Revista TÉCNICA #25 ( OUTUBRO/NOVEMBRO)

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EDITORIAL

O relatório “O Futuro da Competitividade Europeia”, encomendado pela Comissão Europeia a Mário Draghi, ex-presidente do Banco Central Europeu, foi apresentado no passado dia 9 de setembro ao Parlamento Europeu. As propostas de Mario Draghi para uma nova política económica e industrial focam-se em três eixos de ação: inovação e produtividade, descarbonização da economia, e redução da dependência externa em áreas como aquisição de matérias-primas e defesa.

Segundo o relatório, a Europa lidera o mundo em matéria de sustentabilidade e economia circular. O mesmo estudo apela a uma política energética única e uma estratégia europeia mais coordenada, mais coesa, que combine as várias fontes de energia, como as energias renováveis, a captura de carbono, e a melhoria da interligação das redes elétricas.

Criar processos mais sustentáveis, mais circulares, mais eficientes, é a solução mais imediata e ao alcance da indústria. Alargar o ciclo de vida dos produtos, minimizar a produção de resíduos, apostar em processos mais eficientes, otimizando recursos como energia, água ou matérias-primas, permitirá não só reduzir consumos e emissões, criando menor dependência externa, como potencia também a criação de valor, através do desenvolvimento de novos produtos, ou processos, ou integração na cadeia de valor de outros mercados, através do desenvolvimento de simbioses industriais e a criação de novos fluxos de valor.

Esta transição exige ainda assim investimentos estratégicos e colaboração entre a Academia, entidades do ecossistema de inovação, fornecedores e Indústria, para a promoção da inovação e de investimentos em processos de investigação e desenvolvimento, que permitam maior eficiência operacional, diferenciação pelo valor e novas oportunidades, numa altura em que a volatilidade e a incerteza tornam difíceis as tomadas de decisão de médio ou longo prazo.

Enquanto Centro de Tecnologia e Inovação, o CTCV defende que é urgente desenvolver mais inovação, aliando a tecnologia emergente à produção de conhecimento e à transferência de tecnologia. Nesta sua missão, promove o diálogo participativo com a indústria e estabelece parcerias para projetos de inovação em áreas de especialização estratégica, como a sustentabilidade, eficiência energética, descarbonização, economia circular, ou digitalização. Entre vários projetos em curso, destaca-se a agenda mobilizadora EcoCerâmica e Cristalaria de Portugal e os Roteiros para a Descarbonização para as Indústrias da Cerâmica, do Vidro e a da Pedra Natural, desenvolvidos ao abrigo do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR).

O PRR está a caminhar para a fase final de execução, mas está a iniciar um novo quadro comunitário de apoio, que permitirá dar continuidade aos projetos iniciados e desenvolver outros, que incorporem a inovação para a criação de soluções com efetivo diferencial competitivo.

Sustentabilidade e Circularidade são os temas centrais desta edição da revista Técnica, e é também o tema do próximo evento que o CTCV irá realizar em parceria com a Sociedade Portuguesa de Materiais, no próximo dia 4 de dezembro, sob o tema “O impacte da Circularidade dos Materiais nas Cadeias de Valor”, onde se pretende mostrar que empresas que adotem práticas circulares e sustentáveis, estão mais bem posicionadas para responder aos desafios ambientais e atender às exigências de mercado.

Jorge Marques dos Santos Presidente do Conselho de Administração do CTCV

SUMÁRIO

O papel da colaboração rumo à circularidade no setor do vidro de embalagem: a experiência da Associação Smart Waste Portugal

Sustentabilidade: um dever e uma oportunidade

Instituto Pedro Nunes, exemplo da promoção da economia circular no contexto da inovação

A agenda de economia circular do Centro

Roteiro RODIV2050: Estratégias para a Descarbonização da Indústria de Vidro, de Embalagem e Cristalaria

A Regulação da Pressão Estática dos Fornos-Túnel – Nota Técnica

Efeito da adição de nanopartículas a um vidrado na sua resistência à abrasão superficial

Verallia e os Desafios da Descarbonização

Tecnologia integrada de queimadores e fornecimento de oxigénio para a fusão de vidro: Um passo em direção à sustentabilidade e à descarbonização

A Sustentabilidade e o Papel do Design

FICHA TÉCNICA

Propriedade, Edição e Redação

CTCV - Centro Tecnológico da Cerâmica e do Vidro Rua Coronel Veiga Simão, 3025-307 Coimbra (T) 239 499 200 (E) comunicacao@ctcv.pt (W) www.ctcv.pt NIF: 501632174

Diretor

António Baio Dias

Subdiretor

Sandra Carvalho

Coordenador

Nuno Nossa

Colaborações

A. Dias, A.T. Fonseca, Ashwin Vinod, Beatriz Freitas, Carlos Martins, Carlos Monteiro, Catarina Gonçalves, Cristiana Costa Claro, D.M. Tobaldi, Fátima Tavares, Fernando Carradas, Hermano Rodrigues, Inês Rondão, Isabel Damasceno, José Vicente, J.A. Labrincha, Jorge Pimenta, L. Hennetier, Luísa Magalhães, Marisa Almeida, Michael J. Gallagher, M.N. Capela, M.P. Seabra, Norma Franco, Nuno Costa, Rui Ferreira, Victor Francisco

Design e Arte Final

José Luís Fernandes

Capa

Projetada usando recursos do Adobe Firefly

Impressão

Gráfica Almondina - Progresso e Vida; Empresa Tipográfica e Jornalistica, Lda Rua da Gráfica Almondina, Zona Industrial de Torres Novas, Apartado 29, 2350-909 Torres Novas (T) 249 830 130 (E) geral@grafica-almondina.com (W) www.grafica-almondina.com

Tiragem

250 exemplares

Publicação Periódica inscrita na ERC (Entidade para a Comunicaç nº 127420

Estatuto Editorial disponível em https://www.ctcv.pt/estatuto-e

É proibida a reprodução total ou parcial de textos sem citar a dos veiculam as posições dos seus autores.

O papel da colaboração rumo à circularidade no setor do vidro de embalagem: a experiência da Associação Smart Waste Portugal

Luísa Magalhães (Diretora Executiva) e Catarina Gonçalves (Gestora de Projetos)

Associação Smart Waste Portugal

Enquadramento sobre Economia Circular

O modelo económico atual é baseado no sistema linear de “extrair –produzir – consumir – descartar” e no pressuposto de que os recursos naturais são abundantes, fáceis de obter, baratos e sem impactes quando depositados no ambiente. No entanto, este modelo está a provocar um aumento da extração de recursos naturais e produção excessiva de resíduos. Como referido no Plano de Ação da Economia Circular da União Europeia, se este modelo não for alterado, até 2050, o mundo precisará de três planetas para suprir as necessidades da população, sendo que o consumo global de matérias-primas deverá duplicar e a produção anual de resíduos pode aumentar até 70%.

Perante este contexto, a economia circular tem ganhado um maior relevo, nos últimos anos, como solução de redução da extração de recursos naturais, do consumo de energia e da quantidade de resíduos gerada ao longo do ciclo de vida dos produtos, sem comprometer o crescimento económico. Desta forma, a economia circular deverá permitir a dissociação do crescimento económico da utilização de recursos e da produção de resíduos.

De acordo com a Fundação Ellen MacArthur, a economia circular pode ser definida como «um sistema industrial que é restaurativo e regenerativo por intenção e por design” e é baseada em três princípios: Eliminar Resíduos e Poluição; Fazer Circular Produtos e Materiais; e Regenerar a Natureza. A economia circular substitui o conceito de “fim de vida” por restauro, direciona-se para o uso de energia renovável, elimina o uso de produtos químicos tóxicos, que dificultam a reutilização e a reciclagem, e visa a eliminação de resíduos através do design de mais elevada qualidade de materiais, produtos, sistemas e, dentro disso, novos modelos de negócio.».

A Economia Circular pode ser concretizada através de diferentes estratégias, entre as quais:

• Ecodesign de processos e produtos: atuar na fase do design é essencial para evitar o desperdício ao longo do ciclo de vida dos

produtos. Algumas práticas circulares devem permitir a melhoria da durabilidade, possibilidade de reutilização e reparabilidade dos produtos, o aumento do teor de materiais reciclados nos produtos, a possibilidade de remanufatura e reciclagem dos produtos, bem como a redução da pegada ecológica.

• Inovação dos processos produtivos e valorização de resíduos e subprodutos: desenvolver processos produtivos mais eco-eficientes, ou seja, processos que permitam produzir mais com menos custos, menos recursos (água, energia e matérias-primas) e menos resíduos, deve ser um esforço contínuo das empresas. A inovação dos processos produtivos pode também incluir a identificação e incorporação de resíduos e/ou subprodutos de outras indústrias que podem contribuir para ganhos económicos e ambientais das empresas.

• Simbioses Industriais estas estratégias colaborativas estão relacionadas com o ponto anterior e correspondem à troca física de materiais, energia, água e/ou resíduos e subprodutos entre diferentes indústrias, com ganhos económicos e ambientais para todas as partes envolvidas. Além da troca de resíduos e subprodutos, as simbioses industriais podem também envolver a partilha de infraestruturas e equipamentos de uso comum, assim como de recursos humanos.

• Novos modelos de negócio circulares: investir em modelos de negócio focados no aluguer em vez da propriedade, ou na partilha de produtos e serviços, ou ainda modelos de negócio baseados no ecodesign (entre outros) devem ser equacionados para avaliar a competitividade económica e capacidade de promoção da sustentabilidade.

A Associação Smart Waste Portugal

A Associação Smart Waste Portugal (ASWP) é uma associação sem fins lucrativos, fundada em 2015, que tem como missão “potenciar a Economia Circular nas várias cadeias de valor, através da educação, inovação, colaboração e criação de novos negócios.”. Atualmente tem mais de 150 associados de diferentes setores (indústria e

distribuição, gestão de resíduos, consultoria, serviços e engenharia, universidades e centros de investigação, entre outros). As suas principais áreas de atuação são a produção e divulgação de conhecimento através da partilha de boas práticas; a cooperação através da promoção de sinergias e diálogo entre diferentes atores e o estabelecimento de plataformas colaborativas; a inovação e transferência de conhecimento; o apoio a atividades dos associados; participação em eventos e diálogo com a tutela. A ASWP pretende trabalhar diferentes cadeias de valor, com stakeholders representantes de diferentes elos da cadeia, juntamente com a Academia, permitindo assim a partilha de conhecimento e a produção de outputs, tais como estudos, projetos, pareceres técnicos e legislativos e oportunidades de colaboração entre as entidades.

Com a reflexão estratégica realizada ao longo de 2023, foi desenvolvido o Plano Estratégico 2024-2030. A visão da Associação foi alterada para que se possa focar no futuro regenerativo, tendo em consideração o ecossistema empresarial (incluindo indústria e serviços) e o contexto atual. A visão estratégica da ASWP é a aspiração de longo prazo da Associação, ditando a direção a ser seguida até 2030. Ela serve como bússola, unindo os membros em torno de uma missão comum: tornar-se a principal força catalisadora da circularidade no ecossistema empresarial português.

Os pilares estratégicos identificados – “Influenciar”, “Transformar” e “Inspirar” – são diretrizes que ajudam a tomar decisões e a direcionar os esforços, de acordo com a visão da ASWP. Cada caminho estraté-

gico está decomposto em metas de longo prazo, objetivos e iniciativas de curto prazo. O Pilar “Influenciar” estabelece a ligação com stakeholders para aumentar o impacto, o Pilar “Transformar” está associado à criação de novos modelos de negócio e no Pilar “Inspirar” pretende-se consolidar eventos e iniciativas de reconhecimento em Economia Circular.

Exemplos de Projetos para promover a circularidade do vidro

Tendo em consideração a forte estratégia colaborativa da ASWP, bem como a preocupação com as baixas taxas de recolha para a reciclagem do vidro de embalagem em Portugal, foi lançada, em maio de 2022, a Plataforma Vidro+, com o objetivo de promover a circularidade das embalagens de vidro em Portugal. Esta é uma iniciativa colaborativa que tem como objetivo criar um compromisso entre os diferentes agentes da cadeia de valor do vidro de embalagem que atuam em Portugal, incluindo Entidades Governamentais, Universidades e Centros de Investigação, Associações ONGs, entre outros. Este compromisso envolve a definição de uma visão, desafios e o objetivo de recolha de 90% das embalagens de vidro colocadas no mercado, para reciclagem, até 2030, em Portugal. Além disto, a Plataforma pretende contribuir para que Portugal seja um país de referência na incorporação de casco reciclado na nova produção de embalagens, fator-chave para a descarbonização da indústria do vidro de embalagem e na redução da extração de recursos naturais.

Figura 1 - Evento do 2ª aniversário da Plataforma Vidro+

Atualmente, a Plataforma conta com 44 membros e com o apoio da FEVE (Federação Europeia de Vidro de Embalagem), concretizando o Plano de Ação Português da Iniciativa Europeia “Close the Glass Loop”. Atualmente, está a ser estabelecido o Roadmap 2030 que tem como objetivo priorizar ações, identificar entidades responsáveis, estimar os investimentos necessários e avaliar os 15 projetos-piloto em curso sobre o seu potencial de expansão. Em 2022, na UE27, 80,2% de vidro de embalagem foi recolhido para reciclagem, enquanto em Portugal apenas 52% teve este destino, pelo que a Plataforma Vidro+ tem um grande potencial de atuação.

O myWaste é uma plataforma online de utilização gratuita para a gestão e partilha de resíduos/subprodutos/FER1 provenientes de diferentes setores numa rede Business to Business (B2B) de forma a promover a criação de simbioses industriais e a circularidade de materiais. Este modelo de digitalização permite uma maior facilidade na troca de informação disponível para consulta das diferentes partes envolvidas. Tem como vantagens a diminuição dos tempos de tomada de decisão e a promoção de novas soluções de valorização, evitando desta forma o envio para aterro. Atualmente, estão disponíveis 38 recursos e mais de 80 entidades estão registadas na Plataforma.

Próximos Passos

A ASWP, em colaboração com os seus Associados e outras entidades, dará continuidade a esta estratégia colaborativa que é um fator-chave para a circularidade. Os incentivos para a formação e para a inovação das indústrias são também áreas de atuação fundamentais que a ASWP irá continuar a trabalhar.

Referências

Comissão Europeia. (2020). Um novo Plano de Ação para a Economia Circular: Para uma Europa mais limpa e competitiva (N. COM(2020) 98). Disponível em: https://eur-lex.europa.eu/legal-content/EN/TXT/?qid=1583933814386&uri=COM:2020:98:FIN

Fundação Ellen MacArthur (2013). Towards the Circular Economy: Economic and business rationale for an accelarated transition (Vol.1). Disponível em: https://www.ellenmacarthurfoundation.org/towards-the-circular-economy-vol-1-an-economic-and-business-rationale-for-an

Figura 2 - Plataforma MyWaste
(1) Fim de Estatuto de Resíduo

Sustentabilidade: um dever e uma oportunidade

A prazo, uma empresa só será competitiva se for sustentável. Da sua sustentabilidade e alinhamento ESG dependerá a sua sobrevivência.

A sustentabilidade é condição necessária e imprescindível para o desenvolvimento e a competitividade das empresas. E a sustentabilidade, na ligação das empresas com a sua envolvente, faz-se através do alinhamento estratégico com os fatores ESG (Environmental, Social and Governance - Ambiental, Social e Governança).

É vital sensibilizar as PME portuguesas para os princípios de Ética e Responsabilidade Social Empresarial e assegurar a transição para uma economia mais sustentável, apostando em melhores práticas de emprego, no combate à corrupção, na proteção da biodiversidade e numa melhor utilização dos recursos, rumo a uma economia mais competitiva, mas justa e solidária.

Sendo uma área tão crítica das empresas, como se explica que tantas empresas se mantenham alheadas desta sigla e deste conceito que impacta diretamente no seu futuro?

A explicação possível é que, não estando esta matéria ainda legislada para PME, parece ainda não lhes dizer respeito. Nada mais longe da verdade.

Muitas empresas começam a ser pressionadas pelos seus clientes, com exigências de alinhamento com os ESG em horizontes temporais muito exigentes.

As empresas que procuram financiamento deparam-se com pedidos e questionários da banca, que são fundamentais para responderem às suas próprias obrigações de reporte. Alguns fornecedores, sobretudo os que são grandes empresas, também começam a exigir dos seus clientes alinhamento ESG.

Igualmente importante, a força de trabalho mais jovem, e sobretudo a mais qualificada, está fortemente interessada nas práticas das empresas na área da sustentabilidade e escolhe para trabalhar empresas responsáveis e sustentáveis.

Finalmente, nos sistemas de incentivos ligados a fundos comunitários há já exigência de reporte DNSH (do no significant harm) e a tendência será ir elevando a exigência nestas matérias.

A prazo, uma empresa só será competitiva se for sustentável. E da sua sustentabilidade e alinhamento ESG dependerá a sua sobrevivência.

As empresas que acreditam que só a partir de 2030 devem preocupar-se com estas questões correm riscos acrescidos. Serão obrigadas a fazer ajustamentos e investimentos rápidos, desestabilizando os negócios e as suas prioridades.

A alternativa é começar a trabalhar já, para colher oportunidades mais à frente.

O que é então o alinhamento ESG?

É muito simplesmente adotar um paradigma de desenvolvimento com uma aposta clara em modelos sustentáveis de crescimento económico:

• na dupla perspetiva de respeito pelo ambiente e acautelando também o impacto das alterações climáticas na empresa (E de Environment, ou seja, ambiente);

• modelos de relacionamento interno e externo socialmente justos (o S);

• e eticamente responsáveis (G de Governance, isto é, governança da empresa).

Se a parte do ambiente, tendo sido a primeira a ser legislada, está mais detalhada, há ainda caminho a percorrer para as outras duas áreas.

Elenco de temas ESG que as organizações precisam considerar

Para orientar as empresas, um conjunto alargado de entidades tem vindo a definir as áreas-chave de impacto ESG. Uma dessas entidades é a United Nations Global Compact

Sistematizando, sobre o Ambiente (E de Environment)

Esta é uma área com três subáreas importantes:

• utilização responsável dos recursos naturais, seja ao nível da utilização dos solos, da utilização da água ou a transição para fontes de energia limpas e renováveis;

• diminuição ativa da pegada ecológica, ao nível da utilização dos recursos e da circularidade na utilização dos recursos, bem como integração dos resíduos em novas cadeias de valor. E ainda, seleção responsável de parceiros e fornecedores, e favorecimento de cadeias de valor mais próximas, sempre que possível;

• mitigação de riscos associados a catástrofes e a fenómenos ligados às alterações climáticas. Nesta área, cabem medidas de prevenção de incêndios ou mitigação de riscos de inundação, incluindo deslocalização de empresas em caso extremo, por exemplo, mas também impacto que possa vir a suceder no âmbito dos produtos (ex, temperatura alta e seca originam vinhos com maior graduação. Ou, uma cultura que se dá numa determinada geografia pode deixar de se dar).

Comum a estas três áreas é a observação da legislação e a antecipação prudencial de alterações do quadro regulatório.

Sobre o Social (S)

As três áreas relevantes no social:

• a relação com os colaboradores, que se traduz, entre outros, por respeito por ergonomia e segurança no trabalho; diversidade e inclusão, de género, cultural, de integração de pessoas com deficiência; gestão do capital humano, considerada como integração das pessoas, oportunidades de desenvolvimento, oportunidades indexadas ao mérito, formação, relação com sindicatos, etc.;

• a relação com a comunidade, entendida como respeito pela envolvente, participação associativa, colaboração em projetos regionais e de vizinhança, voluntariado da empresa e dos colaboradores, participação ativa no desenvolvimento local e regional;

• a relação com clientes e fornecedores, entendida de forma lata, abarca desde a sustentabilidade do produto, marketing e I&D responsáveis, seleção de fornecedores, códigos de ética e de conduta, entre outros.

É transversal a estas áreas a observação da legislação e do quadro regulatório, seja ao nível dos RH (cumprimento dos direitos humanos), do respeito pela observação de normas e responsabilidades (ambientais, formativas, fiscais, concorrenciais, entre outras) e o afastamento de negócios controversos ou relações de negócio tóxicas.

Finalmente, sobre Governação (G)

Para as PME, o quadro do G é simplificado, impactando sobretudo nos seguintes domínios:

• accountability e transparência na relação com todas as partes interessadas (fornecedores, clientes, colaboradores, governo local e central, sistema financeiro, entre outros);

• propriedade e gestão, mitigação de riscos, sucessão empresarial (garantir o equilíbrio entre direitos dos acionistas e os interesses dos negócios, gestão prudencial de fases críticas da empresa e procura da continuidade e desenvolvimento do negócio);

• reputação da entidade e dos seus gestores.

À semelhança do E e do S, o G pressupõe naturalmente a observação da legislação e dos quadros normativos aplicáveis.

O ESG e a boa gestão das empresas

Como facilmente se percebe da descrição anterior, as empresas com boa gestão têm já uma série de práticas alinhadas com o ESG.

Contudo, é importante criar um contexto de mobilização para o ESG, introduzindo o tema transversalmente na empresa. Igualmente importante é identificar uma equipa interna que possa trabalhar esta matéria, para:

• identificar de forma sistematizada as práticas alinhadas com o ESG;

• identificar oportunidades de melhoria do alinhamento ESG;

• apontar oportunidades de poupança e também oportunidades de negócio associadas;

• seleção e preparação de dados para elaboração do reporte ESG.

Muitas empresas utilizam as suas áreas da qualidade ou da inovação para acolherem este projeto. Outras, preferem ter um colaborador ou uma pequena equipa dedicada. Dependendo do formato, esta área tem financiamento próprio, ou vai beber transversalmente aos orçamentos das áreas envolvidas no projeto.

A preparação e o reporte ESG

Para empresas industriais de alguns setores, mesmo empresas relativamente pequenas, em alguns mercados mais exigentes, os seus clientes já estão a obrigar à apresentação de standards internacionais de reporte, como o Ecovadis ou o Sedex.

E, para quem pretende começar a reportar, os principais bancos uniram esforços para patrocinar uma plataforma de reporte da SIBS, na qual centenas de empresas estão já a ensaiar o reporte, ou até já o concluíram.

No âmbito da sua parceria com a SIBS, o IAPMEI avaliou e detetou a necessidade de proporcionar às empresas, com destaque para as empresas de bens transacionáveis, duas atividades de capacitação: uma dirigida à gestão de topo, no sentido de a dotar de informação que permita trazer o tema para dentro da empresa e alinhar os dirigentes de segunda linha; outra, de caráter prático, para preenchimento acompanhado dos questionários na plataforma, dirigida a quadros técnicos encarregues de elaborar o reporte da SIBS para os bancos.

Até ao final do ano, estarão montados estes dois pilotos dirigidos às empresas, que serão colocados no terreno em parceria com associações setoriais.

Para empresas que começam a interessar-se pelo tema, o IAPMEI tem à sua disposição, em permanência, um vasto conjunto de informação, incluindo a resposta a questões frequentes, ações e vídeos formativos, um conjunto de dashboards e uma ferramenta de autodiagnóstico que permite aferir sobre a informação a recolher na empresa para iniciar o reporte.

Acompanhe a nossa área de Sustentabilidade Empresarial em https://www.iapmei.pt/PRODUTOS-E-SERVICOS/Industria-e-Sustentabilidade/Sustentabilidade.aspx

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Instituto Pedro Nunes, exemplo da promoção da economia circular no contexto da inovação

É sabido que a capacidade de atrair investimento para uma cidade, região ou país, depende de múltiplos fatores. Num mundo globalizado, a competitividade está diretamente relacionada com novos modelos e a competências que possibilitam a articulação entre investigação, produção e distribuição em cadeias de valor integradas e completas. A recente divulgação do relatório Draghi colocou o dedo na ferida: a União Europeia está a perder terreno para a China e os Estados Unidos, não só em termos de investimento como também produtividade.

É urgente que a Europa se “reinvente” e, para tal, será necessário que invista 5% do PIB por ano (cerca de 800 mil milhões de euros), em áreas estratégicas, para que a produtividade aumente 6% num prazo de 15 anos. O relatório destaca a importância de investir em setores-chave como a inteligência artificial, energia limpa, biotecnologia e tecnologia quântica. Draghi defende também uma maior integração e coordenação entre os Estados-Membros em termos de política económica e industrial. Outro ponto central é o papel da sustentabilidade na competitividade da Europa. O bloco europeu deverá continuar a liderar a transição energética e acelerar as políticas de descarbonização, mas de forma a garantir que as empresas europeias não perdem competitividade durante este processo.

A promoção da economia circular no contexto da inovação e sustentabilidade tem sido uma das áreas prioritárias da atuação pioneira do Instituto Pedro Nunes (IPN). Com uma abordagem multifacetada, o IPN é hoje uma instituição amplamente reconhecida no ecossistema científico e de inovação nacional. Ao integrar diversas valências, incluindo laboratórios de investigação aplicada em diferentes domínios tecnológicos e o apoio destes a processos de transferência tecnológica, em estrita conjugação com sua vertente de incubação e aceleração de start-ups. Este papel é de enorme relevância, ao impulsionar a colaboração entre a academia e a indústria, contribuindo assim para o desenvolvimento de soluções nacionais inovadoras que respondem aos desafios contemporâneos. Através do seu ecossistema de inovação, que integra apoio empresarial e técnico-científico, o IPN facilita a implementação de estratégias inovadoras, disponibilizando recursos como espaços físicos, laboratórios para validação de protótipos e a troca de conhecimento entre equipas.

A promoção da economia circular no contexto da inovação e sustentabilidade, foi reforçada ao renovar uma vez mais a assinatura do Pacto Ambiental, uma iniciativa de âmbito nacional que reúne instituições e empresas em torno de metas concretas para a transição energética e a neutralidade carbónica. Este compromisso alinha-se com a estratégia global do instituto, que, através da sua participação em vários projetos de I&D e da prestação de serviços especializados à indústria e comunidade, tem contribuído de forma significativa para a promoção de uma economia apoiada em novos modelos de negócio circulares, promovendo a transição para uma economia mais sustentável. Entre os modelos de negócio circulares impulsionados destacam-se o Fornecimento Circular, que prioriza a utilização de recursos renováveis e sustentáveis; a Extensão do Ciclo de Vida do Produto, que investe na reparação e remanufatura para prolongar a utilização dos produtos e adiar o seu descarte; e a Recuperação de Recursos, que reintegra resíduos e subprodutos nas cadeias produtivas, reduzindo ao máximo o consumo de fontes fósseis e o desperdício de recursos. Paralelamente, o modelo de Plataformas de Partilha, que otimiza a utilização de recursos ao facilitar o aluguer, a partilha e a reutilização de produtos, é igualmente alvo de grande interesse por parte do IPN, o qual tem olhado para modelos mais disruptivos,

tais como o de Produto como Serviço, com particular interesse, dado a forma como permitem transformar a noção de propriedade, focando-se no acesso em vez da posse, permitindo assim a atualização contínua dos produtos e o máximo aproveitamento dos recursos ao longo do seu ciclo de vida.

Especialmente desperto para o contexto destes novos modelos circulares está o Laboratório de Ensaios, Desgaste e Materiais (LED&MAT) do IPN. Este laboratório tem vindo a desempenhar um papel crucial na atuação da instituição neste domínio e tem liderado iniciativas que promovem a inovação em áreas estratégicas como a engenharia de superfícies, o desenvolvimento de materiais inovadores e circulares, a eficiência energética e as tecnologias de fabrico mais sustentáveis. A sua vasta experiência em projetos de investigação aplicada, bem como as suas capacidades técnicas especializadas no domínio dos materiais e dos processos, tornam-no um interveniente central em iniciativas de desenvolvimento tecnológico orientadas para a sustentabilidade. O laboratório está envolvido numa ampla gama de projetos, com foco em áreas como a eficiência energética, o desenvolvimento de materiais sustentáveis e a redução de resíduos industriais, destacando-se também pela sua liderança em projetos cofinanciados por programas europeus e nacionais. Os projetos de investigação conduzidos pelo LED&MAT abrangem uma vasta gama de setores, com ênfase em soluções inovadoras que contribuem para a economia circular. O projeto Sustainable Plastics, financiado

pelo Programa de Recuperação e Resiliência (PRR), visa a transição da indústria de plásticos para práticas circulares através do desenvolvimento de embalagens recicláveis e de compósitos biodegradáveis a partir de resíduos de fibras, sendo a Avaliação de Ciclo de Vida (ACV) uma ferramenta fundamental na análise ambiental dos produtos. Outros projetos de destaque, também no âmbito do PRR, são o ILLIANCE, que tem como objetivo alcançar a neutralidade carbónica no setor da construção, e o DRIVOLUTION, onde o IPN participa no estudo do processo de reutilização de baterias do setor automóvel para lhes dar uma segunda vida, associada ao domínio de armazenamento de energia para múltiplas aplicações. Já o Shellution Plus abordou a valorização de resíduos alimentares, através do aproveitamento de cascas de ovos para formulações de tintas e papel, promovendo tanto a sustentabilidade como a inovação nos materiais. No setor têxtil, o NABITEX explorou o uso de fibras naturais como o cânhamo para o desenvolvimento de produtos técnicos, reforçando a aposta em práticas sustentáveis tanto na construção como na indústria têxtil. No contexto europeu, o LED&MAT coordenou recentemente dois importantes projetos do programa de edifícios energeticamente eficientes do H2020: o projeto GELCLAD ao desenvolver um painel de isolamento para fachadas com materiais de ponta, integrando uma nova tecnologia de aerogel processado por extrusão com painéis compósitos obtidos a partir de materiais biobaseados ou reciclados, e o projeto POWERSKIN+, focado em soluções modulares para fachadas de edifícios, integrando não apenas materiais de

elevada eficiência energética, na forma de painéis de isolamento a vácuo com núcleos produzidos a partir de resíduos industriais, mas também na integração de células fotovoltaicas de última geração para produção de energia solar, associadas de forma inteligente a um sistema de armazenamento de energia elétrica com recurso a baterias de iões de lítio recicladas de veículos elétricos, promovendo a produção e armazenamento de energia limpa. Estas iniciativas são

o exemplo do papel proativo do LED&MAT como facilitador da transição energética e da sustentabilidade no setor da construção.

Além dos projetos de investigação e desenvolvimento, o LED&MAT oferece uma vasta gama de serviços de consultoria especializada. No domínio da Avaliação de Ciclo de Vida (ACV), o laboratório apoia empresas na análise do desempenho ambiental de produtos e serviços ao longo de todo o seu ciclo de vida, ajudando na quantificação dos impactos ambientais e na tomada de decisões informadas. Este serviço é particularmente relevante no desenvolvimento de estratégias de eco-design, na comparação de produtos em termos de impacto ambiental e no planeamento estratégico para a sustentabilidade. Outro serviço de destaque é a consultoria em estratégias circulares, através de workshops que promovem a análise e desenvolvimento de modelos de negócio circulares. Estas sessões práticas permitem às empresas explorar soluções sustentáveis, identificar ações de circularidade adequadas aos seus setores e discutir formas de integrar os princípios da economia circular nas suas operações. Este apoio tem sido fundamental para a transformação de modelos de negócio lineares em modelos mais circulares e sustentáveis.

O compromisso do IPN com a Economia Circular é um exemplo do impacto positivo que a investigação aplicada e a inovação podem ter, na transição para um futuro mais sustentável.

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A agenda de economia circular do Centro

“O território, enquanto espaço biofísico no qual se desenvolvem todas as atividades naturais, socioeconómicas e culturais (…), é uma das dimensões de trabalho fundamentais para promover a transição para um modelo de economia circular.”

Agenda de Economia Circular do Centro, 2019, p.10

Nota introdutória

As implicações sociais e ambientais provocadas pelo crescente desequilíbrio entre o consumo humano e a capacidade regenerativa do planeta levaram à necessidade de se pensar num novo modelo económico, baseado numa menor exploração de recursos naturais e assente no consumo e crescimento sustentáveis.

Emerge, assim, a consciência de que é necessário transformar o atual modelo linear de produção e consumo, baseado em "extrair, produzir, usar e descartar", num modelo mais sustentável, no qual os recursos são mantidos em uso durante mais tempo, minimizando desperdícios e maximizando o reaproveitamento de materiais.

A Comissão Europeia apresentou, em 2015, o primeiro “Plano de Ação para a Economia Circular da União europeia – Fechar o Ciclo”.

Portugal, em linha com as ambições europeias, avançou, em 2017, com o seu primeiro “Plano de Ação para a Economia Circular” (PAEC), a partir do qual as regiões foram chamadas a desenvolver as suas agendas regionais de transição para uma economia circular, com base nas especificidades sociais e económicas do território.

A elaboração destas agendas regionais foi assumida pelas Comissões de Coordenação e Desenvolvimento Regional (CCDR) as quais, nos termos do disposto no PAEC (2017), tinham como ambição fazer convergir o desenvolvimento da economia circular com a valorização do território.

A Agenda de Economia Circular do Centro

A CCDRC desenvolveu a sua Agenda de Economia Circular em 2019, contando, para o efeito, com a participação de diferentes agentes regionais, num processo que beneficiou do modelo de governação da Estratégia Regional de Especialização Inteligente do Centro, bem como do conhecimento adquirido através do envolvimento em projetos de cooperação internacional, ligados ao tema da economia circular.

A Agenda de Economia Circular do Centro é um referencial estratégico de âmbito regional, que inclui cinco eixos prioritários, e três ações transversais, os quais enquadram todas as medidas que visam alavancar o processo de transição para a economia circular na região Centro.

A intervenção em economia circular no território

Esta é uma agenda do território e dos agentes que nele atuam e, para ser efetiva, implica uma apropriação por parte das diferentes entidades e o desenvolvimento de projetos que vão ao encontro dos diferentes eixos estabelecidos. À CCDRC I.P., enquanto coordenadora desta Agenda, cabe a importante missão de promoção e dinamização desta agenda, com a organização de diferentes iniciativas, para chegar a públicos-alvo distintos – desde um público mais jovem, com o concurso Centro Circular, até um público mais institucional, com a sensibilização para as questões relacionadas com as compras públicas circulares, através do Centro Green Deal. Foram ainda lançadas mais duas importantes iniciativas, que estão agora a decorrer e que pretendem promover, ativamente, práticas de economia circular por todo o território, independentemente do âmbito de atuação do promotor. São elas o Pacto Institucional para a Valorização da Economia Circular na Região Centro e o Roteiro da Economia Circular na Região Centro.

Pacto Institucional para a Valorização da Economia Circular da Região Centro

O Pacto Institucional para a Valorização da Economia Circular é um acordo, de subscrição aberta e voluntária, que tem como objetivo mobilizar o território e incentivar a adoção de práticas que estimulem o processo de transição para a economia circular.

Esta iniciativa dirige-se a todas as entidades da Região Centro comprometidas, ou interessadas em comprometer-se, com a implementação de ações que contribuam para uma economia mais circular e, consequentemente, para um desenvolvimento regional mais sustentável. Nos termos das condições gerais de subscrição, cada entidade poderia comprometer-se, individualmente, com o mínimo de uma e o máximo de três ações a desenvolver.

O Pacto Institucional tem vindo a mobilizar desde 2020, data da sua primeira edição, um número significativo de entidades, de entre as quais se destacam os municípios; comunidades intermunicipais; empresas (públicas e privadas); entidades de âmbito nacional que operem na região; instituições particulares de solidariedade social; associações empresariais; associações de desenvolvimento local; instituições de ensino superior e, ainda, outras entidades do sistema científico e tecnológico regional, tais como centros tecnológicos, clusters, incubadoras e laboratórios colaborativos.

A segunda edição, formalizada em novembro de 2023, conta com um total de 100 entidades e irá decorrer até junho de 2025, altura pela qual todos os assinantes deverão ter as suas ações concluídas.

O aumento do número de participantes na edição em curso (2023-2025), face à edição anterior (2020-2022), que contou com 86 entidades, é um importante indicador do elevado nível de comprometimento da região para com esta temática.

A diversidade de entidades subscritoras indica que a economia da Região Centro é rica e diversificada, combinando setores mais tradicionais, como os serviços ou a indústria transformadora, com áreas em crescimento, como o turismo e a inovação tecnológica sem, no entanto, descurar a importância estratégica do modelo circular de produção e consumo, não apenas do ponto de vista económico, mas também social e ambiental.

As estratégias de circularidade que mais se destacam, nas duas edições, incidem maioritariamente, na valorização de subprodutos e resíduos e na sensibilização e envolvimento social.

O Centro Tecnológico da Cerâmica e do Vidro (CTCV) tem sido um motor importante no processo de transição para uma economia mais circular, ajudando a criar um ambiente industrial mais sustentável, inovador e competitivo na Região Centro, tendo sido subscritor do Pacto nas duas edições. Também as ações do CTCV no âmbito do Pacto se enquadram nas estratégias de circularidade de maior destaque, tendo os seus resultados contribuído, de forma significativa, para o processo de transição da Região Centro para uma economia mais circular.

Na primeira edição as metas propostas pelo CTCV, quanto ao número de apresentações públicas e participações em ações de demonstração na temática da economia circular, foram superadas, bem como o número de horas de formação e consultoria em economia circular. O mesmo se verificou quanto ao número de projetos de economia circular, em parceria com empresas e entidades do sistema regional de inovação, cujas metas foram igualmente superadas.

Roteiro da Economia Circular na Região Centro

O Roteiro da Economia Circular é a iniciativa mais recente no âmbito da Agenda de Economia Circular do Centro, lançada em setembro de 2024, com o objetivo de dar a conhecer e divulgar boas práticas de economia circular a serem implementadas na região, procurando estimular a adoção de comportamentos mais sustentáveis por parte das entidades regionais, enquanto se demonstra o potencial econó-

mico e social deste novo paradigma, com novos modelos de negócio, novos serviços e novas formas de produção.

O programa da 1.ª edição abrange oito visitas institucionais, uma em cada comunidade intermunicipal, a entidades que, em novembro de 2023 subscreveram a segunda edição do Pacto Institucional para a Valorização da Economia Circular na Região Centro.

Com o objetivo de promover a disseminação do conhecimento em economia circular, bem como a sensibilização e o envolvimento social, as visitas são abertas à comunidade, dando a oportunidade de conhecer in loco a forma como os princípios da economia circular são aplicados nos diferentes setores de atividades.

Na edição em curso, o roteiro dará a conhecer ações alinhadas com algumas das principais estratégias de circularidade, nomeadamente a valorização e o tratamento de resíduos sólidos, o combate ao desperdício alimentar, o uso eficiente e responsável dos recursos, a produção e utilização de energia verde, a valorização de resíduos agroflorestais, o consumo local e a redução da pegada carbónica.

O CTCV foi uma das entidades que integraram esta primeira edição do Roteiro, permitindo verificar a forma como os princípios da economia circular são aplicados no desenvolvimento de novos produtos cerâmicos, bem como conhecer alguns dos seus contributos para a sensibilização social e a capacitação para a economia circular, no setor da cerâmica e vidro.

Para além do CTCV, as visitas passam ainda pelas seguintes entidades: Águas do Centro Litoral S.A.; RESIESTRELA – Valorização e Tratamento de Resíduos Sólidos, S.A.; Barafunda – Associação Juvenil de Cultura e Solidariedade Social; SIRPLASTE – Sociedade Industrial de Recuperação de Plásticos, S.A.; Instituto Politécnico de Viseu; Ecoexperience, Lda; Mistolin, S.A.; MPLASTIC, Lda; CTIC – Centro Tecnológico das Indústrias do Couro; ROCLAYER – Packaging Compounds, S.A.

Nota final

Embora a economia circular seja já uma “megatendência global irreversível” (Comissão Europeia, 2019), o que se tem verificado é que, na prática, há ainda muito a fazer – seja em termos de sensibilização das comunidades, seja na área regulamentar.

O relatório de avaliação final do PAEC (triénio 2018-2020) realizado sob coordenação da Agência Portuguesa do Ambiente e da Direção-Geral das Atividades Económicas, e publicado em 2021, reconhece a importância das iniciativas que foram desenvolvidas no âmbito da economia circular no País, mas deixa claro que o desempenho de Portugal, nesta matéria, precisa de melhorar:

“Pese embora as múltiplas iniciativas que tiveram lugar e a dinâmica efetivamente gerada de forma transversal em muitas atividades, os indicadores estatísticos evidenciam que o País

se encontra, regra geral, com um desempenho aquém do da média da UE, mantendo-se as características de um metabolismo lento e de uma baixa produtividade dos recursos” (Agência Portuguesa do Ambiente & Direção-Geral das Atividades Económicas, 2021, p.71).

Assim, no que respeita à CCDRC I.P., no quadro da sua responsabilidade de coordenação da Agenda de Economia Circular do Centro, importa dar continuidade às diferentes iniciativas que foram sendo colocadas no terreno, continuando a apostar no envolvimento ativo dos diferentes agentes.

Reconhece-se que o caminho a percorrer ainda é longo, mas deve continuar a ser feito com base na cooperação entre todas as partes. Os primeiros passos já foram dados – esta Agenda foi o mote há cinco anos atrás. Agora cabe a todos continuar este trabalho com vista a uma região mais circular e sustentável.

Mais informações sobre a Agenda de Economia Circular do Centro em: https://agendacircular.ccdrc.pt/

Fontes:

Agência Portuguesa do Ambiente, & Direção-Geral das Atividades Económicas. (2021). Balanço das Atividades do PAEC e dos Resultados Alcançados entre 2018 e 2020. https://apambiente.pt/sites/default/files/_SNIAMB_A_APA/Iniciativas_transectoriais/PAEC_RelatorioFinal.pdf

Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Centro (2019). Agenda de Economia Circular do Centro. http://agendacircular.ccdrc.pt/agenda-regional

Comissão Europeia (2015). Fechar o ciclo – Plano de ação da UE para a economia circular: Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu, ao Conselho, ao Comité Económico e Social Europeu e ao Comité das Regiões. COM (2015). https://eur-lex.europa.eu/legal-content/ PT/TXT/HTML/?uri=CELEX:52015DC0614&from=ES

Comissão Europeia. (2019). Relatório da Comissão ao Parlamento Europeu, ao Conselho, ao Comité Económico e Social Europeu e ao Comité das Regiões sobre a aplicação do Plano de Ação para a Economia Circular (COM(2019) 190 final). Bruxelas.https://eur-lex.europa. eu/legal-content/PT/TXT/PDF/?uri=CELEX:52019DC0190

Comissão Europeia (2020). Um novo Plano de Ação para a Economia Circular – Para uma Europa mais limpa e competitiva: Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu, ao Conselho, ao Comité Económico e Social Europeu e ao Comité das Regiões. COM (2020) 98 final. https://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/?uri=COM:2020:98:FIN

Presidência do Conselho de Ministros (2017). Resolução do Conselho de Ministros n.º 190-A/2017, de 11 de dezembro. Diário da República n.º 236/2017, 2º Suplemento, Série I, 54-73. https://diariodarepublica. pt/dr/detalhe/resolucao-conselho-ministros/190-a-2017-114337039

Roteiro RODIV2050: Estratégias para a Descarbonização da Indústria de Vidro, de Embalagem e Cristalaria

Marisa Almeida 1 , Carlos Monteiro 1 , Inês Rondão 1 , Victor Francisco 1 , Beatriz Freitas 2 , Nuno Costa 2 , Cristiana Costa Claro 3 , Hermano Rodrigues 4 , Rui Ferreira 4 , Norma Franco 4

1 Centro Tecnológico da Cerâmica e do Vidrol; 2 AIVE-Associação dos Industriais de Vidro de Embalagem; 3 APICER Associação Portuguesa das Indústrias de Cerâmica e Cristalaria; 4 EY-Parthenon

1. Enquadramento

As alterações climáticas têm vindo a acentuar-se drasticamente nas últimas décadas, motivo pelo qual, ao longo dos anos têm sido desenvolvidas diversas ações e medidas com o objetivo de conter o avanço do efeito de estufa e mitigar o seu impacte. Iniciativas globais, como o Protocolo de Quioto [1] e o Acordo de Paris [2], surgiram como esforços internacionais para reduzir as emissões de GEE, enquanto políticas europeias se centram no Comércio Europeu de Licenças de Emissão (CELE). Por sua vez, as políticas nacionais e regionais têm promovido a transição para fontes de energia renováveis, o aumento da eficiência energética e práticas sustentáveis em diversos setores, que refletem uma resposta crescente à urgência de combater as alterações climáticas e proteger o ambiente [3].

A implementação dos compromissos climáticos estabelecidos no Acordo de Paris ocorre ao longo de um período de dez anos, de 2020 a 2030, visando manter o aumento da temperatura global abaixo dos 2°C e reunir esforços para limitar o aumento a 1,5°C acima dos níveis

pré-industriais [4]. Para almejar estas metas ambiciosas, é determinante promover mudanças fundamentais com impacte na redução da emissão GEE, particularmente CO2, para uma descarbonização efetiva até 2050. A título de exemplo, o Conselho e o Parlamento Europeu aprovaram as novas metas de redução até 2030 das emissões de GEE em 62% (face a 2005) (ver figura 1) para setores abrangidos pelo CELE – Comércio Europeu de Licenças de Emissão, tal como é o

Figura 1 - Novas metas de 62% para os sectores CELE. Adaptado d e [7].

caso da indústria do vidro e 40% para os não abrangidos pelo CELE [5]. Em 2022, a indústria vidreira europeia, abrangida pela CELE, foi responsável pela emissão de 20 milhões de toneladas de CO2 por ano. Esse volume de emissões corresponde aproximadamente a 2-3% do total de emissões de dióxido de carbono na Europa, destacando-se assim a contribuição significativa do setor vidreiro para o panorama geral das emissões de GEE. Já a nível nacional a emissão do sector do vidro abrangido pelo CELE foi de 568 e 563 mil toneladas de CO2 em 2022 e 2023 (âmbito 1).

Portugal, alinhado com as iniciativas da União Europeia para atingir a neutralidade carbónica até 2050 e promover a sustentabilidade [6], adotou diretrizes como a Lei de Bases do Clima [7] e o Plano Nacional de Energia e Clima (PNEC) [8], que está em revisão.

Essas estratégias estabelecem metas, objetivos e ações para reduzir emissões de GEE, promover energias renováveis, melhorar a eficiência energética e garantir uma transição para um modelo sustentável que permita alcançar a neutralidade carbónica.

2. Desafios de descarbonização para o setor do vidro

Na figura 2, apresentam-se os desafios que se perspetiva que o sector do vidro nacional terá de enfrentar face às metas previstas a nível europeu, particularmente no CELE.

Da análise da figura 2 pode-se inferir a necessidade de um esforço muito significativo nos próximos 25 a 30 anos, que terá forçosamente de ser acompanhado por políticas nacionais e europeias em termos de combustíveis renováveis como o biometano ou o hidrogénio. Bem como das adequações tecnológicas nomeadamente nos fornos de fusão, descarbonização do leito de fusão, eletrificação, entre outras.

3. O Projeto RODIV2050

O Roteiro para a Descarbonização do Vidro de Embalagem e Cristalaria em Portugal (RODIV2050), financiado pelo Plano de Recuperação e Resiliência (PRR), é um projeto liderado em consórcio pela AIVE – Associação dos Industriais de Vidro de Embalagem e APICER – Associação Portuguesa das Indústrias de Cerâmica e de Cristalaria, para o setor da Cristalaria em colaboração com o Centro Tecnológico da Cerâmica e do Vidro (CTCV), a consultora EY-Parthenon e a Associação Smart Waste Portugal. Tem como principal objetivo divulgar potenciais estratégias e tecnologias que possam contribuir para a redução das emissões de GEE associadas à produção de vidro, nomeadamente dos setores do vidro de embalagem e cristalaria nacionais, alinhando o setor com as metas de neutralidade carbónica estabelecidas pela União Europeia para 2050. Este roteiro pretende ser uma resposta às exigências associadas às alterações climáticas e sustentabilidade, proporcionando um caminho estruturado para que a indústria vidreira adote práticas e tecnologias mais limpas e eficientes.

Este roteiro de descarbonização do setor do vidro nacional visa não só contribuir para as metas climáticas europeias, mas também posicionar o setor vidreiro nacional como um líder em práticas sustentáveis, promovendo uma indústria mais sustentável e preparada para os desafios futuros.

O Roteiro foi estruturado e focado num plano de trabalho que visa i) alavancar a descarbonização da Indústria do Vidro de Embalagem e da Cristalaria e promover uma mudança de paradigma na utilização dos recursos; ii) Comunicar e promover uma discussão alargada dos cenários/caminhos de transição identificados no RODIV2050 com os vários stakeholders relevantes e a sociedade no geral; iii) Promover o diálogo com os decisores políticos e autoridades nacionais relevantes para a sua implementação; iv) facilitar a ligação do RODIV2050 aos esforços de descarbonização e transição energética em curso

Figura 2 - Emissões CO 2 do Vidro nacional face exigências europeias na redução de GEE.

em outros setores, bem como a criação de sinergias entre iniciativas, numa lógica de intra e inter-clusterização.

A abordagem metodológica para o desenvolvimento dos trabalhos foi organizada considerando as seguintes etapas principais:

Fase 1 - Diagnóstico exaustivo ao potencial de descarbonização do setor do vidro de embalagem e cristalaria;

Fase 2 - Elaboração do Roteiro para a descarbonização da indústria do vidro de embalagem e cristalaria;

Fase 3 - Plano de comunicação, de envolvimento de stakeholders e de divulgação dos resultados do Roteiro;

Fase 4 - Monitorização e Avaliação.

4. Eventos que decorreram no âmbito do Projeto RODIV2050

Evento de Apresentação – RODIV 2050 – Roteiro para a Descarbonização da Indústria de Vidro de Embalagem e Cristalaria

O evento de lançamento do projeto RODIV 2050 – Roteiro para a Descarbonização da Indústria de Vidro de Embalagem e Cristalaria (promovido pela AIVE e pela APICER) decorreu no dia 14 de março, no edifício da Resinagem, Marinha Grande e juntou mais de 120 participantes, 19 palestrantes, dos diferentes quadrantes do setor: entre industriais, fornecedores de tecnologia, entidades do sistema de inovação, investigadores e outras entidades relevantes para a sustentabilidade destas indústrias.

Paralelamente já foram desenvolvidas sessões de diálogo com as

empresas, de forma a auscultar as suas necessidades na área da descarbonização.

5. Vetores de descarbonização no vidro

A fusão de 1 kg de vidro colorido no forno de fusão em Portugal emite 0,332 kg de CO2, dos quais 0,275 kg da combustão de gás natural (emissões de combustão) e 0,048 kg de CO2 de materiais contendo carbono [9].

Assim, na produção de Vidro, as emissões de dióxido de carbono têm duas grandes tipologias de origem distinta [9, 10]:

- A primeira, e de maior relevância, diz respeito ao uso do gás natural como principal fonte de energia (emissões de combustão);

- A segunda diz respeito à natureza das matérias-primas carbonatadas para a produção de vidro (carbonato de sódio – soda, e carbonato de cálcio – calcário, carvão (afinante), entre outros) (emissões de processo).

Assim, o roteiro irá abordar estas vertentes distintas: a) vertente energética, e b) vertente da economia circular (onde se incluem as matérias-primas usadas no leito de fusão).

a) Vertente energética

Na indústria do vidro de embalagem e cristalaria nacional, o gás natural (GN) é considerado a fonte de energia principal para a fusão nos fornos, tendo substituído o fuelóleo em 2005, complementada com fusão elétrica (típico de 10 a 15%). Porém, o GN apesar de ser menos poluente que o fuel possui ainda uma emissão significativa de CO2, pelo que urge encontrar soluções alternativas.

• Aumento da eficiência energética

Medidas, como por exemplo o aproveitamento de fluxos de calor da fusão, para pré-aquecimento do ar e/ou das matérias-primas, ou a

Figura 3 - Proposta metodológica para o desenvolvimento dos tra balhos do RODIV2050.
Figura 4 - Evento de apresentação do RODIV2050.

otimização do consumo energético através da produção em contínuo ao invés de em sistema batch, são técnicas que têm vindo a ser estudadas, desenvolvidas e implementadas nas empresas nacionais. Estas medidas têm vindo a ter cada vez mais importância, pois traduzem-se, não só em vantagens ambientais, mas também económicas (redução de custos), e sociais (boa perceção pública da empresa).

Outra medida de impacto passa pelo aligeiramento da embalagem produzida. Isto significa a redução do peso da embalagem, o que se traduz na redução de quantidade de matéria-prima necessária por embalagem, o que leva à redução de consumos e por sua vez à redução de emissões.

• Energias renováveis

Idealmente, o gás natural (GN) poderia ser substituído por outras fontes de energia renováveis, como o hidrogénio verde ou o biometano. Estas fontes de energia são alternativas, onde seria possível garantir uma redução drástica de emissões de carbono no setor.

- Hidrogénio verde

Relativamente ao hidrogénio verde, a metodologia que permite a produção verde desta energia – eletrólise da água – necessita de água quimicamente pura, ou seja, uma etapa prévia de purificação de água deve existir para que haja matéria-prima suficiente para a produção do hidrogénio. Adicionalmente, o consumo energético da eletrólise representa outro desafio importante, garantir uma fonte que também seja 100% renovável e que seja capaz de suportar as necessidades energéticas destes processos.

Importa salientar a vantagem oferecida pela rede de distribuição de GN portuguesa: sendo uma das mais modernas da Europa, e constituída por mais de 94% de polietileno, reúne já condições para a distribuição de até cerca de 20% de moléculas de H2 [11].

Do ponto de vista das propriedades físico-químicas, o hidrogénio tem um poder calorífico aproximadamente três vezes inferior ao do GN, o que exigiria a injeção e o consumo superior desta fonte. Essa situação poderia resultar numa sobrecarga das infraestruturas de distribuição, uma vez que uma maior quantidade implica também um aumento proporcional da pressão.

- Biometano

O biometano tem a mesma estrutura química que o GN (CH4), no entanto diferem na sua origem: enquanto o GN tem origem em combustíveis fósseis, o biometano é obtido maioritariamente através da conversão bioquímica de matéria orgânica, pela gaseificação de biomassa, e mais recentemente através da metanação (power-to-methane; PtM) de CO2 com H2 renovável proveniente de eletrolisadores. Devido às suas propriedades, semelhantes às do GN, o biometano é uma das poucas alternativas prontamente disponíveis para a sua substituição. No entanto, a disponibilidade do biometano é a principal limitação ao seu uso atualmente a nível nacional.

- Eletrificação

A eletrificação envolve a substituição parcial ou total de GN por elétrodos instalados no leito de fusão. No entanto, existem algumas limitações técnico-económicas resultantes da eletrificação total dos fornos de fusão. O uso de 100% de eletricidade implica um forno com estrutura e caraterísticas específicas e uma rede de energia estável e robusta. Para que esta tecnologia se torne competitiva em relação aos fornos a combustão com GN, as tarifas elétricas precisam ser mais acessíveis. Por outro lado, a substituição total de queimadores de GN por elétrodos, pode introduzir alguma variabilidade na produção de embalagens, o que pode levar a um aumento de produtos com defeito. Existe ainda a questão de a origem da energia elétrica poder ser fóssil, o que não se traduz numa vantagem no ponto de vista ambiental e de sustentabilidade (económica e social).

• Captura de carbono

O dióxido de carbono pode ser capturado aquando da sua libertação, podendo ser armazenado novamente no subsolo, ou aproveitado para outros fins. No entanto, além desta ser uma medida de carácter corretivo e não proativo, o nível de maturidade é baixo, pelo que atualmente a sua prioridade de investimento é baixa. Neste momento, ainda são muito baixos os coeficientes de aproveitamento do dióxido de carbono retido por este método, sendo necessário grandes caudais de saída de dióxido de carbono para que este método seja rentável.

b) Economia circular

75% a 85% do total das necessidades energéticas no processo de produção de vidro está associado à fusão da matéria-prima virgem [10, 12]. A reciclagem de vidro desempenha um papel crucial na redução de emissões, uma vez que o vidro reciclado (casco) requer menos energia para ser fundido do que as matérias-primas virgens. O casco é assim considerado um produto de valor acrescentado, sendo já denominado de matéria-prima secundária. Quanto maior for a quantidade de casco introduzida no forno de fusão, menor será o consumo de energia e as emissões de carbono associadas. Estima-se que cada tonelada de casco utilizado leve à poupança de 1,2 toneladas de matéria-prima, e que 10% de casco leve a uma redução de 3% de energia consumida e de 3% de emissões de carbono [9].

Efetivamente é possível incorporar até 97% de casco de cor e 50% de casco branco sem comprometer a qualidade da embalagem final. No entanto, essas quantidades não são introduzidas nos fornos devido à falta de disponibilidade de casco de vidro no mercado nacional.

Olhando para o panorama nacional, a taxa de retoma do vidro ronda os 50% [9]. Ou seja, apenas metade do vidro que é consumido em Portugal acaba num vidrão. O que significa que a outra metade segue o canal dos resíduos indiferenciados, resultando na sua deposição em aterro.

6. Considerações finais

A descarbonização do setor do vidro de embalagem e cristalaria até 2050 apresenta vários desafios estruturais e tecnológicos. Um dos principais está associado ao consumo intensivo de energia durante o processo de produção, nomeadamente a fusão do vidro, que exige temperaturas acima de 1.500°C. Atualmente, essa necessidade é suprida predominantemente por combustíveis fósseis, como gás natural, cuja substituição por fontes de energia renovável, como eletricidade renovável ou hidrogénio, é ainda complexa e dispendiosa. A eletrificação total dos fornos de fusão está ainda em fase de desenvolvimento, apesar de já existirem alguns exemplos pontuais, e o uso de hidrogénio implica grandes investimentos em infraestrutura e redes de distribuição. A inexistência de uma rede nacional será decerto um obstáculo à descarbonização deste setor.

Outro desafio é a reciclagem do vidro, que desempenha um papel crucial na redução de emissões, já que o vidro reciclado requer menos energia para ser fundido do que as matérias-primas virgens. No entanto, a qualidade e quantidade do casco (vidro reciclado) é um fator limitante. A contaminação do casco de vidro (e seus efeitos cruzados) e a falta de infraestrutura para uma reciclagem de alta qualidade são barreiras significativas que dificultam o aumento das taxas de reciclagem.

Além disso, são necessários elevados custos de investimento em novas tecnologias e infraestruturas para a transição energética e processos mais sustentáveis, e num período de ciclos de investimento associado ao tempo de vida útil do forno de fusão. Muitos dos avanços tecnológicos necessários para a descarbonização ainda se encontram em fase experimental ou com baixos níveis de penetração no mercado, o que limita a sua adoção em larga escala a curto prazo.

Adicionalmente, a incerteza regulatória e o ritmo da implementação de políticas públicas coerentes com os objetivos de descarbonização representam outra dificuldade. A indústria necessita de um quadro regulatório estável e de longo prazo para garantir os investimentos em tecnologias limpas, além de incentivos financeiros adequados para apoiar a transição.

Por fim, a cooperação ao longo da cadeia de valor, desde os fornecedores de energia até os recicladores e distribuidores, será essencial para otimizar processos e reduzir a pegada de carbono do setor. A introdução de soluções circulares e a inovação tecnológica precisarão de ser combinadas com políticas públicas robustas e apoio governamental para que a descarbonização do setor do vidro de embalagem até 2050 se torne uma realidade

Assim, os roteiros de descarbonização setoriais, apoiados pelo Plano de Recuperação e Resiliência (Componente C11 – Descarbonização da Indústria), representam uma oportunidade única para uma mudança de paradigma na transição energética justa, democrática e coesa, e assim alavancar a descarbonização do setor industrial.

Este Roteiro, RODIV2050, permitirá às empresas do Sector do Vidro de Embalagem e Cristalaria traçar o seu caminho rumo à neutralidade carbónica, até 2050.

Referências

[1] EUR-Lex, European Union. Disponível em: https://eur-lex.europa. eu/PT/legal-content/glossary/kyoto-protocol.html

[2] The Paris Agreement, United Nations Climate Change. Disponível em: https://unfccc.int/process-and-meetings/the-paris-agreement (Acedido a 24 de Setembro de 2024).

[3] Latest EU policy actions on climate change. Disponível em: https:// www.consilium.europa.eu/en/policies/climate-change/eu-climate-action/ (Acedido a 25 de Setembro de 2024).

[4] The European Green Deal, European Council. Disponível em: https:// commission.europa.eu/strategy-and-policy/priorities-2019-2024/european-green-deal_en (Acedido a 25 de Setembro de 2024).

[5] Fit for 55, European Council, https://www.consilium.europa.eu/en/ policies/green-deal/fit-for-55/ (Acedido a 25 de Setembro de 2024).

[6] IEA-International Energy Agency. (2021). Net Zero by 2050 A Roadmap for the Global Energy Sector. Disponível em: https://www.iea. org/reports/net-zero-by-2050 (Acedido a 26 de Setembro de 2024).

[7] Lei de Bases do Clima. Disponível em: https://diariodarepublica.pt/ dr/detalhe/lei/98-2021-176907481 (Acedido a 26 de Setembro de 2024).

[8] Plano Nacional Energia e Clima 2021-2030 (PNEC 2030) Disponível emhttps://www.portugalenergia.pt/setor-energetico/bloco-3/ (Acedido a 26 de Setembro de 2024).

[9] Almeida, M. Desempenho ambiental – vidro de embalagem em 2023, Abril 2024, AIVE.

[10] Shelby, J. (2020) Introduction to Glass Science and Technology; Royal Society of Chemistry; 3rd edition.

[11] Definir as redes de Gás do Futuro, Positioning paper, Floene,Lisboa. 2023.

[12] Zier, M. et al, (2021). A review of decarbonization options for the glass industry. Energy Conversion and Management: X, 10, 100083. https://doi.org/10.1016/J.ECMX.2021.100083

A Regulação da Pressão Estática dos

Fornos-Túnel – Nota Técnica

DEMAC- UA Departamento de Engenharia de Materiais e Cerâmica da Universidade de Aveiro, 3810-193, Aveiro; mail: atm@ua.pt , telemóvel: +351 963 661 551

Resumo

Os fornos modernos, que são os fornos cerâmicos de baixa massa térmica construídos depois da crise petrolífera de 1973, estão equipados com sistemas de controlo automático da pressão estática, os quais recorrem a duas variáveis de controlo diferentes: no sistema mais antigo, a variável de controlo é a área livre de escoamento de fumos da conduta principal, a qual liga o canal do forno ao ventilador centrífugo de exaustão; no mais moderno, a variável de controlo é a velocidade de rotação do rotor do ventilador centrífugo que aspira os fumos do canal de cozedura e os descarrega na atmosfera. A nossa análise incidiu sobre o primeiro sistema, tendo-se concluído que o intervalo ótimo de valores do ângulo de abertura da válvula motorizada, que pode rodar entre os valores extremos 0º (toda fechada) e 90º (toda aberta), se situa entre 30º e 60º, dado que no intervalo 0º- 30º a sensibilidade é reduzida e o tempo de resposta longo, e no intervalo 60º- 90º a resposta é rápida, mas elevado o risco de o sistema oscilar.

Palavras-chave: fornos; fornos-túnel; pressão estática; regulação da pressão-estática; válvula motorizada; ventilador centrífugo; ventilador centrífugo de velocidade variável

Introdução

Em consequência da crise petrolífera de outubro de 1973, de que o embargo aos fornecimentos de petróleo do Médio Oriente ao Ocidente provocou o brutal aumento do seu preço (superior a 400%) e a profunda crise económica mundial daí decorrente (inflação, deflação e desemprego), foram os factos de maior relevância, os fornos cerâmicos, como equipamentos consumidores intensivos de energia, sofreram profundas modificações, na sua arquitetura, no tipo e caraterísticas dos materiais refratários de construção e de enforna, nos equipamentos de combustão, no modo como passaram a ser explorados e conduzidos, na instrumentação usada e nos sistemas de controlo utilizados. Todas estas transformações visaram a redução dos consumos de energia e o seu impacto nos custos de operação, para o que também contribuíram, e muito, os desenvolvimentos registados na eletrónica, nos sistemas de medida e de controlo e também na informática, que ocorreram a partir da segunda metade dos anos 70.

Do ponto de vista conceptual, se nada variar durante o funcionamen-

to de um forno, isto é, se as variáveis de entrada, como o caudal, a humidade residual e a temperatura dos produtos alimentados, a carga e a temperatura dos refratários de enforna nos fornos de vagonetas, a temperatura e a condutividade térmica dos refratários (vagonetas, paredes, soleira e teto), a temperatura e a humidade relativa do ar exterior, o caudal, a temperatura e o poder calorífico do combustível, os caudais e a temperatura do ar de combustão e de arrefecimento e a tensão na rede elétrica que alimenta o forno permanecerem constantes ao longo do tempo, então estão reunidas as condições necessárias e suficientes para se estabelecer um regime estacionário de funcionamento. Mas, como todos bem sabemos, estas condições nunca se encontram reunidas na totalidade, havendo sempre alterações de uma ou de várias variáveis de entrada em simultâneo (perturbações ou ruídos), o que significa que um regime estacionário nunca será estabelecido, caso o forno não esteja equipado com sistemas de controlo automático, que corrijam os desvios das variáveis de funcionamento.

Uma dessas variáveis, que nos fornos-túnel de baixa massa térmica é decisiva para se estabelecer um regime estacionário de operação, é a pressão estática, que varia ao longo do comprimento do forno, aumentando desde a entrada até perto do final da zona de cozedura, onde se encontra o ponto de pressão máxima, decaindo depois ao longo da zona de arrefecimento rápido direto. Quer o perfil da curva de pressão, quer os seus valores característicos, como são o ponto de pressão nula, os pontos de pressão mínima e máxima e os gradientes de pressão ao longo do comprimento, podem variar de posição, de valor ou de ambos, devido a múltiplas causas, pelo que só com um sistema que controle automaticamente a pressão se poderá corrigir os efeitos das variações dos parâmetros que, direta ou indiretamente, a influenciam. Mallol et al. (2 000), reportam uma redução de 5% no consumo térmico específico num forno de rolos, depois de corrigido o desequilíbrio entre as pressões estáticas no final da cozedura e no início do arrefecimento rápido, evitando-se, deste modo, a passagem de ar frio para a cozedura (pressão do lado do arrefecimento superior à do lado da cozedura) ou, no caso contrário, de gases quentes da cozedura para o arrefecimento. Se alguma destas situações ocorrer, será inevitável o aumento do consumo térmico específico do forno.

O facto de existir um sistema de controlo automático da pressão estática não significa, contudo, que a correção dos desvios seja instan-

tânea, ou que não possa haver conflito com a regulação automática de outras variáveis, como é o caso da temperatura, porquanto esta e a pressão são variáveis interdependentes, controladas por sistemas que têm constantes de tempo diferentes. Daí que, atualmente, se perspetive uma tendência para se encarar o controlo do funcionamento dos fornos cerâmicos como um todo, identificando-se as interdependências entre as diversas variáveis de funcionamento, críticas e não-críticas, e implantando-se estratégias de otimização e utilização inteligente da energia em tempo real, fazendo intervir os conceitos da Indústria 4.0 e a Inteligência Artificial (IA), em que se baseia o desenvolvimento dessas estratégias.

Mas, ainda antes destas soluções serem disponibilizadas, há medidas mais simples que podem ser adotadas no imediato, para nos auxiliar a reduzir um pouco mais os consumos térmicos, a melhorar a estabilidade dos processos e a compaginar a qualidade e a quantidade dos efluentes descarregados com os requisitos ambientais em vigor. A este respeito, Pérez (2017) refere uma medida que, pela sua simplicidade, deve merecer a nossa atenção. Segundo o autor, o efeito decorrente da projeção online dos resultados da pesagem das vagonetas dum forno-túnel, dos registos fotográficos da distribuição da sua carga e das informações sobre as perdas de produção e de produtividade associadas aos erros de carga é surpreendente. Contudo, este tipo de informação só gera os efeitos pretendidos se for clara, apresentada de modo apelativo, exposta com objetivos pedagógicos e puder ser visualizada por toda a gente. Para isso, ela deve ser exibida em ecrãs com dimensão e resolução suficientes, colocados em locais estratégicos.

No ponto seguinte, serão abordadas as soluções mecânicas que operacionalizam a cadeia de controlo da pressão estática nos fornos-túnel: a válvula motorizada de borboleta (sistema mais antigo) e o ventilador centrífugo de velocidade variável para exaustão dos fumos (sistema mais recente).

Os Modos de Controlo de Pressão Estática dos Fornos-Túnel

Os fornos-túnel cerâmicos contínuos de baixa inércia térmica, a que já nos referimos e chamámos fornos modernos, como são os fornos de rolos e os fornos de vagonetas pós-crise de 1973, passaram a con-

siderar a pressão estática no canal de cozedura (parte do túnel onde circulam os gases quentes gerados pela queima do combustível) uma das variáveis de funcionamento que deveria ser controlada automaticamente. Este controlo automático da pressão faz-se, atualmente, de dois modos: pela via da motorização da válvula de regulação da área livre de escoamento dos fumos (modo mais antigo) ou pela via da regulação da velocidade do rotor do ventilador de exaustão de fumos, recorrendo-se para isso a um variador de frequência da corrente elétrica de alimentação do motor elétrico (modo mais recente). Este segundo modo é também uma solução tecnicamente mais elegante e eficaz, quanto aos princípios a que recorre para concretizar o aumento ou a redução do caudal de fumos aspirados do forno: as perdas de pressão são menores (menos obstáculos à circulação dos gases), as variações de velocidade fazem-se de modo suave e o nível de ruído é reduzido.

Mas, por agora, a nossa análise incidirá apenas sobre o primeiro sistema.

Na figura 1, mostra-se a solução mecânica adotada quando se insere uma válvula motorizada (servomotor, sem-fim, transmissão e válvula de borboleta) na tubagem principal de aspiração de fumos, para regular o caudal aspirado e, por esta via, também regular a pressão estática no interior do canal de cozedura. Numa e noutra extremidade da tubagem principal, ligam-se as tomas de aspiração de fumos do interior do forno e o ventilador de exaustão e, entre eles, encontram-se duas válvulas de borboleta: a válvula motorizada do controlo automático e a válvula de regulação manual, a montante da primeira.

A presença desta última precisa de ser justificada. Por um lado, ela permite que a conduta principal possa ser tamponada, caso seja necessário realizar qualquer intervenção de manutenção na válvula motorizada ou no ventilador; por outro, permite corrigir a posição de funcionamento da válvula motorizada, de modo que ela funcione fora das posições extremas, seja na de muita elevada sensibilidade (risco de instabilidade), seja na de muito baixa sensibilidade (tempos de resposta demasiado longos). Se o forno possuir um ventilador de reserva, a conduta principal é bifurcada e cada um dos ramos liga-se ao ventilador de exaustão respetivo, o que permite que qualquer intervenção num dos ventiladores ou numa das válvulas motorizadas possa realizar-se, sem que seja necessário interromper-se a marcha do forno.

Imediatamente antes do ventilador, e caso a temperatura dos fumos

Figura 1 - Vista em corte do arranjo mecânico que permite à vál vula motorizada funcionar no intervalo de controlo ideal (zona de trabalho).

Figura 2 - Modos de regulação da pressão estática de dois forno s-túnel de vagonetas em operação: à esquerda, regulação com válvula de borbole ta motorizada (Forno Riedhammer, 2014) – (1) servomotor, (2) sem-fim, (3) tra nsmissão e (4) eixo da válvula de borboleta; à direita, regulação com variador de frequência (Forno Induzir, 2018) – (1) motor elétrico, (2) transmissão por polias e correias trapezoidais e (3) ventilador. Fotos cedidas por cortesia da Ri astone (Grupo VAA).

seja demasiado elevada e ponha em risco a integridade do equipamento, existe também uma entrada de ar frio (válvula de guilhotina) regulada manualmente, para reduzir a temperatura dos gases e proteger o ventilador, a transmissão e o motor elétrico de acionamento.

Na figura 2, mostram-se aplicações dos dois modos de controlo da pressão acima referidos. Na imagem da esquerda, identificam-se os elementos mecânicos que integram o sistema de regulação: servomotor (1), sem-fim (2), transmissão (3) e eixo da válvula de borboleta (4). Na imagem da direita, visualizam-se o motor elétrico (1), a transmissão (2) e o ventilador (3). Ao motor elétrico (1) chega uma corrente elétrica com a frequência e a tensão ajustadas a cada valor da velocidade de rotação, fruto da interação entre os diversos componentes da cadeia de controlo: sensor de pressão, conversor de sinal, controlador, variador de frequência, motor elétrico, transmissão e ventilador.

No ponto seguinte, iremos demonstrar analiticamente que é possível definir uma posição e um intervalo ótimos de ângulo de abertura da válvula motorizada, para se garantir a maior eficácia possível da ação de regulação automática da pressão estática e também assegurar a estabilidade de funcionamento do forno.

Estabelecimento da Zona Ótima de Funcionamento da Borboleta Motorizada

Considerando que o eixo de rotação da válvula é perpendicular ao eixo da conduta de aspiração dos gases, definimos o ângulo θ de abertura como sendo o ângulo formado entre o eixo da conduta e a normal ao plano da válvula circular que passa pelo seu centro (figuras 1 e 3). Assim definido, θ varia entre 0º (válvula totalmente fechada) e 90º (válvula totalmente aberta).

Se a válvula se encontrar aberta numa posição qualquer, entre 0º e 90º, correspondente a um dado ângulo de abertura θ, a projeção da área da válvula sobre um plano perpendicular ao eixo da conduta é

representada pela área de uma elipse, cujo semieixo maior é igual ao raio R da conduta e o menor é igual à projeção do raio que é perpendicular ao eixo de rotação, sobre o mesmo plano anterior. Nestes termos, define-se área livre de escoamento (Ale) como sendo a diferença entre a área da secção reta da conduta (Ac) e a área correspondente à projeção da área da válvula sobre a mesma secção reta (Ae), ou seja:

Ac= πR2 (1)

Ae = πR2 cos θ (2)

Ale = πR2 (1-cos θ) (3)

sendo R o raio da conduta e θ o ângulo de rotação do eixo da válvula (ângulo de abertura).

Com a área livre de escoamento, determinamos a taxa de variação da área livre de escoamento em função do ângulo θ: dAle /dθ = πR2sen θ (4)

Considerando, por exemplo, que o raio interno da tubagem principal de aspiração mede 250 mm, na figura 4 mostra-se como varia a área

Figura 3 - (a) Definição da área livre de escoamento dos fumos numa conduta de raio R ; (b) definição do ângulo θ de abertura da válvula de regulação, na mesma conduta.

Figura 4 - Gráficos de variação da área livre de escoamento e d a taxa de variação da variação da área livre de escoamento com o ângulo θ de abertura da válvula, numa conduta com raio igual a 250 mm. Nota: para efeitos do cálculo da variação da área livre de escoamento entre os ângulos de abertura 60º e 90º (982 cm 2 ), considerou-se a soma das áreas livres das zonas 3 (474 cm 2 ) e 4 (508 cm 2 ), assinaladas na figura.

livre para o escoamento dos fumos com o ângulo de abertura da válvula (equação 3) e também como se comporta a taxa de variação da área livre com o mesmo ângulo (equação 4), podendo ver-se em apêndice a tabela de valores. Como se pode observar, entre 0º e 90º do ângulo de abertura é possível identificar, pelo menos, quatro intervalos do ângulo de abertura da válvula em que a variação da área livre e a taxa de variação da área livre são quase lineares (tangentes 1-4, na figura 4).

Ainda na figura 4, quando o ângulo θ variar entre 0º e 30º, a área livre de escoamento varia apenas 263 cm2, mas se o ângulo variar entre 30º e 60º a área livre varia 719 cm2, ou 982 cm2 se o ângulo variar entre 60º e 90º. Isto significa que, na região dos baixos ângulos de abertura (0º-30º), a sensibilidade do sistema de regulação é baixa (dAle /dθ varia entre 0 e 1000 cm2/rad) obrigando a movimentos de grande amplitude do órgão de acionamento da válvula, para corrigir qualquer perturbação da pressão estática. Pelo contrário, na região dos ângulos elevados (60º - 90º) a sensibilidade do sistema de regulação é tão elevada que pode facilmente entrar em oscilação e provocar instabilidade no funcionamento do forno (dAle/dθ varia entre 1750 e 1963 cm2/rad). Deste modo, a zona de regulação entre 30º e 60º (45º±15º) é a que melhores resultados pode gerar (dAle/dθ varia entre 1000 e 1750 cm2/ rad). No caso de não ser possível fixar o trabalho da válvula motorizada naquele intervalo, a válvula manual deverá ser reposicionada, de modo que a primeira possa funcionar dentro do intervalo do ângulo de abertura considerado mais correto. Fazendo-o, poderemos não só controlar a resposta a qualquer perturbação da pressão de funcionamento do forno-túnel, mas também fazê-lo do modo mais rápido e eficaz possível, mantendo-se a estabilidade do processo.

Conclusões

A conclusão analítica retirada do ponto anterior, de que o melhor valor do ângulo de abertura da válvula motorizada, para se garantir a estabilidade da pressão estática, se situa entre 30⁰ e 60⁰, corrobora uma outra de natureza prática a que já havíamos chegado, quando realizámos uma intervenção técnica no primeiro forno-túnel de vagonetas com arrefecimento rápido direto e controlo automático da pressão estática montado em Portugal. Este forno, que entrou em operação em 1983 na Cerexport, era um forno Riedhammer com 60 metros de comprimento e queimadores jet com câmaras de SiC, estes agrupados em 3 rampas com controlo independente da relação ar/gás, que produzia 15 toneladas/dia de louça de forno em grés, por monocozedura, num ciclo de 10 horas. Essa intervenção foi motivada pelo facto de, à data, a válvula motorizada trabalhar, sistematicamente, na região de maior sensibilidade (muito aberta), esgotando-se, com frequência, a capacidade de regulação, o que dava origem a que o forno entrasse em modo de alarme e fosse interrompida a sua marcha. A estabilidade do funcionamento só foi readquirida quando a válvula de controlo foi colocada a trabalhar no intervalo 45º±15º do ângulo de abertura, através do aumento da área livre de escoamento limitada pela válvula manual.

Do mesmo modo, alterando-se de modo significativo o ritmo da ali-

mentação do forno (ciclos mais curtos ou mais longos ou vagonetas com mais ou menos carga), a probabilidade de a válvula motorizada passar a trabalhar fora da zona correta é grande, sendo necessário reajustar o posicionamento da válvula manual, para que a válvula motorizada continue a trabalhar no intervalo ótimo do ângulo de abertura.

Bibliografia

Enrique, J.E., Mallol, G., Monfort, E. e Cantavella, V. “Racionalização de Energia em Fornos de Revestimentos Cerâmicos”. Cerâmica Industrial, 5 (1) Janeiro/Fevereiro, 22-36, 2000.

Pérez, A.C., “Industry 4.0: A Practical Application in Ceramic Kilns”. www.ceramicindustry.com, August, 17-20, 2017.

APÊNDICE

Tabela 1 – Área livre de escoamento (A le) e taxa de variação da área livre de escoamento (dA le /d θ ) com o ângulo θ de abertura da válvula de regulação da pressão (raio da tubagem:250 mm). Código de cores: cinzento-bai xa sensibilidade de regulação, verde-sensibilidade correta e amarelo-elevad a sensibilidade de regulação.

Efeito da adição de nanopartículas a um vidrado na sua resistência à abrasão superficial

M.N. Capela 1 , D.M. Tobaldi 1 , L. Hennetier 2 , A. Dias 3 , J.A. Labrincha 1 , M.P. Seabra 1

1 Departamento de Engenharia de Materiais e Cerâmica, CICECO - Instituto de Materiais de Aveiro, Universidade de Aveiro, 3810-193 Aveiro, Portugal; 2 Centro Tecnológico da Cerâmica e do Vidro, iParque -

Lote 6, 3040-540 Antanhol, Portugal; 3 RECER, Indústria de Revestimentos Cerâmicos, S.A., Apartado 20, 3771-953 Oliveira do Bairro, Portugal.

Palavras-chave: Vidrado; Grés porcelânico; Zircónia tetragonal; Nanopartículas; PEI

O desenvolvimento de vidrados com elevada resistência ao desgaste superficial é de extrema importância no caso do grés porcelânico. A utilização destes vidrados possibilita a produção de materiais decorados com uma vasta gama cromática e estética, dotados das propriedades adequadas para aplicação em locais de elevado tráfego. Neste estudo, foi investigada a incorporação de nanopartículas de zircónia

estabilizada com 3% (em mol) de ítria (3YSZ), como agente de reforço mecânico num vidrado transparente, utilizado como última camada decorativa na produção de peças de grés porcelânico. A 3YSZ foi testada devido às suas excecionais propriedades mecânicas, tais como elevada resistência mecânica à flexão, dureza e tenacidade [1].

As nanopartículas de 3YSZ, gentilmente cedidas pela INNOVNANOAdvanced Materials, SA., foram caracterizadas quanto à sua morfologia, por microscopia eletrónica de varrimento (MEV), distribuição granulométrica, por difração laser e difusão dinâmica de luz (DLS), e composição mineralógica e tamanho de cristalite, por difração de raios X (DRX). Adicionalmente, foi realizada a quantificação das fases cristalinas presentes através do método de Rietveld [2], utilizando o software GSAS-EXPGUI [3] para o refinamento. A curva da distribuição de tamanho de partícula obtida por difração laser (Figura 1), revela a presença de aglomerados, facto corroborado pelas imagens obtidas por MEV (Figura 2a e b), nas quais também se verificou que a maioria das partículas primárias possuem diâmetro inferior a 100 nm (Figura 2c). Dessa forma, o valor determinado para o diâmetro médio de partícula (649,0 nm) foi significativamente influenciado pela presença desses aglomerados. O diâmetro médio de partícula obtido por DLS foi de 195,0 nm, um valor ligeiramente inferior ao obtido por difração laser, mas também influenciado pela aglomeração observada. Verificou-se que a amostra possuía duas fases cristalinas:

Figura 1 - Distribuição granulométrica das nanopartículas obtid a por difração laser.
Figura 2 - Imagens das nanopartículas obtidas por MEV.

ZrO2 (JPDF 04-013-68755, 51,3±0,3% em massa) com estrutura monoclínica e Y0,131Zr0,869O1,935 (JPDF 04-016-2110, 48,7±0,2% em massa) com estrutura tetragonal. O tamanho das cristalites é de 11,2±0,3 nm para a fase monoclínica e de 10,7±0,2 nm para a fase tetragonal.

Para avaliar a estabilidade da composição mineralógica das nanopartículas à temperatura máxima de cozedura do grés porcelânico (≈1200ºC), estas foram submetidas a um tratamento térmico a essa temperatura. Após cozedura, observou-se o desaparecimento da fase monoclínica e a presença da fase Y0,056Zr0,944O1,972 (JPDF 04-0162105) com estrutura tetragonal.

O agente de reforço foi incorporado na suspensão de vidrado transparente em duas concentrações distintas (2,5 e 5,0 % em massa). A densidade das suspensões foi ajustada para 1400 g/L e, antes da sua aplicação, estas foram homogeneizadas durante três horas num moinho de bolas horizontal em alumina. Foram utilizados apenas quatro corpos moentes em alumina (Ø15 mm) para otimizar a dispersão minimizando, contudo, possíveis alterações na granulometria do vidrado. Para efeitos comparativos, a suspensão de vidrado original (V) foi submetida ao mesmo processo de dispersão. Conforme o procedimento industrial, as suspensões preparadas foram aplicadas (300 g/m2), por pulverização, sobre a superfície de peças de grés porcelânico cru (11x11 cm) previamente engobadas (engobe de cor cinzenta) em linha, também por pulverização (1100 g/m2, 1600 g/L).

As peças foram secas a 120ºC, numa estufa de laboratório com ventilação, durante 48 horas. Posteriormente as amostras foram cozidas num forno de gás semi-industrial, simulando as condições industriais, com uma temperatura máxima de 1200ºC, num ciclo com uma duração de 60 minutos de frio a frio.

Após cozedura os vidrados reforçados com 3YSZ foram caracteriza-

dos através da DRX, MEV e espectroscopia de dispersão de energia (EDS). A fase cristalina presente na amostra 3YSZ após a cozedura a 1200ºC (JPDF 04-016-2105) foi igualmente identificada no vidrado reforçado cozido. Assim, pode-se concluir que não ocorreu a formação de novas fases cristalinas, seja por reação química entre as nanopartículas de reforço e o vidrado, seja por solubilidade, mantendo-se a fase tetragonal disponível para melhorar o desempenho mecânico do vidrado [4]. Adicionalmente, observou-se a presença de aglomerados de 3YSZ na matriz dos vidrados reforçados, apesar das suspensões de vidrado terem sido homogeneizadas antes da aplicação nas peças cruas. Nas peças em que se aplicou o V+5,0% 3YSZ os aglomerados eram visíveis macroscopicamente, o que é inaceitável tendo em conta os requisitos exigidos para um vidrado transparente. Por essa razão, apenas o vidrado com 2,5% em massa de 3YSZ, em que os aglomerados formados não eram percetíveis a olho nu (Figura 3) foi selecionado para o teste de avaliação da sua resistência à abrasão superficial.

Após cozedura as amostras foram submetidas ao teste de abrasão superficial PEI (ISO 10545-7), utilizando 6000 e 12000 revoluções. Após o ensaio, a perda de massa das amostras foi quantificada, a sua topografia examinada com um perfilómetro ótico 3D e a sua superfície avaliada por MEV e colorimetria. Os resultados (Tabela 1) mostraram que o vidrado reforçado apresentou uma perda de massa (∆m) inferior à exibida pelo vidrado original, indicando a remoção de uma menor quantidade de material da superfície do vidrado. Este resultado mostra que a resistência ao desgaste está correlacionada com a composição do vidrado e o número de revoluções. Todas as amostras apresentaram variação de cor na zona de teste (Tabela 1). No entanto, o vidrado reforçado com 2,5% de 3YSZR apresentou um desempenho satisfatório em ambos os testes de abrasão superficial (6000 e 12000 revoluções). O vidrado original também foi aprovado, porém com uma mensagem de aviso, indicando que a diferença de

Avaliação da alteração de cor (ISO 10545-16).

Figura 3 - Amostra V+2,5% 3YSZ: (a) Imagem obtida por MEV; (b) Mapa de EDS e (c) Aglomerados de nanopartículas na matriz do vi drado.
Tabela 1 – Propriedades das amostras após o ensaio PEI.

Figura 4 - Rugosidade média dos vidrados antes e após 6000 e 12 000 revoluções, em três posições distintas (sem abrasão, ¼ e ½ do diâmetro do círculo de desgaste).

cor medida está próxima do valor limite mínimo de deteção pelo olho humano. A rugosidade média da superfície sujeita a abrasão é superior à da superfície não submetida a abrasão, apresentando um aumento proporcional ao número de revoluções para ambos os vidrados (Figura 4). No entanto, a diferença entre a rugosidade inicial e a rugosidade após 6000 revoluções é mais acentuada do que a diferença observada entre as rugosidades medidas a 6000 e 12000 revoluções. As superfícies após terem sido submetidas a 6000 revoluções exibem uma morfologia semelhante à observada após 12000 revoluções (Figura 4). Esse comportamento pode ser atribuído à remoção da camada superficial inicial, que expõe material mais poroso, resultando num desgaste mais intenso [5]. Observa-se também uma maior rugosidade no centro do círculo sujeito a desgaste do que no bordo. Este facto pode ser explicado pela deposição de resíduos de abrasão, que são progressivamente compactados em finas camadas durante o teste, contribuindo para a proteção da superfície subjacente. Essas camadas são, no entanto, facilmente destruídas e reconstruídas em diferentes zonas, com uma tendência de formação preferencial na periferia do círculo de desgaste, devido ao movimento de rotação do sistema [5].

Os resultados obtidos mostram que é possível obter uma melhoria da resistência à abrasão superficial de peças de grés porcelânico decoradas, através da introdução de 2,5% (em massa) de nanopartículas de 3YSZ na formulação do vidrado transparente aplicado como última camada de decoração.

No entanto, para otimizar ainda mais o desempenho destes materiais, é necessário um trabalho adicional sobre a prevenção da aglomeração das nanopartículas durante a aplicação do vidrado. Uma melhoria no controlo da dispersão das nanopartículas poderá au-

mentar a eficácia do reforço mecânico, resultando em vidrados ainda mais resistentes à abrasão superficial.

Agradecimentos

Este trabalho foi realizado no âmbito do Projeto CERU4 – Pavimentos cerâmicos de elevada resistência ao desgaste (POCI-01-0247-FEDER-003392).

Bibliografia

1. Llusar M, Rodrigues C, Labrincha J, Flores M, Monrós G (2002). Reinforcement of single-firing ceramic glazes with the addition of polycrystalline tetragonal zirconia (3Y-TZP) or zircon. J Eur Ceram Soc 22:639–652.

2. Rietveld H (1969). A profile refinement method for nuclear and magnetic structures. J Appl Crystallogr 2:65–71.

3. Toby B (2001). EXPGUI, a graphical user interface for GSAS. J Appl Crystallogr 34:210–213.

4. Rambaldi E, Tucci A, Esposito L, Naldi D, Timellini G (2010). Nano-oxides to improve the surface properties of ceramic tiles. Bol Soc Esp Ceram V 49:253–258.

5. Esposito L, Serra E, Tucci A, Rastelli E (2004). Surface abrasion of glazed ceramic tiles: A new investigation technique. Key Eng Mater 264–268:1515–1518.

Verallia e os Desafios da Descarbonização

Os desafios para a melhoria da performance ambiental são, para qualquer indústria nos dias de hoje, um vetor crucial de atuação. O planeta necessita de uma mudança substancial, os consumidores assim o exigem, o mercado obriga à diferenciação, pelo que converge como prioridade em qualquer sector industrial, no geral, e no ramo vidreiro, em particular. Na Verallia iniciou-se em 2019, com um compromisso sólido

O vidro é um material indubitavelmente sustentável, por ser infinitamente reciclável a 100%, não sofrendo alterações independentemente do número de vezes que é reciclado. Um frasco poderá dar origem a uma garrafa de vinho, a qual, por sua vez, poderá ser transformada numa garrafa de água, e, sucessivamente, dar forma a quaisquer outras embalagens de vidro.

O primeiro desafio no ciclo de vida do vidro é ter todos os stakeholders alinhados na estratégia de produção, consumo, recuperação e reutilização do vidro.

Em Portugal, a Plataforma Vidro+ é um projeto de referência a nível europeu, que promove a circularidade das embalagens de vidro, com a missão de criar um compromisso entre os diferentes agentes da cadeia de valor do vidro de embalagem que atuam no mercado nacional, com o objetivo, devidamente definido, de “Recolha de 90% das embalagens de vidro colocadas no mercado, para reciclagem, até 2030”

O vidro reciclado (casco) é, portanto, um motor para a descarbonização da indústria do vidro.

Contudo, o processo vidreiro demanda exigências acrescidas na atual conjuntura.

A prioridade da Verallia, enquanto líder europeu no mercado de vidro de embalagem e terceiro a nível mundial, consiste em produzir embalagens de vidro saudáveis, esteticamente apelativas e sustentáveis, com a melhor pegada ecológica possível.

Apesar dos nossos processos de produção de garrafas de vidro e de frascos requererem um significativo nível de consumo de energia e consequente emissões de CO2, a Verallia está fortemente empenhada, juntamente com a cadeia de valor do vidro, em desenvolver novas soluções benéficas e sustentáveis para todos.

O objetivo “Reimaginar o vidro para um futuro sustentável” determina a estratégia e ambição da Verallia a longo prazo. Apoiada no respeito pelos valores e princípios éticos junto dos colaboradores, clientes e fornecedores, a Verallia desenvolveu um plano baseado em sólidos eixos ambientais:

Melhorar a circularidade das embalagens de vidro

A economia circular constitui um foco estratégico para o desenvolvimento da Verallia, assente em três alavancas: Reduzir, Reutilizar e Reciclar.

Por um lado, na preservação dos recursos naturais existentes e necessários à produção de vidro, como também na inovação de produtos e soluções ecológicas, passando ainda pela gestão e valorização de resíduos. A redução do consumo de recursos naturais culmina no aumento da percentagem de vidro reciclado que se pode incorporar no processo de fusão.

O próprio desenvolvimento dos nossos produtos está associado à sustentabilidade desde a conceção até à produção. O design dos novos modelos, a redução de peso e, portanto, a redução do vidro é fundamental para progredir na redução de emissões. Outro eixo importante na conceção de novos modelos é optar por cores mais escuras, o que favorece a incorporação de uma maior percentagem de casco, promovendo uma cultura de circularidade. Contrariamente às cores claras que limitam uma menor percentagem de utilização de vidro reciclado.

A estratégia da Verallia neste sentido tem sido firme e clara, tendo investido fortemente nos últimos meses, incluindo em Portugal, na construção e na aquisição de fábricas de tratamento de vidro reciclado. Tal facto permite gerir a disponibilidade e a qualidade de casco para os fornos. De forma direta, a produção de vidro de embalagem, através da introdução massiva de vidro reciclado, tem um duplo efeito na redução do CO2: por um lado, via redução do consumo de energia fóssil como uma das principais fontes energéticas no processo de combustão e principal responsável de emissões, por outro lado,

mediante a diminuição da necessidade de matérias-primas carbonatadas em substituição do casco.

Em suma, está a ser levada a cabo uma série de ações para promover a circularidade do vidro e dos recursos naturais:

• Maximizar o uso de casco nos nossos produtos,

• Expandir a reutilização de vidro,

• Aumentar a sensibilização e expandir a reciclagem de vidro,

• Desenvolver o design ecológico para produtos sustentáveis, e

• Otimizar o uso da água e reduzir os nossos resíduos.

• Reduzir significativamente as nossas emissões de CO2 em todas as nossas operações

Estando a economia circular fortemente presente nas atividades da Verallia, através da infinita reciclabilidade do vidro, o processo é intenso na necessidade energética para a fusão das matérias-primas e para a transformação em garrafas ou frascos.

O nosso compromisso com o ambiente levou-nos a definir uma ambiciosa política de investimento para transformar a nossa tecnologia e os nossos equipamentos industriais para uma sólida redução das nossas emissões. Essa ambição é garantida pela validação da SBTi (Science Based Target Initiative), em março de 2022, para a trajetória de 1,5°C.

A Verallia Portugal tem participado, ativamente, na estratégia do Grupo ao ter sido a primeira fábrica a instalar um parque fotovoltaico, que permite poupar, anualmente, cerca de 3100 toneladas de CO2 Ao mesmo tempo, o Scope 2 na nossa região tem sido zero, há anos, pois a energia que consumimos é de origem verde.

A renovação dos fornos tem tido também um contributo acrescido para o conhecimento de tecnologias mais verdes, de que são exemplos o primeiro forno-piloto de superboosting para vidro de cor e um pré-aquecedor de matérias-primas com vista à redução dos consumos de energias fósseis.

No âmbito desta estratégia, o Grupo inaugurou este ano o primeiro forno de vidro 100% elétrico com um investimento de 57 milhões de euros, que reduz as emissões de CO2 em 60% comparativamente a um forno tradicional, constituindo um marco importante para uma produção mais sustentável, uma inovação mundial na indústria de embalagens de vidro para alimentos e um contributo assinalável para a descarbonização do setor.

Paralelamente, na Iberia, será instalado no próximo ano o primeiro forno híbrido com utilização de 80% de energia elétrica proveniente de fontes renováveis e os 20% a oxi-gás para uma redução importante de Nox, contribuindo, significativamente, para a redução energética, para a promoção da transição energética ecológica nas regiões onde existe presença industrial e, a nível global, na redução da pegada de carbono.

Este capítulo inclui várias ações implementadas para descarbonizar as nossas atividades:

• Aumentar a proporção de matérias-primas com baixo teor de carbono,

• Otimizar o consumo de energia e desenvolver fornos de baixa emissão de CO2,

• Aumentar as energias renováveis e de baixo carbono, e

• Contribuir para a regeneração do solo.

Conscientes que as metas são ambiciosas, que as disposições normativas podem evoluir numa tendência mais restritiva, enfrentamos, com confiança e motivação, o futuro, desafiando, continuamente, a tecnologia e implementando as melhores práticas disponíveis.

O respeito pelo meio ambiente, um dos valores da Verallia, valida a orientação para uma indústria que se obriga, não por imposição, mas por propósito, enquanto parte da solução, a ser sustentável, neutra em carbono e de valor acrescentado para os seus produtos: as embalagens de vidro.

Tecnologia integrada de queimadores e fornecimento de oxigénio para a fusão de vidro: Um passo em direção à sustentabilidade e à descarbonização

Michael J. Gallagher e Ashwin Vinod da (Gasin/Air Products), e James Carlson da Certain Teed Corporation - Saint Gobain

Abstract

Nos últimos anos, a sustentabilidade e a descarbonização tornaram-se áreas de forte atenção para a indústria de produção de vidro. A combustão oxi-combustível contribui para estes objetivos porque permite uma poupança de combustível entre 10-25% em relação à combustão ar-combustível, bem como uma redução das emissões de carbono. No entanto, as instalações de separação de oxigénio consomem energia elétrica, pelo que este fator também deve ser tido em conta no cálculo da pegada ecológica de cada instalação de produção de vidro. Muitas instalações de separação de oxigénio utilizam a tecnologia de absorção por oscilação de vácuo (VSA) e são concebidas para fornecer oxigénio a pressões de aproximadamente 1 bar. É frequentemente utilizado um compressor de oxigénio gasoso para atingir a pressão de fornecimento de oxigénio necessária, mas este equipamento pode consumir uma parte significativa da energia total fornecida à VSA e requer manutenção periódica, aumentando assim o tempo de inatividade da VSA. A razão para a necessidade de uma pressão de fornecimento de oxigénio tão elevada deve-se frequentemente à conceção da tubagem de oxigénio, dos skids de fluxo e dos queimadores de oxi-combustível. A Gasin (empresa do grupo Air Products) desenvolveu uma nova configuração de queimador com um sistema integrado de fornecimento de oxigénio a pressões muito mais baixas, 0,34 bar na linha de vedação da VSA com apenas 0,03 bar necessários no queimador. Foi realizado um ensaio desta tecnologia nas instalações da CertainTeed (Saint Gobain) em Chowchilla, na Califórnia.

Introdução

Os efeitos das alterações climáticas são cada vez mais evidentes e tornaram a descarbonização e a sustentabilidade prioridades fundamentais para o futuro da indústria vidreira [1,2]. Embora muitas

opções estejam a ser investigadas no caminho para a descarbonização, serão necessários vários anos até que qualquer uma delas esteja economicamente disponível numa escala suficientemente grande para satisfazer as necessidades de uma indústria de energia intensiva como a do vidro. Numa infraestrutura energética deste tipo, outras tecnologias que prometam um menor consumo de energia (uma menor pegada ecológica), sem comprometer a quantidade e a qualidade do vidro produzido, seriam o próximo passo ideal no caminho da indústria para a descarbonização.

Uma Tecnologia de Queimador Integrada e um Sistema de Fornecimento de Oxigénio para a Fusão de Vidro

Para facilitar poupanças de energia imediatas e consideráveis numa fábrica de vidro, a Gasin desenvolveu o seu sistema de combustão Integrated Prism®O2 VSA/ Cleanfire® HRx™(“Sistema Integrado”).

O sistema VSA (Vacuum Swing Adsorption) de oxigénio é uma versão modificada da VSA de O2 padrão com uma diferença fundamental: o sistema VSA de baixa pressão não inclui o compressor GOX (oxigénio gasoso) que fornece O2 a altas pressões ao cliente (Figura 1). A remoção do compressor conduz a determinadas vantagens operacionais, para além da redução da área de implantação do sistema. O compressor GOX é um componente do sistema que consome muita energia e, por isso, a sua remoção oferece o potencial para poupanças de energia significativas. Além disso, o compressor é frequentemente o componente de qualquer sistema VSA que mais frequentemente necessita de manutenção, pelo que a sua remoção melhora ainda mais a fiabilidade e reduz a probabilidade de paragem do sistema. O principal desafio é não ter a pressão necessária para operar em conjunto com skids de fluxo-padrão e queimadores. A pressão de saída do VSA de O2 de baixa pressão é de cerca de 0,34 bar, ao contrário da

pressão de 1 bar fornecida pelos VSAs padrão. Para fazer face a este desafio, a Gasin desenvolveu com êxito uma linha de componentes a jusante de baixa pressão, incluindo skids de fluxo e queimadores modificados para funcionarem sem problemas com o novo VSA de O2 de baixa pressão.

Os queimadores Cleanfire HRx modificados funcionam exatamente como os seus homólogos de pressão normal a pressões de retorno <0,03 bar. O queimador é um queimador oxi-combustível de chama plana com caraterísticas de vanguarda, tais como uma fase de oxigénio extremo (O2) até 95%, baixas emissões de NOx, modo de redução de espuma para desestabilizar a espuma superficial [3] e sensores opcionais para monitorização remota do desempenho [4]. O queimador Cleanfire HRx no seu bloco de queimador é apresentado na Figura 2.

O bloco do queimador tem um pré-combustor central para iniciar a reação de combustão e portas superiores e inferiores para a distribuição de O2

Os queimadores Cleanfire HRx têm a capacidade única de serem operados em qualquer um dos três modos distintos de distribuição de O2 para otimizar as propriedades da chama, dependendo da localização do queimador dentro de um forno de vidro. A Figura 3 mostra os três diferentes modos de preparação do queimador HRx e as suas respetivas funcionalidades. No Split Mode, o O2 de staging é dividido uniformemente entre as portas de staging superior e inferior, produzindo uma chama de alto momento, adequada para os locais mais turbulentos dentro de um forno. No modo de fusão,o O2 de estabilização é direcionado para a porta de estabilização inferior, produzindo uma chama longa com um fundo mais luminoso que leva a um

Figura 1 - Esquema do novo sistema VSA de baixa pressão
1. Módulo do ventilador de ar de alimentação; 2. Leitos de adso rção; 3. Módulo do ventilador de vácuo; 4. Módulo de válvulas de comutaç ão principal; 5. Tanque tampão de oxigénio; 6. Sistemas de cópia de segurança
Figura 2 - Queimador Cleanfire HRx no seu bloco de queimadores
Figura 3 - Vários modos de preparação do queimador HRx

aumento da radiação dirigida para a fusão por baixo. No modo de controlo da espuma, todo o O2 de estabilização é dirigido para a porta de estabilização superior localizada acima da chama. Neste modo, a chama desenvolve uma camada inferior fuliginosa com gases redutores como o CO, que efetivamente desestabilizam a espuma da superfície e assim minimizam as ineficiências no processo de fusão [5]. O queimador incorpora também uma válvula de controlo de O2 para ajustar a divisão do O2 de combustão em O2 primário e O2 de estabilização. O maior caudal de O2 através do orifício primário acelera a mistura do O2 e do gás natural, produzindo assim uma chama de elevado momentum. Pelo contrário, uma válvula de distribuição completamente fechada permite que apenas 5% do O2 da combustão passe pelo orifício primário, enquanto os restantes 95% são direcionados para os orifícios de distribuição. Níveis elevados de O2 de estabilização produzem múltiplos benefícios, incluindo uma chama mais longa, menos NOx e maior luminosidade da chama.

Descrição Geral da Instalação

O sistema integrado instalado na fábrica de fibra de vidro de 295 TPD incluía o sistema VSA de baixa pressão e 11 queimadores Cleanfire HRx. As definições das válvulas em cada um dos queimadores foram otimizadas para terem as propriedades de chama mais adequadas às suas posições dentro do forno. Antes do sistema integrado, o forno funcionava com tecnologia alternativa de fornecimento de oxigénio e de queimadores. Na secção seguinte, o desempenho do sistema integrado é comparado com a instalação anterior em termos de consumo de energia VSA, eficiência de fusão do forno, emissões de NOx, temperatura da coroa do forno e temperatura do fundo do forno.

Consumo de energia da VSA

O consumo de energia da VSA antes e depois da instalação do sistema integrado foi comparado através da estimativa do consumo anual de energia de cada um em kWh.

Verificou-se uma redução significativa de 30%, Figura 4, no consumo de energia com o novo sistema. Outra consequência importante da

redução do consumo de energia é a redução associada das emissões de CO2. Utilizando um fator de conversão de 0,879 lbs. CO2 por kWh fornecido, conforme prescrito pela calculadora da pegada de carbono da Pacific Gas and Electric Company [6], as poupanças no consumo de energia acima referidas correspondem a menos 1361 toneladas de CO2 emitidas anualmente apenas pela VSA sozinha.

Eficiência de Fusão do Forno

A eficiência de fusão do forno foi avaliada em termos da energia térmica consumida por tonelada de vidro produzido. Para um determinado período de interesse, foi estimado o consumo total de gás natural e a energia total associada foi dividida pela tonelagem total de vidro produzida durante o mesmo período para obter o consumo específico de combustível em MMBTU/tonelada de vidro. Foi aplicado um fator de compensação em que se assumiu uma diminuição de 2,9% no consumo de energia por cada 10% de casco utilizado [7]. A alteração do consumo específico de combustível com a instalação do sistema integrado, tendo em conta o efeito do aumento do casco de vidro, é apresentada na Figura 5. A redução do consumo de combustível por tonelada de vidro produzido foi de 8%, o que, quando traduzido em redução das emissões de CO2, corresponde a um total de 1760 toneladas anuais.

Temperaturas da coroa e do fundo do forno

A média das temperaturas medidas em todos os termopares do fundo e da coroa durante os períodos de interesse é apresentada nas Figuras 6 e 7, respetivamente. Para efeitos de confidencialidade, as temperaturas são apresentadas como uma diferença de temperatura em relação ao funcionamento anterior à instalação do novo sistema integrado. Como se pode ver nas Figuras 6 e 7, com a instalação do novo sistema a média dos termopares do fundo do forno aumentou 92˚F e a média dos termopares da coroa do forno diminuiu 75˚F. Ambas as alterações são favoráveis do ponto de vista da eficiência e longevidade da fornalha. Os queimadores Cleanfire HRx produzem chamas longas, luminosas e de elevado momento que são inerentemente resistentes a perturbações relacionadas com a turbulência.

Figura 4 - Consumo de energia normalizado da VSA
Figura 5 - Consumo específico de combustível normalizado

Isto permite-lhes direcionar mais calor, de forma mais uniforme, para a fusão do vidro, aumentando assim as temperaturas do fundo do forno e baixando as temperaturas da coroa.

Emissões NOx

As emissões de NOx foram avaliadas em termos de NOx emitido por vidro produzido. A média de NOx/tonelada foi calculada para todo o período de interesse e normalizada em relação ao valor antes da instalação do novo sistema (Figura 8). Observou-se que as emissões de NOx por tonelada de vidro produzido foram 18% mais baixas com

o sistema integrado. Os queimadores Cleanfire HRx são capazes de uma fase extrema de staging de O2; aproximadamente 95% do O2 da combustão é separado da chama principal e passado através de uma porta adjacente. Isto cria uma chama primária rica em combustível que tem uma temperatura de chama central mais baixa e, por conseguinte, menos NOx é produzido como resultado.

Resumo e conclusões

O sistema de combustão integrado VSA - Cleanfire HRx provou ser um passo eficiente, económico e fiável no caminho para a descarbonização. O sistema integrado beneficia dois subsistemas-chave de uma fábrica de vidro: o sistema de geração de O2 e o equipamento de fusão, ambos com um impacto significativo na pegada de carbono da instalação. O sistema reduziu significativamente o consumo de energia da VSA em 30%. O sistema integrado também aumentou a eficiência do forno, transferindo mais calor para a fusão do vidro. Isto é evidente pela temperatura mais baixa da coroa do forno e pelas temperaturas mais altas do fundo. Além disso, as emissões de NOx foram reduzidas em 18%, em média. No geral, estima-se que o sistema integrado reduza as emissões de CO2 nas instalações em cerca de 3100 toneladas por ano. Até à data, a Gasin possui 10 sistemas integrados deste tipo em todo o mundo.

Referências

1. SAINT-GOBAIN NET-ZERO CARBON ATÉ 2050, 24/9/2019.

2. A O-I recebe aprovação para objetivos de redução de emissões com base científica.

3. M. D'Agostini, W. Horan, “Otimização da eficiência energética, da qualidade do vidro e das emissões de NOx em fornos de vidro oxi-combustível através de uma fase avançada de oxigénio”; 79.ª Conferência sobre Problemas do Vidro (GPC), 2018.

4. Hendershot, Reed. “Primeiro queimador inteligente para a indústria do vidro”. Glass Worldwide, Edição 64, 2016.

5. Laimbock, P. R. “Foaming of glass melts.”, Dissertação de doutoramento, Universidade Técnica de Eindhoven, (1998). ISBN 90-386-0518-8.

6. Pressupostos da calculadora da pegada de carbono da Pacific Gas and Electric Company

7. Kovacec, M., A. Pilipovic, e N. Stefanic. “Impact of glass cullet on the consumption of energy and environment in the production of glass packaging material.” Pesquisas recentes em química, biologia, meio ambiente e cultura. Montreux, Suíça (2011).

Figura 6 - Diferença na temperatura no fundo do forno
Figura 7 - : Diferença de temperatura no topo do forno
Figura 8 - Redução nas emissões de NOx

A Sustentabilidade e o Papel do Design

A Humanidade enfrenta tempos desafiantes. O diagnóstico está feito e tem vindo a ser repetido pela comunidade científica: Os níveis de poluição continuam a aumentar um pouco por todo o mundo; estamos a promover a 6.ª extinção em massa reduzindo significativamente a biodiversidade dos ecossistemas que suportam a nossa vida; continuamos a criar uma sociedade cada vez mais desigual com cerca de 80% da riqueza concentrada nos 10% mais ricos; apesar de alguma melhoria, ainda temos 10% da população mundial em pobreza extrema; e, que nem uma cereja gigante em cima do bolo, não estamos a conseguir atacar efetivamente as causas das alterações climáticas, ou seja, globalmente as emissões de CO2 ainda estão a aumentar. No passado, apenas em períodos de crise houve redução global das emissões de CO2 (crash bolsa 1929, 2.ª Guerra Mundial, crise petrolífera dos anos 70, crise das dívidas soberanas de 2008 e pandemia de 2020). Para, internacionalmente, atingirmos os objetivos do Acordo de Paris de não deixarmos subir a temperatura média acima dos 2º, teríamos de ter uma redução da emissão de CO2 semelhante à da quebra da atividade económica causada pela pandemia em 2020, consecutivamente, todos os anos, até 2050. Mas há sinais positivos, pois alguns países, como é o caso de Portugal, estão a conseguir reduzir as emissões mantendo o crescimento económico. No entanto, os dados indicam que já ultrapassamos 6 dos 9 limites planetários definidos cientificamente pelo Stockholm Resilience Centre. Isto significa que começamos a sentir mais frequentemente, incluindo em Portugal, as consequências de todos estes problemas, em particular dos extremos climatéricos, como as ondas de calor ou as cheias.

Portanto, como é que conseguimos reduzir a emissão de poluição, de carbono, a intensidade energética, ou a exigência de recursos sem reduzirmos o desempenho económico, tão necessário para a nossa qualidade de vida?

Desde os anos 80, com a formulação do conceito de desenvolvimento sustentável pela Comissão Brundtland da ONU, que ficou claro que era necessário alterar paradigma de funcionamento da sociedade contemporânea que, até então, associava diretamente o bem-estar Humano ao crescimento económico e este a um proporcional impacte ecológico. E essa alteração deve ser na direção de um desenvolvimento que nos leve a percorrer um caminho em direção à sustentabilidade. Isso “significa possibilitar que as pessoas, agora e no futuro, atinjam um nível satisfatório de desenvolvimento social e econó-

mico e de realização humana e cultural, fazendo, ao mesmo tempo, um uso razoável dos recursos da Terra e preservando as espécies e os habitats naturais”1. Este conceito de sustentabilidade parece ser bastante simples, mas a sua implementação é bastante complexa.

É por este motivo que várias políticas, estratégias e ferramentas têm sido desenvolvidas. A mais abrangente é a Agenda 2030 da ONU, onde estão definidos os 17 objetivos do desenvolvimento sustentável (ODS) que incorporam dezenas de metas e indicadores. Também a União Europeia tem mostrado liderança nesta área ao estabelecer várias políticas, como o Green Deal, que pretende fomentar a transição para um modelo de sociedade sustentável e neutra em carbono.

Neste contexto é importante destacar o papel da nossa cultura material, ou seja, de todos os objetos físicos, tangíveis e concretos utilizados por uma sociedade, por necessidade ou desejo e que, num todo, dão significado ao dia a dia e constroem a nossa identidade. É em torno destes produtos que está montado todo o sistema de produção e consumo (alvo do ODS#12) que, desde a revolução industrial têm causado impactes muito significativos no ambiente e, em algumas situações, também grandes iniquidades sociais.

A cultura material precisa de ser mais benigna, mas isso não vai acontecer apenas com desenvolvimento tecnológico, ou com a utilização de materiais reciclados, ou com um aumento de eficiência energética por parte do sistema produtivo. Tal como referido no ODS#12 é essencial repensar e reestruturar o sistema de produção e consumo de forma que o peso da sociedade humana no planeta seja reduzido e trazido para dentro da capacidade de carga dos ecossistemas. É necessária uma abordagem mais holística que promova e apoie esse processo de transição e que contribua para a regeneração dos danos já causados nos ecossistemas.

O modelo com maior potencial para alcançar este objetivo é o da economia circular, pois pretende abordar os problemas ambientais integrando a solução na economia, através da mobilização dos agentes económicos. É um modelo que tem as suas raízes em três conceitos prévios: 1) a ecologia industrial, que é um conceito que se popularizou nos anos 90 e previa uma mimetização dos ecossistemas

(1) WCED, Our common future: The World Commission on the Environment and Development, ed. G. Brundtland. 1987, UN

naturais pelos sistemas industriais, onde os resíduos de uma indústria poderiam tornar-se matéria-prima de outra; 2) o Cradle-to-cradle (berço-ao-berço), é um modelo que procura eliminar o conceito de resíduo através do desenvolvimento de sistemas fechados ecoeficazes e que foi popularizado pela dupla Michael Braungart e William McDonough; e 3) o biomimetismo, é um conceito que procura soluções para os desafios humanos através da imitação de modelos, sistemas e processos da natureza, foi popularizado por Janine Benyus.

A economia circular, como o seu nome indica, pretende mudar o atual paradigma da economia que assenta na linearidade – retirar os recursos, processar e descartar – para um modelo circular em que os ciclos de energia e materiais devem: fechar, estreitar, abrandar e regenerar. Outro aspeto relevante que para que esta abordagem aos ciclos possa funcionar é que eles devem ser bio-ciclos ou tecno-ciclos, mas nunca um híbrido, pois a bio-compatibilidade permite que a Terra absorva esses recursos numa escala temporal razoável (biodegradável) e a tecno-compatibilidade permite que os recursos fluam pelo sistema industrial (através de remanufatura ou reciclagem). Para abrandar os ciclos deve ser respeitado o princípio da inércia e a sua ordem, conforme estruturado por Walter Stahel: 1º Não reparar o que não está partido, 2º não remanufaturar o que ainda pode ser reparado, 3º não reciclar o que ainda pode ser remanufaturado, e 4º substituir apenas a menor parte possível para manter o valor económico.

É, também, com este princípio e por esta ordem que deve ser implementada a estratégia definida no plano de ação para economia circular2 que apresenta, em vez dos clássicos 3 R’s (Reduzir, Reutilizar, Reciclar) os novos 9 R’s + 1 V:

1. Recusar

2. Repensar

3. Reduzir

4. Reutilizar

5. Reparar

6. Recondicionar

7. Remanufaturar

8. Realocar

9. Reciclar

10. Valorizar

Os produtos estão no centro da tripla linha de base da sustentabilidade e é neste contexto que o design ganha uma importância reforçada para ajudar a repensar a cultura material e a promover a economia circular. O Daciano Costa referia que os designers deviam ser a consciência crítica da sociedade, analisando de forma ponderada a relação entre necessidades e desejos da contemporaneidade.

Tendo em consideração que todos os produtos são alvo de projeto de design, dos mais simples aos mais complexos; que o processo de

(2) Resolução do Conselho de Ministros n.º 190-A/2017, de 11 de dezembro (2017) Plano de Ação para a Economia Circular. Diário da República n.º 236/2017, 2º Suplemento, Série I de 2017-12-11, páginas 54 – 73. https://data.dre.pt/eli/resolconsmin/190-a/2017/12/11/p/dre/ pt/html

design, devido à sua versatilidade e flexibilidade, tem a capacidade para abordar todo o tipo de problemas; e que é na fase de design que o perfil dos produtos fica planeado e onde cerca de 80% dos impactes são definidos, então torna-se evidente que o design, em conjunto com a indústria, tem de ter um papel ativo e consciente na procura de soluções. Como referia Buckminster Fuller “The best way to predict the future is to design it!”.

O design tem tentado evoluir para dar resposta à crescente complexidade das exigências da sustentabilidade e da economia circular, incluindo essas preocupações no seu processo. Nos anos 70, quando o movimento ambientalista se afirmou, o design desenvolveu uma abordagem intitulada de design verde que procurava responder ao principal problema ambiental identificado num produto, como por exemplo a escolha de um material menos tóxico ou de um material reciclado. Esta era uma abordagem sem visão de ciclo de vida e, por consequência, por vezes essas decisões, apesar de resolverem um problema, criavam outros noutras fases do ciclo de vida.

No início dos anos 90 foi desenvolvido um novo modelo de design, designado ecodesign, que procurava não comprometer o desempenho económico dos produtos e que tinha uma abordagem de ciclo vida, onde eram, tipicamente, contempladas 5 fases: pré-produção, produção, distribuição, utilização e fim de vida. Esta abordagem obrigou a que os critérios ambientais fossem integrados ao mesmo nível que os restantes critérios de desenvolvimento de um produto (como ergonomia, produção, funcionalidade, custo, etc.) e que, devido à sua maior complexidade fossem desenvolvidas estratégias que dessem resposta a problemas que pudessem existir em todas as fases do ciclo de vida. Como o grau de complexidade era crescentemente elevado, quer das estratégias quer da diversidade de produtos e problemas, também foram sendo criadas ferramentas de apoio ao desenvolvimento dos projetos e à integração dos critérios ambientais. Estas ferramentas podem ser simples e analógicas como tabelas de verificação e linhas guia, como ferramentas mais complexas e digitais, que permitem fazer uma avaliação detalhada do ciclo de vida.

No entanto, o ecodesign não conseguia responder a todas as dimensões da sustentabilidade. A componente social, especialmente, estava em falta. Nesse sentido houve um esforço no início deste milénio de criar o design para a sustentabilidade (DfS), uma prática de design que, para além dos critérios tradicionais e ambientais que o ecodesign integrava, engloba também no desenvolvimento do projeto os critérios sociais e tem como objetivo reduzir o impacte ambiental e social do produto sem diminuir o seu potencial económico, de forma a promover um sistema de produção e consumo sustentável.

É dentro deste novo chapéu do DfS que se desenvolve o design circular, de forma a responder aos objetivos da economia circular e aos novos modelos de negócio que podem existir, em que as estratégias dos 9 R’s têm que ser complementadas com outras dimensões, quer mais imateriais relacionadas com o comportamento do consumidor/ utilizador e com a relação emocional que este estabelece com os objetos, quer de diferente modelo comercial, como é o caso dos sistemas produto-serviço em que a noção de propriedade é repensada.

Em conclusão, é fundamental que os designers consolidem a sua cultura e credibilidade técnica para enfrentar os desafios atuais. Acreditamos que a colaboração com a indústria possibilitará, a curto e médio prazo, o desenvolvimento de boas práticas de circularidade na gestão dos recursos naturais, nos processos de produção, na conceção de produtos e serviços, nos comportamentos de consumo e, em particular, na gestão dos resíduos. Para que tal ocorra, será essencial que estas iniciativas sejam sustentadas por uma visão holística das causas (origens dos problemas) e, prospetiva, na identificação das oportunidades. Este tipo de abordagem irá não apenas favorecer a implementação de soluções responsáveis, mas também desafiar preconceitos e estimular o surgimento de novas ideias e práticas.

É, portanto, imprescindível que todos assumam um compromisso coletivo para estabelecer interconexões entre os vários sistemas envolvidos, reconhecendo que a sustentabilidade não é apenas uma responsabilidade individual, mas sim um esforço colaborativo. Tal compromisso irá facilitar a troca de conhecimentos, a inovação e a criação de um ambiente favorável à experimentação de novos modelos que estabeleçam como prioridade a boa utilização, a durabilidade e a eficiência dos recursos disponíveis.

É neste contexto, que o ensino superior desempenha um papel essencial na formação de profissionais capacitados e conscientes das suas responsabilidades sociais e ambientais. A Escola Superior de Artes e Design (ESAD.CR) do Instituto Politécnico de Leiria destaca-se como um modelo de instituição que promove essa integração e formação ao longo dos diferentes ciclos de estudos, incentivando os seus alunos a pensar criticamente e a agir de forma responsável através do desenvolvimento de projetos e integração de unidades curriculares nos seus currículos, que enfatizam a sustentabilidade e a circularidade,

A ESAD.CR tem como um dos seus objetivos principais a formação de uma nova geração de designers preparada para enfrentar os desafios que se avizinham, sensibilizando-os a criar soluções que não só atendam às necessidades atuais, mas que também respeitem e preservem o ambiente para as gerações futuras, contribuindo desta forma para um planeta mais equilibrado e justo, onde a circularidade e a responsabilidade socioambiental, desejavelmente, se tornarão pilares da nossa sociedade.

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