Artigo – Carlos Roberto Comini
Design by Carlos Roberto Comini 2/6/2014
ENSAIO SOBRE A IRRACIONALIDADE DAS CRENÇAS RELIGIOSAS
CARLOS ROBERTO COMINI
Nunca foi atestada, em toda a trajetória da espécie humana sobre a Terra, certeza sobre os assim chamados fenômenos sobrenaturais. Embora muitos tenham se esforçado sobremaneira para provar tais fenômenos, à luz da Ciência, foram todos explicados como naturais, meras ilusões ou descartados simplesmente porque não resistiram ao crivo implacável dos métodos científicos. À parte, mesmo indo contra toda a lógica, há um consenso interpessoal daqueles que querem inverter o ônus da prova, ou seja, usam o insidioso argumento no qual quem tem que provar a inexistência de quaisquer coisas improváveis são aqueles que não as aceitam como algo razoável. Nessa dicotomia entre o sobrenatural e o natural foram acesas e ficaram cada vez mais acirradas as disputas para eleger quem está com a razão. Guerras foram travadas, incontáveis vidas foram ceifadas da forma mais estúpida possível, tudo para defender ideias mais absurdas ainda. Só para exemplificar, durante muitos séculos a intolerância religiosa, em particular aquela que foi promovida pela Igreja Católica Apostólica Romana, foi a responsável por uma quantidade considerável de perseguições, prisões, torturas e outras condutas por demais abjetas, infligidas àqueles indivíduos que se mostrassem resistentes a aceitar seus dogmas e sua palavra final sobre quaisquer questões que permeassem a vida e o intelecto do pobre homo sapiens daquela época. Embora este não tenha sido um caso isolado, posto que também ocorreram episódios sangrentos envolvendo outras denominações religiosas (protestantes por exemplo), foi o que mais repercutiu mundialmente, dada a sua magnitude com relação ao número de vítimas e o tempo que durou.
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ENSAIO SOBRE A IRRACIONALIDADE DAS CRENÇAS RELIGIOSAS Infelizmente esses lamentáveis fatos não foram suficientes para mostrar ao ser humano que ele estava no caminho errado quando começou a praticar atos irracionais contra o seu próprio semelhante. Hoje em dia, essas guerras religiosas ainda ocorrem aqui e acolá, quer seja em algum rincão menos afortunado do planeta, ou em algum outro financiado pelos petrodólares. Onde a razão perde espaço para a fé, a vida, que deveria ser mais prazerosa e amena, torna-se um fardo tão difícil de suportar que até a morte parece ser uma alternativa mais razoável. Mas, voltando ao ponto principal desse ensaio, afirma-se por parte dos religiosos que a existência de uma divindade que requer-lhes obediência, reverência, respeito, temor, etc., não pode ser explicada pela razão, é algo transcendente, metafísico. Muitos afirmam terem tido experiências pessoais, como ouvido vozes, sentido a presença, mesmo que invisível, de entidades tidas como habitantes somente do mundo “espiritual” e que, pela atuação direta de tais seres, tiveram sua vida transformada radicalmente. Embora nesse último caso a explicação para que a pessoa tenha mudado de comportamento, saindo de um padrão vicioso para um padrão virtuoso, enverede para o argumento da fé, somente na concepção dessa pessoa e de quem segue a mesma ideologia é que essas concepções ganham corpo. Ou seja, experiências de ordem pessoal, individualizadas ou mesmo coletivas, não podem constituir provas de que foram obra de algum ser sobrenatural. A expectativa sobre as questões concernentes aos fenômenos naturais e ao surgimento da vida no planeta Terra sempre foi tema de acalorados debates entre os representantes da espécie humana. Ao que se saiba, nenhum outro ser que habita este ponto azul imerso na imensidão do cosmos faz-se perguntas tais como: “de onde viemos?”, “para onde vamos?”, “por que estamos aqui?”, etc. Em resposta a essas tantas elucubrações, premido pelo sentimento do medo do desconhecido e diante da impotência ou incapacidade de racionalizar tais questões, o homem primitivo criou, usando sua fértil imaginação, a idéia de um ser ou seres superiores a ele mesmo, com poderes bastantes para provocar ou fazer cessar toda sorte de infortúnios ou venturas. Um exemplo disso é a miríade de seres fantásticos (deuses e semideuses) que foram idealizados pelo povo helênico, da antiga civilização grega e que chegou até nossos dias rotulado como pura mitologia. Só que no tempo em que essa civilização floresceu, cria-se absolutamente que tudo o que ocorria ou deixava de ocorrer no mundo conhecido era obra exclusiva desses seres que eram cultuados CARLOS ROBERTO COMINI
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ENSAIO SOBRE A IRRACIONALIDADE DAS CRENÇAS RELIGIOSAS e venerados e em sua honra ou para aplacar sua fúria eram oferecidos sacrifícios de animais (rituais rotineiros) e, dependendo da situação (uma catástrofe, por exemplo), sacrifícios humanos. Desde então, as várias civilizações que surgiram e desapareceram ao longo do tempo, na mesma proporção em que sua extinção sepultava também seus deuses, outros tantos eram criados para suprir as necessidades tipicamente humanas da época. Entre o alvorecer da civilização e o seu crepúsculo, já ao alcance de nossas gerações, muitos mitos foram derrubados, as coisas passaram a ter explicação que foge do conceito metafísico, mas mesmo assim ainda vivemos num mundo povoado por deuses e demônios. É inacreditável que uma grande parte da população do planeta ainda se volte para o céu, como se realmente fosse a morada das potestades, em busca de proteção, de consolo, de prosperidade e sobretudo, convictos de que estão absolutamente certos em sua proposição. Sob esse viés, concluímos que a religião realmente mantém o ser humano no jardim de infância de sua vida, provocando-lhe fobias tolas, impingindo-lhe sua doutrina obscura ao fazê-lo abdicar de viver a única vida que tem com plenitude e satisfação para subjugá-lo e o manter em submissão ao mesmo tempo que promete uma vida de prazeres, não nesta, mas numa próxima vida num paraíso de deleites que nunca terá fim. Ou condenando-o a viver em eterno martírio, caso não tenha se preparado e portado convenientemente para ser merecedor de tais prerrogativas. É essa irracionalidade que muitos advogam como sendo o único caminho a seguir para que alcancemos a felicidade perene. É essa irracionalidade que vemos florescer a cada vez que consentimos que seja ensinada nos centros acadêmicos e cada vez que a deixamos imiscuir-se nos assuntos humanos onde a lógica deveria ser a regra e não a exceção. Talvez num futuro não muito distante, nossos descendentes, já libertos desse misticismo descabido e num estágio bem mais avançado de civilização, possam vislumbrar tudo isso apenas como parte da disciplina de história incluída no currículo escolar, sem ter que passar por todas as mazelas pelas quais o ser humano já passou, oprimido pelos mais espertos que subjugaram as mentes incautas, apelando para sua ingenuidade, o seu medo infundado, sua ignorância galopante.
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