia algo novo em mim. Uma sensação estranha, mas ao mesmo tempo de felicidade, pois a cada nova estrutura, eu ia me sentindo mais importante. Nos anos 70, já com bons anos de vida, quando eu achava que não poderia oferecer mais nada, não é que acharam mais um rico e valioso bem em mim? Nunca pensei que com os meus mais de 250 anos de história, eu poderia ainda oferecer e continuar contribuindo com o meu país e com o mundo. Quando meu nome começou a deixar de ser o centro das aten-


ções, confesso que me senti um pouco pra baixo, quem não iria se sentir assim? Mas nos anos 70 eu já estava de volta aos holofotes, e com a descoberta de mais esse bem dentro de mim, muitas outras pessoas começaram a falar o meu nome e quiseram morar em mim. Fui aceitando aos poucos. Filhos e filhas foram caminhando, chegando e proporcionando mudanças em mim de maneiras especiais. Por ser considerada a Primaz de Minas e mantendo a minha força, novas e transformadoras mudanças foram aconteceram. O pulsar, principalmente relacionado às pessoas, quase triplicou em mim ao longo desse período, que já se somam mais de 40 anos de forte presença da mineração. Novos carros, casas, pessoas, sons, gestos, sentimentos, identidades... Identidade! Identidade! Identidade! Por falar nisso, preciso pegar a minha! Com o tempo precisamos renovar. A aparência não é a mesma de 300 anos atrás, e nem eu sou a mesma.

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entrevistados e consultas



Vice Prefeito de MarianaEntrevista concedida aos autores em 10/09/2014 – Gabinete da Prefeitura Municipal de Mariana Duarte Eustáquio Gonçalves Junior –

– Aposentado do Banco do Brasil- Entrevista concedida aos autores em 15/09/2014 – Residência do entrevistado

Frederico Ozanan

Geraldo Saturnino da Silva – Trabalhador da mineração – Entrevista concedida aos autores em 03/09/2014 – Restaurante de Marina Horácio 147

– Moradora e Professora Aposentada de Mariana – Entrevista concedida aos autores em 12/09/2014 – Casa de Cultura de Mariana Hebe Rola

Jassoir Matias de Souza – Trabalhador

da mineração – Entrevista concedida em 04/09/2014 – Restaurante de Marina Horácio

Israel Quirino - Advogado, professor e assessor técnico da Prefeitura de Mariana - Entrevista concedida em 20/09/2014 - Gabinete da Prefeitura Municipal de Mariana

– Ex-trabalhador da MineraçãoEntrevista concedida em 01/09/2014 – Sala de recepção do Instituto de Ciências Sociais e Aplicadas (ICSA), Mariana. José Cesar Rodrigues Pedrosa

Juvenal Barbosa – Trabalhador da mineração – Entrevista concedida em 25/09/2014 – Residência do entrevistado Laércio Peixoto – Trabalhador da mineração – Entrevista concedi-

da em 24/09/2014 – Residência do entrevistado

Lédio Alexandre de Oliveira Alves

– Trabalhador da mineração –


Entrevista concedida em 18/09/2014 – Residência da autora Laura Vasconcelos – Produtor cultural - Entrevista concedida aos autores em 18/09/2014 – Padaria Lafayette Gourmet, Mariana.

Luciano Almeida

Marina Horácio – Comerciante – Entrevista concedida aos autores

em 07/09/2014 – Restaurante da entrevistada

– Presidente do Sindicato Metabase – Entrevista concedida em 22/09/2014 – Sala do Sindicato Metabase Mariana

Ronaldo Bento

Cristiano Gomes & Laura Vasconcelos

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Valdecir Ribeiro Martins – Trabalhador da Mineração – Entrevista

concedida em 03/09/2014 – Restaurante de Marina Horácio

Walter Bento Delgado -

Ex-trabalhador da mineração – entrevista concedida aos autores em 02/02/2014 - Sala de recepção do Instituto de Ciências Sociais e Aplicadas (ICSA), Mariana


referĂŞncias bibliogrĂĄficas



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