Espaço Farmacêutico - 03

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ESPAÇO

Revista do Conselho Regional de Farmácia do Estado de Santa Catarina Comunicador Farmacêutico – Edição 03 – Ano 01 – Abril de 2011 FECHAMENTO AUTORIZADO, PODE SER ABERTO PELA ECT

FA R M AC Ê U T I C O

O CENÁRIO FARMACÊUTICO EM 2011 Somente o esforço somado da categoria pode conduzir os farmacêuticos ao topo do Sistema de Saúde. Em 2011, alcançamos o ponto mais complexo dessa escalada. Avançar é crucial, porém exige precisão política e científica. Veja nessa edição. ESPAÇO FARMACÊUTICO ABRIL 2011


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SUMÁRIO

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ESPECIALIZAÇÃO À DISTÂNCIA Em um ambiente virtual de Ensino e Aprendizagem, os farmacêuticos podem enriquecer o conhecimento com experiências e soluções desenvolvidas por colegas de todo o país.

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CENÁRIO 2011 INVERTER A LÓGICA que rege o funcionamento das farmácias é a mais importante pauta política dos farmacêuticos do Século XXI.

ANÁLISES CLÍNICAS

Panorama comparativo internacional: situação das análises clínicas na Europa. PORTARIA 4.283/MS

A gêneses do cuidado à saúde nas farmácias hospitalares. ARTIGO CIENTÍFICO Uso Indiscriminado de Antimicrobianos e Resistência Microbiana. SECRETÁRIO DE SAÚDE Os três macacos sábios e a gestão da saúde pública.


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EDITORIAL

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O TEMPO E O VENTO

s eleições de 2010 produziram uma renovação de 45% nos quadros do Congresso Nacional. Deputados e Senadores que estreiam ou retornam ao Parlamento trazem consigo um vento novo de ideias e posturas, desejável e necessário na democracia. Porém, ensejam um redobrado esforço da categoria farmacêutica no sentido de colocá-los a par dos anseios dos profissionais de saúde em relação aos projetos de lei que tramitam nessas Casas. A política de Estado conduzida desde 2003 - e intensificada pela presença do conselheiro do CRF-SC José Miguel do Nascimento Júnior no comando do Departamento de Assistência Farmacêutica do Ministério da Saúde – indica um tempo de aperfeiçoamento dos modelos de gestão do SUS, com presença mais marcante e decisiva dos profissionais farmacêuticos na Saúde Pública. As resoluções da ANVISA também apontam inequivocamente para um direcionamento normativo que conceitua a Farmácia como Estabelecimento de Saúde.

Falta, no entanto, o Congresso Nacional aprovar as leis que consolidam essa visão avançada e democrática de Saúde Pública. Também já passou do tempo de avaliar e aprovar os regramentos da Emenda Constitucional 29, que redistribui e redefine a aplicação dos orçamentos públicos na área da Saúde. Os farmacêuticos têm, em 2011, essa inescapável tarefa de esclarecer, conduzir e monitorar os congressistas no seu trabalho de analisar e votar os projetos de lei importantes para a categoria e o povo brasileiro – não deixando que se perca esse momento, o tempo em que há um alinhamento convergente de propostas. O grande, o imenso obstáculo que se interpõe na execução dessa tarefa é a conjunção de interesses econômicos poderosos e comprometimentos políticos que gera um gigante de inação e desvirtuamento conceitual no Parlamento. Há lobbys que cultuam e defendem no Parlamento a manutenção da lógica mercantilista na gestão da Saúde. Essas forças resistem aos avanços sociais e políticos. Já perderam o senso de

direção, porém continuam querendo decidir os rumos. Como lhes falta a autocrítica, é nossa missão fazê-los entender que um novo tempo é chegado. E um vento forte de mudança está se armando para 2011. A 14ª Conferência Nacional de Saúde será um fórum adequado para apresentar ao Brasil o que a visão progressista da Saúde projeta. Nesta edição de Espaço Farmacêutico os farmacêuticos poderão entender porque esse evento tenciona abalar as estruturas do modelo vigente, repetindo uma espécie de revolução na área da Saúde que se processou no longíquo ano de 1986. O Conselho Regional de Farmácia de Santa Catarina está presente em todas essas linhas e frentes de atuação política e científica. Algumas vezes, propõe e lidera os movimentos nacionais que fortalecem o Fazer Farmacêutico, como se pode ver na recente campanha lançada pelo Ministério da Saúde, “A Saúde não tem preço”, que emula a campanha desenvolvida em Santa Catarina e que ganhou o Brasil: “Farmácia não é um simples comércio. Sua vida não tem preço” A DIREÇÃO

HORTÊNCIA SALETT MÜLLER TIERLING PRESIDENTE DO CRF-SC

SILVANA NAIR LEITE VICE-PRESIDENTE DO CRF-SC

TÉRCIO EGON KASTEN SECRETÁRIO-GERAL DO CRF-SC

PAULO SÉRGIO DE TEIXEIRA ARAÚJO TESOUREIRO DO CRF-SC ESPAÇO FARMACÊUTICO ABRIL 2011 3


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ESPECIALIZAÇÃO À DISTÂNCIA

TÃO LONGE, TÃO PERTO

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A especialização à distância em Gestão da Assistência Farmacêutica aproxima o profissional da complexa articulação teórica, metodológica e ética necessária para atuar no SUS. Em um ambiente virtual de Ensino e Aprendizagem, os farmacêuticos podem enriquecer o conhecimento com experiências e soluções desenvolvidas por colegas de todo o país.

ntre os anos de 2003 e 2009, os gastos do Ministério da Saúde com aquisição de medicamentos saltaram de menos de dois bilhões de reais por ano para quase seis bilhões. É uma montanha inimaginável de dinheiro aplicada em favor dos brasileiros, mas o resultado dessa terapia medicamentosa em larga escala ainda não produz o nível de saúde e qualidade de vida desejadas. O que levanta algumas perguntas incômodas sobre a Gestão da Saúde Pública, como: esses medicamentos estão sendo selecionados, adquiridos, transportados e armazenados da maneira adequada?

A História Sem Fim: gastos com medicamentos no Governo Federal saltaram de R$ 2 bilhões para R$ 6 bilhões e ainda é pouco: mas esse Himalaia de medicamentos é dispensado e usado de forma correta? ESPAÇO FARMACÊUTICO 4 ABRIL 2011

A prescrição e a dispensação promovem o uso racional de medicamentos? Os usuários estão recebendo as orientações necessárias para a guarda e a utilização correta dos medicamentos? As perguntas deixam evidente a necessidade da estruturação da Assistência Farmacêutica no SUS, para eliminar o improviso e desenvolver uma prática que contemple a integralidade das ações, colocando as pessoas no centro das ações e os medicamentos como instrumentos terapêuticos. Em contraponto ao modelo em vigor, centrado na lógica assistencial -individual -curativa, que tem ênfase na doença e na atenção hospitalar. Para qualificar os farmacêuticos a prestar esse complexo serviço à sociedade, o Departamento de Assistência Farmacêutica do Ministério da Saúde desenvolveu um programa de especialização à distância capaz de valorizar os profissionais que se dedicam à carreira pública na área da Assistência Farmacêutica. “O foco desse curso é fazer do farmacêutico um gestor da Assistência Farmacêutica, inserido no SUS, habilitado a conduzir uma área ou um conjunto de processos de trabalho para a obtenção de resultados definidos em metas objetivas de benefício da população”, conceitua Silvana Nair Leite, vice-presidente do CRF-SC e membro da Comissão Gestora da especialização à distância. “Naturalmente, como muitas instituições públicas possuem plano de cargos e salários, o farmacêutico especializado também é beneficiado com progressão funcional e salarial”.


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Os farmacêuticos como gestores de Assistência Farmacêutica, inseridos no SUS: a qualificação eleva o profissional a um patamar estratégico para o Sistema Único de Saúde.

O programa prevê, em uma primeira etapa, capacitar 2 mil farmacêuticos em todo o país. Em Santa Catarina, já foram realizados cursos pela Unochapecó e UFSC. Durante a especialização à distância, os alunos comparecem a três atividades presenciais. “São momentos para aprofundar o referencial teórico e prático sobre os processos de gestão, pois nenhum profissional de saúde sai da graduação bem formado nessa área, que envolve administração e ciências políticas”, comenta a professora Silvana Nair Leite, vicepresidente do CRF-SC.

Três encontros presenciais durante o curso: aprofundamento dos referenciais de gestão.

O diretor do DAF/MS, José Miguel do Nascimento Júnior, enfatiza que a especialização em Gestão da Assistência

Farmacêutica foi elaborada para instruir os farmacêuticos nos princípios com aplicabilidade de planejamento e condução de equipes, negociação, pactuação, gerência e cogestão. “E mais uma série de habilidades e técnicas que são desenvolvidas ao longo do curso, para o farmacêutico ter o poder de se apropriar de um referencial teórico e conceitual que baliza a prática cotidiana na Assistência Farmacêutica no âmbito do SUS”, pondera José Miguel. Para elaborar o material didático do curso e a programação da especialização à distância, 50 professores de todas as regiões do país, associados aos profissionais que atuam no SUS e gestores produziram os conteúdos e disciplinas de Gestão da Assistência Farmacêutica. Uma equipe da UFSC que trabalha com metodologia de educação à distância concebeu as ferramentas para assistir o processo de ensino. “O ensino à distância é desafiador e pró-ativo”, comenta Silvana Nair Leite. “O aluno deixou de ser um elemento passivo recebendo informações a quilômetros de distância do professor”. Para produzir o curso foram contratadas equipes de cinema que visitaram as realidades regionais, designesr gráficos fizeram tabelas e animações. Há links para aprofundamento dos assuntos estudados, músicas, vídeos do youtube, bloco de notas para mandar questões para os tutores locais e fóruns para discutir os temas com os colegas da turma. Toda participação é avaliada e vale nota.

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Silvana Nair Leite, vice-presidente do CRF-SC e professora da UFSC: ensino desafiador e pró-ativo, que foi desenvolvido por uma equipe de mais de 50 professores especializados.

“São sete módulos que foram construídos em pouco mais de um ano. Os farmacêuticos nunca tiveram nada semelhante para o aprimoramento profissional”, afirma a vice-presidente do CRF-SC. A especialização começou pelo Nordeste do país, onde 625 alunos já se formaram ou estão concluindo o curso. A região Sul foi contemplada com 400 vagas. O Ministério da Saúde investe cerca de R$ 6 mil por aluno que se especializa em Gestão da Assistência Farmacêutica. Para o farmacêutico, não há qualquer custo. No próximo dia 1º de maio abrem novas inscrições pelo site unasus.ufsc. br/gestaofarmaceutica. “E está assegurada a continuidade de processo de ensino, porque já está tudo financiado. Embora neste primeiro momento o material de ensino e o acompanhamento esteja restrito aos farmacêuticos que atuam no SUS, a proposta da UNASUS é prover conteúdo programático de livre acesso, informa Silvana Nair Leite.

A Universidade Aberta do Sistema Único de Saúde (SUS) é um programa desenvolvido pela Secretaria de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde (SGTES) que cria condições para o funcionamento de uma rede colaborativa de instituições acadêmicas, serviços de saúde e gestão do SUS, destinada a atender as necessidades de formação e educação permanente do SUS. A concepção e implantação do programa é interfederativa, sendo notório destacar que o Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde (CONASEMS) e o Conselho Nacional de Secretários de Saúde (CONASS) tiveram e seguirão tendo papel fundamental como co-autores e co-gestores da UNA-SUS. Essa rede funciona por meio do intercâmbio de experiências, compartilhamento de material instrucional, cooperação para desenvolvimento e implementação de novas tecnologias educacionais em saúde, rede compartilhada de apoio presencial ao processo de aprendizagem em serviço e intercâmbio de informações acadêmicas dos alunos para certificação educacional compartilhada.

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ANÁLISES CLÍNICAS

VISÃO MÁXIMA

PANORAMA COMPARATIVO INTERNACIONAL: SITUAÇÃO DAS ANÁLISES CLÍNICAS NA EUROPA Avaliação e respostas de Maria Adelina Peça Amaral Gomes Coordenadora do PNAEQ – Programa Nacional de Avaliação Externa da Qualidade de Portugal

1. Qual o panorama atual dos Laboratórios de Análises Clínicas na Europa, com maior enfoque em Portugal?

O panorama europeu, no que se refere aos laboratórios de Análises Clínicas, tem-se modificado bastante nestes últimos 10 anos. Em alguns dos países europeus, é possível verificar a existência de laboratórios públicos e privados, como é o caso de França, Bélgica, Alemanha e Portugal, enquanto em outros países o número de laboratórios privados proporcionalmente ao de laboratórios do setor publico era muito mais baixo ou praticamente inexistente, como na Espanha e países da Escandinávia. A globalização mundial também atingiu esta área laboratorial. Verifica-se a aquisição em massa dos laboratórios clínicos privados por grupos empresariais europeus, principalmente sediados na Suíça e França. A aquisição de laboratórios é mais intensa em Portugal, Bélgica, França, Roménia, Republica Tcheca, países onde existe uma maior percentagem de laboratórios privados. Nos países do Norte da Europa, pelo pequeno número ou mesmo inexistência de laboratórios privados, esta situação não é tão evidente.

2. Setor Privado

As análises, que até então e na sua maioria eram efetuadas por cada laboratório e em cada país, a partir do momento da aquisição do laboratório por um grupo empresarial, passaram a ser efetuadas por um dos laboratórios do grupo, que concentra um conjunto de parâmetros laboratoriais visando a sua execução em maior número e consequentemente a menor custo. O envio de amostras para análise é por vezes independente da distância a que os laboratórios se encontram – são enviadas a outro laboratório do grupo existente no mesmo país ou em país estrangeiro onde o grupo também se encontra representado. O transporte das amostras é, no entanto, efetuado visando garantir as condições de transporte mais adequadas para estas amostras. A situação em Portugal é semelhante à da Europa Central e do Sul. Há cerca de 7 a 8 anos, os laboratórios de análises clínicas do setor privado foram sendo adquiridos por grupos empresariais portugueses e europeus. Os cerca de 400 laboratórios privados existentes em Portugal no ano 2000 estão em grande parte agrupados em cerca de 6 ou 7 ESPAÇO FARMACÊUTICO ABRIL 2011 7


EF grandes grupos empresariais. Um dos grupos empresariais com origem em França, presente em 5 diferentes países europeus, adquiriu até este momento em Portugal cerca de 30 laboratórios. Os laboratórios privados, não adquiridos por grupos empresariais, sentem hoje algumas dificuldades pelos atrasos nos pagamentos efectuados pelo Estado Português (Serviço Nacional de Saúde), subsistemas de saúde e entidades seguradoras, cumulativamente com a diminuição do número de pedidos de análises particulares, cujo pronto pagamento compensava de certo modo o atraso daquelas entidades. Para além da impossibilidade econômica, também a dificuldade provocada pelo mais baixo número de realização de cada tipo de ensaio, torna difícil ou impossibilita a introdução de sistemas integrados completamente automatizados para as fases préanalítica, analítica e pós-analítica. Estes equipamentos são hoje colocados pelas empresas fornecedoras de equipamentos e reagentes, e inclusivamente os materiais para o controle interno e avaliação externa da qualidade dos equipamentos e reagentes que eles próprios fornecem ....

O valor a pagar é calculado em função do consumo de reagentes. Esta nova filosofia empresarial tem contribuído para a diminuição do tempo de resposta e do custo das análises, o que torna os laboratórios mais pequenos menos competitivos. 3. Setor Público

À semelhança da “main stream” que agora percorre a Europa, também no setor público português (que inclui laboratórios de hospitais, centros de saúde, institutos públicos), a centralização dos laboratórios de análises clínicas é a atual política do Ministério da Saúde. O panorama é semelhante ao do setor privado (com exceção do envio de amostras para fora do país), pela atual junção de hospitais situados em diferentes locais num único centro hospitalar, com a consequente integração dos serviços prestadores de meios complementares de diagnóstico, onde se incluem os laboratórios de análises clínicas. Os hospitais localizados em situação de proximidade local, estão concentrados em centros hospitalares, passando a funcionar com uma gestão única.

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A concentração dos serviços de patologia clínica/análises clínicas levou à introdução de cadeias robotizadas para as fases pré-analítica, analítica e pós-analítica colocadas por empresas fornecedoras de equipamentos e reagentes, predominantemente sistemas Roche ou Siemens. Também a rotatividade dos recursos humanos passou a ser uma realidade, o que na verdade contraria, em princípio, a atual política da qualidade, que incentiva a execução contínua dos ensaios durante períodos de tempo mais ou menos prolongados, visando garantir a competência técnica dos operadores e, muito principalmente, a qualidade do resultado final para o doente.

4. O farmacêutico que exerce a sua atividade no laboratório de análises clínicas necessita de formação complementar? Uma vez mais e à semelhança do que se passa na Europa, muito principalmente nos países de origem latina – Portugal, Espanha, França e Itália, os farmacêuticos após 5 anos de estudos e concluída a licenciatura (até ao acordo de Bolonha), e hoje Mestrado por essa mesma razão (pós-Bolonha), para exercer a sua atividade em laboratórios de análises clínicas, necessitam de evidenciar também uma formação complementar nas áreas de Hematologia, Imunologia, Endocrinologia, Microbiologia (incluindo Bacteriologia, Micobacteriologia, Parasitologia e Micologia), Genética Humana e Toxicologia. Esta formação é exigida quer pela Ordem dos Farmacêuticos para a Direção Técnica de um laboratório de Análises Clínicas privado, quer no setor público pelo Ministério da Saúde para ingresso na Carreira dos Técnicos Superiores de Saúde – ramo de laboratório.


EF História resumida do Farmacêutico analista em Portugal No passado Foi no Século XVIII / XIX que o Farmacêutico, em Portugal, se começou a dedicar às Análises Clínicas. No Século XX, mais concretamente em 1902, na sequência de uma Reforma do ensino farmacêutico, foi consagrada a ligação do ensino farmacêutico à área analítica. Em 1959 foi criado o Curso de Aperfeiçoamento em Análises Químico-Biológicas na Faculdade de Farmácia (FF) do Porto, a frequentar durante 1 ano após uma licenciatura de 5 anos. Só em 1970 e 1974 foi criado este mesmo curso em Lisboa e Coimbra. Nos dias de hoje Para obtenção do título de Especialista em Análises Clínicas, os Farmacêuticos têm de se submeter à prestação de uma prova de conhecimentos efetuada pela respectiva Ordem, na sequência de especialização complementar comprovada de 4 anos nas áreas laboratoriais de Hematologia (1 ano), Microbiologia e Parasitologia (1 ano), Bioquímica (1 ano) e mais um ano nas restantes áreas. No setor público, o Decreto-Lei nº 414/71 de 27 de Setembro, veio criar a Carreira de Técnicos Superiores de Laboratório, com possibilidade de acesso exclusivamente a licenciaturas de natureza universitária (Farmácia, Biologia e Medicina), regime legal que veio permitir a estruturação progressiva e funcionamento regular das carreiras destes profissionais da saúde, em que para ingresso era exigida a frequência de 1 ano de Estágio. Exemplos de outros Países Europeus Na França, para o exercício da direção técnica de um laboratório de análises clínicas, é necessário ser Licenciado em Medicina, Farmácia ou Biologia e frequentar com aproveitamento um internato/estágio de 4 anos. Na Espanha, o Real Decreto 183/2008 veio determinar e classificar as especialidades em Ciências da Saúde, indicando que para o exercício de Análises Clínicas, os cursos oficiais para ingresso são os de Biologia, Bioquímica, Medicina, Química e Farmácia. Em sequência, é também obrigatória uma Formação Especializada (4 anos).

O reconhecimento do Farmacêutico analista na Europa Os farmacêuticos analistas são hoje reconhecidos a nível europeu pela EC4 – European Communities Confederation of Clinical Chemistry and Laboratory Medicine, que é a entidade responsável pela promoção do reconhecimento automático e livre circulação dos profissionais com especialidade na área das análises clínicas, registo europeu aceito pela Comissão Europeia como mecanismo de auto-regulação.

Foi em 2001, que a European Communities Confederation of Clinical Chemistry (EC4) veio estabelecer como critérios para obtenção do título de “European Specialist in Clinical Chemistry and Laboratory Medicine: European Clinical Chemist”, 8 a 9 anos de estudos Universitários e Pós Graduados relevantes para a área de “Química Clínica” sendo 4 anos de estágio qualificado (Speciality training), se efectuado num Laboratório de Análises Clínicas aprovado e supervisionado por uma Entidade Oficial designada para o efeito e integrada no Sistema de Saúde do Estado membro. 5. Qual a exigência do Ministério da Saúde de Portugal em relação ao funcionamento dos laboratórios de análises clínicas?

O regime jurídico e fiscalização dos laboratórios de análises clínicas, tem sofrido alguma evolução ao longo dos anos e em Portugal é da total responsabilidade do Ministério da Saúde. Em 2010, deu-se início a mais uma tentativa de reestruturação da legislação existente, a qual ainda se encontra em fase prévia de consulta e comentários pelos stakeholders destes serviços – Ordens e Associações de Profissionais, Organismos de Saúde.

6. A Acreditação e Controle da Qualidade são exigências para o funcionamento dos laboratórios?

CQI e AEQ No que se refere ao Controle da Qualidade Interno (CQI), a sua implementação é uma das obrigatoriedades previstas na legislação aplicável ao licenciamento dos laboratórios clínicos, considerada indispensável para a detecção ESPAÇO FARMACÊUTICO ABRIL 2011 9


EF de anomalias, avaliação de erros e sua imediata correção. A organização deste programa, é uma das obrigações do responsável da garantia da qualidade. Em acordo com aquela legislação, também o laboratório deve participar em programas de avaliação externa da qualidade de preferência nacionais, organizados pelo Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge, por sociedades científicas, associações de profissionais ou por outras entidades de idoneidade reconhecida pela Comissão Técnica Nacional. A formação dada ao longo de muitos anos aos colaboradores dos laboratórios clinicos sobre Controle da Qualidade Interno e Externo, bem como a implementação de sistemas de garantia da qualidade pelos laboratórios clinicos (Certificação/Acreditação) que implica obrigatoriamente a sua implementação, muito tem contribuido para o alavancar deste processo.

Pretende-se, com a Acreditação, um sistema uniforme e único, mundialmente aceito, que verifica desde a qualidade do atendimento à qualidade dos resultados, à qualificação permanente do pessoal e às ações desenvolvidas na sequência dos erros constatados nas três fases do processo – pré-analítico, analítico e pós-analítico. Este sistema aporta ainda a vantagem de verificar o modo como o laboratório lida com a ética e a independência profissionais – pilares fundamentais na prestação de um serviço de saúde idóneo e de qualidade.

A Acreditação A acreditação é um processo voluntário. No entanto, uma recomendação da Organização Mundial de Saúde em 2008 (*), devido à observação da falta de harmonização de boas práticas nos laboratórios clínicos a nível mundial, considera fundamental a implementação gradual de um sistema da qualidade direcionado para as componentes de gestão e técnica, orientadas pela norma aplicável à Acreditação dos laboratórios clínicos (laboratórios de análises clínicas/ patologia clínica, genética e de anatomia patológica) – a ISO 15189. Esta recomendação associada à necessidade de garantir a qualidade dos resultados emitidos pelos laboratórios clínicos, leva alguns países europeus a criar a obrigatoriedade de Acreditação nestes laboratórios, incluindo-a no processo de licenciamento, quer para a globalidade dos ensaios como em França ou só para algum tipo de ensaios, como sucede por exemplo na Bélgica, para os ensaios de Biologia Molecular. ESPAÇO FARMACÊUTICO 10 ABRIL 2011

Se a nova legislação de licenciamento for publicada em Portugal, a Acreditação em acordo com a norma ISO 15189, passará a ser o caminho obrigatório para os laboratórios de análises clínicas portugueses. A futura obrigatoriedade de Acreditação de todos os laboratórios clínicos em Portugal, pela norma NP EN ISO 15189, com reconhecimento em Portugal, na Europa e a nível mundial, é um fator importante para a obtenção de resultados comparáveis a nível global. Esta questão é essencial, pois na sequência da globalização mundial, há cada vez mais migrações entre as várias regiões do mundo e, por exigência da qualidade em saúde, a avaliação do histórico das doenças é um fator essencial.


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PORTARIA 4.283/MS

A GÊNESE DO CUIDADO À SAÚDE NAS FARMÁCIAS HOSPITALARES A portaria 4.283 do Ministério da Saúde reformula o funcionamento das farmácias de hospitais públicos, privados e filantrópicos. A presença de farmacêutico agora é obrigatória.

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nova política do Minisintegrem o serviço público, da Admitério da Saúde substitui nistração Direta e Indireta, da União, as diretrizes fixadas na dos Estados, do Distrito Federal, dos portaria nº 316, de 1977, Municípios e de entidades privadas, que previa a dispensa da assistência com ou sem fins lucrativos, inclusive farmacêutica em unidades hospitalafilantrópicas. res com menos de 200 leitos “que só "A portaria altera todos os processos dispensem medicamentos industriade gestão da farmácia como um grande lizados, dentro das suas embalagens Renascimento: a portaria é um marco para a far- setor do hospital, que influencia muito hospitalar e resgata a importância do prooriginais” . Ao explicitar a necessidade mácia o custo da unidade hospitalar, inclusive fissional farmacêutico no processo de cuidado à de mudança na legislação, o Ministério Saúde a formação do preço dos procedimenda Saúde afirma que “O gerenciamento tos e clínicos e cirúrgicos", informa inadequado e o uso incorreto de medicamentos e de o Secretário-Geral do Conselho Regional de Farmácia outras tecnologias em saúde acarretam sérios problemas de Santa Catarina, Tércio Egon Paulo Kasten, também à sociedade, ao SUS, e às instituições privadas (hospitais, presidente da Federação dos Hospitais do Estado de Santa clínicas, operadoras de planos de saúde, entre outros), Catarina (Fehoesc). "Temos muitos hospitais com 20 ou gerando aumento da morbimortalidade, elevação dos 30 leitos fazendo cirurgias cardíacas, neurológicas, e trabacustos diretos e indiretos, e prejuízos à segurança e à lhando com departamento de oncologia. Essas unidades qualidade de vida dos usuários”. de saúde demandam drogas de grande complexidade, que precisam ser controladas por alguém especializado. Gerenciamento de medicamentos: a falta Não é o médico nem o enfermeiro que cuida disso – é o de farmacêuticos nos hospitais, comprovadamente, aumenta custos e eleva a taxa farmacêutico”, defende o Secretário-Geral do CRF-SC. de morbimortalidade.

De acordo com o anexo da Portaria, a responsabilidade técnica da farmácia hospitalar é atribuição do farmacêutico, inscrito no seu respectivo Conselho Regional de Farmácia. As diretrizes são aplicáveis para farmácias em hospitais que

Linha de frente: unidades oncológicas, mesmo com 20 ou 30 leitos, necessitam de profissionais capazes de manipular antineoplásicos de alta complexidade. O farmacêutico é a única autoridade na área de medicamentos habilitado a prestar esse serviço.

O consumo de remédios e materiais médicos - próteses, injeções, luvas, suturas - pode representar entre 30% e 40% do orçamento de um hospital, dependendo da complexidade dos procedimentos realizados na unidade. ESPAÇO FARMACÊUTICO ABRIL 11


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"O resultado prático esperado é que a saúde tenha melhor desempenho. Em alguns hospitais será necessário mais investimento, mudança do processo de trabalho, e um sistema informatizado", prevê o Diretor de Assistência Farmacêutica do Ministério da Saúde, José Miguel do Nascimento Júnior, que ainda exerce o cargo de conselheiro do CRF-SC. “Esta norma vai atender às necessidades da participação do farmacêutico e o grau de tecnologia aplicado. Com certeza, vai dar ao Brasil um novo marco legal. Esta decisão representa o consenso entre os atores diretamente envolvidos em prol dos pacientes e da qualificação dos serviços das farmácias hospitalares”, explica José Miguel.

desenvolvimento de ações inseridas na atenção integral à saúde, como gerenciamento de tecnologias, manipulação e cuidado ao paciente; infraestrutura física, tecnológica e gestão da informação; recursos humanos; informação sobre medicamentos; ensino, pesquisa e educação permanente em saúde. Gestor hospitalar e dirigente da Federação dos Hospitais de Santa Catarina (Fehoesc), o diretor-secretário Tércio Paulo Egon Kasten contribuiu para a construção da nova deliberação. “Essa mudança é um verdadeiro marco para a farmácia hospitalar e resgata a importância do profissional farmacêutico, uma verdadeira conquista para os farmacêuticos”, reiterou.

TRECHOS DA PORTARIA 4.283 – FARMÁCIA HOSPITALAR

Cirurgia no orçamento, com a presença do farmacêutico na farmácia hospitalar: O consumo de remédios e materiais médicos - próteses, injeções, luvas, suturas - pode representar entre 30% e 40% do orçamento de um hospital. O conhecimento técnico e científico do Farmacêutico o habilita a gerenciar melhor esses custos.

Pelos novos padrões de estruturação, a Farmácia Hospitalar assume a seguinte definição: “é a unidade clínicoassistencial, técnica e administrativa, onde se processam as atividades relacionadas à Assistência Farmacêutica, dirigida exclusivamente por farmacêutico, compondo a estrutura organizacional do hospital e integrada funcionalmente com as demais unidades administrativas e de assistência ao paciente.” Participaram do Grupo de Trabalho coordenado pelo DAF/SCTIE/MS gestores do SUS, Conselho Nacional de Secretários de Saúde (CONASS), Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde (CONASEMS), Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), Sociedade Brasileira de Farmácia Hospitalar e Serviços de Saúde (Sbrafh), Conselho Federal de Farmácia (CFF), Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), Confederação Nacional de Saúde (CNS) e Federação Nacional dos Farmacêuticos (Fenafar). Para assegurar o acesso da população a serviços farmacêuticos de qualidade, ficaram estabelecidas diretrizes de gestão; ESPAÇO FARMACÊUTICO 12 ABRIL 2011

B) DISTRIBUIÇÃO E DISPENSAÇÃO: A implantação de um sistema racional de distribuição de medicamentos e de outros produtos para a saúde deve ser priorizada pelo estabelecimento de saúde e pelo farmacêutico, de forma a buscar processos que garantam a segurança do paciente, a orientação necessária ao uso racional do medicamento, sendo recomendada a adoção do sistema individual ou unitário de dispensação. No contexto da segurança, a avaliação farmacêutica das prescrições, deve priorizar aquelas que contenham antimicrobianos e medicamentos potencialmente perigosos, observando concentração, viabilidade, compatibilidade físico-química e farmacológica dos componentes, dose, dosagem, forma farmacêutica, via e horários de administração, devendo ser realizada antes do início da dispensação e manipulação. Com base nos dados da prescrição, devem ser registrados os cálculos necessários ao atendimento da mesma, ou à manipulação da formulação prescrita, observando a aplicação dos fatores de conversão, correção e equivalência, quando aplicável, sendo apostos e assinado pelo farmacêutico. Para promover o Uso Racional de Medicamentos e ampliar a adesão ao tratamento o estabelecimento, em conformidade com a complexidade das ações desenvolvidas, deve dispor de local para o atendimento individualizado e humanizado ao paciente em tratamento ambulatorial e/ou em alta hospitalar. C) MANIPULAÇÃO: C.1) MANIPULAÇÃO MAGISTRAL E OFICINAL - A manipulação magistral e oficinal permite a personalização da terapêutica, utilização de sistemas seguros de dispensação de medicamentos (individual ou unitário), a racionalização de custos, sendo recomendada, sempre que necessária a sua utilização em hospitais, em sintonia comos dispositivos legais que regulam a matéria. C.2) PREPARO DE DOSES UNITÁRIAS E UNITARIZAÇÃO DE DOSES DE MEDICAMENTOS - A unitarização de doses e o preparo de doses unitárias de medicamentos compreendem o fracionamento,a subdivisão e a transformação de formas farmacêuticas. O preparo de doses unitárias e a unitarização de doses contribui para a redução de custos, devendo ser garantida a rastreabilidade, por meio de procedimentos definidos e registro. Deve existir plano de prevenção de trocas ou misturas de medicamentos em Atendimento à legislação vigente. C.3) MANIPULAÇÃO DE NUTRIÇÃO PARENTERAL - A manipulação de nutrição Parenteral realizada em hospitais compreende operações inerentes


EF a preparação (avaliação farmacêutica, manipulação, controle de qualidade, conservação e orientações para o transporte). A equipe multiprofissional de terapia nutricional deve realizar a monitorização do uso da nutrição parenteral mantendo registro sistematizado das suas ações e intervenções.

4.3. GESTÃO DA INFORMAÇÃO, INFRAESTRUTURA FÍSICA E TECNOLÓGICA - A gestão da informação reveste-se de fundamental importância no desenvolvimento das atividades da farmácia hospitalar, devendo-se empreender esforços para possibilitar a sua realização.

C.4) MANIPULAÇÃO DE ANTINEOPLÁSICOS E RADIOFÁRMACOS – A manipulação de antineoplásicos e radiofármacos realizada em hospitais requer a análise das prescrições previamente à manipulação, a verificação do disposto nos protocolos clínicos, e a observação das doses máximas diárias e cumulativas, com foco na biossegurança e uso seguro pelo paciente. No desenvolvimento destas atividades o farmacêutico deverá antes da realização da manipulação, sanar todas as dúvidas, diretamente com o prescritor, mantendo registro sistematizado das análises realizadas, problemas identificados e intervenções; monitorar os pacientes em uso destes medicamentos e notificar queixas técnicas e eventos adversos.

A infraestrutura física e tecnológica é entendida como a base necessária ao pleno desenvolvimento das atividades da farmácia hospitalar, sendo um fator determinante para o desenvolvimento da assistência farmacêutica, devendo ser mantidas em condições adequadas de funcionamento e segurança. A infraestrutura física para a realização das atividades farmacêuticas deve ser compatível com as atividades desenvolvidas, atendendo às normas vigentes.

D) CUIDADO AO PACIENTE - O cuidado ao paciente objetiva contribuir para a promoção da atenção integral à saúde, à humanização do cuidado e à efetividade da intervenção terapêutica. Promove, também, o uso seguro e racional de medicamentos e outras tecnologias em saúde e reduz custos decorrentes do uso irracional do arsenal terapêutico e do prolongamento da hospitalização. Tem por função retroalimentar os demais membros da equipe de saúde com informações que subsidiem as condutas. A atividade do farmacêutico no cuidado ao paciente pressupõe o acesso a ele e seus familiares, ao prontuário, resultados de exames e demais informações, incluindo o diálogo com a equipe que assiste o paciente. O farmacêutico deve registrar as informações relevantes para a tomada de decisão da equipe multiprofissional, bem como sugestões de conduta no manejo da farmacoterapia, assinando as anotações apostas. Os hospitais devem adotar práticas seguras baseadas na legislação vigente, em recomendações governamentais, e em recomendações de entidades científicas e afins, nacionais e internacionais.

EM BUSCA DO TEMPO PERDIDO: a Portaria recupera o sentido primordial do tratamento multidisciplinar do paciente, reconhecendo que o conhecimento do profissional farmacêutico é essencial para a Saúde Pública.

Tércio Egon Paulo Kasten Tércio Egon Paulo Kasten, Secretário-Geral do CRF-SC e José Miguel do Nascimento Júnior, conselheiro do CRF-SC e diretor do Departamento de Assistência Farmacêutica do Ministério da Saúde: construtores do arcabouço legal da Portaria que rege o funcionamento das farmácias hospitalares.

A aplicação de medidas legais que ampliam a participação dos farmacêuticos na esfera pública foi reivindicada por dirigentes farmacêuticos em uma reunião com gestores das Superintendência da Vigilância em Saúde de Santa Catarina. O encontro na sede da VISA/SES reuniu representantes do

A localização da farmácia deve facilitar o abastecimento e a provisão de insumos e serviços aos pacientes, devendo contar com meios de transporte internos e externos adequados, em quantidade e qualidade à atividade, de forma a preservar a integridade dos medicamentos e demais produtos para a saúde, bem como a saúde dos trabalhadores. 4.4. RECURSOS HUMANOS: A farmácia em hospitais deve contar com farmacêuticos e auxiliares, necessários ao pleno desenvolvimento de suas atividades, considerando a complexidade do hospital, os serviços ofertados, o grau de informatização e mecanização, o horário de funcionamento, a segurança para o trabalhador e usuários A responsabilidade técnica da farmácia hospitalar é atribuição do farmacêutico, inscrito no Conselho Regional de Farmácia de sua jurisdição, nos termos da legislação vigente. A farmácia hospitalar deve promover ações de educação permanente dos profissionais que atuam no hospital, nos temas que envolvam as atividades por elas desenvolvidas. Os hospitais devem direcionar esforços para o fortalecimento dos recursos humanos da farmácia hospitalar, com foco na adoção de práticas seguras na assistência e cuidados de saúde, bem como propiciar a realização de ações de educação permanente para farmacêuticos e auxiliares.

CRF/SC, SindFar, Fehoesc, Fenafar, a diretora da VISA, Raquel Bittencourt, e o Superintendente de Vigilância em Saúde, Winston Luiz Zomkowski.

Reunião na Visa/SES: Dirigentes solicitam valorização do farmacêutico na gestão estadual de saúde

Os dois principais assuntos foram o cumprimento do Artigo 1º do Decreto 85.878/81, que torna privativa do farmacêutico a fiscalização profissional sanitária de estabelecimentos farmacêuticos, e da nova portaria emitida pelo Ministério da Saúde que estabelece que todo hospital precisa manter pelo menos um farmacêutico. Segundo o Superintendente de Vigilância em Saúde, Winston Luiz Zomkowski, há plena disposição da gestão em avançar na valorização do profissional farmacêutico. “Me sinto orgulhosa por ter um Conselho Regional atuante. As contribuições e até as cobranças que as organizações de farmacêuticos trazem nos dá suporte e respaldo para as ações da VISA”, afirmou Raquel Bittencourt. ESPAÇO FARMACÊUTICO ABRIL 2011 13


EF

CENÁRIO 2011

O avesso do avesso do avesso do avesso INVERTER A LÓGICA que rege o funcionamento das farmácias é a mais importante pauta política dos farmacêuticos do Século XXI. A aprovação da lei que constitui a Farmácia Estabelecimento de Saúde, a remodelação do SUS e a aprovação da EC 29 passam pelo diálogo e esclarecimento com o Congresso Nacional, recentemente renovado. As condições de trabalho que os farmacêuticos terão no final dessa década dependem do esforço que for realizado agora. Seremos mercado ou seremos SUS?

P

or ocuparem lugar de destaque no sistema de saúde e no tratamento das doenças, tanto nos países industrializados como nos em desenvolvimento, os medicamentos exigem uma Política Nacional específica. A construção social dessa política esbarra, no entanto, em um mercado farmacêutico monopolizado ou oligopolizado. J.A.Bermudez, no estudo “Indústria Farmaceutica, Estado e Sociedade”, defende que existem, no mundo, mais de 10 mil empresas produtoras de medicamentos. Porém, a participação expressiva no mercado internacional se restringe a não mais de cem companhias de grande porte, responsáveis por cerca de 90% dos produtos farmacêuticos para consumo humano. As 50 maiores empresas farmacêuticas do mundo são transnacionais, e respondem por dois terços do faturamento mundial. A totaESPAÇO FARMACÊUTICO 14 ABRIL 2011

lidade das empresas de capital nacional detém entre 15% e 25% do mercado farmacêutico brasileiro, enquanto as empresas de origem norte-americana detêm em torno de 35%.

Um percentual um pouco maior cabe ao conjunto das indústrias da Comunidade Econômica Europeia. Observa-se, também, a monopolização das classes terapêuticas por parte das empresas líderes do mercado. E essa indústria farmacêutica privada - seja ela de capital nacional ou internacional - investe normalmente na produção e em propaganda de medicamentos utilizados na medicina curativa, que são mais rentáveis. Conclui-se, portanto, que os interesses comerciais dessas indústrias muitas vezes são conflitantes com o uso racional de medicamentos. Saúde ou Insanidade?: propaganda de medicamentos das indústrias embutem conceitos comerciais que podem ser conflitantes com o uso racional.

Produção concentrada: 50 maiores empresas farmacêuticas dominam mais de 50% do mercado mundial


EF “Há uma macro tendência do setor na formação continuada de grandes corporações concentradoras de riqueza que sufocam a sobrevivência de empresas menores”, analisa Ronald Ferreira dos Santos, diretor da Fenafar e conselheiro do Conselho Nacional de Saúde. “A contra-tendência é assegurar que o papel dos estabelecimentos farmacêuticos seja diferenciado: integrado ao sistema de saúde e ampliador do acesso. Ao deixar de ser regida pela lei do comércio e passar a funcionar como Estabelecimento de Saúde, a farmácia garante o aumento da demanda por serviços farmacêuticos, e tende a associar valor, tanto do ponto de vista do reconhecimento social quanto econômico da atividade desenvolvida pelos profissionais de saúde que ali atuam”.

protagonista na produção de saúde para a população brasileira e devidamente remunerada por tal serviço confronta-se com a lógica mercantil que chama-se a si mesma de realidade na atividade farmacêutica. Ronald Ferreira dos Santos descortina um outro cenário possível, o avesso do avesso, do avesso: “devemos construir uma lógica em que mais gente demande o serviço farmacêutico, para que em um futuro não muito distante possamos mensurar também monetariamente o valor desse serviço”. Para alcançar essa meta estratégica, os farmacêuticos precisam atuar simultaneamente em duas frentes políticas. A primeira é iluminar e expandir a complexidade dessas questões de Saúde Pública junto ao Poder Legislativo, para aperfeiçoar o arcabouço legal que rege o funcionamento das farmácias, a distribuição dos recursos públicos e o Sistema Único de Saúde.

atual, de ser um intermediário, um entreposto entre indústria e usuário”, conceitua Ronald. A proposta para o século XXI é que o farmacêutico assuma os aspectos essenciais da Gestão Farmacêutica, mas agregando práticas vinculadas ao Cuidado. “E aí entra não só o cuidado à saúde física, mas a estética, o bem-estar, e tantos outros cuidados que geram aumento do atendimento da demanda, fazendo os farmacêuticos voltarem a cumprir um papel que tradicionalmente pertenceu à farmácia ao longo do tempo e se perdeu na última metade do século XX”, conclui Ronald.

Assumir a Gestão Farmacêutica: farmacêutico deve deixar de se limitar ao papel de intermediário entre indústria e usuário, e agregar práticas vinculadas ao cuidado

Assistência Farmacêutica: ao passar a funcionar como Estabelecimento de Saúde, a Farmácia garante o aumento da demanda por serviços farmacêuticos, e tende a associar valor social e econômico

Sobre São Paulo, cantou Caetano que “quem vende outro sonho feliz de cidade/ Aprende depressa a chamar-te de realidade/ Porque és o avesso do avesso do avesso do avesso”. O sonho feliz da categoria farmacêutica de ser

Estratégia: a lógica a ser seguida é aquela que demanda mais serviços farmacêuticos, não menos

“A segunda e fundamental linha de frente é atuar junto à categoria farmacêutica, para que ela esteja preparada a jogar um papel antagônico ao ESPAÇO FARMACÊUTICO ABRIL 2011 15


EF TODOS USAM O SUS! Com o tema Todos usam o SUS! SUS na Seguridade Social - Política Pública, Patrimônio do Povo Brasileiro, a 14ª Conferência Nacional de Saúde será realizada entre 30 de novembro e 04 de dezembro de 2011, em Brasília. 14ª CONFERÊNCIA NACIONAL DE SAÚDE

A VANGUARDA ESTÁ DE VOLTA A proposta da Conferência é priorizar o debate nos Estados e Municípios de modo a qualificar as discussões e trazer para a Conferência a realidade do Sistema Único de Saúde pelo País. O Conselho Nacional de Saúde (CNS), organizador da Conferência, propõe uma reflexão: o que existe exatamente por trás das enormes dificuldades do SUS, esse gigante que em pouco mais de 20 anos transformou a realidade e a qualidade de vida do povo brasileiro? Onde estão os principais gargalos? Quais são as suas contradições? O SUS é ou não viável?

SUS: um dos mais generosos sistemas de saúde do planeta virou um gigante em apenas 20 anos. Seus gargalos e imperfeições se resolvem com ampliação do SUS, não com redução. ESPAÇO FARMACÊUTICO 16 ABRIL 2011

Crê o CNS que o problema do SUS não se resume, às questões de financiamento. O Sistema tem sido historicamente subfinanciado, poucos discordam disso. Porém, alega o CNS, por meio de uma consistente, pensada e deliberada desobediência aos seus princípios e a sua legislação, o SUS está seriamente ameaçado.

A 14ª Conferência Nacional de Saúde se insere na pauta política do CNS com o tema do SUS para buscar acionar a mesma vanguarda de atores sociais que revolucionou a saúde brasileira a partir da 8ª Conferência, em 1986. O encontro ocorre a cada quatro anos e consolida propostas em um documento único que vai reger as políticas de saúde do país. A participação dos farmacêuticos é fundamental.

Ainda que subfinanciado, o SUS garante a universalidade e a integralidade do acesso. Os países desenvolvidos jamais viram coisa igual.


EF Confira os Eixos e Subeixos aprovados: Eixo I - Políticas de Saúde na Seguridade Social: O SUS legal e o SUS real Subeixos: - A Seguridade Social Brasileira e o SUS: princípios e diretrizes; - SUS patrimônio do povo brasileiro: de todos para todos.

Federal de 1988. Dois anos mais tarde, em 1990, O SUS foi criado amparado em lei orgânica que contemplava as diretrizes gerais e assistenciais do sistema defendidas na 8ª Conferência.

14 anos com o pensamento político hegemônico do Estado Mínimo”, afirma o assessor técnico do CRF-SC e diretor da Fenafar. “Temos a missão, nos mais de 5 mil municípios brasileiros,

Eixo II - Participação da comunidade e Controle Social nas decisões e consolidação do SUS Subeixos: - Participação popular dos diversos segmentos e sujeitos sociais no SUS; - Comunicação, Educação e Informação como instrumentos de fortalecimento da participação popular no SUS; - Relação do Controle Social do SUS com outras instâncias de Controle Eixo III - A Gestão do SUS Subeixos: - Financiamento e Sustentabilidade do SUS; - Modelo de Atenção, Pacto pela Saúde e Relação Público x Privado; - Gestão do Sistema, do Trabalho e da Educação em Saúde.

Etapas - 14ª Conferência Nacional de Saúde Municipal - 01 de abril a 15 de julho de 2011; Estadual - 16 de julho a 31 de outubro de 2011; Nacional - 30 de novembro a 04 de dezembro de 2011

Os princípios que delineiam a atuação do Sistema Único de Saúde foram compilados durante a Conferência de 1986. São conquistas que, nas décadas seguintes, reverteram em benefício de toda a população brasileira e se fundamentaram na universalidade do acesso, na integralidade, e na proposição inédita da Saúde como um direito de todos e dever do estado, concepção que se transformou em lei na Constituição

Qualidade de acesso e acolhimento no SUS: foco da 14ª Conferência Nacional de Saúde, que pretende ser tão revolucionária como a de 1986.

Na 14ª edição, em 2011, o eixo principal é a qualidade de acesso e acolhimento no SUS. Ronald Ferreira dos Santos, representante da Fenafar no Conselho Nacional de Saúde, esclarece que o processo de conferências é um espaço privilegiado para a defesa das políticas farmacêuticas. “Como profissionais de saúde e brasileiros, temos o dever de ajudar a aperfeiçoar SUS, sistema de saúde reconhecido como um dos mais evoluídos do mundo”, afirma. A intenção declarada da 14ª Conferência Nacional de Saúde é ter impacto semelhante à da 8ª sobre a política de Saúde no Brasil. “Precisamos recontratar regras e procedimentos para de fato tirar do papel aquilo que foi projetado mas não foi implementado nessas duas décadas, porque sofremos pelo menos

de avaliar os gargalos do SUS e avançar na cultura que tira o centro da Atenção à Saúde dos hospitais e coloca na comunidade, tira do médico e coloca na equipe multidisciplinar, tira a atenção da doença para focar na saúde”.

Ronald Ferreira dos Santos: recontratar regras e procedimentos do SUS para tirar do papel aquilo que foi projetado mas não implementado.

Os farmacêuticos estão convidados a participar da vanguarda da construção legal e política da Saúde no Brasil, participando da 14ª Conferência a partir de abril (veja as etapas municipais, estaduais e federal no quadro). ESPAÇO FARMACÊUTICO ABRIL 2011 17


EF Demais propostas da Agenda Política do Conselho Nacional de Saúde Proposta nº 1 Regulamentação da Emenda Consitucional n° 29/2000 Proposição originária do Senado Federal que define o que são gastos de saúde e dispõe sobre os valores mínimos a serem aplicados anualmente por Estados, Distrito Federal, Municípios e União em ações e serviços públicos de saúde, os critérios de rateio dos recursos de transferências para a saúde e as normas de iscalização, avaliação e controle das despesas com saúde nas três esferas de governo e cria a Contribuição Social para a Saúde (CSS). Proposta nº 2 Criação da Carreira Única da Saúde A crise enfrentada pelo Sistema Único de Saúde tem como um de seus causadores entraves na gestão dos trabalhadores de saúde. A PEC nº 403 coopera para mudança dessa realidade, pois objeiva a criação da carreira de trabalhadores de saúde do SUS. Ao propor essa EC, o parlamentar subsidiouse em recomendações das “Diretrizes Nacionais do Plano de Cargos, Carreiras e Salários (PCCS) do SUS”, pactuadas na Comissão Intergestores Triparite e aprovadas pelo Conselho Nacional de Saúde, defendendo pisos nacionais por nível de escolaridade, estímulo à dedicação exclusiva, interiorização e a qualiicação, bem como observância a situações locais especíicas e a profissionalização da gestão do SUS a partir dos seus próprios quadros. Proposta nº 3 Serviço Civil em Saúde Criação do Serviço Civil em Saúde, estabelecendo que profissionais de saúde graduados em Universidades Públicas e Privadas devem, depois de concluído o curso, trabalhar durante um determinado período no SUS de acordo com as necessidades do sistema previamente diagnosticadas. É uma forma de incentivar e fortalecer o sentimento de pertencimento, compromisso e qualificação profissional, além da disponibilização e efetiva capacitação de toda a equipe multiprofissional na rede SUS em todo o país. Proposta nº 4 Autonomia Administrativa e Financeira dos Serviços SUS Prover a autonomia administrativa e financeira dos serviços SUS, a partir da regulamentação do § 8º do Art. 37 da Constituição Federal. É fundamental a regulamentação da autonomia gerencial, financeira e orçamentária das entidades da administração pública direta e indireta, criando as condições objetivas para que a prestação do serviço público seja mais eficiente com base na agilidade, racionalidade e presteza. Essa proposta prevê também o estabelecimento do Contrato de Gestão como instrumento de mútua responsabilização, com o estabelecimento de metas e permanente avaliação do serviço e dos objetivos atingidos. Proposta nº 5 Profissionalização da Administração e Gestão do SUS Proposta nº 6 Flexibilização da Lei de Responsabilidade Fiscal Proposta nº 7 Lei de Responsabilidade Sanitária O projeto de lei nº 21/2007, de autoria do Deputado Dr. Rosinha, visa a instituir uma legislação específica de responsabilidade sanitária, com respectivas penalidades administrativas. Define uma nova modalidade de infração administrativa específica para atos no âmbito do Sistema Único de Saúde, que consiste na desobediência ao que se determina no texto sob análise. Responsabiliza pela infração o agente público (definido como todo aquele que exerce, mesmo que transitoriamente ou sem remuneração, qualquer função no âmbito do Sistema Único de Saúde) que tiver ensejado o descumprimento. Proposta nº 8 Estruturação da Atenção Primária

SUS patrimônio do povo brasileiro: de todos para todos. ESPAÇO FARMACÊUTICO 18 ABRIL 2011


EF Uso Indiscriminado de Antimicrobianos e Resistência Microbiana Ricardo Ariel Zimerman - Médico Infectologista do Controle de Infecção da Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre. Vice-Presidente da Associação Gaúcha de Profissionais em Controle de Infecção (AGIH).

INTRODUÇÃO

A

associação entre o uso de antimicrobianos e o desenvolvimento de resistência bacteriana é conhecida desde a introdução da penicilina, tendo sido, a partir de então, sistematicamente confirmada após o lançamento de diversos representantes de cada uma das diferentes classes farmacológicas.1 O período necessário para a ocorrência desse fenômeno mostrou-se surpreendentemente curto para muitos fármacos, enfatizando a imensa capacidade de adaptação dos microorganismos a ambientes hostis, artificialmente criados pelo homem.2 Embora essas observações devessem intuitivamente soar como um sinal de alerta para a necessidade de se promover emprego terapêutico mais racional desses insumos, o que tem ocorrido, na verdade, é exatamente o oposto. Em alguns países, antimicrobianos são utilizados sem receita médica em até dois terços das ocasiões. Mesmo quando formalmente prescritos, sua indicação pode ser desnecessária em até 50% dos casos.3 Não existem evidências claras sobre as mais importantes causas implicadas nesse consumo desmedido, mas se acredita que diversos fatores contribuam de forma crucial, tais como a expectativa do paciente em receber tratamento eficaz, o tempo cada vez mais exíguo das consultas médicas (demanda elevada e baixa remuneração), o medo de litígio e as pressões da indústria farmacêutica e dos planos de saúde (para redução de número de reconsultas e de pedidos de exames diagnósticos).3,4 Além disso, talvez por falta de informação, muitos profissionais encaram o risco de indução de resistência como algo essencialmente teórico ou pouco provável.5 O atual texto versa sobre o emprego ambulatorial de antimicro-bianos, onde se concentram 80% do consumo humano.6

A promoção do uso racional de antimicrobianos neste contexto é fundamental, já que infecções causadas por bactérias comunitárias resistentes são de mais difícil tratamento e se associam a maior morbidade.7 O crescimento no número de pacientes imunocomprometidos e com patologias complexas tratados em domicílio facilita a disseminação na comunidade de bactérias multirresistentes originárias dos hospitais, fazendo com que as outrora nítidas fronteiras que separavam o “hospital” da “comunidade” se tornem cada vez mais nebulosas. Nesse contexto, o uso abusivo de antimicrobianos mantém terreno fértil para abrigá-las. Há provas, cada vez mais irrefutáveis, de que o mau uso de antimicrobianos é o principal responsável pela seleção de resistência. Essa assertiva deve ser introjetada pelo prescritor que trabalha no setor de atenção primária à saúde, sobretudo porque lida com infecções de menor gravidade, nem sempre de etiologia bacteriana (por exemplo, infecções respiratórias altas de origem viral em crianças), que não necessitam de antimicrobianos ou que curam facilmente com antibióticos mais comuns e com menor potencial de indução de resistência. A decisão terapêutica sobre eventual prescrição de antibióticos deve fundamentar-se em real indicação, e a seleção dos mesmos deve levar em conta os malefícios do emprego inadequado desses fármacos. Algumas estratégias podem ser úteis para minimizar a seleção de microorganismos resistentes, aumentando a vida útil dos antimicrobianos disponíveis. O USO DE ANTIMICROBIANOS COMO FATOR DE SELEÇÃO DE MICROORGANISMOS RESISTENTES As evidências de que o uso de antimicrobianos é a principal força motora para o desenvolvimento da resistência ESPAÇO FARMACÊUTICO ABRIL 2011 19


EF bacteriana vêm de diversas observações. Por exemplo, as taxas de resistência são maiores em contextos de consumo mais intenso desses fármacos. Há frequente surgimento de resistência durante o curso da terapia, com consequente falência terapêutica. Universalmente constata-se correlação temporal entre a comercialização de novos agentes e o posterior desenvolvimento de resistência microbiana aos mesmos, às vezes após curto período de sua introdução no mercado. 6,8 Diversos estudos têm demonstrado que o advento de resistência, embora mais dramático no contexto hospitalar e particularmente entre pacientes gravemente enfermos, também se tem disseminado entre microorganismos comunitários causadores de infecções de alta prevalência, como as urinárias, de trato respiratório e de pele/partes moles. Mais do que isso, esse fenômeno parece estar intimamente associado a incremento no consumo de diversos antimicrobianos utilizados no manejo dessas síndromes. Na Dinamarca, por exemplo, demonstrou-se aumento importante no consumo de ciprofloxacino (representante da classe das fluorquinolonas), de 0,13 doses diárias definidas (DDD) por 1.000 habitantes/dia (DID) em 2002 para 0,33 DID em 2005. Como consequência, durante o mesmo período, a frequência de isolamento de Escherichia coli a elas resistentes, em amostras de urina, apresentou elevação de 200%.4 No entanto, um problema importante do trabalho supracitado e de outros estudos semelhantes é a natureza “ecológica” de sua concepção, onde a relação entre a prescrição e a resistência é avaliada somente em nível populacional. Além de apresentar limitação inerente na habilidade de demonstrar causalidade, as evidências oriundas de estudos com esse desenho podem ter menor capacidade de sensibilizar o clínico que se encontra na “linha de fogo”, e cuja maior preocupação é o bem-estar de seu paciente. Assim, o risco de eventual seleção de resistência pode ser considerado secundário ou mesmo menosprezado.5 Por esse motivo, revisão sistemática publicada em 2010 foi particularmente importante, já que confirmou a relação causa-efeito entre uso de antimicrobianos e desenvolvimento de resistência no contexto comunitário e em âmbito individual. A meta-análise5 de 24 estudos originais avaliou o impacto do risco de resistência microbiana adquirida após o tratamento antimicrobiano de pacientes com infecções respiratórias e urinárias e de seu uso em voluntários assintomáticos. Dentro de um mês de exposição a antimicroESPAÇO FARMACÊUTICO 20 ABRIL 2011

biano por pacientes com infecção urinária, a estimativa de risco de nova infecção por E. coli resistentes (ao mesmo agente utilizado, a outro ou a múltiplos antimicrobianos, dependendo do estudo) foi cerca de quatro vezes maior em comparação à observada nos não expostos (OR= 4,4; IC95%: 3,78–5,12). Como era de se esperar, houve redução da magnitude da associação conforme se avaliavam os dados que incluíam exposições mais remotas. Ainda assim, persistiu diferença estatisticamente significativa mesmo até 12 meses após o uso de antimicrobianos (OR = 1,33; IC 95%: 1,15–1,53). Em relação às infecções respiratórias, o risco de aparecimento de microorganismos resistentes foi duas vezes maior (OR= 2,37; IC 95%: 1,25–4,5) com a utilização de antimicrobianos dentro de um período de até 12 meses. Embora a meta-análise tenha várias limitações importantes, principalmente a possível existência de viés de publicação, conseguiu evidenciar que a prescrição de antimicrobianos causa resistência, e que o impacto não é vagamente distribuído para a sociedade ou para o ecossistema como um todo. Ao contrário, é sentido diretamente pelo paciente que recebe o fármaco. Em alguns estudos, a relação causa-efeito fica mais evidente quando se observa a associação entre medidas de intensidade de exposição – tempo de uso dos antimicrobianos (até sete dias de uso versus mais de sete dias) ou número de prescrições anuais (uma versus três ou mais) – e magnitude dos efeitos observados.5 ESTRATÉGIAS PARA MINIMIZAR A RESISTÊNCIA Redução no número de prescrições Se o uso de antimicrobianos é o principal fator causal no incremento das taxas de resistência bacteriana, parece lógico assumir que a redução no consumo desses fármacos deveria trazer impacto positivo sobre a regressão do fenômeno. No entanto, em ambiente ambulatorial, a hipótese é extremamente difícil de ser testada, pois requer grandes e prolongadas mudanças nos perfis de prescrições. Além disso, os poucos estudos assim gerados costumam estar “condenados” a terem desenho retrospectivo e ecológico, o que dificulta bastante a confirmação de elo causal entre alterações nos padrões de uso e eventuais modificações nas taxas de resistência. Como consequência, há poucas evidências disponíveis que sirvam como base sólida de conhecimento. De qualquer forma, algumas experiências internacionais forneceram, indubitavelmente, interessantes


EF insights sobre a questão, e merecem ser brevemente revisadas. Na Finlândia, durante a década de 1980, observou-se triplicação no consumo de antimicrobianos da classe dos macrolídeos. Como resultado, a frequencia de isolamento de Streptococcus pyogenes (Estreptococo do grupo A) resistentes à eritromicina, empregada em casos de hipersensibilidade à penicilina, passou de 5% no período de 1988–1989 para 13% em 1990.9 Então as autoridades sanitárias publicaram diretrizes de restrição de uso de eritromicina, resultando em diminuição no consumo do fármaco de 2,4 doses diárias definidas (DDD) por 1.000 habitantes/dia (DID) em 1991 para 1,28 DID em 1992. De forma semelhante, as taxas de resistência, que eram de 16,5% em 1992, passaram a cair, de forma estatisticamente significativa, a partir de 1994, atingindo o patamar de 8,6% em 1996. Em 1995, graças à introdução de novos representantes macrolídeos (principalmente roxitromicina e azitromicina) o consumo voltou a subir, chegando a 1,74 DID. Vários achados interessantes podem ser extraídos desse estudo. Em primeiro lugar, ficou claro que é possível obter, ao menos em contexto de alto padrão sociocultural, importantes mudanças nos perfis de uso comunitário de antimicrobianos, a partir do desenvolvimento de protocolos clínicos e de treinamento adequado para sua implementação. Também a educação da população sobre o problema, por meio de ampla publicidade nacional, foi fundamental para garantir a efetiva adesão às recomendações. Em segundo lugar, evidenciou-se que, ao menos para o binômio macrolídeo/S. pyogenes, é possível reduzir as taxas de resistência com a adoção de uma estratégia de consumo mais moderado do antimicrobiano. No entanto, a mudança no perfil de suscetibilidade não foi imediata. Foram necessários mais de dois anos de ampla restrição de uso de eritromicina para que os efeitos começassem a ser verificados. O novo incremento no uso de macrolídeos em 1995 foi seguido de nova elevação nas taxas de resistência, comprovando a relação causa-efeito da associação e demonstrando que os benefícios conquistados podem ser rapidamente perdidos, caso as políticas de uso racional sejam descontinuadas. Outra experiência com resultados positivos envolveu a redução de consumo de ciprofloxacino. Em Israel, em virtude de possível ataque bioterrorista com Bacillus anthracis, lançou-se, em outubro de 2001, uma estratégia de restrição nacional ao uso do fármaco, com intuito de se preservarem estoques para eventual necessidade de pro-

filaxia pós-exposição em massa.1 Dessa forma foi possível a condução de um estudo ecológico retrospectivo e quase experimental que correlacionou a mudança na utilização da ciprofloxacino à frequência de isolamento de Escherichia coli resistentes às fluorquinolonas em infecções urinárias comunitárias em três momentos distintos (antes, durante e após o período da intervenção). Observou-se redução estatisticamente significativa de mais de 40% no consumo do fármaco entre os períodos pré-intervenção (média de 6.996 ± 661 DDD/mês) e intervenção (média de 5.067 ± 755 DDD/mês) e entre este período e a pósintervenção (média de 6.895 ± 640 DDD/mês). Como consequência, verificou-se imediata redução de 25% nas taxas de não suscetibilidade das E.coli às fluorquinolonas (de 12% para 9%). A relação inversa encontrada entre consumo de ciprofloxacino e suscetibilidade ao fármaco foi linear, com o mês de maior consumo (8.321 DDD/ mês) também respondendo pela maior taxa de resistência (14%) e o de menor (4.027 DDD/mês), pela menor taxa encontrada durante o estudo (9%).1 Não houve “período de latência” entre a intervenção e os resultados. Isto é, as alterações nos padrões de prescrição do antimicrobiano estudado se associaram a impacto imediato nos perfis de suscetibilidade no microorganismo avaliado. Entretanto, nem todos os estudos baseados em políticas de redução de uso de antimicrobianos apresentaram resultados favoráveis. O exemplo negativo mais chamativo ocorreu na Inglaterra, onde a preocupação com a toxicidade dos derivados sulfonamídicos levou à redução gradual em seu consumo, culminando com a restrição formal das indicações aprovadas para uso de cotrimoxazol (sulfameto-xazol/ trimetoprima) em 1995. Como consequência, no período compreendido entre 1991 e 1999, observou-se diminuição superior a 97% nas prescrições do fármaco (de 320.000 para cerca de 7.000). No entanto, a análise de amostras clínicas de origem predominantemente ambulatorial de E. coli não demonstrou qualquer redução de resistência aos derivados sulfonamídicos (46% em 1999 versus 39,7% em 1991; diferença de 6,2%; IC 95%: -0,9 a 13,3).10 Por que motivo alguns experimentos teriam se associado a resultados favoráveis e outros não? Existem algumas hipóteses que parecem plausíveis. Para que a redução no consumo de determinado antimicrobiano seja seguida de redução nas taxas de resistência, ao menos dois requisitos devem ser preenchidos. Em primeiro lugar, é importante que a pressão seletiva imposta para manutenção dos deESPAÇO FARMACÊUTICO ABRIL 2011 21


EF terminantes genéticos de resistência seja verdadeiramente aliviada. Para isto, a exposição de todo o ecossistema a determinado antimicrobiano deve ser globalmente reduzida. Por exemplo, a despeito da diminuição de 97% no consumo ambulatorial de cotrimoxazol observada no estudo supracitado, mais de 80 toneladas do fármaco foram empregadas, apenas em 1998, como complemento nutricional animal.10 Esse fato abre a possibilidade de exposição humana sustentada via cadeia alimentar, apesar da redução do número de prescrições médicas. Além disso, o gene sul II de resistência às sulfonamidas foi encontrado de forma progressivamente frequente em isolados de E.coli entre 1991 e 1999. Notavelmente, esse gene foi localizado em grandes plasmídeos conjugáveis, portadores de múltiplos genes de resistência a outros antimicrobianos (fenômeno de corresistência). Assim, é possível que o aumento compensatório no uso de outros fármacos (p. ex., trimetoprima em monoterapia) tenha forçado a persistência desses plasmídeos e, dessa forma, dos elementos de resistência às sulfonamidas, apesar do quase abandono de seu uso. Em segundo lugar, é provável que, mesmo sendo a pressão seletiva efetivamente reduzida, as taxas de resistência somente diminuam se houver algum “preço” a ser pago pelo microorganismo pela manutenção de determinado mecanismo de resistência. Isto é, se houver redução da capacidade replicativa (fitness) da bactéria. Por exemplo, sabe-se que a perda da suscetibilidade às fluorquinolonas é principalmente causada por mutações cromossomiais que tendem a desestabilizar o genoma bacteriano. Como consequência, a capacidade replicativa (fitness) das cepas resistentes pode ser 98% menor do que a das cepas suscetíveis. Esse fenômeno pode explicar o rápido retorno à suscetibilidade das E.coli a esta classe, observado assim que o consumo é interrompido, e a presença de mutações de resistência passa a ser evolutivamente desinteressante para a bactéria.1 Os resultados por vezes mistos encontrados nos estudos podem refletir, desta forma, impactos diferentes na eficácia de estratégias de redução de consumo de antibióticos entre diferentes “pares” de antimicrobianos e microorganismos, conforme o preenchimento ou não dos supracitados requisitos. No Quadro 1 resumem-se as diferentes correlações (positivas ou negativas) entre redução de consumo e restauração de ação de antimicrobianos, encontradas na literatura. ESPAÇO FARMACÊUTICO 22 ABRIL 2011

Comentário

Antimicrobiano com uso restrito

Microorganismo avaliado

Resultado da restrição da classe sobre a redução da resistência

Eritromicina

S. pyogenes (estreptococo grupo A)

Positivo

Eritromicina

S. pneumoniae (pneumococo)

Negativo

Sulfametoxazol

E. coli

Negativo

Mesmo após redução sustentada de mais de 97% no uso.

Ciprofloxacino

E. coli

Positivo

Rápida queda nas taxas de resistência após redução de uso. Retorno aos níveis basais após novo incremento de uso, comprovando relação causa-efeito.

Demora superior a dois anos para efeito ser observado.

Quadro 1. Impacto da restrição de uso de antimicrobianos em relação à reversão de resistência.

Há, pois, certo corpo de evidências de que a redução de uso de antimicrobianos pode associar-se à recuperação de eficácia desses fármacos. Parece claro que deva existir um patamar de restrição, além do qual poderia aumentar a morbidade. No entanto, o uso excessivo não se associa a melhores desfechos em saúde, como foi observado nos países do sul da Europa, em que antibióticos são substancialmente mais utilizados do que no norte do continente europeu.11 Mesmo que não suficientes para combater a resistência bacteriana já estabelecida, as estratégias baseadas em menor uso de antimicrobianos podem ser fundamentais para prevenir o surgimento de mais resistência. É por isso que medidas nacionais destinadas a maior controle de uso desses fármacos deveriam ser desenvolvidas e amplamente implementadas. O ideal seria dispor de informações fidedignas sobre as mudanças nos padrões brasileiros


EF de prescrições de antimicrobianos e correlacioná-las com a evolução dos perfis de resistência de microorganismos oriundos de amostras ambulatoriais. Políticas poderiam então ser construídas, levando em consideração os problemas particulares encontrados em diferentes locais do território nacional. Outras estratégias É evidente que, em diversas ocasiões, realmente persiste, após revisão criteriosa da relação de risco (toxicidade, hipersensibilidade, resistência e custo-benefício), a indicação de uso de antimicrobianos em contexto ambulatorial. Mesmo nesses casos, no entanto, existe a possibilidade de se reduzir a pressão seletiva mediante a adoção de esquemas mais curtos de tratamento, seguindo o princípio de prazo mínimo eficaz de uso. Cada vez mais se acumulam evidências sobre a segurança dessa estratégia. Em ensaio clínico randomizado (ECR), duplo cego e controlado por placebo,12 pacientes adultos com pneumonia adquirida na comunidade (PAC), de leve a moderadamente grave, receberam 72 horas de amoxicilina intravenosa em hospital. Após esse período, havendo melhora objetiva e tolerabilidade, foram randomizados para amoxicilina oral (750mg, a cada 8 horas) ou placebo por mais cinco dias. Pacientes com pneumonia severity index score > 110 (índice de gravidade baseado em critérios clínicos, laboratoriais e radiológicos que pode prever desfechos duros), imunodeficiências, empiema, história de internação prévia recente ou alergia a beta-lactâmicos, além de gestantes, foram excluídos. As taxas de cura no grupo que recebeu três dias de antimicrobiano foram idênticas às do grupo que recebeu oito dias (93% para cada grupo na análise por protocolo e 89% na análise por intenção de tratar). Foi possível, inclusive, demonstrar a não inferioridade do tratamento por três dias no subgrupo de pacientes com infecção de corrente sanguínea secundária causada por Streptococcus pneumoniae, complicação sabidamente associada à maior gravidade. Apesar do excesso de pacientes com sintomas basais mais intensos e de fumantes no grupo dos três dias de tratamento, o que pode ser interpretado como potencial viés conservador, houve mesma segurança de uso por prazo terapêutico menor, ao menos em pacientes não muito graves e sem derrame pleural excessivo. Semelhantemente, dois outros ECR 13,14 realizados em população pediátrica confirmaram que três dias de tratamento para

PAC podem ser tão eficazes quanto prazos mais prolongados, pelo menos para casos não graves. Esses achados são extremamente significativos, pois síndromes respiratórias infecciosas podem ser responsáveis por até 75% das prescrições de antimicrobianos no contexto ambulatorial.12 Da mesma forma, para tratamento de infecções urinárias baixas não complicadas (cistites) em não gestantes, outra causa frequente de uso de antimicrobianos, mais de três dias de tratamento são claramente desnecessários.15 Essa síndrome é principalmente causada por bacilos Gram negativos (especialmente E. coli) que apresentam particular tendência a desenvolvimento de resistência. Com frequência ainda se utilizam períodos terapêuticos de 7 a 14 dias, embora não tenham sido estabelecidos com base em evidências sólidas e, quase invariávelmente, não sejam endossados por mais recentes e mais bem conduzidos estudos de restrição de prazo. Outra estratégia consiste em empregar posologias modificadas de antimicrobianos na tentativa de otimizar o índice farmacodinâmico do regime terapêutico. Sabe-se que a resistência bacteriana pode advir da aquisição de novo material genético, por exemplo, por conjugação e importação de um plasmídeo, ou mediante a chamada “resistência mutacional”, correspondente ao surgimento de mutações cromossomiais nos genes originalmente presentes em determinado microorganismo. Ambos os mecanismos podem reduzir a suscetibilidade a certos antimicrobianos. Como exemplo do primeiro caso, cita-se a aquisição de genes produtores de betalactamases por parte dos bacilos Gram negativos, geralmente se associando a alto grau de resistência, com elevadas concentrações inibitórias mínimas (CIM) observadas em betalactâmicos suscetíveis à ação dessas enzimas. Dessa forma, o estado de resistência/ suscetibilidade passa a ser claramente dicotômico. Por exemplo, a modificação posológica de ampicilina (aumento de dose ou infusão lenta) não lograria resultado adequado no tratamento de infecções graves causadas por cepas de E. coli resistentes. No entanto, os mecanismos de resistência mutacional geralmente operam de forma progressiva, com múltiplas mutações sequenciais que devem acumular-se para gerar estado de resistência de alto nível. Nesse caso, populações bacterianas presentes em determinados sítios infecciosos podem ser mistas e exibir diferentes CIM. A CIM mais elevada é denominada de concentração de prevenção de muta-gênese (CPM), já que, pelo menos in vitro, a exposição a concentrações de antimicrobianos ESPAÇO FARMACÊUTICO ABRIL 2011 23


EF abaixo da CPM resultaria em seleção das bactérias com CIM mais elevado, redundando em perda progressiva de suscetibilidade. O mesmo, no entanto, não ocorreria com a obtenção de concentrações acima da CPM, pois, neste caso, toda a população bacteriana seria extinta por igual, abolindo-se a pressão seletiva e a eventual possibilidade de emergência de resistência. Para arquitetar prescrições que explorem este princípio, deve-se reconhecer o parâmetro farmaco-cinético/ farmacodinâmico (PK/PD) associado à maior atividade bactericida para cada classe de antimicrobiano. Por exemplo, no caso dos betalactâmicos, esta

Figura 1 - Diferentes parâmetros PK/PD que melhor predizem ação bactericida.

ESPAÇO FARMACÊUTICO 24 ABRIL 2011

ação independe do pico de concentração atingida, mas é intimamente relacionada ao tempo ao longo do dia em que a concentração de fármaco livre de ligação proteica (biologicamente ativo) no sítio infeccioso mantém-se acima das CIM dos microorganismos (fT> CIM). Ao contrário, para alguns antimicrobianos, como fluorquinolonas, a atividade anti-bacteriana depende da relação entre a área sob a curva de concentração/tempo (area under the curve), uma medida de exposição corporal, e a CIM (fAUC/CIM). A Figura 1 demonstra os diferentes parâmetros PK/PD que mais bem predizem a ação bactericida de diversos antimicrobianos.


EF Em estudo de coorte com controle histórico, pacientes internados com infecções causadas por Pseudomonas aeruginosa receberam infusões diárias de piperacilina/tazobactan, administradas lentamente ao longo de quatro horas.16 Em modelo de simulação de Monte Carlo, demonstrou-se que a probabilidade de atingir parâmetro PK/PD preditivo de sucesso com o fármaco (fT > CIM por 50% do tempo) não era uniformemente mantida para todos os valores de CIM considerados como de suscetibilidade ao fármaco. De fato, para eventuais cepas com CIM de 16mg/L, menos de 30% dos pacientes atingiriam tal objetivo ao invés dos 100% observados caso a posologia modificada fosse preferida. O subgrupo de pacientes mais graves (com escore APACHE ≥ 17) apresentou redução marcada na mortalidade em 14 dias de seguimento (de 31,6 % durante o período de utilização de infusão convencional para 12,2% com a infusão lenta). No âmbito comunitário, um possível cenário para aplicação dos conceitos de PK/PD se relaciona ao uso de fluorquinolonas, já que a resistência a essa classe é mediada por mecanismos mutacionais. Em ECR, duplo-cego e multicêntrico, conduzido em pacientes com PAC em todos os estratos de gravidade, compararam-se dois esquemas de levofloxacino: 750mg/dia durante 5 dias versus 500mg/ dia durante 10 dias. Confirmou-se a não inferioridade do primeiro esquema em todos os desfechos de eficácia.17 A pressão seletiva poderia ser duplamente aliviada com a utilização preferencial do primeiro esquema que se associaria a maior probabilidade de manter a relação fAUC/ CIM acima do necessário para prevenção de emergência de mutantes, com a possibilidade de se utilizarem prazos menores de terapia. No entanto, é importante ressaltar que as posologias que tentam incrementar o índice farmacodinâmico ainda requerem maior comprovação clínica antes de serem universalmente adotadas. Outra estratégia importante seria restringir a utilização de antibióticos com alta capacidade de indução de resistência. Então, a restrição preferencial na utilização de determinados antibióticos passaria a ter lugar no emprego racional desses fármacos.6 O uso de cefalosporinas e de fluorquinolonas em infecção hospitalar demonstra efeito nocivo maior sobre a resistência do que o de outros compostos. A primeira classe associa-se a risco de aquisição de enterobactérias (principalmente Klebsiella pneumoniae e E.coli) produtoras de betalactamases de espectro estendido (ESBL),18,19 Staphylococcus aureus meticilina-resistente (MRSA)20 e espécies de Enterococ-

cus resistentes à vancomicina.6 A relação entre uso de fluorquinolonas e multirresistência pode ser ainda maior. Foram elas as principais responsáveis por seleção de MRSA em meta-análise recente20 e de Pseudomonas aeruginosa produtora de beta-metalo lactamases (enzimas capazes de induzir alto nível de resistência contra praticamente todos os beta-lactâmicos) em estudo conduzido no Rio de Janeiro,21 além de terem sido responsabilizadas por aquisição de Acinetobacter baumannii22,23 e entero-bactérias multirresistentes em diversas outras publicações.18,19,24 Nos estudos conduzidos em hospitais, frequentemente a substituição de uso dessas duas classes por penicilinas combinadas a inibidores de betalactamase (ampicilina/sulbactam ou pipera-cilina/tazobactam) se associa a melhorias nos perfis gerais de suscetibilidade microbiana.6 Porém as evidências disponíveis sobre eventuais diferenças entre os antimicrobianos no contexto comunitário são escassas. RCT, duplo-cego e controlado por placebo avaliou a resistência de estreptococos na flora oral de voluntários sadios sob exposição de azitromi-cina (n=74) ou claritromicina (n=74) ou placebo (n=76). Ambos os antibióticos aumentaram significativamente a proporção de estreptococos resistentes a macrolídeos em comparação ao placebo. A resistência foi maior depois da exposição a azitromicina do que após o uso de claritromicina, atingindo a maior diferença no dia 28 (17,4%; IC95%: 9,2-25,6; P<0,0001). A resistência se instalou mais rápidamente no grupo que recebeu azitromicina. No entanto, observou-se maior frequência de resistência de alto grau (mediada pelo gene erm) nos indivíduos que haviam recebido claritromicina.25 Em outra publicação, não se demonstrou diferença no risco de aquisição de Haemophilus influenzae resistentes à ampicilina entre usuários prévios de penicilina ou de cefalosporina.26 O uso de fluorquinolonas é capaz de induzir resistência a múltiplos antimicrobianos, ao menos em contexto hospitalar. Vários mecanismos poderiam explicar essa associação, incluindo indução de bombas de efluxo capazes de eliminar diversos antimicrobianos de dentro da célula bacteriana,27 seleção de plasmídeos com múltiplos genes de resistência e indução de estado de instabilidade genética em algumas bactérias, facilitando o surgimento de outras mutações e de aquisição de DNA externo.6 Adicionalmente, essa classe apresenta grande potencial de uso abusivo, devido a excelente biodisponibilidade oral, amplo espectro, baixa toxicidade e, em alguns casos, preços cada vez menores.1,4 No entanto, a despeito de algumas classes terem maior ESPAÇO FARMACÊUTICO ABRIL 2011 25


EF

FARMÁCIA HOSPITALAR

tendência à indução de resistência do que outras, não se conhece antimicrobiano que seja totalmente proscrito ou que seja tão “ecologicamente correto” a ponto de resistir ao mau uso sistemático. Assim, manter certa heterogeneidade de uso ao invés de prescrever sempre o mesmo agente pode ser interessante para conferir-lhe vida útil mais prolongada. Na Grã-Bretanha, ampla adoção de prescrição monótona de ciprofloxacino para gonorreia resultou em rápida elevação na taxas de resistência (10%) no microorganismo que até então apresentava suscetibilidade praticamente universal ao fármaco.6 Outra possibilidade é utilizar diferentes antimicrobianos em combinações. Em tese, esta prática aumentaria a chance de emprego de pelo menos um agente eficaz no tratamento de determinada infecção. Nesse caso, se houvesse eventual resistência a um dos antimicrobianos empregados, mas não a todos, o microorganismo seria destruído pelo(s) agente(s) que mantivesse(m) atividade no esquema, não ocorrendo evolução de resistência. O achado de que algumas combinações apresentam sinergismo in vitro também poderia justificar a conduta, por reduzir ainda mais o risco de emergência do fenômeno mediante incremento da ação

bactericida. No entanto, tal estratégia tem sido estudada principalmente no manejo de infecções hospitalares e, a despeito de todos os racionais teóricos sugerirem bases biológicas para benefício, as evidências têm sido quase invariavelmente negativas, tanto para demonstração de melhores desfechos clínicos28-30 quanto para eventual efeito na prevenção de emergência de resistência.31 Como medidas paliativas, tais estratégias podem ajudar a frear o processo de emergência de resistência. No entanto, é pouco provável que consigam reverter totalmente o fenômeno. Assim, o futuro da antibioticoterapia dependerá, em última instância, do desenvolvimento de novos fármacos. No entanto, por considerá-los comercialmente pouco atrativos, a indústria farmacêutica tem desacelerado seu desenvolvimento e produção, justamente num cenário em que seriam essenciais.6 Todavia, é importante observar que o surgimento de novos antimicrobianos, acompanhado da “avidez” do prescritor pela novidade, redundará fatalmente em indução de resistência, com perda da suscetibilidade prévia dos microorganismos. O Quadro 2 resume os méritos relativos das diferentes ações destinadas ao manejo da resistência microbiana.

Quadro 2. Diferentes estratégias para reduzir resistência microbiana.

Estratégia para combater o fenômeno da resistência

Comentário

Redução global no número de prescrições de antimicrobianos

Meta alcançável com segurança na maioria dos contextos. Eficácia dependente do binômio bactéria/antimicrobiano avaliado.

Redução no prazo de uso

Meta alcançável sem aparente comprometimento de eficácia mesmo em síndromes comunitárias mais graves, como pneumonia.

Restrição preferencial de certas classes (p.ex., fluorquinolonas)

A implicação de certas classes como agentes de maior potencial de seleção de resistência foi confirmada, até o momento, principalmente em contexto hospitalar.

Promoção de uso heterogêneo

Baseada em resultados desfavoráveis com uso extenso e monótono de mesmo antimicrobiano.

Uso de antimicrobianos em combinação

Estratégia estudada principalmente no contexto hospitalar. Apesar de apresentar méritos teóricos, os resultados têm sido sistematicamente negativos.

Lançamento de novos antimicrobianos

Garante eficácia, pelo menos temporária, no tratamento de infecções se o uso for comedido e racional.

ESPAÇO FARMACÊUTICO 26 ABRIL 2011


EF Pelo exposto, fica claro que o principal fator associado à seleção de resistência bacteriana é o emprego pouco racional de antimicrobianos. O profissional da saúde que trabalha na assistência deve manter esse fato em mente. Só se prescrevem antimicrobianos após cuidadosa revisão de relação custo-benefício. A educação e a conscientização da população têm papel fundamental para evitar consumo exagerado, tanto por automedicação quanto por pressões desnecessárias sobre os profissionais da saúde. Entidades governamentais e midia constituem peça-chave nesse processo educacional. Por último, a indústria farmacêutica deveria voltar a

investir no desenvolvimento de novos agentes, de preferência realmente inovadores, que trouxessem, por meio de mecanismos de ação originais, maior espectro de atividade para cobrir microorganismos com perfis de resistência cada vez mais complexos. Atualmente, é importante utilizar as estratégias aqui discutidas que apresentam evidência de benefício, tais como prescrições por prazos mínimos eficazes, manutenção de certa heterogeneidade de uso e eventual aplicação de conceitos farmacocinéticos e farmacodinâmicos. Isto é fundamental para não se perder rapidamente a batalha contra as infecções.

Antibioticoterapia apropriada significa não usar antimicrobianos na ausência de indicação, nem em esquema errado ou por tempo demasiado. Ao escolher um antibiótico, os prescritores devem preocupar-se com os interesses presentes (cura da infecção) e futuros (redução de resistência adquirida) dos pacientes e das comunidades.3

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SECRETÁRIO DE SAÚDE

OS TRÊS MACACOS SÁBIOS E A GESTÃO DA SAÚDE PÚBLICA O secretário de Saúde de Santa Catarina, Dr. Dalmo Claro de Oliveira, afirma não ter elaborado qualquer política de estruturação da Assistência Farmacêutica na gestão pública. Mas a SES já está de posse de um mapa completo de informações e rumos para realizar este avanço. Basta querer ver, ouvir e discutir o tema.

Os Três Macacos Sábios ilustram a porta do Estábulo Sagrado, na cidade de Nikko, Japão. Seus nomes são mizaru (o que cobre os olhos), kikazaru (o que tapa os ouvidos) e iwazaru (o que tapa a boca), que é traduzido como não ouça o mal, não fale o mal e não veja o mal. A palavra saru, em japonês, significa macaco e tem o mesmo som da terminação verbal zaru, que está ligado à negação.

A

estruturação da Assistência Farmacêutica no Estado de Santa Catarina é, do ponto de vista técnico e legislativo, um avanço e uma obrigação do sistema público de Saúde. Se se tratasse de apenas cumprir a lei e aprimorar a gestão da saúde, a Assistência Farmacêutica já deveria estar consolidada nos hospitais e farmácias da rede pública estadual, como tamESPAÇO FARMACÊUTICO 28 ABRIL 2011

bém nas equipes de vigilância sanitária das secretarias de saúde do estado e municípios. Ocorre que essa estruturação está condicionada à vontade política. Que, por natureza, é inconstante como a lua. Durante os últimos oito anos da administração anterior do governo estadual, o Conselho Regional de Farmácia de Santa Catarina conversou com os gestores públicos do estado no senti-

do de instruir, esclarecer, informar e mesmo pressionar juridicamente pela aplicação das leis e decretos que determinam a atribuição exclusiva dos farmacêuticos na dispensação e na fiscalização técnica de farmácias e drogarias, sejam elas públicas ou privadas. Foram modestos os avanços. Os gargalos oriundos da ausência da prática profissional farmacêutica no


EF processo de organização da Assistência em Saúde no estado, e da própria Atenção, estão longe de ser superados. Assim que assumiu a Secretaria de Estado da Saúde, o Dr. Dalmo Claro de Oliveira, titular da pasta, foi consultado por este Espaço Farmacêutico sobre a política que pretende implantar para estruturar a Assistência Farmacêutica em Santa Catarina. Não para fazer um favor a essa categoria profissional, mas para cumprir a legislação vigente e proporcionar um direito do cidadão. “Ainda não existe tal política”, respondeu o secretário. “Preciso de mais uns seis meses para avaliar os números e estratégias”. E quanto à presença de profissionais farmacêuticos nas equipes de vigilância sanitária, que trabalham em regime de dedicação exclusiva sem a correspondente compensação financeira? “Ainda vamos estudar esse assunto” afirmou, evasivamente, o secretário de Saúde de Santa Catarina. É um estudo fino. Até agora, a gestão pública de saúde tem se comportado, de certa forma, como os Três Macacos Sábios da lenda, que se recusavam a ver o mal, ouvir o mal ou falar do mal. Há uma evidente lacuna nesse processo de garantir a integralidade da Atenção à Saúde aos catarinenses à qual os administradores do estado não estão prestando a devida atenção. Os altos índices de abandono da terapia medicamentosa, ineficácia de tratamentos, ausência de monitoramento do usuário e, pior, intoxicação medicamentosa são autoexplicativos sobre a falta que faz o Farmacêutico nos diferentes níveis da gestão pública da Saúde – a Atenção primária, média e alta complexidade. É um equívoco duplo - de estratégia sanitária e de economia - não ver, ouvir ou falar desse mal.

Intoxicação medicamentosa: OMS aponta que uso indiscriminado de medicamentos, sem a devida orientação, causa ineficácia terapêutica ou intoxicação. Os farmacêuticos são necessários na estrutura pública de saúde para combater esse mal.

“A Secretaria da Saúde já dispõe de um documento oriundo da primeira Conferência Estadual de Assistência Farmacêutica, de 2004, que norteia as linhas de ação pretendidas pela categoria para impulsionar a Atenção à Saúde no estado, além das diversas pactuações advindas da Comissão Intergestora Tripartite ( Ministério da Saúde, Conass e Conasems)”, lembra a presidente do CRF-SC, Hortência Tierling. “O CRF-SC também encaminhou inúmeros ofícios solicitando a inclusão do profissional farmacêutico nos níveis de gestão, para o bem da Saúde Pública”. O aparente desconhecimento sobre o rumo a ser tomado na estruturação da Assistência Farmacêutica no estado não tem, portanto, um fundamento na falta de dados ou informações. “Ainda assim, estamos solicitando audiências com o Dr. Dalmo Claro de Oliveira, secretário de Saúde oriundo da gestão privada, para expor claramente a posição dos farmacêuticos catarinenses sobre a participação da categoria na organização da Assistência em Saúde”, anuncia Hortência Tierling. Cada vez

que o estado protela esse avanço, deixa de proporcionar saúde integral para a população e ainda incrementa a despesa com medicamentos. Só não percebe quem se recusar a ver, ouvir e falar sobre a realidade do sistema público de saúde no estado – o que não é sábio.

Sem saída: a falta de estruturação farmacêutica no sistema público estadual de saúde deixa o paciente em uma situação limite: por vezes, o restabelecimento esperado da saúde não ocorre por falta de assistência farmacêutica.

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