Revista SindaspiSC

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Coordenação Sindaspi/SC “A história nas mãos” | Gestão 2014/2017 COORDENAÇÃO ESTADUAL

REGIÃO MEIO OESTE

REGIÃO VALE DO ITAJAÍ

Daniel Nunes das Neves (Tubarão) Sergio Ricardo Lima (Florianópolis) Sueli Saettini (Rio do Sul) Adriano Scariot (Chapecó) Gustavo Ramiro Seitenfus (Concórdia) Maria da Luz Cordeiro (Canoinhas) Norberto José Cidade (Florianópolis) Arnoldo Ramos Candido (Tubarão) Dimorvan Mezzomo (Abelardo Luz) Gilmar Luiz Espanhol (Campos Novos) Aldino Zulmar Zucco (Videira) Orli Rogério Fernandes (Lages) Hanacy Nonata Gonzaga Silva (Florianópolis) Fabio Cazuni (São Lourenço)

Braz Schussel Cardoso (Campos Novos) Adão Dias Siqueira José de Jesus Garipuna Marcos Fabiano Portella (Caçador) Luiz Carlos de Oliveira Ramiro Antonio Amancio Zanini (Videira) Carlos Gedke

Nade Clarice Rosa Luciano (Rio do Sul) Luiz Claudio Todeschini Marcio Aurélio da Silva (Itajaí) Elton Luis Rockenbach Celso Bernardo de Souza Priscila Lemos Aguiar (Indaial / Blumenau) Seizo Ueno Marcelo de Andrade (Ituporanga) Daniel Bezerra Loffi Sebastião de Freitas

COORDENAÇÃO REGIONAL REGIÃO OESTE

Zelina Silvano (Joinville) Keylla Marcos Franzner (Jaraguá do Sul) Charlles Gabardo Becker (Mafra) Marcus Vinicius de Freitas Edgard de Assumpção Anderson Luis Peixer (Canoinhas) Luis Gilberto Taborda Valdeci Cordeiro dos Santos

REGIÃO DA GRANDE FLORIANÓPOLIS Márcio Paulo Ribeiro Julio Cesar Montano Scaravelli Dornelles A. Pozzobon Rosane de Fátima Jacinto Geisa de Oliveira

REGIÃO SUL

CONSELHO FISCAL

Zélia Schneider (Tubarão) Vanderlei Machado Claudeonor Goulart Leonardo José Nicolau Fernandes (Criciúma) Vanderlei Bergmann Carlos Afonso de Souza (Araranguá) Marley Wiezorcoski Alborghetti

Marcio Freccia (Tubarão) Fátima Quirino Goulart (Florianópolis) Josefina Nunes de Carvalho (Chapecó) José Claudio Borges (Concórdia)

REGIÃO SERRANA Ezequiel Linhares da Costa (Lages) Milton Hélio Baltazar (São Joaquim) CRISTIANE MOHR/SINDASPI-SC

Vale F. B. Appel (Chapecó) Michelle de Liz Silva José Clóvis Moreira (São Miguel do Oeste) Zolmir Frizzo Lurdes Bueno Camargo Fuchs Antonio Vanderlan C. de Freitas (Palmitos) Luiz Paulo da Silva (Xanxerê) Daniela Bampi Alceo Negri (São Lourenço do Oeste) Ana Paula Barbosa Julcimar Signor (Concórdia) Marta Elisa Holdefer Alcir Andre Von Mulhen Leocir José Matos (Joaçaba) Huandel Cristiano Alberguini Vilmar Reck

REGIÃO NORTE

Expediente

Contatos

EDIÇÃO: Cristiane Mohr (Mtb 01250 SC-JP)

Av. Mauro Ramos, 436 - Centro

TEXTOS: Cristiane Mohr; Marcela Cornelli, Eloi G. Muchalovski, Alexandre Assis Tomporoski, Julio Cezar Corrente, Ilton Cesar Martins FOTOS: Cristiane Mohr, Marcela Cornelli, reproduções do acervo do Museu do Contestado

88020-300 - Florianópolis - SC Fone: (48) 3031-0901

PROJETO GRÁFICO E DIAGRAMAÇÃO: Cristiane Cardoso/Entrelinha Design Editorial

E-mail: sindaspisc@sindaspisc.org.br

CAPA: Cristiane Cardoso sobre foto do acervo do Museu do Contestado

www.sindaspisc.org.br

TIRAGEM: 2.000 exemplares IMPRESSÃO: Coan

2 | Sindaspisc | VII Congresso | Canoinhas 2014


Editorial

O trabalhador do Contestado e o movimento sindical

Ao término do VI Congresso, em Treze Tílias, já se iniciou a discussão sobre a realização do VII Congresso do Sindaspi, com a definição do tema e local onde seria realizado. Em 2012, foram definidas as comissões de trabalho, e um grupo de coordenadores de Canoinhas arregaça as mangas e inicia a construção de mais este evento. Durante três anos, a coordenação do Sindaspi trabalhou na elaboração e execução deste evento que proporcionou aos trabalhadores um pouco mais de conhecimento sobre a nossa história. Conhecer e discutir o “Trabalhador do Contestado” nos fez buscar importantes respostas para a situação social existente em Santa Catarina. Faz-nos compreender o importante e venal papel do trabalhador em todo este processo. Visto a importância do conteúdo apresentado pelos historiadores e palestrantes nestes três dias, o Sindaspi sentiu a necessidade de oportunizar o acesso a este conhecimento a um número maior de pessoas, pois é sabedor da importância do sindicato neste processo de divulgar conhecimento e cultura. Ter acesso a estas informações, sempre contextualizadas com a luta dos trabalhadores, é o que buscamos por meio desta revista. Temas como: Aspectos Históricos do Trabalhador do Contestado; Relações de Trabalho e Escravidão no Contestado; Heranças do Contestado no Desenvolvimento Regional, entre outros, são encontrados de forma clara e acessível para todos. Aqui, encontraremos não apenas o relato do que foi o VII Congresso do Sindaspi, mas um pouco da história do trabalhador do nosso estado e do movimento sindical que nasce a partir deste momento. Este expediente demonstrará como a região do Contestado, palco do congresso do Sindaspi no ano de 2014, continua como sem-

pre segregada das ações do governo, abandonada e sem perspectiva. Porém, sempre acreditando que as discussões aqui apresentadas podem significar uma pequena migalha na urgente transformação social de que a região tanto necessita. Migalha, mas significativa e necessária, pois somos crentes que os resultados mais expressivos de nossa iniciativa surgirão ao longo do tempo, dando um mínimo de dignidade e respeito aos trabalhadores do Contestado. Com esse espírito de transformação o Sindaspi já começa a pensar sobre a realização do seu VIII Congresso, ainda com local e tema a serem definidos, porém certos de que são estes eventos que oportunizam não apenas o acesso ao conhecimento e crescimento cultural, mas também a confraternização dos seus associados, que podem conhecer melhor aqueles que elegeram para coordenar seu sindicato no próximo período (os congressos acontecem sempre a cada três anos, juntamente com a posse da nova coordenação eleita pelos filiados). O sindicato é cada um de nós!

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Sumário

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O CONGRESSO A Guerra do Contestado: uma luta de classes

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OS DEBATES Um congresso de união e fortalecimento

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AS MOTIVAÇÕES DOS SERTANEJOS O Contestado: complexidade e regionalização das causas

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GUERRA DO CONTESTADO A epopeia cabloca

CONGRESSO EM IMAGENS


26 CULTURA

Museu do Contestado

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O MONGE De monge curandeiro à lenda libertadora

OPINIÃO Relações de trabalho e escravidão no Contestado

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TROFÉU SINDASPI DE FOTOGRAFIA Retratos do Contestado

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OPINIÃO O trabalhador do Contestado: uma história que não é contada nas escolas

CARTA DE CONSCIÊNCIA VII Congresso Sindaspi

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O Congresso

A Guerra do Contestado: uma luta de classes “O olhar do historiador não pode fugir das mortes, permanências, mudanças, sem esquecer que cada época, cada geração elege seus valores, escamoteia suas ordens, realça suas transgressões”. A verdade é que a guerra foi um massacre do povo nativo que vivia pacificamente.

por Cristiane Mohr Assessora de Imprensa | Sindaspi-SC

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urante três dias, 30, 31 de outubro e 1º de novembro, os trabalhadores filiados ao sindicato tiveram a oportunidade de enriquecer seus conhecimentos sobre os quatro anos da Guerra do Contestado, e que influenciaram diretamente toda uma região, além de a vida dos trabalhadores catarinenses até os dias atuais. Os aspectos históricos que interviram no comportamento dos trabalhadores e no desenvolvimento daquela região, as relações de trabalho existentes e a escravidão, que infelizmente continua sendo uma realidade em todo o mundo. Compreender fatos da nossa história nos possibilita perceber como foram construídas diversas situações que interferem diretamente no dia a dia da sociedade, nos fazen-

do pensar as condições que queremos para o nosso país daqui a 200 anos. Para o historiador Eloy Tonon, a guerra do Contestado foi o maior movimento social, político e econômico que ocorreu no estado. Porém, a busca pelos fatos históricos que ocorreram na época, esbarra na dualidade das informações. “Os jornais interferiram na narrativa histórica com deformações”, conforme os interesses políticos da época, que certamente não eram defender os verdadeiros donos daquelas terras, o povo caboclo, sertanejo. Para os historiadores que participaram do VII Congresso do Sindaspi, como Tonon, que é doutor em história, “O olhar do historiador não pode fugir das mortes, permanências, mudanças, sem esquecer que cada épo-

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ca, cada geração elege seus valores, escamoteia suas ordens, realça suas transgressões”. Verdade seja dita, a guerra foi sim um massacre do povo nativo que vivia pacificamente naquela região, mais uma vez, a história nos prova que o caminho para a chamada civilização é povoado de mortes, dor e destruição.

Uma história cheia de misticismo As pesquisas de campo, através de anotações, de diários de guerra, e, através das histórias contadas pelo povo que sobreviveu ao massacre do Contestado, mostram personagens históricos frutos de seu tempo, uma época de monges (mais de 50 na região) que desempenhavam a religiosidade na inexistência de padres. Os


FOTOS: CRISTIANE MOHR/SINDASPI-SC

monges mesclaram vários aspectos do culto cristão, as romarias, preces, penitências e festas com alguns ritos que pertenciam ao universo mágico-religioso. As Irmandades Místicas existentes na época tornaram os sertanejos sujeitos da própria história em que lutaram em busca de uma cidadania. Este povo foi um exemplo emblemático de ruptura com a ordem vigente em busca de um reino imaginário de justiça, harmonia, fraternidade e igualdade. Alguns historiadores afirmam ter sido o berço do nascimento do MST (Movimento dos Trabalhadores Sem Terra).

O progresso traz consigo o sofrimento A chamada modernidade republicana concedia benefícios e regalias

Alexandre Assis Tomporoski

apenas para os coronéis, oligarquias, empresas e imigrantes estrangeiros. Tudo para conquistar regiões ricas ainda desabitadas e levar a “civilização” e o “progresso”. Nossa mata atlântica é devastada, a dita civilização chega com o trem, que serve tão somente para levar toras e toras de madeiras de lei para o exterior. Progresso? Só se for para os exploradores. Segundo os sertanejos, para as pessoas que viviam muito bem restaram a morte “sem motivo aparente”, numa região antes coberta de floresta, devastada com a chegada da empresa madeireira norte americana Lumber. “Como foram bandidos os governos que massacraram um povo pacífico, religioso e ordeiro”, diriam os nossos caboclos. As

heranças do Contestado não foram tão nobres assim... Para o professor da UNC, Alexandre Assis Tomporoski, os movimentos grevistas que ocorreram na estrada férrea do Contestado são o início do movimento sindical na história do Brasil, pois muitos dos trabalhadores viajam por todo o país construindo estradas, repassando as informações de cada região, tendo condições de formar uma organização nacional de trabalhadores. A guerra do Contestado inicia a história sindical no Brasil. O VII Congresso do Sindaspi provou que conhecer melhor o nosso passado é a única forma de garantirmos um pouco mais de sabedoria para evitarmos erros no presente e futuro.

Eloy Tonon

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Os debates

Um congresso de união e fortalecimento Os debates apontaram a necessidade eminente de ampliação de ações afirmativas que propiciem crescimento educacional, cultural e social e que possam refletir em maior representatividade política e redução da desigualdade na região do Contestado.

por Eloi Giovane Muchalovski Membro da Comissão Organizadora

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ideia de congregar trabalhadores na cidade de Canoinhas para discutir questões pertinentes ao mundo do trabalho surgira em ainda em 2012, quando um grupo entusiasmado pela possibilidade de sediar o evento em sua região procurava uma temática que adaptasse aspectos regionais como cultura, história e tradições, ao contesto laboral. Entre diferentes opiniões e sugestões, uma em especial passou aos poucos ganhar forma, seja pela sua pertinência de luta pelos direitos ou, pela identidade de opressão e negação histórica. Tal temática sugerida era o “O Trabalhador do Contestado”. Com o propósito de compreender a situação atual dos trabalhadores

da região que foi palco da Guerra do Contestado entre 1912 e 1916, como também encontrar respostas para situações sociais degradantes e, ao mesmo tempo, apontar possíveis encaminhamentos para uma ação, seja com políticas públicas ou de mobilização social, o Sindaspisc então realizou entre os dias 30 de outubro e 01 de novembro de 2014, na cidade de Canoinhas no Planalto Norte Catarinense, seu sétimo congresso, intitulado O Trabalhador do Contestado. Contando com a participação de filiados de todas as regiões do estado. Mas a trajetória para a execução de tamanho evento não foi, como muitos podem sugerir, uma tarefa banal, simples. Durante cerca de dois anos uma série de encontros de coordenadores

e filiados, responsáveis pelo grandioso expediente, debateram buscando alternativas e delineando um projeto que contemplasse as expectativas de todos. Não com relação a ações puramente turísticas ou de promoção de atrativos de um município, mas que tratasse da sua ferida mais fatigante, a Guerra do Contestado. Ao mesmo tempo em que não apenas divulgasse uma mancha na história brasileira, mas que, com primazia, vislumbrasse a possibilidade de apontar alternativas para mudança do quadro social hoje estabelecido. Aos poucos, objetivos de fortalecimento da organização sindical e a melhora da comunicação do Sindaspisc com a sociedade foram sendo agregadas a temática. A busca de um

Durante a Guerra do Contestado era comum ver grupos de famílias sertanejas (principalmente mulheres, crianças e idosos) percorrendo o território em busca de alimento e proteção, fugindo das tropas do exército.

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MARCELA CORNELLI/DESACATO

modelo de organização que priorizasse o envolvimento da população local foi aos poucos norteando todas as ações dos organizadores, tanto na escolha dos palestrantes como na busca de grupos escolares para apresentações artísticas, até mesmo o modelo logístico adotado foi pensado para o envolvimento da sociedade canoinhense. A importância do VII Congresso do Sindaspisc, daqui em diante denominado neste artigo apenas de VII Congresso, esteve centrado em dois pontos referenciais. Primeiramente relembrar, ou mesmo ensinar, aos trabalhadores da região e do estado, sua luta por direitos historicamente negados; a corriqueira desvalorização do sujeito como ser humano, tra-

balhador e produtor de riqueza para Santa Catarina. O segundo ponto define-se na necessidade premente de debatermos com as diferentes classes sociais o Contestado na sua amplitude de evidente segregação da região ao longo dos anos; tirar o foco exclusivo das discussões do ambiente acadêmico, não com sentido de correção mas de complementação e difusão. Pois as heranças deixadas pela guerra são irrefutáveis, as marcas sociais e econômicas são perceptíveis. A região do Contestado tem hoje os piores índices de IDH (índice de desenvolvimento humano) do sul do Brasil. Situação bastante evidenciada na área rural em diversos aspectos, tanto pela corriqueira quantidade de moradias sem existência de banhei-

Festa em homenagem ao Senhor Bom Jesus e São Sebastião

ros apropriados, como pelo isolamento das propriedades devido à falta de acesso com estradas em condições de rodagem, entre outros. Se tomarmos como exemplo da imensa diferença entre as regiões de Santa Catarina a posição de alguns municípios no ranking de IDH do país (2010), segundo dados do Atlas de Desenvolvimento Humano no Brasil 2013, vemos uma discrepância enorme. Enquanto Joinville, no norte do estado ocupa a posição 21, São Miguel do Oeste na região oeste a 37, Tubarão na parte sul a de número 67 e Florianópolis no litoral a privilegiada posição 3, na região do Contestado temos Três Barras na 1720ª posição e Lebon Regis na 3136ª.

Monge José Maria acompanhado das meninas virgens, em Taquaruçu.

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CRISTIANE MOHR/SINDASPI-SC

Canoinhas sediou o congresso não apenas para promoção dos atrativos do município, mas para tratar da sua ferida mais fatigante, a Guerra do Contestado.

É importante frisar que o IDH é apenas um dos índices que caracterizam o baixo desenvolvimento. Outros dados como industrialização, produção agrícola e infraestrutura também são baixos. Contudo, o dado mais impressionante e lamentável refere-se à destinação de verbas federais para prefeituras catarinenses. Dados apontados em matéria do Jornal O Estadão em 2012, mostram que municípios como Florianópolis receberam no ano de 2011 cerca R$ 533 de verba federal por habitante, cerca de dez vezes o valor recebido por alguns dos municípios do Contestado. Vale lembrar que a representatividade política da região, tanto na Assembleia Estadual como Congresso Nacional, também é a menor em com-

paração com as demais. Com o confronto dos mais variados dados fica evidente que o esquecimento do Contestado não se deu apenas nos livros didáticos, mas igualmente nas políticas públicas, sobretudo nas ações de planejamento agrícola. Até o final da década de 1950 o sistema de parcerias apresentou-se suficiente para assegurar aqueles desprovidos da terra um local de trabalho, principalmente nos latifúndios. A força braçal era essencial para o cultivo, tanto que na época empregava 47% da população ativa do país. Através da modernização das técnicas produtivas e da mecanização da agricultura, cada vez menos o trabalhador rural se externou necessário. De 1960 até 1970 houve um declínio de cerca de 30% na proporção de trabalhadores ligados a

A rendição dos caboclos foi devido às doenças, fome e a falta de condições físicas para lutar.

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atividade agrícola. Isto, aliado a uma crescente industrialização do Brasil através da abertura dos mercados externos, fez com que o sistema de parceria caminhasse para a extinção. Os mais providos de capital investiram na produção em larga escala, os menos abastados ou com terras não tão férteis e produtivas, acabaram evoluindo para sistema extensivo, conferindo-se, muitas vezes de maneira compelida, aos incentivos para o reflorestamento de suas propriedades. Tal processo deflagra o surgimento do chamado “deserto verde”, grandes áreas com plantio de pinus e eucalipto. Uma considerável parcela da população acabou emigrando para regiões urbanas, passando a viver de maneira bastante semelhante ao marginalizado contingente de cabo-

Grupo de seguranças armados da Lumber, em Três Barras.


CRISTIANE MOHR/SINDASPI-SC

Envolvimento da sociedade canoinhense.

clos remanescentes do Contestado, a mercê da própria sorte e segregado dos projetos políticos das oligarquias estaduais. Nos últimos anos, graças a uma série de medidas públicas que tornaram possível o acesso à energia elétrica, ao crédito agrícola e o acesso a novas e modernas tecnologias, houve uma considerável melhora no meio rural da região. Entretanto, tais medidas se configuram como paliativas, não solucionam os danos que o esquecimento por parte do setor público compeliu a uma população camponesa flagelada, humilhada e segregada das ações de desenvolvimento humano e econômico. Com os debates empreendidos durante o VII Congresso constatou-se a necessidade eminente de maior avan-

ço. Ampliação de ações afirmativas que propiciem crescimento educacional, cultural e social, as quais possam, em um futuro próximo, refletir em maior representatividade política e redução da desigualdade. Contudo, o resultado obtido no VII Congresso foi o mais positivo possível. Mesmo sendo abalado na sua véspera por atitudes que nos fizeram lembrar as antigas oligarquias do início do Brasil República, onde mandonismo e controle social era regido pelo sistema do coronelismo, podemos afirmar, com total precisão, que tais fatos apenas fortaleceram e unificaram o sindicato. Bases sólidas de envolvimento mútuo, de cooperação e desejo de luta foram consolidadas. Através da brilhante abordagem realizada por todos os professores,

Na Guerra do Contestado as forças militares contaram com 7.199 homens, sendo 6.408 soldados do exército, 463 policiais de Santa Catarina, 26 policiais do Paraná e 300 vaqueanos civis.

estudiosos e artistas que honraram o Contestado durante três dias, sementes sadias para iniciar uma mudança foram plantadas. A colheita dependerá do quanto nós, sindaspianos e sociedade em geral, adubaremos, capinaremos e podaremos esta planta da metamorfose, a qual temos a certeza de que já germinou. Seus frutos poderão ser degustados por todos, não somente por aqueles que vivem ou trabalham no Contestado, mas toda Santa Catarina, compartilhando o néctar da igualdade e do respeito, materializado em desenvolvimento humano, social e econômico. Conclusivamente, as congratulações e créditos do trabalho desenvolvido são de todos os congressistas e colaboradores. O maior troféu que poderia ser conquistado foi, de maneira peculiar e emocionante, transmitido por uma pessoa humilde, filho da terra outrora contestada, o qual esteve trabalhando com o Sindaspisc no VII Congresso, preparando e servindo refeições aos congressistas. Esta pessoa, no último dia de evento aproximou-se e, em lágrimas, proferiu sinteticamente as seguintes palavras: “os momentos que eu passei com vocês nesses dias, os amigos que fiz, guardarei para o resto da minha vida em meu coração. Eu nunca antes tinha presenciado um encontro com pessoas tão generosas e de tamanha pureza. Obrigado por nos permitir fazer parte de tudo isso.” Maior sentimento de missão cumprida, impossível.

Estação Ferroviária construída pela Brazil Railway Company.

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As motivações dos sertanejos

O Contestado: complexidade e regionalização das causas É preciso que o exemplo da luta de mulheres crianças e homens que, espoliados, sacrificaram suas vidas para lutar pelo que acreditavam ser justo, faça eco em nossos tempos, tão conturbados e carentes de participação popular na transformação da sociedade.

por Alexandre Assis Tomporoski Mestre e doutor em História pela UFSC. Professor da Universidade do Contestado (UnC).

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oram diversas as motivações que levaram os sertanejos a se rebelarem contra os agentes responsáveis pelas injustiças que estavam sofrendo, e a comporem as trincheiras do movimento sertanejo do Contestado (1912-1916). Além disso, houve uma regionalização das causas, ou seja, dependendo da região do planalto onde viviam, diferentes foram as motivações que compeliram os sertanejos a lutarem na guerra.

Para os moradores da região de Taquaruçu e Irani, a guerra era um instrumento de luta para a vingança da morte do monge José Maria. Os moradores da região norte do planalto, especificamente entre os rios Timbó e Paciência, foram à guerra como reação à presença cada vez mais agressiva dos coronéis Fabrício Vieira e Arthur de Paula e Souza, que desejavam estender suas propriedades e sua influência política sobre aquela região, o que aumentava a pressão sobre si-

Construção das ferrovias

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tiantes e posseiros dos vales dos rios Timbó, Tamanduá e Paciência. Grande parte dos rebeldes que integrou o movimento sertanejo o fez como forma de se opor aos despotismos dos chefes políticos municipais, especialmente em Canoinhas – o Major Vieira – e em Curitibanos, o Coronel Albuquerque. O desemprego de milhares de trabalhadores, envolvidos com a construção da estrada de ferro, na região do vale do rio do Peixe, aumentou a tensão social em toda


aquela região, contribuindo para a adesão de parte desse grupo ao movimento rebelde. Em toda a região do planalto, havia a presença numericamente importante, de antigos maragatos, membros das forças envolvidas na Guerra Federalista (1893-1895) e que mantinham antigas disputas com o estado republicano. Para esse grupo, o movimento do Contestado representou a volta à ativa e a possibilidade de revanche contra os republicanos.

Outro elemento que compõe esse cenário multifacetado, principalmente na região norte do planalto, próximo à divisa (indefinida) com o estado do Paraná, a luta de parte dos integrantes do movimento representava uma tentativa de exigir o cumprimento da sentença de limites, resultado final da disputa de limites entre Paraná e Santa Catarina. Por fim, a luta contra o capital estrangeiro, em toda a região do Contestado, consistiu em elemento basilar para a deflagração do movi-

mento do Contestado. O rastreamento dos alvos dos ataques dos sertanejos rebeldes demonstra a atuação aguda dos integrantes do movimento contra as empresas estrangeiras, tanto a Lumber – a serraria de Calmon foi completamente destruída e a de Três Barras foi defendida pela força pública do Paraná – quanto a ferrovia, que teve muitas estações ferroviárias incendiadas e a circulação de trens interrompida. Esse conjunto multifacetado de cau-

A maior parte da Mata Atlântica de Santa Catarina foi destruída para enviar a madeira nobre para outros países, principalmente para os EUA e parte da Europa.

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MARCELA CORNELLI/DESACATO

Alexandre Assis Tomporoski.

sas, que motivou o movimento do Contestado, demonstra a complexidade do movimento rebelde.

As pesquisas sobre o Contestado: lacunas A ampliação da produção de conhecimento acerca do Contestado é notória, especialmente nas últimas décadas. Isto decorreu, em grande medida, motivado pela expansão dos programas de pós-graduação, aliado à sofisticação das ferramentas teóri-

co-metodológicas, o que promoveu a diversificação dos temas de pesquisa e o aprofundamento dos estudos. No entanto, importantes questões permanecem carentes de uma análise sistemática1. Uma das questões refere-se ao papel das mulheres no Contestado. Tanto sua participação no movimento sertanejo quanto suas trajetórias fora dele exigem esforços de pesquisa que permitam superar a imagem caricata da heroína mítica Chica Pe-

lega. Estudos de gênero sobre regiões pecuaristas e tropeiristas podem, por exemplo, utilizar fontes judiciais para acompanhar os caminhos trilhados pelas mulheres fora da vida privada, as quais aparecem publicamente, por exemplo, ao surgirem como testemunhas de processos. Outra questão de fundamental importância e ainda carente de uma abordagem consistente refere-se aos indígenas no Contestado. Há necessidade de se avaliar o impacto das polí-

Tropas fortemente armadas obrigavam o povo nativo a abandonar suas casas e plantios para que a exploração e destruição de nossa terra passassem.

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ticas indigenistas sobre a região, bem como as características e configuração das políticas indígenas. Pouco mais de uma década antes do início do movimento sertanejo (1912-1916), a imprensa paranaense noticiava conflitos entre indígenas e colonos na região do Timbozinho, interior do município de Canoinhas e próximo do local onde anos mais tarde seria construído o reduto de Pedras Brancas2. É plausível supor que um número significativo de indígenas estivesse na região durante os eventos ligados ao movimento sertanejo. É preciso situá-los nesse contexto. Outro vetor de pesquisa, o qual se destaca tanto pela importância da temática quanto pela ausência de trabalhos desenvolvidos, consiste no estudo da região entre os rios Timbó e Paciência, conhecida como ‘o contestado do Contestado’, na qual não havia qualquer definição quanto ao controle da jurisdição pelos estados que litigavam em torno da questão de limites. A disputa entre Paraná e Santa Catarina marcou profundamente a região em tela e influenciou o surgimento de vilas e municípios em todo o Contestado. Pouco se conhece sobre a origem de muitos deles, tal qual o de Canoinhas. Urge um estudo sistemático acerca de sua criação, bem como da influência da questão de limites e, posteriormente, da guerra do

Contestado sobre sua trajetória. O coronelismo é outro tema que carece de um esforço interpretativo mais consistente, com base em levantamento empírico, que permita o estudo desse fenômeno – com suas especificidades – e sua influência sobre a região do Contestado. Um ponto de partida profícuo seria acompanhar a expansão dos coronéis paranaenses sobre o planalto norte de Santa Catarina – tema que se coaduna com o estudo da região do vale do rio Timbó –. Há problemas de interpretação do coronelismo e de suas práticas, o qual consistiu em uma forma de dominação de classe por meio da manutenção de duas clientelas por parte do coronel: uma clientela política, marcadamente urbana e letrada, e uma clientela social, de origem rural e formada pelos agregados e peões do coronel, que representavam o poder real ao se colocarem a seu serviço (armado). Nesse contexto, são figuras que merecem especial atenção os coronéis Arthur de Paula e Souza, Fabrício Vieira, Nicolau Bley e Benvindo Pacheco3. Ainda é possível elencar a necessidade de estudos que mensurem o acirramento das disputas fundiárias deflagradas no planalto norte catarinense – que vinham ocorrendo desde o século XIX – enquanto elemento motivador para a adesão dos moradores

1 - Os pontos a seguir foram destacados pelo Professor Paulo Pinheiro Machado em palestra na UnC Canoinhas, por ocasião da I Jornada de Estudos do NUPHIS (Núcleo de Pesquisa em História), em novembro de 2013. 2 - O ‘ataque’ dos indígenas ocorreu em dezembro de 1898 e resultou na morte de dezesseis colonos. Segundo o jornal, essa foi a segunda ocasião em que conflitos com

da região às trincheiras do movimento sertanejo do Contestado. Ademais, é preciso analisar a influência da presença do capital estrangeiro na região – Ferrovia e Lumber Company – para o recrudescimento da luta pela terra e, especificamente, se as companhias de fato deflagraram um processo de expulsão de posseiros da região norte do Contestado, motivando a população da região a aderir ao movimento sertanejo. Muito se avançou nos estudos sobre o Contestado desde os tempos em que os rebeldes revoltosos ainda eram referenciados como “jagunços” ou “fanáticos”. A sofisticação das análises permitiu a ampliação da compreensão sobre esse movimento social, que foi um dos mais importantes e complexos de todos os tempos. Agora, durante o período de rememoração do centenário da Guerra do Contestado, um balanço dos avanços e, principalmente, a identificação de lacunas que precisam de esforços dos pesquisadores mostra-se fundamental. É preciso que o exemplo da luta de mulheres crianças e homens que, espoliados, sacrificaram suas vidas para lutar pelo que acreditavam ser justo, faça eco em nossos tempos, tão conturbados e carentes de participação popular na transformação da sociedade.

os indígenas ocorreram naquela localidade. A República, ano XIII, n.º 270. Curitiba, 08 de dezembro de 1898. 3 - MACHADO, Paulo Pinheiro. Lideranças do Contestado: a formação das chefias caboclas (1912-1916). Cam-pinas, SP. Editora da Unicamp, 2004.

Toneladas e mais toneladas de madeira nobre escoavam pelas ferrovias levando nossa mata e riqueza

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Congresso em imagens


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CRISTIANE MOHR/SINDASPI-SC

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Guerra do Contestado

A epopeia cabocla No clarear do dia 9 não se ouvem mais lamentos, gemidos ou gritos de dor, a morte havia espalmado sua mão sobre o vilarejo de Taquaruçu. Faltaram lágrimas para prantear a perda de tantas vidas. A população sertaneja estava entregue a própria sorte e o que lhes restava era a luta armada.

por Julio Cezar Corrente Historiador, diretor do Museu do Contestado | Caçador-SC

A

epopeia cabocla ainda vive enraizada no espírito guerreiro de um povo, que estimulado por diversos acontecimentos vê-se deslumbrado pelo misticismo de três profetas: São João Maria (1844), São João Maria de Jesus (1908) e São José Maria (1912), que ficaram conhecidos como monges, trazendo muita paz interior aos sertanejos, deixando seus rastros de profundo encantamento religioso. O caboclo encontra no messianis-

mo dos monges, um alento para seus corações sofridos e sonha com a liberdade, a posse da terra e melhores dias para suas vidas. O monge José Maria, sempre acompanhado pelas virgens, torna-se um grande líder entre sertanejos. Os lugares onde passava, tornavam-se santos, pois ali nascia água, e quem tomava curava-se de suas enfermidades.

entre Paraná e Santa Catarina, surgindo daí o nome “CONTESTADO”. “Um quer ter a razão o outro não quer perder a ação e sem que saia o acórdão tudo é contestado”. Nas palavras do poeta, a disputa não estava somente pelos limites, o conflito também era político e econômico.

O sertão contestado em disputa

Ferrovia em território contestado - a exploração da terra e das florestas

Foram 63 anos de disputas violentas, contestando os limites de território

Em 1887, João Teixeira Soares elabora projeto de construção de uma

O monge José Maria

22 | Sindaspisc | VII Congresso | Canoinhas 2014

Southern Brazil Lumber and Colonization Company, em Calmon


INSTITUTO DE TERRAS, CARTOGRAFIA E GEOCIÊNCIAS - ITCG

Mapa de Santa Catarina em 1919. Área em amarelo era a disputa de limites entre os estados de Santa Catarina e Paraná.

ferrovia que ligaria o sul do Brasil a São Paulo - uma extensão de 1403 km passando pelo vale do Rio do Peixe. Com a falta de recursos, abandona o projeto em 1908, transferindo a concessão de 380 km, para a empresa norte-americana Brazil Railway Company, pertencente ao multimilionário Percival Farquhar, que ganha também o direito de explorar as terras e a floresta de pinhais, no limite de 9 Km de cada lado da ferrovia. Percival Farquhar funda mais uma empresa, a Southern Brazil

Lumber and Colonization Company que serviria para explorar a riquezas naturais. A multinacional começa a expulsar os caboclos de suas terras, para vender aos descendentes de imigrantes vindos, principalmente do Rio Grande do Sul e Paraná.

A fúria do sertanejo – eclode a guerra no sertão catarinense. Em 1912, a região contestada era habitada por cerca de 20 mil pessoas, na sua maioria caboclos, ex-trabalhado-

res da construção da ferrovia e ex-maragatos, pessoas pobres, oprimidas e exploradas pelos “coronéis” e Companhias Americanas. “Nóis não tem direito a terra, tudo é para as gente da oropa”, dizia um bilhete, encontrado no bolso de um caboclo, manchado de sangue, por volta de 1915.

O início dos combates - “a guerra do contestado” Em agosto de 1912, na festa do Bom Jesus, em Taquaruçu, o Monge José

Família de caboclos após a rendição, em 1915

O Trabalhador do Contestado | Sindaspisc | 23


Maria reúne milhares de devotos em volta da capela, levando-os ao delírio com rezas (do terço e ladainhas), cantorias e trovas. Os caboclos exaltados agitavam suas bandeiras com estandartes. Surgia a bandeira branca com a cruz verde no centro, como símbolo do contestado e da luta sertaneja. Do outro lado, políticos, militares e a própria igreja se mobilizavam para eliminar a união sertaneja junto a José Maria. Em defesa o Monge organiza os doze pares de frança.

João Gualberto ordena o ataque aos invasores catarinenses. José Maria é atingido e morre. A fúria cabocla se torna mortal, com os sertanejos avançando ferozmente sobre o destacamento da polícia que foge do local. João Gualberto é pego pelos sertanejos e morto a facão de pau de guamirim. O monge é enterrado em cova rasa coberto por tabuas, e a região vive um período de grande calmaria a espera da ressurreição do “profeta São José Maria com seu exército encantado”. Em 1913 em Taquaruçu, liderados por Euzébio dos Santos sua esposa Querubina e por Chico Ventura, o povo volta a se reunir. Surge Teodora, uma menina virgem que afirmava ver a imagem de São José Maria. As tropas da polícia militar catarinense, se deslocam com soldados para Taquaruçu. No primeiro combate os sertanejos vencem e passam a acreditar em sua invencibilidade sob a proteção divina do exercito encantado de São Sebastião. As forças militares do exército e da polícia voltam novamente a Taquaruçu, desta vez com 700 homens. O ataque com bombardeio de canhões é fulminante. Inicia-se o massacre dos sertanejos. No clarear do dia 9 não se ouvem mais lamentos, gemidos ou gritos de dor, a morte havia espalmado sua mão sobre o vilarejo de Taquaruçu. Faltaram lágrimas para prantear a perda de tantas vidas. Nes-

“Nóis não tem direito a terra, tudo é para as gente da oropa” Bilhete, encontrado no bolso de um caboclo, manchado de sangue, por volta de 1915.

Sabendo que um grupo militar vem a sua procura, o monge, com seus 24 cavaleiros - “doze pares de frança”, se vê obrigado a retirar-se de Taquaruçu. Acompanhado por cerca de 200 sertanejos, o monge desloca-se atravessando o Rio do Peixe, indo para o lado do Paraná. A polícia paranaense desloca 400 homens armados com metralhadora e canhão sob o comando do tenente João Gualberto, para expulsá-los dali. Em 22 de outubro de 1912, o Monge se recusa a render-se as tropas paranaenses e profetiza um grande confronto e nele sua morte e ressurreição.

Primeira vez no mundo em que se utilizou aviões em guerra

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sa batalha esteve destaque Francisca Roberta conhecida como Chica Pelega, pela sua bravura na defesa das crianças, velhos e doentes. A população sertaneja estava entregue a própria sorte e o que lhes restava era a luta armada. As palavras de conforto para os caboclos era da justiça divina sob a proteção de São Sebastião, São João Maria e São José Maria. Caraguatá, novo reduto dos caboclos, foi criado por ordem de Joaquim, guri de 11 para 12 anos, mais conhecido entre os sertanejos como Menino Deus. Joaquim profetizara a destruição de Taquaruçu, ordenando aos seus comandados que encontrasse um lugar mais seguro para o povo. Em Caraguatá, novo ataque das forças do Exército. Maria Rosa, uma jovem guerreira de 15 anos foi à liderança expressiva dos caboclos nesta batalha, levando-os a vitória. No entanto, o estado de miséria do caboclo é deplorável, começa uma epidemia de tifo e o reduto é transferido para Bom Sossego. Em 1914, o general Carlos de Mesquita deixa na região uma tropa comandada pelo capitão Matos Costa, que vê nos caboclos um povo sofrido e miserável. No dia 06 de setembro em um ataque dos sertanejos depois de queimarem a serraria da lamber no dia anterior na comitiva chefiada por Matos Costa que morre em combate. A partir de 11 de setembro chega à região o General Setembrino Lemos, com mais de sete mil homens e aviões

Ventura, à esquerda, foi um dos líderes do “reduto”.


para utilizar na campanha do Contestado, inica-se a fase mais sanguenta da guerra . Os caboclos, achando-se invencíveis, ameaçavam invadir pequenas vilas. O General Setembrino Lemos lança um manifesto pedindo que os sertanejos se entreguem prometendo terras, caso contrário, seriam tratados como inimigos da nação. Muitos líderes se entregam. Em Janeiro de 1915, General Setembrino de Carvalho cerca toda a região e vai destruindo um a um os redutos. Em fevereiro cerca o maior dos redutos sob a liderança de Adeodato Manoel Ramos (Deodato), e mais de 5.000 mil casebres sofrem bombardeiros constantes, mesmo assim, a tropa do General Setembrino não consegue destruir o reduto e os sertanejos sentem-se mais uma vez envolvidos por proteção divina. No dia 1 de março, o aeroplano Morane-Saulnier do capitão Kirk, que vem reunir-se as tropas para atacar o reduto de Santa Maria, cai na serra da Taquara Verde, matando seu capitão e dando fim a participação da aviação nesta guerra. Um destacamento especial sob comando do capitão Potyguara avança pelo norte, repassa as coordenadas à artilharia e adentra o reduto de Santa Maria que é totalmente destruído. Ainda não finda a epopéia cabocla, sob o comando de Adeodato, muitos sobreviventes se reagrupam e criam novos redutos. Após a retirada de grande parte das tropas militares, o genocídio dos caboclos ocorre com mais crueldade.

Muitos dos que tentaram entregar-se às tropas militares foram sumariamente fuzilados no mato, a violência na região do Contestado torna-se incontrolável, uma terra sem lei. Cerca de 6.000 pessoas, na maioria caboclos, foram mortos. Tamanha era a crueldade, que os caboclos são caçados, e muitos queimados em fogueiras de grimpas ainda vivos, em 1916 na localidade de perdizinhas interior de Lebon Régis. Ainda hoje encontra-se em ruínas o crematório. Muitos não foram enterrados dignamente, apenas em covas rasas “sem cruz e sem nome”. Uma jornada histórica de bravos, que lutaram sem medo de morrer por uma causa que acreditaram ser divina. Em agosto de 1916, Adeodato cansado de fugir e com muita fome entrega-se, sendo condenado a 30 anos de prisão. Em 03 de fevereiro 1923 depois de uma tentativa de fuga do presídio em Florianópolis, foi morto. Com a morte do ultimo jagunço, a chegada de milhares de imigrantes de origem europeia e o surgimento de novas cidades, estaria por fim esquecido pelos governos dos dois estados e também o governo federal a chamada Campanha do Contestado. No entanto, na memória do sertanejo que sobreviveu, ainda vive a crença em São João Maria, que será levada aos seus descendentes por muitos e muitos anos, na busca por justiça, pois esse caboclo ainda permanece na região, sendo a grande maioria da população e ainda a mais marginalizada da Região do Contestado.

“Um quer ter a razão o outro não quer perder a ação e sem que saia o acórdão tudo é contestado” A disputa não estava somente pelos limites, o conflito também era político e econômico.

Chica Pelega, heroína sertaneja

O Trabalhador do Contestado | Sindaspisc | 25


Cultura

Museu do Contestado

A Estação Legru, construída pela Brazil Railway Company, é um exemplo do padrão arquitetônico das primeiras estações ferroviárias da região, construídas no início do século XX.

por Julio Cezar Corrente Historiador, diretor do Museu do Contestado | Caçador-SC

O

Museu Histórico e Antropológico da Região do Contestado foi fundado em 18 de março de 1974, tendo como idealizadores o Padre Thomas Pieters e o Historiador Nilson Thomé, sendo a mantedora a FEARP – Fundação Educacional do Alto Vale do Rio do Peixe, que no ano de 1991 passa a se denominar UnC – Universidade do Contestado. No ano de 2010, a Campus de Caçador deixou de ser campus da Univer-

sidade do Contestado voltou a se denominar UNIARP. Com essa mudança Museu do Contestado, passou a ter como mantedora a Fundação Municipal de Cultura. O acervo do museu passou por vários locais no município até o início da construção da sua sede própria em 1985. Este espaço museológico construído em madeira de pinho e imbuia foi inaugurado no dia 25 de outubro de 1986, sua arquitetura é uma réplica ampliada da estação de Rio Caça-

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dor (Estação original de Rio Caçador foi inaugurada em 1910 e destruída num incêndio em 1943). Conhecido como Museu do Contestado representa o maior centro cultural do contestado, possuindo um espaço museográfico de 460m², onde é guardada a memória da Guerra do Contestado(1912-1916). Ainda nesse espaço abriga o maior acervo deste conflito social.


Construído em madeira de pinho e imbuia, o Museu do Contestato foi inaugurado em 25 de outubro de 1986 e sua arquitetura é uma réplica ampliada da estação de Rio Caçador, que originalmente foi inaugurada em 1910 e destruída num incêndio em 1943.

O patrimônio do museu

Espaço museográfico

Na plataforma principal, estão estacio-

SALA ESPERIDIÃO AMIM - Acervo da Guerra do Contestado contém: armas,

nadas, sobre trilhos fabricados na Eu-

espadas, facões de pau, fotos, 50 bonecos dos personagens da guerra

ropa em 1908, as locomotivas a vapor

do Contestado e a maior obra artística sobre a guerra - um painel do artista

Mogul,

plástico Heidy Assis com 12 metros de comprimento por 2:75m. de altura.

fabricação

norte-americana,

de 1908, utilizada no trecho a partir de 1910 e, dois vagões, um de passageiro

SALA THOMAS PIETERS - Acervo da Cultura Indígena contém um dos maiores

e um de administração, remanescentes

acervos antropológico das civilizações indígenas do sul do Brasil contendo

da Estrada de Ferro São Paulo-Rio Gran-

milhares de peças – (estão expostos pedras líticas, assoadas humanas, fotos,

de – EFSPRG.

pedaços de cerâmica, esculturas em pedras e artefatos artesanais indígenas).

No entorno do museu, está erigido o Obelisco da Aviação Militar no Contes-

SALA ACHILLES STENGHEL - Acervo da ferrovia do Contestado contém: fotos,

tado, marcando o local onde foi cons-

mapas, livros, mobiliários das estações, peças de vagões e locomotivas, ob-

truído, em dezembro de 1914, um dos

jetos de estações, telégrafo, stafs, bonés de ferroviários e documentos.

quatro primeiros campos-de-aviação de

SALA VITOR KURUTS - Acervo Colonização e povoamento), com grande diversi-

Santa Catarina, destinado às aeronaves

dade de objetos, de uso cotidiano dos colonizadores, mobiliários utensílios

empregadas pelo Exército Brasileiro na

domésticos, instrumentos musicais, rádios, TVs, toca discos, máquinas de uso

Guerra do Contestado. Neste mesmo

na agricultura, empresas, aparelhos de telefone, equipamentos de profissio-

lado junto ao parque Central de Caça-

nais tais como cadeira de dentistas, de barbeiro, carteira escolar entre outros

dor inaugurada em 2012, a estátua do

objetos.

Monge João Maria de Jesus. Em outro lado do museu está o Mar-

SALA MULTIUSO NILSON THOMÉ - Um local onde acorrem atividades educacio-

co Histórico do Contestado, perpetuan-

nais, exposição temporária, cinema e apresentações culturais. Ainda no se-

do o envolvimento de Caçador na Guer-

gundo piso o museu possui a sala do administrativo, sala do laboratório de

ra do Contestado (1912-1916).

restauro e a Sala de reserva técnica.

O Trabalhador do Contestado | Sindaspisc | 27


O Monge

Do monge curandeiro à lenda libertadora Diz a lenda que degoladores foram ao acampamento do monge, e, chefiados por Neco Rengo, degolaram-no. Voltaram os degoladores para a cidade e lá souberam que o monge continuava vivo. Foram atrás dele e degolaram-no outra vez, voltando então à cidade para beber e festejar. Mas o santo permanecia vivo...

por Cristiane Mohr Assessora de Imprensa | Sindaspi-SC

A

guerra sertaneja traz consigo a importante participação de três personagens que marcaram profundamente os que enfrentaram as tropas da República na Guerra do Contestado. Os monges João Maria de Agostinho, João Maria de Jesus e José Maria de Santo Agostinho percorriam os sertões do sul do Brasil desde o século XIX. Apesar de serem três, o povo, por meio de lendas e folclore, uniu-os em um, que ficou conhecido como São João Maria, considerado na época o

“monge dos excluídos”. Estão, historicamente unidos, de tal forma que muitas vezes é difícil separar seus feitos e suas vidas. O primeiro deles, o monge Giovanni “João” Maria D’Agostini, de origem italiana, introduziu na região sul o culto a Santo Antão, que é considerado o “pai de todos os monges”. Peregrinou pregando e atendendo doentes de 1844 a 1870. Fazia questão de viver uma vida extremamente humilde, e sua ética e forma de viver arrebanhou milhares de crentes, reforçando o messianis-

mo coletivo. Porém, que não exerceu influência direta nos acontecimentos da Guerra do Contestado que ocorreria posteriormente. João Maria morreu em 1870. O segundo monge, adotou o codinome (alcunha) de João Maria de Jesus, mas seu verdadeiro nome era Atanás Marcaf, surgiu também misteriosamente, no Paraná e Santa Catarina, tendo vivido entre os anos de 1886 e 1908, havendo, na ocasião, uma identificação com o primeiro, de quem utilizava os mesmos méto-

Sabedoria de monge “Quem descasca a cintura das árvores para secá-las também vai encurtando sua vida. A árvore é quase bicho, e bicho é quase gente.”

28 | Sindaspisc | VII Congresso | Canoinhas 2014

“Quem não sabe ler o livro da natureza é analfabeto de Deus”.


dos, com curas por ervas, conselhos e água de fontes. O terceiro monge, José Maria, surgiu em 1911 no município de Campos Novos (SC). Dizia ser irmão do primeiro monge e adotou o nome de José Maria de Santo Agostinho. Utilizava, também, os mesmos métodos de cura dos anteriores, mas, ao contrário do isolamento, organizava agrupamentos, acampamentos com vida própria, e possuía uma guarda especial formada por 24 homens que o acompanhava, os “Pares de França”.

O curandeiro logo conquistou a admiração e a confiança do povo. Diziam ter ressuscitado uma jovem, também recobrou a saúde da esposa do coronel Francisco de Almeida, vítima de uma doença incurável. O monge ganha ainda mais fama e credibilidade ao rejeitar terras e uma grande quantidade de ouro que o coronel, agradecido, lhe queria oferecer. José Maria passa a ser considerado santo: um homem que veio a terra apenas para curar e tratar os doentes e necessitados. Zé Maria estava muito

longe do perfil dos curandeiros vulgares. Sabia ler e escrever e anotava em seus cadernos as propriedades medicinais das plantas encontradas na região. Montou a farmácia do povo, onde fazia o depósito de ervas medicinais que utilizava no atendimento diário a quem quer que o visitasse, a qualquer hora do dia ou da noite. Reza a lenda, que ele podia estar em dois lugares diferentes ao mesmo tempo, orando em sua gruta ou ao lado de um doente que invocava por ele. Podia ficar invisível aos seus per-

“Sassafraz, raiz de xaxim e outras raízes, na proporção de 700 gramas em uma garrafa de cachaça, para os doentes ingerirem em grandes doses”. Em seu consultório, chamado de “Farmácia do Povo”, utilizava diferentes ervas da região, e elaborando receitas, como esta citada pelo jornal Diário da Tarde em 1912.

O Trabalhador do Contestado | Sindaspisc | 29


seguidores e fazia surgir nascentes nos lugares onde dormia. As curas feitas com infusões de uma planta chamada vassourinha e com rezas são contadas por todos os cantos. Há lendas de que o monge teria feito, também, diversas previsões, inclusive sobre os futuros trens e aviões: “Linhas de burros pretos, de ferro, carregarão o pessoal” e “gafanhotos de asas de ferro, e estes seriam os mais perigosos porque deitariam as cidades por terra”.

Agostinho incorpora o monge Desde 2007, o artista Agostinho Kryszyszyn, nascido em Três Barras, se transforma no monge Zé Ma-

ria, personagem que representa no teatro com a mesma paixão que em suas pinturas e desenhos. Para Agostinho, a motivação maior é a importância para os moradores da região do Contestado, que até hoje mantém sua fé e crença nos poderes de cura do monge. “A instalação da Lumber, com sua serra selvagem e capitalista, a construção da ferrovia e a expulsão dos habitantes nativos de sua terra (do berço onde embalamos nossos sonhos) representam o lado mais triste desta história”, avalia Agostinho, que faz uma critica ao sistema capitalista que sempre busca manipular e escra-

vizar os mais necessitados. Nosso monge participou da abertura e do encerramento do VII Congresso do Sindaspi, representando este que foi uma dos principais personagens da guerra do Contestado, salvando povos e defendendo a vida do povo caboclo. Para Agostinho, o Congresso serviu para conscientizar a sociedade sobre um lado da história que nem sempre é contado nas escolas. O lado dos mais fracos, dos explorados e escravizados por políticos e empresários que e apenas lucraram com a destruição daquela região, a nossa mata Atlântica.

“Que Deus abençoe vocês tudo,

guerra muito pior. O sangue vai correr pela terra feito um rio.

Voltemos no tempo, há mais de cem anos atrás, quando este

Providência!

fato marcou a história da nossa região.

... Vem aí uma peste de rato, vem aí uma peste de chaga, inté as

A mata se agita,

aves vão se mudar daqui.

Vai ser cortada

Jesus disse para São Pedro que o mundo não ia durar muito

As aves fogem desesperadas vendo seus ninhos destruídos

tempo, e Deus disse, faze, que eu te ajudo! E o que vocês estão

A floresta cai, cai, cai!

fazendo?

E, entre o pinhão, a erva mate e a fome

Nada! Tão aí feito bicho. Tão aí sem tomá providência!

Surgem os engenheiros, os capatazes, os mestres de obra e

Mas eu aviso: A cidade de Porto União vai desaparecer nas

gritam:

águas do Iguaçu. Curitibanos vai virar tapera.

Tudo pertence a companhia! Nós vamos construir a

Vem aí um monstro de ferro, vai soltá fogo pela boca e fumaça

ferrovia!

pelo nariz! E por onde ele passá, muito sangue vai rolá! E as melhor árvores que você tiver, ele vai levar!

E entre o pinhão, a erva mate e a fome

E, na Santa Emídia, que é um lugar sagrado para vocês,

Apareceu um monge que falavam assim:

quando as pedras de cima se unirem com

... Eu vim avisá que vem um tempo de

as de baixo, a cidade de Três Barras vai

muito pasto e pouco rastro. Vocês

desaparecer numa explosão. Vocês vão ter

tratem de tomar providência.

três dias de escuridão completa, o sol não

A guerra dos maragatos foi feia,

vai passar no céu. Velas, porque velas?

mas não foi nada. Vem aí uma

apaguem as velas, guardem as velas pros tempos de escuridão”.

Agostinho Kryszyszyn é formado em Artes Visuais pela UNC – Universidade do Contestado, e há oito anos representa o monge.

30 | Sindaspisc | VII Congresso | Canoinhas 2014


Opinião

CRISTIANE MOHR/SINDASPI-SC

Relações de trabalho e escravidão no Contestado

Ilton Cesar Martins em palestra no VII Congresso Sindaspi-SC

Dr. Ilton Cesar Martins Professor Adjunto UNESPAR Pós-Doutorando UEPG

P

arece bastante curioso, quando não intrigante sob

Talvez aí se apresente um bom tema de pesquisa a ser mais

a perspectiva da pesquisa histórica, que os temas

aprofundado: a relação direta dos grandes coronéis da região

guerra do contestado e escravidão, ainda não te-

com a escravidão. Não resta dívida de que os homens que deter-

nham sido examinados nas profundas relações

minavam os rumos políticos e econômicos da região, igualmente

que guardam entre si. Lembremos apenas que a

o fizeram no campo social com a propriedade escrava e, depois,

citada guerra tem seu início apenas 24 anos após a abolição da

foram capazes de reproduzir esta dominação no pós-escravidão.

escravidão no Brasil, esta ocorrida maio de 1888. Estamos falando

Citemos rapidamente dois exemplos. No dia do casamento do Cel.

de apenas uma geração separando os dois episódios.

Amazonas de Araújo Marcondes com D. Júlia Amazonas, os noi-

A escravidão no Brasil, e seus mais de 350 anos de história,

vos receberam de presente uma carta de alforria do sr. Joaquim

era sustentada basicamente pelo binômio propriedade da terra

Ventura de Almeida Torres para entregar a um de seus escravos.

e propriedade do escravo. A abolição da escravidão em 1888, se

Em Palmas, região do conflito, em seus último momentos D. Ana

por uma lado libertava os indivíduos do jugo de seus senhores,

Maria Duarte, viúva de Ignácio Fernandes, deixou como sua última

mantinha-os fortemente presos a estes pela impossibilidade

vontade libertar seus escravos Efigênia, Eufrásia, Damásio, Bene-

quase que total da posse da terra. Como nos diz muito bem José

dito, Antonio e Maria, legando-lhes terras e campos.

de Souza Martins: quando o trabalho é escravo a terra pode ser

Não precisamos aqui, e nem temos espaço para isso, desdobrar

livre; quando o trabalho é livre a terra tem de ser cativa. Dito

o quanto a região do Contestado e seus representantes guardam

de outra forma, a libertação expressa na Lei Aurea era incapaz

de relação com a escravidão. O que precisamos agora é fazer as

de modificar relações sociais de poder estabelecidas no Brasil

perguntas necessárias para entender os desdobramentos históri-

ao longo de vários séculos e reproduzida em grande parte da

cos da escravidão na própria formação da região do Contestado e

região do Contestado.

as leituras sócio-políticas e econômicas que decorrem disto.

O Trabalhador do Contestado | Sindaspisc | 31


Opinião

O trabalhador do Contestado: uma história que não é contada nas escolas Histórias contadas. Trabalhadores unidos, fazendo política, resgatando histórias passadas e construindo o futuro. Assim passaram-se os três dias do VII Congresso Estadual do Sindaspi/SC

por Marcela Cornelli Jornalista www.desacato.info

U

ma região, uma cidade, entre dois estados, que

garquias da época. Foi neste intuito de valorizar o passado

já foi palco de muitas disputas, lendas, históricas

e contextualizar com o presente que o Congresso aconteceu

batalhas. Histórias de gentes simples contadas

com a participação dos trabalhadores da sua base, além de

por verdadeiros artistas da região. Trilhos de trem

convidados e palestrantes, reunidos em três dias de intensos

que contam histórias do passado e do presente.

debates que culminou no último dia com a discussão e elabo-

Uma acolhida. Erva mate. Uma parada para ver as paisagens

ração da carta do Congresso e do plano de lutas que embasará

com suas lindas e majestosas araucárias, muitos museus, fo-

as atividades do Sindaspi/SC para os próximos períodos.

tos, personagens, objetos que lembram quem por ali passou.

Na pauta das palestras, temas de grande e importância

As ruínas de um antigo cinema. Casas velhas. Gentes novas.

por momentos históricos e passagens da Guerra do Contes-

Uma mistura de homens e mulheres, caboclos, professores,

tado sempre contextualizando com a luta e os enfrentamen-

contadores de história e as muitas cucas feitas por mulheres

tos dos trabalhadores de hoje como: Aspectos Históricos do

da terra. Muita, mas muita cultura. Luta pela terra. Histórias

Trabalhador do Contestado; Relações de Trabalho e Escravidão

contadas. Trabalhadores unidos, fazendo política, resgatando

no Contestado; Heranças do Contestado no Desenvolvimento

histórias passadas e construindo o futuro. Assim passaram-se

Regional, entre outros.

os três dias do VII Congresso Estadual do Sindaspi/SC, realiza-

A parte cultural do Congresso também foi um ponto forte

do em Canoinhas, no Planalto Norte do Estado, divisa com o

com feira de artesanatos, danças típicas, contadores de histó-

Paraná e palco da guerra do Contestado.

rias, poesias, sempre com a participação intensa da categoria,

Daí o temário que envolveu os dias e noites do Congresso: “Os

Nas muitas palestras e debates ficou claro que ainda hoje

trabalhadores do Contestado”. Trabalhadores de todo o Estado,

no país a exploração dos trabalhadores pelos patrões, repres-

se misturando aos descendentes dos caboclos que ali lutaram há

são e a luta pela terra são a herança maldita do capitalismo

100 anos. Isso mesmo, a Guerra do Contestado completou 100

que permanece e mais do que nunca precisam ser combatidas

anos, umas das mais importantes lutas de resistência pela terra

pela classe trabalhadora.

do país, mas pouco se sabe de suas gentes e sua história.

O Sindaspi/SC está de parabéns pela coragem de levar este

Da luta pela terra, das mortes, da repressão aos trabalha-

tema para seus trabalhadores. De mostar que as lutas especí-

dores e camponeses. Da exploração das multinacionais e oli-

ficas da categoria são sim importantes, mas estão interligadas

32 | Sindaspisc | VII Congresso | Canoinhas 2014


MARCELA CORNELLI/DESACATO

com o macro, com as lutas históricas e as lutas presentes de outras classes de trabalhadores. Sem esta compreensão é impossível avançar na luta sindical unificada no Brasil. Por isso, o Sindaspi/SC está de parabéns pela escolha do tema e da região onde realizou o Congresso. Os dias em Canoinhas também foram marcados pela premiação do concurso de fotos e desenhos sobre o Contestado escolhidas para o calendário do sindicato de 2015 e a posse da nova coordenação da entidade. Em um grande clima de fraternidade entre os trabalhadores, de muitos ensinamentos sobre a nossa história, a história de Santa Catarina e a lutas dos verdadeiros donos de suas terras, campos e riquezas. Três dias de intenso aprendizado que

As lutas específicas da categoria são sim importantes, mas estão interligadas com o macro, com as lutas históricas e as lutas presentes de outras classes de trabalhadores. Sem esta compreensão é impossível avançar na luta sindical unificada no Brasil.

marcarão para sempre os que ali estavam. Parabéns Sindaspi/SC pela realização do VII Congresso. A luta e a solidariedade da classe trabalhadora se faz no dia a dia, e que este marco na história da entidade fique como exemplo para todos os que lutam por um mundo melhor, sem exploradores e oprimidos e pela unidade dos trabalhadores!

O Trabalhador do Contestado | Sindaspisc | 33


Troféu Sindaspi de fotografia

Retratos do Contestado Todos os anos o sindicato promove o Troféu Sindaspi de Fotografia buscando despertar o olhar dos participantes a tudo que envolve o dia a dia dos trabalhadores, ao coletivo, à colaboração mútua, estimulando o trabalhador a pensar a união como forma de alcançar um objetivo. Das imagens enviadas, são escolhidas 12 para compor o calendário anual do Sindaspi.

T

odos os anos o sindicato realiza o Troféu Sindaspi de Fotografia como uma forma de estimular a cultura e o pensar sobre assuntos importantes para a classe trabalhadora. O resultado dá origem a um calendário, que neste ano, além das fotografias, também contou com desenhos sobre o tema “Retratos do Contestado”, objetivando despertar o olhar sobre a Guerra do Contestado, que aconteceu entre os anos de 1912 e 1916, e está celebrando o seu centenário, além de instigar a curiosidade e refletir sobre este importante acontecimento na história de Santa Catarina. Buscamos resgatar a importância deste conflito histórico na vida dos trabalhadores e nos rumos de uma vasta

região do estado, visto que se trata de um dos primeiros movimentos “sindicalizados” no país, onde a desestruturação das relações de trabalho propiciou uma mobilização popular por melhores condições. As obras escolhidas referem-se às questões do Contestado sob diversos ângulos, onde a criatividade dos participantes provou o quanto a história está viva! Contemple as 12 obras escolhidas pela Comissão Julgadora: Historiadora Monique Latrônico de Souza, Jornalista Marcela Cornelli e o Jornalista e chargista Frank Maia. O Projeto Gráfico: André Jaime Lopes (Open Brasil) e a Produção Editorial: Jornalista Cristiane Mohr.

Aires Carmem Mariga

George Willians Caserta de Aguiar

Leontina das Graças da Silva Burghardt

Aires Carmem Mariga

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Hilda Muller

Bianca Nhalu Beli Gielgen

Nilson Otavio Teixeira

JosĂŠ Luiz Fontanella

Marcia Catarina Klein

Giovana Carolina Pereira Machado

Milene Zanella Capitanio

Andressa Graciani

O Trabalhador do Contestado | Sindaspisc | 35


Carta de Consciência

VII Congresso Sindaspi

O VII Congresso do Sindaspisc, realizado entre os dias 30 e 31 de outubro e 01 de novembro, na cidade de Canoinhas, reuniu trabalhadores de todo o estado de Santa Catarina. O esforço e o comprometimento de todos fez do congresso um grande exemplo de que o investimento em formação, seja de maneira educativa ou cultural, pode fortalecer e unir um sindicato de maneira ímpar. Esta carta tem por intenção trazer a público as deliberações deste encontro, que são fruto do debate realizado em torno do tema “O Trabalhador do Contestado”, o qual foi abordado de forma intensa por diferentes aspectos. Para nós congressistas, ficou claro como as minorias foram sempre segregadas da participação da cidadania no país, muitas vezes pelo próprio ordenamento jurí-

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dico existente. Através da compreensão do processo histórico pode-se evidenciar que nós brasileiros somos jovens democraticamente, e ainda precisamos evoluir em termos de consciência política, para não mais sermos suscetíveis a manipulações das mais diferentes fontes. O Contestado foi “uma luta de pobres contra ricos”. Observando as relações de poder, a imposição da vontade coronelista, a devastação do capital estrangeiro e a condição atual da região, pouco mudou para melhor. Se por um lado a opressão republicana da época impôs o massacre como única solução, hoje o esquecimento político e o modelo de desenvolvimento adotado na região causam estragos talvez ainda maiores.


CRISTIANE MOHR/SINDASPI-SC

A luta do caboclo do Contestado se equipara com a luta do trabalhador contemporâneo. A escravidão hora física, hoje se configura como mental e material, fruto das relações de trabalho concretas e do conteúdo simbólico que emana dessas relações. Os direitos antes negados na esfera social agora estão na esfera trabalhista e cultural. O espelho de toda uma região há cem anos reflete diretamente para ela mesma em 2014, onde um coronelismo disfarçado ainda tem presença marcante, impelindo ao trabalhador um sistema capitalista opressor que pouco mudou, baseado em um sistema de produção essencialmente extrativista. O VII Congresso dos Sindaspisc serviu de combustível para a maior e melhor organização do contexto sindical.

Os aprofundamentos no estudo das primeiras mobilizações de classe e o fervor da luta pelos direitos não respeitados, criaram uma corrente de entusiasmo que certamente refletirá positivamente nas demais ações do sindicato. Os trabalhadores assumem enfim, o compromisso de se tornarem uma espécie de educadores populares e contar a verdadeira história do Contestado, como ela realmente aconteceu e a importância que a mesma teve na vida não só da sociedade catarinense, mas da sociedade brasileira e até da história da humanidade.

Canoinhas, 1º de novembro de 2014.

O Trabalhador do Contestado | Sindaspisc | 37


Cidadania

Filie-se ao Sindaspi O sindicato é cada um de nós. Filie-se ao Sindaspi/SC e garanta seus direitos!

O

Sindicato é uma construção diária de resistência dos trabalhadores, um espaço que possibilita a organização da luta por melhores condições de salário e de trabalho e pela cidadania. Assim, é importante a participação de cada um, sindicalizando-se e contribuindo para o fortalecimento dessa instituição, que é sua. O Sindicato só existe pela participação.

Por isso, companheiro, é fundamental você se associar. Quanto mais trabalhadores lutarem juntos, mais possibilidades de conquistarmos as reivindicações da categoria. Também é importante ser filiado, porque legalmente, alguns juízes já defendem que somente o trabalhador filiado tem direto aos benefícios assinados nos Acordos Coletivos de Trabalho.

Preencha sua ficha de filiação no site ou a solicite através do e-mail: arrecadacao@sindaspisc.org.br

Sindicalizado você conta com uma série de vantagens. Veja:

www.sindaspisc.org.br Jurídico - Preocupado com o melhor atendimento ao

Convênios - O Sindicato está ampliando a disponibi-

associado, o Sindicato possui uma assessoria jurídica

lidade aos trabalhadores sindicalizados uma ampla

que atende aos trabalhadores nas áreas trabalhista e

rede de convênios que oferece desconto em diversos

cível geral, tanto nas questões relacionadas ao traba-

tipos de estabelecimentos, incluindo clubes, faculda-

lho quanto nas questões da vida pessoal.

des, academias e clínicas, entre outros. Consulte a sede de sua região para saber mais.

Saúde - O Sindaspi realiza diversas palestras para orientar os trabalhadores sobre as doenças ocupa-

Informação - A comunicação do Sindicato vem pas-

cionais, prevenção, formas de tratamento, relaciona-

sando por uma série de ajustes, com o objetivo de

mento com o INSS ou outras questões referentes à

informar a categoria da forma mais ágil e precisa

saúde. Seminários sobre a LER/Dort, estresse e ou-

possível. Estamos constantemente investindo para

tras doenças relacionadas ao trabalho, as formas de

melhorar a comunicação do Sindaspi com seus filia-

prevenção, inclusive com a demonstração de exercí-

dos. E agora, a informação chega também nas redes

cios de alongamento e relaxamento.

sociais!

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Faça sua denúncia - um canal aberto com seu sindicato O Sindaspi/SC, preocupado com o crescimento de DENÚNCIAS sobre falta de pagamento, descumprimento do acordo coletivo e das convenções, assédio moral, perseguição e desrespeito ao trabalhador criou um FORMULÁRIO PARA O TRABALHADOR preencher, e, viabilizar a solução para o problema enfrentado na sua empresa. O sindicato tem o dever de proteger seus associados, mas para se levar uma denúncia adiante, são necessárias diversas informações e até comprovações, que estão especificadas no formulário disponível no site (www.sindaspisc.org.br). O sindicato GARANTE SUA PRIVACIDADE. E, através deste formulário, a assessoria jurídica do Sindaspi poderá orientar os trabalhadores associados e tomar as medidas cabíveis para casa caso. Sendo assim, O SINDICATO ENTRA EM CONTATO COM A EMPRESA para verificar as irregularidades denunciadas e dependendo do andamento do processo, são realizadas campanhas de conscientização, atos em frente à empresa, e em alguns casos a denúncia é encaminhada à Superintendência Regional do Trabalho (SRT), Justiça do Trabalho e Ministério Público do Trabalho até que o caso seja esclarecido, e, tomadas as devidas providências até sua conclusão. É o Sindaspi sempre agindo em defesa dos direitos dos seus associados!

denuncie@sindaspisc.org.br

O seu canal direto e privativo com o seu sindicato!

O Trabalhador do Contestado | Sindaspisc | 39


Av. Mauro Ramos, 436 - Centro 88020-300 - Florian贸polis - SC (48) 3031-0901 sindaspisc@sindaspisc.org.br www.sindaspisc.org.br


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