SARAU ERRANTE
Apresentações marcaram a abertura da Semana de Ciências Sociais. P. 7
MARX e o trabalho Página 5
Santo André - Ano I - N º 1
Jornal de
Sociais Ciências
O MUNDO EM CRISE
Com atividades voltadas à comunidade em geral, semana de Ciências Sociais abordou colapso finaceiro
Ariston Oliveira Neto
Pós-Graduação: Ciências Sociais Economia-mundo, Arte e Sociedade
Voltado ao aprimoramento da formação de cientistas sociais e profissionais vinculados a áreas correlatas, o curso visa a atender demandas relativas às atividades de pesquisa, docência e outras formas de atuação social e política, aprofundando o conhecimento dos dilemas contemporâneos da existência humano-societária e ampliando a capacidade de discernir alternativas. O curso conta com professores doutores em diferentes campos das ciências humanas (sociologia, ciência política, antropologia, história, filosofia, letras), oriundos tanto do Centro Universitário Fundação Santo André quanto de outras universidades. Inscrições Abertas! Mais informações em www.fsa.br
LANÇAMENTOS
Editorial
Semana de ciências sociais foi um sucesso
Anualmente o colegiado de Ciências Sociais organiza a Semana Cultural de seu curso. Professores e alunos se engajam no planejamento e, ligados no mundo contemporâneo, não podiam deixar de propor para 2011 o tema do momento: Crise Mundial: Perspectivas e Possibilidades. Cientistas políticos, historiadores, sociólogos e militantes encontraram-se durante a semana para explicar e questionar a crítica condição socioeconômica do mundo atual. Os palestrantes expuseram suas ideias e pesquisas para uma plateia atenta, composta por estudantes, ex-alunos e professores de Ciências Sociais e de outros cursos do Centro Universitário Fundação Santo André, estudantes do ensino médio, moradores das comunidades próximas, que participaram ativamente com questionamentos diversos, estimulando reflexões sobre as possibilidades e as perspectivas diante da crise atual. Os melhores momentos das conferências estão expostos neste número inaugural do Jornal das Ciências Sociais. As demais atividades que compuseram a Semana estão também aqui relatadas: mostra de filmes, sarau, debates sobre temas diver-
sos, lançamento de livros, exposição de telas, apresentação musical e poesias inéditas. No conjunto, a Semana de Ciências Sociais foi uma verdadeira jornada intelectual, política e cultural, organizada com a consciência de que possibilidades e perspectivas sempre estão postas no horizonte desde que sustentadas no reconhecimento razoável do próprio mundo. É preciso destacar que sua realização só foi possível com a participação e colaboração fundamentais dos nossos alunos. A contribuição dos estudantes, bem como o apoio institucional, também é essencial para que a nova empreitada que este Jornal das Ciências Sociais representa possa vir a público, trazendo periodicamente artigos sobre temas relevantes do mundo atual e das ciências sociais e outros campos afins do conhecimento, e também informações sobre as atividades realizadas pelo Colegiado de Ciências Sociais da Fundação Santo André e instituições parceiras. Entre em contato conosco para discutirmos o tema do próximo ano da nossa semana cultural e venha fazer o curso de Ciências Sociais na Fundação Santo André.
Jornalista responsável: Eduardo Kaze Diagramação: Luis Fernando Rezende Correção: Lívia Cotrim Colaboraram nesta edição:
Terezinha Ferrari; Vera Cotrim; Erik das Dores; Soraia Neves; Leonardo Coria; Raul Henrique; Renata Eleutério e Valéria Almeida
Karl Marx – a determinação ontonegativa originária do valorReprodução
A ideia corrente do ideário filosófico-político é a de que o homem, como gênero, sempre teve uma natureza intrínseca a seu ser, fato que fundamenta sua sociabilidade convertendo o capitalismo numa forma social natural. Ivan Cotrim, professor da Fundação Santo André e autor de sua tese de doutorado ora publicada, Karl Marx – a determinação ontonegativa originária do valor, realiza uma leitura que desmonta criticamente tal suposição, buscando, também, explicitar a unidade na obra de Marx e rejeitando a hipótese pela qual o pensamento marxiano estaria cindido em dois momentos de sua vida, determinados por juventude e maturidade. “Tratei das concepções do ser humano, valor e sociedade. Tentei demonstrar como a ideia de estado natural é fundamental para a economia política, que a partir dela transforma , por exemplo, a propriedade privada em um aspecto da natureza humana, naturalizando com isso o capitalismo”, explica Cotrim. Cotrim demonstra que existe uma unidade na obra do filósofo alemão. “Reaparece em O Capital (um dos livros mais conhecidos de Marx) um conjunto bem marcado de concepções de sua juventude. Por exemplo, tratar o dinheiro como um mediador, como um instrumento de alienação e estranhamento do homem. Num trabalho futuro, poderei mostrar isso com
mais detalhes, porém, neste texto já está demonstrada , e bem argumentada, a presença do embrião das concepções da maturidade nas obras produzidas a partir de 1843”. Sobre o título A noção de ontonegatividade foi criada por José Chasin, que a percebe nas críticas elaboradas por Marx, que se dirigem às categorias sociais que dominam o homem, mas que não são necessariamente intrínsecas à vida humana e, portanto, podem ser superadas. Para o professor, estas relações sociais, como o valor, são relações de alienação e estranhamento entre os indivíduos. “É dessa perspectiva que partimos e com ela procuramos explicitar a crítica à economia política, indicando a emersão da determinação ontonegativa do valor e a radical diferença da concepção marxiana de homem em relação àquela que naturaliza a essência humana e a sociabilidade do capital.” Serviço: Karl Marx. A Determinação Ontonegativa Originária do Valor Autor: Ivan Cotrim Editora: Alameda: 360 páginas Contato: ivancotrim@uol.com.br.
Bolívia: Democracia e Revolução A comuna de La Paz de 1971 Reprodução
O livro do historiador Everaldo de Oliveira Andrade tem como principal tema a Assembleia Popular de La Paz, organizada em 1971 e que foi uma das mais radicais experiências democráticas da região, bem no meio dos golpes de Estado e ditaduras militares da América Latina. Durante alguns meses daquele ano, sindicalistas operários e camponeses, estudantes e militantes de esquerda debateram novas formas de organização e de intervenção na sociedade. Comunistas, trotskistas, maoístas e nacionalistas deliberaram sobre controle operário da produção, formas de representação popular e modos de proteger o novo poder em gestação. “Esse livro trata de um momento bem específico da história boliviana e latino-americana, que é o surgimento de um parlamento operário popular de resistência contra a ditadura que existia na Bolívia naquele momento”, explica o autor, que tratou o assunto como uma experiência original de resistência democrática, nunca antes praticada na América Latina. Serviço: Bolívia: Democracia e Revolução A Comuna de La Paz de 1971 Autor: Everaldo de Oliveira Andrade Editora: Alameda: 344 páginas. Contato: everaldoandrade71@ gmail.com
Entre Maquiavel e Marx Gramsci, pensador italiano, enxerga uma unidade no pensamento maquiaveliano e marxiano
Separados por quase 300 anos de história, Marx e Maquiavel são intelectuais cujos pensamentos pouco têm a ver um com o outro. Todavia, o Italiano Antonio Gramsci realiza por meio de seus inúmeros escritos uma unidade: ambos escrevem para a classe da vanguarda política de sua época. “Em uma de suas categorias centrais, Gramsci estabelece uma identidade direta entre as politicidades maquiaveliana e marxiana”, explica Claudinei Rezende, professor da Fundação Santo André. “O primeiro ponto”, esclarece o educador, “é que ele aborda o pensamento de Maquiavel e o coloca não como um pensador do absolutismo, mas sim como um indivíduo que escreve à burguesia e, desta maneira, exclui a tendência jusnaturalista em Maquiavel, pela qual uma maldade natural estaria presente nos indivíduos”. A ideia é de certa maneira compartilhada por Lincoln Secco, do departamento de história da Universidade de São Paulo (USP), que complementa: “Acho que Gramsci não lê o Príncipe (livro mais conhecido de Maquiavel), ele lê Marx pela mediação do Príncipe e, ao fazer isso, vê no texto maquiavélico um chamado para um determi-
Sergio Pires/FSA
Claudinei Rezende, durante palestra na FSA
nado grupo social”. Entretanto, Claudinei destaca um equívoco nesse sentido. “Quando Gramsci une Marx a Maquiavel há o problema de ele não entender a teoria de Estado em Marx, e acreditar que os trabalhadores devem tomar o poder, e não dissolvê-lo. A identidade entre Marx e
Maquiavel inexiste na medida em que o primeiro concebe o trabalho como atributo central da humanização, enquanto o segundo idealiza a política como o ato fundador de toda sociabilidade. Em verdade, Maquiavel é um teórico que fundamenta o Estado e confere a base que os absolutis-
tas posteriormente resgatam: que é acreditar no Estado como elemento neutro controlador das incompatibilidades sociais. A república em Maquiavel é a comunidade atrófica do conflito regulado. Marx, por sua vez, delineia a superação do Estado, porque se tornará obsoleto”.
Próximas Atividades das Ciências Sociais Mini-curso:
Ciências Sociais e as américas contemporâneas Local: Fafil (Sala 32) Data: 5, 12, 19 e 26 de dezembro, das 9h às 12h Profs.: Terezinha Ferrari, Lívia Cotrim, Carlos César
Almendra e Rodrigo P. Chagas
Debates
Ciências Sociais, Academia e Militância – Rodrigo P. Chagas Ciências Sociais e Feminismo – Thais de Souza Lapa
Local: Fafil (Sala 32) Data: 3 de dezembro, das 9h às 12h Ciências Sociais e Globalização – Felipe Saluti Cardoso Ciências Sociais e Território – Danilo Amorim
Local: Fafil (Sala 32) Data: 10 de dezembro, das 9h às 12h A Fundação Santo André fica na Avenida Príncipe de Gales, 821, Bairro Príncipe de Gales em Santo André. Outras informações pelo telefone 4979-3406, ou no portal www.colegiadosociais.com
As mobilizações da juventude chilena Numa mobilização que já dura aproximadamente sete meses, os estudantes chilenos mostram a indignação com a falta de perspectivas de uma vida melhor. Saem ocupando ruas e praças dizendo ”não ao lucro”, combatendo o projeto neoliberal que já resiste há 3 décadas, desde o golpe de Pinochet, quando de maneira pioneira se iniciaram as privatizações dos setores mais importantes, dentre estes, a educação. As mobilizações da juventude chilena, inspiradas nas lutas que se espalham pelo mundo (Egito, Líbia, Espanha, Grécia, Portugal, entre outros), ganharam o apoio da população, desconte com os governos que dão continuidade e aprofundam as privatizações, isentando-se da responsabilidade que caberia ao Estado de garantir educação pública e de qualidade. No Chile, a educação, uma das principais bandeiras dos indignados daquele país, hoje é quase totalmente privatizada. Mesmo universidades públicas cobram taxas, e as famílias arcam (recorrendo ao crédito dos bancos e, assim, ao endividamento), com 80% dos investimentos em educação, enquanto o Estado gasta aproximadamente 16%, o que não atende às necessidades da população. Dentre as principais reivindicações, estão a necessidade de uma Assembleia Constituinte, um plebiscito nacional que discuta a educação e a luta pela nacionalização do cobre chileno para investimento em educação pública. Há muita força nessa luta, que aponta para rumos que rompam e questionem o atual sistema como um sistema falido, que não vai garantir as condições básicas de vida nem a educação a todos, que agudiza a desigualdade e prioriza o lucro das grandes empresas. As lutas a que o mundo assiste hoje demonstram os limites do sistema capitalista, em que a burguesia já não cumpre o papel democrático que cumprira com a superação do atraso feudal. Hoje a conquista da democracia real está nas mãos dos trabalhadores de todo o mundo, e essa democracia real só será possível com o fim do capitalismo.
Verdades e mentiras sobre a crise Colapso econômico não provém da inadimplência
O mundo assiste hoje a uma crise do sistema financeiro. As primeiras manifestações ocorreram entre os anos 2000 e 2001, tendo como epicentro os Estados Unidos. Desde então, em diversas partes do globo o que se vê são manifestações e levantes em virtude de uma presumível depressão econômica em nível globalizado. A mídia, influenciada pelas classes abastadas que normalmente a dominam, trata o tema como corriqueiro e banal. A culpa é jogada de um lado para o outro, ora caindo nas mãos do povo, ora nas mãos do estado. Mas o que realmente está acontecendo? De acordo com Valério Arcary, professor no Centro Federal de Educação Tecnológica (Cefet), “como sistema econômico, o capitalismo vive o início de sua agonia”. A posição é compartilhada por Jorge Grespan, docente na Universidade de São Paulo (USP), que complementa: “o capital chega num estágio em que tende a se acumular cada vez mais, investindo em tecnologia e formas que aumentam a capacidade de produção. No entanto, es-
sas novas formas o levam progressivamente a lucratividade menor e as taxas de lucro caem”. Para entender melhor, é só pensar que todo “capital é um valor que se valoriza”; na crise, ocorre que este valor se desvaloriza por meio de uma produção excessiva que não encontra escoamento no mercado. Segundo Ivan Cotrim, professor na Fundação Santo André, essa superprodução é gerada, em grande parte, pela “corrida dos proprietários privados atrás do lucro. O que se produz são bens sob a forma de mercadoria, no entanto, isso não leva imediatamente à fruição por parte da humanidade. A crise nasce, também, dessa separação entre produção e circulação”. Arcary aponta para a necessidade de desmistificar a mais popular das teorias sobre a crise, pois, ao contrário do que se tem dito, o colapso não provém da inadimplência. “A crise não é provocada porque dez milhões de norte-americanos compraram casas que não podiam ter e se endividaram com uma dívida que não podiam pagar”, explica.
O jogo “O capitalismo funciona como um cassino”, diz Arcary. Segundo ele, os bancos não emprestam o dinheiro que possuem, mas sim, emprestam na expectativa de que terão um ganho futuro, baseando-se nos lucros que, possivelmente, receberão com os juros dos empréstimos anteriores. Ou seja, é como uma aposta, na qual os bancos utilizam o dinheiro alheio como garantia. Para o professor a saída é uma só: a adesão popular voltada à não democratização do débito. Ou seja, os culpados pelo endividamento devem também se responsabilizar pela normalização, sem repasses estatais (que, via de regra, utiliza o dinheiro dos impostos da população). “Os acontecimentos ensinam que há uma esperança, com a união do povo e articulação em torno de um novo programa (econômico), que diga em alto e bom som ‘não pagaremos essa dívida’”, declara Arcary, alertando para as dificuldades futuras: “Para que tenhamos isso, os donos do capital precisam perder, e não se iludam, eles vão resistir”.
Futebol e história são abordados em palestra O geógrafo Danilo “Kadj Oman” membro do Associação Nacional dos Torcedores e Torcedoras (ANT) e do time de futebol amador Autônomos FC, esteve na FSA para falar sobre o tema: A Copa de 2014 e seu legado (anti)social para o futebol paulista: apontamentos. Danilo tratou da transformação do esporte, desde as origens do futebol, que era um esporte elitista e individualista, baseado em um jogador carregar a bola sozinho o mais longe possível, até a atual característica coletiva. Esse futebol coletivo passa a ser tecnicamente superior ao futebol individualista e é nesse formato que o esporte inglês chega à América do Sul e, no Brasil, é apropriado pelas massas de forma diferente, as quais, com o “talento individual” aplicado no jogo coletivo, criaram o futebol arte, eternizado por Pelé e Garrincha. Desde o início do século, a prática do futebol de várzeana cidade de São Paulo está ligada às festas e atividades populares, de modo que passa a ser um espaço de formação política e social das massas, com a constante presença de anarquistas. Danilo tratou da formação de alguns clubes profissionais da capital paulista, como Corinthians, Palmeiras, São Paulo e Juventus. Com a profissionalização do esporte e o processo de urbanização da capital, que acompanha um processo de expansão capitalista,
a prática do futebol de várzea foi sendo suprimida, de forma que o espaço para sua prática é tirado das massas, seja pelo Estado ou pela especulação imobiliária. O que resta para essa população é torcer para os clubes profissionais indo aos estádios. Danilo nos falou brevemente sobre a formação das torcidas organizadas, muito semelhantes em sua hierarquia às organizações de bairros operários do inicio do século, e de suas demandas, tendo por papel principal reivindicar que aqueles que comandam os clubes pelos quais torcem respeitem o que consideram ser o ideal de cada clube. Danilo colocou, como parte do processo de desenvolvimento do capital, a elitização e modernização dos estádios brasileiros, um processo semelhante ao que ocorreu na Inglaterra. Nesse sentido, a Copa de 2014 vem acelerar esse processo, que já vinha a passos largos com aumentos de cerca de 200% no preço dos ingressos dos jogos, de 2008 até 2011. Para além disso, foi colocada a situação dos moradores das regiões próximas ao estádio de Itaquera: uma vez que a FIFA exige um raio de 2 km de “segurança” próximo ao estádio em dia de jogo, essa área precisará ser “liberada”, bem como serão necessárias grandes áreas para construção de hotéis de luxo, para receber os turistas que virão assistir aos jogos.
Marx e a crítica do trabalho no capitalismo
Segundo Mario Duayer, a ontologia crítica de Marx é voltada ao trabalho na atual sociedade
lidade. Os homens apenas se vinculam uns aos outros na medida em que participam do universo das mercadorias e trocam valores. Para isso, o sujeito tem de participar do mundo do trabalho, e apenas enquanto trabalhador pode socializar-se. Mas seu trabalho,
pensam no dinheiro, não pensam no que produzirão”. A centralidade do trabalho, para o professor, é própria da organização capitalista: em outras sociedades, aqueles que trabalhavam não eram meros trabalhadores, “trabalha-
a atividade que consome a maior parte de seu tempo, não tem sentido para ele. Só é levado a cabo porque é meio para a participação do mundo das mercadorias, porque permite ao trabalhador envolver-se na troca de valores. O trabalho, ao criar valor, é trabalho abstrato, e, hoje, “Os jovens são a encarnação do trabalho abstrato –
dores em sua nudez”, para usar uma expressão de Marx, mas faziam parte de uma comunidade, onde o trabalho se imiscuía às outras esferas da vida social. Por isso, Duayer argumenta que apenas nesta forma de sociabilidade o trabalho é central. Embora não deixe de considerar que o trabalho é condição de todo o desenvolvimento humano:
Leandro Valquer
Por que os protestos em várias regiões do mundo que questionam as consequências da crise econômica tendem a se esvair no varejo? O que fará possível uma reorganização do mundo em benefício humano, e não mais do capital? Um novo mundo superaria o trabalho, ou o trabalho passaria a fazer sentido para aqueles que trabalham? Estas são algumas das urgentes questões colocadas pelo Professor Mário Duayer, da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ). Duayer explica esta tendência dos protestos de “se esvaírem no varejo” por uma ausência de crítica. Não uma crítica qualquer, uma vez que os protestos denunciam e acusam aspectos da atual organização econômica – como o domínio financeiro – e são permeados de (justas) acusações políticas. Mas falta uma crítica ontológica. Ou seja, se as outras críticas são construídas no interior do atual sistema, e não rompem com os fundamentos que justificam a organização capitalista, a crítica ontológica é aquela que ataca esses fundamentos. E encontra-se em Marx: não nos múltiplos marxismos teóricos, tampouco nas realizações do antigo leste europeu, que, segundo o professor, dissolveram esta crítica fundante. Mas qual o conteúdo desta crítica? Duayer entende a ontologia crítica de Marx como uma crítica do trabalho nesta sociedade, e não uma crítica “do ponto de vista do trabalho”. Segundo ele, no mundo do capital, é o trabalho que articula, conecta e socializa os sujeitos, e, portanto, o trabalho tem uma centra-
“o trabalho é a categoria de mediação que possibilita o salto ontológico do humano, emerge do mero orgânico por meio do trabalho, produzindo suas próprias condições”, mas, “Falar que o trabalho é sempre pressuposto é diferente de falar de centralidade do trabalho”, na medida em que o próprio desenvolvimento permite que o trabalho seja uma porção cada vez menor da vida. Marx seria então um crítico desta centralidade, que unilateraliza o sujeito. Sua ontologia crítica seria então voltada às transformações estruturais que, ao contrário de garantir o trabalho, possibilitasse o não-trabalho, ou o menos-trabalho, garantindo, isto sim, tempo para as outras atividades e mantendo o trabalho apenas como pressuposto. Fazendo jus aos debates e discussões que tema tão importante requer, e que encontra amplo espaço na Semana de Ciências Sociais da FSA, perguntamos ao professor Duayer: a superação do trabalho abstrato e alienado, a construção de uma sociedade auto-regulada com base no amplo desenvolvimento produtivo que já alcançamos, não tornaria o trabalho, de atividade obrigatória, sem sentido e perniciosa, à prazerosa atividade de auto-construção social e individual? Não deveríamos, ademais, superar esta concepção posta pelo capital do trabalho como meio, como o purgatório pelo qual devemos passar para alcançar recompensa futura, e, com Marx, ambicionar, no trabalho, uma atividade propriamente humana e libertadora?
Alunos fazem curta-metragem sobre o MST No primeiro dia da semana de Ciências Sociais, a atividade de exposição e debate “A questão Agrária Ontem e Hoje”, coordenada pela profª. Marineide Santos, contou com a presença de Leonardo Carvalho Monteiro e Matheus Nordon, estudantes da Escola da Vila, localizada no Butantã, em São Paulo. Leonardo e Matheus, junto a um grupo de estudantes do ensino médio, desenvolveram um curta metragem com acampados do MST na região de Itapetininga/SP para um festival organizado pela Escola. O curta, chamado Os Rasgos da Terra, traz depoimento de duas mulheres, militantes do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, que contam suas experiências enquanto acampadas e falam do sonho e da esperança de um dia sobreviver da terra. Os alunos revelaram que sua intenção ao realizar o curta com este tema é de mostrar outro cenário do MST, exposto pelas bases e não por lideranças do movimento, diagnosticando uma realidade mais concreta em contraposição a algumas visões das lideranças, que costumam ser entusiastas. O debate surge com questões bastante emblemáticas, como a descriminalização do MST, a influência da mídia para a marginalização do movimento, a percepção do movimento pelas bases, o papel das lideranças e a questão principal, que é a causa da existência do movimento: o acesso à terra e a possibilidade de viver dela. O contato entre os estudantes é fruto de uma atividade organizada pelo curso de Ciências Sociais em visita à acampados e assentados do MST para se discutir a problemática rural brasileira.
Profissão: Cientista Social
Demanda por profissionais está em alta no mercado Capacidade de investigação, análise, observação e pesquisa. São esses os atributos de que necessita o Cientista Social: profissional que lida diariamente com os desafios do mundo contemporâneo, as perspectivas de sua transformação e os meandros históricos que o formaram. Durante muitos anos, o estudante de Ciências Sociais foi visto como o futuro professor de ensino médio ou universitário. Hoje, a carreira oferece novos caminhos. O único pré-requisito é o interesse pela sociedade. “Concluí o curso de Ciências Sociais em 2007. A formação crítica e humanista que tive no curso, o referencial teórico consistente e as relações que estabeleci com professores e colegas foram muito importantes para minha formação individual e para as atividades profissionais que já desenvolvi”, conta a Analista de Projetos Sociais Thaís de Souza Lapa. Para exercer a profissão, o Cientista Social precisa obter o diploma de bacharel no curso de Ciências Sociais. Muitas universidades e institutos de pesquisa exigem também a pós-graduação. Além disso, o Cientista Social deve procurar estar sempre atualizado, lendo jornais e revistas, procurando novas obras lançadas em sua área ou frequentando seminários e congressos. Caso queira ser professor, é necessário ainda ser formado num curso de licencia-
tura. No caso da Fundação Santo André (FSA), tanto o bacharelado quanto a licenciatura estão incorporados num único curso. “Um dos diferenciais da Fundação Santo André é a oferta de dois cursos em um só. Ou seja, o aluno sai capacitado para a análise social por meio do bacharelado, e também para lecionar quatro disciplinas: Sociologia e Filosofia no ensino médio e História e Geografia no Fundamental”, explica Carlos César Almendra, professor da FSA. Fugindo do convencional Para aquelas pessoas que não se acomodam em atuações convencionais, como o trabalho burocrático de repartições em geral, a área de Ciências Sociais pode ser a saída. Foi o caso de Leandro Candido de Souza. “Quando terminei o ensino médio, precisava fugir do trabalho em escritórios. Descobri que uma maneira seria fazer um curso na área de humanas. Quando soube que em Ciências Sociais eu teria aulas de filosofia, sociologia, economia e antropologia, e que na FSA eu poderia conciliar estudo e trabalho, não tive dúvidas. Lá fui aluno de professores diferenciados, quase todos com formação de doutores, que me fizeram tomar gosto pela atividade acadêmica. Acabei por me tornar professor universitário, podendo desfrutar de uma rotina nada igual à dos escritórios”, revela.
Sarau Errante abre Semana de Sociais
Desenvolvido por um conjunto de alunos da Fundação Santo André (FSA) e Escola Livre de Ciências e Artes, o Sarau Errante tem como ideia primária extrapolar as muralhas que limitam o acesso e a utilização dos espaços públicos, estimulando a troca de produções e o reconhecimento entre as pessoas. A atividade inicial ocorreu no espaço do anfiteatro do colégio da da FSA em 15 de outubro, e marcou a abertura das atividades da Semana de Ciências Sociais. O nome Sarau Errante significa ser itinerante, ou seja, circular por diversos ambientes dialogando com os mais variados setores da sociedade. Apresentação O pretenso e desavisado fi-
lósofo esperava que um comunista andasse de chinelo, roupa esfarrapada, compartilhasse seu cônjuge etc. Entre gargalhadas e ovações, uma voz observa com tento o absurdo da argumentação. Mas a lucidez da advertência foi rapidamente suplantada por falsas – posteriormente foi demonstrado – questões de currículo. Restaram as indignações de corredor. E foi ali, compartilhando repulsas, que se conheceram Luis Fernando Rezende e Alexsandro. As unhas compridas logo denunciaram: havia ali algo que transcendia o interesse pelas ciências sociais. Naquele universo acadêmico predominava o culto ao rock de tipo inglês, ao ritmo de Mercedes
Sosa ou aos músicos supostamente engajados, mas foi a música brasileira o elo fundamental da gigantesca cadeia de afinidades que se desvelou entre ambos. Aos primeiros resguardos que o contato inicial suscita, sucederam-se os violões, que começaram a fazer parte da rotina estudantil, e, com eles, as ideias musicais de cada um. E depressa as composições conjuntas principiaram, dando início a uma difícil e escalafobética jornada de criação. Um é cearense e outro é paulista. O primeiro é a proclamação do lirismo poético enquanto exteriorização de anseios humanos; o segundo é apaixonado pela forma de
expressão musical produzida no nordeste brasileiro, procurando naquele espaço aquilo que infringe a formalidade estética da indústria cultural. Enquanto um busca aquilo que difere nos clássicos, outro se interessa pelo que é classicamente lírico nas diferenças. Eis que, nesta salsada toda, a descontração e o comprometimento do samba transformaram-se na principal forma de aparecimento musical da dupla, embora o trânsito por outros ritmos tenha se tornado inevitável, dado certo caráter de pesquisa que seu trabalho contém. E quem os vê, bem o sabe: música virá por aí, nem que seja só em conversa.
Poesia
Caos Calmo Lívia Xavier
Sou, um breve pulsar diante do olhar do tempo, incertezas cansadas a nadar em pleno concreto abafado, dia após dia resistindo sem fingir, esquecendo sem lembrar. contra-dizendo a construção do eu invadido pelo caos que é calmo, manso quase imperceptível no conforto das casas acesas a noite Destruindo, todo caminho de alívio escondendo, toda peleja da luta na conduta prosseguir... mas da vida numa espera outro canto, que demais deve nascer chamará os homens a compor o resistir por-vir a caminhar feito um fogo-fátuo dos quereres. dentre eles: o despertar deste sono que cobriu os olhos do homem.
Romance e burguesia: a realidade despida de significado
Sergio Pires/FSA
O romance, gênero literário altamente difundido nos tempos atuais, possui raízes e características que o grande público desconhece. A forma contemporânea, na qual diversos personagens interagem, é algo relativamente novo quando comparada às diversas expressões artísticas da escrita que a humanidade experimentou. Na antiguidade clássica, por exemplo, época das tragédias, epopeias e herois, o caráter moral presente na linguagem em questão, exposta por meio de um único indivíduo que permeia toda a trama, era predominante. A organização do romance é realizada por meio de uma série de acontecimentos que ocorrem numa sequência de tempo. Dentro deste período, diversos núcleos (ou grupos de personagens) desencadeiam papeis de mediadores da história, contemplando a narração principal. “Nesta forma literária há uma totalidade extensiva dos objetos. A apresentação das figuras e situações ocorre simultaneamente”, esclarece Leandro Cândido de Souza (foto),
professor de pós-graduação na Fundação Santo André. Em outros gêneros literários, a multiplicidade também estava presente. Todavia, as relações experimentadas pelos personagens eram delineadas pela presença de um único indivíduo que assumia o posto de mediador dos conflitos. “Na epopéia também existia essa relação, mas havia a figura de um herói que por si só encarna todo o contexto”, explica Leandro, que complementa apontando o porquê da mudança de parâmetros: “No mundo burguês fica impossível apresentar um herói que encarna a totalidade de um lugar onde está inserido, devido à decadência dos valores e da própria cultura. Existe certa hostilidade à produção de uma vida culturalmente autêntica”.
existentes. Não expressam as relações de mútua determinação entre sujeito e objeto e, assim, promovem uma defesa do mundo existente por apresentar seus personagens isolados das relações que o determinam”, diz Leandro. Assim, a prosa da época burguesa é fruto do inevitável desaparecimento tanto da atividade espontânea quanto da ligação imediata do indivíduo com a sociedade. A tradição cultural ocidental no campo da literatura, segundo Leandro, “sempre foi marcada pelo realismo. Seja na epopeia clássica, na tragédia ou romance burguês. As vanguardas operam não uma superação dessa tradição, mas uma ruptura, essa é a problemática”. No romance realista, os personagens, assim, esArte e vanguarda tão ao mesmo tempo em “O problema das vanguar- comunhão e oposição ao das, ou modernismo, na mundo. A forma interior passagem do século 19 para do romance não é senão o o século 20, é que seus re- percurso desse ser que, a cursos de construção sem partir da submissão à renarrativa acabam abdican- alidade despida de signifido da apresentação das al- cação, chega à clara consternativas concretamente ciência de si mesmo.
O militar de esquerda
Nascido em 27 de abril de 1911, no Rio de Janeiro, Nelson Werneck Sodré se destaca não somente pela contribuição ao conhecimento histórico do Brasil. A formação intelectual do carioca ocorreu por meios inesperados a um pensador de esquerda, sendo completamente estruturada pelo ensino militar. A origem de seu pensamento não foi empecilho à vasta obra que deixou, e suas ideias contemplam desde a teoria econômica até análises literárias. “Nos anos de 1920 a formação militar era bastante ampliada, incluindo línguas, literatura e etc.. Havia uma abertura humanística”, explica Marcos Silva, profes-
sor de história na Universidade de São Paulo (USP). Foi nesse contexto que Sodré se educou. A boa formação, no entanto, não foi o suficiente para impedir as críticas. “Ele não teve formação acadêmica, o que era comum na época. Nunca foi professor de universidade e acredito que por esse motivo foi tão pré-conceituado, tratado como um autor sem importância e superficial”, analisa Silva, que complementa o problema indicando o fato de Sodré ter uma orientação intelectual ligada a Marx. “O marxismo nos últimos 30 anos tem sido vítima de muitos preconceitos. Chegam a dizer que acabou; o que é um erro”.
Argentina e seus demônios A professora Silvia Elena Alegre esteve presente no encerramento da Semana de Sociais, ocorrido na livraria Alpharrabio, em Santo André, para tratar do tema: Crônica de tempos difíceis – Aspectos da história contemporânea na Argentina. Silvia – que se diz “brasileira por adoção” – veio da Argentina para o Brasil em 1976, refugiada do golpe militar e do endurecimento da repressão. A historiadora lembrou a identificação social que os movimentos de esquerda, inclusive os movimentos armados, tinham junto à população argentina. Diversos militantes dos movimentos armados estavam inseridos em outras lutas sociais como o movimento estudantil, trabalhista e de gênero, por exemplo, e todos sabiam que os militantes participavam da luta armada. Esse fato, além de facilitar a penetração dos movimentos armados na sociedade, facilitou também a identificação de seus membros por parte dos militares que deram o golpe. A ditadura militar na Argentina, que é marcada pela dura repressão (o número de desaparecidos no período chega a aproximadamente 30 mil), teve
uma curta duração se comparada ao Brasil (1976 a 1983). Silvia afirma que a Argentina foi pioneira na recuperação da memória dos tempos da ditadura, uma vez que logo com a abertura política, em 1983, foram julgados e presos os generais de alta patente. Porém, a discussão sobre o papel tanto dos militares quanto da esquerda no processo ocorreu de forma despolitizada, resultando em teorias como a dos “dois demônios”, segundo a qual a sociedade civil estava no meio de uma guerra entre a esquerda armada e as forças militares, ou com a vitimização dos militantes desaparecidos, com movimentos como o das Mães da Praça de Maio. No momento atual, ao mesmo tempo em que o Brasil discute a Comissão da Verdade para investigar os crimes de sua ditadura militar, na Argentina, segundo Silvia, está ocorrendo uma retomada das discussões e das pesquisas sobre a ditadura militar, de uma forma que não havia sido feita até então. As discussões estão avaliando o papel dos militares e da esquerda armada no processo da ditadura de uma forma mais politizada.