Jornal de ciências sociais 8

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Realismo Racismo enquanto Fantástico categoria econômica O realismo fantástico brasileiro na obra de José Jacinto Veiga nos coloca frente a frente com as proibições impostas pelo capital. Página 14

Recuperar as análises de Eric Williams, especialmente de sua mais original contribuição – identificar os nexos causais entre a formação do capitalismo na Europa e a escravização em massa dos africanos nas Américas –, tem relevante importância para o entendimento do período de acumulação primeira do capital. Página 13

Sociais

Jornal de

Curso de Ciências Sociais - Centro Universitário Fundação Santo André - Ano III - N° 8

Ciências

Informação que não se vende

Bloco Eureca

Bloco EURECA empolgou os alunos e professores da Fafil, tocando e cantando o tema “Eureca pela verdade antes que o mundo acabe”. Página 2

Ex-presidente da UNE, Honestino Guimarães, que foi preso, torturado e assassinado pela didatura militar

Mini-cursos

1964: 50 ANOS DEPOIS

Semana de Ciências Sociais da Fundação Santo André abordou a ditadura militar brasileira 50 anos depois e contou com diversos palestrantes. P.2 - 11

Durante a Semana de Ciências Sociais da Fundação Santo André quatro mini-cursos foram ministrados abordando temas relativos à ditadura militar e suas consequências. Páginas 3 e 4

A luta armada

O combate armado durante o período da ditadura militar é algo que merece atenção. As atuações dos combatentes armados da ditadura, que lutaram pela democracia no país, foi o tema debatido pelo ex-militante da Aliança Libertadora Nacional (ALN) Manoel Cirilo. Página 5

Cinema e as Ciências Sociais Cine AbertaMente amplia o debate e o acesso ao cinema, promovendo atividades voltadas ao público em geral. Página 11


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Jornal de Ciências Sociais - nº 8 novembro de 2014

Editorial

Semana de Ciências Sociais

A 8ª edição do Jornal de Ciências Sociais apresenta os assuntos debatidos na Semana de Ciências Sociais 2014, ocorrida entre 22 e 27 de setembro, cujo tema foi “1964 - 50 anos depois - Novas e Velhas Lutas”. Não poderia tal evento ocorrer em momento mais propício, e esta publicação, por sua vez, não poderia vir em ocasião mais providencial: após o pleito que determinou a reeleição de Dilma Rousseff (PT) como presidente do Brasil. A disputa ocorreu contra Aécio Neves (PSDB), que se mostrou um péssimo perdedor. Ao mesmo tempo em que este editorial é escrito, milhares de pessoas ocupam a Avenida Paulista (SP) pedindo o impeachment da presidente eleita, recontagem dos votos e, mais aterrorizante, a intervenção militar. O retrocesso patente somente encontra justificativa na ignorância dos indivíduos envolvidos, de um lado, e os interesses nefastos de uma classe social dominante - em virtude de seu poder econômico e detenção capital dos meios de produção - de outro. É evidente que uma par-

cela dos que justificam seu repúdio ao Brasil atual no medo do que chamam - e acreditam saber do que se trata - comunismo, se baseia unicamente na desinformação. Pedem por democracia, sem perceber que a despem de significado com o teor da alternativa que propõem. São a mais pura massa de manobra. Outros “ismos” também tomam os gritos de ordem dos que bradam pela “mudança”, sem saber o que realmente buscam mudar e em favor de quem - nem se percebem na posição de prejudicados, pensam, antes, serem parte da elite que deveriam combater. (Esses outros “ismos”, pelo deslocamento anacrônico do discurso, nem merecem menção neste espaço). É em razão desta esquizofrenia social que se faz necessária uma publicação como o Jornal de Ciências Sociais. É imperativo que as classes prejudicadas, na figura de seus integrantes, se reconheçam como tal e repudiem os grilhões impostos pela estrutura capitalista - e não adorem as correntes que as limitam e, ainda por cima, nomeiem isso como liberdade.

Sociais

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Colaboraram nesta edição:

Fabiola de Carvalho Pereira Silva Mônica Silva Dias Talita Moura Paulino Mábia Oliveira Hosana Meira da Silva Tiago Candeias Braga Euller Felix da Silva Matheus H. Bonifácio Giulia Gonçalves Spada Nicolas Gonçalves Victor Monteiro dos Santos Ricardo A. de Melo Fernanda Jeane Leonel Ricardo A. de Melo Mábia Oliveira Lívia Xavier Francisco Quinteiro Pires

Jornalista Responsável Eduardo Kaze - MTB: 62857 Fundação Santo André Av. Príncipe de Gales, 821, bairro Príncipe de Gales Santo André - SP - CEP: 09060-870 Tel.: (11) 4979-3406 colegiado.sociais@fsa.br

Leia também no portal www.colegiadosociais.com Tiragem: 5.000 exemplares

O Jornal de Ciências Sociais é uma publicação do Colegiado de Ciências Sociais da Fundação Santo André, distribuído gratuitamente.

Abertura

Música e engajamento na Semana de Ciências Sociais

Fabiola de Carvalho Pereira Silva e Mônica Silva Dias Estudantes de Ciências Sociais da Fundação Santo André

A

brindo a Semana de Ciências Sociais 2014, o Bloco EURECA empolgou os alunos e professores da Fafil, tocando e cantando o tema “Eureca pela verdade antes que o mundo acabe”. Objetivando pensar maneiras de atender crianças e adolescentes em situação de risco social, o Projeto Meninos e Meninas de Rua, que nasceu em 1983, realiza seus atendimentos de forma comunitária e participativa em meio aberto, focado na defesa dos direitos da criança e do adolescente e denunciando as varias formas de repressão e violação de direitos que, apesar de todos os avanços que ocorreram com o ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente - Lei 8069/90), ainda estão longe de cessar. Visando garantir o protagonismo de crianças e adolescentes em todos os espaços de decisão e aliando a necessidade de se pensar novas formas de divulgar o ECA e denunciar as violações de direitos, nasceu em 1991 o Bloco EURECA (Eu Reconheço o Estatuto da Criança e do Adolescente), que há 23 anos realiza suas manifestações através de atividades lúdicas, formações políticas e eventos sociais e sai às ruas de São Bernardo para dar o primeiro grito de carnaval, estendendo-se hoje ao litoral (São Vicente), Campinas, Guarulhos e São Paulo (Sapopemba). Desde o inicio de suas atividades, o Bloco procura sensibilizar a comunidade local sobre a problemática da infância e adolescência no Brasil, promovendo encontros de formação sobre um tema especifico que é eleito entre os educadores(as), crianças e adolescentes. “EURECA pela verdade antes que o mundo acabe” foi o tema eleito para o carnaval de 2013, que vinculava o surgimento da Comissão Na-

Bloco EURECA empolgou os alunos e professores da Fafil

cional da Verdade à questão das diversas formas de violências cometidas contra crianças e adolescentes durante a ditadura militar até os dias atuais. A tortura foi indiscriminadamente aplicada no Brasil, não diferenciava idade ou sexo, condições físicas ou psicológicas das pessoas suspeitas de atividades revoltosas. Não se tratava apenas de produzir, no corpo da vítima, uma dor que a fizesse entrar em conflito consigo mesma e pronunciar o discurso que, ao favorecer o desempenho do sistema repressivo, sig¬nificasse sua sentença condenatória. Justificada pela urgência de se obter informações, a tortura visava imprimir à vítima a destruição moral pela ruptura dos limites emocionais que se assentam sobre relações efetivas de parentesco. Assim, crianças foram sacrificadas diante dos pais, mulheres grávidas tiveram seus filhos abortados, mulheres sofreram para incriminar seus companheiros. Pouco se fala dos meninos e meninas que ainda crianças conheceram o cárcere, foram fichados como terroristas, enquadrados pelo DOPS como “elementos subversivos solicitados para resgates”, “perigosos à segurança nacional” e banidos do Brasil durante o regime militar. Muitos cresceram com

prejuízos a sua participação pública e, mesmo submetidos a sucessivos tratamentos médicos, não conseguiram superar o transtorno diagnosticado como fobia social, a exemplo de Carlos Alexandre Azevedo que, com apenas 1 ano e 8 meses de idade, sofreu na pele a violência deste regime e aos 39 anos (no dia 18 de fevereiro de 2013), com uma overdose de medicamentos, se suicidou. Este é um caso emblemático, mas não é o único. Ainda nos dias atuais, crianças e adolescentes sofrem a repressão policial nas periferias, são agredidos e torturados dentro das delegacias e “fundações casa”. Seus direitos violados das mais diversas formas, que acabam sendo naturalizadas, por meio de ausência da educação publica de qualidade, alimentação, moradia e direitos básicos que constam no Eca e na Convenção Internacional dos Direitos da Criança. A Semana de Ciências Sociais foi encerrada ao som de Chico Buarque, Sérgio Sampaio, Caetano Veloso, entre outros. Rosana e Los Torinos apresentaram o show intitulado A MPB na ditadura, baseado em canções que marcaram e embalaram os sonhos de uma geração que não se curvou ao golpe militar. Uma geração que ousou lutar, ousou sonhar e ousou vencer!


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Semana de Ciências Sociais

Mini-curso

Clóvis Moura e o Caio Prado Jr. e os equívocos da combate a racismo esquerda no pré-64 Mábia Oliveira

Estudante de Ciências Sociais da Fundação Santo André

Talita Moura Paulino

Estudantes de Ciências Sociais da Fundação Santo André

Durante a Semana de Ciências Sociais 2014 - 1964: 50 anos depois novas e velhas lutas, realizou-se o mini-curso Os Intérpretes do Brasil e a ditadura militar, durante o qual pesquisadores abordaram as concepções de Clóvis Moura, Octavo Ianni, Fernando Henrique Cardoso e Caio Prado Júnior em relação à ditadura bonapartista que resultou do golpe de 1964. O mini-curso foi aberto com uma exposição sobre o pensamento do intelectual e militante Clóvis Moura, ministrada pelo pesquisador Weber Lopes Goes, historiador formado pela FSA e mestrando Ciências Sociais pela Unesp. O curso teve como finalidade abordar as análises centrais alcançadas pelo autor acerca da formação social do Brasil e da objetivação do racismo no pensamento conservador brasileiro. Em sua obra, Clóvis Moura refuta de modo geral a ideologia racista difundida por teóricos defensores de um projeto de nação no qual o negro recém “liberto” causava pânico à burguesia latifundiária brasileira forjada na estrutura escravista colonial, e deveria ser exterminado. Entre os teóricos racistas refutados por Moura encon-

tramos Nina Rodrigues,que, adepto da frenologia, estudou diversos crânios, entre eles o de Antonio Conselheiro, a fim de comprovar sua tese irracional que entende o negro como hereditariamente propenso ao crime, ao vicio e à vadiagem; Oliveira Viana, defensor da imigração européia, pois acreditava que através dela o Brasil poderia se arianizar; e Silvio Romero, que teorizou sobre a miscigenação do brasileiro com o imigrante europeu que garantiria o embranquecimento da nação. Ademais de combater tais concepções, Moura se ocupou em estudar as particularidades da formação social brasileira, concatenando o modo particular como se objetivou o modo de produção capitalista no país e o desenvolvimento do pensamento conservador expresso no racismo, demonstrando que a ideologia racista está a serviço da exploração de classe.

Para Ler:

Moura, Clóvis. Brasil: As raízes do protesto negro. São Paulo: Global, 1983. ___________ Sociologia do negro brasileiro. São Paulo: Ática, 1988. ___________ Dialética radical do Brasil negro. São Paulo: Anita, 1994.

S

ob a orientação do prof. Carlos Gasparini (UNIB), o mini-curso realizado no dia 24 de setembro destacou o pensamento de Caio Prado Jr., sua atuação política e a repercussão de suas ideias e análises contidas, sobretudo, no livro A Revolução Brasileira, publicado em 1966. Caio Prado Jr. foi essencialmente um crítico da linha teórica defendida e aplicada pela maioria da esquerda brasileira no período, especialmente o PCB (Partido Comunista Brasileiro). No tocante a esta questão devemos assinalar que nem a esquerda nacional, nem a internacional conheciam de fato a realidade brasileira; tanto a situação econômica, como a questão social e política eram ignoradas pelo Comitê Central em Moscou. As orientações levadas a cabo pelo PCB, baseadas em análises generalizantes e homogeneizadoras, resultavam de uma interpretação equivocada da realidade, importada de uma URSS stalinizada, e aplicadas sem quaisquer questionamentos por organizações que desconheciam os processos constituintes da sociedade que pretendiam modificar. Mas, como transformar a realidade se a entendemos de maneira equivocada? Toda teoria equivocada leva naturalmente a uma prática equivocada. Afinal qual é a origem desse equívoco? As orientações de Moscou eram forjadas numa Terceira Internacional Comunista sufocada pela atmosfera stalinista que impunha a teoria etapista (a qual determina que toda transformação social obedeça a certas etapas de desenvolvimento). Dessa teoria resulta o seguinte quadro: uma vez que no desenvolvimento histórico dos países europeus ocorreu respectivamente o primitivismo, o escravismo, o feudalismo, o capitalismo e posteriormente, em alguns países, o socialismo (ou pelo menos tentativas de alcançá-lo), esse mesmo processo deveria acontecer em outras nações, inclusive no Brasil, respeitando fielmente essas etapas.

Caio Prado Jr. afirmou que jamais houve qualquer rastro de feudalismo no Brasil

Segundo essa teoria mecanicista dos processos históricos, no Brasil encontravam-se restos do modo de produção feudal, carecendo, portanto de uma revolução burguesa, para a partir daí lutar por uma sociedade socialista. A própria esquerda nacional concebia o Brasil, e portanto suas tarefas, dessa maneira. Caio Prado Júnior combateu firmemente essa interpretação, e apesar de sua militância no PCB suas análises nunca reverberaram internamente no partido, só ressoando na esquerda, principalmente entre grupos dissidentes do Partidão após o golpe militar de 1964. Caio Prado Jr. argumentou insistentemente que no Brasil jamais houve qualquer rastro de feudalismo, e que as relações de trabalho no campo não eram e nunca foram feudais. Estas eram nada mais, nada menos que relações capitalistas de produção, uma vez que havia compra e venda da força de trabalho (assalariamento). As formas não plenamente capitaistas de tais relações eram resquícios do período escravista próprio do Brasil, jamais de um passado feudal. A mão de obra era composta por trabalhadores rurais que trabalhavam para um capitalista latifundiário de origem colonial, e não servos que realizavam trabalhos para senhores de origem feudal. Nosso autor critica, sobretudo, a posição tomada por uma esquerda que, segundo ele, parte de uma análise, de uma teoria equivocada, ao invés de partir das relações reais

e concretas da realidade brasileira. Nesse sentido, Caio Prado mostra que a esquerda pré-64 ficou a reboque da burguesia nacional, esperando que esta fosse um setor progressista que levaria a cabo sua própria revolução de forma independente em relação ao imperialismo. A esquerda esperava travar uma luta ao lado da burguesia contra os “latifúndios de origem feudal”. Uma leitura equivocada da realidade que vai custar caro, e dificultar posteriormente a reação ao golpe e ao estado repressor. Caio Prado foi um dos poucos a caracterizar a burguesia nacional como reacionária e subordinada ao capital internacional. Esse atrelamento, segundo nosso autor, acompanha a burguesia brasileira desde seu nascimento, inexistindo, portanto, uma burguesia que se contrapunha ao imperialismo. Considerar o contrário significaria cometer um grande equivoco teórico que iria comprometer toda ação posterior dos grupos que resistiram à ditadura militar. Caio Prado foi um crítico feroz da linha teórica assumida por grande parte da esquerda, que ele caracterizava como uma “esquerda de cúpula”, que não fazia trabalho de base, ou o fazia de maneira totalmente insuficiente, e reboquista (sobretudo da burguesia nacional).

Para Ler:

Prado Júnior, Caio. A Revolução Brasileira. São Paulo: Expressão Popular, 2000.


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Mini-curso

Semana de Ciências Sociais

A ditadura militar O politicismo em Fernando e a Amazônia Henrique Cardoso Hosana Meira da Silva

Tiago Candeias Braga

No dia 25/09, no mini-curso Interpretes do Brasil e o golpe de 64, o prof. Rodrigo Chagas (ex-aluno do curso de Ciências Sociais da FSA e professor da UFRR) abordou o sociólogo paulista Octávio Ianni e suas reflexões sobre o tema ditadura e Amazônia. Octávio Ianni (1926-2004) foi um dos sociólogos mais influentes do Brasil; fez parte da chamada “Escola Paulista de Sociologia”, cuja principal referência é Florestan Fernandes. Sua intervenção se inicia nos anos 50, atravessa toda a ditadura militar e o lento processo de transição do projeto imposto pelo golpe de 1964 aos governos civis. Tanto suas análises feitas s o b r e a d i t a d u r a m i l i t a r, quanto suas pesquisas sobre a Amazônia, devem ser contextualizadas em um quadrante mais amplo: a transformação do capitalismo brasileiro, cujos parâmetros principais de análise são a produção econômica e o poder político. Para Ianni, o estado foi sequestrado pelo capital monopolista, fato que ele evidencia ao analisar a intervenção da ditadura militar na região amazônica. O sociólogo se detém na análise do município de Conceição do Araguaia, mas suas análises abarcam 80 anos de história da luta pela terra; ao favorecer um recorte temporal mais amplo, Ianni retoma a fase na qual a Amazônia passa por seu maior surto econômico, a borracha (1840-1910). A questão para o autor se articula através da subordinação do campo a cidade, um dos processos centrais da transformação capitalista; os principais atingidos por esta transformação, que resulta

o dia 26/09 foi realizada a última aula do mini-curso da Semana de Ciências Sociais. A professora convidada, Maria Goreti J. Sobrinho, expôs o posicionamento teórico e político de Fernando Henrique Cardoso sobre a ditatura civil-militar brasileira. O presente artigo, longe de esgotar o assunto, buscará muito mais introduzir e reavivar o debate iniciado no mini-curso sobre o suposto abandono do passado de esquerda de FHC ao assumir a presidência e mostrar que suas concepções, dentro do arco da teoria da dependência, são concepções politicistas. Fernando Henrique Cardoso, seja na presidência ou nas suas dezenas de livros e artigos publicados, nunca viu na perspectiva do trabalho uma alternativa para o país. Para o sociólogo, a associação com o capital externo era o caminho por onde o país deveria passar inexoravelmente. Em seu trabalho de livre-docência Empresário industrial e desenvolvimento econômico no Brasil, Cardoso vê a burguesia nacional no período de Juscelino Kubitschek e João Goulart, devido à incipiente formação social do setor industrial, como uma força político-social não hegemônica frente aos segmentos tradicionais e que, indisposta a unir forças com as classes trabalhadoras, irá optar por associar-se ao capital internacional. Apesar desse posicionamento e frente ao contexto político-social do pré-64, a prof. Maria Goretti adverte que FHC ainda nutria algumas expectativas de inflexões levadas a cabo pelas massas urbanas; isto fica muito claro no fim de seu livro, quando o autor indaga sobre a capacidade dessas massas de “levar mais adiante a modernização política e o processo de desenvolvimento econômico do país. No limite a pergunta será então, subcapita-

Estudantes de Ciências Sociais da Fundação Santo André

Estudantes de Ciências Sociais da Fundação Santo André

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Octávio Ianni

na concentração de terras em prol do capital monopolista, são os posseiros e os índios, que são literalmente massacrados. Ianni apresenta o processo de contrarreforma agrária, orientado pela ditadura; esta, ainda que tenha criado um Estatuto da Terra (lei 4.504/1964) que previa uma reforma agrária e a colonização, realiza de fato apenas a última. A concentração da produção na agroindústria e na mineração pesada foi um dos pontos de apoio principais da política econômica a partir de 1964, ao lado do endividamento externo. Como Ianni demonstra, a partir da ditadura não é possível tratar o capitalismo no Brasil sem abordar a Amazônia.

Para Ler:

Ianni, Octavio. Ditadura e Agricultura. O desenvolvimento do capitalismo na Amazônia. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1979. A ditadura do Grande Capital. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira,1981. Origens Agrárias do Estado Brasileiro. São Paulo: Brasiliense, 1984.

Fernando Henrique Cardoso nunca viu na perspectiva do trabalho uma alternativa para o país

lismo ou socialismo?” A viabilidade de superação desaparece das páginas de Cardoso nas publicações posteriores a 1964, como o livro Dependência e desenvolvimento na América Latina. Partindo de um pressuposto weberiano, Cardoso atribui à esfera política uma relativa autonomia da estrutura dependente da América Latina. Cardoso ressalta que, mesmo em situação de dependência, os países latino-americanos não estavam fadados a um estagnacionismo, pois em algum momento – exemplificando com o Brasil no governo JK e na ditadura militar – os interesses internos podem coincidir com os do capital externo. Instaura-se nesse quadro um desenvolvimento dependente associado. O “jogo de poder” permite, para Cardoso, a utilização das condições econômicas de diferentes formas. Longe de negar a exclusão social, Fernando Henrique a coloca como algo natural na situação de dependência, entendendo que a contrapartida dessa exclusão é a modernização e desenvolvimento, dependendo apenas da lapidação e aperfeiçoamento do modelo político para garantir a devida distribuição desse desenvolvimento para os diferentes

grupos políticos. Como foi colocado no início deste artigo, a transformação pela perspectiva do trabalho nunca foi considerada por Fernando Henrique Cardoso, muito pelo contrário, o autor enxerga na política as vias de superação. Em outras palavras, vemos a política em seus escritos não como uma força social usurpada,mas sim como parte constitutiva do ser social. O suposto abandono de seu passado de esquerda se mostra aqui uma farsa, sendo que este autor nunca fez parte da esquerda e construiu sua teoria e práxis através de uma ótica liberal-burguesa.

Para Ler:

Cardoso, Fernando Henrique e Faleto, Enzo. Dependência e desenvolvimento na América Latina. Rio de Janeiro: Zahar, 1969. Chasin, José. “A sucessão na crise e a crise na esquerda”. In A miséria brasileira – 1964 -1994: Do golpe militar à crise social. Santo André: Ad Hominem, 2000. Cotrim, Ivan. O capitalismo dependente em Fernando Henrique Cardoso. Dissertação de Mestrado, Unicamp, 2001 (disponível em: http://www.bibliotecadigital.unicamp.br/ document/?code=vtls000228738)


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CONHECER E TRANSFORMAR O MUNDO. PARTICIPE DESSE DESAFIO N

um mundo em que as transformações econômicas, políticas e culturais têm sido tão constantes e profundas, são as Ciências Sociais que oferecem os meios mais ade-quados para a compreensão teórica das novas condi¬ções humano societárias, sua complexidade e instrumental teórico para a intervenção transformadora.

Pré-requisitos fundamentais Capacidade de investigação científico-social – observação, pesquisa e análise dos fenômenos sociais (políticos e econômicos) e o interesse pela renovação da sociedade. São esses os atributos de que necessita o Cientista Social, profissional que lida diariamente com os desafios do mundo contemporâneo, seus meandros históricos e as perspectivas de sua transformação. Demanda em alta Conforme um estudo do economista Naercio Menezes Filho, do Insper, nos últimos anos a carreira de Ciências Sociais registrou aumento de

salários, enquanto os salários pagos em carreiras com grande número de formados caíram (cf. o jornal Folha de São Paulo, em 08/09/2014, disponível em http://www1.folha.uol. com.br/mercado/2014/09/1512447) Além da já consolidada carreira de pesquisador e docente, uma ampla gama de atividades de planejamento, consultoria e pesquisas sociais são do universo do profissional de Ciências Sociais: Sociólogo (profissão reconhecida pela Lei 6.888, de 10/12/1980), Cientista Político ou Antropólogo. Há um crescente aumento das oportunidades de emprego para o profissional da área de Ciências sociais no ramo de projetos

na educação, saúde, transporte e na popularização das iniciativas de desenvolvimento sustentável. O curso de Ciências Sociais da Fundação Santo André prepara o estudante para exercer essas atividades, oferecendo o bacharelado integrado à licenciatura, necessária para atuar como professor no ensino médio e fundamental. Bolsas de estudo na FSA A Fundação Santo André oferece as seguintes bolsas de estudo: Programa de Extensão Científica Sabina: 162 bolsas - R$ 750,90 cada. Iniciação Científica/FSA: 40 bolsas - R$ 263,00 cada.

PIBID/CAPES - Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência: 360 bolsas - R$ 400,00 cada. IBIC/CNPq - Programa Institucional de Bolsa para Iniciação Científica: 3 bolsas - R$ 360,00 cada. Monitoria: 237 bolsas Monitoria, no valor de R$ 12,30/hora. Programa Ciência sem Fronteira/CAPES/CNPq: 3 bolsas para estudo em cursos de graduação no exterior (EUA, Europa e Ásia). FIES – Fundo de Financiamento Estudantil Campo de Trabalho Pesquisa acadêmica e docência no

ensino superior. Docência no ensino médio e fundamental. Análises sociais para órgãos públicos e privados, sindicatos, partidos e ONG’s. Assessoria política em ONGs, sindicatos, partidos, associações, movimentos sociais, institutos de cultura e memória e meios de comunicação. Planejamento urbano e desenvolvimento social. Pesquisas em institutos privados e públicos como SEADE, DIEESE, IBGE e outros. Pesquisas de mercado para empresas e agências publicitárias.


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Palestra

Semana de Ciências Sociais

Impunidade e tortura no Brasil contemporâneo Matheus H. Bonifácio

Estudantes de Ciências Sociais da Fundação Santo André

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tortura no Brasil não acabou, continua viva e salvaguardada nas entranhas da legislação do Estado. Esta foi a questão discutida na palestra de Felipe Toledo Magane (Secretário da Justiça e da Defesa da Cidadania), intitulada “Democracia, impunidade e tortura: Estado democrático de direito ‘abrasileirado’”. O Brasil não acertou as contas com o passado, portanto não é em vão que é assombrado por ele. Entre tantas coisas pendentes em nossa historia, temos a tortura enraizada nas ações punitivas do Estado, desde o golpe de 1964 até a sua dissolução, dando entrada formalmente a um Estado democrático de direitos, no qual se discursa que a tortura foi varrida do Estado. Mas só para começar a mostrar falácia desse discurso, sequer ocorreu um acerto de contas com aqueles agentes que torturaram e os que permitiram que a tortura acontecesse. Na época da ditadura militar (1964 a 1984) a tortura tinha como parâmetro para seus alvos a questão ideológica, e no âmbito da ideologia não há um estereótipo físico exato do inimigo. O inimigo do Estado era todo aquele que se contrapunha aos interesses governamentais-empresariais. Nos tempos atuais, com o suposto fim da repressão política, os alvos do Estado burguês têm um perfil físico muito claro, a população negra e mulata, que é, na sua grande maioria, moradora da periferia. Portanto a ideia do inimigo interno, concepção adotada no período da ditadura, está presente até os dias de hoje. Ora, somos o único país do mundo que não aboliu a polícia militar, que é a policia da ditadura. Portanto, é preciso ter em mente, como

Secretário da Justiça e da Defesa da Cidadania, Felipe Toledo Magane

Felipe Magane nos mostrou, que a agressão policial à população negra pobre não é simplesmente uma questão de racismo, mas vai além disso, já que essa população é parte constituinte da classe trabalhadora; a polícia militar tem uma postura de ação “higienizadora” em relação às populações periféricas, já que é treinada para perseguir e reprimir aqueles que representam uma ameaça aos interesses econômicos e políticos empresariais. Como prova disso, basta observarmos quem está na lista negra das autoridades, como os integrantes do MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra), do MTST (Movimentos dos Trabalhadores Sem-Teto) e muitos outros. Todos esses movimentos vão contra os prin-

cípios da constituição burguesa, como por exemplo o MTST, que reivindica o direito justo à moradia, e como meio para conquistá-lo ocupam propriedades ociosas no meio urbano. Tem algo mais grave para nossa justiça burguesa que a profanação da santa propriedade privada? E, acoplado a isso, a maioria dos militantes desses movimentos é negra. Em suma, a perseguição policial a estas populações é uma perseguição política e ideológica, e não somente racial.

Para Ler:

Magane, Felipe T. “Democracia, impunidade e tortura: o estado democrático de direito ‘abrasileirado’”. In Verinotio, nº 17, 2013. Disponível em http://verinotio. org/Verinotio_revistas/n17/ magane.pdf

Ditadura, Economia e Modernização Excludente Mônica Silva Dias

Estudantes de Ciências Sociais da Fundação Santo André

O professor Wanderson Fábio de Melo, da Universidade Federal Fluminense (UFF), compôs a mesa de abertura da Semana de Ciências Sociais 2014, que ocorreu dentre os dias 22 e 27 de setembro e teve como centro discussões acerca dos 50 anos da ditadura instaurada no Brasil em 1964. Tratando das relações entre ditadura e modernização excludente Wanderson destacou que o tão glorificado desenvolvimento econômico ocorrido no período ditatorial significou para as classes trabalhadoras do campo e da cidade a tragédia do arrocho salarial, da liberação de preços para elevação dos lucros e do agravamento da miséria, enquanto, por outro lado, aumentava consideravelmente a concentração da renda e propriedade nas mãos de pouquíssimos grandes proprietários, representantes do grande capital nacional e internacional. Sem a imposição de um regime ditatorial, num país que clamava por reformas econômico-sociais e políticas de base visando uma transformação, era pouco provável que a política econômica da ditadura fosse realizada, em razão da resistência popular que lutava por alternativas democráticas para o desenvolvimento do país. Sob o pretexto de que a democracia estaria ameaçada pelo avanço do comunismo, com o qual as forças da direita estigmatizavam as propostas das reformas de base, o golpe foi extremamente funcional e adequado aos interesses do grande capital e das oligarquias estaduais que governavam o país e exigiam, para o seu triunfo, a ausência da política, o silenciar de qualquer oposição valendo-se da repressão violenta, da censura e consecutiva perseguição, do exílio, das prisões, do desaparecimento e da morte dos opositores, em especial dos que recorreram à luta armada contra o regime. Em suma, a ditadura empresarial-militar consolidou ainda mais nossa trágica herança colonial e escravista, ao promover

mais uma rodada da modernização econômica excludente e extremamente predatória e ao aperfeiçoar, em sincronia com aquela, a autocracia que caracteriza nosso estado republicano, herdeiro da cultura política da Casa Grande. Este tipo de regime bonapartista deixa marcas profundas nas sociedades, extremando as dificuldades para serem superadas, tanto mais quanto a ditadura não foi derrubada, mas passou por um processo de auto-reforma que não transformou as bases sobre as quais se ergueu. Cinquenta anos após o golpe empresarial-militar e quase 30 anos depois do fim da ditadura, a super-exploração do trabalho ainda não foi superada, continua a prática de impunidade aos torturadores, cumplices e seus mandantes, e ainda persiste a obscuridade acerca do “desaparecimento” de centenas de pessoas e das circunstâncias em que foram mortas, sob tortura, centenas de outras pessoas. A tortura, que não foi um mecanismo inventado pela ditadura bonapartista estabelecida com o golpe de 1964, mas que se tornou, no período, um recurso institucional promovido pelo próprio Estado, embora não mais institucionalizada, mas sim combatida e contestada sob o amparo da lei nacional e por convenções internacionais, continua sendo largamente praticada contra pessoas “resguardas” pelo Estado em delegacias e presídios do país. Boa parte da classe política e da sociedade defende bravamente a repressão e a criminalização aos movimentos sociais, assim como a pena de morte e a tortura, com o aporte da grande mídia do país.

Para Ler:

Melo, Wanderson F. Institucionalização e Modernização: O debate no Senado federal entre Fernando Henrique Cardoso e Roberto Campos. Tese de doutorado – PUC-SP, 2009. Disponível em http://livros01.livrosgratis. com.br/cp121579.pdf


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Semana de Ciências Sociais

Operações encobertas de Estados na América Latina durante as ditaduras militares Giulia Gonçalves Spada e Nicolas Gonçalves

Estudantes de Ciências Sociais da Fundação Santo André

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tema “Operações encobertas de Estados na América Latina durante as ditaduras militares” foi tratado com excelência pela doutoranda da PUC Jussaramar da Silva. As “operações encobertas” caracterizam um conjunto de operações secretas realizadas durante o período militar e, principalmente, além da já conhecida política de repressão violenta à mobilização subversiva dos trabalhadores frente às injustiças desse período, a prática de “importações e exportações” dessa violência. Isso se deu com base no fato de as ditaduras militares na América Latina terem se articulado de tal maneira a unir seu poder para repelir qualquer tipo de ameaça ao plano político econômico vinda dos movimentos dos trabalhadores. Tornar essas operações objeto de estudo possibilita compreender, mesmo sem o acesso pleno à documentação para a pesquisa de forma mais detalhada, como se organizou o aparelho repressivo do Estado, suas alianças e articulações internacionais que impediam qualquer tipo de avanço social que não compactuasse com o modelo político ditatorial. Usando medidas violentas de cassação e trocas clandestinas de prisioneiros e de forças armadas, operações como as intituladas Operação Condor ou a Operação Cristal deixam evidente a organização dos Estados com o objetivo de desenvolver o capital e alavancar a economia valendo-se de meios terríveis através de tais órgãos de repressão.

Jussaramar da Silva, doutoranda da PUC

A Operação Condor consistia no pacto criminal de coordenação entre ditaduras e da direita, uma operação elitista de contra-insurgência. Ela integrava vários países da América do Sul, alguns da América Central e tem grande participação dos Estados Unidos, através de órgãos como a CIA e o FBI. Um dos casos mais importantes da Operação Condor no Brasil foi o seqüestro de uma família brasileira, com participação de agentes brasileiros e uruguaios. Além disso, operações como esta focavam diretamente na atuação da classe trabalhadora: através de associações de segurança brasileira em países

fronteiriços, os trabalhadores tinham seus antecedentes revistados e toda sua movimentação observada. Estas operações evidenciam como característica comum o caráter de expressão de uma organização que é própria do Estado capitalista.

Para ver:

Condor (Brasil, 2007). Dir.: Roberto Mader. Exposição de fotografias: Operação Condor, de João Pina – de 23 de setembro a 7 de dezembro de 2014, no Paço das Artes (Av. da Universidade, 1, Cidade Universitária, São Paulo)

Palestra

Educação e ditadura militar Victor Monteiro dos Santos

Estudantes de Ciências Sociais da Fundação Santo André

No dia 22 de setembro, a professora Lúcia Aparecida Valadares Sartório (UFRRJ), compareceu ao CUFSA para enriquecer o debate preparado por professores e alunos sobre a ditadura militar no Brasil. Com o tema “O projeto educacional da ditadura e seus desdobramentos”, a professora desenvolveu caloroso debate, causando esclarecimento de pontos-chaves e inquietações na plateia ali presente. Antes de entrar nos pormenores do momento caloroso devo ressaltar a desfunção política educacional que cumpriu o governo militar no Brasil, positivisticamente separando o homo faber do homo sapiens. Ressaltado categoricamente a dicotomia entre o fazer e o pensar do projeto educacional militar, a professora recordou a LDB de 1961, que nas suas palavras, “muitos criticam como liberal, mas garante a educação”, e foi negligenciada pelo governo militar. Este retirou da grade curricular matérias ligadas às ciências humanas e acrescentou, no lugar delas, matérias que viriam para formar o homem novo, o homem para a indústria - ou seja, o não-homem, a extensão da máquina. Os militares se basearam no teórico da educação John Dewey. Dewey utilizou categorias marxianas, como a práxis, para reforçar seu pensamento.Utilizou? Não, distorceu. E o projeto dos militares foi vitorioso, pois mesmo após a queda do regime a LDB de 1990 ainda se baseou no projeto dos militares para a educação, ou seja, nas distorções de Dewey. Obviamente a professora não deixou de refutar tal projeto em momento algum de sua fala, defendeu a necessidade de superação dos resquícios da ditadura na educação. Porém, defendeu uma transformação social pela

Lúcia Aparecida Valadares Sartório (UFRRJ)

educação que aparentemente se esqueceu que uma transformação social não depende apenas da educação. O debate esquentou quando a palestrante defendeu a “educação de tempo integral”. Um estudante de arquitetura passou a discutir a disposição e moldes dos prédios escolares que mais se assemelham à prisões/fábricas. Foi questionado se uma sociedade capitalista pode produzir uma educação para além do capital. Por fim o debate não nos deu tempo para respostas claras. Deixo para o leitor continuar o debate no seu cotidiano repetindo a epígrafe do livro Para Além do Capital, de István Mészáros: “La libertad política política no estará asegurada, mientras no se asegura la libertad espiritual [...] La escuela y el hogar son las dos formidables cárceles del hombre.”

Para Ler:

Sartório, Lúcia Ap. V. A trajetória do anti-humanismo pragmatista na educação brasileira. Tese de Doutorado – UFSCAR, 2010. Disponível em http://www.bdtd.ufscar. br/htdocs/tedeSimplificado/ tde_arquivos/8/TDE-201006-21T144836Z-3111/Publico/3048.pdf


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Palestra

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As greves do ABC de 1978-80: marcos na luta contra a ditadura Fernanda Jeane Leonel

Estudantes de Ciências Sociais da Fundação Santo André

A

s fábricas foram um grande motor para atingir os trabalhadores e despertar a luta”, disse a profª Fabiana Scoleso (PUC), que tratou das formas de luta dos trabalhadores no período da ditadura militar, esclarecendo que, além das fábricas que serviram de motor para despertar a luta dos trabalhadores, houve outras formas de manifestarem seus interesses na luta social, tal como o jornal A Tribuna, que foi o maior meio de comunicação entre sindicatos. Fabiana Scoleso relacionou as greves do ABC dos anos 19781980 com o chamado “milagre brasileiro” e com o papel da mídia, enfatizando os modos de reorganização do movimento dos trabalhadores para a greve. Durante a ditadura, houve investimentos na infraestrutura do país a fim de retornar ao tipo de desenvolvimento que havia sido posto em cheque pelos movimentos populares durante o governo de João Goulart, e combater a inflação, abrindo as portas para a entrada de capitais externos, especialmente nas indústrias de bens de consumo duráveis. A “injeção salvadora” foi na indústria pesada, como na siderurgia, construção naval, petroquímica e hidrelétrica. Como resultado, houve um crescente aumento na produção e consumo de bens duráveis no Brasil chegando a 23,6% a.a, e de capital chegou a 18,1%, proporcionando, também, um crescimento considerável das empresas estatais; ou seja, o capital investido nessas áreas e nas indústrias de bens de consumo duráveis obteve grandes lucros. Mas qual classe social foi a maior beneficiária desse crescimento, se ainda hoje temos, por exemplo, a notícia de que a rede “

Movimento grevista, ainda liderado por Lula, levou à paralisação de 150 a 200 mil trabalhadores

responsável pelo tratamento e distribuição de água de São Paulo usava o lucro para investir na Bolsa de Valores de Nova York e não se preocupou em investir em melhorias da rede, o que contribuiu para a crise de água atual? Com o dito “milagre econômico”, a pobreza não recuou, e nem poderia, já que a acumulação de capital foi obtida com a ampliação do arrocho salarial. Pelo contrário, a miséria aumentou consideravelmente. Foi essa a causa central das mobilizações e greves iniciadas no ABC em 1978. A forte estrutura repressiva, que havia desmantelado a anterior organização operária e continuava perseguindo, torturando e matando os que se opunham à ditadura, não impediu que as greves fossem retomadas. Em 1978, mais de 3 mil trabalhadores paralisaram a produção na Saab-Scania, fábrica de caminhões em São Bernardo do Campo, reivindicando reposição e aumento salarial, reivindicação que não se restringiu a esta fábrica, levando a greve para Ford, Mercedes-Benz e Volkswagen. Apesar de não

alcançarem os índices de reajuste reivindicados, foram conquistados aumentos salariais superiores aos que os empregadores inicialmente ofereceram. No ano seguinte, em 1979, as greves metalúrgicas atingiram 170.000 em todo o estado de São Paulo. A repressão foi intensa e muito violenta, e o governo decretou a intervenção nos sindicatos. A condução do processo pela liderança sindical, com destaque para Lula, levou à recuperação dos sindicatos e conquistas salariais. Em 1980, o movimento grevista, ainda liderado por Lula, levou à paralisação de 150 a 200 mil trabalhadores. E novamente houve repressão violenta, com cavalaria e tropa de choque, intervenção nos sindicatos e prisão das lideranças sindicais. O assim denominado “novo sindicalismo” se caracterizou por uma organização mais independente, de tal modo que, como afirmou Fabiana Scoleso, os trabalhadores passaram a sentir-se parte do movimento que crescia e se fortalecia cada vez mais. Como resultado,

ao invés de haver um único líder, cada trabalhador envolvido se sentia um líder. Assim, a prisão de uma liderança não estrangulava o movimento. Além das conquistas salariais, a organização dos trabalhadores culminou no surgimento da CUT e do PT. Hoje a ditadura acabou, mas como explicar a continuidade da tortura, as agressões e outros abusos de poder principalmente nas zonas periféricas das cidades, nas quais há maior concentração de trabalhadores pobres e de negros? E a polícia violenta e corrupta que continua infringindo os direitos humanos com a desculpa de combater a criminalidade e garantir “nossa segurança”? A história dos movimentos sindicais e da reação dos governos militares nos dá pistas para entender as razões da militarização da polícia e da continuidade da tortura e repressão, praticadas principalmente contra a classe trabalhadora. Precisamos refletir em nossa organização enquanto trabalhadores na luta por nossos direitos, pois a burguesia está muito bem esclare-

cida, unida e preparada para agir contra qualquer tipo de ato contra seu governo. Basta tomar como exemplo operações realizadas no Rio de Janeiro com os preparativos da Copa, as manifestações que ocorreram recentemente, desde junho de 2013, as desocupações de imóveis ocupados por movimentos de moradia etc. Apesar de estarmos fragmentados, o que nos enfraquece na luta, recuperar a memória das lutas da classe trabalhadora, estar em alerta e comunicar-se já é uma forma de resistir.

Para saber mais:

O ABC da Greve (Brasil, 1979). Dir.: Leon Hirszman Eles não usam Black-tie (Brasil, 1981). Dir.: Leon Hirszman Scoleso, F. “As formas políticas e organizacionais do ABC paulista 36 anos depois das primeiras manifestações: rememorar nunca é demais”. In Projeto História, São Paulo, n. 46, 2013. Disponível em http://revistas.pucsp.br/ index.php/revph/article/viewFile/17145/13754


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Palestra

Reformas Fora da Pauta: Jango e a continuidade do projeto de Getúlio Vargas Ricardo A. de Melo

Estudantes de Ciências Sociais da Fundação Santo André

N

a última sexta feira de setembro desse ano tivemos o privilégio de receber a ex-aluna da Fundação Santo André Aline de Vasconcelos para ministrar uma palestra cujo tema foi “João Goulart e as Reformas de Base” na Semana de Ciências Sociais que acontece anualmente nessa instituição. Aline com desenvoltura esclareceu os pontos centrais da política de Reforma de Base de João Goulart, desmistificando a ideia de que tais reformas tivessem caráter comunista, ideia difundida pela oposição de direita, composta principalmente por latifundiários e burgueses ligados ao capital estrangeiro. Em uma breve explanação Aline resume a carreira política de João Goulart. Jango, como foi conhecido João Goulart, entrou na política convidado pelo seu conterrâneo e amigo Getúlio Vargas; membro do PTB (Partido Trabalhista Brasileiro), assumiu a presidência de 1961 a 1964 após a renúncia do então presidente Jânio Quadros. O que marcou o governo de João Goulart foi o que ficou conhecido como as Reformas de Base. Embora adotasse algumas medidas de política econômica conservadoras, as Reformas de Base, ao contrário, buscavam dar continuidade, radicalizando-o, ao projeto varguista, enfatizando a preocupação principalmente com a classe trabalhadora e configurando algo como um getulismo de massas. Para a maior parte da população brasileira à época (que alcançava cerca de 80 milhões), as propostas de Jango eram bem aceitas; contudo, a menor parte da população (a oposição, constituída por latifundários e pela burguesia

João Goulart entrou na política convidado pelo seu conterrâneo e amigo Getúlio Vargas

industrial, nacional e estrangeira) afirmava que as reformas eram demagógicas e, numa tentativa de desqualificar o projeto de Jango, difunde que se tratava de uma improvisação de última hora, como condição de se manter no poder. Todavia quando se analisa historicamente a carreira de Jango, como demonstrou a palestrante, percebe-se que esse viés reformador, voltado para a classe trabalhadora, está presente desde o início de sua trajetória, sendo fruto da ideologia do PTB. A palestrante esclareceu, assim, que, ao analisar sua carreira política , fica evidente que as Reformas de Base já estavam nos planos de João Goulart desde a época em que foi ministro do Trabalho do então presidente Getúlio Vargas; não se tratava, portato, de uma aventura política, era um plano já amadurecido. Para Jango as Reformas de Base eram necessárias como meio de

eliminar a miséria, de reduzir a desigualdade social e gerar justiça social, no intuito de garantir a paz social. João Goulart acreditava que os movimentos sociais, como as Ligas Camponesas, o movimento sindical etc., que estavam em ascensão no período pré-64, seriam amenizados com a realização das Reformas de Base, que atendiam exatamente os responsáveis pelos movimentos, a classe trabalhadora. Jango defendia as Reformas de Base também como uma necessidade técnica econômica no desenvolvimento brasileiro. Para ele, incluir economicamente a massa trabalhadora fortaleceria a indústria nacional. Jango estava trabalhando para reverter a já acentuada subordinação do desenvolvimento brasileiro ao capital estrangeiro, o que gerava uma concentração de renda, construída no governo de Juscelino Kubitscheck . Diminuir a desigualdade social através de uma melhor distribuição de renda

e manter a paz social era um dos sonhos de João Goulart. Entre as Reformas de Base, as principais eram a eleitoral, que consistia em estender o sufrágio para todos os cidadãos brasileiros maiores de dezoito anos (incluindo analfabetos e sargentos), e a Reforma Agrária, a que mais repercutiu em seu governo. Jango pretendia realizá-la dentro da lei, o que exigia a aprovação de uma emenda constitucional que permitisse a desapropriação de terras com pagamento em títulos da dívida pública (e não pagamento prévio em dinheiro). Além disso, a reforma seria baseada nas necessidades nacionais específicas, com o intuito de aumentar a produtividade agrícola e consequentemente fortalecer a indústria nacional. Essa proposta não só gerou muita polêmica, como uma série de acusações infundadas, entre as quais a de que Jango desrespeitaria a constituição.

Por fim, a Reforma Agraria foi barrada por um legislativo conservador e pela burguesia. O plano de Reformas de Base de João Goulart, tão ausente hoje nas discussões políticas em época de eleições, faz falta na pauta do dia. A discussão a respeito das circunstâncias da morte de Jango, levantada nos últimos dias pela sua família, que pediu a exumação de seu corpo, poderia ser uma oportunidade para trazer à tona novamente o debate sobre aquelas reformas. Jango de fato morreu, mas as Reformas de Base devem ressuscitar o mais breve possível.

Para saber mais:

Jango (Brasil, 1984). Dir.: Sílvio Tendler. Silva, Aline V. O Projeto Nacionalista de João Goulart: Análise dos Discursos de 1961 a 1964. Dissertação de Mestrado – PUC-SP, 2012. Disponível em http:// www.sapientia.pucsp.br


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Semana de Ciências Sociais

Alfredo Buzaid e a negação da tortura Ricardo A. de Melo

Estudantes de Ciências Sociais da Fundação Santo André

N

a penúltima conferência da semana de Ciências Sociais de 2014, o jurista Rodolfo Costa Machado discorreu acerca da participação das figuras do direito no golpe civil-militar de 1964, em especial aquelas ligadas ao Largo São Francisco (faculdade de Direito da USP) que atuavam no Instituto de Pesquisa e Estudos Sociais (Ipes), em especial o jurista Alfredo Buzaid, que continua sendo amplamente estudado nas diversas faculdades de direito e considerado como grande teórico do código de processo civil; no entanto, participou ativamente tanto na preparação do golpe militar quanto durante a ditadura, chegando a ser ministro da Justiça durante o governo Médici. Os juristas do Largo São Francisco já apareciam de forma ativa na conspiração direitista anterior ao golpe. Eles se juntam ao Ipes no ano mesmo de seu surgimento, 1961. Rodolfo chamou a atenção para a descoberta de um curso de pós-graduação no Direito da USP, chamado Marxismo e Cristianismo, ministrado em 1962, que buscava criticar o marxismo, expondo todo o itinerário marxiano de forma vulgarizada, colocando-o como um amálgama de Hegel e Feuerbach para explicar seu ateísmo. Em janeiro de 1963 ocorre um congresso, patrocinado pelo jornal Folha de São Paulo, do qual sai uma lista de apontamentos contra as reformas de base. Esses apontamentos são enviados ao Congresso Nacional, em uma tentativa de bloquear a aprovação dessas reformas. A participação dos juristas do Ipes e do Largo São Francisco é ativa. Com a vitória do golpe militar, são basicamente os juristas do complexo Ipes e Ibad que irão dar a formatação legal deste golpe. Neste primeiro momento da ditadura, com Castelo Branco à frente, os juristas que ficaram encarregados de dar a roupagem legal ao golpe foram dois mineiros: Francisco Campos e seu secretário Carlos Medeiro Silva. Com a ascensão

Foi Alfredo Buzaid quem delegou a feitura do código civil para Miguel Reale em 1970

da linha dura, os juristas que a compõem são todos do Largo São Francisco, com destaque para Gama e Silva (primo de Costa e Silva), que irá chamar o jurista Alfredo Buzaid para realizar uma varredura no emaranhado legislativo existente naquele momento. É importante ressaltar que foi Alfredo Buzaid quem delegou a feitura do código civil para Miguel Reale em 1970, sendo que este código entrou em vigor apenas em 2002, ressalta Rodolfo. Em outubro de 1969, durante o governo ditatorial de Emílio Garrastazu Médici, Alfredo Buzaid é nomeado ministro da Justiça e lá fica até 1974. Logo ao assumir o cargo já começa a negar a existência de tortura. Fato exposto por Rodolfo ao citar a capa da revista Veja, na qual Alfredo Buzaid declarava que o então presidente Médici não seria conivente com tortura de nenhuma natureza. E este “desmentido oficial” será encabeçado por Buzaid durante todo o período em que esteve à frente do ministério da Justiça, indo a todos os meios de comunicação nacionais e internacionais negar a existência de torturas no Brasil. Em 1970 é publicado, a partir das denúncias de torturas dos exilados, o livro negro da ditadura, tanto no exterior quanto, de forma clandestina, no Brasil. Neste livro foram descritos os principais casos de tortura até então registrados na ditadura civil-militar brasileira. Em um ato de contrainformação, Buzaid monta o livro branco da

ditadura negando as acusações de tortura, prisões políticas etc., e identificando as ações realizadas contra a ditadura como ações terroristas. Entretanto, este “livro branco” nunca foi publicado. Por decisão do Itamaraty e do ministério da Justiça, foi arquivado por chamar muita atenção às denuncias contra a ditadura. Era por esses caminhos que passava o negacionismo oficial da ditadura militar, de que Alfredo Buzaid foi um ativo porta-voz. Ele presidiu, ainda, o Conselho de Defesa de Direitos da Pessoa Humana, criado em março de 1964 por sugestão da ONU; nele Buzaid arquiva várias denuncias feitas contra a ditadura, dentre as quais se destacam o encerramento da investigação do genocídio indígena, o caso Rubens Paiva e a investigação do Esquadrão da Morte. Por fim, é valido ressaltar a importância da escavação histórica dos personagens ocultos da ditadura militar, cuja face civil fica mais evidente a cada nova investigação. Mais especificamente, evidencia-se a participação do empresariado e de intelectuais vinculados a este, que não só apoiaram as barbáries cometidas durante esse período como também participaram de forma ativa na contrainformação, na contra-inteligência e no negacionismo oficial.

Para Ler:

Arns, Paulo Evaristo. Brasil: Nunca Mais. São Paulo: Vozes.

Palestra

Golbery do Couto e Silva, ideólogo do bonapartismo Fernanda Jeane Leonel

Estudantes de Ciências Sociais da Fundação Santo André

O entendimento do golpe militar de 1964 no Brasil não pode prescindir do conhecimento dos ideólogos que participaram de sua preparação e sustentação. Entre eles, destaca-se Golbery do Couto e Silva, tema da palestra “Golbery, ideólogo do bonapartismo: modernização excludente e segurança nacional”, da profª. Vânia Noeli F. Assunção, graduada em Ciências Sociais pela FSA e atualmente professora da UFF. Golbery do Couto e Silva foi general e colaborou com a demissão do ministro João Goulart. Escreveu o manifesto dos coronéis e propôs a solução parlamentarista na crise de 1961, ou seja, teve intensa participação na reorganização da política no Brasil, bem como da auto-reforma do regime ditatorial, tendo sido o braço direito de Ernesto Geisel nesse processo. Além da colaboração prática com a burguesia brasileira, Golbery construiu uma ideologia conservadora voltada a apreender e responder aos problemas brasileiros. Uma característica central de sua ideologia conservadora é o anticomunismo. Golbery acreditava que a democracia estava em declínio e que não tinha mais capacidade de inovação. Considera que o liberalismo apático e falido não está mais adequado à nossa época e a um país subdesenvolvido, mas também rejeitava o totalitarismo, defendendo uma democracia menos concessora de direitos, menos partidária e mais “participativa”. Importante ressaltar aqui que, com esse termo, Golbery se refere aos partidos e não aos movimentos sociais. Ele considerava que os partidos deveriam participar no Congresso e discutir seus interesses. Era uma questão de legitimidade, de comprometimento com o sistema. A professora deixou claro que a principal preocupação de Golbery era com a segurança e o bem-estar, mantendo a segurança

em primeiro lugar, de tal maneira que houvesse equilíbrio entre ambos. Num panorama geral, Golbery pretendia defender os objetivos nacionais, entendendo que a nação é o Estado, e o povo é a nação. A segurança seria a porta de entrada para o desenvolvimento; sem ela, nenhum desenvolvimento seria possível. Daí ter tomado como principal alvo de críticas o liberalismo que, para ele, não proporcionava mais desenvolvimento algum. Segundo ele, o vínculo com os EUA seria uma ponte para o desenvolvimento brasileiro; mesmo com tal vínculo, seria possível manter a autonomia do país, já que a iniciativa da união teria sido do Brasil. Apesar de defender tal vinculação, não lhe faltavam críticas a este império por não reconhecer a capacidade brasileira. A seu ver, o Brasil era capaz de ajudar os EUA. Participando da mesa com a profª. Vânia, o ex-combatente da ALN Manoel Ciryllo relata que foi Golbery quem inaugurou a concepção geopolítica que defendia que o Brasil deveria tirar proveito de sua situação geográfica politicamente privilegiada, usando-a para promover aquela aliança com os EUA de sorte a garantir o desenvolvimento do país. Ciryllo destaca ainda que, em 1963, Golbery afastou-se do exército para se dedicar a uma organização que tinha como meta difundir suas ideias, contribuindo para a preparação para o golpe que se desencadeou em 1964. Retomando o anticomunismo presente no pensamento de Golbery, Ciryllo mostra que o pretexto de “ameaça comunista”, apresentado para o golpe, é falso, tendo sido sempre utilizado em diferentes momentos.

Para Ler:

Assunção, Vânia Noeli F. O Satânico Doutor Go: A ideologia bonapartista de Golbery do Couto e Silva. Dissertação de Mestrado – PUC, 1999. Disponível em http:// www.verinotio.org/di/di17_golbery.pdf


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Palestra

A luta armada no combate à ditadura militar Euller Felix da Silva

Estudante de Ciências Sociais da Fundação Santo André

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combate armado durante o período da ditadura militar é algo que merece atenção. As atuações dos combatentes armados da ditadura, que lutaram pela democracia no país, foi o tema debatido pelo ex-militante da Aliança Libertadora Nacional (ALN) Manoel Cirilo, que deixou como legado para todos que assistiram sua palestra inúmeras histórias e diversos fatos que muitos desconheciam, dentre estes a participação do próprio palestrante na célebre ação de captura do embaixador americano Charles Burke Elbrick. A luta armada é uma questão que sempre gera debates no âmbito da esquerda, tanto nacional quanto internacional, debate que nos leva à seguinte indagação: é possível construir uma nova sociedade por via pacífica? Houve (e até hoje há) na esquerda aqueles que acham que sim, por exemplo, durante a ditadura militar, o Comitê Central do Partido Comunista Brasileiro. Porém, há também aqueles que acreditam que não é possível chegar a uma nova sociedade por vias pacíficas, que só seria possível construir essa nova sociedade por meio de uma

Presos políticos libertados em troca do embaixador americano Charles Elbrick (1969)

luta armada travada contra a burguesia, contras as classes dominantes da sociedade; exemplos de organizações que assumiram essa perspectiva são a Aliança Libertadora Nacional, o Movimento Revolucionário 8 de outubro, e também a Vanguarda Popular Revolucionária, grupos que, durante a ditadura militar brasileira, optaram pela luta armada para combatê-la e assim conseguir a democracia para o país. A luta armada era constituída por assaltos a quartéis para conseguir as armas e também a bancos para con-

seguir dinheiro tanto para a subsistência dos combatentes quanto para conseguir mais armas; é necessário entendermos isto, pois muitas ideias a respeito da luta armada no Brasil são ainda bastante distorcidas, como, por exemplo, a suposição, difundida pela própria ditadura, de que a luta armada era financiada por países socialistas, como Cuba e a União Soviética, quando na verdade os militantes dependiam de sua própria ação para conseguir os meios necessários à sua luta. O fato de algumas organizações da esquerda brasileira

terem optado por este modo de luta levou os comandantes da ditadura a intensificar a repressão, com a instauração do Ato Institucional nº. 5, que tirou dos cidadãos brasileiros seus direitos civis e políticos, levando muitos combatentes, armados ou não, aos porões da ditadura para serem torturados e mortos pelos militares. To r t u r a s e a s s a s s i n a t o s cujos autores materiais e intelectuais até hoje ainda não foram julgados e muito menos punidos pelas atrocidades que cometeram, graças à Lei da Anistia, promulgada

durante o período de transição da ditadura militar para a democracia, a qual eximeos torturadores de seus crimes. Esta lei é considerada por muitos nos dias de hoje como algo que foi bom tanto para os militares quanto para os militantes e organizações que optaram pela luta armada; aqueles que adotam tal avaliação confundem (conscientemente ou não) a violência do opressor com a resistência do oprimido. Hoje mais do que nunca precisamos estudar e conhecer realmente o que foi o período da ditadura militar. Hoje mais do que nunca a frase “lembrar é resistir”, que está cravada nas paredes do Memorial da Resistência, mostra toda a sua importância. Num momento em que as grandes mídias e os governantes fecham os olhos para o passado, um dos nossos atos mais revolucionários é lembrar e fazer vir à tona o passado sombrio deste país.

Para Ler:

Chasin, J. A miséria brasileira: 1964 – 1994 - Do golpe militar à crise social. Santo André: Ad Hominen, 2001. Gorender, Jacob. Combate nas trevas. São Paulo: Expressão Popular.

Pós-Graduação: Ciências Sociais Economia-mundo, Arte e Sociedade

Voltado ao aprimoramento da formação de cientistas sociais e profissionais vinculados a áreas correlatas, o curso visa a atender demandas relativas às atividades de pesquisa, docência e outras formas de atuação social e política, aprofundando o conhecimento dos dilemas contemporâneos da existência humano-societária e ampliando a capacidade de discernir alternativas. O curso conta com professores doutores em diferentes campos (sociologia, política, antropologia, história, filosofia, letras), oriundos tanto do Centro Universitário Fundação Santo André quanto de outras universidades.

Mais informações em www.fsa.br


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Che (EUA/Espanha, 2008, dir.: Steven Soderbergh)

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Cine AbertaMente

O CINEMA E AS CIENCIAS SOCIAIS ^

Mábia Oliveira

Estudante de Ciências Sociais da Fundação Santo André

B

uscando ampliar o debate e o acesso ao cinema, além de promover atividades de extensão e uma maior interação entre o espaço acadêmico e o público externo, os professores e estudantes do curso de Ciências Sociais promoveram, no primeiro semestre de 2014, o Cine AbertaMente – exibição de filmes seguida de debates conduzidos por pesquisadores. A programação abarcou o Cinema e a Luta de Classes na América Latina, priorizando fatos históricos que perpassaram as décadas de 60 e 70 em países como o Uruguai, Cuba e Chile, esboçando, assim, o contexto histórico em que foi perpetrado o golpe militar de 1964 no Brasil, tema debatido no segundo semestre, na Semana de Ciências Sociais. Continua >>>


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Inaugurando o Cine AbertaMente, foi exibido em 29/03 A Batalha do Chile, Parte II – O Golpe de Estado (Chile, 1975, dir.: Patrício Guzmán). A debatedora, profª. Vera Lúcia Vieira, da PUC, traçou um perfil da ditadura chilena com base neste documentário político, considerado um dos melhores e mais completos do mundo, trazendo para a discussão toda problemática exposta por Patrício Guzmán, acrescida com detalhes de fatos que permearam a história do país durante a década de 1970. A partir dos esforços do presidente democraticamente eleito, Salvador Allende, em levar a bom termo a primeira tentativa de transição democrática para o socialismo na América Latina, a oposição, nucleada pela extrema-direita, ganha corpo e se organiza (respaldada pelo governo norte-americano), preparando uma reação violenta e promovendo as brutais consequências do golpe de estado que, em setembro de 1973, instaurou a ditadura militar do general Augusto Pinochet. Nas ruas o povo sofre com racionamento de energia e alimentos, fruto dos boicotes promovido pelos setores de direita ao governo, e milhares saem às ruas aos gritos de “Allende, Allende o povo te defende”. Uma greve de transportes promovida pelos setores reacionários paralisa o país e abre caminho para a violência. Tentando assumir o controle da situação, em 11 de setembro de 1973 Allende convoca um plebiscito para o ano seguinte. Nesse mesmo dia, o Palácio de la

Estado de Sítio (França/Alemanha/Itália, 1972, dir.: Costa-Gavras)

Moneda é bombardeado. Em 26/04, foi a vez da exibição de Estado de Sítio (França/Alemanha/Itália, 1972, dir.: Costa-Gavras). O debatedor, prof. Carlos César Almendra (FSA), começou desenhando o cenário político do Uruguai e as sucessões presidenciais até Mujica em 2009 (ex-Tupamaro), com destaque para os partidos que se desenvolveram simultaneamente ao próprio país: o Partido Colorado e o Partido Nacional (ou Blanco). A narrativa do filme, a partir do sequestro e execução pelos Tupamaros (Movimento de Liberação Nacional), em 10

Milhares saem às ruas aos gritos de “Allende, Allende o povo te defende”

de agosto de 1970, do agente americano Dan Mitrione, mentor e difusor da tortura nos órgãos militares, e do embaixador brasileiro, vai entrelaçar as diversas situações desencadeadas após o episódio, e as ações praticadas tanto pela esquerda como pela direita (governo do Uruguai com apoio do governo estadunidense), num dos períodos mais tumultuados da história dos países sul-americanos. Também foram destaques no debate a posição do governo uruguaio frente à necessidade de manter o controle sobre os grupos de resistência, os movimentos clandestinos que se organizavam, a guerra polí-

tica travada no parlamento e o surgimento do Movimento 26 de Março (26M), considerado o “braço político dos Tupamaros”, organização que atuou no Uruguai entre os anos de 1960 a 1970. Cabe aqui salientar que, a partir do aumento da adesão ao 26M por amplos setores da população, a direção dos Tupamaros toma a decisão de criar um movimento político que se expressasse dentro da legalidade. Importante ressaltar também que o nome Tupamaros foi uma homenagem ao inca Túpac Amaru II, líder da última grande rebelião indígena, executado pelos espanhóis em 1781. O filme de Costa-Gavras se desenvolve como uma fotografia das ditaduras implantadas na América Latina, seu modus operandi, a posição dos Estados Unidos como peça essencial no fornecimento de recursos financeiros e bélicos, e a reação de grupos que lutavam contra o Estado militarizado. Che (EUA/Espanha, 2008, dir.: Steven Soderbergh), filme exibido em maio, mostra a ascensão de Ernesto Che Guevara na Revolução Cubana, colocando na tela os episódios narrados em seus diários, abarcando o período que vai do primeiro encontro com Fidel Castro (1955) até a queda do ditador Fulgêncio Batista (1959). O debatedor, prof. Guilherme Sávio Marchi, traçou breve his-

tórico das condições enfrentadas por Cuba naquele período (de colônia espanhola a colônia estadunidense), destacando a fraca atividade econômica baseada primordialmente na produção sazonal de açúcar e tabaco, além do níquel, mas só em tempo de guerra. Nesse contexto de exploração e subjugação, a Emenda Platt, que em termos gerais servia como um dispositivo legal para que os EUA interviessem na ilha sempre que seus interesses econômicos e políticos na região fossem ameaçados, selou a total dependência da ilha ao governo norte-americano, o mesmo que subsidiou o golpe militar que colocou Fulgêncio Batista no poder em 1952. Do lado da resistência, o Movimento 26 de Julho (M-26-J), fundado em 1954 por Fidel Castro e seus companheiros, foi um instrumento importante na luta contra o regime que passou a vigorar em Cuba após 1952. Destacando o humanismo de Guevara, como um “humanismo de perspectiva da classe operária”, o debatedor concluiu afirmando que após a conquista do poder foram realizadas basicamente as reformas agrária, urbana e nas áreas de educação e saúde. As nacionalizações e estatizações, abarcando mais de 90% das indústrias, criaram um monopólio estatal, mas era necessário industrializar Cuba, uma sociedade ainda deficitária tanto nas questões materiais como nas subjetivas. E naturalmente o novo homem preconizado pelos revolucionários de fato nunca chegou a florir, apesar das oposições e críticas de Che Guevara às orientações contidas no Manual de Economia Política da Academia de Ciências da URSS stalinizada, rechaçando a tese do etapismo (segundo a qual toda transformação social obedece a certas etapas de desenvolvimento) e do comunismo como um fim inevitável. Marchi concluiu que a Revolução Cubana foi parcial, inconclusa, já que, embora tenha desenvolvido relações de trabalho mais humanas, não aboliu a divisão social do trabalho, e assim não alcançou a emancipação.

Para Ler:

Castro, Fidel. A história me absolverá. São Paulo: Expressão Popular. Cunha, Luiz Cláudio. Operação Condor: O Sequestro dos Uruguaios. São Paulo: L&PM.


14 Jornal de Ciências Sociais - nº 8 novembro de 2014

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Realismo Fantástico no Brasil nas obras de José Jacinto Veiga Lívia Xavier

Socióloga formada pela Fundação Santo André

N

uma manhã, ao despertar de sonhos inquietantes, Gregor Samsa deu por si na cama transformado num gigantesco inseto”. Por conta desta frase do livro A

metamorfose, de Franz Kafka, o colombiano Gabriel Garcia Marques (1928-2014) decidiu que seria um escritor. Ficou boquiaberto com a possibilidade de transmutação do que poderia fazer com suas personagens. Porém, a maior influência literária que obteve foram as histórias contadas por seus grandes mestres: seus avós maternos. Tome-se como exemplo: O coronel Márquez apresentou o gelo para Garcia Márquez quando era pequeno, tal como José Arcadio Buendia faz com seu filho Aureliano, parte marcante da primeira fase do romance Cem anos de Solidão (1967). O romance narra a história

dos Buendia em sete gerações – “a estirpe de solitários para a qual não será dada uma segunda oportunidade sobre a terra”. O coronel era marido de Tranquilina, a avó que encheu o neto Gabriel das mais belas histórias. Musa inspiradora da mais solitária das personagens do referido livro: Úrsula. Gabriel costumava dizer que todo grande escritor sempre está a escrever o mesmo livro. Perguntaram-lhe “qual seria o seu?” A resposta foi “O livro da solidão”. Gabriel Garcia Marquez foi um dos mestres fundadores do realismo fantástico na América Latina, movimento literário no qual coexistem fantasia e realidade, cujos textos possuem elementos inverossímeis, imaginários, distantes da realidade dos homens. O escritor argentino Jorge Luis Borges defende que “há uma causalidade de caráter mágico ligando os acontecimentos no decorrer de uma narrativa deste tipo”. Este movimento literário apresenta uma capacidade de apreensão do real muito significativa. Os elementos sobrenaturais seriam uma estratégia para driblar a censura, institucionalizada ou não, que certos temas sofriam à época que suas obras foram escritas. O segredo do realismo fantástico,

de acordo com João de Melo, “reside em uma prática ficcional simples e simultaneamente deslumbrada, recorrendo aos grandes temas sociais, sem dúvida, mas envolvendo as realidades descritas numa auréola de sonhos, crenças e rituais lendários que bem podem estar na origem de uma nova mitologia literária”. Esta nova vanguarda literária obteve reconhecimento em todo o globo. Aqui no Brasil não foi diferente. O primeiro livro fantástico em terras tupiniquins foi o Ex Mágico de Murilo Rubião; após doze anos José Jacinto Veiga estreia no circulo literário em 1959 com seu livro de contos Os Cavalinhos de Platiplanto. Os primeiros romances de J.J. Veiga – A Hora dos Ruminantes e A Sombra dos Reis Barbudos (escritos nos anos de chumbo da ditadura militar) demonstraram como aparecem de forma constante as relações de poder entre os personagens, bem como o absurdo instaurado ou decorrente dessas relações. Sua literatura nos traz elementos vivos da problemática das ditaduras e do estupro do capital sofrido pelos países latino-americanos, compondo o insólito político de Veiga. “De repente os muros, esses muros. Da noite para o dia eles brotaram assim retos, turvos, quebrados, descendo, subindo dividindo as ruas ao meio conforme o traçado, separando amigos, tapando vistas, escurecendo, abafando. Até hoje não sabemos se eles foram construídos aí mesmo nos lugares ou trazidos de longe já prontos fincados aí”. Pensando na história do Brasil e no percurso

político que atravessava o país, Veiga nos coloca frente a frente com as proibições impostas pelo capital. Por termos de viver como manda as companhias, com regras de convivência imposta por elas. O absurdo instaurado em sua narrativa, como a presença dos muros, a domesticação dos urubus, até mesmo a proibição do riso, são para demostrar como nossa realidade é fantástica. Em entrevista concedida ao estudioso Dantas, Veiga diz que “o lado que nos coube habitar da perspectiva europeia, parece mesmo fantástico (...) E para eles esse nosso lado do mundo é uma surpresa porque eles já se esqueceram o que se passou por lá em outras épocas. Aqui temos leprosos e leprosários, lá eles só existem nas histórias do passado (...) por isso nos olham e pensam que vivemos em um mundo fantástico. A literatura possui este papel de desmistificar as relações transformando-as em “causos” concretos – apesar do movimento literário tratado acima trabalhar com elementos oníricos, não deixa de apresentar “o lado que nos coube habitar”. Além disso, é uma arte que tem como pressuposto guardar as histórias da humanidade, para a humanidade. As belezas da palavra. Que nos encantam, e muitas vezes nos revoltam. Para que todas as gentes possam conhecê-las e se apropriarem da história dos seus. Mesmo que seja os seus do outro lado do mundo.

Para Ler:

Marquez, Gabriel Garcia. Cem Anos de Solidão. Rio de Janeiro: Record, 2014. Veiga, José J. A Hora dos Ruminantes. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1996.


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Jornal de Ciências Sociais - nº 8 novembro de 2014 15

O racismo enquanto categoria econômica, segundo Eric Williams Talita Moura Paulino

Estudante de Ciências Sociais da Fundação Santo André

E

m 1938 Eric Williams, mundo”. Isto é, o trabalho escravo humanos, passa a defender agora a nascido na colônia britâ- na colônia sustentou o avanço do abertura de novos e amplos mernica de Trinidad e Tobago, trabalho “livre” na metrópole. cados para o livre comércio de sua obteve seu doutorado pela Uni- De modo que o comércio escra- produção industrial. Para a caríssiversidade de Oxford, com a tese vista colonial forneceu, além das ma e arriscada produção escravista intitulada The economic aspecto matérias-primas das manufaturas e não resta mais lugar e não tarda of the abolition of West Indian refinarias inglesas do período mer- a ser superada, fazendo com slave trade and slavery (O aspecto cantilista, também o mercado onde que mesmo as burguesias mais econômico da abolição do tráfico as bugigangas manufaturadas retrógradas, a exemplo da burde escravos e da escravidão nas eram trocadas com alta margem de guesia latifundiária brasileira, Índias Ocidentais). No mesmo lucro na costa africana por pessoas, desistam de resistir e deem ano em que Williams defendeu que, por sua vez, eram trocadas lugar ao trabalho assalariado. sua tese foi publicada a obra de C. com mais lucros nas grandes uniDesse modo, recuperar as anáL. R. James, Os jacobinos negros, dades produtivas monocultoras lises de Williams, especialmente em Londres. Tal obra estimulou o do continente americano por mais de sua mais original contribuição jovem historiador, como aponta matérias-primas. – identificar os nexos causais Marquese no prefácio da edição E o triângulo comercial se repe- entre a formação do capitalismo publicada no Brasil em 2012, a tiu por séculos, garantindo altos na Europa e a escravização em rever seu projeto, acrescentando lucros aos senhores do comércio massa dos africanos nas Améritrês novos eixos: primeiro, o racis- ultramarino. Porém, com o avanço cas –, tem relevante importância mo como produto da escravidão e das capacidades produtivas esti- para o entendimento do período não o contrário, estando o racismo muladas pelo comercio colonial, de acumulação primeira do capital, a serviço da exploração de assim como para a comclasse; segundo, o compreensão da consolidaPara Ler: plexo escravista atlântico Williams, Eric. Capitalismo e Escravidão. São ção da ideologia racista como elemento central na modernidade. OferePaulo: Companhia das Letras, 2012. para o acúmulo de caJames, C.L.R. Os Jacobinos Negros. São ce, assim, elementos espitais que possibilitou a senciais para a apreensão Paulo: Boitempo Editorial, 2000. formação do capitalismo Moura, Clovis.Rebeliões da senzala. São das particularidades da industrial na Inglaterra; gênese do proletariado Paulo: Ciências Humanas, 1981. terceiro, a contribuição Fanon, Frantz. Em defesa da revolução africa- das ex-colônias euroda resistência dos escrapeias nas Américas. na. Lisboa: Livraria Sá da Costa, 1980. vizados para a derrubada da escravidão. A tese de doutorado defendida surge a necessidade da ampliação em 1938 em Oxford, após a revisão dos mercados por onde esses proinspirada pela obra de C. L. R. Ja- dutos possam escoar. Se até então mes publicada no mesmo ano, re- a produção estava subordinada sultou em um dos mais fundamen- ao comércio, agora ocorre exatatais estudos sobre a escravidão nas mente o contrário, e o monopólio Américas. Nessa obra o historiador colonial – que possibilitara que fitrinidadiano realiza um estudo eco- guras ilustres da nobreza, do clero, nômico da Inglaterra no período de do parlamento e demais setores das acumulação primeira do capital, e classes dominantes europeias do busca nesse processo determinar período acumulassem fortunas qual foi a contribuição do com- – já não atende as necessiplexo escravista moderno para o dades consequentes da desenvolvimento do capitalismo Revolução Industrial. britânico, assim como o papel do O livre comércio se capitalismo industrial maduro na põe na ordem do destruição do sistema escravista. E dia e a Inglaterra, concluirá que a Revolução Indus- com a mesma garra trial na Grã-Bretanha foi financiada e perversidade com com os grandes lucros oriundos do que defendeu o motrabalho compulsório no “novo nopólio do tráfico de


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Como a miséria criou Hunter Thompson Francisco Quinteiro Pires - Edição: Eduardo Kaze

No portal Carta Capital (www.cartacapital.com.br)

H

unter S. Thompson era um repórter desconhecido quando iniciou sua viagem de um ano por oito países da América do Sul, em maio de 1962. Com 12 dólares no bolso, entrevistou contrabandistas de La Guajira, na Colômbia, sem falar espanhol. Era sua “última chance de fazer algo grandioso e incômodo, além de ter contato direto com um lugar incivilizado”. O destino anterior às terras colombianas havia sido Aruba, de onde saíra a bordo de um saveiro com uma carga ilegal de uísque. Ao fim de maio de 1963, após testemunhar a realidade sul-americana para o semanário National Observer, tornou-se ácido e pessimista. A viagem de Thompson desapareceu de sua biografia, e por sua própria culpa, segundo Brian Kevin, autor de The Footloose American: Following the Hunter S. Thompson Trail Across South

America (Broadway Books). Morto em 2005, o inventor do chamado jornalismo gonzo, partícipe das ações que descrevia, metamorfoseou-se em “caricatura da contracultura” para se manter em evidência. “No imaginário popular, seu nome e a marca conhecida como gonzo são associados ao consumo excessivo de drogas e às palhaçadas que obscureceram a sua reputação de escritor”, afirma Kevin a CartaCapital. A indiferença explica por quê, quase dez anos depois de Thompson ter cometido suicídio, seu acervo permanece fora de uma universidade, indisponível. “O meio acadêmico americano absorve com reticência autores contemporâneos, sobretudo se têm características evidentes da cultura pop, como no caso de Thompson”, diz Kevin. Para escrever The Footloose American, Kevin viajou por seis

meses pela América do Sul e encontrou países afetados por ditaduras encarniçadas, aquelas cujas agruras socioeconômicas haviam contribuído para aumentar a ansiedade do escritor. Quando Thompson deixou a Colômbia, percebeu que, com apoio militar, as elites sufocavam qualquer transformação. Os índios eram os mais atingidos. Em Lima, no Peru, Thompson visualizou-se como um abolicionista no Sul dos Estados Unidos. Em agosto de 1962, testemunhou os efeitos de um golpe nas terras peruanas. A última parada da travessia foi o Rio de Janeiro. Em Reino do Medo, ele registrou as primeiras impressões. “O Rio de Janeiro está bem perto de ser o melhor lugar do mundo para ficar perdido eternamente, depois de o mundo finalmente vir abaixo”, afirmou sob o pavor alimentado pela Crise

dos Mísseis de Cuba em 1962. Mas o deslumbramento com a cidade durou pouco. “É a maldita realidade daqui que não consigo evitar. Esses pobres coitados, acossados, assediados, pisoteados do nascer ao pôr do sol sem nenhuma razão satisfatória. Eu não os culparia se eles se revoltassem contra quase tudo e em nome de qualquer partido ou ismo que oferecesse as condições para a revolta”, declarou. Cinco das quatro reportagens sobre o Rio de Janeiro para o National Observer tratavam da instabilidade político-econômica brasileira. Em janeiro de 1963, um ano e dois meses antes do golpe apoiado pelo governo dos EUA, Thompson especulou sobre a deposição do presidente João Goulart. “Uma revolução, mesmo uma sem armas, provavelmente viria de dentro das Forças Armadas”, previu. “Além disso, ela seria bem-sucedida. O presidente não tem a maioria dos

militares a seu lado para sobreviver a um confronto.” Para ele, o Brasil seguia a trajetória histórica dos países da região. “Onde a autoridade civil é fraca e corrupta, os militares tomam o poder automaticamente”. Enquanto viajava, Kevin buscou interpretar o significado desta frase escrita por Thompson no Rio de Janeiro: “Após um ano perambulando por aqui, sei por que os EUA nunca vão ser o que poderiam ter sido ou pelo menos tentaram ser”. Os países sul-americanos serviram como lições para o autor de Hell’s Angels (1966). “Ele percebeu que as maiores ameaças à promessa norte-americana de igualdade de oportunidades, como o sectarismo político, o poder oligárquico ou a racionalização da pobreza, não poderiam ser relegadas a um estágio passado de desenvolvimento”, diz Kevin. Os EUA, pondera, tornaram-se mais parecidos com a América do Sul do que o contrário.


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