Lançamento:
FHC é tema de livro de professor da FSA Com a palestra da profª Maria Goreti Juvêncio Sobrinho, foi dado a público o livro de Ivan Cotrim (professor do curso de Ciências Sociais da FSA), Fernando Henrique Cardoso – Capitalismo Dependente e Politicização Página 14
Prefeitura de Santo André deve mais de R$ 27 mi à FSA
Levantamento realizado por professores da Fundação Santo André aponta: Prefeitura andreense é obrigada por lei a destinar verba anual para a FSA. Desde 2004, entretanto, pagamento não é realizado. Somado ao gasto com a construção do prédio II da Faeng originalmente de responsabilidade da Prefeitura, mas que, entretanto, foi custeado pela instituição - dívida ultrapassa os R$ 27 milhões. Página 16
Sociais
Jornal de
Curso de Ciências Sociais - Centro Universitário Fundação Santo André - Ano III - N° 10
Ciências
Informação que não se vende
Crise grega
Histor iador Osvaldo Cog giola apresentou conferência “A crise grega no quadro da crise contemporânea do capitalismo”. Página 3
Oriente Médio A crise no Oriente Médio se acentua ainda mais neste momento, com uma nova intifada palestina e com a intervenção da Rússia no conflito sírio. Tema foi debatido por Marcelo Buzzeto. Página 4
Ontologia do ser social Ester Vaisman, professora do departamento de Filosofia da UFMG, faz explanação sobre a obra Prolegômenos para uma ontologia do ser social: questões de princípios para uma ontologia hoje tornada possível, de György Lukács. Página 5
Semana de Ciências Sociais Semana de Ciências Sociais da Fundação Santo André ocorreu de 5 a 10 de outubro. Nesta edição, a cobertura completa do evento. P.2 - 11
Para além do capital A obra Para Além do Capital foi abordada pelo professor de Sociologia da Fundação Santo André, Antônio Rago Filho. Página 7
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Jornal de Ciências Sociais - nº 10 novembro de 2015
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Editorial & Afins
Chegamos ao número 10 A edição número dez do Jornal de Ciências Sociais é motivo de comemoração para a equipe, formada por alunos, ex-alunos e professores da Fundação Santo André - evidentemente, ligados ao curso que dá nome a nossa publicação. Celebramos, acima de tudo, o marco: são dez edições feitas na unha, com pouco - ou nenhum - apoio, com investimento de tempo, dinheiro e suor para realizar a publicação do que, acreditamos, é um veículo tão inovador quanto importante. Inovador, uma vez que somos o único jornal de ciências sociais do País talvez do mundo, do universo... Importante, na medida que dissemina conhecimento, levando para além dos limites da universidade conhecimento que julgamos de suma importância para a formação dos indivíduos e de seus respectivos sensos críticos. Festejamos também a nova cara editorial de nosso periódico, com páginas elaboradas de maneira a privilegiar o espaço físico do jornal sem perder na beleza. Gradualmente, aprendemos enquanto fazemos, melhoramos e nos comprometemos com a qualidade e precisão do
conteúdo, gráfico e textual. Nesta edição, apresentamos reportagens referentes à Semana de Ciências Sociais da FSA, promovida, neste ano, de 5 a 10 de outubro. O resultado: matérias que se destacam tanto pela profundidade dos temas quanto pela maneira clara e sucinta com que temas complexos foram explanados. É ponto para nossos colunistas! Trazemos ainda um furo de reportagem, com matéria sobre a astronômica dívida da Prefeitura andreense com a FSA, oriunda de descaso e omissão da municipalidade. Marilena Nakano, professora da instituição, apresentou documentos que confirmam: a Prefeitura tem SIM a obrigação de destinar uma verba anual para a FSA. Por fim, fica uma dica: acompanhe as ações do Jornal de Ciências Sociais na internet, por meio de nossa página no Facebook (www. facebook.com/jornaldesociais), pois muitas novidade estão por vir - só conosco, o conteúdo não é mercadoria e, como consta em nossa capa, a informação não se vende. Boa leitura!
Jornal de
Sociais Ciências
Jornalista Responsável Eduardo Kaze - MTB: 62857 Colaboraram nesta edição: Anderson Mendes de Oliveira Bruno Marchetti Euller Felix Silva Geraldo Pereira Guilherme Amaro Cesário Guilherme Barros de Araújo Juarez Donizete Ambires Lilian Damasceno Marques Mariana Bakos Priscila Rostichelli Tatiane Borges dos Santos Tiago Candeias Braga
Fundação Santo André Av. Príncipe de Gales, 821, bairro Príncipe de Gales Santo André - SP - CEP: 09060-870 Tel.: (11) 4979-3406 colegiado.sociais@fsa.br
Leia também no portal www.colegiadosociais.com Tiragem: 5.000 exemplares
O Jornal de Ciências Sociais é uma publicação do Colegiado de Ciências Sociais da Fundação Santo André, distribuído gratuitamente.
Comunicações de pesquisa Como já é tradicional, durante a Semana de Ciências Sociais pesquisadores da FSA e de outras instituições apresentaram suas pesquisas, tanto de Iniciação Científica quanto de Mestrado e Doutorado, sobre os mais diversificados temas.
Monica Silva Dias (IC em Ciências Sociais/FSA). “As mulheres na Comuna de Paris, nas páginas do Journal Officiel de la Commune”. Exame do significado da participação das mulheres na Comuna de Paris: quem foram, o que fizeram, quais tabus quebraram e quais foram suas bandeiras e seu legado, examinando suas manifestações no Journal Officiel de la Commune. Matheus Henrique Bonifacio (IC em Ciências Sociais/FSA). “A consciência operária na Comuna de Paris”. Estudo da consciência manifestada pela classe trabalhadora durante sua primeira experiência de tomada de poder, a Comuna de Paris, no Journal Officiel de la Commune.
Mábia Socorro de Oliveira (IC Ciências Sociais/FSA). “Política expansionista? O Brasil de 1964 a 1989”. Análise histórica da articulação entre internacionalização de capitais através das empresas multinacionais e o Estado, de 1964 a 1989, num esforço para compreender a expansão das empresas brasileiras para além das fronteiras nacionais. Danilo Milev (IC em Ciências Sociais/ FSA). “A imigração italiana em Buenos Aires no período 1880-1890”. O processo imigratório dos italianos na cidade de Buenos Aires durante a década de 1880 e suas contribuições sócio-culturais para a sociedade argentina, a partir da oposição entre os moradores da cidade e os outsiders. Leandro Candido de Souza (Pós-doutorado/Unesp). “O Olhar Ideológico: da Jovem Pintura ao Coletivo Antifascista”. Exame do panorama da pintura política francesa e de suas características, durante as décadas de 1960-70: da fundação do Atelier Populaire (Maio
Domenico Losurdo: Da defesa do estado à extinção do anarquismo
de 68) à consagração institucional do pós-modernismo após a abertura do Centre Georges Pompidou (1978). Carlos Oliveira Guerra (Mestrado/UFABC). “As relações de trabalho na cidade de Santo André na atualidade (2003-2014): consolidação ou reversão do pós-fordismo?”. Estudo das relações de trabalho na cidade de Santo André entre 2003 e 2014, à luz das transformações da economia brasileira diante da globalização, especialmente a alteração do padrão de acumulação fordista rumo ao flexível-toyotista. Valdemar Gomes de Sousa JR. (Doutorado/UFABC). “Redemocratização do Brasil: Convergências ideológicas entre o projeto político da Folha de S.Paulo e de Golbery de Couto e Silva (1974-1984)”. Análise das convergências entre as respostas do jornal Folha de S. Paulo e de um dos artífices da abertura democrática, Golbery de Couto e Silva, que influenciou a ESG e o IPES, órgãos de elaboração e difusão da ideologia bonapartista.
imperialismo”. Por fim, expôs a sua crítica à filosofia nietzschiana, colocando o filósofo alemão como profunGuilherme Barros de Araújo damente reacionário e afirmando Estudante de Ciências Sociais da Fundação Santo André que, segundo Nietzsche, “não há No dia 16 de junho, o Cole- a discutir sua posição sobre o Esta- civilidade sem escravidão”. Losurdo giado de Ciências Sociais orga- do. Segundo ele, Marx e Engels não escreveu um livro em que analisa nizou na FSA, em parceria com colocam o fim do Estado enquanto toda a obra de Nietzsche, porém o a Fundação Maurício Grabois, tal, mas sim o fim do Estado tal foco da palestra não era esse. Respondidas as várias perpalestra com o filósofo italiano como existe atualmente. Esse raguntas, encerrou-se a palestra ciocínio seguiu para a polêmica Domenico Losurdo sobre a do filósofo Domenico Losurdo obra de Marx e a teoria sobre o afirmação de que o “anarquismo Estado - palestra que integrou é um empecilho para o desenvol- na FSA. Com o auditório lotado, as atividades de lançamento de vimento da democracia socialista”. Losurdo nos deixa a sua defesa Sua fala gerou um intenso de- do Estado e afirma que o seu seu mais recente livro, Marx e o Balanço Histórico do Século 20. bate ao término da palestra. Foi fim é utópico. Nem Marx nem Losurdo iniciou expondo a solicitado ao filósofo um escla- Bakunin concordariam com isso. diferença entre o liberalismo e recimento sobre a sua defesa do a teoria marxiana, afirmando Estado soviético, e em seguida foi Para Ler: que a história liberal encontra-se questionado sobre os aconteci- Losurdo, Domenico. Entrevista. In estritamente entrelaçada com a mentos de Kronstadt, onde uma Cadernos de Ciências Sociais, nº4. história da escravidão no mundo. revolta anarquista foi aniquilada São Paulo: Porto de Ideias, 2013. ______________ Marx e o balanço Cita Locke, dizendo que a liber- pelos bolcheviques. Ao defender a ditadura sovié- histórico do século 20 . São Paulo: dade dos homens se dá quando os homens brancos têm poder tica, Losurdo diz que temos que Anita Garibaldi, 2015. absoluto sobre os homens ne- diferenciar os massacres em prol de Tragtenberg, Maurício. A Revolugros e que a liberdade liberal não combater um inimigo maior. Reco- ção Russa. São Paulo: Unesp, 2007. tem como objetivo a liberdade nhece que temos que “observar as Joyeux, Maurice. Reflexões sobre a tiranias do governo soviético, sem Anarquia. São Paulo: Imaginário, individual. Essa introdução levou o filósofo nos esquecermos das mazelas do 1999.
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Semana de Ciências Sociais
A crise grega e seu contexto histórico Guilherme Amaro Cesário
GONZO REPÓRTER
Estudante de Ciências Sociais da Fundação Santo André
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Ano I Edição n° 1 - Novembro de 2015
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show de Alex Rodrigues – No silêncio - Acústico, abriu as atividades da Semana de Ciências Sociais. Sua apresentação reuniu músicas próprias e propícias à classe trabalhadora, não apenas por ser voz no silêncio duma crítica ao capital, mas também por demonstrar melodicamente a riqueza de sentimentos e razões da atividade sensível humana. Após desse belíssimo acústico, o historiador Osvaldo Coggiola apresentou a conferência “A crise grega no quadro da crise contemporânea do capitalismo”. Como alertou o próprio Coggiola, sua explanação consistiu mais em uma narrativa da gênese da Grécia, possibilitando assim discutir a crise grega dentro do cenário mundial, do que em um aprofundamento das características econômicas desta crise. Relembrou toda a trajetória grega desde a Antiguidade até a conquista do Império
Otomano, avançando pela independência nacional (1822) e percorrendo todo século 20 – na trama das duas guerras mundiais e do pós-guerra, reforçando os fatores externos e internos da história grega. Chegando aos anos mais recentes, Coggiola destaca que já em dezembro de 2008 ocorreram mobilizações da juventude grega que visavam o combate à violência policial, ao desemprego, à degradação do ensino, à precariedade, ao “resgate” dos bancos, seguidas por uma insurreição civil que durou várias semanas. Entre 2010 e 2011, tornou-se fácil perceber o salto da dívida pública em relação ao PIB: o “contrato bilateral”, ao invés de ajudar o povo grego, pagou juros aos banqueiros da Europa. Esse “contrato” mobilizou um aporte de até 80 bilhões de euros; porém (sempre se tem uma conjunção adversativa!) “Os empréstimos coincidiam com o vencimento de um dado volume de títulos. O dinheiro não
ia para a Grécia, mas para uma conta no Banco Central Europeu, destinado a pagar títulos anteriores, que vinham sendo negociados a 16% do valor de face; o contrato garantiu que os bancos recebessem 100% do valor dos títulos, depois de terem lucrado muito dinheiro em cima desses mesmos títulos desvalorizados. O ‘contrato bilateral’ serviu para reciclar essas dívidas anteriores. Grécia não recebeu o aporte e foi obrigada a pagar juros e a reembolsar o dinheiro: ‘Eram dívidas do setor privado, transformadas em dívidas públicas, um déficit inflado por uma série de itens que não faziam parte da dívida grega, como déficits de setores privados’ (Por quem os sinos gregos dobram?). Por fim, num paragrafo sintético: “A crise econômica e a revolta social e política na Grécia expressam a falência da união capitalista da Europa no seu elo circunstancialmente mais fraco, e a profundidade da crise capitalista mundial.
As formas da revolta grega, o rotundo (61,3%) não à ‘troïka’ (UE, BCE, FMI) no referendum de 5 de julho de 2015, e suas consequências políticas, afundam suas raízes na história contemporânea da Grécia, e possuem uma projeção não só europeia, mas mundial. As belles âmes [belas almas] que propõem como solução para a ‘tragédia grega’ um substancial desconto na sua impagável dívida, como também o faz o FMI, em nome do débito que o mundo contraiu historicamente com a filosofia e a ciência experimental da Grécia Antiga, suposta ‘mãe do Ocidente’, na melhor das hipóteses, e ainda na melhor das intenções, não sabem do que estão falando” (Por quem os sinos gregos dobram?).
Para Ler:
Coggiola, Osvaldo. Por quem os sinos gregos dobram? Disponível em http://blogdaboitempo.com. br/2015/08/11/por-quem-os-sinos-gregos-dobram/
A nova edição do Gonzo Repórter já está no forno e nossa reportagem foi buscar Rivotril pra banca! Veja como é fácil conseguir e por que um dos benzodiazepínicos mais potentes do mercado é comercializado como “balinha de dia das bruxas”.
Em breve!
NO AR! Leia também a edição número zero, com duas reportagens, em: /gonzoreporteroficial redatoriagonzo.com.br
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Semana de Ciências Sociais
O imperialismo no Oriente Médio Euller Felix Silva
Estudante de Ciências Sociais da Fundação Santo André
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crise no Oriente Médio se acentua ainda mais neste momento, com uma nova intifada palestina e com a intervenção da Rússia no conflito sírio. Esse importantíssimo tema foi abordado durante a Semana de Ciências Sociais por Marcelo Buzzeto, professor do curso de Relações Internacionais da FSA e membro do setor de Relações Internacionais do MST; e por Jadallah Safa, palestino radicado no Brasil e membro do Comitê Palestina Democrática. Ambos os palestrantes apresentaram informações muito importantes para a compreensão do que ocorre hoje no Oriente Médio, principalmente dos casos da Palestina e da Síria. A situação da Palestina demonstra em sua forma mais clara o que a intervenção imperialista norte-americana pode causar. Israel diariamente coloca os palestinos em situação de apartheid, e promove contra eles uma limpeza étnica e social, com o apoio militar dos EUA. A ajuda estadunidense
não se resume ao apoio militar, manifestando-se também na luta travada na assembleia da ONU para que não seja aprovada nenhuma resolução em favor da Palestina. E quando uma resolução nesse sentido é aprovada, os EUA é a primeira nação a fechar os olhos para o não cumprimento dela e por Israel – que não cumpriu nenhuma resolução concernente ao conflito Israel/Palestina, e é o país que mais desobedece resoluções da ONU. A situação dos palestinos na ocupação militar israelense é grave. Israel tem práticas semelhantes às dos colonizadores, expandindo seu território dia após dia e expulsando os palestinos de suas casas, e muitas vezes de seu país. Após expulsos, os palestinos têm seu direito de retorno ao seu país negado e são obrigados a ficar em condição de refugiados em outros lugares do mundo. O imperialismo norte-americano vê na ocupação militar israelense sobre o território palestino a oportunidade de manter o domí-
nio tanto sobre o território, quanto sobre o povo palestino, que há mais de 50 anos resiste e luta contra a ocupação militar israelense. A questão da Síria é complexa, nem as organizações da esquerda têm uma posição conjunta sobre o tema, diferentemente do que ocorre com a questão palestina. A Síria vive hoje um momento de grande turbulência. Bashar Al Assad, o atual presidente deste país, é extremamente odiado por algumas organizações da esquerda, o que faz muitas delas acreditarem que a movimentação síria deva seguir no caminho de sua derrubada. O que outras organizações da esquerda não acreditam ser o correto neste momento, por entenderem que há outro inimigo no território que deve primeiro ser combatido. Evidentemente, assim como no território da Palestina, há uma presença norte-americana na Síria, tentando de alguma maneira derrubar o governo de Assad, e treinando pessoal para combatê-lo, como é o caso
do Exercito Sírio Livre, que foi treinado pela CIA e também é ligado à Irmandade Mulçumana, grupo este formado por diversas monarquias árabes. Neste momento entra outro personagem em cena, a Rússia. Entre a Síria e a Rússia existem acordos militares desde 1980, sendo bastante longa a história da relação entre os dois países. Hoje há territórios sírios ocupados por exércitos ligados aos Estados Unidos que estão sendo bombardeados por forças militares russas, demonstrando que a relação iniciada em 1980 continua viva até hoje. É importante ponderar que o governo de Assad é indefensável, é um governo antidemocrático, não há justiça e nem igualdade social. Porém, há outros fatores a serem ponderados quando analisamos o governo de Assad, como por exemplo o fato de a Síria ser o único país que faz fronteira com o estado de Israel e não tem acordo com este, além de ajudar diversos movimentos árabes e palestinos
contra o estado de Israel; neste sentido há o exemplo do míssil que foi lançado próximo ao aeroporto de Tel Aviv em Israel, que não chegou a explodir, e que era de origem síria. As questões da Síria e da Palestina têm um elemento em comum: a intervenção norte-americana em seus territórios, que tenta instaurar ou manter governos que atendam a seus interesses, mesmo à custa de manter um povo, como o palestino, em situação de submissão e apartheid social, promovendo uma limpeza étnica.
Para Ler:
Vizentini, Paulo G. Fagundes. O Grande Oriente Médio – Da Descolonização à Primavera Árabe. Rio de Janeiro: Campus, 2014. Said, Edward. A questão da Palestina. São Paulo: Unesp, 1992. Said, Edward. Cultura e Política. São Paulo: Boitempo, 2003 “Síria: El análisis de James Petras”. Disponível em: http://redaccionpopular.com/articulo/siria-el-analisis-de-james-petras
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Semana de Ciências Sociais
Ontologia do ser social e eticidade Bruno Marchetti
Estudante de Ciências Sociais da Fundação Santo André
O
retorno à objetividade, ou seja, às coisas mesmas”. Com essa afirmação, Ester Vaisman, professora do departamento de Filosofia da UFMG, inicia a explanação sobre a obra Prolegômenos para uma ontologia do ser social: questões de princípios para uma ontologia hoje tornada possível, de György Lukács (foto ao lado), fornecendo elementos importantes à compreensão da obra e convidando à sua leitura. Essa necessidade sentida por Lukács, em franca oposição às ontologias anteriores, marca um renascimento do marxismo em bases ontológicas. Após comentar sobre os aspectos relativos à vida do autor, sua rebeldia na juventude, a repulsa pelos protocolos advindos de sua classe, o desprezo às tendências estéticas de sua época, a amargura profunda quando da morte de sua esposa, Ester passou à demonstração de alguns objetivos que levaram o filósofo húngaro a redigir os Prolegômenos. “
Segundo Vaisman, Lukács procurou, dentre outros aspectos, examinar as categorias do pôr teleológico, prévia ideação, individualidade e a própria cotidianidade, de forma que a ênfase de seu exame estivesse conectada intimamente com os elementos relacionados à subjetividade e, interessante dizê-lo, não com a centralidade do trabalho. As questões pertinentes à insatisfação de Lukács em relação a sua obra de maior fôlego, Para uma ontologia do ser social, foram, também, comentadas por Vaisman, indicando algumas correções das teses tratadas naquela obra. Umas das questões que mais preocupava Lukács, segundo Vaisman, estava relacionada à elaboração de uma ética em que, conforme aponta José Paulo Neto, o filósofo teria verificado a necessidade de fundá-la no ser social, em sua especificidade, em seu modo de reproduzir-se, de maneira a constituir uma
ética de bases materialistas. As aproximações que se arrolam detêm o objetivo de levantar alguns elementos relacionados à conferência realizada no dia 09/10/2015, mais especificamente sobre a questão das possibilidades e limites envolvendo a problemática da ética em nossos dias. Em um momento histórico em que é possível a apropriação por todos os indivíduos do patrimônio material e espiritual da humanidade de forma a satisfazer plenamente as necessidades individuais (momento este proporcionado pelo advento da Revolução Industrial 1770-1830), verifica-se, contraditoriamente, o impedimento das satisfações, por vezes, as mais básicas dos seres humanos. É nesse patamar de grandes avanços e recuos – na capacidade produtiva de um lado e generalização de problemas sociais do outro – que podemos notar, no plano da
consciência, um movimento que se pretende, digamos, autônomo: os apelos aos direitos humanos, ao comportamento ético na política (mas esquecendo que a própria política, por ser expressão da dominação do homem pelo homem, não pode ser ética), a preservação da natureza, a busca pela paz, a solidariedade, o respeito mútuo, a felicidade, amizade e etc.; movimento que tem por suposto e objetivo a busca de formas de convivência mais solidárias e mais justas no interior das relações sociais atuais. Sabe-se que o trabalho é a forma originária de toda atividade humana, é o ato fundante do ser social. A sociabilidade hodierna regida pela propriedade privada dos meios de produção tem na exploração do trabalho, na extração de trabalho alheio não pago um dos elementos fundamentais ao seu desenvolvimento. De forma que a produção do con-
teúdo material da riqueza social encontra-se fundamentalmente subordinada aos imperativos de acumulação e reprodução do próprio capital, em uma luta de expropriação do excedente produzido à custa do embrutecimento físico e mental daqueles que efetivamente engendram os bens necessários à vida. Considerando este fato, é uma impossibilidade o florescimento da eticidade no interior da sociabilidade regida pelo capital, uma vez que esta transforma os homens em joguete de forças estranhas e impede sua formação multifacetada, omnilateral. A realização prática da ética, do gênero humano só pode efetivar-se extirpando-se a miséria da exploração do homem pelo homem expressa pela propriedade privada e todo seu corolário. Nem sequer as importantíssimas liberdades democráticas que emanam da emancipação política ultrapas-
sam o horizonte estabelecido pelo capital; por serem essencialmente parciais e limitadas, expressam as formas mais desenvolvidas de liberdades dentro da sociedade de classes, no interior da escravidão moderna. Para além dos discursos pela humanização de relações sociais inumanas, quiçá expressão de uma concepção de mundo que já não pode ir à raiz dos problemas sociais, depreende-se a necessária transformação prática desse mesmo mundo criado pelos homens, pois como diz Arthur B. dos Santos Neto, “A alienação não pode ser superada por um ato de consciência, como formula Hegel, porque a alienação não é expressão de uma vontade transcendente, senão resultado do movimento imanente do real”. O resgate da centralidade do trabalho de modo a repor o horizonte revolucionário de caráter comunista se inscreve como possibilidade e premente necessidade, o que implica, conforme falava Marx, uma revolução social, que quebre o Estado e instaure uma nova e superior forma de organização do trabalho de maneira livre, consciente, coletiva e universal, o trabalho associado livre. Que o agente revolucionário se encontre perdido política, ideológica e organizativamente, que as vitórias do capital sobre o trabalho ao longo do tempo, salvo algumas conquistas pontuais, pareçam mostram que não há alternativa, tudo isso só demonstra a imensa, árdua e urgente tarefa que se apresenta àqueles comprometidos com um mundo igual, livre e autenticamente solidário.
Para Ler:
Lukács, G. Prolegômenos para uma ontologia do ser social: questões de princípios para uma ontologia hoje tornada possível. São Paulo: Boitempo, 2010 Santos Neto, A. B. Estética e Ética na perspectiva materialista. São Paulo: Instituto Lukács, 2013. Tonet, I. Educação contra o capital. São Paulo. 2ª ed. São Paulo: Instituto Lukács. 2012.
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Semana de Ciências Sociais
Crise do Capital e Movimentos Sociais Geraldo Pereira
Estudante de Ciências Sociais da Fundação Santo André
C
omo parte da programação da Semana de Ciências Sociais, foi realizado um importante mini-curso sobre a Crise do Capital e os Movimentos Sociais. Debate que contou com a participação do militante LGBT e da TLS (Trabalhadores na Luta Socialista – corrente interna do Psol) Tarcísio Ramos, que também é ex-aluno do curso de História da Fundação Santo André. O debate teve como enfoque os movimentos e as lutas sociais no Brasil, desde as lutas sindicais e demais importantes momentos da história recente, passando obviamente por Junho de 2013, momento de grande contestação social em nosso país. Tarcísio Ramos nos trouxe uma contextualização a partir de 2002, apontando que, a partir da eleição do governo Lula, do PT, houve uma grande mudança, principalmente institucional, nos rumos das lutas sociais, destacando-se a atuação das centrais sindicais como a CUT (Central Única dos Trabalha-
dores) e a Força Sindical. Para o militante, antes da eleição de Lula essas frentes de atuação dos trabalhadores atuavam de forma fortemente crítica ao governo, numa ofensiva sempre necessária para que os trabalhadores obtenham suas conquistas. Depois da eleição, o governo passa a atuar no sentido de cooptar os movimentos sociais, ocasionando enfraquecimentos em movimentos de importância histórica, como o MNU (Movimento Negro Unificado) e mesmo o MST. Uma das formas dessa cooptação destacada por Tarcísio é a atuação do governo através dos ministérios, como por exemplo a indicação de Luiz Marinho (na época dirigente sindical da CUT) ao Ministério do Trabalho, de Benedita da Silva à Secretaria Especial da Assistência e Promoção Social e de Marina Silva ao Ministério do Meio Ambiente. Tarcísio citou ainda um “acordão” destacado quanto à atuação de importantes sindicatos; por exemplo, no caso do ABC Paulista, região onde a luta dos
metalúrgicos é a principal do país, houve uma divisão: anteriormente, seis sindicatos eram filiados à CUT, mas três desses migraram para a Força Sindical, e a atuação passou de forte questionamento ao governo para uma política de defesa do governo. Seguindo essa linha de análise, de alinhamento dos movimentos sociais mais importantes e atuantes do país ao governo petista, ou, podemos mesmo dizer, de aparelhamento desses movimentos pelo governo, Tarcisio aponta que, no panorama da esquerda, sofremos para responder aos avanços conservadores da direita; a desarticulação dos movimentos com sua base, com o povo, ficou bem expressa nos movimentos de junho e julho de 2013, que tiveram como gatilho a luta contra o aumento das passagens encabeçada pelo Movimento Passe Livre, um movimento social importante e recente, que não se enquadra na articulação governamental, mas que nas ditas Jornadas de Junho, segundo o debatedor, não foi capaz de ir para além da luta
contra o aumento de passagens, objetivo do movimento. Uma crise econômica, política e social – segundo Tarcísio Ramos este é o panorama atual, que envolve uma crise de identificação com as pautas de esquerda, uma dificuldade em se falar e criar uma unidade de classe, até mesmo pelas mudanças na configuração dos trabalhadores: hoje temos grande número de trabalhadores nos ramos de serviços, em que a identificação enquanto classe, e mesmo a organização de lutas sindicais se afasta cada vez mais do horizonte. Este é um aspecto da crise social: a unidade entre os trabalhadores está cada vez mais difícil, e a competição entre eles ganha cada vez mais espaço. Tarcisio finaliza dando exemplos importantes acerca dos avanços conservadores e, sendo militante LGBT, acompanha e faz esse enfrentamento, mesmo no partido no qual milita, destacando os casos da entrada e posterior expulsão do Cabo Daciollo, e de um diretório do PSOL no estado do Acre, no qual
foi proibido o ingresso de militantes LGBT´s. Tarcisio ressaltou também a atuação que teve em seus anos de FSA, quando atuou em grupo de militantes LGBT´s em importantes momentos de lutas do movimento estudantil, salientando igualmente que mesmo movimentos estudantis foram aparelhados pelos governos, como é o caso da UNE (União Nacional dos Estudantes). Quanto à sua militância LGBT, chamou a atenção para a falta de políticas públicas para atender e incluir, para questionar preconceitos, como é o caso recente da exclusão da questão da “diversidade” dos planos educacionais municipais, o que afasta a indispensável discussão de gênero em nossas escolas e a conscientização necessária para o respeito mútuo às diversidades sociais.
Para Ler:
Souza, Leandro Candido de. “O século XXI e as novas formas de lutas sociais”. In Cadernos de Ciências Sociais nº4. São Paulo: Porto de Ideias, 2013.
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Semana de Ciências Sociais
O significado histórico de Para Além do Capital, de I.Mészáros
As
Insurreições
Comunistas
de 1935
80 Anos Depois
25/11 19h30
Dia
Lilian Damasceno Marques
Hora
Estudante de Ciências Sociais da Fundação Santo André
Com:
A
obra Para Além do Capital foi abordada pelo professor de Sociologia da Fundação Santo André,Antônio Rago Filho, que iniciou o debate mencionando as impressões deixadas por seu primeiro encontro com István Mészáros. Quem pensava que dali sairia apenas um debate denso com todas as explicações históricas de Para Além do Capital, se surpreendeu com a leveza e humor que Rago traz não só para os debates dos quais participa, mas para todas as aulas que ministra. Costurando acontecimentos históricos a vivências pessoais, os presentes puderam, além de compreender os fatos a respeito da obra de Mészáros e de outros pensadores importantes próximos a ela, como György Luckás e Karl Marx – que serviu de base para que Mészáros buscasse compreender a realidade mundial e suas conexões – visualizar, ainda que de maneira distante, a figura que a escreveu pela ótica do professor Rago. A irreversível destruição ecológica pelas mãos do capital e a necessidade de substituir o controle do capital pelo controle social foram alguns dos pontos trazidos na
discussão. Como salienta o texto distribuído durante a palestra, “A Necessidade do Controle Social”, Marx, no início dos anos 1840, em A Ideologia Alemã, já traçava um panorama dos caminhos trilhados pelo casamento entre o capital e a natureza:“Cada nova invenção, cada avanço feito pela indústria, arranca um pedaço desse terreno [da natureza]”. A água de um rio, por exemplo, “deixa de ser um meio de existência adequado ao peixe, tão logo o rio seja usado para servir à indústria, tão logo seja poluído por corantes e outros detritos /.../ ou tão logo suas águas sejam desviadas para canais onde simples drenagens podem privar o peixe de seu meio de existência”. É preciso discutir e apontar todos os problemas que envolvem o trabalhador, o meio em que vive e a maneira com que o capital se apropria do seu trabalho; não menos importante é questionar a apropriação do capital sobre a natureza, já, que, fazendo parte dela, o trabalhador sofre todas as consequências desta superexploração do meio ambiente, incluindo sua própria culpabilização, ora sendo chamado a cobrir os custos de uma despoluição, ora sendo apavorado
com sermões que evidenciam as catástrofes ambientais mundiais mas responsabilizam “o homem”, desviando sua atenção da relação social específica, o capitalismo, que está na raiz daquelas catástrofes. Igualmente necessário é discutir os meios de redirecionar os rumos da ciência e tecnologia a fim de solucionar nossos problemas – já que atualmente são determinadas pela necessidade da maximização dos lucros, não pela da melhoria das condições da comunidade – e a maneira como os trabalhadores devem tomar o controle efetivo das forças da natureza. O controle social, alienado do corpo social e transferido para o capital, configura o outro ponto de análise discutido na palestra: se a princípio o corpo social mantém o controle social, com a expansão do capitalismo os indivíduos passaram a ser aglutinados num padrão hierárquico estrutural e funcional de acordo com sua participação no controle da produção. Entretanto, a própria irracionalidade do capital abre margem para a inversão deste quadro, já que este, pela sua própria natureza,
somente pode ser descontrole – visto que é constituído através da objetivação alienada da função de controle. E lembrando o título da mais recente obra publicada por Mészáros, o sistema do capital é A Montanha que Devemos Conquistar. Conquistar e vencer. Vencer e ultrapassar. Humor e história fascinaram os que assistiram ao debate. E o final fechado a chave de ouro foi a chamada, aos que ali estavam, para que permanecessem lendo, estudando, refletindo, questionando, mas que o fizessem no caminho que leva até as massas, já que sem elas não há revolução.
Para Ler:
Mészáros, István. “A necessidade do controle social”. In: Para Além do Capital. São Paulo: Boitempo, 2002 Mészáros, István. A Crise Estrutural do Capital. São Paulo: Boitempo, 2009. Mészáros, István. A montanha que devemos conquistar, reflexões acerca do Estado. São Paulo: Boitempo, 2014. Marx, K.; Engels, F. A Ideologia Alemã. São Paulo: Boitempo, 2007.
Marly Viana (UFSCAR)
João Quartim de Moraes (UNICAMP) No Centro Universitário Fundação Santo André (Auditório da FAFIL): Avenida Príncipe de Gales, 821, Bairro Príncipe de Gales, Santo André - SP Organização: Fundação Maurício Grabois Apoio: Colegiado de Ciências Sociais - FSA
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Che Guevara, Cuba e o “homem novo”
Priscila Rostichelli
Estudante de Ciências Sociais da Fundação Santo André
S
erá que o “homem novo” que um dia foi idealizado por um dos revolucionários mais conhecidos do mundo, Ernesto Che Guevara, está caminhando para a morte? Essa questão foi debatida por Guilherme Sávio Marchi, em sua exposição para alunos do ensino médio.
Che Guevara afirmava em seu discurso que, para construirmos uma sociedade socialista, era necessário construir um “homem novo”, ou seja, a transformação da base material se daria simultaneamente à transformação da consciência capitalista pela construção de uma consciência contrária e mobilizadora, a do socialismo. Em uma de suas cartas, dirigida a Carlos Quijano (político e jornalista uruguaio), Che Guevara chega a destacar o poder do homem social com base na análise da derrota de Fidel Castro na tentativa de tomada de poder do quartel Moncada e do posterior sucesso da revolução alcançado pela guerrilha, na qual prevalecia não só o homem individual, mas a massa, com o motor impulsionador da mobilização; estabeleceu-se uma dialética entre o líder Fidel Castro e a massa que, para os que não viviam em meio àquela revolução, era de difícil compreensão. Desde a vitória da revolução e o posterior o embargo econômico estabelecido pela maior potência do mundo, os EUA, os cubanos acabaram sendo impulsionados
a uma aliança com a União Soviética, e mantinham uma intensa esperança de que os passos para o socialismo em Cuba estavam acontecendo. Com a queda da União Soviética, e consequentemente a falta de apoio econômico deste país, Cuba, apesar de um óbvio empobrecimento da população, sustenta-se até o fim do séc. XX e passa, posteriormente, a ter apoios de países como Brasil, Venezuela e Bolívia, entre outros. Diante de um embargo que trazia limitações econômicas a um país de organização social e ideologia diferente das dos EUA., entre as quais destaca-se a limitação da entrada do grande capital e dos métodos de produção mais conhecidos como taylorismo e fordismo, Cuba, quase que involuntariamente, se vê “livre” do ideal meritocrático e se mantém, apesar das dificuldades, como um dos maiores exemplos de igualdade social, se vendo também, em parte, livre do chamado “fetiche da mercadoria” na forma em que ele se manifesta nos países capitalistas. Digo em parte, pois o país não se tornou efetivamente
socialista, até porque jamais foi capaz de eliminar o Estado ou a divisão social do trabalho, muito menos se realizou o empoderamento completo do povo com relação aos meios de produção; porém, mantém índices de educação e saúde considerados os melhores do mundo, suplantando até mesmo o “grande” país meritocrático, os EUA. E conseguiu, apesar de uma (considerada por muitos) “ditadura”, o grande apoio da massa que, de sorte que, até hoje, mesmo alguns jovens, que só têm a história para considerar, sabem o significado da revolução e a apoiam com bases históricas e também empíricas, diante dos frutos desse processo. No ano de 2014, inicia-se uma tímida aproximação entre os antigos países “inimigos”, ou seja, Cuba e EUA, com a ajuda de uma das maiores ideologias societárias, a religião, mais especificamente a Católica Apostólica Romana. O atual Papa argentino, Francisco, de fala leve, convincente e de grande aceitação popular, consegue, através de sua relação com os atuais presidentes Raúl Castro e Barack
Obama, amenizar o passado em prol da paz mundial. Ou seja, um líder religioso consegue ao menos uma relação diplomática entre os países, coisa que nunca fora alcançada antes, mesmo com o apoio de diversos países em votações na ONU durante 24 anos. Com relação a essa aproximação, fica a pergunta: Seria a paz mundial ou a imposição religiosa e neoliberal? Ou seja, a vontade dos homens capitalistas de voarem livres como pássaros, disfarçada de vontade de Deus em prol da paz mundial? Seriam capazes os homens contemporâneos de fazer uma revolução social estando limitados a uma consciência de cunho capitalista? Ou “revoluções” assim or ientadas seriam apenas reformas social-democráticas que visam o aperfeiçoamento do capitalismo, como Lênin já descreveu? Diante dessa entrada impiedosa do capital estrangeiro na ilha, a consciência socialista, tal como Che Guevara buscava, poderá ser reposta? Sabemos que a quebra do bloqueio econômico é de interesse de Cuba, já que o
embargo causou mais de US$ 100 bilhões em prejuízos à ilha, e as dificuldades de acesso a produtos tecnológicos e medicamentos causam um grande atraso com relação ao resto do mundo. Porém, esta reaproximação não poderia resultar em total dependência do grande capital, e por que não, da religião, como ocorre em todos os outros países? Há de se ver ificar que, nem de longe, Raul Castro e a sua atual frente têm a mesma consciência das frentes lideradas por Che Guevara ou o mesmo poder de Fidel Castro e das massas revolucionárias da época. Por isso, infelizmente, diante dos erros do passado e do presente e da aparente pré-disposição religiosa desta atual organização política da ilha, a criação daquele “homem novo”, que não correu antes, está ameaçada. Apenas a massa conscientizada poderá mudar o pretendido futuro do país. Mas qual será a consciência dessa massa daqui para frente? Re v ir a-se no túmulo o homem que um dia não só soube revolucionar e plantar a semente do socialismo em uma ilha paradisíaca, como tentou rapidamente implantar o mesmo em outros países, até ser morto e ridicularizado sem ter quem pudesse substituí-lo. Che Guevara foi o homem que não pensou no indivíduo só em bases “economicistas”, mas queria ir além, queria um homem em construção que adquire constantemente a consciência da necessidade da incorporação à sociedade e a preocupação com ela como obra da revolução, não um homem fragmentado e alienado pelo processo de produção capitalista. O processo de transição ao socialismo precisa desse “homem novo”, da “desalienação”, e para isso é necessária a contenção das ideologias burguesas e pequeno-burguesas predominantes do capitalismo, não a liberação delas.
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Semana de Ciências Sociais
Exposição explica crise do capital para secundaristas Anderson Mendes de Oliveira
ávidos por riquezas especulativas etc. O diálogo com os alunos foi produtivo; foi possível discutir e explicar diversos problemas e dúvidas levantados pelos secundaristas em relação à crise que vivemos. Foi exibido o filme Da Servidão Moderna, documentário que mostra a relação de servidão à qual o capitalismo nos submete cada vez mais. Procuramos mostrar aos visitantes que a crise de moralidade/ética disseminada pela mídia é um sintoma, não a responsável pela situação que hoje vivemos. A fim de mostrar a raiz desses problemas, provocando questionamentos e discussão com os estudantes secundaristas, mostramos, através de textos e imagens, toda a estrutura do capitalismo, começando por elementos da crise presente e recuando até as origens desse modo de produção. Assim, do recente processo de globalização, recuamos para as diversas fases do imperialismo, até seu surgimento como resposta aos problemas políticos e econômicos postos pela necessidade de expansão dos campos de
Arte Sociedade
Estudante de Ciências Sociais da Fundação Santo André
Organizada por um grupo de estudantes de Ciências Sociais bolsistas do PIBID, a Exposição audiovisual “Crise estrutural do capital... e daí?”, foi montada durante a Semana de Ciências Sociais especialmente para dialogar com os alunos do ensino médio que visitaram a FSA e assistiram palestras sobre diversos temas da área, ministradas por sociólogos formados pela instituição. O objetivo da exposição foi mostrar, primeiro, como essa crise se manifesta diretamente na vida cotidiana de cada um de nós, e, segundo, que essa crise não é apenas um das faces depressivas, recessivas do modo de produção capitalista, como se tudo não passasse de um descaminho casual, como se apenas as coisas tivessem fugido momentaneamente ao controle. A crise geralmente é descrita de modo economicista ou politicista, isto é, como um desarranjo que pertence ou apenas à esfera econômica ou apenas à esfera política. Ou, numa visão ainda pior, como se fosse gerada na esfera da moralidade, da ética, como se tudo não passasse de erros pessoais ou de grupos
Pós-Graduação: Ciências Sociais Economia-mundo
aplicação do capital, a fim de manter a acumulação ampliada de riquezas, necessidade que se manifesta tanto nas crises dos fins do século XIX e inícios do século XX, quanto no desenvolvimento tecnológico e na constituição dos monopólios. Desse momento, voltamos para o período da concorrência pré-monopolista, marcado pela consolidação do modo de produção capitalista, e deste recuamos até as origens desse modo de produção, momento no qual a separação entre os trabalhadores, principalmente pequenos proprietários de terras, e seus meios de produção, é levada às últimas consequências: o trabalhador torna-se livre para escolher seu açoite, e a burguesia nascente, livre para açoitar. Através dessa explicação sobre a origem das atuais classes sociais e suas relações, mostramos como é necessário ter consciência da existência dessas classes e da necessária luta de classes. Considerando que os estudantes e professores da rede de ensino pública são majoritariamente membros da classe trabalhadora, o desenvolvimento de sua consciência de classe exige
reconhecer enquanto classe social antagônica a classe burguesa. Portanto, a crise não é exclusivamente técnica, econômica ou política, mas é uma crise da estrutura do modo de produção capitalista, mais uma das que regularmente se produzem. Se iniciarmos a contagem a partir da “crise do petróleo”, de meados dá década de 1970, teríamos 17 “eventos de crise” em três décadas e meia, um a cada dois anos, em média. As crises passaram a ser a regra, sendo a exceção os anos de 2002 a 2007. A excepcional expansão desse quinquênio concluiu numa crise sem precedentes, surpreendente pelo seu volume, profundidade e abrangência, que, como tentamos mostrar com a exposição audiovisual, precisa ser compreendida e combatida em suas raízes, pois afeta diretamente todos os âmbitos de nossa vida.
Voltado ao aprimoramento da formação de cientistas sociais e profissionais vinculados a áreas correlatas, o curso visa a atender demandas relativas às atividades de pesquisa, docência e outras formas de atuação social e política, aprofundando o conhecimento dos dilemas contemporâneos da existência humano-societária e ampliando a capacidade de discernir alternativas. O curso conta com professores doutores em diferentes campos (sociologia, política, antropologia, história, filosofia, letras), oriundos tanto do Centro Universitário Fundação Santo André quanto de outras universidades.
Para Ver:
Da Servidão Moderna. Colômbia, 2009. Dir.: Jean-François Brient. Trad.: Elisa Gerbenia Quadros. Disponível em: http://razaoradical. org/servidaomoderna.htm
Informações:
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Os dilemas da revolução chinesa
Mariana Bakos
Estudante de Ciências Sociais da Fundação Santo André
O
historiador José Rodrigues Mao Júnior, estudioso das revoluções cubana e chinesa, abordando os movimentos nacionalistas e questões do imperialismo nesses processos históricos, marcou presença no Encontro Regional de Estudantes de Geografia do Sudeste (EREGEO-SE) na Fundação Santo André e voltou para a Semana de Ciências Sociais, com palestra sobre a trajetória da República Popular da China. Antes de abordar o tema central da palestra, expôs a trajetória histórica dos Impérios chineses, trazendo as características e fatores mais marcantes de um sistema político que perdurou desde o século III a.C. até o começo do século XX. A China Imperial foi marcada pela influência da filosofia confuciana no campo ideológico e político, através da presença de sábios burocratas guiados pelos ensinamentos de Confúcio que auxiliavam a administração do Império. As dinastias eram frequentemente questionadas por
revoltas camponesas que, curiosamente, não almejavam acabar com o regime político imperial, mas acabar com a dinastia vigente e iniciar uma nova. Ao abordar essa questão, Mao nos alerta que é impossível compreender a sociedade chinesa por uma ótica ocidental, e destaca o etnocentrismo chinês quando explica o significado do nome “China”: Império do Meio, central no planeta e no universo, forma que se enxergavam perante o mundo. A partir do século XIX, a China se torna um grande mercado consumidor, atraindo interesses das potencias europeias, principalmente dos britânicos. Para conseguir livre acesso ao país e quitar seu déficit comercial em relação à China, a Grã-Bretanha investiu no tráfego de ópio dentro do Império do Meio. Ao proibir a comercialização da droga, o governo Chinês deu a premissa para a Coroa Britânica, com apoio de outras potências ocidentais, iniciar as Guerras do Ópio. As duas Guerras do Ópio ocorreram de 1839 a 1842 e de 1856
a 1860, no sul da China. Com a vitória dos britânicos, o tratado de Nanquim foi assinado e nele foi acordada a abertura de portos na China e o controle de sua alfandega pelos europeus. Nessa época, marcada por grandes disputas em território chinês, o imperador não tinha outra opção a não ser se tornar “fantoche” dos europeus. Não poderia armar sua população, pois corria o risco de ser deposto, e assim passou a facilitar a penetração comercial. Mesmo atuando ao lado das potencias, o Império Chinês não resistiu à Revolução Republicana de 1911 articulada por Sun Yat-sen, que exigia a queda da dinastia Qing e a expulsão de estrangeiros que apossavam das riquezas nacionais. Porém, a China era controlada regionalmente por “senhores da guerra”, o que favoreceu a vitória de um golpe de estado articulado por comandantes do Exército Imperial que tinham influencia nas cidades. Após o golpe, esses comandantes colocaram a China cada vez mais a serviço dos interesses
externos, e Sun Yat-sen se exila no Japão, voltando em 1921 com apoio de membros do Kuomintang, partido que ajudou a fundar no mesmo ano. O Kuomintang, fundado como um partido leninista, teve apoio do Komintern. Após a morte de Sun Yat-sen o partido ficou sob comando de Chiang Kai-shek, que rompeu com os militantes comunistas do partido após derrotarem as influencias regionais dos “senhores da guerra”. Essa ruptura dentro do partido gerou uma guerra civil revolucionária. Mao Tsé Tung organizou e fundou um soviete para defesa dos ataques realizados por Chiang Kai-shek,e que resistiu até 1934. Após esse ano, houve a retirada desses sovietes no fato histórico conhecido como “A longa Marcha”, e Mao se tornou a liderança do Partido Comunista Chinês. Em 1937, o Japão invade a China e o Partido Comunista Chinês se reaproximado Koumintang, mas por pouco tempo. Ao fim da guerra com o Japão
outro conflito estourou entre os partidos, levando à derrota final do Koumintang e à instauração da República Popular da China em 1o de outubro de 1949, com Mao Tsé Tung como presidente da república. Para finalizar a palestra, o professor abordou as passagens mais marcantes do governo de Mao Tsé Tung (foto): o Grande Salto para Frente (1958-60) e a Revolução Cultural (1966-76). O primeiro programa propunha o fim das divisões do trabalho e dos lotes privados de terra, e visava a uma rápida industrialização da China, porém economicamente o plano fracassou, resultando em fome generalizada; com isso, a ala do Partido liderada por Deng Xiaoping se fortalece, propondo a política econômica conhecida como as “quatro modernizações”, contrária às teses defendidas por Mao. Este, com a ala mais à esquerda do Partido Comunista Chinês, protagonizou a Revolução Cultural, que, nos termos de Pomar, foi a “tentativa mais extremada de implementar a ideia de que as massas mobilizadas são capazes de remover qualquer montanha”. Esse movimento trouxe a Guarda Vermelha, constituída fundamentalmente de estudantes e militantes fervorosos, que expurgou os suspeitos de deslealdade à revolução e ao pensamento de Mao, especialmente intelectuais; a chamada “Tempestade de janeiro”, em 1967, foi o momento de maior radicalismo desse movimento, que se prolongou até 1976, embora tenha começado a minguar já em 1969. No fechamento da palestra, o debate voltou-se para questões mais atuais, incluindo as relações com revoluções internacionais e o posicionamento perante os governos soviéticos.
Para Ler:
Mao Júnior, José Rodrigues; Secco, Lincoln. Revolução Chinesa: Até onde vai a força do Dragão. São Paulo: Scipione, 1999. Pomar, Wladimir. A Revolução Chinesa. São Paulo: Unesp, 2003.
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Refugiados do Capital Tatiane Borges dos Santos
Estudante de Ciências Sociais da Fundação Santo André
O
que estamos enfrentando no mundo, não é apenas uma crise econômica ou humanitária, é algo mais profundo e urgente. É o reflexo do que o capitalismo produz e reproduz em sua lógica cheia de contradições. Nunca se produziu tantos alimentos como produzimos hoje, então como explicar mais de 1 bilhão de famintos? Não podemos relacionar esse número com falta de produção, então como explicá-lo? Simples: no capitalismo não se produzem alimentos, mas sim mercadorias, ou seja, a fome vem do fato de produzirmos para venda e não para consumo. Se não temos dinheiro, não compramos e por fim não podemos consumir. O homem é explorado, o mundo é sugado, o modo de produção capitalista sufoca o meio ambiente. A ambição pulsante incita a extração de riquezas sem a mínima cautela ambiental, gerando efeitos catastróficos. Conseguimos ver um pouco desse caos com a questão dos refugiados pelo mundo, quando o capital explora tanto a terra, contaminando-a e tornando-a
inabitável, ou explora e escraviza povos e causa conflitos civis. A produção e reprodução do capital não geram apenas a tão conhecida luta de classes, a luta entre os proprietários e não proprietários dos meios de produção, mas também faz ressurgir a luta por território. Essas questões foram debatidas na palestra de José Arbex Jr, jornalista e professor da PUC-SP, e na exposição de Gessica Brandino, colaboradora do Instituto de Reintegração do Refugiado no Brasil. As fronteiras impostas pelas grandes potências mundiais no século passado, desenhando o mundo a seu bel-prazer, reprimindo e explorando povos em prol da acumulação de capital, muitas vezes dividindo etnias amigas e juntando no mesmo território etnias inimigas (como ocorreu na África), incentivaram conflitos que se configuram até hoje. As contradições do modo de produção capitalista geram tantos conflitos que obrigam pessoas a fugir para manter sua vida, buscando por segurança e o mínimo para a própria subsistência. Cito aqui a historia de Guylain
Mukendi Lobobo, da República Democrática do Congo, onde era professor universitário de finanças públicas e direito fiscal: ele foi acusado de incitar os jovens contra o governo em sua sala de aula, quando discutia sobre a gestão do país e dos recursos minerais. Objeto da disputa entre grupos econômicos e políticos internos e estrangeiros desde a época da colonização belga, a luta pelo controle desses recursos, importantes para a indústria eletrônica, é um dos fundamentos do atual conflito. Acresce que as condições de trabalho na mineração são desumanas, e a degradação do meio ambiente é ampla. Nesse quadro, um governo ditatorial persegue os congoleses que ousam falar, obrigando-os a fugir para manter sua integridade física. Foi o caso de Guylain, que deixou família, amigos e profissão e, como muitos refugiados do capital, nem mesmo sabia se iria sobreviver até conseguir refugio político no Brasil. Hoje Guylain, participa do Grupo de Refugiados e Imigrantes Sem Teto em São Paulo (GRIST) com o projeto “Refugiados Eu Me Importo”, ação
que tem o intuito de aproximar e sensibilizar os brasileiros sobre a luta diária dos refugiados. Cada uma das historias dos refugiados é estarrecedora. Um refugiado só sai de seu país porque a situação é insustentável, como é o caso dos sírios, que, antes mesmo de tentarem refugio na Europa, já estavam aos milhares em países fronteiriços à Síria; neste caso, os conflitos estão levando inclusive à desagregação do estado nacional. É preciso entender a diferença entre refugiado e imigrante; os imigrantes saem de seu país de origem por vontade própria, para buscar uma vida melhor, enquanto um refugiado é um fugitivo de conflitos e perseguições, aquele que é obrigado a sair do seu país de origem para manter-se vivo; apesar de a fome ser considerada fator preponderante em algumas regiões, muitos refugiados não fogem dela, mas são refugiados políticos. Os haitianos que chegam ao Brasil, por exemplo, não são considerados refugiados pela legislação, mas sim imigrantes. A discussão sobre essa nomen-
clatura é importante, pois cada uma das classificações garante – ou não – determinados direitos. No Brasil há cerca de 8 mil refugiados de mais de 80 nacionalidades e o número só tende a crescer. O Brasil, como outros países, assinou um tratado humanitário que obriga a aceitar refugiados, é a Convenção das Nações Unidas sobre o Estatuto dos Refugiados, que foi adotada em 1951. Porém tanto refugiados quanto imigrantes encontram aqui muitas dificuldades, como dificuldade na emissão de documentos, recuperação de diplomas e certificados, dificuldade no atendimento médico pela barreira do idioma, xenofobia e o preconceitos em geral, bem como desemprego e aliciadores que os levam ao trabalho escravo; os maus tratos e a falta do mínimo para sobreviver com dignidade levam alguns a preferirem voltar e enfrentar a perseguição em seu país de origem.
Para saber mais:
Caminhos do Refúgio: http://caminhosdorefugio.com.br/tag/grist
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Pensamentos e reflexões
Negros livres no Brasil republicano Juarez Donizete Ambires
SOLUÇÃO FINAL Geraldo de Souza Pereira
Professor de Língua e Literatura Portuguesa da FSA
Estudante de Ciências Sociais da Fundação Santo André
Vieram nos falar Que para proteger é preciso cercar Aprisionar, O “delinquente” que pode matar... A solução? Uma tal Maioridade Não pra quem tem Maior Idade Pro menor, se faz preciso enquadrar, Se já pode votar...
Detalhe da pintura de Auguste François Biard (1798-1882): A abolição da escravatura
N
o ano seguinte à Abolição, temos proclamada a República. Estamos em 1889 e o golpe de fato fere de morte o Império.A Monarquia não se reabilita entre nós e o exército nacional vai garantir os primeiros presidentes que fixarão a nova forma de governo. A bandeira perde os símbolos do Império, conserva o verde e o amarelo e ganha ao centro a esfera azul, com o lema Ordem e Progresso. Os estados (não mais as províncias) serão representados por estrelas. Já o povo, na sua vez, tem para si a mão pesada da repressão. Apesar do progresso presente no lema positivista, o intuito é dar atenção à ordem, pois ela é a certeza da consolidação. O governo de Floriano Peixoto é a expressão deste fato. À época, os republicanos particularmente pecam por não ter um projeto de governo. Nada fora com seriedade pensado, menos ainda a inclusão dos destituídos. Os negros contam com a libertação, mas, tal como no Império, são postos à margem. Sua situação social é a do pária. O estatuto do trabalhador livre
não chega até eles e nem a outros. Os que detêm o capital entre nós interessam-se pela importação de mão de obra europeia. A justificativa, porém, é a de que o país caminhará para a civilização. Basta aumentar o contingente branco de seus habitantes. Para o mais, conta-se com o beneplácito da mestiçagem. Com ela, espera-se que, em poucas gerações, haja um branqueamento e nossa positiva elevação a outro patamar. Nesta perspectiva, o que se apreende é o preconceito. O negro está livre, mas sua recompensa pelo período de escravatura é a perpetuidade na marginalização. Para ele, a República não tem políticas de assimilação e cidadania. O que se espera é o clareamento, na direta proposição da mestiçagem já referida. Dois anos após a proclamação, o Hino da República também renega os negros entre nós. Segundo ele, a escravidão já é algo muito distante. Suas lembranças já se perdem na fumaça do tempo. Na extensão, o remédio social passa a ser ignorar. Revela-se com isto que a República nasce e cresce
comprometida com a ideia da inferioridade natural de alguns. Se um dia houve anseios reformistas, na proclamação foram esquecidos. Pensando deste modo, para a República o futuro era branco, por mais incongruente que seja a gramática da construção. Nela, a crença em um evolucionismo apartado de Darwin é corrente. Negros e mestiços estariam sem a possibilidade de incorporação, aquém da cidadania. Os republicanos reproduziam agravadas as práticas do Império. Na mentalidade, o negro não fora colonizador e o bom seria não o ter como matriz. Assim, para os negros, o estatuto do trabalhador continuava próximo da escravidão. Sua entrada na modernidade do trabalho será tardia e sem a igualdade de salários. Em verdade, para a maioria deles ela ainda não aconteceu. Por isto, o dia 20 de novembro não se esvaziou de suas contradições e solicita não ser esquecido. Em sua essência histórica, ele se mantém convite a sérias reflexões.
Essa dita “verdade” O discurso padrão De uma visão rasa da vida Te apontam o vilão. Sem perguntar quem lhe aponta o canhão Um delinquente ou criança em formação Sem INFORMAÇÃO, sem perspectiva Sem aparente solução. Não se investe em Educação Constrói-se Prisão. Retiram da vista, Não encaram a REALIDADE QUE ESTA TAL MAIORIDADE TEM ALVO, TEM COR,TEM SANGUE,TEM CLASSE SOCIAL.
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CONHECER E TRANSFORMAR O MUNDO. PARTICIPE DESSE DESAFIO
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um mundo em que as transformações econômicas, políticas e culturais têm sido tão constantes e profundas, são as Ciências Sociais que oferecem os meios mais adequados para a compreensão teórica das novas condições humano societárias, sua complexidade e instrumental teórico para a intervenção transformadora. Na Fundação Santo André, o curso de Ciências Sociais fornece diploma de bacharelado e licenciatura, abrindo um leque maior de opções no mercado de trabalho. Conheça alguns alunos e ex-alunos das Ciências Sociais da FSA e inspire-se para abrir seus horizontes.
O meu nome é Deivison Mendes Faustino, também conhecido como Deivison Nkosi. Sou professor, pesquisador, militante do movimento negro epelo Grupo Kilombagem. Entrei no curso de Ciências Sociais em 2001 e me formei em 2005. O curso foi muito importante para a minha trajetória ao me oferecer uma sólida bagagem teórica e visão ampla a respeito do cenário político e social contemporâneo. Esse aprendizado foi fundamental para o meu ingresso e trânsito no mestrado e no doutorado. Trata-se, sem sombra de dúvida, de um dos melhores cursos de ciências sociais do Brasil. Deivison Mendes Faustino
O curso de Ciências Sociais permitiu-me acompanhar a longa marcha dos seres humanos, que, desde a vida selvagem até a barbárie contemporânea, vêm articulando teoria e prática em seu automovimento histórico. Esta articulação de ideias e ações é essencial à vida, inclusive nas perigosas veredas da pós-graduação. Do curso, ganhei uma espécie de mapa em construção, pois o mundo capitalista aparece hoje tão multifacetado e caótico que, sem conhecer a lógica da vida social, só podemos nos sentir perdidos de nós mesmos. Roksyvan de Paiva Silva
O curso de Ciências Sociais é ideal para quem se questiona sobre os problemas humanos, aos quais estamos todos imersos. O diferencial da FSA é priorizar a pesquisa, ou seja, estimular a busca pelos conhecimentos para além da graduação. Não é uma tarefa fácil, é árdua, sobretudo para quem precisa conciliar estudo e trabalho, mas vale a pena! Os saberes e as descobertas humanas, além de variados, se renovam constantemente, por isso, quem sai do curso de Ciências Sociais da FSA torna-se ambicioso! Quer apossar-se do mundo, conhecê-lo cada vez mais. Quer se sentir parte integrante de um todo, quer a generalidade humana, ser, sentir e ter o que é tudo! Quer, sobretudo, manter a esperança de uma realidade diferente da que está posta. Valéria Tenório de Almeida
PROGRAMA DE ESTUDOS PÓS-GRADUADOS EM HISTÓRIA PROGRAMA DE ESTUDOS PÓS-GRADUADOS EM SERVIÇO SOCIAL
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O curso de Ciências Sociais na Fundação Santo André mudou minha vida em todos os sentidos. Pessoalmente me tornei uma pessoa que entende efetivamente o mundo e que tem bases sólidas para empreender uma crítica contra todas as questões que me incomodam na complexa realidade moderna. Profissionalmente encontrei a educação e a pesquisa como campos de trabalho, participando atualmente de grupos de estudo na USP além de ser bolsista por entidades de fomento à pesquisa e professora efetiva da rede pública do estado de São Paulo. Sinto que minha formação é sólida e consistente, estando em patamar elevado se comparada a sociólogos e professores formados em outras universidades. Atualmente estou participando do processo seletivo para ingresso no mestrado da UFABC e da PUC-SP. Valquiria Kelly Braga
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Lançamentos
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Professor de Ciências Sociais da FSA lança livro sobre FHC Tiago Candeias Braga Estudante de Ciências Sociais da Fundação Santo André
C
om a palestra da profª Maria Goreti Juvêncio Sobrinho, foi dado a público o livro de Ivan Cotrim (professor do curso de Ciências Sociais da FSA), Fernando Henrique Cardoso – Capitalismo Dependente e Politicização. A profª Goreti abordou as concepções teórico-ideológicas do sociólogo expostas criticamente no livro, explicando tratar-se de publicação fundamental num momento em que grande parte de indivíduos e agrupamentos políticos que se põem à esquerda adotam a teoria da dependência sem se dar conta de que esta se mantém adstrita à órbita do capital, além de falsear a historicidade concreta por seu caráter tipológico-weberiano. A profª Goreti explica que em seu livro o autor critica tanto a teoria da dependência, quanto as do populismo e do autoritarismo, que nortearam a produção intelectual de FHC, produção essa que pretendeu definir os fundamentos históricos do Brasil. Apoiado no que Chasin apelidou de quadrúpede teórico ao incluir
a teoria do marginalismo em sua análise, o autor expôs aquela crítica que se remete à constelação teórica que vigorou na nova esquerda projetada, em grande medida, por FHC. Nesse sentido, a desmontagem da teoria da dependência abriu caminho para a crítica dos conceitos corolários que em conjunto dão corpo ao falseamento da nossa realidade. Observemos de passagem que foi diante do naufrágio da esquerda que Chasin sustentou o “soerguimento de uma analítica capaz de levar ao entendimento efetivo e crítico da realidade, bem como de levar a efeito uma prática à altura de seu significado”. Deste modo, o legado de uma análise do real que, longe de desvendá-lo, o inverte em suas determinações, é uma prática correspondente a essa inversão. Portanto, fazia-se urgente a retomada de uma crítica nos padrões propostos por Chasin em Rota e Prospectiva de um Projeto Marxista, crítica “que compreende exatamente as determinações da necessidade das entificações humano-societárias e de suas
lógicas específicas, implicando a fortiori a compreensão de seu campo de possíveis, donde o desvendamento dos entes é também o desvendamento de suas possibilidades e meios de transformação. Desvendamento, pois, como luz da atividade ‘pratico-crítica’”. De forma que o livro de Ivan Cotrim preenche esses requisitos teóricos tão necessários para a compreensão da realidade brasileira e de sua transformação. Em seguida a profª Goreti apresentou aspectos do governo de FHC, no qual se manteve, pelo
como forma redentora da nossa economia, revelando sua incapacidade de superar o quadro que definiu a subordinação do Brasil ao imperialismo. Desta forma, a suposição de que FHC seria o novo no poder mostrou-se falsa, pois, nesse caso, o adjetivo “novo”, conforme Chasin, não vai além da reiteração do que há de mais velho e deveria estar sendo superado. É frente a esse trágico quadro que o livro toma forma e importância, apontando o afastamento das posições de FHC das concepções de Marx e sua inconteste filiação a Weber. Desvenda, critiângulo da política, as característi- camente, o legado de uma teoria cas sócio-econômicas da ditadura fundada naquele arcabouço; nas militar, tratada pelo sociólogo, palavras do autor, trata-se de naquele período, por Estado bu- “Uma estratégia de ação fundada rocrático-autocrático, indicando no conjunto conceitual weberiaseu afastamento de um passado no e sintetizada em sua teoria supostamente marxista, já que não da dependência. Com isso, às reconheceu o legítimo conceito de massas trabalhadoras restou um bonapartismo à política ditatorial lugar ao sol, que ele tratou por militar. FHC reiterou, na prática de participação política, mas cuja chefe de estado, a autonomização da efetivação depende da reeducaesfera da política frente à economia, ção dessas mesmas massas para além de sua alienação à perspectiva que não tenham uma recaída em do trabalho. É nessa exata medida favor do populismo”, portanto, que se revela o politicismo de FHC, afirma Ivan, que a “redemocranessa radical postura de supor tização politicizada de Cardoso remover determinações histórico- não faz senão dar continuidade -contretas pela ação política. Foi ao historicamente determinante, assim que ele conduziu sua polí- tratado como novo: a autocracia tica de governo, aprofundando a burguesa”. subordinação da nossa economia Trata-se, assim, de leitura ao capital financeiro nacional e fundamental para a compreeninternacional, ao imperialismo; são tanto de uma importante sua concepção de que o desenvol- vertente da teoria sociológica vimento associado fosse a única brasileira, quanto da realidade alternativa possível ao desenvolvi- mesma do país. mento brasileiro se repõe em seu governo, reproduzindo as ações Para Ler: econômicas do governo militar Cotrim, Ivan. FHC: capitalismo bonapartista, vide a continuidade dependente e politicização. São da exportação de commodities Paulo: Porto de Idéias, 2015.
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Lançamentos
Pesquisas de ex-alunos do curso de Ciências Sociais da FSA são publicadas em livro Equipe Trajetórias Sociólogos da Fundação Santo André
V
iver em um mundo onde conhecimento e dispêndio de trabalho humano são mercadorias pode tornar a experiência da educação universitária problemática. A escolha de um curso fica muitas vezes restrita a um futuro profissional promissor. A formação universitária, inserida na lógica de mercado, tende a reduzir o conhecimento humano à obtenção de um diploma, a ser revertido, em um curto prazo, em dinheiro. Nesse sentido, não é raro encontrar cursos de Ciências Sociais voltados exclusivamente para o mercado donde o objetivo último é formar cidadãos capazes de empregar as habilidades adquiridas com o curso para maximizar as possibilidades de retorno financeiro de seus “superiores”. Destoando do habitual no meio acadêmico, o curso de Ciências Sociais da Fundação Santo André, ao carregar uma boa dose de leitura de mundo que privilegia a crítica de natureza materialista, é mais exigente. Não busca formar cidadãos, mas indivíduos, partindo do pressuposto de que a busca pela potencialização do saber humano é mais importante que a formação para o mercado de trabalho. O ser humano, como já bem disse Marx, é um trabalhador por essência, e só em meio a relações sociais específicas torna-se empregado de outrem. É certo que o curso acontece na academia e que está cercado de toda a burocracia que no fim dificulta o acesso a ele: vestibular, mensalidades, tempo... Mas, em meio às amarras sociais
do mundo moderno, é preciso reconhecer o trabalho de resistência dos professores que estão à frente do projeto Ciências Sociais para manter não apenas o curso em funcionamento, mas principalmente sua qualidade teórica e formação crítica, características marcantes do curso que se refletem tanto na formação quanto nas trajetórias dos alunos. Professores que se esforçam em ultrapassar as paredes das salas de aula por entenderem que a universalidade do saber é humana e não capital. O livro Trajetórias é o resultado desse esforço, protagonizado pela professora Terezinha Ferrari, autora da ideia, e pelo professor Carlos Cesar. Professores que desde o início acreditaram, apoiaram, e prontamente aceitaram embarcar conosco nessa empreitada desafiadora. Os textos encontrados no Trajetórias (São Paulo: Porto de Ideias, 2015) refletem a multipli-
apresenta como marxista e assim se posiciona diante do debate a respeito do signo, da língua e da linguagem. O texto de Carlos Henrique discute o papel da imagem enquanto mediadora das relações sociais no mundo contemporâneo a partir do clássico livro de Guy Debord, A sociedade do espetáculo. Suelen Lopes também trabalha um clássico, dessa vez da literatura brasileira, Grandois momentos desse projeto. de Sertão: Veredas, de Guimarães O primeiro deles é o próprio Rosa. A partir de Riobaldo e dos processo da pesquisa. Perguntas, demais personagens do romandúvidas, curiosidades, necessida- ce, faz uma leitura para além da de de compreensão dão vida a um análise de um texto, uma leitura trabalho que nos proporcionou de mundo que ultrapassa o serinúmeras experiências: o des- tão. Jacqueline Marinho, por sua lumbre diante de uma descoberta vez, percorre as particularidades até então nova para os autores, o históricas do desenvolvimento prazer de responder as pergun- capitalista nos EUA para explicar tas propostas, o olhar o objeto o desenvolvimento de um novo da pesquisa e poder explica-lo... processo produtivo conhecido Processo sem dúvida enriquece- como taylorista-fordista, bem dor e único! como os fatores que transformaO segundo momento foi à ram os Estados Unidos em uma transformação da pesquisa em potência mundial capaz de inartigo. Aqui o trabalho coletivo fluenciar política, social, cultural, foi mais intenso e permitiu algo econômica e militarmente todos infelizmente raro, mas muito de- os demais países do mundo. sejado, em especial na academia Guilherme Marchi, partindo da e pelos estudantes: a discussão visão de Che Guevara a respeidos temas entre o conjunto de to da produção e organização autores, as visões dos autores do trabalho em Cuba, após o cidade de temas e a diversidade enquanto leitores, as observações, triunfo da revolução, analisa os do conhecimento nas Ciências indicações, todo o estímulo, bem obstáculos internos e externos Sociais. Cada autor é único, como os caminhos apontados que impediram a ilha de superar preserva sua idiossincrasia, por pelos orientadores. a lógica do trabalho alienado. O Há que se ressaltar o caráter texto de Valéria Almeida parte isso se identificam com coisas diferentes, o que não significa que autônomo e independente deste do processo de industrialização não existam pontos em comum projeto que sempre privilegiou a brasileira para explicar as partientre eles. Os autores perseguem produção científica voltada para cularidades do desenvolvimento a maturidade e o rigor teórico, o beneficio e apropriação pela capitalista no Brasil, inserindo a bem como a crítica marxiana do totalidade dos indivíduos em gênese de um bairro da periferia processo de produção humana, detrimento do mercado editorial. da cidade de São Paulo, o bairpartindo da premissa exposta Produzido desde a capa ao último ro Jardim da Conquista, nesse por Marx e Engels em A Ideologia ponto final exclusivamente pelos imbróglio e evidenciando que a Alemã: “Tal como os indivíduos autores, esta publicação evidencia história do bairro não se encerra exteriorizam sua vida, assim são a possibilidade e a necessidade da em si mesma, antes se entrelaça eles. O que eles são coincide, pois, construção coletiva do conheci- com a história do capital em gecom sua produção, tanto com o mento científico para além das ral, do Brasil e de suas inúmeras que produzem como também pesquisas patrocinadas e subme- periferias em particular. com o modo como produzem. O tidas aos interesses econômicos. O resultado de tudo isso é que os indivíduos são, portanto, Assim, o primeiro passo foi o lançamento de um livro que depende das condições materiais dado. Os textos estão lançados desejamos ser o prelúdio do de sua produção”. à sorte da boa apreciação. O amadurecimento teórico, de No itinerário dos estudos de primeiro deles de autoria de novos estudos, de novas pesiniciação cientifica, agora con- Roksyvan Paiva é sobre Bakthin quisas, novas inquietações, e de densados em forma de artigos e a obra Marxismo e Filosofia da novas experiências capazes de se e publicados sob o signo de Linguagem (1929). A investigação contrapor à lógica da produção uma trajetória que está apenas do autor é orientada pela dúvida a alienada também no campo do começando, merecem destaque respeito do caráter da obra que se desenvolvimento científico.
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Noticiário
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Prefeitura deve R$ 27 milhões à FSA
Eduardo Kaze
Jornalista, pós-graduado em Ciências Sociais pela Fundação Santo André CAPÍTULO III DO PATRIMÔNIO E DO REGIME FINANCEIRO Art. 16. Constituem patrimônio da Fundação: I - as subvenções de que trata o art. 18 da Lei Municipal n° 1.840, de 19 de junho de 1962; Art. 18. Os recursos para manutenção e desenvolvimento do Centro Universitário e do Colégio advirão das seguintes fontes: I - mensalidades, anuidades, taxas e outras contribuições pagas pelos alunos por serviços prestados; II - subvenção anual da Prefeitura Municipal de Santo André, conforme estabelecido em Lei Municipal; III - subvenções, auxílios, contribuições e verbas provenientes de pessoas físicas ou jurídicas, públicas ou privadas, nacionais ou estrangeiras; IV - contribuições e financiamentos oriundos de convênios, acordos e contratos; Parágrafo único. Os recursos provenientes da subvenção de que trata o inciso II serão utilizados exclusivamente em infraestrutura e na aquisição de equipamentos e material permanente para as institui ções mantidas. Trecho do Decreto Nº 16.094 que trata sobre a obrigatoriedade da Prefeitura destinar uma subvenção para a FSA
É
30 de junho de 2004 e 200 delegados do PT de Santo André acompanham o candidato a prefeito João Avamileno, proponente de sua primeira eleição oficial à colocação desde que assumira repentinamente a chefia do Administrativo andreense em virtude do assassinato de Celso Daniel, em 2002. Estamos no auditório da Faculdade de Filosofia (Fafil) da FSA e os petistas que ali se agrupam aprovam, por unanimidade, o programa de governo de Avamileno - motivo fundamental do encontro. Pouco mais de seis meses depois, Avamileno, eleito, se esqueceria da FSA, instituição que sediara sua primeira vitória significativa. Em dezembroé então assinada a Lei N° 8704/2004, que “dispõe sobre a reorganização da estrutura administrativa, bem como extingue, cria e transforma cargos da administração pública municipal de Santo André e dá outras providências correlatas”. De uma canetada, cerca de 60 funções da administração direta do município são extirpadas e outras mais de 100 são criadas, com a inclusão de autarquias e fundações no quadro administrativo da Prefeitura, agora responsável pelo pagamento de grande parte dos funcionários das instituições incorporadas e
subvenção de verbas para a manutenção das mesmas.Mas a Fundação Santo André fica de fora do projeto que, por fim, a condenou à emancipação forçada do auxílio municipal. A questão é: por que? Marilena Nakano, professora do Centro Universitário Fundação Santo André, acredita que a decisão possui “natureza eminentemente política”. Segundo ela, adeterminação municipal de não responder pela Fundação Santo André é parcial, pertinente à administração pública só no que tange às finanças: “A Prefeitura participa em termos de exercício do poder - porque ela tem poder aqui dentro, e não é pequeno, é o prefeito que, em última instância, determina, a partir de uma lista tríplice indicada pela comunidade acadêmica, quem será o reitor.A prefeitura tem também poder no órgão que define as questões econômico-financeiras da instituição, que é o Conselho Diretor, com representantes e o próprio prefeito. Então, ela tem poder de decidir pela Fundação, mas não quer assumir o que é de sua responsabilidade”, assegura. A prefeitura se defende afirmando ser impossibilitada, por lei, de utilizar verbas da Educação em instituições de ensino superior. Para Nakano, o argumento é falacioso: “A Prefeitura só não pode
destinar dinheiro da Educação, neste caso, para a função ensino, que são os professores em sala de aula, mas ela pode assumir um conjunto de gastos como, por exemplo, de limpeza, manutenção do prédio, segurança etc. Os tribunais de contas do Brasil já se posicionaram sobre isso: há um conjunto de atividades que não são consideradas ensino e, portanto, podem ser assumidas pelas prefeituras no auxílio a instituições de ensino superior”, explica. De acordo com o decreto municipal n° 16.094, de 20 de outubro de 2010, assinado pelo então prefeito Aidan Ravin, aprovando alterações no estatuto da FSA (veja no destaque acima), entre “os recursos para manutenção e desenvolvimento do Centro Universitário e do Colégio” figura uma “subvenção anual da Prefeitura Municipal de Santo André, conforme estabelecido em Lei Municipal” (artigo 18/II). Esse dinheiro é negado à FSA desde 2004. Procurada por professores em agosto deste ano, a Prefeitura se comprometeu a avaliar a situação e responder em 20 dias. Quase três meses depois, ainda não houve retorno. “Tivemos uma reunião com o assessor do prefeito. Apresentamos um documento no qual demandamos o pagamento imediato das subvenções não re-
passadas entre 2004 e 2015, o que gira em torno de R$ 12 milhões, segundo levantamento feito pelos professores e atualizado com base no fator monetário padrão”, conta Nakano “Outra coisa que pedimos de imediato se refere à criação do Centro Universitário”, continua a professora,”que seguiu o desenho de acordo com uma visão regional do então prefeito Celso Daniel, pautado pela ideia de que a instituição teria um papel importante para o ABC, e a faculdade de engenharia seria um polo indispensável. Assim, quando se decidiu pela construção desta, a Prefeitura construiu o primeiro prédio, que daria conta somente do início das atividades, mas não da sua continuidade. Logo em seguida, o Celso (Daniel) morre. Aí o que fazer? Foi necessário construir o segundo prédio para dar continuidade aos cursos iniciados, e isso ocorreu com recursos provenientes da Fafil e da Faeco. Ou seja, foram os alunos que contribuíram decisivamente para a construção do segundo prédio da Faeng, que, inicialmente, era de responsabilidade da municipalidade. Assim, pedimos à Prefeitura o valor de R$ 15 milhões para recuperar esses recursos”, reivindica. A professora aponta ainda outra característica da FSA que justi-
ficaria o investimento municipal: “a Fundação Santo André possui, além do ensino superior, o ensino fundamental e médio, por meio do Colégio. Então, a Prefeitura também omite que existem aqui dentro essas modalidades, as quais poderia perfeitamente assumir, de forma colaborativa com o governo do Estado. Queremos a inserção da FSA no orçamento de 2016 da Prefeitura, na administração indireta,e assunção pela mesma dos serviços de limpeza, segurança e manutenção na FSA, após conclusão dos contratos de serviços de terceiros em vigor”, finaliza Nakano. Para o ano de 2016, o orçamento previsto em Santo André é de R$ 3,178 bilhões. Deste total, R$ 706,6 milhões serão destinados às fundações e autarquias da cidade (Faisa, Semasa, IPSA e Funerária), credoras deste valor em virtude do projeto nascido em 2004 no programa de governo de João Avamileno - plano este aprovado em encontro ocorrido na Fundação Santo André, a filha deserdada do governo municipal.
Para saber mais:
Confira em nosso site (www. colegiadosociais.com) a íntegra da entrevista e os documentos levantados pelos professores da FSA.