Informativo Oigalê - 06

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Ano 3 | Edição 6 | 2º semestre de 2011 Porto Alegre/RS | Distribuição Gratuita

Oigalê – a Busca de um Teatro de Rua Pampiano

desde 1999

Ser gaúcho é um estado de espírito?

P

ara a Oigalê, a tomada do espaço público é extremamente importante e necessária como política cultural pública. Apropriar-se desse lugar para dar acesso a todo cidadão independente de raça, condição financeira, crença ideológica ou religiosa. O projeto ‘Oigalê – a Busca de um Teatro de Rua Pampiano’ patrocinado pela Petrobras aprofundou a pesquisa desenvolvida desde 1999: o trabalho do ator de teatro de rua, mambembe, mesclado ao contador de causos, lendas, histórias e contos da região pampiana, buscando uma linguagem e dramaturgia própria deste bioma. No decorrer de agosto a dezembro de 2010, a Oigalê executou pesquisa de campo, permanecendo, em média,

quatro dias em cada cidade visitada, realizando levantamento de material, buscando entrevistas, livros, textos, gravuras, novas histórias, lendas, contos, causos, CDs, encontros com grupos artísticos e de manifestações populares, registrando e catalogando este material. A intenção foi realizar uma troca: apresentação em 13 cidades de um espetáculo do grupo pela busca, junto à comunidade, de informações das mais diferentes manifestações locais. As cidades próximas dos países vizinhos também foram visitadas, em mais de 5.000 km percorridos pela região pampiana: Itacurubi, Garruchos (Garruchos/AR), São Borja (São Thomé/AR), Itaqui, Maçambará, Quaraí (Artigas/UR),

Barra do Quaraí (Bela Unión/ UR), Uruguaiana (Passo de Los Libres/AR), Alegrete, Santana do Livramento (Rivera/UR), Dom Pedrito, Bagé e Aceguá (Aceguá/UR). A recepção foi muito boa em todos os lugares. Percebemos a imensa carência de eventos culturais e, ao mesmo tempo, a disponibilidade das comunidades em contribuir com a pesquisa. Percorremos os mais remotos pontos do pampa gaúcho, fronteiriços com Argentina e Uruguai. Apresentamos teatro de rua para aqueles que nunca haviam assistido nenhuma apresentação de teatro em suas vidas. Um público ávido e sedento por algo tão fora de sua realidade do dia-a-dia. O silêncio do público às ve-

zes era impressionante, sendo possível ouvir os pássaros. Momentos lindos de comunhão entre público e os atores. Registramos tudo ou quase tudo que presenciamos basicamente em vídeos, escritos e fotos. Ouvimos tantas histórias que se colocássemos todas juntas, em um livro, teríamos em mãos um dos maiores registros do pampa “gaúcho”: o ABC dos Pampas. Tivemos as mais variadas temperaturas, tanto no inverno com apresentações sendo realizadas a 3ºC, quanto na primavera onde o termômetro bateu os 30ºC. Nessa trajetória de mais de 5.000 km de estradas, conta-se 50 dias de viagem divididos em três circuitos, 13 cidades do pampa gaúcho, 7 cidades da Argentina e Uruguai, 280

entrevistados. Concluímos essa etapa do projeto satisfeitos com os resultados, tanto com relação às apresentações quanto à pesquisa de campo realizada. De volta para casa, com um total de 70 horas de gravação de vídeo, em torno de 9.200 fotos, cerca de 80 livros e 12 CDs de música, iniciamos a catalogação de todo esse material, com o objetivo de transformá-lo em elemento cênico, em uma linguagem para o teatro de rua. Nessa 6ª edição, preparamos para dividir com o nosso público um resumo do resultado da pesquisa realizada em 2010, com patrocínio da Petrobras, chamada ‘Oigalê – a Busca de um Teatro de Rua Pampiano’.


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Itacurubi A chegada na Pousada da dona Teresinha em Itacurubi foi marcante depois de 9 horas de estrada. Fomos recepcionados com um bom mate e rosquinha quentinha feita na hora, algo que mostra a hospitalidade do gaúcho. Entrevistamos pessoas como o Sr. Oli, que nos afirmou que “gaúcho não acredita em assombração” contrário do Seu Lili que se vangloria de possuir uma faca de prata “capaz de tirar o couro de lobisomem”. O jantar de confraternização, oferecido pela prefeitura, foi um momento coletivo com a comunidade de Itacurubi, onde ouvimos contos, causos e músicas locais. No mês de agosto, tivemos a presença de uma característica marcante do RS: as baixas temperaturas de inverno, chegando a marcar 3°C em praça pública, durante os espetáculos. A água mineral servida aos atores congelou, e mesmo depois de permanecer algumas horas ao sol, a água continuava congelada. Foi a primeira vez que a cidade recebeu teatro de rua.

Garruchos Na cidade de Garruchos, a travessia do rio Uruguai, em uma pequena chalana para cinco pessoas, foi algo que mostrou um pouco do comércio e deslocamento das pessoas entre Brasil e Argentina nesta região. O prefeito nos apresentou o panorama geral do município e suas dificuldades pela distância com o asfalto, e contou que nunca havia recebido um espetáculo de teatro de rua. Além disso, relatou sua preocupação com a futura instalação de uma barragem no Rio Uruguai próximo à cidade. Conversamos, entre tantos outros nativos, com Seu Adão, que é autor do hino da cidade. Tivemos o segundo jantar coletivo com a comunidade, organizado pela prefeitura de Garruchos. Aqui fomos acolhidos em torno da churrasqueira, sendo servidos de uma maneira simples e verdadeira, pelo próprio assador.

São Borja Na chegada a São Borja, visitamos o Museu Aparício Silva Rillo (conceituado escritor e poeta da cidade). Nesse dia, deu-se o primeiro contato do grupo com as obras relacionadas ao período jesuítico dos sete povos das missões. A visita aos museus dos ex-presidentes João Goulart e Getúlio Vargas nos mostrou um pouco da história política da cidade. Também em São Borja, visitamos o Museu Ergológico situado junto ao Centro Cultural do Grupo Artístico Angüera, museu este que guarda vários instrumentos de trabalho da vida do homem do pampa. Também saboreamos um belo jantar oferecido pelo grupo citado.

Itaqui Em Itaqui, vivenciamos a solenidade da “Chama Crioula”, marcada por uma homenagem ao chamado Grupo dos Oito, reconhecido como os fundadores do tradicionalismo. A chama do Candeeiro foi acesa pela primeira vez em 1947, retirada de uma centelha da Pira da Pátria, e desde então distribuída para as 30 regiões tradicionalistas do RS.

e x p e d i e n t e Jornalista Responsável: Carlos Ismael Moreira - MTB 15.021 • Coordenação do Informativo: Vera Parenza • Projeto Gráfico e Diagramação: Carlos Tiburski Revisão: Paola Opptiz • Colaboradores da Edição: Di Machado, Giancarlo Carlomagno, Hamilton Leite, Ilson Fonseca, Paulo Brasil, Thiago Alves e Vera Parenza • Impressão: Jornal Pioneiro • Tiragem: 10.000

A viagem Visitamos Zeca do Bigode, personagem folclórico que mantém um museu ergológico em sua casa. Mostrou um pouco dos instrumentos de trabalho da lida pampiana que ele recolheu nas últimas décadas. Visitamos as ruínas do “Saladeiro de São Felipe de Itaqui”, local onde era abatido o gado para ser transformado em charque. Diferente do restante do estado, as “charqueadas” aqui são denominadas “saladeiros”, bem como na Argentina. Em entrevistas no Teatro Prezewodowski, tivemos o prazer de conhecer o poeta e compositor João Sampaio, grande conhecedor e pesquisador da cultura pampiana e guaranítica.

Maçambará Aqui também nos encontramos com um pouco do folclore gauchesco: a chegada da centelha da chama crioula distribuída a partir de Itaqui. Um dia de festa na cidade.

Quaraí Fomos recepcionados pelo poeta e historiador Dagoberto Mendes em seu escritório particular, localizado em sua própria casa da maneira mais tradicional, olho no olho, aperto de mão e nome completo. Seu Dagoberto serviu um bom mate e nos apresentou Quaraí através de seu olhar poético. Destacamos sua versão para a lenda do “Cerro do Jarau”, bem como a música típica da região, “Piazito Carreteiro” de Luiz Menezes. Deslocamento de 30 km em chão batido para uma trilha ecológica no Cerro do Jarau, guiada pelo historiador Ricardo Murilo. Neste cerro, tivemos o privilégio de, passo a passo, ouvir o desenrolar da lenda a partir da contação do guia. A Salamanca do Jarau é uma lagartixa que se transforma em Princesa Moura. O cerro é uma formação montanhosa, resultado de um asteróide que rasgou a terra há milhões de anos, desconfigurando a planície característica do bioma pampiano. Acredita-se que o cerro tem um protetor, sempre zeloso, para preservar o local e a história: o Guardião do Cerro. Esse diferencial geográfico deu origem à lenda que já faz parte do imaginário do povo gaúcho. O cerro é bastante visitado por sua fama de local encantado. Ao encontrar uma lagartixa, pode-se estar em frente à Princesa Moura. Mais uma grande surpresa da pesquisa foi conhecer pessoas muito especiais. Nádia Boelter, poetisa, que nos indicou o Coordenador da “Casa de Los Sueños” de Artigas/UR, Juan da Rosa. Neste espaço, o Maestro desenvolve um trabalho artístico, cultural e social com foco na infância e juventude. Cruzamos a fronteira e, ao encontrá-lo, nos deparamos com um senhor carismático, que conversava conosco afirmando que já nos conhecia “há mais de mil años, só não tínhamos nos encontrado”. Ele nos apresentou sua cidade.

Itacurubi

Garruchos São Borja

Itaqu Maçam

Barra do Quaraí Conhecemos Argemiro Rocha, integrante da ONG Atelier Saladero, que nos apresentou as ruínas do saladeiro da cidade de Quaraí, local onde se abatiam animais bovinos para produção de charque, que se constituiu no mais importante fenômeno econômico em toda a região no final do século XIX e inicio do século XX. Constatamos a depreciação do patrimônio histórico da região, pois os antigos prédios do complexo do saladeiro encontram-se em ruínas. Visitamos de barco a Ilha Brasileira, local conhecido como o marco mais a oeste do Rio Grande Sul, o Marco das Três Fronteiras. Trata-se de uma Ilha localizada na foz do Rio Quaraí, que na década de 1930 passou a ser objeto de diversos litígios entre o governo brasileiro e uruguaio. Na ilha, conhecemos a antiga residência do Seu Zeca, que morou mais de quarenta anos naquele local. Conhecemos o museu particular do comerciante e escritor João Albino Rosa, personagem folclórico desta pequena cidade da fronteira. Na sua própria casa, ele montou um Museu “ergológico” com os mais diversos materiais, inclusive pedaços de madeiras que se petrificaram com o passar dos anos (efeito natural e muito comum nesta região).

Uruguaiana Conhecemos a “Confraria do Funcho”, um bolicho (bar) típico da região, onde escritores, poetas, músicos e historiadores se encontram para beber, comer, cantar, declamar e conversar. Ouvimos histórias, poesias campeiras e muita música de compositores locais. Ao cruzarmos a fronteira mais uma vez, fizemos uma visita à Diretora Cultural de Passo de Los Libres, Mirta Bertonni, que nos contou a história do “Gauchito Gil”, santo popular que possui uma grande procissão no dia 08 de janeiro. Conhecido como o “Robin Wood” dos Pampas, arrasta milhares de pessoas que desejam retribuir ao “santo” milagreiro as preces atendidas.

Alegrete No Museu do Gaúcho, Flávio Alfeu Poitevin, historiador e atual diretor, nos conduziu em uma visita direcionada. Ali, pudemos presenciar a evolução do povo gaúcho do início do século XV até os atuais, reafirmando questões importantes da história e da construção do “gaúcho”. Seguimos para a antiga estação férrea da cidade onde fica o CEPAL – Centro de Pesquisa e Documentação de Alegrete, onde encontramos Danilo Assumpção dos Santos, historiador e presidente desta instituição que nos deu uma aula de história e sobre a importância dos municípios de fronteira para as revoluções e guerras que aconteceram no estado do Rio Grande do Sul. Aprendemos a origem da palavra “contrabando”, uma prática forte na fronteira, muito mais intensa na chamada fronteira seca do Uruguai e Rio Grande do Sul. O Reino de Portugal e a colônia, aqui no Brasil, emitiam um documento para comercialização para quem pagava o imposto chamado “bando”. Quem se opunha à cobrança de impostos e fazia o comércio sem autorização ficou conhecido como “contra o bando ou contrabando”.


ui mbará Quaraí

Barra do Quaraí

Uruguaiana

Alegrete

Santana do Livramento

Dom Pedrito

Santana do Livramento A primeira impressão de nossa chegada a Santana do Livramento/ Rivera foi uma das características dessa fronteira, mais conhecida como fronteira da Paz. Um parque que metade é Brasil, metade é Uruguai. Uma divisa imaginária. As cidades de Livramento e Rivera não têm divisas, são a mesma cidade. Fala-se português e espanhol e todos se entendem perfeitamente, ou seja, “portunhol”.

Dom Pedrito No dia seguinte a nossa chegada, visitamos o Museu Paulo Firpo, onde fomos recebidos por Adilson Nunes de Oliveira, historiador, professor e diretor do museu. Para ele, o gaúcho traz em si coragem e honestidade. Visitamos a casa do Sr. Nelson (...), funcionário público, tradicionalista e historiador autodidata. Em sua opinião, o gaúcho é um homem de mistura, rude e do pampa. Ele relata o fim do “chacreiro” no pampa, homem e sua família de pequena propriedade que trabalhava nas estâncias, que acabou deixando o campo e indo para a cidade. Ele relata que todos os ciclos revolucionários têm passagem em Dom Pedrito (Guerra Farroupilha, Cisplatina, Guerra do Paraguai e revolução de 1893 e 1923). Também ouvimos depoimentos de pessoas que falavam sobre os arrozeiros, vistos como agressores do meio ambiente, em especial dos rios. Depois de 40 km em estrada de chão batido, chegamos ao local onde se encontra o monumento “Obelisco da Paz”. Ao lado, um bolicho de parede de barro, telhado de palha e um galpão para festas. Localizado no distrito de Poncho Verde, nome que leva o acordo de paz entre farroupilhas e imperiais depois de 10 anos de guerra civil.

Bagé A visita à Vila de Santa Tereza foi uma grata surpresa em nossa estada em Bagé. No final do século XIX e início do século XX, o Sr. Visconde de Magalhães chega e se instala próximo à estação férrea. Ele dedicou este nome à sua esposa Tereza Pimentel de Magalhães, e San-

Bagé

Aceguá

ta Tereza D’Ávila, uma carmelita descalça, escritora e poeta, dita santa dos artistas. Hoje a Vila está parcialmente restaurada e foi transformada em centro histórico. Quem nos recebeu e fez uma visita guiada foi Eliane Simões Pacheco, Coordenadora do Centro. O Visconde visionário monta sua casa, uma igreja, um teatro, alojamento para os funcionários e uma charqueada. Trabalhava com o gado, mas também diversificava seus investimentos em diversas fábricas, produzia vinhos, adubo, ração, tinha restaurante, padaria, além de uma usina independente de energia elétrica, sapataria, barbearia, alfaiataria, capela e teatro. A Vila de Santa Tereza foi o segundo local a ter energia elétrica no Brasil. A Charqueada também tinha um grupo teatral e uma banda, a Lira de Santa Tereza.

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diários Vera Parenza “Depois de muito viajar pelo Brasil, pela primeira vez tivemos oportunidade de revelar o interior de nosso Estado de origem. Somos urbanos, e nos propomos a desvendar os caminhos de outras paisagens. É uma oportunidade ímpar, enquanto artistas e cidadãos, de reconhecer nesses lugares distantes, parte da nossa história.” “Aqui todas as casas têm lareira, e a madeira queimando e soltando fagulhas é que traz o aconchego nessas terras onde sopra o vento Minuano.” “Ao sair na rua já estávamos pesquisando, tudo se amplia aos olhos atentos de quem quer a tudo captar. Tudo pode resultar em uma história!” “Na casa do Seu Zeca (92 anos) e da Dona Maria (88 anos), comemos bolo de aniversário da Dona Maria. Ao receber em mãos nosso jornalzinho, Dona Maria disse: “Eu não sei ler!” Dissemos: “Não tem problema, é para olhar também. Tem mapa, fotos...” Seu Zeca também não sabe ler. E os dois, juntos, guardam anos de história da sua região. Esse jornal também é para todos os Zecas e Marias desse nosso imenso país.”

Paulo Brasil | Pérolas de um diário

Aceguá Hospedamo-nos em Aceguá no lado uruguaio. Encontramos com Mara, assessora de cultura do município, no posto aduaneiro uruguaio, pois necessitávamos informar a nossa permanência no país por alguns dias em função da hospedagem e da pesquisa em si. Visto autorizado, seguimos para hospedagem. Seguimos por 10 km de estrada de chão batido aonde, no meio da estrada, vimos marcos fronteiriços que se misturavam. De um lado, campos uruguaios, do outro, campos brasileiros. Diferença? Nenhuma. Seguimos até a pousada cercados do mais típico bioma do pampa “gaucho”. A pousada da Dona Mirta, local que nos hospedou em Aceguá, UR, é com certeza um dos momentos significativos da nossa pesquisa. Uma fazenda, com todas as maravilhas de uma casa de campo, associada ao carinho dispensado no atendimento. Café da manhã campeiro, jantar tradicional de carreteiro de charque com feijão, bolo frito, torradas e café da tarde, foram alguns dos mimos recebidos. A décima terceira e última apresentação do espetáculo “O Negrinho do Pastoreio” foi realizada na Praça Internacional. Uma praça simples, sem muitas árvores, dividindo dois países. De um lado Brasil, do outro Uruguai. Nossa percepção frente a essa divisão territorial é de que ela é somente geográfica, pois no dia a dia, observando o movimento das cidades vizinhas, essa separação inexiste.

Barra do Quaraí, ilha brasileira

“... acho que foi por aqui que comecei a me dar conta da importância da nossa apresentação naquela cidade. Ao passar o carro de som anunciando o espetáculo, dava pra ver nos rostos curiosos a ansiedade que se havia gerado na comunidade com algo tão diferente como uma apresentação de teatro de rua.” “Uma coisa me chamou a atenção, 80% dos homens usam bota e bombacha.” “Como foi lindo de ver um causo que levava a outro, sempre começando por - mas bah, me lembrei doutro pra contar...”. “Sem demora apareceu um gaiteiro, um violão e um pandeiro e a cantoria tomou conta do galpão.” “... essa é uma daquelas horas que o gaúcho fraqueja e a lágrima vence, correndo solta feito potro sem dono sobre meu rosto...”. “Fomos chamados pra jantar, mas o gaiteiro não parou. Não sei até hoje se o gaiteiro comeu naquela noite.” “De todas as experiências que passamos nesta pesquisa de campo, a que sinto mais falta de fazer é andar a cavalo. Amanhã talvez dê. Tomara.” “Estamos no fim da pesquisa de campo e, quanto mais nos aproximamos da cultura pampiana, mais me encontro e mais me encanto.”

Hamilton Leite “... Quando estávamos na altura de Eldorado do Sul, na saída de Porto Alegre, ouvimos um barulho. Paramos a van, olhamos o reboque arriado. Bem em frente, pudemos fazer o reparo, pois havia uma mecânica especializada em molas de caminhão e solda. Que sorte!”

Sobre as origens No Museu do Gaúcho ficamos sabendo que o povo pampiano, assim denominado (Minuanos e Charruas) usava o quéchua como idioma, o mesmo que povos do Peru e Bolívia. Descobrimos que xarqui é a origem da palavra Charque. No ponto de vista cultural e histórico, tivemos a certeza que esta população era caçadora de animais, que já existia algum tipo de cavalo baixo, mas chegou à sua extinção nesta região antes da introdução do cavalo pelos espanhóis no ano de 1607, e que a introdução do gado se dá em 1634. Geralmente, só ouvimos falar da formação do gaúcho ou do povo pampiano, ou na transformação dessas tribos em uma nova e talvez única forma de existência em todo o planeta, que monta a cavalo e vive do gado xucro, solto no campo, posterior ao abandono das Reduções Jesuíticas. Os Charruas e Minuanos eram o genuíno povo pampiano, pois viviam neste bioma. Os Guaranis viviam na faixa central do estado do RS conhecida como depressão central, já os Botocudos, Pinarés e Gê eram povoados do planalto, serra e campos de cima da serra. Os Charruas e Minuanos eram povos que não tinham grandes afetividades, mas que se uniam em lutas contra outros, pois eram guerreiros e caçadores. Sua valentia e destreza com o cavalo é simplesmente ímpar no Brasil. O homem montava a pelo, sem cela nem nada inicialmente, e existem fatos que mostram que montava na lateral do cavalo, enganando assim o homem branco conquistador. Os últimos charruas foram enviados para Paris como “animais raros”, em 1833, morrendo em pouco tempo de desgosto e depressão. Neste mergulho profundo em nossas origens e tradições que nos propusemos a realizar, certamente ao descobrir nosso passado nos reencontramos com o nosso presente. Quem somos? Quem são os Gaúchos? Somos Gaúchos ou Rio-grandenses? Quais as nossas origens?


ouça-me!

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Causos, contos, lendas... Tantas histórias...

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O que a Oigalê fez em 2011

Semana do Teatro no Maranhão - São Luís/MA Além de trabalhar na pesquisa “A busca de um teatro de rua pampiano” e planejar o próximo espetáculo que terá patrocínio da Petrobras, a Oigalê, no período de aniversário, fez uma circulação pela grande Porto Alegre com apoio da Funarte – Ministério da Cultura. Realizou oficinas de teatro de rua: • A busca de um teatro de rua pampiano (patrocínio Petrobras) • Oficina de Primavera E participou dos eventos: • Semana do Teatro no Maranhão - São Luís/MA • Circuito SESC de Artes 2011 - interior SP • Amazônia Encena - Porto Velho/RO • Festival de Teatro da Amazônia – Manaus/AM • Litoral Encena – Caraguatatuba/SP • Projeto Revoada - Pombas Urbanas - São Paulo/SP

agenda

Em novembro e dezembro de 2011, a Oigalê encerra o ano comemorando “Uma Dúzia de Teatro de Rua” com uma programação na grande Porto Alegre que tem o patrocínio da Sulgás e Petrobras. O projeto acontece de forma mambembe em locais públicos e de grande circulação de pessoas, e apresenta o espetáculo “O Negrinho do Pastoreio”.

18h Parque da Redenção 10h30 Calçadão - Centro

Porto Alegre/RS Canoas/RS

Dezembro Dia 04 Dia 10 Dia 11 Dia 17 Dia 18 PATROCÍNIO

C

onhecemos a história do Ivo, figura típica, dono de um Cabaré, que desfilava travestido de mulher. Seu estabelecimento era freqüentado pela alta sociedade e conhecido em toda fronteira oeste. Costumava desfilar com suas “meninas” em sua charrete pelas ruas centrais da cidade de Uruguaiana. Se algum “cliente” incomodava, Ivo Rodrigues restabelecia a ordem no local com seu facão. Um de seus “causos” mais conhecidos relata que certa vez um delegado novo na cidade mandou prendê-lo, e uma passeata saiu pela cidade pedindo sua liberdade. O Baile dos Anastácio é mais uma das incríveis histórias que ouvimos. Acontecido no final do século XIX, o Baile dos Anastácio foi considerado um fato inédito na região de Dom Pedrito. Durando 30 dias, sendo que pela manhã se descansava, à tarde se cozinhava e limpava e à noite o baile recomeçava. Relatam que uma das filhas faleceu durante o baile de pneumonia e que no final dos 30 dias o Sr. Anastácio teve de dar seu rebanho de gado para o dono do armazém, como pagamento pela alimentação e bebidas fornecidas. Citam-nos também uma figura popular da cidade de Dom Pedrito, Fermina Pedrosa, que saía a passear pintada e arrumada. Segundo o historiador o povo se divertia com ela e ela com o povo. Várias histórias orais existem em torno desta mulher. Uma vez convenceram Fermina que ela tinha um pretendente, o Tenente Felipe, que a esperava na Igreja. Ela se arrumou, como de praxe, e se dirigiu à cerimônia. Chegando, lá estava Felipe no altar. Ela entra na Igreja emocionada e, quando vai falar com o Tenente Felipe, entram dois guardas e levam o pretendente preso. Mais uma brincadeira da população com Fermina, que fica chorando no altar. Dizem que ficou ainda alguns meses lembrando-se de seu amado. Em São Borja se conta que há túneis subterrâneos que saem de sob a igreja matriz e atravessam a cidade até as barrancas do Rio Uruguai, percorrendo 6,5 km. Servia como rota de fuga e esconderijo. Uma história conhecida em São Borja é a de Maria do Carmo Fagundes, morta antes dos 30 anos, de longos cabelos escuros e natural de Bagé. Conforme relatos, tinha vida “airada”, tendo vários amantes. Ajudava as pessoas humildes. Conta-se que seu último amante a assassinou esquartejando seus membros. Atualmente no seu túmulo, acontecem atos de veneração. Logo na entrada do Cemitério Jardim da Paz está outro túmulo, que surgiu da noite para o dia, com uma escultura de anjo barroco em cima, e com a única inscrição: 1922. Dizem que a criança era filha de moça importante, sendo o pai o autor do sacrifício. Até hoje o túmulo do Anjinho é local de devoção, permanecendo enfeitado com brinquedos. Em Itaqui, conta-se que em 1862, o padre Silvestre Gonzales procura um lugar mais seguro para guardar o tesouro missioneiro. Enterra o tesouro, desenha um mapa da localização, mas é assaltado e, desde então, de tempos em tempos, alguém planeja explorações ao local. Fica conhecido como o Tesouro dos Barbozas.

Coleção Mitos e Lendas de Itaqui – Jesus Pahim

Novembro Dia 27 Dia 30

Foram selecionadas algumas, conhecidas ou não

18h Praça 20 de Setembro 18h Parcão 18h Calçadão 10h30 Praça do Imigrante 18h Parcão

São Leopoldo/RS Gravataí/RS Guaíba/RS Novo Hamburgo/RS Cachoeirinha/RS REALIZAÇÃO

- O ginete, até a morte (...) Segundo a lenda, um dia Alá ordenou ao vento que se materializasse, e assim criou o cavalo. As crinas e a cauda são ainda restos desse vento em metamorfose. Há um provérbio árabe que diz: O paraíso está entre o lombo de um cavalo e as páginas de um livro!(...) - O Peão e o Patrão (...) Tinha como regras os ensinamentos do gaúcho seu pai: respeitar para ser respeitado; não negar ajuda aos outros; cumprimentar a todos falando alto e claro; olhar nos olhos quando falar com alguém; tirar o chapéu diante das damas, mesmo crianças, e quando entrar em casa; cumprir, a qualquer custo, com a palavra empenhada; não se gabar do que sabe; ser cauteloso com o desconhecido e generoso com que lhe ganha a confiança; respeitar a Deus, aos pais e aos velhos; OCUPAÇÃO CÊNICA

APOIO

ser atencioso com as crianças e nunca maltratar os animais; cuidar das árvores e das sombras; viver em liberdade, não aceitando humilhação de qualquer natureza.(...)

Mytos, leyendas y tradiciones de la Banda Oriental – Gonzalo Abella (Las três Marías)

Para los charruas, como para todos los pueblos de pampa, pradera y serrania, el Cielo nocturno com sus constelaciones estaba poblado de memórias e profecía. Las estrellas que llamamos “Tres Marías” eran para ellos el signo de uma historia aún inconclusa. Según esta historia, los três astros alineados son las piedras pulidas que componen un arma arrojadiza: uma boleadora “de tres” que habían levantado vuelo.

João Sampaio Reinterpreta – I volume – Rincão da Cruz Natalino Gaiteiro Acordeona de doze baixos Tres hileiras, alemã Ele ganhou domando potros Na costa do Icamaquã Uma cordeona só pra ele Índio bagual sem costeio Que tocava como poucos Sempre em instrumento alheio Andava por todo o pago O Natalino Gaiteiro Espichando a gaita uma braça E lidando com caborteiro. Conheceu Maria Luiza Num baile aonde foi tocar E nessa noite a sua gaita Por Deus! Só faltou falar! Quando ela foi pra cidade Em busca de melhor vida A gaita falou por ele Na hora da despedida Enquanto a carreta sumia Ele um crioulo Romeu Numa toada de tristeza Co’a gaita lhe dava adeus... Envelheceu solteirão Amasiado co’a rebeldia E a gaita era a única china Que lhe amava e lhe entendia. Já velhusco, melena moura Nunca deixou de domar Mas rodou galopeando um baio E quebrou o braço em “dois lugar”! Os doutores da cidade Lidaram e não teve jeito Cortaram o braço do pobre Bem rente ao ombro direito! E ali está o velho gaiteiro Solito com seus tormentos A cordeona num saco de estopa Embaixo do catre de tentos... “ É mais fácil agaucharem-se os gringos do que agringarem-se os gaúchos.”


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