Mahashakti

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A Mãe Mahashakti Sri Aurobindo

Tradução: Thalysia de Matos Peixoto Kleinert Luciana Franco Piva



Nota do Editor Esse livro é dedicado à Thalysia, cuja vida foi consagrada ao Divino, através de uma entrega incondicional e sincera e uma procura constante de realizar uma consciência mais elevada nos seus trabalhos e na sua dedicação e ajuda a outras almas, que se sentiram com sede da verdade e do amor divino. Somos gratos pela sua permanência aqui na Terra, espalhando as sementes luminosas do Mestre Sri Aurobindo e da Mãe em todos os cantos receptivos do País. (Thalysia faleceu em 3 de março de 2001 em São Paulo.)

Nota do Editor desta Edição Eletrônica Esta versão eletrônica faz parte de um trabalho de coleta, editoração e publicação na Internet da maior parte possível dos livros e textos de Sri Aurobindo e da Mãe traduzidos para o português até a presente data. O objetivo deste trabalho é o de divulgar e disponibilizar os ensinamentos destes grandes mestres do Yoga à qualquer pessoa interessada, colocando-os nas estantes virtuais da maior biblioteca que a humanidade já criou. Temos também a esperança de que, desta forma, muitas pessoas que ainda não conhecem estes ensinamentos venham a descobri-los e talvez utilizá-los em suas vidas, assim contribuindo com a aceleração da evolução da Consciência em nosso mundo. Agradecemos especialmente aos tradutores destas obras pelo seu grande trabalho e sua dedicação, e também a seus herdeiros e ao Sri Aurobindo Ashram, por permitirem que estes textos sejam publicados e distribuídos livremente no formato pdf. Brasil, outubro de 2014


O livro “A Mãe” – “A Mãe Divina” “The Mother” Considerado a Bíblia ou o Gita da Era de Sri Aurobindo, A Mãe é um livro seminal de ensinamentos. A maior parte do trabalho mostra o Quaternário das Manifestações de Mah-Shakti, a Suprema Divina MãePoder, no seu incessante trabalho pela divinização do homem. Estabelece as condições para evocar suas Graças para a elevação e a transformação da vida humana. As reflexões que Sri Aurobindo faz ao longo das páginas do “Arya” sobre o papel de Maheshwari, Mahakali, Mahalakshmi e Mahasaraswati na evolução desta Criação em direção à perfeição supramental são desenvolvidas aqui em toda sua riqueza. O restante do livro, com exceção da abertura, originalmente eram cartas. Descrevem a natureza do esforço que deve ser despendido pelo aspirante e a ação do Poder Divino que atua em resposta a este esforço. Escrito em 1927 e publicado pela primeira vez em 1928, este livro já foi editado e traduzido várias vezes. É possivelmente o mais lido e consultado dos livros de Sri Aurobindo.


ÍNDICE Capítulo I .............................................................................................................................................. 1 Capítulo II ............................................................................................................................................. 2 Capítulo III ............................................................................................................................................ 2 Capítulo IV ............................................................................................................................................ 3 Capítulo V ............................................................................................................................................. 4 Capítulo VI ............................................................................................................................................ 5 GLOSSÁRIO........................................................................................................................................ 12 SRI AUROBINDO ............................................................................................................................... 13


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Capítulo I Há dois poderes que podem realizar, em sua conjunção, a proeza grande e difícil que é o objetivo de nosso esforço: uma aspiração firme e incansável que clame de baixo e a Suprema Graça que responde do alto. Mas a Suprema Graça apenas agirá nas condições da Luz e da Verdade; ela não agirá nas condições que lhe são impostas pela Falsidade e pela Ignorância. Porque, se fosse submeter-se às exigências da Falsidade, ela frustraria seus próprios propósitos. Estas são as condições de Luz e Verdade, as únicas condições sob as quais a Força mais elevada descerá; e é apenas a Força mais alta supramental que, descendo do alto e abrindo-se em baixo, pode lidar vitoriosamente com a Natureza física e aniquilar suas dificuldades... Deve haver uma entrega total e sincera; deve haver uma abertura exclusiva ao Poder Divino; deve haver uma escolha constante e integral da Verdade que desce; uma constante e integral rejeição da falsidade dos Poderes e Aparências do mental, do vital e do físico, que ainda regem a Natureza-terra. A entrega deve ser total e abranger todas as partes do ser. Não é bastante que o psíquico responda e o mental mais elevado aceite, ou mesmo o vital interior se submeta e a consciência física interior sinta a influência. Não deve haver em nenhuma parte do ser, mesmo na mais externa, nada que se reserva, nada que se esconda atrás das dúvidas, confusões e subterfúgios, nada que se revolte ou se recuse. Se parte do ser entregar-se, mas outra parte reservar-se seguindo seu próprio caminho ou fazendo suas próprias condições, então, cada vez que isso acontecer, você estará empurrando para longe de si a Graça divina. Se você, por trás de sua devoção e entrega encobrir desejos, exigências egoístas e insistências vitais, se colocar essas coisas no lugar da verdadeira aspiração ou misturá-las com ela, tentando impô-las à Divina Shakti, então será baldado invocar a Graça divina para transformá-lo. Se você se abrir de um lado ou em parte à Verdade e por outro lado estiver constantemente abrindo os portões às forças hostis, será inútil esperar que a Graça divina permaneça consigo. Você deve conservar limpo o templo se quiser instalar lá a Presença viva. Se cada vez que o Poder intervier e trouxer a Verdade você virar-lhe as costas e chamar de novo a falsidade que foi expulsa, não será a Graça divina que deve ser acusada de falhar-lhe, mas a falsidade de sua própria vontade e a imperfeição de sua entrega. Se você chamar pela Verdade, e, contudo, algo dentro de si escolher o que é falso, ignorante e nãodivino, ou mesmo, simplesmente, não estiver querendo rejeitar estas coisas totalmente, então você sempre estará aberto a ataques e a Graça afastar-se-á de si. Descubra primeiro o que é falso ou obscuro em si e persistentemente rejeite-o, e só então poderá você, com razão, invocar o Poder divino para transformá-lo. Não imagine que a Verdade e a falsidade, a luz e a escuridão, a entrega e o egoísmo possam ser permitidos de conviverem na morada consagrada ao Divino. A transformação deve ser integral, e integral, portanto, a rejeição de tudo que se lhe opõe. Rejeite a falsa noção de que o Poder divino faça ou seja obrigado a fazer tudo por você segundo suas exigências, embora você não satisfaça as condições estabelecidas pelo Supremo. Torne sua entrega verdadeira e completa, só então tudo o mais será feito por você. Rejeite também a falsa e indolente expectativa de que o Poder divino faça ele mesmo a entrega por você. O Supremo exige a sua entrega, mas não a impõe: até que a transformação irrevogável venha, você é


2 livre a todo o momento, para negar e rejeitar o Divino ou para cancelar sua auto-doação, se estiver disposto a sofrer as consequências espirituais. Sua entrega deve ser genuína e livre; ela deve ser a entrega de um ser vivo, não de um autômato inerte ou de um instrumento mecânico. Uma passividade inerte é constantemente confundida com a real entrega, porém de uma passividade inerte nada verdadeiro e poderoso pode vir. É a inerte passividade da Natureza física que a deixa à mercê de toda influência obscura ou não-divina. Uma submissão alegre e forte e salutar é exigida para o trabalho da Força Divina, a obediência do discípulo iluminado da Verdade, do Guerreiro interior que luta contra a obscuridade e a falsidade, do fiel servo do Divino. Esta é a verdadeira atitude e apenas aqueles que possam assumi-la e conservá-la, preservam uma fé não abalável por desapontamentos e dificuldades e passarão pela provação para a vitória suprema e a grande transformação.

Capítulo II Através de sua Shakti, o Divino está por trás de toda ação, em tudo que é feito no universo, mas ele está velado por seu Yoga Maya e trabalha através do ego do Jiva na natureza inferior. No Yoga também, o Divino é o Sadhaka e o Sadhana. É sua Shakti com sua Luz, seu Poder, seu Conhecimento, sua Consciência, sua Ananda que age sobre o Adhara e, quando este se abre a ela, derramase sobre ele com suas forças divinas e torna possível o Sadhana. Mas enquanto a natureza inferior estiver ativa, o esforço pessoal do Sadhaka continua necessário. O esforço pessoal requerido é um triplo labor de aspiração, rejeição e entrega; uma aspiração vigilante, constante, incessante – a vontade da mente, a busca do coração, o assentimento do ser vital, a vontade de se abrir e tornar plásticas a consciência e a natureza física; a rejeição dos movimentos da natureza inferior, a rejeição das ideias, das opiniões, das preferências, dos hábitos, das construções mentais, para que o verdadeiro conhecimento possa encontrar campo livre na mente silenciosa - a rejeição dos desejos, das exigências, dos anseios, das sensações, das paixões, do egoísmo, do orgulho, da arrogância, da luxúria, da inveja, da hostilidade à Verdade, a fim de que a alegria e o poder verdadeiros possam derramar-se do alto em um vital calmo, amplo, forte e consagrado - a rejeição da estupidez da natureza física, das suas dúvidas, suas incredulidades, sua obscuridade, sua obstinação, sua mesquinharia, sua preguiça, sua má vontade em mudar, de seu Tamas; para que a verdadeira estabilidade da Luz, de seu Poder e Ananda se estabeleçam num corpo que se torna cada vez mais divino; a entrega de si mesmo e de tudo que se é e se tem, e de cada plano de consciência e de cada movimento ao Divino e à Shakti. À medida que a entrega e a autoconsagração progridem, o Sadhaka se torna consciente de que é a Shakti que faz o Sadhana, derramando-se cada vez mais sobre ele, para estabelecer nele a liberdade e a perfeição da Natureza Divina. Quanto mais este consciente processo toma o lugar de seu próprio esforço, mais rápido e verdadeiro torna-se o progresso. Mas este processo não pode substituir completamente a necessidade do esforço pessoal até que a entrega e a consagração sejam puras e completas, de alto a baixo. Note que uma submissão ‘tamásica’, que recusa cumprir as condições e exigências do Divino, chamando Deus para fazer tudo e livrá-lo das dificuldades e lutas, é uma ilusão que não leva à liberdade nem à perfeição.

Capítulo III Para caminhar pela vida, protegido de todo medo, perigo e desastre, duas coisas somente são necessárias, duas que estão sempre juntas – a Graça da Divina Mãe, e de sua parte, um estado interior composto de fé, sinceridade e entrega. Que sua fé seja pura, cândida e perfeita. Uma fé egoísta no ser mental e vital, manchada pela ambição, orgulho, vaidade, arrogância mental, vontade própria vital,


3 exigências pessoais, desejo por pequenas satisfações da natureza inferior, é uma chama baixa e esfumaçada que não pode arder em direção ao céu. Considere sua vida como se lhe tivesse sido dada apenas para o trabalho divino e para ajudar à manifestação divina. Não deseje nada a não ser a pureza, a força, a luz, a amplidão, a calma, a Ananda da consciência divina e sua insistência em transformar e aperfeiçoar sua mente, vida e corpo. Não peça nada, a não ser a Verdade supramental divina e espiritual, sua realização na terra, e em você, e em todos aqueles que são chamados e escolhidos, e as condições necessárias para sua criação e sua vitória sobre todas as forças opositoras. Que sua sinceridade e entrega sejam genuínas e inteiras. Quando você se der, que se dê completamente, sem exigência, sem condições, sem reserva, para que tudo em você possa pertencer à Divina Mãe e nada seja deixado para o ego ou dado a um outro poder. Quanto mais completa a sua fé, sua sinceridade e entrega, tanto mais a graça e proteção estarão com você. E quando a graça e proteção da Divina Mãe estão com você, o que existe que possa atingi-lo ou de quem você precisa ter medo? Até um pouco disto, leva-lo-á através de todas as dificuldades, obstáculos e perigos; cercado por sua presença total, você pode andar seguro em seu caminho, porque esse é o caminho dela, sem se preocupar com ameaça alguma, não afetado por nenhuma hostilidade, embora poderosa, quer deste mundo ou de mundos invisíveis. Seu toque pode mudar dificuldades em oportunidades, fracasso em sucesso e fraqueza em força resoluta. Porque a graça da Divina Mãe é a sanção do Supremo e cedo ou tarde seu efeito é certo, uma coisa decretada, inevitável e irresistível.

Capítulo IV O dinheiro é o sinal visível de uma força universal, e esta força, em sua manifestação na terra, trabalha nos planos vital e físico e é indispensável para a plenitude da vida exterior. Em sua origem e na sua ação verdadeira, ele pertence ao Divino. Mas como outros poderes do Divino, ele está delegado aqui e, na ignorância da Natureza inferior, pode ser usurpado para as satisfações do ego ou sustentado por influências ‘asúricas’ e pervertido em seus propósitos. É, sem dúvida, uma das três forças – o poder, a riqueza e o sexo – que exercem a mais forte atração sobre o ego humano e sobre o Asura e que mais geralmente são possuídas e usadas erradamente por aqueles que as detêm. Os que procuram ou guardam riquezas são, freqüentemente, mais possuídos por elas do que possuidores; poucos escapam completamente a uma certa influência distorcida, estampada nela como resultado de uma longa retenção e perversão pelo Asura. Por esta razão, a maior parte das disciplinas insiste num completo autocontrole, desapego e renúncia a toda escravidão, à riqueza e a todo desejo pessoal e egoísta por sua posse. Alguns até condenam o dinheiro e a riqueza e proclamam a pobreza e a indigência da vida como a única condição espiritual. Mas isto é um erro; deixa o poder nas mãos das forças hostis. Reconquistá-lo para o Divino, a quem ele pertence, e usá-lo divinamente para a vida divina, é o caminho supramental para o Sadhaka. Você não deve voltar-se com retraimento ascético contra o poder do dinheiro, os meios que ele proporciona e os objetos que consegue, nem nutrir um apego ‘rajásico’ por eles ou um espírito de escravizada autoindulgência relativo a suas gratificações. Considere a riqueza simplesmente como um poder a ser reconquistado para a Mãe e colocado a seu serviço. Toda riqueza pertence ao Divino e aqueles que a tem são depositários, não possuidores. Ela lhes pertence hoje, amanhã pode estar em outro lugar. Tudo depende de como eles desempenham o seu encargo enquanto ela está em seu poder, com que espírito, com que consciência fazem uso dela, para qual propósito. No seu uso pessoal do dinheiro, considere tudo que você tem, ou consiga ou produza, como sendo da Mãe. Não faça exigências, porém aceite o que recebe dela e use-o para os propósitos para os quais lhe foi dado. Seja inteiramente desapegado, inteiramente escrupuloso, exato, cuidadoso nos detalhes, um bom depositário; considere sempre, como propriedade dela e não sua própria, o que você está dirigindo. Por outro lado, o que você receber para ela, deposite religiosamente diante dela: não destine nada para seus propósitos ou de alguém mais.


4 Não avalie os homens por suas riquezas, nem se permita impressionar pela exibição, ou poder, ou influência. Quando pedir algo para a Mãe, você deve sentir que é ela que está exigindo através de você, um pouco daquilo que lhe pertence, e a pessoa a quem você pedir será julgada pela sua resposta. Se você se libertar da contaminação do dinheiro, porém sem qualquer retraimento ascético, você terá um grande poder em dirigir o dinheiro para o trabalho divino. Igualdade de mente, ausência de exigência e completa consagração de tudo que você possui e recebe e de todo seu poder de aquisição à Divina Shakti e seu trabalho, são sinais dessa liberdade. Qualquer perturbação da mente a respeito do dinheiro e de seu uso, qualquer relutância, qualquer má vontade, é um indício seguro de alguma imperfeição ou dependência. A este respeito, o Sadhaka ideal é aquele que, se for necessário viver pobremente, pode assim viver e nenhum senso de carência o afetará ou interferirá com a plenitude do jogo interior da consciência divina, e se tiver que viver ricamente, assim o fará, sem jamais, em nenhum momento, sucumbir ao desejo ou apego à sua riqueza ou às coisas que usa ou ao jugo da própria indulgência ou a uma passiva submissão aos hábitos que a posse das riquezas cria. A Vontade Divina e a Ananda Divina são tudo para ele. Na criação supramental, a força do dinheiro tem que ser restituída e usada para guarnecer e organizar de modo verdadeiro, belo e harmonioso uma nova e divinizada existência vital e física, qualquer que seja o modo decidido pela Divina Mãe, ela mesma, em sua visão criativa. Mas primeiro ele deve ser reconquistado para ela e para esta conquista os mais fortes são aqueles que, nessa parte de sua natureza, são firmes, vastos e livres do ego e entregues, sem nenhuma reivindicação, reserva ou excitação, puros e poderosos canais para o Poder Supremo.

Capítulo V Se você quiser ser o verdadeiro executor dos trabalhos divinos, seu primeiro objetivo deve ser o de ficar totalmente liberto de todo desejo e do amor próprio do ego. Toda a sua vida deve ser um oferecimento e um sacrifício ao Supremo: seu único objetivo na ação deve ser o de servir, de receber, de realizar, de tornar-se um instrumento manifesto da Shakti Divina em seus trabalhos. Você deve crescer na consciência divina até que não haja mais qualquer diferença entre sua vontade e a dela, nenhum motivo exceto o impulso dela em você, nenhuma ação que não seja a ação consciente dela em você e através de você. Até que seja capaz dessa identificação dinâmica completa, você deve considerar-se uma alma e um corpo criados para o serviço dela, alguém que faz tudo em função dela. Mesmo se em você a idéia do trabalhador independente for intensa e sentir que é você quem faz o ato, ainda assim ele deve ser realizado para ela. Toda ênfase de escolha egoística, toda ânsia de vantagem pessoal, toda exigência de atenção aos próprios desejos devem ser extirpados da natureza. Não deve haver nenhuma reclamação pelos frutos e nenhuma procura de recompensa: o único fruto para você é a satisfação da Mãe Divina e o cumprimento do trabalho dela, sua única recompensa, o progresso constante na consciência e na calma e na força e na felicidade divinas. A alegria do serviço e a alegria do crescimento interior através dos trabalhos são a recompensa suficiente do trabalhador despendido. Mas um tempo virá quando você sentirá cada vez mais que é o instrumento e não o trabalhador. Porque, primeiro, pela força de sua devoção, seu contato com a Mãe Divina se tornará tão íntimo que a todo tempo você tem apenas que se concentrar e colocar tudo em suas mãos para ter sua direção presente, seu comando ou impulso direto, a indicação segura da coisa a ser feita e o modo de fazê-los e o resultado. E depois, você perceberá que a Shakti Divina não só inspira e guia, mas inicia e executa seus trabalhos; todos seus movimentos são originados por ela, todos seus poderes são dela; mente, vida e corpo são instrumentos conscientes e cheios da alegria de sua ação, meios para seu jogo, moldes para sua manifestação no universo físico. Não pode haver condição mais feliz do que esta união e dependência; pois este passo levá-lo-á de volta à verdade de seu ser espiritual, à sua paz profunda e intensa Ananda, além da fronteira da vida de tensão e sofrimento na ignorância.


5 Enquanto esta transformação está sendo feita, mais do que nunca é necessário manter-se livre de toda contaminação das perversões do ego. Não deixe nenhuma exigência ou insistência insinuar-se para manchar a pureza da autodoação e do sacrifício. Não deve haver nenhum apego ao trabalho ou a seu resultado, nenhuma imposição de condições, nenhuma pretensão de possuir o Poder que deveria possuí-lo, nem orgulho do instrumento, nem vaidade, nem arrogância. Nada na mente ou nas partes vitais e físicas deve ser autorizado a desviar para seu uso a grandeza das forças que agem através de você, ou querer possuí-las para sua própria satisfação pessoal ou separada. Que sua fé, sua sinceridade, sua pureza de aspiração sejam absolutas e impregnem todos os planos e camadas do ser; então, todos os elementos perturbadores e todas as influências distorsivas progressivamente desaparecerão de sua natureza. O último estágio desta perfeição virá quando você estiver completamente identificado com a Mãe Divina e não se sentir mais como um ser separado e diferente, um instrumento, um servidor, ou um trabalhador, mas verdadeiramente como uma criança e uma parcela pura e eterna de sua consciência e de sua força. Ela estará sempre em você e você nela: será sua experiência constante, simples e natural, que todo seu pensamento, toda sua visão e sua ação, mesmo sua própria respiração ou movimento, provêm dela e são dela. Você saberá, verá e sentirá que é uma pessoa, um poder formado por ela, dentro de sua própria substância, emanado dela para o jogo, e portanto, sempre em segurança nela, ser de seu Ser, consciência de sua Consciência, força de sua Força, ananda da sua Ananda. Quando esta condição estiver completa e suas energias supramentais puderem movê-lo livremente, então você será perfeito em trabalhos divinos; o conhecimento, a vontade e a ação se tornarão seguros, simples, luminosos, espontâneos, impecáveis, um eflúvio do Supremo, um movimento divino do Eterno.

Capítulo VI Os quatro Poderes da Mãe são quatro de suas mais destacadas Personalidades, são parcelas e corporificações de sua divindade através das quais ela age em suas criaturas, ordena e harmoniza suas criações nos mundos e dirige o funcionamento de suas mil forças. Pois a Mãe é uma, mas se nos apresenta através de diferentes aspectos; muitos são seus poderes e personalidades, muitas as suas emanações e Vibhutis a realizar seu trabalho no universo. Aquela que adoramos como a Mãe é a divina Força Consciente que domina toda a existência, única e, entretanto, tão multifacetada que seguir seu movimento é impossível, mesmo para a mais rápida mente e para a mais livre e vasta inteligência. A Mãe é a consciência e a força do Supremo e encontra-se muito acima de tudo que ela própria cria. Contudo, algo de seus métodos pode ser visto e sentido em suas corporificações, de forma ainda mais compreensível, dado que são mais definidos e limitados o temperamento e a ação das formas da deusa em que ela consente manifestar-se a suas criaturas. Há três modos de ser da Mãe, dos quais podemos nos conscientizar quando se entra em relação de unidade com a Força Consciente que mantém o universo e nós. Transcendente, a Shakti suprema original encontra-se acima dos mundos e vincula a criação ao mistério sempre imanifesto do Supremo. Universal, a Mahashakti cósmica gera todos estes seres e contém e penetra, sustenta e conduz todos estes milhares de processos e forças. Individual, ela incorpora o poder desses dois modos de existência mais vastos, torna-os vivos e próximos de nós e medeia entre a personalidade humana e a Natureza divina. A Shakti transcendente original e única, a Mãe, encontra-se acima de todos os mundos e suporta em sua eterna consciência o Divino Supremo. Sozinha, abriga o Poder absoluto e a presença inefável. Contendo ou chamando as Verdades que devem ser manifestadas, ela as faz descer do Mistério, no qual estavam escondidas, para a luz de sua infinita consciência, dando-lhes uma forma de força em seu poder onipotente e em sua vida ilimitada, e um corpo no universo. O Supremo está para sempre manifesto nela como o eterno Sachchidananda, manifestado através dela nos mundos como a consciência única e dual de Ishwara-Shakti e como o princípio dual de Purusha-Prakriti, corporificado por ela nos Mundos e nos Planos e nos Deuses e suas Energias e formados por causa dela, como tudo o que está nos mundos conhecidos e em outros desconhecidos. Tudo é seu jogo com o Supremo; tudo é sua manifestação dos mistérios do Eterno, dos milagres do Infinito. Tudo é ela, pois tudo é parte e parcela da divina Força Consciente. Nada pode existir aqui ou em qualquer lugar que não o que ela decida e as sanções Supremas; nada pode assumir forma


6 exceto o que ela, movida pelo Supremo, perceba e forme depois de lançar sua semente em sua Ananda criativa. A Mahashakti, a Mãe universal, trabalha o que quer que lhe seja transmitido por sua consciência transcendente do Supremo e entra nos mundos que fez; sua presença preenche e suporta-os com espírito divino e com a força sustentadora e o deleite divinos sem os quais não poderiam existir. Aquilo que chamamos de Natureza, ou Prakriti, é somente seu aspecto executivo mais externo; ela conduz e arranja a harmonia de suas forças e processos, impele as operações da Natureza e movimenta-se entre elas, de forma secreta ou manifesta, em tudo o que pode ser visto ou vivenciado ou colocado em ação na vida. Cada um dos mundos nada mais é que um jogo da Mahashakti daquele sistema de mundos ou universo, que lá está como a Alma e a Personalidade cósmicas da Mãe transcendente. Cada um é algo que ela enxergou em sua visão, reuniu em seu coração de beleza e poder e criou em sua Ananda. Mas há muitos planos em sua criação, muitos passos da Shakti Divina. No ápice desta manifestação de que somos parte há mundos de existência, consciência, força e beatitude infinitas em que a Mãe coloca-se sem véu como o Poder eterno. Lá, todos os seres vivem e movem-se em inefável plenitude e imutável unidade porque ela os carrega em segurança em seus braços para sempre. Mais próximos de nós encontramse os mundos de uma criação supramental perfeita, nos quais a Mãe é a Mahashakti supramental, um Poder de Vontade divina e onisciente e Conhecimento onipotente, sempre aparentes em suas obras infalíveis e espontaneamente perfeitos em todos os processos. Lá, todos os movimentos são os passos da Verdade; lá, todos os seres são almas e poderes e corpos da Luz divina; lá todas as experiências são mares e enchentes e ondas de uma intensa e absoluta Ananda. Mas aqui, onde habitamos, estão os mundos da Ignorância, mundos em que a mente, a vida e o corpo encontram-se separados de sua fonte, em que a Terra é um centro significativo, cuja evolução é um processo crucial. Isso também, com toda sua obscuridade e luta e imperfeição, é sustentado pela Mãe Universal, isso também é impelido e guiado em direção à sua meta secreta pela Mahashakti. A Mãe, como Mahashakti deste mundo triplo da Ignorância, coloca-se em um plano intermediário entre a Luz supramental, a Verdade vida, a Verdade criação que precisa ser baixada para cá e esta hierarquia ascendente e descendente de planos de consciência que, como uma escada dupla, baixa à necessidade da Matéria e sobe novamente de volta através do florescimento da vida e da alma e da mente na infinitude do Espírito. Determinando tudo o que virá a ser neste universo e na evolução terrestre através do que ela vê e sente e dela despeja-se, ela situa-se lá, acima dos Deuses, e todos os seus Poderes e Personalidades perfilam-se perante ela para agir e ela envia emanações deles para baixo, para estes mundos inferiores, para que intervenham, governem, batalhem e conquistem, para que liderem e girem os ciclos, para que dirijam as linhas totais e individuais das forças destes mundos. Essas Emanações são as muitas formas e personalidades divinas nas quais os homens a adoraram sob diferentes nomes ao longo dos tempos. Mas ela também prepara e molda, através desses Poderes e suas emanações, a mente e o corpo de seus Vibhutis, assim como prepara e molda a mente o corpo para os Vibhutis de Ishwara, para que ela possa manifestar no mundo físico, disfarçado pela consciência humana, algum raio de seu poder e qualidade e presença. Todas as cenas do teatro terrestre são como um drama, arranjado e planejado e atuado por ela, tendo os Deuses cósmicos por assistentes e ela mesma como velada atriz. A Mãe não só governa tudo do alto, como desce ao interior deste triplo universo inferior. De uma forma impessoal, todas estas coisas aqui, mesmo os movimentos da Ignorância, são ela própria em poder velado, e suas criações, em substância diminuída, são seu Corpo-Natureza e Força-Natureza. E eles existem porque, movidos pelos misteriosos fiat do Supremo para elaborar alguma coisa que estava lá nas possibilidades do Infinito, ela consentiu no grande sacrifício, colocando em si, como uma máscara, a alma e as formas da Ignorância. Mas, pessoalmente também, ela assentiu em descer aqui, dentro da escuridão, para que possa conduzi-la à Luz; dentro da Falsidade e do Erro, para que possa convertê-los em Verdade; dentro desta Morte, para que possa torná-la em Vida divina; dentro desta dor do mundo e suas tristezas e sofrimento obstinados, para que possa findá-los no êxtase transformador de sua sublime Ananda. Em seu grande e profundo amor por seus filhos, ela consentiu em vestir o manto desta obscuridade, condescendeu em suportar os ataques e as influências torturantes dos poderes da escuridão e da Falsidade, sujeitou-se a passar


7 através dos portais do nascimento que é uma morte, tomou sobre si as agonias e tristezas e sofrimentos da criação pois, só assim, parecia que esta poderia ser elevada à Luz e Alegria e Verdade e Vida eterna. Este é o grande sacrifício, algumas vezes chamado de o grande sacrifício do Purusha, mas muito mais profundamente, de holocausto de Prakriti, o sacrifício da divina Mãe. Quatro grandes Aspectos da Mãe, quatro de seus principais Poderes e Personalidades, colocaram-se à frente de sua direção deste Universo e em seu modo de conduzir o jogo terrestre. Um é sua personalidade de calma vastidão e de compreensiva sabedoria, de tranquila benignidade e compaixão inexaurível, de soberana e excelsa majestade e de grandeza preponderante. Um outro encarna seu poder de esplêndida força e paixão irresistível, seu ânimo guerreiro, sua vontade dominadora, sua impetuosa velocidade e força de abalar o mundo. Um terceiro é vívido e doce e maravilhoso, com seu profundo segredo de beleza e harmonia e ritmo delicado, sua opulência intrincada e sutil, sua atração arrebatadora e graça dominante. O quarto é provido de sua capacidade oculta e profunda de conhecimento íntimo e trabalho cuidadoso e impecável, e de perfeição exata e tranquila em todas as coisas. Sabedoria, Força, Harmonia, Perfeição são os vários atributos das Personalidades da Mãe, e são estes poderes que elas trazem consigo para o mundo, que manifestam num disfarce humano em seus Vibhutis e são encontrados em grau divino na ascensão daqueles que podem abrir sua natureza terrena à direta e viva influência da Mãe. Aos quatro damos os quatro grandes nomes:  Maheshwari  Mahakali  Mahalakshmi  Mahasaraswati A imperial MAHESHWARI está sentada na amplidão situada acima da mente e da vontade pensantes, sublimando e engrandecendo-as, transformando-as em sabedoria e vastidão ou inundando-as com um esplendor superior a elas. Pois ela é Aquela poderosa e sábia que nos abre para as infinitudes supramentais e as vastidões cósmicas, para a grandiosidade da Luz suprema, para a caixa-forte e miraculoso conhecimento, para o imensurável movimento das forças eternas da Mãe. É tranquila, e maravilhosa, grandiosa e calma para sempre. Nada consegue perturbá-la porque toda sabedoria está nela, nada está escondido para ela caso ela escolha saber; ela abrange todas as coisas e todos os seres e sua natureza, e o que os move, e a lei do mundo e seus tempos, e como tudo foi, e é, e deverá ser. Sua força é tal que tudo enfrenta e domina, e no fim nada pode prevalecer contra sua vasta e intangível sabedoria e seu elevado e tranquilo poder. Equânime, paciente e inalterável em sua vontade, ela lida com os homens de acordo com sua natureza e com as coisas e acontecimentos de acordo com a Força e a verdade que está neles. Não é parcial com nada nem ninguém, somente segue os decretos do Supremo, elevando alguns e outros baixando ou afastando dela, colocando-os na escuridão. Aos sábios ela dá sabedoria ainda mais grandiosa e luminosa; aqueles que têm visão ela admite em seus conselhos; aos hostis ela impõe a conseqüência de sua hostilidade; os ignorantes e tolos ela guia de acordo com sua cegueira. Em cada homem ela responde, lidando com os diferentes elementos de sua natureza de acordo com a necessidade e o anseio e o retorno adequado, pressionando-o se preciso for, ou deixando-o com sua querida liberdade para prosperar nos caminhos da Ignorância ou perecer. Pois ela está acima de tudo, nada a constrange, a nada neste universo ela se apega. Ainda assim, mais que ninguém tem ela o coração da Mãe universal. Pois é infindável e inexaurível sua compaixão, aos seus olhos todos são partes de Um, até mesmo o Asura, o Rakshasa e o Pisacha e os revoltados e hostis. Mesmo suas rejeições são somente um adiamento, mesmo suas punições são uma graça. Contudo, sua compaixão não cega sua sabedoria ou desvia sua ação do curso decretado; pois a Verdade das coisas é seu único interesse, o conhecimento o seu centro de poder, e trazer nossa alma e natureza à Verdade divina sua missão e labuta. É outra a natureza de MAHAKALI. Não vastidão, mas estatura; não sabedoria, mas potência e força são seus poderes peculiares. Há nela uma esmagadora intensidade, poderosa paixão ou força de realização, uma divina violência arremetendo-se para estilhaçar todos os limites e obstáculos. Toda sua divindade extravasa


8 em um esplendor de tempestuosa ação; ela está presente na velocidade, no processo imediatamente eficaz, no golpe rápido e direto, no assalto frontal que leva consigo tudo que se apresenta perante ele. Para o Asura, terrível é sua face; perigosa e implacável sua disposição para quem odeia o Divino. Pois ela é a Guerreira dos Mundos que nunca se esquiva da batalha. Intolerante com a imperfeição, lida rudemente com tudo aquilo que relute no homem e é severa com tudo que seja obstinadamente ignorante e obscuro; sua ira é imediata e horrenda contra a perfídia e a falsidade e a malignidade; a má vontade é imediatamente açoitada por seu chicote. Não suporta a indiferença, a negligência e a preguiça para com o trabalho divino e desperta com aguda dor, se necessário for, o dormidor extemporâneo e o ocioso. Os impulsos que são rápidos, diretos e francos; os movimentos abertos e absolutos; a aspiração cuja chama se intensifica são todos movimentos de Mahakali. Seu espírito é indômito, sua visão e vontade são sublimes e de longo alcance, como o voo de uma águia, seus pés são rápidos na trilha ascendente e suas mãos estendidas para golpear ou socorrer. Pois é também ela a Mãe, seu amor é tão intenso quanto sua ira, e possui profunda e apaixonada bondade. Quando lhe é permitido intervir com toda sua força, em um átimo se despedaçam, como objetos sem consistência, os obstáculos que imobilizam ou os inimigos que assaltam o buscador. Se sua raiva é terrível para o hostil e a veemência de sua pressão dolorosa para o fraco e tímido, ela é amada e adorada pelos grandiosos, fortes e nobres, pois estes sentem que os golpes dela atingem aquilo em seu material que é rebelde, transformando-o em força e perfeita verdade, martelam o que é deturpado e perverso, endireitando-o, e expulsam o que é impuro ou defeituoso. Mas para ela, o que é feito em um dia poderia ter levado séculos; sem ela, a Ananda poderia ser ampla e grave, ou suave e doce e maravilhosa, mas perderia a flamejante alegria de suas intensidades mais absolutas. Ao conhecimento ela confere poder conquistador, dá à beleza e à harmonia um movimento crescente e elevado e concede ao vagaroso e difícil trabalho pela perfeição um ímpeto que multiplica o poder e encurta o longo caminho. Nada menos que os êxtases supremos, as mais elevadas alturas, as mais nobres metas, as mais amplas vistas podem satisfazê-la. Portanto, com ela está a vitoriosa força do Divino e é pela graça de seu fogo e paixão e velocidade que grandes realizações são alcançadas agora, em vez de no futuro. Sabedoria e Força não são as únicas manifestações da suprema Mãe; existe um mistério mais sutil de sua natureza, sem o qual a Sabedoria e a Força seriam incompletas e a perfeição não seria perfeita. Acima delas encontra-se o milagre da beleza eterna, um imensurável segredo de divinas harmonias, a cativante magia de irresistíveis encantos e atração universais que une as coisas, forças e pessoas e as mantém juntas, obrigando-as a encontrar e unir-se para que uma Ananda oculta possa brincar por trás do véu e transformálas em seus ritmos e figuras. Esse é o poder de MAHALAKSHMI e nenhum outro aspecto da Divina Shakti é mais atraente ao coração dos seres encarnados. Maheshwari pode parecer excessivamente calma e grandiosa e distante para a pequenez da natureza terrestre aproximar-se dela ou contê-la; Mahakali, excessivamente veloz e formidável para ser suportada por sua fraqueza; mas todos se voltam com alegria e anseio a Mahalakshmi. Pois ela lança o feitiço da inebriante doçura do Divino: estar próximo a ela é uma profunda felicidade e senti-la dentro do coração é transformar a existência em enlevo e maravilha; graça e encanto e ternura fluem dela como a luz flui do sol e onde quer que ela pouse seu maravilhoso olhar ou mostre o encanto de seu sorriso, a alma é capturada e cativada e mergulhada em profundezas de insondável beatitude. Magnético é o toque de suas mãos e sua oculta e delicada influência refina a mente e a vida e o corpo e de onde ela toca os pés fluem miraculosas correntes de arrebatadora Ananda. E entretanto não é fácil atender às demandas desse encantador Poder ou manter sua presença. A harmonia e a beleza da mente e da alma, harmonia e beleza de pensamentos e de sentimentos, harmonia e beleza em todos os atos e movimentos externos, harmonia e beleza da vida e do ambiente, essas são as exigências de Mahalakshmi. Onde existir afinidade com os ritmos da secreta beatitude do mundo, resposta ao chamado da Toda-Beleza, consonância e unidade e o alegre fluxo de muitas vidas dedicadas ao Divino nessa atmosfera ela consente em habitar. Contudo, tudo o que é feio e mesquinho e vil, tudo o que é pobre e sórdido e esquálido, tudo o que é brutal e grosseiro repele seu advento. Aonde o amor e a beleza não existem ou relutam em brotar, ela não vai; de onde eles estão misturados com coisas mais indignas e por elas desfigurados, ela logo se volta para partir ou lá não se preocupa muito em despejar suas riquezas. No coração dos homens, caso se veja cercada por egoísmo e ódio e ciúme e malignidade e inveja e discórdia, caso a perfídia e a cobiça e a ingratidão estejam mescladas no cálice sagrado, se vulgaridade de paixão e desejo bruto degradam a devoção, em tal coração a graciosa e linda Deusa não se demora. É tomada por um


9 desgosto divino e retira-se, pois não é dela insistir ou esforçar-se; ou, velando sua face, espera que esses elementos amargos e venenosos do demônio sejam rejeitados e desapareçam, antes de fundar renovada sua feliz influência. Nudez ascética e crueza não a agradam, como tampouco a repressão das emoções mais profundas do coração e a repressão rígida das parcelas de beleza da alma e da vida. Pois é através do amor e da beleza que ela deita nos homens o jugo do Divino. A vida transforma-se, em suas supremas criações, em uma rica obra de arte celestial e toda existência em um poema de deleite sagrado; as riquezas do mundo são reunidas e arranjadas para uma ordem suprema e até mesmo o que há de mais simples e comum é transformado em maravilha por sua intuição de unidade e pelo alento de seu espírito. Quando admitida ao coração, ela eleva a sabedoria aos pináculos da maravilha e revela-lhe os segredos místicos do êxtase que sobrepuja todo conhecimento, leva a devoção a encontrar-se com a apaixonada atração pelo Divino, ensina à força e ao poder o ritmo que proporciona harmonia e proporção à pujança de seus atos e lança à perfeição o feitiço que a faz perdurar eternamente. MAHASARASWATI é o Poder de Trabalho da Mãe e seu espírito de perfeição e ordem. É a mais jovem dentro as Quatro, a mais hábil em faculdade executiva e a mais próxima à Natureza física. Maheshwari determina as linhas gerais das forças do mundo, Mahakali impulsiona sua energia e ímpeto, Mahalakshmi descobre seus ritmos e medidas, mas Mahasaraswati governa os detalhes de sua organização e execução, as relações entre as partes e a efetiva combinação de forças, e a infalível exatidão de seu resultado e realização. A ciência e a perícia e a técnica das coisas são a província de Mahasaraswati. Guarda sempre em sua natureza, podendo ofertá-los aqueles por ela escolhidos, o conhecimento íntimo e preciso, a sutileza e a paciência, a precisão da mente intuitiva, e a mão consciente e olho consciencioso do trabalhador perfeito. Esse Poder é forte, incansável, cuidadoso e eficiente construtor, organizador, administrador, técnico, artesão e classificador dos mundos. Quando ela inicia a transformação e a nova construção da natureza, sua ação é laboriosa e minuciosa e freqüentemente parece, à nossa impaciência, lenta e interminável, porém é persistente, integral e impecável. Pois a vontade em suas obras é escrupulosa, vígil, infatigável; inclinando-se sobre nós ela percebe e toca cada pequeno detalhe, encontra qualquer minúsculo defeito, defasagem, distorção ou incompletude, considera e pesa precisamente tudo o que já foi feito e o que ainda necessita ser feito. Nada é demasiado pequeno ou aparentemente trivial para sua atenção; nada, por mais impalpável, ou dissimulado ou latente, pode escapar-lhe. Moldando e remoldando, elabora cada parte até que alcance sua forma, seja colocada em seu local exato no todo e atenda seu propósito preciso. Em seu constante e diligente arranjo e rearranjo das coisas, sua atenção está simultaneamente em todas as necessidades e na forma de satisfazê-las, e sua intuição sabe o que escolher ou rejeitar e com êxito determina o instrumento correto, o momento correto, as condições corretas e o processo correto. Desleixo e negligência e indolência ela abomina; todo trabalho descuidado e apressado e desordenado, toda falta de jeito e “à peu prés” e ineficácia, toda falsa adaptação e mal uso de instrumentos e faculdades e coisas inacabadas ou deixadas pela metade são ofensivos e estranhos ao seu temperamento. Ao terminar seu trabalho, nada foi esquecido, nenhuma parte colocada no local errado ou omitida ou deixada defeituosa; tudo é sólido, preciso, completo e admirável. Nada menos que a perfeição a satisfaz e ela está pronta a enfrentar uma eternidade de labuta, caso necessário para a plenitude de sua criação. Portanto, de todos os poderes da Mãe, ela é quem mais longamente sofre com o homem e suas mil imperfeições. Bondosa, sorridente, próxima e prestativa, ela não é facilmente demovida ou desencorajada, insistente mesmo após repetidas falhas, sua mão sustenta-nos a cada passo, com a condição de que sejamos honestos em nossa vontade, francos e sinceros; pois uma mente dúbia ela não tolera e sua reveladora ironia é implacável com o drama e a histrionice e a auto enganação e o fingimento. Mãe para nossas necessidades, amiga em momentos de dificuldade, persistente e tranqüila conselheira e mentora, afugenta com seu sorriso as nuvens do desânimo e da impaciência e da depressão, relembrando sempre o eternamente presente auxílio, apontando o eterno brilho do sol, ela é firme, serena e perseverante no profundo e contínuo anseio que nos impele à integralidade da natureza superior. Toda a obra dos outros Poderes depende dela para sua completude, pois ela garante alicerces materiais, elabora a essência do detalhe e erige e rebita a armadura da estrutura. Existem outras grandiosas Personalidades da Mãe Divina que foram, entretanto, mais difíceis de serem trazidas a este plano e não se colocaram tão proeminentemente na evolução do espírito-terra. Dentre elas, há as que são Presenças indispensáveis para a realização supramental, acima de tudo uma, que é sua Personalidade dos misteriosos e profundos êxtase e Ananda que fluem do supremo divino Amor, a Ananda


10 que é a única a poder curar o hiato entre os mais elevados picos do supramental e os mais profundos abismos da Matéria, a Ananda que tem a chave para uma maravilhosa e mais divina Vida e que já sustenta, de seus recônditos, a obra de todos os outros Poderes do universo. Contudo, a natureza humana limitada, egoísta e obscura não é capaz de receber essas grandiosas Presenças ou de suportar sua poderosa ação. Somente depois que as Quatro tenham fundado sua harmonia e liberdade de movimento na mente, vida e corpo transformados é que aqueles outros Poderes mais raros conseguirão manifestar-se no movimento terrestre e a ação supramental tornar-se-á possível. Pois quando suas Personalidades estiverem todas nela reunidas e manifestas, e suas obras individuais forem transformadas em harmoniosa unidade e elas elevarem-se nela às sua divindade supramental, então a Mãe revela-se como a Mahashakti supramental e despeja suas transcendências luminosas do inefável éter. Somente então poderá a natureza humana transformar-se em natureza divina dinâmica porque todas as linhas elementares da Verdade-consciência e da Verdade-força supramentais estarão encordoadas em conjunto e a harpa da vida estará adequada aos ritmos do Eterno. Caso deseje esta transformação, coloque-se nas mãos da Mãe e de seus Poderes sem ardis ou resistência e deixe que ela faça seu trabalho em você sem obstáculos. Três coisas são necessárias: consciência, plasticidade e entrega incondicional. Pois precisa haver consciência em sua mente, alma e coração e em sua vida e mesmo nas células de seu corpo, todos conscientes da Mãe e de seus Poderes e sua obra; pois apesar de que ela pode trabalhar em você, e na verdade já o faz, mesmo na sua obscuridade e em suas partes e momentos inconscientes, não é a mesma coisa de quando se está em comunhão desperta e viva com ela. Sua natureza como um todo precisa ser plástica ao toque dela, sem questionar, como questiona a mente ignorante e autosuficiente, duvida e contesta e é a inimiga de sua própria iluminação e mudança; sem insistir em seus próprios movimentos, como o vital do homem insiste e persistentemente opõe seus desejos e má vontade obstinados à toda influência divina; sem obstruir e entrincheirar-se em incapacidade, inércia e tamas, como a consciência física do homem obstrui e aferra-se ao seu prazer na pequenez e escuridão, clamando contra todo e qualquer toque que perturbe sua rotina vazia ou sua obtusa indolência ou seu entorpecido sono. A entrega incondicional de seu ser interno e externo dará plasticidade a todas as partes de sua natureza; a consciência despertará em tudo em você pela constante abertura à Sabedoria e Luz, à Força, à Harmonia e Beleza, à Perfeição que fluem do alto. Até mesmo o corpo acordará e unirá por fim sua consciência, não mais subliminar, à Força supramental superconsciente, sentindo todos os poderes da Mãe permeando-o por cima, por baixo e ao redor, jubilando em supremos Amor e Ananda. Entretanto, coloque-se em guarda e não tente entender e julgar a Mãe Divina com a pequena mente mundana, que adora sujeitar até mesmo aquilo que está além dela às suas próprias normas e padrões, ao seu raciocínio tacanho e impressões errôneas, à sua insondável ignorância agressiva e ao seu mesquinho e autoconfiante conhecimento. A mente humana, trancafiada na prisão de sua obscuridade semi-iluminada, não consegue acompanhar a multifacetada liberdade dos passos da Shakti Divina. A rapidez e a complexidade de sua visão e ação ultrapassam a trôpega compreensão mental; as medidas de seu movimento não são as medidas da mente. Desnorteada pela rápida alteração das muitas diferentes personalidades da Mãe, por sua construção e destruição de ritmos, suas acelerações e retardações, suas variadas maneiras de lidar com o problema de um e de outro, tomando e abandonando ora esta linha, ora aquela outra, reunindo-as, a mente não conseguirá reconhecer o Poder Supremo em sua arrebatadora órbita ascendente, atravessando o labirinto da Ignorância em direção à Luz celestial. Em vez disso, abra para ela sua alma e contente-se em senti-la com a natureza psíquica e vê-la com a visão psíquica, as únicas a reagir diretamente à Verdade. Aí a própria Mãe iluminará, com os elementos psíquicos, sua mente e coração e vida e consciência física, revelando-lhes também seus caminhos e sua natureza. Evite também o erro da exigência que a mente ignorante faz de que o Poder Divino aja sempre de acordo com nossas noções cruas e superficiais da onisciência e da onipotência. Pois a mente clama por ser impressionada a cada momento por poder miraculoso e sucesso fácil e deslumbrante esplendor; de outra forma não consegue acreditar que o Divino esteja aqui. A Mãe lida com a Ignorância nos campos da Ignorância; ela lá desceu e não está inteiramente no alto. Parcialmente encobre e parcialmente revela seu conhecimento e poder, freqüentemente ocultando-os de seus instrumentos e personalidades e conclui-se que ela pode transformá-los em favor da mente que busca, do psíquico que almeja, do vital que batalha, da


11 natureza física que sofre aprisionada. Há condições estabelecidas por uma Vontade Suprema, há muitos nós embaraçados que é necessário afrouxar e que não podem ser abruptamente fracionados. O Asura e o Rakshasa dominam a natureza terrestre em evolução e devem ser enfrentados e conquistados sob seus próprios termos em seu próprio feudo e província, já há tanto conquistados; o humano em nós deve ser guiado e preparado para transcender seus limites e é demasiadamente fraco e obscuro para ser repentinamente alçado a uma forma muito além dele. A Consciência e a Força Divinas estão lá e fazem a cada momento aquilo que é necessário nas condições do trabalho, dão sempre o passo que foi decretado e moldam, em meio à imperfeição, a perfeição que está por vir. Mas somente depois de a supermente descer em você é que ela poderá trabalhar diretamente, como a Shakti supramental, com naturezas supramentais. Seguindo a mente, você não reconheceria a Mãe, mesmo se ela se manifestasse ante seus olhos. Siga a alma e não a mente, a alma, que é quem responde à Verdade, e não a mente, que se lança às aparências; confie no Poder Divino e ela libertará os elementos divinos em você, para depois moldá-los e transformá-los em uma expressão da Natureza Divina. A mudança supramental é algo decretado e inevitável na evolução da consciência da Terra; pois sua ascensão não é finda e a mente não é seu último pico. Mas para que a mudança possa vir, tomar forma e perdurar, é necessário que venha de baixo um chamado, em conjunto com uma vontade de reconhecer, e não negar, a Luz quando esta vier, e é preciso que venha de cima a sanção do Supremo. O poder que exerce a mediação entre a sanção e o chamado é a presença e o poder da Mãe Divina. Apenas o poder da Mãe, e não nenhuma empreitada ou tapasya humanas, pode despedaçar a tampa e dilacerar o invólucro e moldar o recipiente e baixar a este mundo de obscuridade e falsidade e morte e sofrimento a Verdade e a Luz e a Vida divinas e a Ananda imortal.


12 GLOSSÁRIO Adhara

Receptáculo; instrumento humano.

Ananda

Beatitude; êxtase, deleite espiritual; o princípio essencial da Alegria divina.

Asura

Ser hostil do vital mentalizado; o forte, o poderoso, Titã.

Ishwara – Shakti

Manifestação do Supremo na Consciência Única.

Jiva

O espírito individualizado que sustenta o ser vivo em sua evolução de nascimento para nascimento.

Prakriti

Ou Natureza, é o lado mais exterior de Shakti ou Força-Consciência que forma e move os mundos. Por trás está a viva Consciência e Força do Divino, a divina Shakti.

Purusha

Alma, o ser essencial que sustenta o jogo de Prakriti; a Consciência – ou um Consciente por trás, que é o senhor, a testemunha, o conhecedor, o que desfruta, o sustentáculo e a fonte de sanção dos trabalhos da Natureza.

Rajas

Uma das três qualidades ou modos da Natureza (Gunas); Rajas é a força em movimento; traduz-se pelo esforço e a luta, a paixão e a ação.

rajásico

De natureza de Rajas.

Rakshasa e Pisacha

Seres hostis do vital mentalizado.

Sachchidananda

A trindade da Existência (Sat), Consciência (Cit) e Deleite (Ananda); o único com um triplo aspecto.

Sadhaka

Aquele que pratica disciplina espiritual.

Sadhana

Método, sistema, prática de Yoga.

Shakti

Energia, Força, Vigor, Vontade, Poder; o Poder do Senhor auto-efetivo que se expressa nos trabalhos de Prakriti.

Tamas

Uma das três qualidades ou modos da Natureza (Gunas); o modo de ignorância; a força de inconsciência e inércia.

tamásica

Inerte, de natureza de Tamas.

Tapasya

Concentração da vontade para alcançar os resultados da Sadhana e conquistar a natureza inferior.

Vibhutis

Grandes espíritos que utilizam corpos humanos para se manifestar e atuar.

Yoga Maja

O Poder pelo qual o Divino criou o mundo e esconde sua realidade por trás dos fenômenos.

Nota do Editor:

As definições são baseadas no Glossário de Termos de Sri Aurobindo.


13 SRI AUROBINDO Sri Aurobindo nasceu em Calcutá, Índia, a 15 de agosto de 1872. Aos sete anos foi levado para estudar na Inglaterra. Muito cedo começou a escrever poesias e durante uma brilhante carreira acadêmica em St. Paul’s, Londres, e no King’s College, Cambridge, aprendeu e dominou completamente o inglês, o grego, o latim e o francês. O alemão, o italiano e o espanhol também lhe eram familiares. Estudou durante catorze anos na Inglaterra, onde adquiriu um profundo conhecimento da cultura europeia antiga, medieval e moderna. Em 1893, aos 21 anos, retornou à Índia, com uma completa educação ocidental. Começou então a procurar pela sabedoria e verdade do Oriente. Aprendeu o sânscrito e várias línguas indianas, e assimilou o espírito da civilização da Índia, em todos os seus aspectos. Passou treze anos em Baroda, a serviço administrativo e educacional para o Estado. Foram anos de aprendizado cultural e de atividades literárias, porém uma grande parte deste período passou-os em silenciosa atividade política. Em 1906 foi para Bengala assumir abertamente o comando do movimento revolucionário, que durante anos havia organizado em segredo. Ele foi o primeiro a publicar nas páginas de seu jornal “Bande Mataram” o ideal da completa independência da Índia. Três vezes processado por suas atividades, todas as vezes foi liberado por falta de provas. Finalmente, o Governo Britânico conseguiu prendê-lo e mantê-lo no cárcere durante um ano, entre 1908 e 1909. Foi nesse período que Sri Aurobindo passou por uma série decisiva de experiências espirituais que determinaram o curso de seu trabalho futuro. Liberado e certo do sucesso do movimento libertador da Índia, e respondendo a um chamado interior, Sri Aurobindo retirou-se do campo político e em 1910 viajou para Pondicherry, no sul da Índia, para devotar-se totalmente à sua missão espiritual. Depois de quatro anos de recolhimento, em 1914, ele começou a editar, em colaboração com sua discípula, Mirra Alfassa, que mais tarde se tornou conhecida como A Mãe, um jornal filosófico chamado “Arya”. Os mais importantes trabalhos seus – The Life Divine, The Synthesis of Yoga, Essay on the Gita e The Ideal of Human Unity apareceram pela primeira vez. Esses trabalhos compreendiam muito dos conhecimentos interiores adquiridos em sua prática de Yoga. Tendo reunido todas as verdades essenciais de experiências espirituais passadas, ele trabalhou por um método mais completo de Yoga, que pudesse transformar a natureza humana e divinizar a vida. Sri Aurobindo anteviu a possibilidade de uma vida divina na Terra e lutou por ela. Durante quarenta anos em Pondicherry permaneceu absorvido em seu trabalho espiritual, porém conservou-se a par de tudo o que estava acontecendo na Índia e no mundo. Quando necessário interferia, mas apenas com sua força espiritual e ação silenciosa. Seu trabalho espiritual tornou-se conhecido como “O Yoga Integral de Sri Aurobindo”, segundo o qual, como ele dizia: ‘Toda vida é Yoga’. Sri Aurobindo deixou seu corpo em 1950, aos 78 anos, contudo, sua visão e ideais ainda continuam a atrair a atenção de todos no mundo inteiro.


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