TRIDI 3
RELATÓRIO FINAL ROSANA ASFORA
Este relatório compõe a memória das atividades desenvolvidas na disciplina Expressão Tridimensional III, ministrada pelo prof. Cristiano Piton, no 1º semestre de 2019. São elas: 1. QUINQUILHARIAS 2. CINCO CONTO 3. DDD 4. SINTO 5. ESCULTURA FINAL Além destas atividades, também desenvolvemos um Mapa Mental; elaboramos e apresentamos um portfólio em sala de aula e fizemos um livro de artista contendo a memória das aulas, anotações, referências, pesquisas e tudo que fez parte do conteúdo do semestre.
1. QUINQUILHARIAS Esta atividade consistiu em 3 partes:
Escrita automática
Troca de objetos de desapego
Escultura de construção
No primeiro dia de aula fizemos um exercício de escrita automática. A atividade consistiu em escrever o que viesse à cabeça durante um período de 10 minutos. Passado esse tempo, deveríamos escolher 10 palavras que julgamos importantes no nosso texto. Depois, escolher apenas 3 entre as 10 palavras. A segunda parte da atividade foi trazer objetos que tenham ou tiveram algum valor sentimental em nossa vida, dos quais pudéssemos ou quiséssemos nos desapegar. Os objetos foram dispostos na mesa e, depois de os ordenarmos por forma, cor e função, cada um foi escolhendo o que queria e que achava que tivesse de acordo com seu tema (as 3 palavras). A última parte foi a escultura de construção, feita a partir do estímulo do texto que escrevemos e dos objetos coletados (trocados) em sala de aula.
ESCRITA AUTOMÁTICA Minha linha de pesquisa artística tem como temática a cidade de Salvador e suas transformações ao longo do tempo. A história da cidade de Salvador guarda alguma semelhança com minha própria história. Os portugueses, descobridores do Brasil vieram por mar e, seja acidentalmente ou para verificação de uma teoria de navegadores anteriores de que haveria terra por essa parte do mundo, eles toparam com o sul da Bahia. Pero Vaz de Caminha escreveu uma carta ao rei D. Manoel relatando as belezas da exuberante Mata Atlântica, dos animais, das aves, dos gentios que viviam por aqui. O choque cultural foi grande – os índios daqui ainda viviam na Idade da Pedra. No início Portugal não teve grande interesse no Brasil. Chegou a arrendar a terra por 3 anos para Fernando de Noronha, que extraía o Pau Brasil, usando a mão de obra indígena em troca de objetos de metal como facas e machados, que eram muito valorizados pelos índios. Posteriormente, devido ao contrabando do Pau Brasil pelos franceses, Portugal tentou a colonização pelo sistema de Capitanias Hereditárias. Como não estava dando certo, pois não havia como impedir as invasões francesas ao território, decidiu-se fundar o Governo Geral localizando a capital onde era a capitania da Bahia, por ser um ponto central no território. Tomé de Souza foi nomeado o primeiro Governador Geral, tendo como missão construir a cidade fortificada que seria a sede do governo. Para isso, teve ajuda de um náufrago que vivia entre os índios, na região onde hoje fica o Farol da Barra: Diogo Álvares, o Caramuru.
A cidade se desenvolveu e ao longo do tempo recebeu muitos imigrantes. Muitos vieram procurando uma oportunidade para sair de sua condição precária, fugindo de guerra em seus países, tentando um recomeço, lutando pela sua sobrevivência. A chegada pelo mar, com a vista da cidade pela Baía de Todos os Santos, sempre encantou visitantes e deu esperança aos imigrantes. Meus avós chegaram a Salvador pelo mar, da mesma forma que chegaram os descobridores, colonizadores, comerciantes, escravos e visitantes de séculos passados – é como se fosse um redescobrimento. A cidade acolheu minha família, que veio tentar melhorar de vida, e aqui eles criaram raízes. As 10 palavras escolhidas estão sublinhadas no texto. Dentre essas 10 palavras, escolhi 3. São elas:
Mar
Imigrantes
cidade
PENSANDO NA ESCULTURA A partir das palavras mar, imigrantes e cidade, pensei em fazer algo que poderia estar relacionado com o mar e com imigrantes. Primeiramente veio a ideia de um navio, um barco, velas, etc, pois o texto remete a períodos da história em que esses eram os meios de transporte entre continentes. Para caracterizar imigrantes espanhóis (minha ascendência por parte de pai), pensei em colocar no barco elementos da cultura espanhola, como a castanhola e o leque. Desta maneira, surgiu a ideia de fazer um barco com o casco sendo a metade de uma castanhola e a vela tendo o formato de um leque. A família da minha mãe veio da Palestina, terra dividida entre cristãos e muçulmanos. Os muçulmanos também dominaram a península ibérica por 700 anos e deixaram seu legado na arquitetura espanhola, principalmente no sul da Espanha. Os elementos decorativos do castelo de Alhambra, em Granada, deslumbram visitantes e inspiram artistas até hoje. Pensei em colocar no barco elementos decorativos da cultura árabe. Em 1492, ano em que Granada, último reduto dos árabes na península ibérica, foi reconquistada pelos espanhóis, Cristóvão Colombo, navegador genovês a serviço dos reis católicos pisou pela primeira vez no novo mundo. O barco será batizado com o nome “Salvador”. A palavra terá duplo significado: o próprio nome da cidade que acolheu meus avós imigrantes e também para ter o sentido de “salvar” esses imigrantes de sua condição anterior.
MATERIAIS ESCOLHIDOS (DENTRE OS MATERIAIS DE DESAPEGO DOS COLEGAS) O fato de ter pensado na escultura antes de escolher os objetos que fariam parte dela, facilitou a busca pelas formas e significados dos itens sobre a mesa. Minhas escolhas foram: um objeto em formato de concha pintado de preto, algumas cartas de baralho, uma espada em miniatura e um cubo de poliuretano. A ideia de misturar elementos das culturas espanhola e ĂĄrabe numa escultura que remete a um barco foi ganhando forma e os objetos escolhidos nĂŁo poderiam ter sido melhores.
OS ELEMENTOS DO BARCO O casco foi feito com a concha, que lembra a metade de uma castanhola, instrumento de percussão muito usado pelas mulheres nas danças folclóricas espanholas. Na lateral do casco, foi pintada a palavra “Salvador”.
Para a vela foram usadas as cartas de baralho dispostas em formato de leque, que é um outro símbolo da cultura espanhola. As cartas escolhidas têm o fundo decorado com arabescos – desenhos geométricos e decorativos bastante usados pela cultura árabe. Para o mastro foi usada a espada, outro elemento que lembra a cultura árabe.
A base da escultura foi feita com o cubo de poliuretano, que foi pintado de azul para representar o mar.
Escultura em construção
Objetos de referência
ESCULTURA DE CONSTRUÇÃO
2. CINCO CONTO A proposta para essa atividade foi: com apenas 5 reais em mãos, fazer uma visita às lojas da Carlos Gomes e largo 2 de Julho para comprar objetos para uma escultura. Objetos complementares não poderão ser usados. O trabalho tem que se limitar ao que for comprado. Na atividade Quinquilharias o estímulo para o trabalho foi a escrita automática. Neste trabalho, está presente o estímulo visual com a busca dos objetos. A ideia é fazer conexões cerebrais. Os objetos escolhidos foram: um pacote de palito de churrasco (R$ 2,90) e um pacote pequeno de cordão encerado (R$ 1,40), o que dá um total de R$ 4,30. Como ainda tem uma sobra de dinheiro, utilizei uma folha de papel A4.
Os limites da minha arte são e serão sempre pautados no respeito às outras pessoas, às suas histórias, suas crenças, suas culturas, etc. Decidi continuar com o tema da imigração e a história da minha família. Pensei em quais sentimentos essas pessoas que se afastaram dos seus países carregaram dentro de si nessa transição. Terminei por construir uma mala com os palitos e o cordão encerado e dentro dela fiz alguns leques de papel. Nestes leques, alguns sentimentos foram escritos:
Coragem para enfrentar os desafios de viver em uma cultura diferente da sua, aprender outra língua, etc.
Esperança de viver dias melhores, de ser aceito no país que escolheu viver.
Humildade para aceitar qualquer trabalho ou ajuda que lhe sejam oferecidos.
Sonhos de criar os filhos em condições melhores, de ter uma vida mais digna.
Fé para continuar lutando. Sem ela, muitos desistem pelo caminho.
Saudade das pessoas e dos lugares que deixou para trás.
ESCULTURA DE CONSTRUÇÃO
3. DDD (Dispositivo Deflagrador de Diálogo) É um trabalho mais livre. Cada um deve confeccionar pequenos objetos, em quantidade (acima de 30 unidades), que serão distribuídos em ação coletiva no Campo Grande.
Receber imigrantes é bom ou ruim?
Somos capazes de apontar algumas contribuições de imigrantes?
Quais foram as contribuições mais positivas?
Afinal, o que eles trouxeram na sua bagagem?
Pensando nessas questões, decidi fazer o trabalho do DDD voltado para o legado dos imigrantes. Inicialmente, imaginei trabalhar com contribuições que eles deram para o Brasil, quaisquer contribuições. Como o tema ficaria muito amplo, preferi trazer a abordagem para a Bahia e para as Artes Plásticas. Sendo assim, me propus a falar sobre artistas que imigraram para a Bahia e deixaram aqui a sua marca. Carybé foi o primeiro a povoar minha mente. Depois vieram alguns outros como Canizares, Eckenberger, Antonello L’abbate, Kennedy Bahia, Hansen Bahia e Pierre Verger.
Para que o trabalho não ficasse muito extenso, escolhi focar nos 4 artistas abaixo, cujos trabalhos se diferenciavam nas suas principais técnicas:
Carybé – produziu muitas aquarelas, painéis para paredes (pintura e azulejaria) e gradis.
Pierre Verger – a fotografia era sua vida.
Hansen Bahia – mestre gravurista.
Kennedy Bahia – encantou o mundo com sua tapeçaria.
Todos eles tiveram a cultura da Bahia como inspiração e temática para sua obra. A proposta seria, portanto, fazer algo com o objetivo de divulgar um pouco do trabalho desses estrangeiros, e falar um pouco sobre as contribuições que deram na divulgação da cultura baiana para o mundo. Por trás disso, quis passar uma mensagem muito sutil sobre xenofobia. Ao não aceitarmos estrangeiros em nosso país, podemos estar perdendo a oportunidade de termos pessoas que fazem a diferença. Uma nova malinha, feita de papel Paraná foi a proposta para abrigar uma pequena publicação com o título: “A Bahia pelo olhar do imigrante”. Além de mostrar algumas obras de cada um deles, a publicação contém uma mini bio dos quatro artistas escolhidos.
Materiais usados:
Papel Panamá
Papel para impressão
Sobras de papel de parede
Retalhos de tecido
Cola de silicone
Cola branca
Fita crepe
Tinta PVA preta, branca e dourada
Pedaço de tapete emborrachado
Rolo de fita na cor preta
Rolo de fita de Senhor do Bonfim
Régua
Estilete
Tesoura
Perfuradores
DDDs Na minha abordagem, me apresentava e dizia que tinha um presente para a pessoa. Ficavam desconfiados no início, mas depois das primeiras conversas relaxavam. Pude perceber que os homens são mais fechados que as mulheres. Na conversa, eu perguntava se conheciam alguns dos quatro artistas. Todos disseram conhecer Carybé, pelo menos de nome. Uma senhora disse que conhecia também Pierre Verger. Mas nenhuma das pessoas abordadas sequer tinha ouvido falar em Kannedy Bahia ou Hansen Bahia. Fiquei feliz em levar um pouco de conhecimento para cada uma das pessoas com quem conversei.
DDDs (a publicação lembra um leque)
4. SINTO O Sinto é um trabalho no qual podemos optar por Performance ou Intervenção Urbana. O local de apresentação também é o Campo Grande. Como o gradil que cerca o Campo Grande foi desenhada por Carybé (um dos imigrantes da minha publicação do trabalho anterior), resolvi que minha ação seria desenhar o gradil de Carybé e distribuir o desenho às pessoas no local. Participo do grupo Urban Skatchers Salvador, que são pessoas que se reúnem para desenhar a cidade. Logo, este tipo de performance já faz parte da minha rotina. Para manter uma ligação mais forte com o trabalho desenvolvido na disciplina ao longo do semestre, resolvi que os desenhos sairiam em forma de cartão postal. No período em que a maior parte dos imigrantes chegou ao Brasil (primeira metade do século 20), incluindo meus avós paternos e maternos, uma das formas de manter contato e dar notícias a parentes no país natal era através de cartas e cartões postais. Então, imprimi o verso do papel como um fundo de postal, acrescentando informações sobre o desenho a ser executado na frente. Utilizei papel Couchê brilhante, marcadores coloridos para o fundo e caneta Posca cinza para o gradil.
POSTAIS
5. TRABALHO FINAL Para fechar o ciclo dos trabalhos da disciplina com a temática dos imigrantes em Salvador, resolvi materializar um pouco dessa história em um formato que representa nossa cidade: o Elevador Lacerda. UM POUCO DA HISTÓRIA Este ícone da arquitetura de Salvador foi idealizado por Antônio de Lacerda, que era filho de um imigrante português. Com o objetivo de oferecer um meio de transporte rápido para pessoas e mercadorias entre a Cidade Alta e a Cidade Baixa, o elevador Hidráulico da Conceição (primeiro nome que recebeu), também apelidado de “Parafuso” teve sua construção iniciada em 1869. Quatro anos depois, no dia 08 de dezembro de 1873, foi inaugurado o primeiro elevador urbano do mundo. Muitas foram as dificuldades em sua construção, pois o fosso para descida das duas cabines foi escavado em rocha maciça. Em 1906, o elevador deixou de ser movido a vapor e passou a funcionar com eletricidade, e em 1930 foi ampliado e modernizado, ganhando a passarela, mais duas cabines e ganhando a volumetria que tem hoje.
Construí de forma simplificada um Elevador Lacerda em papel Panamá e nele trabalhei com colagem de fotografias que mostram um pouco da cidade na época que grande parte dos imigrantes chegaram, e também com fotografias que contam um pouco da história de imigrantes que fizeram de Salvador sua moradia e inspiração para sua arte. O trabalho tem um metro de altura. Imagino o impacto que deve ter causado nosso monumental Elevador Lacerda aos imigrantes que chegavam aos montes na primeira metade do século 20, vindos em navios lotados e desconfortáveis, e eram saudados por este majestoso monumento da cidade, fruto do sonho de um homem visionário. O investimento nunca se pagou, mas o criador terá seu nome para sempre eternizado pela sua criação. “... Ao Lacerda,
Símbolo e identidade da Cidade de Salvador Quem vê a figura da Torre Eiffel lembra-se de Paris; o Coliseu evoca Roma; as Pirâmides relembram o Egito; a estátua da Liberdade é inseparável de New York e quem no Brasil pensa na velha Bahia vê, além da Ladeira do Pelourinho dos tempos coloniais, o seu grande ‘Elevador Lacerda’ moderno e soberbo, que liga a cidade baixa à alta, testemunho singular de uma cidade que se moderniza.” (WILDBERGER, 1971, 94)
A ESCULTURA