Em Prosa e Verso II - Academia Pouso Alegrense de Letras, 2005

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EM PROSA E VERSO II COLETÂNEA DA APL


ACADEMIA POUSO-ALEGRENSE DE LETRAS

EM PROSA E VERSO II COLETÂNEA DA APL

APOIO: CÂMARA E PREFEITURA MUNICIPAL DE POUSO ALEGRE

2005


Copyright © 2005 by Academia Pouso-alegrense de Letras (APL) Praça Senador José Bento, 68 - 37550-000 - Pouso Alegre - MG Brasil (Sede Provisória) Ficha Catalográfica - Preparada pela APL Todos os direitos reservados na forma da Lei 5.988, de 14.12.1973. Permitida a reprodução de trabalhos inseridos nesta obra, mediante autorização de seus autores e citação da fonte original.

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Capa: Medalhão da Academia. Trabalho do acadêmico Newton Meyer Contracapa: “A Fé e os Ipês”. Floração rosa característica da primavera pouso-alegrense e a torre do Santuário do Imaculado Coração de Maria. Foto do Acadêmico Newton Meyer. Revisão: Adriana Moreira, Maria Eunice Duarte Cheberle e Newton Meyer. Computação gráfica: Leonel R. da Silva _______________________________________________________

Academia Pouso-Alegrense de Letras Fundada em 03 de outubro de 1992


ÍNDICE Apresentação Palavras iniciais Medalhão da Academia

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Colaboração dos Acadêmicos: Acadêmico Benedito Camargo Madeira Alvarina Amaral de Oliveira Toledo Newton Meyer Azevedo Ciomara Fernandes Cascelli Eduardo A.O.Toledo Maria Eunice Duarte Cheberle Antônio Lopes Neto Conceição Aparecida Carvalho de Assis Maria Aparecida Perina Francescato Milton Reis Héron Patrício Alfredo de Castro Maria Aparecida (Diche) Galvão de Campos Josemaire Rosa Nery Horma de Souza Valadares Meireles Fernando Cruz Roberto Resende Vilela Clemildes D’Oliveira Sant’Anna José Messias Braz Valdomiro Vieira Simão Pedro Toledo Hémon Vieira

Cadeira 03 04 05 07 08 10 11 14 15 16 17 18 19 20 21 23 24 25 26 27 28 30

17 29 38 56 76 92 108 124 138 149 162 174 190 202 214 233 240 252 262 274 286 301



APRESENTAÇÃO Abrem-se as cortinas da Academia! Eis que vem a lume mais uma primorosa obra desta nossa querida entidade, contendo edificantes trabalhos dos irmãos de sonho, brotados dos sentimentos literários de cada um, na prosa e no verso, com grandiosidade de espírito e exuberante lição de vida. Na busca de cultura e dos valores literários, a Academia só adquire sentido a partir do momento em que passa a constituir-se de uma consciência integradora da visão conjunta de seus membros. Nas melhores tradições da APL, a coletânea “Em Prosa e Verso II” é um precioso marco da difusão do pensamento, no fascinante mundo da literatura, organizado e coordenado pelo proficiente Acadêmico Newton Meyer Azevedo, coadjuvado pela laureada Acadêmica Maria Eunice Duarte Cheberle, revisora meticulosa e correta de todos os textos. Esses companheiros não mediram esforços, e até sacrifícios, na produção desta obra, que por certo será um misto de alegria e prazer à sensibilidade de seus leitores. Especial agradecimento faço à Câmara Municipal que, entendendo o profundo sentido cultural desta obra, não hesitou em prestar-lhe decisivo apoio, alocando recursos para sua execução no orçamento do ano de 2005. Também agradeço à Prefeitura Municipal, na pessoa de seu signatário Dr. Jair Siqueira, por aprovar e conceder a verba necessária. Membro dessa escola de Platão, sinto-me profundamente honrado, e até mesmo envaidecido, vendo jorrar nas páginas desta Coletânea o que vai de mais sublime na alma de nossos notáveis confrades. Por sua beleza de conteúdo, este trabalho eleva e dignifica o cenário cultural de Pouso Alegre Eis, pois, “Em Prosa e Verso II”. Benedito Camargo Madeira Presidente da APL

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PALAVRAS INICIAIS Cumprindo a gratificante missão, da qual incumbiu-me o ilustre Presidente, Acadêmico Dr BENEDITO CAMARGO MADEIRA, a de organizar esta segunda coletânea, congregando nossos acadêmicos no bojo deste “EM PROSA E VERSO II”, passei de imediato da “ordem” ao seu fiel cumprimento, o que espero venha a ser do agrado de todos. Convidados, a grande maioria dos confrades atendeu de pronto ao chamamento, apresentando cada um o mais fino de seu trabalho e o mais característico de seu estilo. Obrigado a todos pela irrestrita cooperação! Estou certo de que aqueles que não puderam emprestar-nos o brilho de seus textos hão de ter razões de grande peso. EM UM PEQUENO EXERCÍCIO DE MEMÓRIA, recordemos que nossa ACADEMIA germinou de um sonho acalentado por literatos idealistas, fiéis às tradições culturais da Terra do Mandu, muito embora nem todos seus filhos natos. Assim, Eduardo Toledo, Horma Valadares, Alfredo de Castro, Ciomara Cascelli, Antônio Lopes Neto, Aprygio Nogueira, Josemaire (Josy) R. Nery, José Duarte e Marçal Etienne juntaram esforços e determinação, fundando a ACADEMIA POUSOALEGRENSE DE LETRAS e assegurando-lhe vida, em reunião perpetrada às dezessete horas do dia três de outubro de 1992. Ali já estabeleceram como sendo vinte e um o número de membros efetivos do recém-nascido sodalício. De comum acordo, instituíram os patronos para cada uma das 21 cadeiras, buscando-os entre honrados nomes da literatura e a história de Pouso Alegre, em um rol de 50 personalidades. Mediante convite dessa mesma plêiade de FUNDADORES, foi completado o quadro de acadêmicos, ficando assim constituída a entidade, na seqüência ordenada de nº da Cadeira, Patrono e Acadêmico : 01 - Jaime Marques de Oliveira - Licínio Rios 02 - Joaquim Bernardes da Cunha - Mírian dos Santos. 03 - Senador José Bento - José Duarte Costa. 04 - Joaquim Queiroz Filho - Inácio L. S. Engelman. 05 - Jandyra Meyer Azevedo - Newton Meyer Azevedo. 06 - Mário Casassanta - Paulo Roberto Carvalho. 07 - José Fernandes Filho - Ciomara Fernandes Cascelli. 08 - Senador Eduardo Amaral - Eduardo A. O. Toledo. 09 - Amadeu de Queiroz - Marçal Etienne Arreguy 10 - Prisciliana Duarte de Almeida - Maria Eunice Duarte Cheberle 11 - Tuany Toledo - Antônio Lopes Netto. 9


12 - Mons. Antônio F. de Mendonça - Octávio M. Gouvêa 13 - D. João Batista Nery - Lafayete Galvão. 14 - Jorge Beltrão - José Aprygio Nogueira. 15 - Maria Clara Cunha Santos - Maria Aparecida P. Francescato 16 - Sílvio de Abreu - Milton Reis. 17 - Bernardino de Campos - Héron Patrício. 18 - José Antônio Garcia Coutinho - Alfredo de Castro 19 - Jacy Meyer Fernandes - Diche Galvão de Campos. 20 - Gonçalo B. Coelho - Josemaire Rosa Nery. 21 - Vinícius Meyer - Horma de Souza Valadares Meireles. PROSPEROU E PRODUZIU A ACADEMIA, cumprindo sua missão estatutária de promover a cultura literária, ao mesmo tempo em que resgata as tradições históricas de Pouso Alegre e sua Gente. Promoveu diversos eventos nessa linha de atividades, destacando-se entra eles os Jogos Florais de Pouso Alegre, reeditado com raro brilhantismo e carinhosa repercussão em todo o BRASIL, para não ficarmos repisando sucessos. Esse “mesmo Tempo” perpassou impiedoso, cobrando o seu quinhão. A Academia entregou às Cadeiras Celestes nossos queridos Inácio, José Duarte, Licínio, Marçal, Aprygio, Octávio Gouvêa e Urias. Que nossa saudade seja um nicho que se eleve e os abrigue lá bem junto aos anjos, tão seus companheiros de sonhos desde esta vida terrena! Bem que fazem jus à alcunha de “imortais” com que se costuma brindar aqui os membros de uma academia... A ACADEMIA SE EXPANDE Em 1996, a APL amplia seu quadro de membros para trinta. Em onze de maio, recebe os novos acadêmicos, que ocupam, respectivamente, as cadeiras: 22 - Carlos de Barros Laraia, tendo como Patrono D.José D’Angelo Neto; 23 - Fernando Cruz, com Manoelita Amorim Meyer; 24 Urias José de Andrade Neto (falecido), com Francisco Cascelli; 25 - Clemildes D’Oliveira San’Anna, João Tavares Corrêa Beraldo; 26 - José Messias Braz, Patrono Ângelo Cônsoli; 27 - Valdomiro Vieira, Sebastião Ferraz; 28 - Simão Pedro Toledo, Eduardo Carlos Vilhena do Amaral; 29 - Monsenhor Júlio Perlatto, sob patronato de D. Octávio Chagas de Miranda, e 30 - Hémon Vieira, com o Patrono Sylvio Fausto de Oliveira. 10


A ACADEMIA RECEBE NOVOS MEMBROS A partir de 1998, foram admitidos Joaquim Nelson de Morais, Roberto Resende Vilela, Conceição Aparecida Carvalho de Assis e Benedito Camargo Madeira, que vieram preencher, respectivamente, as cadeiras 09, 24, 14 e 03, vagas pelo falecimento de seus titulares. Com muita tristeza para todos, alguns confrades renderam-se a seus muitos afazeres profissionais, e tiveram que se afastar, solicitando dispensa de continuar integrando e enriquecendo a Academia. Perdemos Mírian, Mons. Júlio Perlatto, Lafayete Galvão e Joaquim Nelson. Ganhamos Alvarina Amaral de Oliveira Toledo, nossa doce Decana, “avó” da Academia, pois que é mãe de um de seus fundadores, nosso Presidente Honorário, Eduardo (Didu) Toledo. A POSSE DOS NOVOS ACADÊMICOS Aconteceu em concorrida e prestigiada cerimônia nos salões do Clube Literário e Recreativo de Pouso Alegre, que nos oferece fraternalmente suas instalações para sede provisória. Da SAUDAÇÃO AOS RECÉM-CHEGADOS, incumbiu-me o então Presidente Eduardo Toledo, ocasião em que assim me pude expressar: Meu ilustre Presidente; Talento que hoje não falta, Sr. Prefeito, aqui presente; nesta conta “caixa alta” presidente João Batista; de tantos nomes de escol distintas autoridades; que ocupam novos lugares, demais personalidades, trazendo novos cantares. cavalheiros e beldades - São estrelas, são luares, desta terra progressista; são refulgências do Sol! caros irmãos “Imortais”, São um leque recortado, não poderia jamais finamente ornamentado, deixar de saudar em verso, de mil brilhos, de mil cores. em nome da ACADEMIA, Desde o festivo amarelo, que a mim concede a honraria, de Téspis, de Pirandelo, os NOVOS da confraria aos dourados do castelo deste fraterno universo. dos poetas trovadores. A ACADEMIA, senhores, Vermelho - da medicina; é uma “casa de penhores”, o verde - de quem ensina; sem teto, quase ao relento, branco e preto - do jornal. onde se empenha a CULTURA A luz - que o Direito aclara, - o “capital” que assegura que amadurece a seara; a independência futura, a púrpura - cor mais rara, e onde a “moeda” é o talento. do prelado clerical!


São cores da ACADEMIA, que atestam Democracia e repúdio ao elitismo. A Academia é o fanal, onde a Cultura e o Ideal são muralha colossal contra a falácia e o cinismo! Pouso Alegre tem a fama de manter acesa a chama da cultura e do saber. Pois, nada vale o progresso, fica irrisório o sucesso, quando o Porvir vem impresso e o povo - não sabe ler!... Eis os “soldados da pena”, que saltam hoje na arena desta batalha medonha, onde o descaso é inimigo, a ignorância - o perigo, onde o trabalho é o abrigo, e só triunfa - quem sonha! * * * * * Dom JOSÉ D’ÂNGELO NETO deixou um caminho reto, e um anjo por atalaia, protegendo a caminhada, lançando luz sobre a estrada por onde hoje tem entrada CARLOS DE BARROS LARAIA! Bem-vindo, nobre Doutor, cirurgião, operador, cientista da Poesia, que leva a dor de vencida na ação bactericida da “gramática da vida”, - a Gastroenterologia!

Pela “tia MANOELITA”, que lá do alto nos fita desde um rosário de luz, chega um poeta letrado, bilíngüe, pós-graduado, - o professor consagrado, ANTÔNIO FERNANDO CRUZ. Poeta em dois idiomas, aureolado em diplomas, enobrece a Academia. Sabe tudo em português, mercê dos cursos que fez; e hoje sabe mais de inglês do que Shakespeare sabia... FRANCISCO CASCELLI é o rumo, estrela brilhando a prumo junto ao Supremo Arquiteto, que norteia na empreitada, sob a rígida nortada, iluminando a alvorada de URIAS ANDRADE NETO. Zé Urias vem lá da serra, trazendo cheiro de terra nas verdades que anuncia; molha a pena nas aguadas, nos barracos das estradas, no mugido das boiadas, nos tinteiros da poesia! JOÃO BERALDO – O Interventor, nos oferece o louvor da liberdade baiana; ungido de Orixalá, nos traz das terra de lá, nos ventos de Pirajá, doutor CLEMILDES SANT’ANA


Exulta São Bom Jesus vendo aos pés da sua Cruz um vate tão grande assim. Professor, cardiologista, comendador, ensaísta; mas, sobretudo - humanista, pelo Senhor do Bonfim!

Um, foi “perfeito prefeito” o outro, nasceu “pré-feito”; ambos guardando segredo... EDUARDO CARLOS VILHENA Patrono, - legando a pena, rebelde, honrada e plena a SIMÃO PEDRO TOLEDO.

Pelas mãos de Mestre Alfredo foi desvendado o segredo que ÂNGELO CÔNSOLI faz sobre um frasco de perfume, pequeno, mas que resume o explendor do grande nume de JOSÉ MESSIAS BRAZ.

A serviço de seu povo, esse “imortal sangue-novo” tem tradição paternal de calma e sabedoria, trabalho e democracia, que vem da Luz que alumia as serras de Congonhal!

É esse famoso moço que, quando estica o pescoço, pondo de lado o chapéu, abre a porteira da vida, vertiginosa corrida, leva tudo na subida, enxerga Deus lá no céu!

Dom OTÁVIO - O Bispo santo, abrigou sob seu manto, com pacífica altivez, teólogo e literato, poeta e orador inato, MONSENHOR JÚLIO PERLATO, - um outro santo, talvez...

Quem diz: “A justiça é cega”, se esquece que ela carrega nas mãos a Nação inteira... Não pode andar aos esbarros, nem ter hábitos bizarros. SEBASTIÃO FERRAZ DE BARROS traz VALDOMIRO VIEIRA.

Mais que honra, é uma alegria um devoto de Maria lançando luz entre nós; de amor e serenidade, justiça e fraternidade, sabedoria e verdade, que emanam de sua voz.

Farmacêutico e cronista, abre a vereda a outro artista da retórica forense. Poeta, que, em boa hora a Justiça - vendo agora, faz ocupar sem demora, o lugar que lhe pertence.

SILVIO FAUSTO DE OLIVEIRA, no Solar da Castanheira, deixou exemplo imortal; exemplo que nos entrega, e HÉMON VIEIRA carrega, no fogaréu da refrega, à procura do Ideal. 13


Com pé firme na ribalta, mantém a cabeça alta, onde floresce o veratro. Fala a Sófocles de frente, diz a Ésquilo o que sente, e põe os dois entre a gente, na magia do teatro!

Aos NOVOS, o nosso abraço, aberto em festivo laço da mais fraterna união! Nossa meta é bem modesta, é propagar esta “festa” dando o que Deus nos empresta ao POVO desta Nação!

São todos IRMÃOS, agora, pela mágica da Aurora que acende a Luz do Saber; por esta luz que alumia, e norteia a ACADEMIA, mostrando a sabedoria, que o povo chama - VIVER.

Somos pedras do alicerce, mas, que nada nos disperse, e possamos ver, um dia, o pendão verde-amarelo nas torres deste CASTELO gigantesco, forte e belo, que há de ser a ACADEMIA! 11 de maio de 1996

Concluindo estas breves “palavras iniciais”, relembro que a ACADEMIA POUSOALEGRENSE DE LETRAS não tem fugido à sua elevada destinação, promovendo a cultura, a ciência e a preservação de nossa memória histórica, através do dinamismo e prodigalidade artístico-literária de seus integrantes, levando bem longe e bem alto o nome de nossa querida cidade. Que Deus assim permita possamos continuar! Newton Meyer dez / 2005 ... E CONTINUAR COM: Presidente 1.º Vice-Pres. 2.º Vice-Pres. 1.ª Secretária 2.ª Secretária 1.º Tesoureiro 2.º Tesoureiro Conselheiros -

BENEDITO CAMARGO MADEIRA NEWTON MEYER AZEVEDO MARIA APARECIDA (DICHE) GALVÃO DE CAMPOS CIOMARA FERNANDES CASCELLI CONCEIÇÃO APARECIDA CARVALHO DE ASSIS HÉMON VIEIRA ROBERTO RESENDE VILELA CLEMILDES D’OLIVEIRA SANT’ANNA CARLOS DE BARROS LARAIA HÉRON PATRÍCIO 14


MEDALHÃO DA ACADEMIA A pedido do Acadêmico Dr. Clemildes Sant'Anna, foram desenhados pelo também Acadêmico Cel Newton Meyer, vários modelos para o brasão, e submetidos à apreciação dos demais. O próprio Dr. Clemildes foi o voto de Minerva, elegendo o presente emblema e mandando cunhar cinqüenta peças, que ofertou à APL. Compõe-se o brasão, reproduzido fielmente na medalha, de um escudo circular com bordadura anelada em ouro, que forma todo o campo do escudo. Um anel em azul celeste (Blau), concêntrico e ornado de trinta estrelas em ouro, em tercis de dez. Um triângulo eqüilátero, amparado em um dos lados, com o ângulo aposto em chefe (no alto) e concêntrico ao escudo. Duas bordaduras concêntricas põem-se sobre o campo do triângulo; o primeiro em vermelho (Goles), o segundo em branco. O campo do triângulo (interior) , em verde (Sinople). Na bordadura branca, está gravado em letras pretas (Sable) o dístico: “Academia POUSOALEGRENSE DE LETRAS-1992”. Em chefe, a bordadura vermelha alonga-se em semicírculo, contendo uma rosa em ouro. No vértice inferior direito, da mesma forma, está um livro aberto, também em ouro. No vértice inferior esquerdo, tal qual como nos outros dois, figura uma esfera armilar dourada. Ao centro, a sigla APL montada com a letra P, estilizada, cruzada à direita por uma pena sobre uma folha de acanto, que corta o “A” e prolonga-se, completando o “L”, tudo também em ouro, sobre o campo verde (Sinople). A forma circular do escudo simboliza, no seu todo, o sentido universal da Academia. O campo em ouro, a riqueza cultural. O anel azul celeste, o cenário dos elevados ideais que inspiram todos os seus membros; as estrelas representam os Acadêmicos. O triângulo vermelho e branco evoca a forma e as cores da Bandeira do Estado de Minas Gerais. O dístico nomeia a entidade e a data de sua fundação. A cor preta das letras refere-se à Imprensa, de um modo geral. A rosa simboliza a Poesia; o livro aberto, a Prosa, a Cultura e a 15


O US PO -AL E NS

AC AD

RE EG

EM IA

Educação; a esfera armilar, a Ciência. O campo verde evoca o Pavilhão Nacional. A cidade de Pouso Alegre, além de nomeada, figura na sigla principal, através da letra “P”. A pena é o símbolo da Literatura e a folha de acanto, da pureza. Esse, o brasão que todos os Acadêmicos prometem honrar.

DE LETRAS - 1992

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BENEDITO CAMARGO MADEIRA Cadeira n.º 03 Patrono Senador José Bento Ferreira de Mello

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Natural de Pouso Alegre (MG), nascido no dia 1.º de abril de 1930, filho de Vicente Madeira e Dolores Camargo Madeira (já falecidos). É casado com Dona Maria Helena Gobbo Madeira, tem três filhos e duas netas. Bacharel em Direito pela Faculdade de Direito do Sul de Minas e auditor-fiscal Federal do Trabalho (aposentado). É membro da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra, da Sociedade Numismática Brasileira, do Clube da Medalha da Casa da Moeda do Brasil e da União Brasileira de Trovadores Seção de Pouso Alegre (MG). Jornalista, fundador, diretor e redator do “Informativo Pouso-alegrense”, jornal e revista, publicados entre 1956 e 1962. Membro efetivo da Academia Pouso-alegrense de Letras, Cadeira n.º 03, cujo patrono é o legendário Senador José Bento Leite Ferreira de Mello. Foi membro da antiga Arcádia de Pouso Alegre e membro honorário de várias academias e entidades culturais. Autor e Editor dos livros: “A Moeda Através dos Tempos” (duas edições); “Medalhas & Condecorações” e “Pingos de Ilusão” (trovas); todos com repercussão além-fronteiras.

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ODE À ALEGRIA Enfim... chegaste querida... à diáfana luz distante, à flor que num só instante a simpatia marcou... Contigo veio a esperança, tudo mudou de repente, tristeza se fez ausente, saudade se dissipou. Tornou-se tudo bonito... o romper da madrugada, a manhã toda orvalhada, os bois na serra a mugir. A passarada, na mata, te saúda com alegria, em divina melodia... que, do céu... se põe a ouvir. Até ligeiras abelhas, voando... donas do ar, estão vasculhando o néctar das mil flores do vergel, como se assim se pudesse, após a luta incontida, oferecer-te, querida, um doce favo de mel.

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Também as flores do vale, perdendo-se na distância, canalizam sua fragrância a teu porte sedutor... como se fossem turíbulos embalados pelo vento, procurando, nesse intento, levar a ti seu olor. O entardecer te saúda na noite envolvendo o dia. No poente... há poesia... é multicor o zefir. Se a noite vem muito escura, o bom Deus, que te ama tanto, põe nas dobras de Seu manto um planetário a luzir. Enfim... chegaste, querida... — a minha parte distante, cansado está meu semblante desta saudade em marés... Tal qual as flores do vale, abelhas e a passarada, eu quero dizer-te, amada... que sou escravo a teus pés!

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BUSCA Num desejo e num êxtase incontido vivi a te buscar em ansiedade... e aos poucos fui passando a mocidade e o tempo me tornou encanecido. Mas nada me abalou esta vontade... E se hoje trago o rosto envelhecido, trago também o coração florido, pois, para o amor, não prevalece a idade. Portanto, ainda te espero com ternura, pois hei de ter um dia de bonança, antes de repousar na lousa escura. E este será um dia de esplendores... pois guardo viva a chama da esperança no templo sepulcral das minhas dores!

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OFERENDA Este buquê que fiz com tal carinho é para dar-te em teu aniversário; são rosas que colhi pelo caminho, por onde sigo rumo a meu calvário... Neste dia, terás pérola e arminho, e estas rosas de meu modesto erário. Mas nelas não existe um só espinho: guardei-os todos para o meu rosário... E quando, diante dessa bela imagem, os convidados, em tua homenagem, levantarem um brinde em teu louvor... ...estas rosas humildes que te oferto, nas alegrias se unirão, por certo, trescalando na sala o seu olor!

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TROVAS ESPARSAS Amor... sublime magia, reúne o que está disperso... e transforma em poesia cada palmo do universo!

Confiante na promessa, a gente vai, luta, avança... cai, levanta, recomeça... e nunca perde a esperança!

Vivendo sonhos imersos num coração de menino, na música de meus versos, ouço a voz do meu destino!

Um fato triste, por certo, não convém ser relembrado... Jamais conserve por perto as tristezas do passado!

Sonhos... amor... poesias... músicas bailando ao vento, são as sublimes magias ... que aos poetas dão sustento!

No peito, é duro o combate, quando alguém se vai embora... O coração é que bate... porém, a alma é que chora!

Vibre... com toda emoção na magia de sonhar... e, sem qualquer restrição, no seu direito de amar!

Que a bondade nos acolha nos caminhos, peregrino! Controlemos nossa escolha, pois tudo mais... é destino!

Eu nunca tive inimigos que turvassem meus cantares; se tenho poucos amigos... estes... valem por milhares!

Todo amor que nos afaga e que o destino nos traça... nada cobra, nem tem paga, ele vem e vai de graça!

Caminhe alegre e risonho e dê ensejo à emoção... Voe nas asas do sonho, mas não se entregue à ilusão!

Nada é mais gratificante que, entre mundos risonhos, fazer amigos... e adiante... dividir os nossos sonhos!

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Lute muito, a todo instante, embora desiludido... Seja forte e confiante, pois ninguém nasce vencido!

Mesmo havendo contratempo, busque o sonho com afã... Perto... na roda do tempo... sempre existe um amanhã!

Não culpemos o destino... vamos, em nossas andanças, com fibra de um paladino, distribuindo esperanças!

Jamais aceite ser cópia, e nem se dê por vencido... quem na vida tem luz própria nunca será conduzido!

Não... Não adianta insistir... com “Trombetas de Gideon”; para quem não quer ouvir... clarinadas não tem som!

Basta uma palavra amena para conquistar amigos; e uma palavra serena, para acalmar inimigos!

Nesta vida, quem é probo ante o mal não se ajoelha... com firmeza, enfrenta o lobo... sem deixar de ser ovelha!

Não julgue a fé exaurida se a sorte não lhe aparece. Confie... pois, nesta vida, o sonho sempre acontece!

Quem com força e independência vence o medo e o desatino... no teatro da existência, é o “Senhor do seu Destino”!

Evite as drogas... Agora... pois o seu mundo é irreal. Vicio é “caixa de Pandora”, cheia de essência do mal!

Não se incomode se a besta dispara a dor em respingos; se a tristeza vem na sexta, vem alegria aos domingos!

Não embarque no perigo, nem se exponha à insensatez, pois o seu grande inimigo sempre diz: “Só desta vez”!

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Olhando a roseira em flor, o sábio sabe a genética; mas, se lhe faltar amor, não sente a beleza estética!

Onde a alegria persiste... tristeza não tem suporte, pois, nada, afinal, resiste quando o amor fala mais forte!

A glória, quando tardia, a honra ... perde o calor. A exaltação, sendo fria, ofusca a luz do esplendor!

Procure viver sem medo — o temor é um desatino, deixe o Senhor, em segredo, controlar o seu destino!

“Vão-se os anéis”... não importa, tudo na vida é ilusão! Se a maldade fecha a porta, a bondade abre um portão!

Não contemos a descida... nem a dor que nos aporta; mas, somente a flor colhida... que de perto nos conforta!

Na existência ... indefinida ... o que conta em nossos planos não são os anos de vida ... mas, mais vida em nossos anos!

Só quem está preparado... se salva do desatino; pois, quando o encontro é marcado, ninguém foge do destino!

Acreditar na esperança é uma prova de firmeza: é na fé que a confiança vê a face da certeza!

Dê um “não” para as agruras; procure mais entendê-las... pois é nas noites escuras que aparecem mais estrelas!

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UM GRANDE NOME Por suas virtudes cívicas de cidadão exemplar, dedicado a extremos sacrifícios e à abnegação ao bem de todos, é o legendário senador José Bento Leite Ferreira de Mello o grande benfeitor que se confunde com a essência da história de Pouso Alegre. A figura ímpar do insigne senador, segundo a unanimidade dos maiores artífices da nossa história, está intimamente ligada ao despertar social, econômico e religioso da nossa cidade em tempo bastante recuado. O padre José Bento Leite Ferreira de Mello nasceu na cidade de Campanha, MG, em 1785, onde fez os estudos primários. Animado pela vida sacerdotal, transferiu-se para São Paulo aos 20 anos de idade, a fim de completar seus estudos, notadamente, de filosofia, teologia e moral, residindo nesse tempo em companhia do prestigiado e influente bispo Dom Matheus de Abreu Pereira. Nessa época, em que se preparava para o sacerdócio, os moradores da então Capela do Mandu, ligada à freguesia de Sant'Ana do Sapucaí, do município de São Paulo Del-Rei, tinham no jovem estudante José Bento um valioso intercessor próximo a Dom Matheus, visando, através do ilustre prelado junto à Corte Portuguesa, à criação da freguesia na mencionada capela, desmembrando-a, assim, da freguesia de Sant'Ana do Sapucaí. Criada a freguesia do Senhor Bom Jesus de Pouso Alegre, na capela vulgarmente chamada Mandu, por alvará de 6 de novembro de 1810, de D. João, Príncipe Regente de Portugal, foi aberto concurso para provimento da mesma, apresentando-se como único candidato o jovem Padre José Bento, que se ordenara em São Paulo, em 1809. Obtendo do Príncipe Regente a carta de apresentação, em 6 de

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maio de 1811, em seguida a provisão de Vigário Colado e da Vara, tomou logo posse desses cargos, com grande manifestação de júbilo de seus paroquianos. O progresso verificado na localidade, após o predicamento da freguesia, foi vertiginoso, graças ao trabalho incansável e perseverante do novo vigário, seja através do embelezamento do povoado, com alinhamento das ruas, drenagens de terrenos, serviços de higiene, educação, obras de promoção humana e de assistência social, seja a de promover o aumento da população, atraindo amigos e parentes das povoações circunvizinhas, entre eles o Capitão Antônio de Barros Melo, Capitão Inácio João Cobra e muitos outros que constituíram famílias em Pouso Alegre, deixando enorme descendência. Pelo seu trabalho e atuação na política, ao lado do partido liberal, espírito público, elevada cultura, com repercussão em toda província, foi o padre José Bento Leite Ferreira de Mello distinguido com a nomeação de Cônego da Sé de São Paulo, em 8 de março de 1820, e designado eleitor de Pouso Alegre, nas eleições de 1821 às Cortes Portuguesas, com a eleição de membros da Junta do Governo Provisório da Província, por ocasião do golpe de 20 de setembro de 1821 e, mais tarde, membro do Conselho Geral na Província de Minas Gerais; deputado geral em três legislaturas, de 1826 a 1834 e, finalmente, Senador do Império em 1834, escolhido pelo regente. Espírito empreendedor e combativo, em 1830, começou o Cônego José Bento, auxiliado pelo seu coadjutor Padre João Dias de Quadros Aranha, a publicar o jornal “Pregoeiro Constitucional”, o primeiro que se editou no Sul de Minas e o quinto da província. Foi na oficina deste jornal, de enorme prestígio político, que se editou o projeto da nova Constituição do Império, chamada na história “Constituição de Pouso Alegre”, preparada pelos moderados do Partido

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Liberal, no intuito de satisfazer as exigências dos mais avançados e pacificar os ânimos dos exaltados, quando da renúncia de D. Pedro I, em 1831. Pelo vertiginoso progresso da povoação, sob a influência política e o trabalho perseverante do Cônego José Bento, Pouso Alegre obteve logo a sua elevação à categoria de Vila, por lei provincial de 13 de outubro de 1831, com a instalação da Câmara Municipal, e a elevação à cidade, pelo decreto nº 433, de 19 de outubro de 1848, conforme consta do livro da Lei Mineira-1848, tomo XIV, Parte 1ª, fls. 39. A figura notável do padre José Bento Leite Ferreira de Mello, quer como vigário, chefe político ardoroso de ideais liberais avançados, quer pelos seus grandes méritos de administrador público, que tanto fez pelo desenvolvimento de Pouso Alegre frente a demais cidades mineiras, não teve a glória de ver, no seu acervo de realizações, a elevação da sua terra de adoção à categoria de cidade, acontecida em 1848, quatro anos após seu trágico passamento, ocorrido em 8 de fevereiro de 1844. Seu corpo está sepultado no Cemitério Municipal. Mas seu nome continua honrado pelos Pouso-alegrenses, através da principal praça da cidade, designada Praça Senador José Bento, em sessão legislativa de 8 de fevereiro de 1884, numa justa homenagem ao grande benfeitor de Pouso Alegre. A Academia Pouso-alegrense de Letras, por ocasião de sua fundação, elevou o nome do grande Senador José Bento à condição de Patrono da Cadeira n.º 03 pelas suas fulgurantes e inquebrantáveis virtudes pessoais e magnificência literária.

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ALVARINA AMARAL DE OLIVEIRA TOLEDO

Cadeira n.ยบ 04 Patrono Professor Joaquim Queiroz Filho

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Alvarina Amaral de Oliveira Toledo é filha do Dr. Antônio Marques de Oliveira e Maria Amaral de Oliveira (Dodoca). Nasceu no dia 20 de setembro de 1910, na cidade de Pouso Alegre. Na juventude, trabalhou em várias peças no Teatro Municipal. Em 1918, foi matriculada no Instituto Santa Dorotéia, nesta cidade, onde cursou o primário, ginasial e normal, saindo graduada como professora. Em 1928, iniciou seu curso de Farmácia na Escola Federal de Farmácia de Pouso Alegre. Na década de 30, fez um curso intensivo de oratória e declamação com a professora Edelveis Barcelos, em Belo Horizonte. Tornou-se uma grande declamadora e, por esse motivo, participou de muitas horas de arte no Clube Literário e Recreativo de Pouso Alegre e no Teatro Municipal de Belo Horizonte, apresentando-se para a apreciação da imprensa mineira e da grande declamadora brasileira Margarida Lopes de Almeida, recebendo nota de louvor. Apresentou-se também como declamadora no Palácio do Ingá, sede de governo da antiga Província do Estado do Rio de Janeiro. Como Presidente da Legião Brasileira de Assistência (LBA) de Trajano de Moraes (RJ), em 1949, construiu a gruta de Nossa Senhora das Graças, hoje local turístico e de grande devoção naquela cidade. Foi agraciada com os títulos de Cidadã Honorária de Niterói e de Trajano de Moraes (RJ), por relevantes serviços prestados às duas comunidades fluminenses. Ocupa a cadeira n.º 04, que tem como patrono o Professor Joaquim Queiroz Filho. Tem publicados os livros: “Minha Mãe”, 1976; “Uma história que já vai longe”, 1997; “Renovando a fé para o Terceiro Milênio”, 1999; “Meu Amigo o Tempo”, 2000. Aos 95 anos, em plena lucidez, está escrevendo seu 5.º livro. É viúva do Desembargador Geraldo Toledo, com quem teve 5 filhos, 11 netos e 15 bisnetos.

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OS PRIMEIROS 50 ANOS DO TEATRO MUNICIPAL O desenvolvimento de um povo se avalia pelo grau de sua cultura... Quanta saudade!... Há 133 anos, aproximadamente, Pouso Alegre já era um foco de luz por onde a cultura, o belo e o saber se projetavam pelos rincões do Sul de Minas. O cultivo das letras e das artes era adotado à larga. Vultos de destaque, entre os quais as insignes figuras do Sr. Manoel de Abreu, João Leite, Alberto Bressâne Lopes, Gustavo Lopes, Cristiano Lopes, Ildefonso Lopes, Eduardo Carlos Vilhena do Amaral, reunindo-se em uma justa afirmativa de atuação e valorização local, fundaram um grupo dramático, o primeiro no gênero. A interpretação eloqüente e a grande dramaticidade, caracterizadas pela marcante capacidade artística do Sr. Gustavo Lopes e do Sr. Eduardo Carlos Vilhena do Amaral, que provocavam até lágrimas e prendiam a atenção geral, desenvolveram ainda mais, neste povo amante de cultura, o interesse pela arte, fazendo com que famílias tradicionais abrissem seus salões para a representação das peças. Foi como um reboliço encantador, tal o sucesso alcançado. Tornara-se então necessário, local próprio para a encenação das mesmas. Para tanto, passaram-se ações entre os habitantes da cidade e adquiriuse o terreno; iniciaram-se as obras e, em 1875, foi inaugurado o ainda encantador,poético e histórico Teatro. Lutas, sacrifícios e desvelos foram constantes nessa tentativa de se fazer algo de concreto e bom. A dedicação do Sr. Manoel de Abreu, responsável pela construção, é parte importante no todo deslumbrante que foi a realização de um ideal. Passagem poética foi a aquisição de uma lira que esta ilustre figura do passado, comemorando o nascimento de sua filha Ismênia, colocou sobre a fachada do Teatro. Essa lira tem também uma história particular. Com a instalação da Rádio Clube no Teatro, a mesma foi retirada e abandonada no porão. Era como se tivessem arrancado um complemento vital. Era um patrimônio histórico violado. No entanto havia olhos vigilantes. Os pousoalegrenses, Sr. Manoel de Abreu (Nhonhô) e Sra. Dodóca Amaral, depois de muita luta, conseguiram que a lira fosse recolocada em seu lugar original. 31


Mas, voltemos ao Teatro... Com o passar do tempo, as ações que o originaram foram sendo aos poucos resgatadas, a custa de espetáculos realizados. Por fim, esse grupo de amadores resolveu doar o Teatro à Câmara Municipal, com a finalidade específica de recreação do povo. Tudo passa. A história, todavia, retém um grão de areia do tempo da saudade. Ternura, carinho, visão de nada que é quase tudo no todo encantador do viver. E volvemos... filhos da terra se empolgavam sempre e mais. Revelavam-se na música instrumental, no bel canto, na prosa, e no verso. Suas peças eram aplaudidas, comentadas. Era a arte da terra a se firmar e a defender a tradição, sempre no sentido de “diante”. A finalidade do teatro multiplicava-se , tornando-se a sala de visita da cidade.As festas de colação de grau ali realizadas se revestiam de um brilhantismo sem igual. O Colégio Mendonça, dirigido pelo seu fundador, o ilustre e brilhante professor Dr. Antônio Furtado de Mendonça, pai do lendário Monsenhor Mendonça, num oferecimento do grupo fundador do Teatro, ali realizava suas festas de formatura. Também o Colégio São José ocupou esse palco para suas solenidades. Dentre as muitas turmas que por ele passaram, destaca-se aquela a qual pertenciam os então ginasianos Menotti Del Picchia e Guilherme de Almeida, que são glórias da literatura nacional. Grandes companhias de Teatro do Rio e de São Paulo tomavam o teatro para temporada de ensaio, apresentando espetáculos de renome à população sul-mineira. A afluência das cidades vizinhas era uma demonstração da soberania cultural de Pouso Alegre. Para tudo é importante incentivo e condições. E nós possuíamos um Teatro já há muito tempo. Mas, possuíamos... O teatro se tornara um espetáculo procurado. Os gostos eram aprimorados. As visões de vida alargadas. Platéia, frisas camarotes e torrinha. Tudo cheinho de olhares interessados e inteligentes. Habitava um desejo de desenvolvimento artístico. Cultura que não se aprimora, esgana-se. Senhoras e senhoritas apresentavam suas indumentárias de alta gala. Um verdadeiro show de elegância. Todo o requinte de uma sociedade austera e fina. Nas numerosas festas benemerentes ali realizadas, sentia-se a colaboração devotada, artística e inconfundível do Maestro Marciliano Braga e da exímia pianista Noêmia Duarte, que, graciosamente e de coração, davam ao espetáculo a vibração e o encantamento indispensáveis à parte musical. 32


Arte e povo se unem. É a substanciação de uma esperança. Tudo que se cultiva com afinco e perseverança reproduz alegria e altruísmo. Tal amostra nos deu o Sr. Eduardo Carlos Vilhena do Amaral que, por sua atuação artística, nos deixou grande mensagem de amor à arte. Em 10 de abril de 1904 apareciam novos valores, fazendo subir à cena o emocionante drama militar “Um Episódio da Guerra do Paraguay”, desempenhado com brilhantismo pelos amadores do novel “Clube dos Voluntários da Arte”, representado pelos senhores Zoroastro Ferraz da Luz, João Pedro Júnior, Áureo Neves e Luiz Camões, servindo de ponto o Sr. Arthur Castelo, terminando com uma verdadeira surpresa: II Saldatinelo, em travesti, numa perfeita imitação da célebre cantora, a senhorita Taddei. O povo exigia novos espetáculos, e a mocidade adquiria novos conhecimentos na arte de “bem interpretar”. Nesse espaço de tempo, é exibida pela primeira vez, no Teatro, uma sessão cinematográfica, trazida de São Paulo pelo Sr. Archiminio de Barros (pai do Dr. Leovegildo Mendonça de Barros). Essa novidade causou grande sensação em toda a cidade. Em 1910, o Sr. Gabriel Mayor adquiriu um magnífico aparelho de “cinematógrafo” da extinta empresa Andrade S.A., que passou a funcionar no Teatro por algum tempo . Quanto progresso isso representava naquela época! Mas este não era de fato o ideal dos fundadores, os quais pugnavam pelo incentivo à arte literária, em especial a teatrologia. Eis-nos em março de 1915! Fundava-se outro grupo dramático, denominado “Amor à Arte”, sob a direção do professor Sérgio A. Carnevali, que levou à cena o drama “A morte civil”. O público aplaudiu freneticamente os dignos amadores. O gosto dos pouso-alegrenses pelo teatro já se alastrava e companhias de fora começaram a aportar por aqui. Em abril do mesmo ano, uma companhia de variedades — Troupe Luso-Brasileira — dirigida pelo ator Rafael Salvaterra, alcançou pleno êxito. Já em 1916, acontecia uma sucessão contínua de apresentações: a “Troupe Lemos”, a “Companhia Aguilla”, que levou à cena a peça a “Bíblia”, e uma companhia de variedades dirigida pelo ator e prestidigitador Sr. Couto Rocha Júnior, da qual fazia parte a atriz e escritora Ana Chaves de Azevedo, com a peça “Vingança”, que agradou plenamente. No teatro, funcionou também a Empresa Permanente do “Íris Anema”, de M. Abreu e Cia., que exibia variedades, hipnotismo, ilusionismo, nos bons tempos em que se pagava por camarote com 4 lugares a quantia de 5$000 33


(cinco mil réis); cadeiras e varandas 1$500 (mil e quinhentos réis) e geral 1$000 (um mil réis). Como vai longe... como passam os anos... Em 7 de outubro de 1917, chega a esta cidade uma companhia dramática, dirigida pelo conhecido ator Luiz Carrara. O vasto repertório primava pela seleção: a peça “Deus e a Natureza” foi sucesso retumbante, destacando-se no papel a importante interpretação do autor Arthur Rocha. Essa simpática companhia exibiu-se por diversas vezes na cidade, tornando-se o Sr. Carrara muito estimado pelos pouso-alegrenses. Um corolário de apresentações, em que figuravam amadores e profissionais, veio valorizar, ainda mais, o esforço, as lutas e as glórias dos grupos da terra. Os grupos teatrais plurificavam-se. Abril de 1917... Um grande espetáculo seria apresentado. Os dignos empresários do cinema Íris, da Almeida & Cia., organizavam-no em benefício da Caixa Social do Tiro 225. O lema era divertir, proporcionando ajuda a quem precisasse. O tempo corria veloz. Agosto se apresentava. Época da fundação da Irmandade de Santa Philomena (para moças). Com o objetivo de divulgar a vida da gloriosa mártir, o saudoso bispo D. Octávio Chagas de Miranda trouxe de Campinas o drama intitulado “Tragédia de Santa Philomena”, da lavra do reputado beletrista campineiro Benedito Octávio. E a movimentação reinante trouxe um reboliço gostoso e cultural nesse meio. A direção da peça coube ao Senador Eduardo Carlos Vilhena do Amaral, que, com sua filha Aspásia Amaral, deu-lhe o toque artístico e organizado de uma direção eficiente. Como vai longe... passaram-se os anos... Embora ainda pequenina, guardei dessa época lances emocionantes dos grande ensaios. Toda a cidade se empolgou na expectativa de tão bela peça. Façamos um retrospecto: A senhorinha Garlinda Amaral, interpretando “Santa Philomena”, foi um êxito. Que perfeita a caracterização da ilustrada mestra Conceição Souza (falecida religiosa Visitandina), que, com gabarito, interpretou o “pai de Santa Philomena”. A “mãe de Santa Philomena” foi interpretada, com o garbo de verdadeira princesa, pela inteligente professora Benedita Machado. Zoraida Kleber, na interpretação de “Imperador Diocleciano”, foi outro sucesso. Os pagens e os soldados foram magnificamente representados pelas inteligentes senhoritas, as irmãs Mariquinhas e Philomena Vilhena de Oliveira. Inúmeros outros personagens trabalharam com desenvoltura e arte. 34


A dedicação do “ponto”, Sr.Antônio Azevedo, marcou profundamente. Na caracterização dos personagens, o exímio pintor e ilustre farmacêutico, Sr Jacynto Libânio, foi mais uma vez estupendo. E a música? Banho d'alma... Sob a direção da grande musicista e pianista Marieta Brigagão Ferreira, contava com: violoncelo, Sr. Eugênio Ferreira; violinos, Ambrosina Brigagão, José e Ricardo Tibúrcio; flauta, Srs. Braz Vitale e José Augusto da Silva. Nos bastidores, notava-se o trabalho organizado dos Srs. Victório Ferracioli, Augusto Baggio e outros. O guarda-roupa, que obedeceu rigorosamente à época, foi trabalhado com gosto e luxo pelas senhorinhas que tomaram parte, de acordo com toda a magnificência da Roma dos Césares. Os cenários, montados com todo requinte, serviram como moldura à belíssima interpretação. Pouso Alegre aplaudiu e apreciou “seus valores”, que davam mostra de cultura, marcando para o “Velho Teatro” uma época de esplendor. Encerrando a peça, uma grande apoteose ao martírio de Sta. Philomena. Velho Teatro! Quanta dramaticidade! Quanta verve! Quanta poesia! Quanta música! Quantos sonhos!... De sonho em sonho, os anos corriam velozes, se transformando... Em princípios de 1919, inaugura-se o prédio novo do “Ginásio Diocesano”, e, como parte comemorativa de tão grande empreendimento, os alunos do ginásio organizaram no teatro um grande festival, levando à cena o drama “Incediário de Vangirard”, destacando-se nos seus papéis os Srs. Florival Xavier, Olintho Fonseca, João Megale, Mário Brito e Alípio Faria, este que se tornou uma belíssima revelação no gênero cômico. Foram tocadas belas peças musicais pela Banda do ginásio São José, dirigida pelo maestro Baldino, destacando-se mais uma vez o trabalho artístico do Sr. Jacynto Libânio na criação dos cenários. Ainda em 1919, novas idéias e novos valores surgiam, quando se realizou a estréia da mimosa revista “Pouso Alegre em Traço”, imaginada e escrita pelo Dr. José Antônio Garcia Coutinho. Os cenários foram todos executados pelo exímio pintor e professor Gerâneo, cujo nome foi consagrado na Europa. O êxito foi enorme e toda a renda se reverteu em beneficio dos órfãos de Pouso Alegre. Foi otimamente recebida tão brilhante obra, verdadeiro mostruário de engenho, arte e frisante prova da inteligência e cultivo intelectual do Dr. Coutinho, também abalizado clínico pouso-alegrense. Mais uma vez na orquestra, a batuta da Sra. Marieta Brigagão e os conhecimentos musicais da senhorinha Noraide Kleber foram notados. 35


Em meados de 1921, o prédio passa por uma reforma, sob a direção do saudoso Sr. Pedro Narciso e, aguardando o término da obra, o “Centro Artístico Pouso-alegrense”, sob a direção do Dr. Garcia Coutinho, prepara-se, ensaiando novas peças, que foram levadas à cena no ano seguinte... O programa foi assim distribuído: Abril de 1922, “A abandonada” — peça vibrante, cheia de enredo; “A Vendinha de Sengo” — peça que retrata os nossos costumes (o povo riu a valer). Em maio, a grande peça “ As Duas Vitrines” — tendo cenários que reproduziam a penitenciária da França, com formas de efeitos surpreendentes. As fardas dos oficiais e dos guardas foram confeccionadas de acordo com os figurinos da época. O centro artístico teve a valiosa colaboração do Sr. Antônio Azevedo, que serviu no “ponto”. O espetáculo foi em homenagem ao ilustre pouso-alegrense Senador Eduardo Amaral e ao corpo de sargentos do 8.º Regimento de Artilharia Montada (8.º R.A.M.), pois na época dois sargentos trabalharam no espetáculo. Foi uma verdadeira noite de encantamento, com a revelação da imaginação vibrante do grande comediógrafo pouso-alegrense, Dr. Garcia Coutinho, de saudosa memória. Todos os filhos de Pouso Alegre prestavam o seu quinhão à arte, e uma prova disto deu Manoelita de Oliveira que, com a valiosa colaboração de suas colegas, realizava anualmente, no Teatro, excelentes festas, onde vários alunos se exibiam, dando mostra de grandes valores futuros. Também a “Pia União de Santa Philomena”, sob a presidência de Manoelita de Oliveira, e em nome da mulher pouso-alegrense, realiza, em junho de 1922, um grande festival artístico em homenagem ao Senador Eduardo Amaral, que acabava de deixar a Presidência do Governo do Estado de Minas Gerais. Nesse festival, entre outras, destacaram-se as presenças das senhorinhas Elza Pedroso e Maria Galvão. Na parte de variedades, em graciosos bailados, tomaram parte as meninas Emília Azevedo, Cinyra Faria, Lupércia Fagundes e Isomar Machado. Atravessávamos a época das cançonetas e, neste gênero, tiveram papel destacado as meninas Filomena Laraia e Clarice Toledo. Não só as meninas se destacaram, como também o menino Mário Fernandes, que abrilhantou o espetáculo com sua linda voz. Nessa noite de gala, a exímia pianista Jô Pedroso também brilhou intensamente, dedilhando o piano como uma grande mestra. Pouso Alegre era uma sucessão de festas ! 36


Logo em seguida, outro festival, em que tomaram parte as senhoritas Constança Araújo, Sara Ferreira, Mariquita Rebello, o Tenente Alípio Faria, José Alberto, Luiz Napoleão de Alencar Galvão, Jonas Brigagão, Argemiro Almeida e a pianista e cantora Maria Auxiliadora Mayor. Em setembro de 1922, é comemorado em todo Brasil o “Centenário da Independência” e Pouso Alegre, na sua vibração patriótica, realiza uma solene Sessão Cívica no Teatro, onde diversos oradores se fizeram ouvir, destacandose a palavra vibrante do literato Dr. Mário Casassanta e também do esplêndido orador sacro Cônego João Aristides de Oliveira. Mas a mulher pouso-alegrense não poderia faltar nesta hora grandiosa e, em brilhante oração, a senhorinha Jandyra Meyer, com a sua inteligência fulgurante de poetisa de fina sensibilidade artística, foi a nota de destaque nessa noite gloriosa. Em maio de 1923, o “CENTRO ARTÍSTICO POUSO-ALEGRENSE” volta novamente à cena com as peças do Dr. Garcia Coutinho: “Lágrimas de Pai” (drama); “Hospedaria do Pechincha” (comédia), salientando-se, nesta peça, a atuação artística da bela senhorinha Maria José Cardoso. Pouso Alegre era assim: cultivava música, prosa, verso, drama, comédia... Era alegre !... Era artística!...

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NEWTON MEYER AZEVEDO

Cadeira n.ยบ 05 Patrono Jandyra Meyer de Azevedo

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Newton Meyer é poeta, trovador e cordelista. Também se dedica à pintura. É Coronel da Arma de Artilharia do Exército, reformado no Quadro de Estado Maior das Armas (ECEME). No Exército formou-se em Comunicação Social (Jornalismo, Relações Públicas e Guerra Psicológica). É membro atuante de diversas agremiações culturais no Brasil e em Portugal. Tem sido premiado em centenas de concursos nesses mesmos países. Ocupa a Cadeira n.º 05, cuja Patrona é a poetisa Jandyra Meyer de Azevedo, por coincidência e felicidade, sua mãe. Adiante, pequena amostra de seu estilo e sua obra poética.

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POR DEVER DE CONSCIÊNCIA E JUSTIÇA, não posso prescindir de mais um espaço nestas páginas para levar a todos o que foi a grande satisfação de toda a ACADEMIA em acolher a querida Dona Alvarina Amaral de Oliveira Toledo em nosso convívio literário e social. Por isso permito-me aqui rememorar as palavras das quais fui mais uma vez honradamente incumbido. Sei que os demais confrades participantes desta coletânea hão de me perdoar... Assim, inicio meu espaço com esta SAUDAÇÃO: Meu caro Didu Toledo, Atravessando a senzala, indicado por seu dedo, pelos jardins vai à sala, e honrado pela rotina; inquieto raio de luz. não me furto a esta honraria, De Bárbara Heliodora de, em nome da Academia, traz esse laivo de aurora, sob as asas da poesia, essa alegria canora, receber Dona Alvarina. que nos encanta e seduz. A todos peço perdão por repetir o refrão de uma oração feita há pouco. É um princípio da ciência, quem, por falta de paciência, abandona a experiência ou é um sábio — ou um louco.

Querida Dona Alvarina a senhora é essa menina, entre princesa e rainha. Princesa — de antigamente — rainha, neste presente, que minha mãe, docemente, chamava de Alvarininha...

Caríssimos Presidentes, autoridades presentes, televisões e jornais; distintas notoriedades, demais personalidades, cavalheiros e beldades, caros irmãos imortais.

Repare bem, Alvarina, que por trás de mim se inclina um passado irmão do seu. Por isso fico feliz em suportar na cerviz o peso dessa raiz que a própria história nos deu.

“De longe nos vem a história”, venerada na memória, da Pouso Alegre distante... Vem de uma casa na esquina onde viveu Alvarina a doce e inquieta menina que vos olha neste instante.

Quem fala deste papel talvez seja o “coronel”, marido de Dona Ina, que hoje esteja aqui presente, e, orgulhoso diga — gente, apresento-vos, contente, minha afilhada, Alvarina! 40


Senhores, a Academia, transbordante de alegria, reflete Joaquim Queiroz, um professor de talento, alma livre igual ao vento, que, sem esmorecimento, ensinou vossos avós.

Dona Dodoca — Maria, no sobrenome trazia a tradição cultural de um insigne orador, que até foi governador, o seu pai, o Senador Eduardo do Amaral.

Dona Alvarina, garanto, sua alma se alegra tanto, que até ouço seu bulício, pois “Seu Quinzinho” era alegre, exemplo pra Pouso Alegre, e ao professor que se integre aos duros ossos do ofício.

Se eu digo “um jardim”, me engano há um outro — “detrás do pano”, mas, em frente à Catedral, que foi palco decisivo de um gesto definitivo que a senhora traz bem vivo para a vida de “imortal”.

Meus companheiros de agora, por detrás desta senhora há um jardim resplandecente... jardim de frutos e flores, de poetas, de doutores, de artistas e pensadores, todos da mesma semente.

Viu tudo Nossa Senhora, a que existe até agora no monumento da praça, “Senhora dos Namorados”! Desde esses tempos passados vigiando os descuidados “fisgados” — com jeito e graça!...

Enumerar essa lista será trabalho de artista, um desafio à dialética... Onde encontrar tanta rima que enumere essa obra-prima? O poeta desanima e põe na ordem alfabética.

Pois foi com graça e com jeito que Geraldo foi eleito. E confirmado — no céu. Sua sorte foi lançada sem que soubesse de nada, e depois, ratificada num lacinho de chapéu...

Mas, antes, chamo “Dodoca”, um nome que nos invoca sua descendência inteira, Doutor Antônio — o marido, advogado querido, que nunca terá olvido, e era Marques de Oliveira.

Jardineiro e jardineira, à sombra da Padroeira, encontraram-se, sem medo, unidos pelo ideal, tendo no amor o fanal, ela — Alvarina Amaral, ele — Geraldo Toledo. 41


Mas, que homenagem mais fina pode ter Dona Alvarina do que o rol de suas flores? Eis os nomes, camaradas, dessas flores cultivadas, que ficam prejudicadas na rima dos trovadores.

Oito Marias, enfim. Confesso, minha senhora, nunca vi até agora um jardim com tal pletora, com tanta Maria, Assim! Seja bem-vinda quem planta um jardim que nos encanta, e muito mais plante ainda... Nosso jardim tem poesias, histórias, filosofias, três Josés e três Marias, e cada uma mais linda.

Antônio Augusto — começa, Daniel e Eduardo, Eurico, Érico e Eugênio; Geraldo e Geraldo Neto, José Eustáquio e as Marias; meia duzia de Marias, só entre filhas e netas!

A nossa casa é modesta, cada qual de nós lhe empresta também modéstia e humildade. O que nos resta é cultura, estribada na bravura de urdir a base futura dos destinos da cidade.

São elas: Maria Alice, Alvarina - Maria Bárbara, mais Cibele e Fabiana, e a Maria Manuela. Fecho de luz no alfabeto, para que fique completo e justo, leal, sincero, igual flores num arranjo, invoco o nome de um anjo que se chamava Roméro.

É uma luta desigual, tendo por arma o ideal e por escudo — o papel; contra o descaso — o inimigo, a ignorância — o perigo, contra a calúnia — o castigo, e a indiferença — o laurel!

E as flores de outros canteiros, que, em sobrevôos ligeiros, uniram-se às suas flores?

É um trabalho abnegado, no anonimato — calado, mas, confiante na vitória, pois algo tem que ser feito, por justiça e por direito, que só gravata no peito não deixa rastro na história.

São elas: Eugênio e João, mais Leila e mais Laíze; Manuel, Maria Alice, e Águeda - também Maria. 42


E o tempo será o Juiz, o Grande Júri — o País, na batalha do saber. O Poder, indiferente, põe o interesse na frente, que o trabalho é insano e ingente, mas alguém tem de fazer.

E os renovos da cultura hão de copiar a estatura da sua essência moral, pois o exemplo vale mais que ensinamentos banais, repetitivos e iguais, no universo cultural.

É essa a nossa porfia, na luta do dia-a-dia, que recebe o sangue novo. Generoso, sangue altivo, do Senador — reditivo; exatamente um motivo para lutar por seu povo.

Oitenta e sete setembros, fazendo os anos manembros, com graça e sabedoria!... Mas, entretanto, menina, maestra, que nos ensina a sutileza mais fina da mais sã filosofia!

Veja bem, Dona Alvarina, a coincidência divina que envolve a sua cadeira: o Patrono — um lutador, Inácio — outro professor, comungando no labor pela gente brasileira.

E, encerrando, a inconfidência, que faço com reverência, pois o que penso não guardo: a Academia, repleta de prosador e poeta, afinal, é sua neta já que é filha — do Eduardo... Os companheiros presentes (e com certeza os ausentes) comungam da mesma voz. Entre, ilustre companheira, ocupe a sua cadeira, é sua esta casa inteira, seja bem-vinda entre nós.

A bandeira que lhe é entregue conhece os rumos que segue e a boa terra em que viça... É um libelo da verdade, um hino de caridade, que há de inundar a cidade com liberdade e justiça. É um penhor à tradição, que através de sua mão há de instigar “gente nova”, propagando o entusiasmo, espicaçando o marasmo, num redentor pleonasmo da “gente que se renova”.

Convido a todos — de pé, professando a mesma fé, em fraternal cavatina, celebrando as noites calmas, irmanemos nossas almas, e, em feliz salva de palmas, saudemos Dona Alvarina! 43

28 de março de 1998


“POETA OU TROVADOR?” (Mas, que bobagem!...) “Poeta ou Trovador”?... Ou seresteiro, bardo, ou jogral, ou menestrel... ... Que importa o NOME, o TERMO corriqueiro; que importa a POSE, glória de ouropel! Neste País imenso, o brasileiro já nasce embaraçado na babel; e na babel, aprende o tempo inteiro, — ama o soneto, a trova, ama o cordel. Desconhece egoísmos e recusas, ouve as lições de todas nove musas e faz do Amor seu verdadeiro emblema. Alexandrinos, brancos ou modernos, seus sonetos ou trovas são eternos, será sempre a POESIA o seu poema!

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NAS ENTRELINHAS “Sempre escrevo um soneto de Natal. E a Bíblia tem ditado suas linhas”. Creio que seja a redação final palavras do Senhor, ditando as minhas... Creia o poeta, a inspiração textual é o próprio Céu que põe nas entrelinhas. Nossa missão é um simples ritual de letras pobres, usuais, mesquinhas. É fácil entender a “inspiração” se a percebermos qual “revelação”, e a preservamos no saber de cor. Instrumentos apenas do Divino, saibamos compreender nosso destino de arautos de um Poeta bem maior!

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LIBERDADE VADIA Pura questão de lúcido alvedrio entre as incertas linhas da opinião, a “liberdade plena” é um desafio, e há que entendê-la às luzes da razão. — “Liberdade total” — um desvario que degenera um povo em multidão. Um ideário que se faz vadio no imediatismo torpe da ambição! “Liberdade pessoal”, em demasia, é uma bebida forte, que inebria, igual champanha, ou vinho de xerez. Quando incontida, torna-se devassa, sem a moral a sustentar-lhe a taça; e, em vez de liberdade, é cupidez!

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PÃO E SONHO Quando o espírito calca-se à matéria, bestializa-se o homem racional; a moral, tornando-se pilhéria, turva as fronteiras entre o Bem e o Mal. Materialismo é tumorada artéria que vai alimentar um funeral, prenunciando o câncer da miséria, à falta de regência do Ideal. — Mas, o equilíbrio é o soro benfazejo que sustenta e higieniza, de sobejo, a sociedade, às luzes da Razão. — Pois, milenar, repete esta verdade: “Nem só de Pão se nutre a humanidade, nem só de Sonhos vive uma nação!”

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ALBATROZ I Abram-se aos céu a tampa das gaiolas; libertem-se correntes e coleiras! Escancarem-se as portas das escolas; apaguem-se nos mapas as fronteiras! Benditas sejam todas as corolas, e o despencar ao léu das cachoeiras! Voem no mar, ao som de barcarolas, todas as velas, pandas e banzeiras! Empós tudo isso, voe o pensamento e, em grande asa, o próprio firmamento abra seu manto azul por sobre nós! Deixe a ciência todo o espaço aéreo à liberdade no tendal etéreo, que a liberdade plena é um albatroz!

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ALBATROZ II Buscando a liberdade, o adolescente abre as asas de luz do pensamento. Seu espírito audaz é igual semente que a natureza faz voar ao vento. Deixando o arminho do seu ninho quente, o passarinho busca um novo alento, desdobra as penas no horizonte em frente, que a liberdade é o seu novo intento. Alçando os ramos para o azul celeste, cresce o pinheiro, abre-se o cipreste, obedecendo a uma inaudita voz. A alma irriquieta segue um sonho antigo, foge do ninho, abandona o abrigo e ganha o céu em asas de albatroz!

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A METADE MENOR A matemática resulta falha quando diz que as metades são iguais. — No decorrer cruento da batalha, os seguimentos sempre são letais. Num dia inteiro, sabe-o quem trabalha, as tardes exaustivas duram mais. A lenha que sustenta uma fornalha é apenas cinza nos clarões finais. Assim, a própria vida nos ensina que o Tempo flui igual adrenalina, na “segunda metade” que começa... ... E, por mais que agarremos a existência, ela, cansada, e em triste decadência, corre entre os dedos muito mais depressa

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A PRAÇA Na sarjeta, apenas dorme, envolto em miséria e dor. Só quinze anos! Parece quarenta e tantos vividos... O pai, sei lá... A mãe, perdida. Irmãos, no lixão, catando latas. Ali, cata migalhas pela praça, por caridade de uns corações. Indiferente, o homem passa, atira-lhe a esmola da moeda, e segue em paz, hipócrita inconsciente. — Pinga uma aqui, ali, mais outra... ... E a latinha borbulha de moedas. Alegria, alegria!... ... Mais uma “latinha”... ... de cola de sapateiro! — Mais uma pedrinha... ... do crack traiçoeiro! — Vírus mortais, na saga das esquinas,! Roendo, torpe, a honra das meninas e o viço natural de jovens promissores! ... E das sombras sorri a morte, antegozando o fúnebre repasto!

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GLOSA EM DÉCIMAS (para os Jogos Florais da AURPICAS Portugal-2005) MOTE: “No saber que o mundo alcança, nos sentimentos do povo, há outros rumos d'esprança, gente nova, tempo novo.” A sábia filosofia que a Grécia antiga nos deu, evoluiu dia a dia, até brilhar no apogeu. Foi pedra angular segura para a ciência futura, corolário de esperança. Mas, a dialética existe, e, inexorável, persiste no saber que o mundo alcança. O saber — é experiência, e germe da evolução. E evolução é a paciência da natureza em ação. — Seja ciência ou moral, cumpre o cosmo o ritual, buscando o sadio e o novo. Há uma força inconsciente que aflora naturalmente nos sentimentos do povo.

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Assim marcha a humanidade nas rotas do Criador, buscando o bem e a verdade sob a égide do amor. Ressurgindo a cada engano, vai, a decifrar o arcano, evoluindo na mudança; e, antes que o Sol desponte, descobre que no horizonte há outros rumos d'esprança. Cada ano é uma conquista na construção do porvir, sem nunca perder de vista as gerações que hão de vir. É o cósmico calendário para o inefável fadário que pesa aos ombros do povo: o amanhã é a evolução, essência da criação; gente nova, tempo novo!

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NON COGITARE... “Cogito, ergo sum”... ... Mas, que bobagem! E é a pedra angular da Lógica... Loquaz tripé da racionalidade, vetor fugaz do raciocínio, excita o pensamento e faz sonhar alturas para as quais nem sempre é preparado. Estimula vaidades, forja mitos, esboça impossíveis infinitos àqueles que do barro são escravos. Deifica pensamentos pobres, avilta e inibe pensamentos nobres ao gabarito rasteiro da Razão. Imerge a fé e o livre arbítrio, limita a alma ao vôo ao rés do chão! Por isso, pensar é incongruente, ao pesar-se o pensar de tanta gente a pavonear-se dessa faculdade. — E, além do mais, essa ilusão se embota, enquanto o tempo virtual se esgota na fluidez mortal chamada idade. Conveniente e sábia essa é uma idéia, há que poupar-se o acervo do pensar, ficar no limbo, inconsciente e plano, e “entrar em alfa” uma vez por ano, imerso em coisas triviais. Irresponsável, mudo, descuidado, mas, gozando, feliz, reconfortado, de merecidas férias cerebrais!

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... termino lembrando que é árduo o caminho para a... ... PERFEIÇÃO ... ... pois, A perfeição é o marco derradeiro, o patamar divino da ascenção. Norte, fanal, estrela do luzeiro, a bússola maior da evolução. A pequenez da mente em cativeiro limita o passo à trilha da razão. Que importam asas ao limiar fronteiro se a consciência é acorrentada ao chão! Que importa a ânsia de subir ao cume, que importa a treva cobiçar o lume, quando o caminho é tortuoso e estreito! Persiga a humanidade o que é o mais puro, o que é o melhor — confiante no futuro, mas, sem esmorecer do que é perfeito!

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CIOMARA FERNANDES CASCELLI

Cadeira n.º 07 Patrono José Fernandes Filho (Tagué)

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SEQÜÊNCIA 1.º - CURRÍCULO: Texto em prosa. 2.º - TEXTOS EM VERSOS: - A Noite e o Trem: eu, criança, viajando de trem em noite escura. - A Visita: A infante menina, com sua mãe, visitando Dona Mariazinha. - A Cruz da Estrada: Vigília do extremo cansaço e da esperança junto à Cruz da Estrada. 3.º - LETRAS DE COMPOSIÇÕES MUSICAIS: - Toada a Nossa Senhora Aparecida - A Chuva Chegou - Intuitiva Valsinha ao Meu Rio de Esmeraldas - Carro de Bois *

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HINOS: - A Pouso Alegre - Ao Colégio Estadual *

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4.º - FINAL: Passando a palavra a meus irmãos de fé. ADEUS!....................... ....................... .......................

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CURRÍCULO Currículo!!! Pensei... é o desfiar de um roteiro, marcos, luzes que se elevam no tempo, sinalizando uma vida. Nele, eu diria a meu respeito: -Meu nome é Ciomara Fernandes Cascelli. Nasci em Jacutinga (MG) e meus pais são Francisco Cascelli e Maria Fernandes Cascelli, eles que se tornaram professores convictos e Educadores por vocação, carismas esses que me transmitiram por herança. -Lá pelos meus 15 anos de idade, meus pais enviaram-me (e também a minha irmã), à Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras Campineira, para nos especializarmos, eu, em Matemática e Física, ela em Letras Anglo-Germânicas, com a finalidade de edificar um Colégio Modelo. -Em Campinas, conclui meu Curso de Matemática, posteriormente, cursos de Direito e de Piano em Conservatório local. - Por concursos ingressei no Ensino Oficial do Estado de São Paulo, o mesmo acontecendo em Minas Gerais, quando lecionei, inicialmente, em Belo Horizonte e, finalmente, em Pouso Alegre, onde passei a residir, integrando o Corpo docente do Ensino Oficial e também o de Escolas Particulares e da Faculdade de Filosofia. - Até o presente, estou fixada em Pouso Alegre que me concedeu o título de Cidadã Pouso-alegrense. Aqui, me incluí na Arcádia e na UBT, seção de Pouso Alegre. Pertenço à APL da qual sou membro fundador e ocupo a cadeira n.º 07 que tem como

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patrono o Dr. José Fernandes Filho (Tagué). Enfim... Currículo!... Não o desejo um clichê estereotipado, mas sim retratando UMA PESSOA HUMANA que o Criador houve por bem chamar à vida... VIAJORA NO TEMPO! Então, sai para acordar o meu acervo esquecido há tantos anos! Ele me contou que já na Faculdade, onde fui em busca das Matemáticas, de repente me surpreendi a fazer versos, estudar piano, canto, e ousar-me diretora de singelas peças teatrais! Em seguida, o acervo focalizou-me, logo, NA ATIVA, Professora e Cidadã Multi-face, Além-Fronteiras, à frente de Grupos de Jovens, visando a formar Homens e Mulheres integrais, na Fé. Retratou-me dirigindo Corais e Teatros: as figuras de Caxias, Charles Chaplin; encenando Pluft Fantasminha, Antígone, Vamos Despertar a Velha Casa (de minha autoria); elevando palcos improvisados na Catedral, no Clube Literário, nos cinemas, nos pátios, na Avenida Central da cidade... e atividades semelhantes em todas as escolas paulistas e mineiras onde lecionei! Que espanto! Tudo isto aconteceu comigo, tímida mineira? Como não perceber uma oculta e Providente MÃO multiplicando faces, rumos, estratégias nos imprevistos de uma história? ESTAMOS MERGULHADOS NO MISTÉRIO: é a premissa fundamental de nossa vida. As leis da natureza atestam e declaram... E no mistério, eis Jesus Cristo, perene, insuperável, los.

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constantemente — nova semente do amor — no correr das gerações e dos séculos. “A coisa mais bela que podemos sentir é o MISTÉRIO: — a fonte da verdadeira arte, ciência e religião”, assim o declara Einstein!... Ele é a raiz da Fé que envolve nossa vida, como o MANTO AO FILHO PRÓDIGO, Fé que inspira a sabedoria, acessível aos Grandes Santos e aos pequeninos também. Com vela acesa e sorrisos, enxadas, a Maria, eu sei, irá ao céu sem avisos, dizendo: “Alteza! Cheguei!” Atenção! Fotografia! o Mistério rasga o véu! Ó Natal! Eu não sabia que a vida é imersa no céu! “Chego ao céu”, ousa a criança no balanço... e voa ao léu! Sem a certeza e a esperança, quem entraria no céu? De tanto ouvir o meu grito, podar desejos mesquinhos alçou-me o REI ao infinito e pôs em SI os meus ninhos. (SEGREDO DE CONFESSOR E MENSAGEM QUE SE PREZA É O SILÊNCIO DE UMA FLOR NO ANTIGO LIVRO DE REZA!)

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A NOITE E O TREM Eis que a noite tá noite, bem noite, e o escuro tá escuro! Dá medo! Piuiii é o sinal de partida: Já!.... Agora!... começa o brinquedo. “Cheque, cheque, cheque, cheque, chique cheque”... trem de ferro, êta ferro, lá vem o gigante com só um olho na testa cambaleando, bufando... lá vem! “Cobra cega, é hora, é hora!” grita um sapo sapeca e se esconde. “Tá na hora, você não me pega”, “num me pega”, um grilo responde. E a cara de ferro medonha vai às tontas metida no jogo “Fui logrado”! explode o gigante, vomitando sua ira de fogo! Mas a mata, no grito de guerra e na raiva do monstro, se acende, faz archotes com as chamas lançadas que no alto da noite suspende! “Como ousar semear claridades e o mistério da noite violar? morra o monstro de ferro!...” e se aliam noite e mata na luta invulgar. Empunhando suas lanças de guerra matos ardem em quentes clareiras... são soldados com língua de fogo ao encalço do monstro, em fileiras!... 61


Trem de ferro virando a cabeça vê as alas de chamas voando! — procissões, orações não seriam a loucura do fogo gritando! E o Gigante de Ferro compreende: vão pegá-lo!!! Ele corre!!! Se cansa!!!... Toca o vento, o inimigo, avante!... Uma língua de fogo eis que o alcança!!! Mas, safou-se e aumenta a corrida, lança bombas, fagulhas candentes que, ingratas, caindo nas matas, se aliam ao inimigo, veementes! Cresce a luta alçando o absurdo: instigando com argúcia a ira, ventania crepita os arbustos: TODA A NOITE NA GUERRA SE ATIRA. Mas na hora da luta, em seu auge trem de ferro apita: “SOCORRO!!!” e é paz, é esperança, é vitória!!! a luzinha que surge no morro! O Herói precipita-se às tontas rumo à luz suplicando acoite, rompe a frente com testa hercúlea cabeceando as paredes da noite. Quando ancora ofegante, invicto vai render-se à cidade que, calma, lhe afaga a cabeça de bronze com ternuras brotadas de su'alma. 62


E a luzinha com mãos de ternura, abafando o ardor que restou, dissuade: “te rende, amigo, vem, desfruta a paz que eu te dou”. Trem de ferro cedeu ao fascínio por instantes, porém, pois é um bravo, ama a guerra — o perigo, a luta agrilhoam sua fronte de escravo! E ele parte: “Adeus, minha amada! Que doçura teu beijo encerra! a lembrança do teu calmo abraço é penhor de vitórias na guerra”!!! EIS QUE A NOITE É NOITE, BEM NOITE E O ESCURO TÁ ESCURO!... DÁ MEDO! PIUI!!!... É O SINAL DE PARTIDA: JÁ! AGORA!!! DE NOVO O BRINQUEDO!

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A VISITA de degraus inúmeros, de quartinhos tantos, tantos de proibidos, santos de encantos, santos de magias, tantos de selados, por severas portas, irremediavelmente mudas! Em suspense e de passos eis-nos depois na sala de honra da casa, uma enorme cozinha! Na cozinha, o fogão, ao fogão — faíscas, brasas e um gato sonolento que abria pausadamente seu olhar adormecido ao clique do estalido de queimar-se o graveto.

Das lonjuras no tempo e de vida trago um sinete gravado em minha face — sinal da cruz — que amarra no meu peito o nome do fogo, do mistério, do regaço, do embalo, do infinito. Chegou-me o talho assim: de visitas noturnas que eu e minha mãe fazíamos ‘à amiga Mariazinha — robusta Matriz da Raça! — Que eu relate primeiro o perfil da anfitriã:

Ali nos assentávamos todos: as Senhoras, em cadeiras o gato, à boca do fogo e eu, no colo da Mãe.

(Era de um tronco só essa peça — Mariazinha. Dois detalhes no entretanto desgarravam-se em saliência do todo de ser ela mesma: o coque de enrolar cabelos fartos e os óculos com aros negros, lentes para amassar o pão, ritmar a vida, conduzir visitas.)

Às tantas, a boa Senhora abria uma caixa enorme e servia a goiabada que ela e fogo apuraram quando o dia era manhã. De início a conversa ia solta, depois, ali, ao redor do fogo, no avançar da hora, o impulso, o arroubo se encolhiam, e o ritual se transmuda. Então a prosa é monossílabo a brasa vira carvão,

Dito o parêntese, prossigo: Chegávamos pois, à sua casa. Depois seguíamos em passeio nos rumos de nossa amiga. Partíamos através de corredores longos 64


o diz-que-diz-que é bocejo... e o reboliço em meu peito vira cochilo agarrado ao coração de minha Mãe. Depois, ah! Mergulho no sono, no sono tamanho do céu... o ritual da visita, vou subindo longe, longe! do coração da visita, do enlevo da visita, e o sabor da liturgia DO CORAÇÃO DE MINHA MÃE celebrada ao pé do fogo vira tatuagem em meu peito Este é o caso que escrevi, de não ir-se embora nunca! de muita sustância e memória! Foi o tudo do contado: Por que me veio este selo? o fogo, a Amiga... AI! A MÃE. De onde veio, isto sei: Veio-me da noite, FICOU PORÉM DE LOUVADO, da visita à noite, DE ENGASGADO, DE FERIDA, da casa de noite; O ALENTO ESTICADO EM MEU PEITO dos corredores da casa, E O GOSTO EMBALADO DA VIDA!!! de suas escadas, de seus quartos encantados e proibidos pelas severas carrancas de imensas portas silenciosas. Veio também da cozinha, da sala de honrar visitas. Veio-me do fogo e da brasa, sim! Do gato no fogão, do felino, a ritmar com as faíscas dos gravetos seu abrir de olhos sonolentos, esquecidos dos perigos e do tempo; veio-me sobretudo, ele veio, da liturgia de presidir

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A CRUZ DA ESTRADA

os cavalos atrelados, os barrancos de cupins, os caminhões de terra, as estradas de asfalto, os carros, as rodas, os caminhões de carga, as ramarias, as romarias, as bicicletas, as crianças, os homens, as astronaves os astronautas, os foguetes, o fogo, os discursos, a guerra!...

O dia comanda a sinfonia de sinais e de mensagens que a vida canta junto à cruz da estrada. Sob as nuances do sol, acende-se o semáforo das coisas e, na algazarra do mundo, se agita, dança e grita a vida, enquanto o sinal-da-cruz, sinal de morte, mirrado e mudo, cruza os braços de graveto, de equilíbrio, e é tudo!

Tudo grita e grita em vão e fala enquanto é tempo, enquanto o sol comanda, enquanto há luz e é dia, porque... chegando a noite,

Em vão, o ensurdecedor falatório fere, pisca e faísca no telégrafo sem idade: As cordilheiras se desenham. Dialogam frutos, sementes e chão. Os ventos explodem. uivam, chicoteiam... As brisas acariciam, murmuram as fontes, estrugem as cachoeiras, as árvores, os arbustos, os insetos, as aves, as borboletas, as porteiras, os casebres, os terreiros, os varais, os animais, os rios, os postes, as cercas, as torres, as flores, os bois malhados,

apagam-se, de repente, todos os sinais e, no silêncio, depois da sinfonia, como corda de violino, ferida por descuido, restam apenas nas trevas... uma lâmpada, uma estrela, um vaga-lume, um pio, um assovio, um grilo, o latido de um cão, o coachar de um sapo um violão... 66


um eco vago e obscuro... e o escuro! É quando chega a noite e a lua evidencia, na paz de sua luz, o despojamento dos galhos secos... e as trevas projetam a cruz! Então a criação se faz vigília na seiva fecunda dos gravetos trançados sobre a raiz da fé. Pobre cruz da estrada, de que carnes mirradas de que trapos, de que alma revestiram-se em vida os ossos, tuas raízes? Em que século, em que tempos, crivaram-se de chagas teus ossos e calaram-se, diante deles, os sinais de luz para que se tornassem sinal-da-cruz?

O impulso para o passo à frente cede lugar a este cansaço, que faz, desde já, pesados, os verões e os invernos futuros. Neste chão ferido de abissal pobreza, só tua voz se eleva e fala, só tua voz, ó cruz da estrada. Então, eu me ajoelho me abraço nos teus braços e ensaio, e canto agora teu singelo lamento, — o cântico da voz uníssona e conclusiva, o tema do derradeiro movimento! E, cruz da estrada, num abandono de ancião e de criança, eu salmodio então o arpejo da primeira fonte, e ouso, contigo, o grito da última esperança.

Cruz, sugestão do derradeiro instante, da hora crucial, onde todo movimento se estanca, todas as vozes horizontais se calam! Cruz, que sustentas teus braços verticais no mistério da fé anônima, apontando transcendências!... Cruz, à beira do caminho, eu estou na encruzilhada. Os movimentos e as vozes horizontais tornaram-se vazios e estéreis.

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LETRAS DE MÚSICAS TOADA A NOSSA SENHORA APA RECIDA Companheiro, vem comigo, quem te iguala em teu segredo? vem cantar pra namorada teu ficar nunca vencida, desta terra brasileira sempre Mãe, sempre Rainha me acompanhe na toada, -a Senhora Aparecida! êêêáêê êá Ela veio de socorro, Tua força é mais vitória “Deus acuda” em nossa vida, tem valia de infinito vem com peixe de cardume êá a Senhora Aparecida! Ah! êáêê Te lembra que esta gente Tanto peixe, tanto feixe de pobreza, de imprevisto amarrilho nunca visto fé provada, amargurada, êá é fiel em tudo isto!!! pra guardar toda esta gente Ah! pro seu Filho-Jesus Cristo! TE LEMBRA QUE ESTA GENTE ê á! É DE TEU FILHO Nunca vi achar maneiras JESUS CRISTO!!! tais garupas pra chegar: ê á! de barquinho em nosso rio, de suspiro em nosso altar. Procissão, andor e asa ... “lá em casa chega a pé, vem de amor, fica Mãezinha e dali não arreda pé... pois é!” Vem de amor e ouve tudo dor, promessa e compromisso êá e oferece tudo isto ao seu Filho Jesus Cristo êá Se és pequena à luz da vela, no silêncio, onde for, no anúncio da capela, no balanço do andor,

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A CHUVA CHEGOU A chuva chegou, lavando a calçada, molhando a rua, a chuva chegou, e as aves do céu se recolhem aos ninhos, se escondem nas asas, por trás da vidraça a gente te vê. Ó renda bordada, grinalda de água, ó noiva esperada dos dias estéreis do sol causticante, e a poeira do chão... Por fim, tu bateste à nossa janela, acordando esperanças, e a alma da gente renasce ao amor. Pequena moldura, janela de um quarto, daqui vejo a vida lá fora passar, longos fios de prata dançando com o vento se perdem no chão, moleque assovia um canto de paz! Na verde corola, se banha uma rosa, tão rosa! Vaidosa! Um pássaro aguarda, num galho molhado, o sol se acender, pressinto a vida, adivinho a esperança escrevendo uma história que vai ser contada ao sol que voltou: A CHUVA CHEGOU!

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INTUITIVA VALSINHA AO MEU RIO DE ESMERALDAS Mandu, cadê meu rio? Evaporou, notícias nem deixou, quem foi que te engoliu, foi gato, rato, o fato de estar engolido o nosso coração? Te deram essa mortalha de asfalto, roda, pedra e gás, sinais apocalípticos! Cuidado! Pára! Ah! Nunca mais!!! As tardes de verão depois da janta, em tardes encantadas, passear com a namorada ao murmurar das vagas, asas, brisas, arrebol, me exibir de atleta e mergulhar em ti, meus sonhos com os barcos peixes, ramo e anzol... Com a vara esquecida, vovô cochila enquanto morre o sol... Quem foi que te baniu e pôs em teu lugar sinais, robôs... o NÃO ao sonho das estradas? Pensar que, em ti, Fernão indaga o céu e sonha com esmeraldas!

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70 CARRO DE BOIS Se Deus quiser, amanhã, iremos, carro de bois, com meu ferrão na mão e meu chapéu de palha — cetro e coroa real — e entraremos na cidade, na rua principal. EIÁ MAIADO, EIÁ PINTADO, EIÁ! EIÁ! Lá na cidade, meu boi, você pode até ressonar, que eu exibo a nossa festa pra cidade inteira que vem na Praça espiar, e pra morena na janela que vive em meu sonhar. EIÁ MAIADO, EIÁ PINTADO, EIÁ! EIÁ! E voltaremos depois, à noite, na estrada, ao luar, ponha sua canção na roda que a lagoa e os grilos cantam em seu rastro atrás... e as crianças sonharão brinquedos e a paz! EIÁ MAIADO, EIÁ PINTADO, EIÁ! EIÁ! Desatrelado ao terreiro, enfim, com o ferrão ao luar, você ouvirá os ecos que a toada sua deixou riscados no ar, de manhã cedo, o seu refrão meu galo vai cantar: EIÁ MAIADO, EIÁ PINTADO, EIÁ... EIÁ! 71


HINOS HINO A POUSO ALEGRE Pouso Alegre, vossa fronte altaneira elevai, vosso ouvido atentai, e escutai este canto: “Não fique recanto nem gota de água ou poeira da terra, da terra querida, o perfume ou a cor de uma flor, esquecida ao louvor filial que a ti eu tributo. Ao estreitar deste abraço no braço do filho que do seu regaço te entrega, então, em sincera, ardorosa, fremente oração, VIDA, FORÇA, ALMA, AMOR... CORAÇÃO 1- Ó Mãe centenária, Princesa formosa, de história lendária que em noite de lua, nas flores do prado, perfumas teu corpo banhado nas águas do rio Mandu. Tua veste, tua jóia real é a beleza desta natureza que em Deus tem sua fonte. Coroa-te a fronte uma diadema de estrelas e o brilhante do sol que guarnece o horizonte. 2- Apenas nasceste fundou-se uma escola em humilde Capela, o Senhor Bom Jesus chegou e inspirou-te impulso de vida, voltado ao Espírito, à sombra da Cruz. Depois Faculdades, as Forças Armadas, o Arcebispado se abrigam em teu chão, e agora quem pode entravar os teus passos projetados na história desta grande Nação? 3- Nas encruzilhadas de tuas estradas, aportam viajantes de toda nação nos braços que acenas nos teus arvoredos, 72


convidas ao pouso que dás em teu chão. E nomes passados se unem aos presentes: renomes de ontem na Rota Fernão, cantando bem alto gratidão e louvores à excelência do berço que forjou sua voz. 4- Em casas e ruas e nas Avenidas, a vida de hoje prepara o amanhã; o homem operário, soldado, estudante agitam-se em lutas desde o sol da manhã! De todos os cantos, rincões desta Pátria, irmãos vêm buscar-te em escola, oficinas! Se és Mãe, alimentas, sendo mestra, ensinas neste chão do Brasil, ÉS PRINCESA DE MINAS.”

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HINO AO COLÉGIO ESTADUAL Todo dia é tempo de gritar gabola, de cantar à Escola pelo bem que me fez! Eu te louvo agora, és luz e fanal, Egrégio Colégio, Estadual! Nasceste sagrado, cresceste de pé, e trazes na testa a MULHER que recria a fé. Minha escola é Mãe, me conduz pela mão, mata a sede, põe a mesa e reparte o pão! Ó águia — tantas vidas que geras! — sempre o novo! és fonte repartida do povo! E jorras como o rio na Praça do Jardim a Água Imaculada sem fim! Meu Colégio Estadual tão rico floresceu no ideal que o conduz que é pleno de Deus. Quem é capaz de calcular as lições que ensinaste, todo o bem que espalhaste! Mereceste ser tombado, ser louvado perenal!!! — Sacramento!!! Monumento!!! Universal!!!

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E agora... FIM! É o Ponto final do Currículo! Minha voz e o acervo de até hoje se calam. O futuro, o que dirá? Mas, ainda publico, à guisa de encerramento, textos de MEUS AMIGOS NA FÉ, que aqui transcrevo. Que suas vozes ecoem ALÉM......... ALÉM.......... “Sem outra voz nem guia além da que no meu coração me ardia.” (São João da Cruz)

“Não tenho largos campos semeados que te possa oferecer, não tenho gados, mas tenho uma alma, bem que triste, nobre, uma vida que é Tua, ainda que pobre, um amor que Te iguala, uma fé que a nenhum temor se abala... enfim um coração de quem Tu sabes a grandeza que ele tem pois nele CABES!” (João Xavier de Matos) ADEUS!!!....

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EDUARDO ANTONIO DE OLIVEIRA TOLEDO Cadeira n.ยบ 08 Patrono Eduardo Amaral de Oliveira

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Natural de Pouso Alegre (MG), é filho do Desembargador Geraldo Toledo e da memorialista Alvarina Amaral de Oliveira Toledo. Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro, é casado com a artista plástica e cronista Águeda Magalhães de Toledo com quem teve 3 filhos. Poeta, escritor, cronista, historiador, jornalista e orador, é membro fundador da Academia Pouso-alegrense de Letras, membro efetivo da Academia Municipalista de Letras de Minas Gerais, Presidente Nacional da União Brasileira de Trovadores, Presidente da Fundação Histórica Pouso-alegrense — Casa de Romero —, Presidente do Conselho Deliberativo do Clube Literário e Recreativo de Pouso Alegre e membro honorário de diversas entidades culturais do Brasil e Portugal. De 1985 a 1988, foi Superintendente de Museus do Governo do Estado de Minas Gerais; e de 2001 a 2004, ocupou o cargo de Secretário de Cultura, Esporte, Lazer e Turismo da Prefeitura Municipal de Pouso Alegre. Eduardo A. O. Toledo tem quatro livros publicados: “POEMAS DE UMA GERAÇÃO”, “SONETOS DA AUSÊNCIA” , “ESTÓRIAS DO MANDU” (prosa) e “CIRANDA DE SONHOS” (trova), além de vários outros trabalhos publicados em dezenas de coletâneas. Premiado em centenas de concursos literários, em diversas modalidades, dentre as premiações, duas são lembradas: Vencedor do 1.º Encontro dos Poetas Jovens do Sul de Minas (1967) e Vencedor (letrista) do 4.º Festival da Música Popular Brasileira TV Tupi - SP - (1972). Com três livros prontos para publicação (poesia, romance e história), vem-se dedicando intensamente à pesquisa e elaboração de um livro sobre a real história da cidade de Pouso Alegre, sua terra natal. É titular da cadeira n.º 08, que tem como patrono Eduardo Amaral de Oliveira.

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MORRER DE AMOR O teu sorriso é que me mata dia a dia... — Ainda ontem, eu morri quase três anos, no instante em que o teu riso se mostrou. Os lábios teus é que me matam dia a dia... — Ainda ontem, eu morri quase três meses, no instante em que teus lábios se fecharam, mordendo, num delírio, os lábios meus. A tua voz é que me mata dia a dia... — Ainda ontem, eu morri quase três dias, no instante em que deixaste, em meus anseios, sussurros e chamegos desfilando.

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O teu olhar é que me mata dia a dia... — Ainda ontem, eu morri quase três sóis, no instante em que teus olhos me cobriram de súbitas e cálidas delícias. Esse teu corpo é que me mata dia a dia... — Ainda ontem, eu morri quase três luas, no instante em que teu colo se vestiu de luares e de gozos quase nus. O teu amor é que me mata dia a dia... — Ainda ontem, eu morri quase três sonhos, no instante em que restou uma ilusão ! (1.º Lugar no Concurso de Poesia Livre dos IV Jogos Florais de Concelho de Ílhavo (Portugal), 15 de julho de 2000.)

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QUANDO TE BANHAS Quando te banhas no sabor das águas, dos teus longos cabelos caem espumas, que jorram sobre os ombros, e que descem por sobre os seios tímidos, formando dois pêssegos maduros, naturais... Quando te banhas no sabor dos mares, na pose firme de donzela em êxtase, teu corpo envolve as águas sobre as ondas... E são tantas ternuras de acalanto, que as ondas tomam formas de carícias... Quando te banhas no sabor dos rios, as gotas correm pelo colo amigo na cachoeira do prazer maior... — Se noite, é feito orvalho pelo outono... — Se dia, é chuva farta de verão...

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Quando te banhas no sabor dos lagos, nas costas e nas nádegas macias, as águas são carinhos que se abraçam... No tornozelo, são cristais cambiantes, que se diluem no entrechocar dos sons... Quando te banhas no sabor das chuvas, nas pernas lisas, livres de surpresas, os pingos descem desfilando a cântaros, e em volta ao ventre, preso de segredos, constroem um batalhão de sentinelas... Quando te banhas no sabor das nuvens, vais desnudando a carne, a alma, o amor, e refletindo o encontro das delícias !!! (Poesia Vencedora no Concurso de Poesia Livre da “Casa de Maria Sabina” — Niterói(RJ), maio de 1988)

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ORAÇÃO DE UM GUERRILHEIRO Senhor, em vez de pão, dai-me granadas para manter a minha luta insana... Eu passo os sete dias da semana em meio de guerrilhas e emboscadas! Senhor, em vez de pão, dai-me um fuzil que se arde o meu estômago em revolta... É hora de se ouvir o som febril do grito da garganta que se solta! Senhor, em vez das águas, dai-me os gazes que façam cochilar os inseguros... Eu quero um batalhão de homens audazes na construção dos sonhos, dos mais puros! Senhor, na guerra fria são tamanhas as horas de infortúnios e de penas, que eu varo madrugadas nas montanhas colhendo pirilampos e açucenas!

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Senhor, em vez de pão, em vez de carne, me dai a posição dos inimigos... Eu quero uma estratégia que desarme e que faça implodir os seus abrigos! Senhor, em vez de anéis, dai-me as algemas que enlacem todos planos desatentos, que ponham soluções nesses problemas dos homens e dos dias violentos... Senhor, em vez de pão, dai-me os projetos das bombas e dos mísseis mais modernos... Há pelos campos moços inquietos vivendo o pesadelo dos infernos! Senhor, na guerra fria são tão cruas as horas de abandono e de aflição, que eu varo madrugadas pelas ruas de pé descalço e andando em contra-mão!... Dai-me, Senhor, o plano derradeiro, numa explosão de cânticos de guerra... Senhor, dai fortaleza ao guerrilheiro que planta a paz com sangue sobre a terra!!! (Poesia Vencedora no Concurso Literário da Academia Raul de Leoni - Petrópolis(RJ), setembro de 1997.)

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POUSO ALEGRE A minha terra tem caminhos retos que enlaçam todas curvas dos caminhos, onde brotam mais rosas do que espinhos e, em seus pomares, frutos mais seletos. No Sul de Minas, espalhando afetos, desabrochando bens em redemoinhos, ela concentra todos os projetos da multiplicação dos pães e vinhos. É Pouso Alegre, a deusa sul-mineira, que se debruça, esplêndida e incontida, nos sonhos, por detrás da Mantiqueira... É Pouso Alegre, em bênçãos concebida, o meu início, a página primeira e a morada final de minha vida!!!

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O AMARGO DO DOCE Na boca, o gosto de mel, no peito, o frio que gela... — Esta cidade é cruel para quem mais gosta dela. E gosta feito um pincel traçando excelsa aquarela... qual um soldado fiel em constante sentinela. Ah, Pouso Alegre, danada, volúpia desenfreada, minha paixão predileta ! Acalma a tua ira santa que alucina e que acalanta o coração do poeta !...

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A FOTO Revelando-se a foto, uma saudade já se mostra, de pronto, por inteira: — A igreja... a praça e, nela, a cantoneira despencando gerânios na cidade... No fundo, a foto envolve a claridade de luzes sobre o topo da roseira e sombras sob os pés da quaresmeira, pendida pelo sol da liberdade. E mostra mais: os fios da meiguice que a adolescência urdiu para a velhice, em teias salpicadas de ilusão... — Mas a saudade, enfim, se faz completa, quando reflete o vulto de um poeta se esmaecendo na revelação !!! (1.º Lugar no Concurso de Sonetos da Casa do Mestre, 2005 - Magé, RJ.)

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UM PEDAÇO DE SOL... Um pedaço de sol riscava o chão e a porteira amarrada com cipó... — Ao largo, a fumaceira de um fogão abraçava a tapera e o cafundó. Na tapera vivia um velho, só, que, recolhido em sua solidão, pela manhã, aos pés de um abricó, apanhava a primeira refeição. A casa era tão rude e tão pequena, que até mesmo a saudade tinha pena de visitar o peito do ancião. Calado, o velho orava no seu canto, sentindo a noite se achegar, enquanto um pedaço de sol riscava o chão !.. (1.º Lugar no Concurso Nacional de Sonetos do Ateneu Angrense de Letras, 2003- Angra dos Reis, RJ.)

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NOS TEMPOS DO 8.º RAM ! Pouso Alegre sorriu quando chegou 1918. Também, pudera, era tempo do povo comemorar a fundação da Escola Profissional para meninos pobres, no aprendizado de uma profissão para labor e sustento, e a formatura da primeira turma da Faculdade de Pharmácia e Odontologia. A cidade vivia em clima de absoluta prosperidade e harmonia, sob a proteção do Senhor Bom Jesus e as bênçãos do novo bispo, D.Otávio Chagas de Miranda, nomeado há pouco mais de um ano. Um novo sorriso raiou em 2 de janeiro, quando explodiu a notícia de que os edifícios do Ginásio Diocesano e da Escola Normal das Dorotheas tinham sido vendidos ao Governo Federal, por 280 contos de réis, para neles se instalar uma unidade do Exército Nacional. No campo político, o Agente Municipal e também Senador, Eduardo Carlos Vilhena do Amaral, numa época que permitia a um político ocupar dois mandatos, era eleito Vice-Presidente do Estado de Minas, e seu primo, outro filho ilustre da cidade, Josino Araújo, era reeleito para a Câmara Federal, ambos com 99,8% dos votos de Pouso Alegre. Entre outras autoridades, viam-se: Dr.José do Rêgo Cavalcanti, Juiz de Direito; Dr.Alves Nylo, Delegado de Polícia; Antônio Braga, Secretário da Câmara; Antônio Libânio, Collector; Plínio Pinto de Souza, Oficial do Registro Civil, e Monsenhor Mendonça, Cura da Catedral. Pouso Alegre possuía três distritos: Borda da Mata, Estiva e Congonhal, tendo 8 mil habitantes na cidade, divididos entre a sede e os dezenove burgos agrícolas existentes em seus arredores, assim denominados: Canta-Galo, Roseta, Affonsos, Cervo, Brejal,

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Coutinhos, Anhumas, Ithaim, Sertãozinho, Pantano, Capellinha, Limeiras, Timburê, Sapucahy, Fazenda Grande, Fazenda Velha, Gomes, Borges e Costas. No “Cine Íris”, a sociedade se extasiava com o filme “Era uma Vez...”, e o Teatro Municipal encenava outra peça do Dr.Coutinho, sempre sob a direção de Aspásia Amaral e a coreografia de Jacinto Libânio. Naqueles tempos, a imprensa contava com três semanários: “A Gazeta de Pouso Alegre”, de Sebastião Araujo; “Semana Religiosa”, órgão oficial da Diocese; e “O Pouso Alegre”, do editor Gabriel Mayor tendo o Dr. João Beraldo como redator. Entre outros variados assuntos, os jornais traziam, estampados na primeira página, versos de Mário Casassanta, Monsenhor Mendonça, Jandyra Meyer, Joaquim Queiroz Filho e outros poetas pouso-alegrenses. Os jornais, de vez em quando, apresentavam um anúncio de João Bourg e Filho, dizendo: “Dá-se aula de francez, no preço de 10$000 por mes, com aulas de 7 as 9 horas da noite, em todos os dias úteis”. No comércio, pontificavam: “Casa Progresso”, uma loja de móveis de Emílio Cuschnir; “Sapataria Confiança”de Domingos Benatti; alfaiataria “Ao Chic Pouso Alegrense”de Braz Vitale; “Avenida Central”, uma loja de armarinho de João Nunes de Oliveira Filho; o “Empório”,de Octávio Meyer; “Confeitaria”, de Roque de Maio; “Marinho & Cia.”, de livros escolares e artigos religiosos; “Casa Renascença”, da firma Ribeiro & Baganha; “Studio Fhotográfhico”, de José Augusto da Silva; “Pharmacia Queiroz”, de Amadeu Queiroz; “Marcenaria e Carpintaria S.José”, de Victório Ferracioli; “Salão Jerônimo”, a mais antiga e elegante barbearia, de Jerônimo Pagliarini; “Sellaria”, de Sebastião Schimidt; “Pensão Cobra”, de Izidoro Cobra. As indústrias pioneiras : “Fábrica de Banha”, de Benedito de Barros; e “Cerveja Grinszler”, de Antônio Rigotti.

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Na educação, o Ginásio São José, equiparado ao Colégio Pedro II, o Colégio das Dorotheas e o Grupo Escolar Monsenhor José Paulino eram preponderantes na formação intelectual e social da juventude. Os “saraus” e as “horas lítero-musicais” deixavam os salões das residências e se transferiam para o Club Literário. Era assim Pouso Alegre no alvorecer de 1918. A cidade vivia a expectativa da instalação de sua unidade militar, na certeza de que novos sonhos e esperanças chegariam juntos. Na manhã de 3 de março, vindos do Rio de Janeiro, chegaram à estação da Rede Mineira de Viação os oficiais, TenenteCoronel Marcos Pradel de Azambuja, e os capitães Jorge Gustavo Tinoco Silva, Luiz José Martins Penha e Annibal Dufrayer, para os preparativos de instalação da unidade militar. Em Pouso Alegre existia um clima extasiante; todavia, para se formar um Regimento, era necessária a convocação de recrutas. A população, animadíssima, esperava na estação a chegada dos conscritos, vindos de diferentes cidades. No dia 13 de março, a delegação dos convocados de Jacutinga se destacou das demais, chegando ao som da “Lyra de Jacutinga”, com todos cantando a canção “Amor Febril”, sendo acompanhados por centenas de pessoas presentes, em festiva recepção. O espetáculo foi tão marcante que todos, sem exceção, dirigiram-se ao Hotel Ferraz, que hospedava os oficiais, onde o acadêmico Mário Casassanta, usando da palavra, saudou os futuros recrutas. Naquele momento de absoluto amor à Pátria, representando os conscritos do Triângulo Mineiro, usou da palavra o farmacêutico e “sorteado” Cícero Macêdo de Oliveira.

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Ao final da emocionante manifestação de fé e crença no Brasil, o Ten-Coronel Marcos Pradel , em irretocável oração, saudou a mocidade pelo atendimento ao chamado da Pátria e, ao mesmo tempo, o povo de Pouso Alegre, pela inigualável acolhida. Da “Vendinha” à “Faisqueira”, do “Alto das Cruzes” ao “Aterrado”, toda a população se abria em sorrisos de alegria, pela chegada do Regimento. Com tudo pronto, acertado e preparado, em 19 de março , sob o carinho de uma cidade inteira, instala-se oficialmente o 10.º Regimento de Artilharia Montada (10.º RAM), numa solenidade coberta de emoções, esperanças e pompas, sob o comando-interino do Cel. Marcos Pradel de Azambuja. Nesse exato instante, afirmou-se uma nova época para Pouso Alegre, em comunhão patriótica, pelas famílias que se formariam, pelos recursos que se tornavam forças de progresso e desenvolvimento, e pelos exemplos fincados de cidadania. O dia 19 de março de 1918 modificou a história e o cotidiano da cidade de PousoAlegre. Depois, o tempo prosseguiu, como de costume, e com ele a caminhada do 10.º RAM, do legendário 8.º RAM, do 4.º Regimento de Obuzes-105mm, do 2.º/4.º RO-105mm, do 14.º G.A.C., até o atual 14.º G.A.C — Grupo Fernão Dias —, atualmente sob o eficiente comando do Tenente-Coronel Guido Amin Naves, que conserva e intensifica a trajetória de brilhantismo dessa tradicional unidade militar. Hoje, o 14.º GRUPO DE ARTILHARIA DE CAMPANHA — GRUPO FERNÃO DIAS — é uma estrela fulgurante nas constelações do Exército Nacional, de Pouso Alegre, de Minas e do Brasil !

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MARIA EUNICE DUARTE CHEBERLE Cadeira n.ยบ 10 Patrona Prisciliana Duarte de Almeida

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É natural de Pouso Alegre(MG), filha do Major Dr. José Duarte Costa e da Professora Maria Bernardette Santos Duarte. Casada com Élio Cheberle, tem quatro filhos e seis netos. Foi aluna e professora do Instituto Santa Dorotéia de Pouso Alegre. Concluiu o segundo grau no Colégio Imaculada Conceição de Belo Horizonte. Diplomou-se em Declamação pela Escola Florália, da capital mineira. É Bacharel em Direito e Licenciada em Letras e Pedagogia nas especialidades Administração, Supervisão e Inspeção Escolar. Exerceu o magistério na Escola Estadual “Dr. José Marques de Oliveira”, Conservatório Estadual de Música “Juscelino Kubitschek de Oliveira” e em Cursos prévestibulares de Pouso Alegre. Foi professora, supervisora, vicediretora, diretora e inspetora escolar de vários estabelecimentos de ensino da rede pública e particular. Tem poesias, crônicas, contos e ensaios publicados em revistas especializadas, antologias e jornais. Participou de festival de música e exposições de artes plásticas da região. Fez parte de antologias de trovas da Arcádia de Pouso Alegre e da União Brasileira de Trovadores. Premiada em concursos de poesias, contos e festival de música de âmbito nacional. Foi vice-presidente e secretária da Academia Pousoalegrense de Letras onde é titular da cadeira n.º 10, que tem como patrona Prisciliana Duarte de Almeida. Pertence à Academia Poços-caldense de Letras, ocupando a cadeira n.º 12, cujo patrono é Machado de Assis. Faz parte da União Brasileira de Trovadores - Seção Pouso Alegre, onde exerceu a função de secretária de diretoria.

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MEL (Para meus netos)

Deus adoçou minha vida com o mel da mais fina textura e me fez doce e encantada transformando-me em avó. Entre mimos e regalos, vejo-me fada-madrinha, enfeitando a casa e a cozinha com surpresas e guloseimas, que despertam ternos sorrisos nos rostinhos expressivos desses netinhos felizes, para quem não há limites no coração da avó. Com afagos e carícias, crescem David, Pedro Henrique, Victória, Lisandra, Elisa, e a recém-chegada Giulia, sabendo que a casa de Vovó Nice é sempre teto e calor, paraíso de delícias, onde esses anjos sem asas bebem a poção do Amor.

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A JANELA A janela é um modo só meu de enxergar o mundo. Por isso, a sua forma, quadrada ou redonda, nada me diz de profundo. Importante é o panorama que se vê, chegando nela, a descoberta de nova tela, branca e desafiadora, instigável mistério, de uma infinita trama. Dela, pode-se ouvir a indagação de vozes sonoras com perguntas lançadas ao ar, quais fecundas sementes que demoram a dar respostas, preparando flores, reservando frutos... A janela é proposta de espera, corajosa e paciente, da resposta que um dia virá do mundo, da vida, do outro. É a notável descoberta do encontro possível, da felicidade tangível que ouso sonhar. A janela é o binóculo da alma, meu passaporte de entrada para a viagem da vida que ainda me diz: —Venha, há tempo de ser feliz!

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ARCO-ÍRIS

Branco Alguma coisa se partiu ali qual porcelana a trincar calada... Amarelo Há um hálito de terra estranha em meu peito árido, chão ressequido... Azul É a lembrança do sonho que poderia ser, mas que não foi. Vermelho As mãos cansadas protegem a chama que dança bêbada e quase se apaga. Violeta Tenho medo do escuro, deste vazio, que, me disseram, se chama angústia. Verde Quero guardar-me, pedra intocada, sempre à espera do divino sopro. Que as cores nunca me faltem: Pois só os poetas podem cantar, em arco-íris, as nossas dores!

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CONVITE

Sísifo novo, carrego minha pedra e recomeço a jornada da vida. Sento-me à beira do tempo levando as folhas dos dias. Primeiro, as do outono, já mortas neste inverno que amanhece, depois, as do agora, orvalhadas, pois se vão tornando tarde, numa constante partida.

Fica comigo, rindo ou chorando, como se o outono a primavera fosse. Enquanto há luz nos teus e nos meus olhos e o sol do amor ainda perdura, mistura aos meus os teus sorrisos.

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FLASH Flash! Nasce, do nada, a poesia. Há um ontem outonal querendo florir em versos, a tecer relembranças atávicas, espoucando no hoje. No princípio era o verbo e agora continua a ser, a busca da palavra certa no tempo incerto e momentâneo em que brota a inspiração. A mente pede o papel e o verso jorra quente , ejaculado de emoções vividas, ovuladas no canto da memória. Flash! Nasce, do nada, a luz. Pressinto suspiros, vibrações e anseios, uma seiva latente inundando meu ser de rosa molhada, ferida de espinhos, chorando as lágrimas da alma. Décadas de vida coroam meu portal: medo do que fui, a ambição do que serei, não mais esfinge nem vestal, sinhá ou escrava, deusa ou mulher, só Dom Quixote do mundo.

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Meus dedos, testemunhas caladas, tocam letras entrelaçadas do velho lençol bordado que cobriu nossos destinos de casal enamorado. Chinelos pisam soalhos barrocos, há asas de anjo espreitando meu canto, dizendo que a vida no seu ocaso não tem retorno, é desencanto porque ninguém rasga a saudade. Eis aí o tema do meu poema: jogar com a vida como jogo com as palavras. Morram as tristezas, todos os soluços num velório diferente de risos e alvoradas. Flash! Borboleta risonha, quero guardar o encanto deste instante em que renasço das frestas do sonho, em fagulhas de luz.

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OFERTA Quero apenas dar ao mundo minha entrega em explosão. As ansiedades que corroem os dias, quero afastar dos corações medrosos, romper segredos irrevelados, encontros inacabados... Meu coração aqui está, do outro lado da linha, à espreita de um chamado. Às margens da vida, eis o meu barco, vigilante, ancorado, pronto a deslizar. Sob o signo da ternura, quero dizer a todos que ainda resta um abraço pronto a romper solidão. Saibam todos os corações sofridos que há um tempo para ser feliz, ainda que ande embaçada a transparência do amor.

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PEDRADA À criança afegã

A lágrima do menino bateu fundo nos meus olhos. Estilhaçou-se no chão como mil vidros partidos, brilhando, sem ter remédio. A dor do menino invadiu meu coração cansado e senti as crianças do mundo romperem a indiferença de quem não gritara por elas. O rosto do menino doeu em minha sossegada retina e vislumbrei seu horizonte sem paisagem, sem cores, de bombas perdidas, só desencanto, desilusão... O olhar do menino atravessou a TV colorida como pedrada cortante, a suplicar embalo, carinho ou a ternura de um verso que fale por ele, pedindo um teto, a paz e o pão...

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REVISÃO Corto, acentuo, reescrevo cada passagem sinistra das tristezas e desencontros que a vida resenhou, tão sombrios, nos caminhos do coração. Limpo os desvãos da memória, apago as surpresas amargas, num gesto bem passional, de quem corta as amarras, escancarando a alma. Vejo-me leve, desnuda, sem as rugas que o tempo marcou, mas, inexplicavelmente vazia, nua, sem rumo, uma página em branco, fruta sem sumo que a vida chupou.

SÚPLICA Aceita a procura, acolhe a cantata desta Pietá serena, em expiação. De fé diminuta e quase rara, alimenta-me, Senhor, o coração. De meus pés feridos, em tantas quedas, retira o sangue que fará minha oblação. Tempera os meus atos com o perdão, coloca em minha boca a suavidade do canto de um pássaro em explosão.

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TRAVESSIA Hoje é o tempo completo, a travessia das horas presentes... Ontem é o hoje acabado , sem remédio, só lembrança... Hoje acontece a alvorada das vinte e quatro horas que fazem morrer o dia. Ontem é a saudade do ocaso, das coisas vistas e vividas, o avesso da novidade, a imagem fora de foco, um silêncio quase agonia. Hoje é permanência, ser, estar, viver... É mistério e desafio, a curva no fim do caminho, o meio-dia da tarde. É crescer, desabrochar, é o agora, pertinho, um já premente, vibrando...

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Ontem é horizonte apagado da noite que brilhou e dormiu, embalando e escondendo estrelas. É o lá longe, mensurável, o eterno nunca mais! Hoje é barro em promessa de escultura moldada. É sopro de vida, é corpo encarnado. Ontem é chama apagando, um velho menino presente na imaginação. São ambos o quando e o depois, o sol e a noite que restarão, celebrando a vida, o eterno mistério em travessia...

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LAÇOS DE DOÇURA Tarde chuvosa em São Paulo. Como boas descendentes de italianos, estávamos ao redor da mesa da cozinha, transformada em sala de visitas. Dali pipocavam o bom queijo, o aconchegante vinho, o arrozdoce exalando o carinho da dona de casa. Súbito, irrompe do elevador uma doce figura, alta, loira, olhos vivos e brilhantes. Tinha um sotaque gostoso puxando os "esses" e falando abertas e bem pronunciadas as vogais e fim de frases. Deleitei-me em descobrir-lhe, pela pronúncia, a procedência. Finalmente, exultei: aquela cordialidade e um ou outro termo permitiram-me decifrar. Era uma soteropolitana, falando, com aquela "nonchalance" de quem nasceu em terra de Rui Barbosa. De repente, alguém lhe pergunta: - E o "meu amor"? Como está? Seus olhinhos vibraram e ela se iluminou. Ouvi então, maravilhada, em rápidas pinceladas, uma deliciosa história. "Meu amor" é o tratamento carinhoso que ela dispensa ao companheiro, com quem vive um incrível romance, num casamento de felizes 29 anos. Em rápida narrativa, a dona da casa me disse que aquela mulher, iluminada pelo devotamento de seu marido, paulistano da gema, constituía, junto a ele, o "casal vinte" daquele prédio e das adjacências. Que mulher admirável, capaz de alimentar, ao longo de quase três décadas, esse clima, que lhe transfigurava os olhos em faíscas quando se referia ao "seu amor". Soube, então, que o porteiro diz serem ela e o marido o único casal do prédio que se beija no elevador. Em poucos minutos, conheci a trajetória do casal: trazida por um doce cupido,ela viera para conhecer alguém, em S.Paulo, que tinha sofrido uma grande perda amorosa, junto à fuga de bens materiais. Restavam as

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dívidas, a mudança de status, a adaptação à nova realidade, em meio às grandes decepções. E foi aí que ela chegou, trazendo ao bem-amado a perspectiva de nova vida, seu entusiasmo e alguns desafios. Disse-lhe que detestava cozinha, herança vinda de mãe para filha. Ele docilmente acedeu: não tinha a menor importância. Teriam sempre uma empregada e, faltando esta, tudo bem: nada que um bom restaurante paulista não resolvesse. Embevecidas, ouvíamos nós, mulheres de quatro gerações. Cada uma com sua história, não menos romântica nem menos bela, que todas as histórias de amor desembocam em lindos desfechos: casamento, filhos, vida intensamente doada no dia-a-dia, no desafio de ganhar o pão, cuidar da carreira e do lar, zelar pelo bom andamento da casa, manter o clima de "amorização", enquanto e quando dá. Mas, definitivamente, ninguém tinha nos olhos este reflexo iluminado de admiração! E passei a ouvir que, atrás daquela mulher extraordinária, capaz de despertar tantas atenções ao longo dos anos, havia um grande homem. -Simplesmente, o doutor Aníbal não existe! É caso raro, diferente de qualquer marido - diziam. Comecei a perguntar-me que idade teria essa "linda mulher". Quarenta? Cinqüenta? Impossível acertar. O amor lhe concede uma áurea tão iluminada que a faz atemporal. Tive que refazer todos os meus conceitos. Eu que tenho visto quase só casais infelizes de um a trinta e cinco anos de união a se magoarem na cobrança, na exigência, na intolerância, nas frases duras trocadas em particular ou em público, tinha que tirar o chapéu. Aquele casal de paulistano e soteropolitana me fez acreditar que o amor existe, que a doçura é possível ao longo dos anos, que este

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estado mágico de encantamento pode perdurar sim, sempre que houver uma esposa capaz de inspirar tão grande cumplicidade, sempre que existir um marido neste clima de amante à moda antiga. Descobri, numa tarde de domingo, que é possível eternizar-se o amor, sempre que existir alguém como esta criatura admirável, que tornou nome próprio a expressão "meu amor". Que homem feliz deve ser o doutor Aníbal, amando e deixando-se envolver por laços de doçura!

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ANTテ年IO LOPES NETO Cadeira n.ツコ 11 Patrono Tuany Toledo

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ANTÔNIO LOPES NETO é natural de Limoeiro do Norte (CE). Quando universitário, fundou e editou o Jornal Veritas, órgão do Diretório Acadêmico da Faculdade de Direito do Sul de Minas, em 1974 e 1975. Autor da letra das composições premiadas com 1.º e 2.º lugares, no II FEMP (Festival Estudantil de Música Popular) - Pouso Alegre, 1975 - e dos livros “Respingos”, “Ensaio de Tribuna” (literários), “Defesa da Economia Popular”, “Teoria e Prática da Ação Civil Pública”, “Comentários sobre Direito Administrativo e Direito Público” (jurídicos). Cidadão Pouso-alegrense em 1977, Uberabense em 1991 e PoçoFundense em 1999. Procurador de Justiça do Estado de Minas Gerais, exerceu os cargos de Chefe de Gabinete e de Procurador-Geral de Justiça Adjunto (1989-1991). Foi professor de Direito Penal da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, em Belo Horizonte e Diretor da Escola Superior do Ministério Público de Minas Gerais; autor de várias teses aprovadas em congressos nacionais e estaduais do Ministério Público. Lopes Neto foi um dos idealizadores do Colégio das Escolas dos Centros de Estudos e Aperfeiçoamento Funcional do Ministério Público dos Estados e Distrito Federal, fundado em 1997, tendo sido seu 1.º VicePresidente. Exerceu o cargo de Diretor do Centro de Estudos e Aperfeiçoamento Funcional do Ministério Público do Estado de Minas Gerais. Foi também um dos fundadores da Academia Pouso-alegrense de Letras, participando de sua primeira Diretoria. Atualmente, é advogado militante em nosso Estado. Ocupa a cadeira n.º 11, cujo patrono é Tuany Toledo.

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NOTA Passar para o papel branco, sem pauta, pedaços, respingos de idéias; rascunhar sentimentos e viver sonhos, versejando os encantos da vida; falar da crônica de sucesso que apresenta um país gigante e conflitante, de matas devastadas, rios poluídos, de fome e muitos e muitos trapos ambulantes, exige bem mais que o uso da inspiração borbulhante, incontida, ou a necessidade inadiável de qualquer produção literária. A consciência, o compromisso com a família e com o social, aliados à vontade insaciável, à determinação de contribuir, de algum modo, para transformar e humanizar os degraus e estágios da vida terrestre dos seres racionais, descarregam uma avalanche de ânimo e potente energia no corpo humano, capaz até de produzir, acanhadamente, poucos rabiscos, quem sabe, dotados de alguns ingredientes com poder de irradiar e despertar qualquer reflexão positiva. Por acreditar ser este um dos muitos caminhos da libertação que hão de conduzir a todos para um novo amanhã, mais comprometido com o justo, conclamo cada um, para que, a seu modo, engrosse todos os rabiscos que convergem para a busca da igualdade, transformando-os num verdadeiro painel universal do despertar de consciências. E como admirador eterno do belo e do justo, em deslumbrante sonho, transponho o meu primeiro e vacilante pensar e vejo, agora, quero crer, acordado, que penas e vozes conscientes são capazes de modificar, transformar para melhor, a sociedade de todos os homens.

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SAUDAÇÃO AOS NOVOS PROMOTORES DE JUSTIÇA Embora não seja o Procurador de Justiça mais indicado para falar neste momento solene, haja vista que os demais são oradores mais talentosos e vibrantes, aceitei o honroso convite para saudar os novos Promotores de Justiça em nome do Procurador-Geral e do Colégio de Procuradores, por ter convicção de que iria encontrar ouvintes compreensivos e benevolentes. Nas minhas reminiscências de adolescente, nos meus primeiros anos do Colégio Diocesano do meu longínquo Estado do Ceará, lembrome de que cavalgava... cavalgava no meu potro de ilusões. Galopava com aboios de vaqueiro e encontrava roupas rasgadas em trapos ambulantes, faces marcadas com cinzas da quaresma. O tempo foi passando e constatei que muitos e muitos cavalgavam, galopavam e sonhavam, como faziam todos os integrantes dos movimentos sociais e liberais que, já na Idade Média, procuravam desfraldar, definitivamente, a bandeira da igualdade. Se vivos fossem, os pioneiros da busca da igualdade entre os homens perceberiam que o estandarte daquela luta insana não estava, ainda, fincado em bases inatacáveis, intransponíveis. Se vivos fossem, estariam a presenciar uma sociedade dividida, uma burguesia arrogante e gananciosa, uma comunidade desaglutinada com muitos dos seus interesses inconciliáveis. E eu, à época, jovem estudante no sertão, no torrão de José de Alencar, contemplava o bater das asas da graúna e acreditava que, como a doçura dos lindos lábios da virgem Iracema, que encantou a todos os guerreiros da nação Guarani, a igualdade entre os seres humanos seria, num futuro próximo, uma realidade palpável. E os sonhos continuavam. Veio a Universidade e esse idealismo foi sendo, a cada dia, ampliado. Veio o momento da definição profissional, ocasião em que decidi ser Promotor de Justiça. E nos idos de 1978, assumia, com orgulho, a Promotoria da distante comarca de Medina, localizada no Vale do Jequitinhonha, para muitos o “Vale da Miséria”. Medina, cidade dos coqueiros, dos garimpos e das boiadas. Ali chegando pela vez primeira, o sol queimava-me, como queima, quando nos mira, o olhar ardente da mulher amada. Aqueles momentos ficaram inesquecíveis. Olho para vocês, novos colegas, e revivo a magia, a alegria, a 111


incerteza, o desconforto, a responsabilidade do primeiro dia. O primeiro dia do Promotor de Justiça. Olho para todos os colegas do nosso Ministério Público e sinto que aqui e agora reafirmamos os nossos compromissos, os nossos ideais de continuar a lutar contra as desigualdades provenientes das injustiças e a favor do verdadeiro Estado Constitucional. A proteção aos reais interesses da coletividade há de ser, sempre, a nossa meta maior. Há, nos dias atuais, uma enorme preocupação em nosso País e, em especial, no Ministério Público, no tocante à proteção do meio ambiente, do consumidor, do deficiente, da criança e do adolescente. Há uma determinação de todos nós em promover a defesa implacável do patrimônio público e cultural e dos direitos humanos. Imperdoável seria, nesta solenidade tão significativa, esquecermonos de registrar que o próximo dia 14 será o dia Nacional do Ministério Público. Por isso, peço permissão aos donos desta festa, para destacar e enaltecer o dia do Promotor de Justiça que, infelizmente, será comemorado mais uma vez, sem termos conseguido materializar todos os avanços constitucionais que nos foram conferidos e confiados pelos Legisladores Federais e Estaduais. No entanto, temos convicção de que com o gigantesco esforço que vem sendo despendido e, principalmente, pela determinação de nossa combativa categoria, teremos com certeza, num futuro próximo, o reconhecimento de todas as nossas conquistas. Os itinerários que os empossandos percorrerão serão, sem dúvida, iguais aos nossos: longos e, muitas vezes, amargos. Será uma jornada de renúncias, de estudos e ações e, acima de tudo, de decisão, ponderação e determinação. Ser Promotor de Justiça é, antes de tudo, assumir compromisso com a verdade e com o Direito, e sempre dizer “sim” à apreciação dos constantes reclamos da comunidade.

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Hoje, vocês estão semeando grãos de esperança e realização na fértil e acolhedora Instituição Ministerial. Temos certeza de que, num futuro próximo, todos estarão colhendo a reconfortante safra do triunfo! A safra do verdadeiro triunfo. A independência, a combatividade e o idealismo que sinto existirem em cada um de vocês hão de contribuir para a transformação benéfica de muitas pessoas e de muitas comunidades das Gerais. Hão de colaborar para transformar murmúrios em sorrisos, apreensões em alegrias, incertezas em esperanças. Aí reside a impagável recompensa desta séria, árdua e espinhosa profissão, muitas vezes cercada de incompreensões. A visão moderna dos atuais representantes do Ministério Público é a de profissionais que procuram estar sempre disponíveis para servir ao povo. Hoje, o Promotor de Justiça que procura dedicar-se tão-somente aos seus afazeres burocráticos não acompanha, definitivamente, a arrojada arrancada da Instituição no que diz respeito às relevantes atribuições que lhe foram conferidas com a promulgação das Constituições Federal e Estadual. É imperioso, nos tempos modernos, ouvir, sentir e conviver com a sociedade, principalmente com os menos favorecidos. Devemos permanecer lado a lado com a comunidade onde atuamos, a fim de podermos exercer o nosso múnus com maior compreensão, intensidade e justiça. É preciso viver, sentir e praticar as mudanças que visam à manutenção ou ao restabelecimento da Justiça nas relações sócio-políticas e econômicas, de conformidade com a Legislação vigente. Assim procedendo, estaremos atendendo ao grito de nossa gente que reclama justiça e respeito aos direitos fundamentais dos homens. Amenizar o clamor constatado na conferência de Medellin, que “brotava de milhões de homens, pedindo a seus pastores uma libertação que não lhes chega de nenhuma parte”, consiste no grande desafio que também nos foi atribuído pela Carta Federal de 1988. No Brasil, a cada alvorecer, o povo fica mais descrente, mais tristonho,

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mais desestimulado. No Brasil, a indiferença habita os vastos e férteis campos das esperanças. E os ventos do novo amanhecer, ao invés de nos trazerem o esperado alento, sopram redemoinhos de desamor, fome, violência, miséria e injustiça. Lamentavelmente, sinto e vejo que as minhas lembranças de adolescente e jovem permanecem acesas nos dias atuais: a mesma quaresma, outros ambulantes, o mesmo chão salpicado de sangue e de suor, hoje trazendo à baila novos cenários: apitos de fábricas e partidas no madrugar, barrigas vazias no anoitecer. Os mesmos rostos desfigurados, desinformados e angustiados que saem à procura da difícil e sofrida sobrevivência. E é na análise fria e imparcial desta realidade que sentimos explodir a nossa vocação de Promotor de Justiça, instrumento capaz de contribuir para efetivar as sonhadas e prementes mudanças de nossa sociedade. É por isso que optamos por abraçar a carreira do Ministério Público. A chama do ideal, materializada na então provinciana Medina, fortificouse e renovou-se com os meus anos de atividade em nossa Instituição. A chama do ideal de igualdade e de Justiça revigora-se quando todos os colegas do órgão Ministerial abrem os braços e os corações palpitantes e radiantes de satisfação para receber a todos vocês, novos companheiros, talentos jovens em busca da Justiça. Companheiros que, a partir deste momento inesquecível e histórico, passam a integrar uma das Instituições mais dignas e sérias de nossa República: o Ministério Público de Minas Gerais. Novos amigos, sejam bem-vindos! Muito Obrigado.

(Saudação aos Promotores de Justiça aprovados no XXVI Concurso para Ingresso na Carreira do Ministério Público do Estado de Minas Gerais.)

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LANÇAMENTO DA 3.ª REVISTA JURÍDICA Pouso Alegre, marco da explosão do progresso unido à cultura. Pouso Alegre do madrugar operário, das chaminés de suas potentes indústrias, do saber irradiado pelas suas escolas e faculdades. Pouso Alegre do Clube Literário, da Matriz, do Santuário, terra do Senhor Bom Jesus. Pouso Alegre é o pedaço de Minas recheado de encantos, de cantos, de versos, de sua respeitada Academia de Letras, do glorioso Teatro Municipal que, no passado, simbolizou a luta de nosso povo pela sobrevivência de um espaço cultural capaz de fazer florescer a arte em nossa terra. Hoje, nos 150 anos de Pouso Alegre, o Teatro traduz a expressão maior de sua cultura, abrigando em sua majestosa edificação o talento e o arrojo criativo dos valorosos artistas dessas bandas das Gerais. Aqui, a sinfonia incomparável que ecoa dos acordes afinados do Conservatório de música transforma este torrão num verdadeiro horizonte de esperança, que em cada nota musical renova os nossos sonhos! Nas montanhas de Minas, na terra do Mandu, bandeiras e bandeirantes, em nome da Coroa Portuguesa, criaram a Freguesia do Senhor São Bom Jesus de Pouso Alegre, isso nos idos de 1810. Hoje, o Ministério Público de Minas Gerais, mais uma vez em parceria com a Municipalidade e com a Faculdade de Direito, promove este evento jurídico-cultural na certeza de estar contribuindo, cada vez mais, para o aprimoramento da classe acadêmica e de todos aqueles que operam na área do Direito. E dentro do roteiro deste “Encontro Regional do Ministério Público” coube-me a honrosa e gratificante missão de promover o lançamento da 3.ª Revista Jurídica do Ministério Público, que apresenta a monografia do competente e culto Procurador de Justiça Carlos Alberto Alves Pena, enfocando, com erudição, o palpitante e atual tema Presunção de Inocência. E quis mais uma vez o São Bom Jesus, patrono desta terra, que, aqui, no berço de grandes juristas, políticos, poetas e escritores, como Eduardo Amaral, Tuany Toledo, Dráuzio Vilhena de Alcântara, Mário Casassanta,

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Vinícius Meyer e tantas outras ilustres personalidades, se materializasse este momento de tanta importância para a cultura da região sul-mineira. A obra jurídica Presunção de Inocência é a expressão do trabalho, da seriedade e da dedicação do Ministério Público das Gerais. O aprimoramento profissional é resultado de um trabalho constante, mais profícuo quando baseado em sólida formação intelectual, que é construída desde as primeiras letras, desde a convivência fraterna nos bancos escolares, nos ensinamentos seguros de professores dedicados e capazes, no contato com o saber ofertado por profissionais bem-sucedidos que generosamente compartilham o seu saber auferido da experiência. O eficaz desempenho do Poder Judiciário e do Ministério Público, almejado por todos nós, é, no Brasil, uma meta a ser ainda alcançada; dependente, em grande parte, do preenchimento da totalidade dos cargos de Promotor de Justiça, Juiz, Defensor Público e outros mais, o que não tem sido conseguido apesar dos sucessivos concursos realizados e que viria a minorar a desumana carga de trabalho a que se encontram submetidos hoje todos aqueles que exercem esses cargos em nosso estado, em nosso país. A cultura se impõe no mundo moderno como ancoradouro seguro e irradiador de veredas iluminadas que conduzem a novas conquistas que hão de consolidar a sociedade dos homens como o habitat da Justiça sonhada por pensadores do passado e do presente. Declaro, pois, aqui neste salão monumental de nossa querida Faculdade de Direito, sob a inspiração poética dos ares românticos da Mantiqueira, dos conselhos do sábio Senador do Império, o pouso-alegrense José Bento, e da proteção do Senhor Bom Jesus, lançada a Revista Jurídica do Ministério Público, mais uma tocha de luz na iluminada Pouso Alegre.

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INSTALAÇÃO DO NÚCLEO DE ESTUDOS EM PASSOS No contexto espiritual, o povo desta terra, um dia batizada de Minas Gerais, revela, dentre outras virtudes, o amor pela liberdade, o respeito pela família e seu conhecido espírito conciliador. Assim, sinto este pedaço do universo que faz do Promotor de Justiça um poeta, do poeta um idealista, do idealista um paladino na semeadura do bem, que busca despertar na população valores e sentimentos que possam contribuir para os avanços da sociedade como um todo. Defendo que o primeiro compromisso do Promotor de Justiça é com o social. A arte, a literatura e o manejo hábil das ciências políticas são características peculiares do povo deste abençoado Estado de Minas Gerais, pedaço do Brasil, coração da pátria. Da arte barroca ao espírito de liberdade, da literatura à política, caminhamos todos pelas veredas e atalhos, movidos pelo sublime ideal que busca a construção, a edificação de um corpo social menos desigual e mais fraterno. Com rara coragem e firme determinação, o constituinte de 1988 colocou o Ministério Público brasileiro num patamar de destaque, conferindolhe atribuições importantíssimas para a sobrevivência e avanço do Estado Democrático, transformando-o num dos mais vigorosos do mundo civilizado. E nós, desta Instituição, que tudo fazemos para honrar a confiança que nos foi depositada pelo Poder Constituinte, abraçamos a luta da mudança com fé no Criador e dedicação exclusiva à causa ministerial. Apesar das limitações orçamentárias, avançamos significativamente no campo material e acadêmico. A missão constitucional que nos foi dada de “defensores da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis” tem sido perseguida com trabalho e destemor. As sementes foram plantadas, é chegada a hora das primeiras colheitas. A vitoriosa caminhada ministerial continua, não pára, não sossega. Hoje, esta acolhedora Passos, bela cidade plantada neste solo do Sudoeste mineiro que, como brasa, aquece os ânimos dos seus visitantes, que abriga um

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povo ordeiro, trabalhador e patriota, é palco de cenas que reproduzem lições jurídico-culturais com maior intensidade, haja vista a implantação, aqui na Faculdade de Direito, do Núcleo de Estudos determinado a aproximar a classe acadêmica ainda mais da nossa Instituição Ministerial. Nesta semana, completo dois anos na condução das jornadas jurídicoculturais do Ministério Público Mineiro. No crepúsculo de minha permanência na direção do Centro de Estudos, nada mais oportuno que fazer uma breve prestação de contas de minha gestão como diretor do Centro de Estudos e Aperfeiçoamento Funcional do Ministério Público a vocês que prestigiam este magnífico evento, aqui em Passos. Dentre os projetos que, modestamente, implementei e consolidei nesses dois últimos anos e que conferiram maior amplitude à atuação da Procuradoria-Geral de Justiça, cito: • a instalação de dezesseis Núcleos de Estudos Jurídicos em comarcas do interior do Estado; • a realização de igual número de Encontros Regionais nas comarcas-sede de Núcleos de Estudos Jurídicos; • a instalação de um Núcleo de Pesquisas Jurídicas em Belo Horizonte; • lançamento dos livros Atos da Administração Superior, volumes I e II; • a publicação da Revista Jurídica, volumes I e II e mais duas importantes monografias; • a 1ª edição da Revista Literária; • a criação do Boletim Informativo de Doutrina, Jurisprudência e Legislação; • a modernização do Departamento de Biblioteca da Procuradoria-Geral de Justiça; • a reestruturação do Núcleo de Pesquisas da História e das Tradições do Ministério Público; • a reativação da Fundação Escola Superior do Ministério Público, em maio de 1997, em confortáveis instalações, dispondo de concorridos cursos preparatórios na área do Ministério Público, palestras e conferências de alto nível.

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Este, meus companheiros, é o verdadeiro Ministério Público que realiza sem alardes, sem demagogia, buscando sempre o engrandecimento ainda maior de nossa Instituição. A vocês, Promotores e Procuradores de Justiça aqui presentes, amigos e companheiros de tantas lutas e todas as jornadas, a certeza do compromisso de continuarmos unidos e solidários, sempre presentes nestes diversificados cultivos, que se tornam gratificantes à medida que nos conduzem a uma safra abundante, com a consolidação definitiva do Ministério Público de Minas Gerais. Parabenizo os Promotores de Justiça desta terra por mais essa conquista e, sobretudo, pela escolha do patrono do Núcleo de Estudos Jurídicos, o amigo e Procurador de Justiça João Batista da Silva, cidadão que encarna a verdadeira essência do nosso Ministério Público. Conclamo os jovens acadêmicos aqui presentes, que sonham com as mudanças das estruturas injustas de nossa sociedade, a empregar sua inteligência, cultura e coragem para participar, de maneira obstinada mas serena, da construção da história e da cultura de Minas e do Brasil. O vento suave e inspirador, oriundo do leito do Rio Grande, transpõe os lagos e as barreiras e, aqui em Passos, terra de antigos tropeiros, toca a veia adormecida do eterno admirador de rimas e versos, convidando-o para novos desafios. Ante o inesperado, e sem ter como quebrar ou estancar este encanto, ouso subtrair mais uns minutos da generosa paciência dos presentes para, por alguns instantes, regressar às minhas plagas, às sempre presentes raízes nordestinas e sonhar mais uma vez e, quem sabe, revigorar as forças do meu interior sentindo dentro de minha irrequieta alma as doces e sonoras melodias ecoadas pelos verdes mares do meu Ceará; lembrar a minha infância e recordar a incomparável determinação do bravo e ousado vaqueiro das caatingas, que encourado galopa, irradiando aboios estridentes, espantando o medo e a solidão, fazendo tremer o chão rachado e seco do sertão agreste, repleto de pedras e mandacaru. Lembrar a minha juventude e refletir sobre a coragem do

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destemido e forte jangadeiro, símbolo primeiro do espírito libertário e humanístico na terra da luz, da força do trabalho do lavrador, das vazantes sem cacimbas e das cantigas românticas com ares de poesias, cantadas e declamadas nas iluminadas e animadas noites de quermesses, despertando e apadrinhando arrebatadoras paixões. No inverno, no entardecer em Limoeiro, às margens do Jaguaribe, a neblina forte molha os telhados, espanta o mormaço e, como se goteira fosse, empoça ilusões no coração do fatigado guerreiro do sertão, o destemido vaqueiro, que num repente de um raio, com a esperteza do cangaço de Lampião, atraído pelo flerte provocante de Maria Bonita, como um corisco sente-se despertado e, radiante em sua veloz montaria, sai mais uma vez em busca de aventura de vaquejada, fazendo do seu adormecido espírito um verdadeiro paraíso de sonhos e encantos... E, num segundo instante, a mente já entorpecida com o suor e a chuva, sente intensamente o doce e envolvente feitiço da lua, cheia de luz e repleta de doces e indecifráveis magias e, diante de ardentes e prolongados beijos, afetuosos afagos e apertados abraços, descobre o cheiro efervescente do amor, da sertaneja amada. E agora guiados pelos ventos sempre quentes que sopram das folhas verdes dos frondosos carnaubais, das inesquecíveis danças por veredas cercadas de romantismos, transpõem distâncias e horizontes, em busca da sagrada benção do Santo Padroeiro, o protetor de todos! Agora, deixando momentaneamente de lado os acordes do meu querido sertão do Padre Cícero Romão Batista e os longos sonhos de acalanto, desperto fortalecido e coloco novamente meus pés em apressadas passadas fincadas na terra vermelha e firme de Passos, no Sudoeste das Gerais, e aproveito o singular e festivo momento, de tanta importância para minha vida particular e profissional, para desejar que, no segundo semestre do corrente ano, o meu sucessor conduza com maestria os destinos do Centro de Estudos, viabilizando uma administração repleta de realizações. Com estas palavras, declaro encerrado mais este Encontro Regional do Ministério Público do Estado de Minas Gerais.

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HOMENAGENS EM GOVERNADOR VALADARES Homenagear o digno Promotor de Justiça Joaquim Cabral, nesta terra que leva o nome do estadista Valadares, onde o trabalho brota a cada dia, junto com o despertar encalorado dos raios de sol destes iluminados horizontes das Gerais, é motivo de orgulho e satisfação incontida. O portal dos sertões é um solo ardente que queima as injustiças e propicia o brotar de esperanças. Sob este prisma, a idéia de justiça defendida com ardor pelo então Promotor de Justiça do nosso Estado Joaquim Cabral, homem detentor de sabedoria, coragem e temperança, marcou sua brilhante trajetória como cidadão, advogado, jurista e Promotor de Justiça de Minas Gerais, particularmente neste belo quadrante dos Mineiros, chão do Ibituruna, do Rio Doce e dos amores rimados nas cordas dos repentistas apaixonados. O profícuo trabalho desenvolvido pelo saudoso Promotor de Justiça Joaquim Cabral continua vivo e vigoroso no presente através de Joaquim Cabral Netto, um dos mais talentosos Procuradores de Justiça de Minas, e de Leonardo Valadares Cabral, que, com dedicação, vem enaltecendo o cargo de Promotor de Justiça deste torrão; Cabral Netto e Leonardo, filho e neto de Joaquim Cabral, enchem de orgulho a classe ministerial. Honraria maior não me poderia ter sido concedida pelos colegas e amigos de Governador Valadares que a minha escolha, unânime, pelos Promotores de Justiça, como patrono deste significativo evento jurídico. Meu coração se enche de vida e faz transbordar em minha alma nobres sentimentos de rara felicidade. Esperamos que o Núcleo de Estudos Jurídicos “Promotor de Justiça Joaquim Cabral”, aqui solenemente instalado por Sua Excelência o Procurador-Geral de Justiça, Epaminondas Fulgêncio Neto, seja o marco de uma maior divulgação da cultura jurídica e, ao mesmo tempo, constitua um elo de maior aproximação do povo valadarense com o Ministério Público das Gerais. Rendo, pois, homenagens sinceras a toda a família Cabral, que vem prestando à nossa Instituição Ministerial uma valiosa contribuição jurídica, sempre recheada de trabalho, dignidade, talento e amor.

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As idéias, os sonhos, as realizações fazem o ser humano diferente dos demais seres. Quando sonhamos deslizamos, navegamos, flutuamos na imensidão do infinito, cortando o espaço sem fronteiras, sem limites; tudo belo, encantador, deslumbrante... As idéias, fruto do sonho, ainda bailando no campo abstrato, são o caminho, as tochas, os alicerces do projeto de vida de todos e de cada um de nós, seres racionais. As realizações, fruto das idéias almejadas, muitas vezes perseguidas com determinação, materializam o pensar e, quando se concretizam, nos gratificam imensamente. Aqui nestas quatro paredes, neste templo do Direito, no auditório desta vigorosa Universidade, o seu Reitor, a sua equipe de trabalho e os seus professores tornaram realidade o sonho da conquista, em definitivo, de uma unidade da Escola Superior do Ministério Público do Estado de Minas Gerais. Os dedicados acadêmicos de Direito desta casa e os advogados que militam neste vale doce e fértil, de tantos encantos e tantos amores, e das regiões circunvizinhas ganham a possibilidade concreta de um melhor aprimoramento jurídico. E nós, do Ministério Público, da direção da Escola Mineira, conscientes dos novos desafios e das muitas dificuldades que haverão de surgir, partilhamos, neste histórico e festivo momento da vida acadêmica desta cidade, com os cultos e determinados Promotores de Justiça de Valadares, a responsabilidade e a satisfação de fazer vingar, nestes ares puros e abençoados pelo Criador, a semente fecunda do saber jurídico e da cultura como um todo. Assim possibilitamos àqueles que se dispuserem a seguir as nossas pegadas a oportunidade de mergulhar nos estudos das ciências jurídicas, com orientação segura de professores cultos e experientes, tendo como meta final a preparação para o ingresso na Carreira do Ministério Público do Estado de Minas Gerais. Daqui destas bandas sofridas das Gerais, onde o canto sonoro e afinado dos pássaros inspira o poeta e vivifica o espírito do trabalhador calejado e do estudante esforçado, que derramam o seu suor nos campos e na

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cidade, não temos dúvida sairão aguerridos, dedicados e brilhantes defensores do povo, Promotores de Justiça na acepção da palavra, os quais continuarão a atual cruzada ministerial em prol da efetivação do bem comum, da cidadania e da implantação da verdadeira justiça. Devo finalizar. Entretanto, registro, por derradeiro, que o momento é de festa, de comemoração. E assim sendo, na condição de Diretor da Escola Superior do Ministério Público, proclamo em alto e bom som que os méritos deste magnífico evento são, sobretudo, de todos os Promotores de Justiça desta Comarca e dos integrantes desta respeitada Universidade, cabendo-nos, tãosomente, a grata satisfação de ter contribuído com dedicação, trabalho e idealismo, para a consecução do arrojado projeto do Ministério Público do 3º milênio, neste momento capitaneado pelas mãos firmes e serenas do Excelentíssimo Procurador-Geral de Justiça, Dr. Epaminondas Fulgêncio Neto.

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CONCEIÇÃO APARECIDA CARVALHO DE ASSIS Cadeira n.º 14 Patrono Jorge Beltrão

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Nasceu em Pouso Alegre, filha de José Vieira de Carvalho e Maria Antonieta de Carvalho. É viúva de José Inácio de Assis e tem dois filhos. Foi Auditora Fiscal de Contribuições Previdenciárias e Professora de Língua Portuguesa, Literatura Brasileira e Artes. Fez os cursos de Direito, Letras, História, Geografia, Pedagogia e Pós-graduação em Direito do Trabalho e Literatura Contemporânea. Poetisa e Trovadora, escreve versos desde a adolescência. É membro da Academia Pouso-alegrense de Letras e da União Brasileira de Trovadores. Dedica-se também às Artes Plásticas. Ocupa a Cadeira n.º 14 que tem como patrono Jorge Beltrão.

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SE RECORDARES...

Quando sozinho em teu quarto ficares, revivendo lembranças do passado, a minha imagem põe em teus cismares e lembrarás o quanto foste amado.

E se, acaso, tu em mim pensares, verás um vulto calmo e enamorado, tão diferente deste que os pesares tornaram triste, pela dor marcado.

Um rosto alegre, calmo, sorridente, é certo, passará por tua mente, pois foi essa a lembrança que ficou...

E eu sorrirei sabendo-te enganado, pois me verás no espelho do passado, bem diferente do que agora estou.

(anos 50)

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SONETO

No louco afã em 94 busca de um carinho, de olhos fechados sem notar a dor, ignorando as urzes do caminho, meu coração abriu-se para o amor;

Cheio de risos, não notou o espinho de fina ponta, qual punhal traidor, que veio disfarçado e de mansinho naquele beijo cheio de calor.

E o coração tão cheio de ilusão, mergulhado na dor e na aflição, nunca mais desejou ser sonhador,

e na tristeza de um amor desfeito, enclausurado dentro do meu peito, meu coração fechou-se para o amor.

(anos 60)

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SOLIDÃO

Peregrino que vai pelos caminhos, sem esperança de encontrar guarida, pisando em urzes, tolerando espinhos, sentindo a alma mil vezes ferida;

não encontrando árvores ou ninhos, nenhuma sombra que lhe dê acolhida, não ouvindo cantar os passarinhos, vai arrastando os passos pela vida.

Peregrino que vai sem rumo certo, almejando um oásis no deserto, na escuridão buscando a madrugada;

maltratada, ferida, sem ter calma, noutros caminhos, se arrasta a minh’alma sem luz, sem fé, na solidão, sem nada!

(anos 70)

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A ENCHENTE DO MANDU O progresso arrancou-te do teu leito, larga estrada surgiu em teu lugar, tu banhas outras margens, contrafeito, arrancado do leito secular. Para todos estava assim direito: curso de um rio é coisa tão vulgar... Rio não tem um coração no peito, por que haveria, então, de reclamar?... O céu chorou ao ver as tuas mágoas, dando a teu velho leito suas águas na enchente: - mar de encanto e de perigo. E as águas a cantar tuas alegrias, embora por apenas poucos dias, correm serenas no teu leito antigo. (anos 80) (Na sua primeira gestão, o Prefeito João Batista Rosa mudou o curso do Rio Mandu e iniciou a construção da Av. Perimetral no leito antigo; quando vieram as chuvas, o rio destruiu o aterro e voltou ao leito.)

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DENTRO DE MIM

Eu tenho um bem-te-vi dentro de mim, que saúda o nascer de cada dia, que chama o Sol com cantos de alegria e dá à vida, sempre, os tons carmim.

Um sabiá cantando a nostalgia da tarde que já vai chegando ao fim, dentro do peito eu sinto, e ele assim saúda a noite que já se anuncia.

E vou vivendo, ora uma noite escura e ora dia claro de ventura: um bem-te-vi, um sabiá cantando...

Mas chegará um dia em que eles dois alongarão as asas, e, depois, pelo infinito sairão voando...

(anos 90)

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QUEIXA AMAZÔNICA

Pobre de mim, estou ficando nua... As clareiras se abrem no meu seio. Já é certeza todo o meu receio, a motosserra dói mais que a charrua.

E eu que avistava só raios da Lua, vejo-a plena, sem nenhum bloqueio, estão findando com meu devaneio. nesta devastação que continua...

Infelizmente tudo teve um preço, nenhuma pedra houve, de tropeço, para barrar assaltos estrangeiros.

Ainda sou um resto de esperança... Mas a ganância do poder avança e há de entregar-me por trinta dinheiros.

(2002)

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TEMPOS MODERNOS

Pezinhos nus, roupa desbotada, a cabeça de um lado descaída, estendendo a vasilha desbotada, ela pediu um pouco de comida.

A história é já comum, bem conhecida, não mais comove, está banalizada: o pai desempregado, a mãe sofrida, um lar onde a miséria fez morada.

Ao ver esta menina tão pequena, eu senti algo muito mais que pena, assaltou-me um temor pela Nação.

O Poder anda a par com a Riqueza, e eu vejo que, nos lares da pobreza, cada vez mais, está faltando o pão.

(2003)

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O CARVÃO O vento, meu velho amigo, me tira do chão e me atira no ar... parece brincar me levando assim pela amplidão... Depois ele se vai e me deixa, e, sem uma queixa, venho caindo e vou poluindo o meu caminho, pois sou carvão. Um pó fininho de uma queimada perto da estrada. Quem começou? Quem ateou? Não sei... não sei... Há bem pouco tempo atrás, fui uma árvore de copa exuberante! E o vento sussurrante brincava de esconder e ia se perder em meio às minhas folhas... Na copa e na ramada, em bando, a passarada vinha fazer seus ninhos. E quando amanhecia, a mata toda ouvia as vozes de alegria das aves no meu seio!... Tudo era tão bonito até chegar o homem e o fogo e o fim de tudo... Fui vida e muita vida em mim multiplicou. Meu galho fez o ninho, meu fruto alimentou. E o homem veio... E o fogo... E então tudo acabou.

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O RIO A nuvem cobriu a terra com seu manto e sobre ela derramou a vida... Dessa união, uma gota-célula formou-se, multiplicou-se; e um fio d'água desceu pelo monte: era a fonte que nascia... O fio d'água desceu, mas já não era um fio. E foi sulcando o chão,101 e crescendo; e a vida em seu seio foi surgindo... Na planície verdejante, a sua voz se ouvia cantando aos homens que, em seu leito, vinham buscar o alimento. E ele amou os homens! Amou-os tanto que desejou privar do seu convívio. Ingênuo sonhador!... Os homens aglomeraram-se a seu redor e ele feliz cantava. E alimentava. Mas isso não bastava ao homem: Ele quer sempre mais!... e mais!... e mais!... Rasgou todo o seu ventre... Aprofundou seu leito... E em troca do alimento,que dava em profusão, O homem repartiu com ele o seu progresso: lançou-lhe seus dejetos — fabril poluição. Hoje ele busca o mar. Vazio. Agonizante. Já não canta mais. Soluça. E o homem vitorioso contempla a sua obra e vai seguindo adiante. 134


GENÉTICA

Eu sou meu pai e meu avô, e todos os que viveram bem antes de eu nascer... E meu filho é também parte de mim, de nós. Transmissão que se deu e continuará se dando até o fim dos séculos... Até o fim dos tempos... Enquanto vida houver... Meus traços, meu caráter, atávico eu sou. Hereditariedade.. Meu filho somos nós... Um ponto no infinito, um elo na cadeia: é o gen que se transmite... Viaja pelo tempo: — fantástica viagem — é quase possuir a imortalidade! Nos netos viverei, e na posteridade verão a minha face... Enganarei a morte, e em minha descendência, no código genético, direi: aqui estou!

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A JANELA

Doze passos, não mais que doze passos de sobressalto,de alegrias cheios; apenas doze passos,doze apenas, ânsia de espera, gozo de um momento... -Velho muro, recorda a vez primeira em que os passos tornaram-se medidos? -Você se lembra, calçada, quantas vezes os passos foram lentos e contidos?... Doze passos, não mais que doze passos de inquietude,de sonhos, de poesia... Doze passos repletos de lirismo, ressoando distantes na saudade... -Alto edifício, você se recorda de que esses passos às vezes se detinham, que suas cortinas, que seus vidros claros, um doce e ardente olhar surpreendiam?... ...Hoje é passado o que, quando presente, foi belo, foi suave, foi carinho... Doze passos, não mais que doze passos ressoam na saudade de mansinho...

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CONSAGRAÇÃO Em teu dia nasci, ó minha mãe querida! O teu nome ganhei na pia batismal; sempre a ti consagrei meus sonhos, minha vida, e a tua luz, ó mãe, foi104 sempre meu fanal. Nos momentos de dor, teu manto me acoberta, nas horas de alegria, junto a mim estás, os meus passos conduzes pela estrada certa, em teu colo bendito encontro abrigo e paz. Na verdade teus dias são todos os dias, dias de proteção que dás aos filhos teus; consolo nas tristezas, na dor, nas nostalgias. levando as nossas preces para as mãos de Deus. Que nunca falte, ó Mãe, do teu olhar a luz e sê a intercessora, a nossa porta-voz, e de onde estás, no céu, bem junto ao teu Jesus derrama as tuas bênçãos e roga por nós. Eu peço, minha Mãe, por toda a Humanidade, consagro inteiro a ti o nosso coração, estende sobre nós teu manto de bondade e alcança de Deus Pai a nossa salvação!

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MARIA APARECIDA PERINA FRANCESCATO Cadeira n.ยบ 15 Patrona Maria Clara Cunha Santos

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Guaçuana (Mogi) por nascimento, entregou-se a Pouso Alegre de coração e por lei, desde quando aqui veio cursar Direito em 1966. Publicou seu primeiro livro (“VOZES NO OCASO”) ainda aos 18 anos. Leciona História da Língua Portuguesa na UNIVÁS Universidade do Vale do Sapucaí, em Pouso Alegre. É pós-graduada em Literatura. É titular da Cadeira 18, cuja Patrona é Maria Clara Cunha Santos (“Mimosa”).

TRAVESSIA Laboratório de redação da FAFIEP ministrado por mim nos anos de 1994 e 1995 aos alunos dos cursos de Letras e Comunicação Social, em nível alfa, com técnicas de relaxamento, controle mental e uso de perfume e som. Os poemas a seguir foram feitos em três minutos, que era o tempo previsto para todos. Os trabalhos de meus alunos se encontram em pastas apropriadas, sob minha responsabilidade e serão usados para minha futura tese de doutorado. Cidinha Francescato

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HARMONIA Um átomo, uma estrela, no microcosmos, tudo se repete, tudo se equilibra, tudo se harmoniza, tudo se completa Uma constelação, uma galáxia, no Macrocosmos, tudo é dual, tudo é correspondência tudo é evolução, onde o Caos se integra com a ordem de leis, leis ancestrais, cósmicas, leis primevas que geram a Harmonia no Passado, não mais no Futuro, não mais no Presente, sempre, eternamente ...

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ACQUA Água, águia, angústia Desejo, poder, anseio Subida, ascensão, elevação Retorno, pouso, evolução Água de lágrimas Água de alma Água de orvalho Água de sonho Água que purifica Água que canta Água que contorna Água lustral Água que retorna Sempre !

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LA FONTANA Ela jorra, ela canta ela flui, das entranhas da terra fecunda e brota, por entre rochas, seixos e calhaus. Ela vai formando vagarosamente pacientemente um pequeno lago um microcosmos onde algas, bactĂŠrias, voluteiam por entre nĂşcleos de nenĂşfares carmesins, uma bacia primeva cujo fundo abriga a lama primordial que forma a vida.

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TEOGONIA A princípio, as trevas eram e a água era treva e a terra era treva e a luz era treva. E o som se fez e a luz se fez e o princípio do retorno começou a rodar em espirais cíclicas que sobem vertiginosamente e explodem em luz que se torna trevas e tudo recomeça. É o princípio !

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O INFINITO O infinito é azul, imaterial o infinito abre em ondas concêntricas espirais de azul cambiante que modulam do claro para o escuro do azul da manhã para o azul da noite. O azul ultrapassa os sons de ondas serenas que se quebram nas areias de praias oníricas. O azul cavalga no topo de ondas que se desfazem em branco. O azul é o sonho que se transmuta em eterna realidade.

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O RAIO DE LUZ Direto do sol sobre o plexo solar transpondo profundos ermos de escuridão interestelar Formando pontes de contatos subjetivos com luzes radiantes já extintas há milênios Que foram, que são, que serão pontes de acesso do tudo para o talvez e do talvez para o sempre.

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O OÁSIS Na janela da noite a lua espia por entre a cortina de brumas a cálida solidão do deserto. A prata da areia se transforma em pingos que traçam a rota segura para se chegar ao oásis. Por entre a sombra de tamareiras o luar brinca de esconde-esconde ao ritmo da nascente que jorra murmúrios e água murmúrios ancestrais que mitigaram a sede em águas que já não são senão brumas mas que serão novamente água que sacia água que satisfaz água que purifica.

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ALUCINAÇÃO Pedra ? Cetro ? Ouro ? Onde está o raio de sol que capturei em meu corpo multifacetado e transparente ? Será que a água serena que caia sobre o cetro do rei dos mares conseguiam turvá-lo ? Onde está a miríade de gamas de cores violentas, vivas, que voavam e se entrelaçavam no ocaso sereno e dourado do último pôr-do sol ? Onde tudo acabou ? Onde tudo teve início ?

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A CATEDRAL DE PEDRA 101

Sob rochas, terra, seixos o raio de sol penetra lentamente Imponente, como o Sumo Sacerdote com suas vestes douradas na catedral subterrânea Seu percurso é inaudível e, suave, caminha devagar por entre paredes de rocha em que mão ancestral um dia, há milênios talvez, traça e esboça os ritos cotidianos de caça, morte, cura, e sob o domínio de mitos que lhes dariam vida um dia, para sua descendência Silêncio profundo ! Os ritos estão dormindo ! Os mitos estão despertando !

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MILTON REIS Cadeira n.º 16 Patrono Sílvio de Almeida

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Faço o meu “mea culpa”, minha tão grande culpa. Arrependo-me, e muito, de não haver destinado, no decorrer da vida, maior parte do tempo que tive à Literatura e ao Direito. Os diversos mandatos eletivos que exerci como deputado estadual e a seguir, federal, por cinco legislaturas, sendo uma delas, de Constituinte; depois, Secretário de Estado por três anos; outros tantos como presidente e diretor de empresas do governo mineiro, às vezes, fazem-me indagar se esse longo tempo não me teria sido mais útil, se o tivesse dedicado, especialmente, à Literatura. Na busca do tempo perdido, como pretendeu o notável pensador e intelectual francês Marcel Proust, estou escrevendo um romance, ao qual dei o título de “A trajetória do Poder”. Nele focalizo todos os governadores e os presidentes da República do século XX, até à promulgação da Constituição de 5 de outubro de 1988. O livro está recheado de literatura: romance, realidade, ficção, poesia. Tenho consumido dias e noites, em estudo, trabalho, meditação e criação, desde outubro do ano p.p. O cansaço que deveria ter tido se transformou e transmuda em permanente prazer, por fazer aquilo de que gosto. Não estarei vivendo uma espécie de ressurreição? Por fim, declaro ocupar a Cadeira 16, da Academia Pouso-alegrense de Letras, cujo Patrono é Sílvio de Almeida e a número 8, da Academia Mineira de Letras, que tem como Patrono João Baptista Martins e Fundador Belmiro Braga.

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VOCÊ Você é para mim como a chuva que cai sobre a planta ressequida, que reverdece e desabrocha; Você é o halo luminoso que se espraia sobre o presente e todo o meu passado; Você é a âncora que dá suporte no mar agitado, para alguém que não sabe, sequer, nadar; Você é o rastro da esperança que ilumina, mesmo depois que a noite chega nas veredas da vida; Você é a única fonte onde consigo beber as derradeiras gotas do néctar da vida; Você, somente você, me faz lembrar que depois da longa noite escura virá o amanhecer, e que o sol só se põe quando morre a última esperança.

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CARIDADE Caridade é a virtude das virtudes, que neste chão de lágrimas se alteia! É a mão que ampara alguém nas horas rudes, é hóstia em pão matando a fome alheia! É a voz que anima nas vicissitudes, é o conselho que as dúvidas clareia, é o sol que brilha até sobre os paludes, é da bondade a mais sublime veia! É a maneira de ouvir e de falar, é o nobre privilégio de servir, é a suprema ventura de ajudar! É o bálsamo divino que consola! É o prenúncio do mundo que há de vir! - A caridade é bem maior que a esmola!

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O MANDU Partindo de nascentes cristalinas, em seu leito sinuoso de serpente, a estampar os recortes das colinas, rola o Rio Mandu, serenamente... Na terra ensolarada das Campinas, ou nas sombras da mata viridente, sobre o ondulado chĂŁo do sul de Minas, vai sussurrando um madrigal dolente... Somos amigos desde tenra idade, sempre senti a tua garridice, nos meus momentos de felicidade! TambĂŠm, nas horas de profundas mĂĄgoas, - velho rio da minha meninice correm pelos meus olhos tuas ĂĄguas!

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MINHA MÃE Anjo feito de sangue e de poesia, velando os passos meus, nesta jornada; fizeste tudo para que a alegria se tornasse de mim enamorada... Teu zelo maternal não se desvia, desde a minha primeira caminhada, dás conselhos com tal sabedoria que entendo tudo sem dizeres nada... Por eles, vou vencendo a dura lida, pelo bem de que agora compartilho, quanto te devo, ó minha mãe querida. Nada no mundo é mais grandioso e terno do que ver-se ajoelhado um pobre filho ante o sublime altar do amor materno!

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HISTÓRIAS Sempre existe a legenda de uma história, a marcar nossas vidas desiguais: umas — festivas como a própria glória, outras — tristonhas como os próprios ais... No percurso da humana trajetória, poucas são nobres, muitas são banais... Mas vivem todas dentro da memória, como clarões que não se apagam mais... E, quanta vez, sob a aparência calma, na represa que erguemos dentro da alma, contemos sonhos e desilusões; As histórias, porém, por nós, vividas, vão ressurgindo, assim, reproduzidas, no infinito mural dos corações!

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VELHO MAR Cenário original da criação, velho mar de revolta e de ternura, ora imponente como um deus pagão, ora humilhado como a noite escura... Evocando os pretéritos eventos, folheio as tuas páginas sagradas: roteiro eterno dos descobrimentos, trilha imortal das bélicas armadas... Navegadores conquistaram fama, ao te sulcar o dorso colossal: naus poderosas de Vasco da Gama, navios abençoados de Cabral! Também as caravelas de Colombo singraram, sobre o pélago profundo, das tuas águas o ondulado lombo, em busca do esplendor de um novo mundo...

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A FLORESTA Mar de folhas, oceano de ramagem, - por vezes agitada, outras tranqüila, eis da Floresta a majestosa imagem, em seu manto imperial de clorofila! Rude, enorme, sombria, poderosa, é, no anseio perene de crescer, obra que a natureza prodigiosa levou muitos milênios para erguer! Nas noites de quietudes e mistérios, sob o forte mormaço tropical, a Via Láctea, dos confins sidéreos, vela o seu leve sono vegetal! E, ao ressurgir da lua, entre farrapos de nuvens brancas — esgarçadas lãs — ouve-se o coro típico dos sapos e o cantochão monótono das rãs... Das musculosas árvores copadas pendem orquídeas de variadas cores... Embalançam-se os ninhos nas ramadas, aos trinados dos pássaros cantores... Em meio ao verde manto de esmeralda, com que se cobre a terra acolhedora, heráldico e imponente, o ipê desfralda a sua basta cabeleira loura...

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Logo que a luz do sol à terra torna, o grito da araponga imita, inteiro, o metálico som de uma bigorna sob o rude batido do ferreiro... A cada instante, escutam-se, acolá, os acordes das árias seresteiras que, inspirado, desfere o sabiá, - cantor boêmio das terras brasileiras... Em alegre alvoroço, a passarada ora gorjeia, ora pipila e pia, em escalas sinfônicas vazada, uma doce e saudosa melodia... Borbotam fontes de água cristalina, cantarolando uma canção vulgar... Sussurra o vento um cântico, em surdina, e as folhas já se põem a farfalhar... As borboletas, de asas coloridas, exibem-se em miríficos bailados... Há um murmúrio de folhas desprendidas e um cheiro bom de frutos sazonados... As árvores de copas esgalhadas, quais braços rijos apontando os astros, nos lembram esquadrilhas ancoradas, erguendo aos céus os seus altivos mastros...

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Longos cipós, de emaranhadas dobras, se enroscam numa vasta e larga esteira... Arrastam-se, silvando, enormes cobras e os mochos piam pela mata inteira... Tal qual líquido espelho, rola o rio por ínvios leitos, em sinuosas curvas... E o charco, paludoso e doentio, estampa a selva em suas águas turvas... Feras e aves se tomam de inquietude, um pavor incontido inunda o ar, quando, pé ante pé, traiçoeira e rude, surge a sombra sinistra do jaguar... Um clarão de relâmpago corisca, despenca o temporal em cataratas... De instante a instante o negro céu faísca, e o vento zune pelos vãos das matas... Cai o raio, que as árvores destronca, ziguezagueando o céu, e além fuzila... Ruge o trovão e a tempestade ronca, turbando a selva em sua paz tranqüila... Tendo a vida, ora calma, ora agitada, em marés de alegrias e tormentos, vendo em cada esperança uma cilada e em cada sonho novo um sofrimento; Em contrastes e antíteses vivente, o homem moderno assim se manifesta: é como a selva o coração da gente, a alma de todos nós é uma floresta!

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Maria Auxiliadora É Maria Auxiliadora, mas em nada me auxilia; que mentira sedutora nos pregou seu nome um dia… Vitória Todos temos uma história, independente da idade: por entender que a vitória tem rastro de eternidade. Cego Feliz na vida é aquele que cego por ela passa; pois é ventura do cego não enxergar a desgraça. Saudade Saudade, nome sagrado, no santuário da gente: é a presença do passado sobre a ausência do presente! Noite de Natal Eu te desejo, querida, - pois me parece o ideal que os dias de tua vida sejam Noites de Natal. Beija-Flor Na sua vida de amores o beija-flor é campeão: tira o néctar das flores sem sofrer qualquer sanção!

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Opostos Os opostos, com certeza, andam juntos neste via: duas horas de tristeza, uma hora de alegria. Realidade Verdes anos de esplendor só de esperança, em verdade sonhos, vitórias, e o amor mas depois, é só saudade. Hotel Avenida Nos hotéis da minha vida conheci um, sem igual: além de ser Avenida, tem um menu especial... Relógio O relógio é indiferente no trajeto que ele faz: anda sempre para frente, deixa o tempo para trás! Amor de Mãe O amor de mãe paira acima de qualquer comparação: pois para mãe não há rima, a não ser no coração. Lição Ouve, meu filho, anota a lição que vem da história: tira sempre da derrota o que faltou à vitória!

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HÉRON PATRÍCIO Cadeira n.º 17 Patrono Bernardino de Campos

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Nasceu em Ouro Fino (MG), filho de Salvador Santos Patrício e de Genoveva Cadan Patrício. Ainda criança, mudou-se para Pouso Alegre, MG, onde fez os cursos Primário, Técnico em Contabilidade e Direito. Pertenceu à Arcádia de Pouso Alegre, fundada pelo poeta Dr. Jorge Beltrão. Após ser aprovado 150 no concurso para Fiscal Previdênciario (IAPI), exerceu por muitos anos, em São Paulo, esse cargo, posteriormente denominado Auditor Fiscal. Aposentado no serviço público e no magistério, divide hoje sua residência e sua preferência sentimental entre São Paulo e Pouso Alegre. É casado há cinqüenta anos com a trovadora e haicaísta Yedda R. Maia Patrício, e o casal tem uma filha, Patrícia, e dois netos, Raphael e Daniel. É membro fundador da Academia Pouso-alegrense de Letras, pertence à Academia Mineira de Trovas, e é, atualmente, vice-presidente da União Brasileira de Trovadores-Seção de São Paulo, além de sócio correspondente da Academia Pindamonhangabense de Letras. Tem mais de uma centena de troféus, medalhas e diplomas, conquistados em concursos realizados no Brasil e em Portugal. Seus trabalhos poéticos (trovas, sonetos e poemas), constam de diversas coletâneas e livros.

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INSPIRAÇÃO “Deus quer, o homem sonha, a obra nasce” (Fernando Pessoa) Quando Deus quer, ao homem cabe a glória de ser poeta e, assim, cantar à vida, e, enquanto vivo, ter a meritória áurea flama de luz reconhecida. Quando Deus quer, o homem faz história, a vibrar, de maneira desmedida, e a demarcar a linha divisória entre o nascer e o instante da partida. Quando Deus quer — que esplêndido momento! —, a inspiração, de súbito, num passe, causa ao poeta tal deslumbramento que ele, simples mortal, sente na face a Musa a lhe dizer, na voz do vento, “Deus quer, o homem sonha, a obra nasce”!

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AQUELE BEIJO Viva esperança alimentei, um dia, num terno abraço na mulher sonhada: roubar-lhe um beijo... e, em sua boca, havia um doce olor de rosa perfumada. E cheio de esperanças eu vivia em minha juventude alucinada, a desejar sorver toda a ambrosia daquela boca da mulher amada! Há sempre um sonho atrás de uma esperança! Sempre um desejo atrás de outro desejo, sempre um querer do que jamais se alcança... Mas todo ensejo propicia ensejo e eu sou o amante que jamais se cansa e espera, ainda, por aquele beijo! (1.º Lugar do Concurso Casa do Poeta de São Paulo)

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PRIMAVERAS E AMANHÃS Daquela rua, a nossa rua antiga, onde nós dois brincávamos felizes, uma lembrança vaga me fustiga e me abre n'alma velhas cicatrizes! Aquela nossa rua, onde a cantiga das fontes, a brotar dos chafarizes, tecia entre nós dois a meiga intriga de um afeto a criar fundas raízes... Aquela rua — e nossa primavera!... Nossas infâncias, quase que pagãs, pareciam dizer: “É longa a espera!”... E nossas almas, muito mais que irmãs, viam que aquela nossa rua era a rua com esquinas de amanhãs!... (Premiado nos Jogos Florais de Pouso Alegre/2000)

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BUSCA Andava eu a procurar amores, feito um faminto a procurar o pão; um beija-flor buscando o mel nas flores, uma semente a procurar o chão. Eu era a voz, à espera dos cantores, nota solta que afina o diapasão, um santo a procurar os seus andores ou lava quente à espera de um vulcão! Assim eu era, assim eu prosseguia, igual a um tolo que a si mesmo ilude, a buscar o que o Amor me prometia. Atrás do Amor!... A minha juventude passei assim, em sonho e fantasia... Mas, sabe o Amor, que fiz o quanto pude!.... (Premiado em Porto Alegre / 2000)

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SONETO DO BEIJO Falar de beijo eu posso... e posso falar tanto, sem ao menos pedir para falar no caso; eu sou mestre no beijo e, por isso, me encanto quando, ao falar do beijo, ardo em febre... e me abraso. Se me vissem beijar, botariam quebranto, invejosos do beijo em que o amor extravaso... — Mostrariam surpresa e, mais do que isso, espanto, porque, em beijos de amor, eu chego junto... e arraso! Mas, não beijo qualquer mulher. Apenas beijo aquela a quem eu amo e acende o meu desejo de forma enlouquecida, arrebatada e quente... Beijo apenas “aquela”, a que me faz sonhar: a Musa que aparece à noite e, de repente, entra em meu sonho... e sai — depois de me beijar! (Para Yedda, no Dia dos Namorados de 2004)

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FIM DE TARDE Ainda há pouco o sol estava a pino lançando uns raios com fulgor ardente, mas, agora, o astro rei, no seu destino, caminha para os156 lados do poente. O fim do dia emerge, lentamente, doando à tarde um novo figurino, com menos brilho, menos reluzente aos tons do lusco-fusco vespertino. As cigarras convocam seus cantores! Alguns anjos, usando de magia, tingem o ocaso com noturnas cores... — E a tarde sente a pálida agonia da luz solar que, em róseos estertores, foge pelos portais do fim do dia...

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SONETO DAS AUSÊNCIAS A solidão anda a rondar-me agora, a vigiar-me, sem deixar espaço, igual a noite busca a branca aurora e a um velho passo segue um novo passo. Vive comigo a solidão!... Embora, lendo os versos de amor que às vezes faço, ninguém pressinta que a minh'alma chora a ausência do calor de um terno abraço. Sempre sozinho, a caminhar, prossigo, braços abertos, como em penitências, esperando encontrar algum amigo. .... E mostro-me feliz, nas aparências, a levar n'alma este cruel castigo da triste solidão feita de ausências!...

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SONETO DA FRATERNIDADE Quem faz o Bem, amigo — quando o faz apenas pelo Bem —, confirmo e juro 158 no futuro, que terá recompensas porque o ser bom mil dividendos traz. Aquele que ama o próximo é capaz de ultrapassar o agigantado muro que o egoísmo levanta pelo impuro “eu sou eu — e isto muito me compraz”... O abrir os braços para dar abraços, o dar as mãos e as outras apertar, para a felicidade tecem laços que ninguém poderá mais desatar, pois a fraternidade abre os espaços para a conjugação do Verbo Amar...

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LAR O meu lar, não me invejem os senhores — e as senhoras desculpem-me, também — é mais do que um castelo de esplendores, maior do que um palácio... 159 muito além! O meu lar — onde estão os meus amores e a espécie humana, a quem eu quero bem —, adorna-se de luzes e de cores se a inspiração, de súbito, me vem. Meu lar fica no imenso e azul diamante que, iluminado, vai, nas noites quietas, a vagar pelo cosmo, sempre adiante... Meu lar — mundo de artistas e de estetas — é todo este planeta azul, brilhante, onde vivem e sonham os Poetas! (Premiado em Ponta Grossa-PR)

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DEZ TROVAS PREMIADAS Silêncio, estranho orador, tão insondável em tudo, mas que, em segredos de amor, diz “sim” ou “não”...sendo mudo!

As quatro letras de A M O R — na vida ou na poesia — às vezes rimam com dor, às vezes com alegria!

Minha saudade é defeito que outra saudade requer, pois, sempre que abro o meu peito, encontro a mesma mulher!.

Cidadania é um perfeito e amplo acordo natural em que o peso do Direito tem, no Dever, peso igual!

O sucumbir da Virtude pelo Poder é fatal: é furo a romper o açude por onde escorre a Moral!

Uns, duros feito rochedos; outros, plumas que esvoaçam... — Os corações têm segredos que nem os sábios devassam!

Os dois montes esfumados, quase em perfil, lá na frente, lembram dois seios guardados numa blusa transparente...

Tu és terra, sou semente, e basta a gente se ver para, em fogo e de repente, o velho amor renascer...

Cabe ao homem, no contexto de um só ato, único e breve, pôr esperanças no texto das cenas que a vida escreve!

No jardim junto ao meu quarto, o silêncio é tão profundo que se pode ouvir o parto das rosas chegando ao mundo!...

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ALFREDO DE CASTRO Cadeira n.º 18 Patrono José Antônio Garcia Coutinho

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Nasceu em Pouso Alegre, em 08.06.1922. Filho de Rodrigo Pereira de Castro 150e Amélia de Castro. Casou-se com Haydée Coutinho de Castro em 26.6.1944. Tem quatro filhos: Jane, Edna, Sued e Udiléia. Tem 10 netos e 2 bisnetas. Funcionário aposentado da Caixa Econômica Federal, bacharel em direito e técnico em contabilidade. Excombatente do Exército Brasileiro no último conflito mundial e náufrago de guerra do navio “Afonso Pena”, torpedeado em 02.3.1943. É membro atuante da UBT (União Brasileira de Trovadores) Nacional e tem sido laureado em concursos de trovas dos Jogos Florais. É titular da Cadeira n.º 18 da Academia Pousoalegrense de Letras que tem como patrono José Antonio Garcia Coutinho.

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DRAMA DA VIDA Ao voltar do trabalho quotidiano, da luta pelo pão de cada dia, às vezes trago n’alma o desengano em meio aos dissabores da porfia!... Cansado pelo esforço sobre-humano, tento fugir da atroz melancolia... porém, vejo perder-se o gesto insano no labirinto da monotonia!... Mas ao voltar ao ninho acolhedor, aos meus entes encubro o dissabor que faz minh’alma triste e quase morta, monologando assim em tom amigo: felicidade, adentre ao lar comigo, desilusão, não passe além da porta!

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O EXEMPLO DA NATUREZA Não te fira a calúnia descabida que sai dos lábios do maledicente, exemplifica o bem e a tua vida será um livro aberto a toda gente!... Das pedras que te lançam ,loucamente, inúteis mãos que vivem sem ter lida , constrói o teu casebre e , docemente, abriga os que vegetam sem guarida! Repara bem a própria natureza que exemplifica sempre com nobreza, deixando ensinamentos nos seus rastros... Repara como o céu não se subleva, pois quando ele é envolvido pela treva, reflete a luz fulgente dos seus astros!

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FELICIDADE Felicidade - agulha venenosa jogada no palheiro desta vida!... Quem poderá possuir-te, mentirosa; quem poderá encontrar-te, flor perdida?!... Doce ilusão, oh fada misteriosa, em místico castelo recolhida ... quem foi que já te tocou, caprichosa, sem ver depois a mão sangrar ferida? Por que te escondes sempre entre os espinhos e trazes, por atroz fatalidade, as pedras mais cruéis em teus caminhos? Se um dia eu te encontrar, felicidade, não poderei gozar dos teus carinhos: buscando-te, perdi a mocidade!

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A NUVEM E A LUA Colcha de nuvem branco-acinzentada que lá no etéreo vai-se avolumando, e a branca luz da lua imaculada a pouco e pouco vai-se-me ofuscando. Andarilha do espaço, sem pousada qual transparente véu tu vais passando, sequiosa de esconder-me a namorada que lá no céu meus olhos vão fitando . Beijos de luz que a lua me oferece, vozes canoras, doces como a prece, que lá do azul se espargem no meu peito. Não poderá deter, nuvem romeira, a lua, a minha eterna companheira e a sua luz de prata no meu leito.

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O COLIBRI Um lindo colibri de asas douradas, esbeltas, reluzentes, fugidias, morava no país das fantasias, sorvendo o mel das flores namoradas!... E assim, calmo e feliz, todos os dias, beijava as flores presas nas galhadas, por entre as doces notas das baladas que ele cantava em meio às ramarias!... Porém, o colibri de alma ditosa, apaixonou-se por singela rosa que havia no recanto de um jardim... mas quando foi beijá-la, a linda flor despetalou-se, e aquele estranho amor, “sem nunca ter começo, teve fim” !

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MÃE Sonhei que ainda era, mãe querida, um feto a remexer dentro de ti, e aos poucos recebendo os dons da vida, 156 que em justos nove meses recebi. E no teu ventre, divinal guarida, já aparecia a forma de um guri, e aquele meigo olhar de concebida gravou-se na minha alma bem ali. E tu continuavas, mãe divina, na mesma luta que, desde menina, travaste na pobreza, quase exangue... Mas eu ganhava forças todo dia, pelo cordão que sempre me fazia a transfusão sublime do teu sangue!

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O MENINO E A AMAZÔNIA ... Nossa Amazônia é maciça, muito rica e muito bela, mas a ganância e a cobiça há tempos já pensam nela... ... E o governo sai da liça deixando a “Verde e Amarela”. Por interesse ou preguiça quase nada faz por ela. Mas meu neto em seu cordel de madeira sucupira ouve e diz sem cerimônia, com seu boné de papel e uma espada de mentira: VOU DEFENDER A AMAZÔNIA !

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O LAR O lar é nosso abrigo e templo santo, um misto de alegria e dor também... 158 mas no entanto, Revés algumas vezes, ensejo de trabalho para o bem. Aos poucos vão surgindo, por encanto, belos rebentos que de longe vêm... Sedentos de carinho, de acalanto, trazendo os dons da vida que eles têm. Porém, dentro do lar se faz mister que exista, no marido e na mulher, o dom de se perdoarem no que for... E os dois se respeitando com carinho, transformarão aos poucos esse ninho, num relicário de amizade e amor!

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CONTEMPLAÇÃO Eu sou da natureza o eterno enamorado, o poeta sonhador que apaixonadamente embriaga-se na luz da lua opalescente, 159 haurindo o resplendor de um céu todo estrelado! Na voz do mar bravio, escuto alegremente um poema divinal por anjos decantado, nas flores de um jardim, contemplo assoberbado a obra perenal do Augusto Onipotente! No sol, vejo a bondade em toda a magnitude, fertilizando a terra e dando luz ao dia, cobrindo a bons e maus com raios de virtude. E na contemplação, chorando de alegria, transporto-me aos umbrais da excelsa plenitude, porque no mundo eu vejo um todo de harmonia!

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DEUS PRIMEIRO Eu sempre busco a Deus quando a injustiça adentra, cruelmente, em meu caminho e vai tecendo o mal devagarzinho e o fogo da incerteza se me atiça!... Eu sempre busco a Deus, e com carinho, evoco a Sua Lei, toda justiça, e o Seu olhar de amor que a tudo viça retira da minh'alma todo espinho!... Em tudo eu busco sempre a Deus primeiro. Meu Justo, meu Divino Timoneiro, pois tudo o que é de bom Dele é que vem. É o único Juiz sábio e perfeito, que em toda nossa dor dá sempre um jeito e que transforma todo mal em bem!

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A CATEDRAL SUBMERSA Erguera-se imponente em meio à serrania, qual reino majestoso, exemplo de beleza, cidade colossal, florida, até que um dia, tombou-a sob o mar a mão da natureza!... Do pélago profundo, em chispas de braveza, rompera-se a procela em rumo à penedia, qual ríspido corcel, cobrindo com surpresa o reino colossal que rente ao mar se erguia! Porém a catedral, serena, indiferente, vibrava lá no fundo um canto comovente, estranho desafio ao mar e aos peregrinos. E hoje quando navega alguém sobre a cidade, um misto de respeito e medo o ser lhe invade ao escutar os sons de misteriosos sinos!

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ARREBATAMENTO Quantas vezes vislumbro em rápido momento E sinto dentro em mim no espaço de um segundo, doce recordação, estranho pensamento que não sei definir — mistério assaz profundo!... É um misto de saudade em forma de tormento!... É um bálsamo que surge em mim, fugaz, fecundo, mas eis que o recordar se esvai no esquecimento após haver rondado as portas de outro mundo!... Feliz reminiscência e ao mesmo tempo triste... dulcíssima esperança, agrura que persiste, deslumbramento em rumo aos páramos sem fim! Depois eu me pergunto em lágrimas frementes: será que já vivi em mundos diferentes? Será que fui, outrora, alguém antes de mim?

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METAMORFOSE A natureza que te fez assim tão bela, nos teus cabelos pôs as ondas do oceano... pôs nos teus olhos o negrume da procela, na tua boca o rubor do sangue humano! Cobriu-te, prazenteira, em cores de aquarela, que surge magistral do misterioso arcano, como se fosses linda e majestosa tela tecida pelas mãos do Artista Soberano! Beijou-te todo o ser, a graça e a simpatia Que a própria natureza em cântico irradia, Quando a esparzir amor e luz que a tudo medra... Mas este coração que abrigas em teu peito, Soberbo e envaidecido, aos poucos foi desfeito E transformou-se inteiro em coração de pedra!

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A MULHER A mulher foi por Deus predestinada às missões mais sublimes desta vida, por isso a fez sensível, delicada, tão amorosa, meiga e decidida. A sua luta é santa e abençoada, no seu dever é forte e destemida, por mais que seja rude a caminhada, nunca se entrega e enfrenta toda lida. E quando uma criança está doente, é a mãe, que a toda hora, ali presente, assiste, com amor, nesse mister. Seja no lar ou numa estrebaria, como é sublime esse anjo, luz e guia, que veio ao mundo em forma de mulher.

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MARIA APARECIDA (DICHE) GALVテグ DE CAMPOS Cadeira n.ツコ 19 Patrona Jacy Florence Meyer Fernandes

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Mais conhecida por DICHE, nasceu em Pouso Alegre, filha da Professora Isabel Coutinho Galvão e do Dr. Persano Tavares Galvão. Casou-se com Dr. Romeu Campos e desse Matrimônio nasceram três filhos. Iniciou seus estudos no então Grupo Escolar Monsenhor José Paulino, onde cursou o 1.º grau, nesta mesma cidade. Diplomou-se Normalista pelo Colégio Santa Dorotéia, aos 15 anos. Fez seu curso superior na Faculdade de Educação Física e Desportos do Rio de Janeiro exercendo, por vários anos, essa especialidade. 150 Lecionou em diversos estabelecimentos de ensino de 1.º e 2.º graus, no Colégio Santa Dorotéia, Escola Estadual Joaquim Queiroz e outros. Atuou mais de 40 anos em diferentes movimentos de Igreja, tendo sido chamada a desenvolver trabalhos de Coordenação e Liderança na Arquidiocese de Pouso Alegre, Campinas e outras. Sempre disponível, procurou aliar seu carisma poético-literário à vivência religiosa, colaborando em textos para Celebrações Litúrgicas. Incentivada por amigos, publicou três livros de sua autoria: “RETALHOS DE UMA VIDA”, “ALMA E CORAÇÃO” e “CELEBRAÇÕES DA VIDA”, contendo crônicas e versos. É titular da Cadeira n.º 19 , da Academia Pousoalegrense de Letras, que tem como Patrona Jacy Florence Meyer Fernandes.

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ACALANTO Para você dormir, eu vou cantar, quase num sussurro, bem baixinho! É o som de uma cantiga, pra embalar, é a voz do coração e do carinho, para você dormir, eu cantar!... Durma, criança, tranqüila e bem serena. O que vou lhe dizer é de ninar!... Tal qual conto de fadas, brisa amena, beijo suave, raios de luar! Sem pranto, dor, tristeza ou nostalgia, escute, calma, o meu cantarolar. - No mundo existe Fé e alegria... Todos querem viver, sorrir, bailar! Erguem-se taças do amor, brinda-se a paz! Valores respeitados vibram no ar. As balas dos canhões, hoje, são flores atiradas para a terra perfumar. Nos lares, os casais falam de amores! Sem distinção, para todos há lugar, não se olhando crença, raça ou mesmo cor, com saúde, educação e bem-estar. Sem fome, com partilha e com pudor, criança alegre a tagarelar nos parques, nas escolas. Tudo é flor!... Todos têm Pátria amada, idolatrada, dentro do peito, junto ao coração, plena de glórias, viva e respeitada!... — Você pergunta: — É sonho esta canção? Adormeça feliz, linda criança, sentindo o odor das flores, desta vida, que formam ramalhetes de esperança!... Durma serena, em jardim garrido, guardando seus matizes, na lembrança! Pense no Céu e sonhe colorido!...

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CANTANDO A TERRA NATAL Minha Pouso Alegre é formosa TELA, por pintores diversos trabalhada. Tem nuanças suaves d'aquarela, tem traços fortes — vida projetada!... Minha Terra é um quadro majestoso, pincelado de glória! Sua história enaltece um passado grandioso, feito de gente, que soube ser semente, de um plantio fecundo e promissor... Glorifico, também, o seu presente, na postura elegante, do que sabe honrar o seu valor!... A minha Terra é formosa TELA, que fala da poesia e da flor. Sua natureza é fértil, rica e bela, por pincéis valorosos matizada, pintando a vida simples, perfumada, colorindo os que cresceram por valor! Seu solo, hospitaleiro, encantou aquele que primeiro ali pisou. Que, elevando os braços, em louvor, deve ter dito: - “Que Rincão bendito! Quero pousar aqui, tranqüilamente e despertar, sorrindo alegremente!” E esse alegre-pouso, centenário, foi retratado em quadro tão lendário, tomando a forma bela de Cidade, carregando o doce cheiro da saudade, em moldura de paz e singeleza, na cultura, no progresso, na beleza, na fresca aragem, a beijar cabelos, no atendimento pronto aos apelos, no coração gigante a abrigar os que venham essa TELA contemplar!... Quanto mais os anos passam a correr, rompendo o dia, em terno alvorecer, meus olhos, com sabor de novidade, miram essa TELA, que é minha Cidade, cantando, no presente, a vida ativa do progresso visível, acelerado, exaltando a feliz perspectiva, pondo fé no seu futuro abençoado!... 193


DIA DE CHUVA Tempo fechado! Lá fora chove! Pingo de chuva, pingo de pranto! Não dá vontade de gargalhar! Lá vem ruído de uma goteira bem cansativa, bem zombeteira, tão compassada: - tuque-tu-tuque, tal qual batuque, fazendo força para entreter quem já deseja adormecer!.. Chuva caindo, mansa, serena! Terra enxugando o pranto da nuvem vai derrubando, bem maneirosa. Quase cheirosa! Só dá vontade de bocejar... Só dá coragem pra espreguiçar... Dia de chuva! Até parece que chove dentro do coração!... Bate saudade, doce lembrança quando criança, jogar barquinho, para navegar!... Uma vontade de recordar! E para bem perto trazer, então quem fica longe de nossos olhos, morando dentro do coração!.. Oh! Natureza, triste, chorosa, tarde chuvosa, por que não chora você sozinha? Por que, assim, repartir, com a gente, que está contente, a nostalgia que a angustia? Essa umidade, fria, dolente, esse ar pesado, difícil até de se respirar? Terra molhada, terra encharcada, toda prontinha pra germinar!... Dia chuvoso, acinzentado, que não nos deixa longe enxergar! Dia de chuva abençoado, enxugue o pranto, abra um sorriso e vamos juntos nos alegrar!! 194


ENTARDECER DA VIDA Cai a tarde! O sol se esconde! O cabelo está nevado, o rosto todo enrugado, a mão trêmula, fraquinha!... Noite querendo chegar... Noite pronta para tocar melodia do passado! Retalhos de uma vida, muito feliz ou sofrida ! É o tempo que corre e passa, que voa como fumaça que se encaminha pra o céu! Deixa cheiro de saudade, lembrança de mocidade, carinho de meninice... Resta cabelo nevado!... Quando se finda o dia, mais o velho coração vai amando enternecido, oferendo vivência, ofertando experiência do bem que ali está contido!... Se pudesse a juventude dentro dele penetrar, apalpando, então, veria a riqueza infinita que está ali depositada, para ser bem partilhada! “Se a face, os anos enrugam, um IDEAL, bem vivido, a alma rejuvenesce...” A vida enfeita e aquece, o coração enobrece... E faz, do velho, - um menino”

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MÃE! Um pouco tem de anjo, ao transportar, nas asas da ternura e da afeição, aquele que, em seu seio, ao se gerar, recebe por morada o coração! Bastante tem de gente, quando ama, sua própria vida, até, renunciando! Para aquecer ela sustenta a chama, qual vela a se gastar, iluminando! E essa Mulher-Anjo, fortaleza nas lutas, na vivência, dadivosa, usa as armas da Fé e da nobreza! Em ternos atos, sempre aponta estrada!... Retira espinhos, vai plantando rosa, para enfeitar, do filho, a caminhada!

SÚPLICA AO VENTO Sopra, vento, bailarino, tentando me transportar sorrateiro, beduíno, onde me possas levar, na leveza de tua asa, no afago do teu braço, a um jardim... uma casa... a um lugar, atado em laço. Deixa-me sentir na brisa, perfume agreste da flor, na grama macia e lisa, tapete do meu amor, todo o odor da saudade, toda a ausência da dor!...

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DIVAGANDO Chuva, molhada de dor! Orvalho, que do céu cai! Sol, ardendo de calor! Saudade, que vem e vai! Água de todos os peixes, ar, que ampara a passarada! Flores, atadas em feixes, cantiga da madrugada! Gente, na Igreja, rezando! Povo, no morro, sofrendo! Poetas, versos trovando, homens, na guerra, morrendo! Fidalgos, bens ostentando! Pedinte, braço estendido universal é a visão! E tudo realidade! Ninguém sabe a dimensão, leva sons de eternidade! RECORDANDO 156 Batem, sonoras, do tempo as badaladas, despertando o suave recordar das lembranças na alma mergulhadas, memórias incrustadas no passado. Soa o relógio do tempo, amarelado, desperta cordas sensíveis da amizade, desse tempo que correu acelerado, que cantou a meninice, a mocidade, acolchoando a graça do passado! Pensamento a acalentar realidade... Como a viver em mundo encantado, colhendo o doce fruto da saudade. Guardando-o, então, em aconchegante ninho, com sabor de tempo e eternidade, embalando a memória do carinho! Hoje, o presente projeta o futuro! No cenário, mundo a percorrer. Como? Por quê? Onde há rumo seguro, vivendo em função do acontecer? Deus sabe. Ele é Caminho! E a gente tateando, a tropeçar, vai seguindo o cantar de passarinho, vai rumando, estrela a clarear, vai ouvindo a sinfonia do carinho, a doce melodia do luar! E, seguindo a certeza do Caminho, que, do passado, é um continuar, vai colhendo rosa sem espinho, vai perfumando, sempre, onde passar!...


O HÓSPEDE Abre tua porta, teu hóspede chegou. Não queiras saber como ele é, ele é teu hóspede!... Acende as luzes! Dá ao teu lar um tom festivo e palavras de sã recepção, teu hóspede chegou!... Prostra-te por terra, agradecendo a vinda, pois a chegada do irmão é sempre um dom!... Que teu olho carnal não pouse nunca na sua roupa de andrajos, ou no seu broche de ouro, ele é teu hóspede, do modo que ele for! Seja ele pobre ou rico, Corre para lavar-lhe os pés e perfumá-los com aromas!... E, pronta a refeição, faze com que ele se farte, brindando sua chegada com alegria! Sinta-se ele em tua casa, como em casa sua. E se teu hóspede, ao sair, não te disser: - “adeus”!... Fica feliz, ele falou baixinho, e teus ouvidos humanos não ouviram, apura-os, bem, que, antecipadamente, escutarás: - “vem, bendito do Meu Pai, porque, fui peregrino e me acolheste!...”

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DANÇA DAS HORAS Palco da vida! Multicor cenário! Horas bailando, mundo assistindo, qual badalar de sino, em campanário! Dançam as horas! É o dançar constante, ouvindo estrelas, serenando afeto, em compasso suave e contrastante, fala a linguagem do viver concreto! Com as horas, baila o homem, na vivência de um vertiginoso rodopio!... Sente o vibrar das cordas da existência perder sua força, em bravo desafio! E, cada vez mais rápido, o bailado, para seguir, da música, o compasso, o mundo vê dançar, entrelaçado, o bailado da vitória, ou do fracasso! 158esse bailado Todos tentam deter mas, as horas não param de valsar... Não se repete a dança do passado... As horas dançam, dançam, sem parar!... Em eterno Mistério, bem profundo, como a querer falar de alegria, o bailado de Deus, fazendo o mundo, ao som da harmoniosa melodia, é a mais bela dança - salmodia, perenizada pela Liturgia!... A CHEGADA Cada acontecer é uma “Chegada”, quando envolta no véu do acreditar. Como sentir perfume da florada, concretizando o odor do encontrar!... Chega a brisa refrescante da alegria, também queimando, o estiletar da dor. O repetir sem cor do dia-a-dia, a ventura, o alvorecer, gestos de amor!... Cada acontecer é um “Chegada”! A presença do pedinte a implorar, do amigo, a existência abastada, o gotejar da chuva, o luar. É o valor sacramental do universo! Astros, flores, fontes a brotar, povo, em crescimento mais diverso, cada acontecer é um “chegar”, que, no mistério, nos coloca imerso. É cada “encontro” um reverenciar!...


A LIÇÃO DO MONJOLO Sempre dizendo: - SIM, para o campo, para a vida para mim, o monjolo da Fazenda, sem grito, sem contenda, balança a cabeça, comovido, a dizer: - SIM, para o milho, para mim, como um filho, criança, a obedecer tranqüilo, na esperança, do bem acontecer!... O monjolo da Fazenda, sem briga, sem contenda, não lamenta a vida antiga e rotineira!... Em sonoro gemer, como de porta roceira, o ranger desafinado e rouco, 159 em tom cansado, nunca trabalha pouco!... Seu bater é calmo e compassado, pela água da mina é comandado, e a bica cristalina, banhando-o, também, em coro, vai dizendo: Amém, amém!.. O monjolinho velho da Fazenda não pensa em renda, no preço do milho... Sempre dizendo: SIM, seguindo um trilho até o fim... Se precisar, em plena tempestade, ou no festar alegre da cidade, sempre diz: SIM para o mundo, para mim. Com chuva ou sol, tranqüilo ele está olhando o arrebol, fazendo o seu “fubá”!... Na escuridão da noite, ou no clarão do dia, na dor, ou na alegria, velho monjolo a cabeça inclina, movido pelas águas lá da mina, dizendo: SIM, para o campo, para a vida, para mim!...


FELICIDADE Estende a mão, tece a felicidade, com fios da Fé, do amor, da inteligência! Busca alegria, vive na Verdade, trabalha a paz, nos dias de inclemência! Procura a luz, na hora do negrume! Sorri, quando a vontade é de chorar! Pois, a felicidade se resume: - em pequeninas coisas exaltar! Se riquezas não tens, outros valores, certamente, tua vida ornamentam. Se olhares bem, verás outros amores, que tua vida, belamente enfeitam!... - Tu não andas, mas vês! Tu falas, amas e tens capacidade de perdão!... Com tua suavidade, a outros chamas, tu conquistas, arrastas multidão!... A tua Caridade, maior Dom, grande riqueza, Deus te deu um dia, ninguém pode roubar-te, é como um som, sempre entoando, terna melodia!... Dentro de ti, mora a felicidade, é só saber vivê-la, plenamente, dança ao compasso da realidade, sem rancor, sem inveja, simplesmente! Louva, sempre, na dor e na alegria! Tu sabes que, no mundo, muita gente possuir tua vida, gostaria! Jogando, alegre, “o jogo do contente”, FELICIDADE irá contigo, todo dia!...

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JOSEMAIRE ROSA NERY Cadeira n.ยบ 20 Patrono Gonรงalo Benedito Coelho

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Nasci sob o signo de escorpião, e a noite cheirava a lírios. Era dia de Finados. Ao longo dos anos, conquistei alguns prêmios que, por descuido, tornaram-se simpáticas canequinhas em minha cozinha mineira. João tem sido meu companheiro por mais de três décadas. Com ele divido o mel, o fel, o pão, o vinho e os sonhos. Escrevi umas coisinhas sem muita importância, plantei hortaliças e gerânios. O que me deu gosto mesmo foi ter tido uma filha, Renata, com grandes olhos misteriosos e um delicado coração capaz de acolher todas as dores do mundo. Deus colocou muitos animais abandonados à minha porta, dos quais cuido com desvelo. Em minha boca, Ele implantou uma língua ágil e incansável: não traio como as serpentes, mas me valho delas nas emergências. Para mim, a palavra é dardo e escudo. Sou titular da cadeira n.º 20 da Academia Pousoalegrense de Letras. Ter Gonçalo Benedito Coelho como meu Patrono foi escolha minha. Jamais me esquecerei daqueles cabelos brancos em desalinho e de seu paletó franciscano com bolsos repletos de versos...

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SEMPRE É TEMPO O doutor Ariovaldo Petrarca e Silva saiu de seu escritório com um ligeiro mau humor. Os cartórios agiam com morosidade, as audiências eram marcadas para o final do século e as inúmeras petições se espalhavam por gavetas, poltronas e até sobre o tapete puído. Ao atravessar a praça central, que se compunha de meia dúzia de árvores copadas e de dezenas de roseirinhas caboclas que floriam o ano inteiro, o relógio da matriz soou seis badaladas. A tarde avermelhada já cheirava a comida boa, enquanto uma fumaça azulada subia das chaminés das casas simples que se agitavam em torno dos velhos fogões a lenha. Um tumulto oriundo nas imediações do “Cine Central” chamou a atenção de Ariovaldo. Janelas curiosas se abriam para a bandinha desafinada que irrompia em meio à molecada que acudia com assovios e apupos. A tromba desajeitada de um velho elefante se ergueu sobre as cabeças do povaréu. Veio depois a macacada, fazendo caretas e enovelando a cauda inquieta em sua garrulice simiesca. Do meio da concentração, erguia-se a voz do apresentador do circo que, com jaquetão vermelho de franjas e botões dourados, anunciava o espetáculo naquela noite. De repente, a graça

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de uma trapezista se destacou em sua roupa de gala: caminhava na ponta dos pés como se flutuasse sobre o pequeno abismo que se abria em crateras da rua mal calçada. — “E o palhaço quem é?” Gritava o gorducho de cara pintada, que tinha uma grande bola vermelha atada ao nariz. — “É ladrão de mulher!” Respondia a molecada num assanhamento desabrido. De dentro de sua velha jaula, o leão sacudiu a juba desgrenhada para espantar as moscas, enquanto o engolidor de espadas surgia, envolto em sua capa de cetim. — “Hoje tem espetáculo?” Indagava o palhaço entre cambalhotas. — “Tem sim senhor!” Era o próprio Ariovaldo que, desabotoando o paletó e afrouxando o nó da gravata, participava do coro das crianças. E assim, logo após a passagem do mágico de cartola luzidia que fechava o cortejo, o número de pessoas ia ficando reduzido. Sobre o banco do jardim, uma pesada pasta, contendo inúmeros processos esperava pacientemente pelo retorno de Ariovaldo. Mas isso só aconteceria quando o espetáculo de estréia do “Circo Aleluia” terminasse naquela noite fresca de outono...

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UMA POUSO-ALEGRENSE QUE AMA A SUA PÁTRIA Há cento e oitenta e três anos ouviu-se um forte grito lá pelas bandas do riacho Ipiranga cujas águas, despoluídas, fervilhavam de peixes. As margens, livres do assoreamento, eram prenhes de uma vegetação que resguardava o ócio das tardes quentes e escondiam assombrações assustadiças, nascidas da imaginação das mucamas velhas... Os pássaros, na sua alegre ingenuidade, voavam distantes do pesadelo de gaiolas, alçapões, viveiros ou tráfico de animais silvestres... Seu canto alegre se misturava ao vozerio de outros animais que afundavam patas em terra fértil, macia e isenta de agrotóxicos. E a minha Pátria morena, tisnada pelo Sol tropical, sorvia com serenidade o ar puro de suas densas matas... Buracos na camada de ozônio eram ainda uma desgraça remota. É bem verdade que ela teve que conviver com a vergonha de sentir homens negros e escravizados revolvendo suas entranhas e regando as extensas plantações com lágrimas e suor. Anos depois, veio a liberdade que ainda é pálida e franzina, corroída pelo cancro do preconceito que torna a diferenciação racial ainda mais doída. Borboletas raras e delicadas acabaram espetadas nas coleções dos pseudo-entomologistas... Felizmente,

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elas não ficaram sabendo de algumas das pequenas e grandes atitudes vergonhosas que os ares da República acabaram trazendo para o povo brasileiro. Meu Brasil querido, as novas gerações não conhecem a madeira nobre da qual tens o nome: o paubrasil foi quase extinto de nossas matas pela extração desordenada. A pobre língua portuguesa, que era “inculta e bela”, vem-se corrompendo a cada dia por estrangeirismos e vícios de linguagem que desmerecem nosso léxico tão rico... Mas, ainda que encerrada em minha distante torre de marfim, ouso sonhar... Ainda consigo ver a esperança vívida na cor dominante de nossa Bandeira. Quero que aquele grito do distante 7 de setembro atinja toda a plenitude da liberdade. Brasil, terra querida, embora sejas vítima da acomodação de alguns, da corrupção de vários e da ingratidão de muitos, amo-te muito. Girando o globo terrestre, não consigo ver uma terra mais linda e que eu ame mais que a ti. Minhas frágeis armas são as palavras. Prometo me valer delas para tentar sanar tuas feridas e para cantar, apesar das tristezas, meu incondicional amor por ti! (Texto lido por ocasião da solenidade do hasteamento da Bandeira no dia 7 de setembro de 2005)

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LIMIAR DO PENTATEUCO DEUS, de portentoso dedo em riste, pôs-se a animar a solidão oca e profunda, criando o que sonhara e o que de fato existe e acabou por sobrar vida em mole argila... A TERRA, de ventre ávido e fecundo, engravidou-se de cálidas sementes e, ao cabo da prenhez, pariu ao mundo guirlandas desgrenhadas de flores e de heras... O HOMEM, de terra bafejada pelo hálito divino, tornou-se o grão-senhor dos elementos, mas acabou vergado sobre si mesmo, vencido e pequenino: Quem há de conter a ânsia louca de seu indômito coração?

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SEM TÍTULO Pouco se me dá que o pobre do Baudelaire tenha ficado insone na busca desesperada pelo melhor título para o seu livro de poemas... (seu punhado de sonhos, flores do mal, flores do bem, ficaram vagabundeando no limbo da vigília!) EU quero o ócio da palavra dormitando na rede do tédio! Nasci com alma de passarinho e meu destino segue o curso das folhas soltas... O barco em que navego tem amplas velas e nenhuma âncora... LIBERDADE é meu signo!

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CHAPLIN ÀS AVESSAS Manifestações robóticas: a máquina aniquilou a humanidade adormecida no coração do homem. Inteligência: esta é a palavra de ordem em detrimento da afeição e da doçura... Grande prêmio: sucesso acima de tudo, lucro incalculável, ânsia pelo poder, vencer a qualquer custo! (...) E o vagabundo, com nostalgia nos olhos e bengala na mão, vai levando para longe a sua pantomima extemporânea e o anacrônico sentimento do amor...

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SIMPLESMENTE ANTÔNIO “Eu vos digo: no dia do juízo os homens prestarão contas de toda palavra vã que tiverem proferido. É por tuas palavras que serás justificado ou condenado.” (Mt 12,36-37) Entre duas velas de espermacete, que choram copiosas lágrimas de cera, está Antônio. A tonsura iluminada, e o menino gentilmente aninhado entre as dobras rústicas do hábito marrom. Seu olhar transcendental me faz lembrar que seu corpo já é pó há séculos, mas sua língua que encantou até os peixes está fresca e macia. O taumaturgo me incita a falar: a palavra é pão que se multiplica e que mitiga a fome dos que carecem de esperança.

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LIÇÃO DE VIDA (Para Ana) 101 Das enchentes do Aterrado tirou o exemplo das águas que se rebelam contra as margens opressoras, derramando-se com alegria pela várzea... Alquimista por excelência, faz a gente adiantar o relógio para experimentar seu frango com lentilha, perfumado de hortelã, que fumega sem pressa no panelão de barro... Os dedinhos curtos, de unhas roídas, revolvem o útero morno da terra em que planta e replanta o verde resoluto... Discípula do pobrezinho de Assis, não mata aranhas caranguejeiras, afaga cães abandonados, protege gatos órfãos e conversa na linguagem dos passarinhos... Deus inda não quis que ela fosse mãe de filhos, mas deu-lhe um coração materno para ninar os filhos dos outros, para ensinar com sabedoria um jeito simples de viver a vida: sem vingança, sem mágoas, sem rancores... Ana é um pedacinho da amorosa graça de Deus.

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DESENREDO Uma folha seca se desprende do galho e cai num vórtice, animada pelo vento de outono. A teia tênue, bordada de orvalhos, ampara sua queda, retardando sua vocação para húmus... A Deus pertencem as outras folhas que estão por cair e os fios todos dos meus cabelos que já vão ficando brancos... Em Suas mãos poderosas, eu me aconchego como um feto desamparado, enquanto o destino se cumpre: Também serei húmus!

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HORMA DE SOUZA VALADARES MEIRELES Cadeira n.º 21 Patrono Vinícius Meyer

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Não sou poeta, não sou cronista, não sou contista. Enfim, não sou artista! Em depressão, ou sob pressão, expresso-me com alguma facilidade e clareza. Aos 71 anos, já não há pressão e tampouco, depressão. Assisto a vida passando, observo o tempo, o espaço e as pessoas, vagarosa e detalhadamente. A felicidade é estéril! Não tenho religião, mas não sou atéia. Acredito na educação e no conhecimento. E na palavra mágica do viver e do conviver — RESPEITO. O máximo da perfeição humana: a solidariedade, a tolerância, a compreensão. Frustrações? Tenho tantas: não dançar o Flamenco, não tocar Scriabine, não conseguir a sonoridade de Maiakovsk! Etc, etc, etc... Enfim, o que vem a público nas folhas seguintes é um pouco da minha história e muito da minha alma! Sou titular da cadeira n.º 21 que tem como patrono o poeta Vinícius Meyer.

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IMANÊNCIA Ah! Um pôr-do-sol manhoso bem preguiçoso! Ah! A brisa quente quase dolente! Ah! Um par de mãos mornas na testa em brasa! Ah! Um olhar profundo de fim de mundo! Ah!... Quanta imanência nesta demência!

ILHA Sou uma ilha de pedras que se reveste de verde para atrair albatroz. Ou sou ilha de algodão que se veste de rocha para atrair tubarão. Ilha ponto-de-encontro do sonho e da solidão.

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ETERNIDADE Passos macios de 94 águas correntes, sinos sonoros de tardes vazias, vasto lençol de neve estendido, leito mal seco de vidas ausentes. La vem a eternidade em cavalo nervoso, com esporas de aço, me acena enganosa, respondo-lhe dengosa - vai, cavaleiro errante! és como o mel que se passa nos lábios das virgens de papel.

CROMO Esta lua crua na seminua cova criva de cromos ou cruza de crivos minha cruz de cravos.

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QUEDA Exatamente aqui eu me quedo no meu parco passo, neste espaรงo escasso. Exatamente aqui eu me quedo, รกrvore tombada a laรงo, nervos expostos aos linces. Exatamente aqui eu me quedo nas estrias dos trilhos, nas malhas das tilhas, nas falhas das folhas, entre a faca e o malho. Exatamente aqui, neste espaรงo vertical, eu me quedo em queda horizontal.

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ANGUSTIOSA-MENTE Eu n達o busco a vida friamente vida vaziamente vida estranhamente vida odiosa, amorfa e simplesmente vida. Eu busco a noite densamente noite profundamente noite opacamente noite surda e mudamente noite. e busco a paz mansamente paz suavemente paz meigamente paz noturna e solitariamente paz Ah meus ad-verbos ad-versos MENTES?

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DESATINO O menino que eu nino não é um menino-mimo. O menino pequenino, quase feminino, o menino que eu nino, é o menino que mina minhas sinas, minhas minas, minhas mamas, meus manás. Menino-mamote, menino-marau, menino-manguá, que sangra e suga, que suga e seca meu sangue exangue Ah este menino que eu nino não é o meu menino, é desatino...

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RETORNO (à minha mãe saudosa) Depois... quem para me impedir de voltar ao meu solo ariano de casas lavadas, areadas, azuladas de flores e frutos de cores maduras de céu refletido em montanhas de gelo de aves e mamíferos lustrados no pêlo de arbustos gigantes que encostam no céu de meninas de tranças libertas ao vento de velhos barbudos de olhos antigos de torres de igrejas despidas de cruz de mesas cobertas com pães de centeio de lareiras acesas com madeira de cheiro de chaleiras cantantes na beira do fogo. Tramando misturas ordenando bagunças chorando ou cantando minha mãe brasileira!

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CERCA Ah, questo cielo rigato in “degradê” questo mare aperto d’infinito queste mani bagnate di dolcezza questo petto pieno di pazzia. Ah, questa paura antica dell’addio questo timore pazzo del domani questa magia nera del futuro questa angoscia stanca, fredda e dura. Ah, amato mio, dove sei?

BUSCA Ah, este céu riscado em degradê este mar aberto de infinito estas mãos banhadas de doçura este peito pleno de paixão. Ah, este medo antigo do adeus este temor insano do depois esta magia negra do futuro esta angústia estanque, fria e dura. Ah, amado meu onde estás?

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SIN ARRIMO

Juan de Yepes - “Sin arrimo y con arrimo sin luz y oscuras viviendo todo me voy consumiendo”.

Sin sus ojos y con sus ojos vou cega pela Sorte Sin sus manos y con sus manos vou buscando o Forte Sin sus labios y con sus labios vou gelando ao Norte Sin suspiros y con suspiros vou galgando a Morte.

Sin su vida y con su vida viviendo me voy consumiendo Condenada à vida liberada à morte.

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COMALA 101

(A Juan Rulfo)

Este camino sube Este camino baja Para el que va o viene Para el que viene y se va. Baja para el que viene Sube para el que se va. Allรก en la mas lejana lontananza donde los caminos se cruzan ni se sube ni se baja. Allรก es llanura abierta solamente solo solito.

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ENCONTRO EM MODO MENOR Das sete notas da Sorte restou-me a nota dó e dó rima com só. Das sete notas do Norte restou-me um tom menor e tom rima com batom. Das sete notas da Morte restou-me um intervalo maior e intervalo rima com cavalo. Si, si, si... ai de mi! Passei um batom na Sorte Soltei o cavalo ao Norte Depois... Larguei as rédeas à ré, saltei as linhas da pauta caí nos espaços vazios encontrei-me lá com a Morte. !!! FAZ SOL LA SIM!!!

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IRA-LIRA Com a ira eu firo a lira Com a lira, adeus Ă ira. Tiro a lira e miro a ira Some a ira, nino a lira. Louvo a lira e levo a ira Sorvo a ira, sevo a lira. Sirvo a lira e verto a ira Livro a ira, solto a lira. Ira-lira Lira-ira Lira-lero Lero-liro. Louca a ira Leda a lira. O lĂ­rio lira A fera ira. Quero a lira Nego a ira.

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!!! LA VEM A BANDA!!! BUM104 TUM PUM RAC TAC TRAC TAC TAC TAC TAC TAC Lá vem a ban… da de macaqui...nhos Emproadi...nhos 'esticadi...nhos' Todos certi...nhos 'enfiladi...nhos'. e toca aqui... e toca ali... vira pra cá... a ré pra lá... - e march'em FRENTE minha gente que a ordem é pra tocá. BUM TUM PUM RAC TAC TRAC Sob as botinhas dos macaquinhos As formiguinhas esmagadinhas Deixam rastinhos bem nojentinhos De uma HISTORINHA bem miudinha. SHIIP!!! SHUUUT!!! SHOOOW!!! V IVA A BANDA DOS MACAQUINHOS!

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Pouso Alegre, 140 anos! NO SEU ANIVERSÁRIO, MINHA DECLARAÇÃO DE AMOR E ÓDIO. Eis-me aqui, cara a cara com meu “arquivo das memórias”. Gavetinha emperrada, fichinha amarelada, cheirinho de mofo, respingos de chuva, ou de lágrimas? E lá está você, bem viva na lembrança... Tchic... tchic... 1937.... piuí… piuí… janeiro… Sol quente, calor forte... piuí... piuí... que som bonito é esse, mamãe? É trem minha filha, está apitando pr'avisar, qu'estamos chegando pertinho, pertinho de Pouso Alegre. Vamos ver teus tios, teus primos. Depois, vamos pra fazenda do vovô, ver vovó. Vovó… nome doce, cheiro de seio, gosto de leite… Como é vovó, mamãe? É bonita, é boazinha, ela já te deu de mamá. Piuí…piuí… dormir, acordar, comer, chorar… tchic… tchic… Mamãe, cadê Pouso Alegre? Estamos chegando, filhinha, vamos lavar o rostinho, pentear os cabelos, pôr vestido novinho. Agora, fique quietinha que o trem vai brecar. Piuííí… coração bate forte, olhinho arregala, rosto queima, corpo treme! Mamãe tira as malas, dá pro tio na janela. Risadinhas… gritinhos… colo pra lá, colo pra cá, tontura gostosa… Ploc… ploc… charrete, cavalo, Igreja… ploc… ploc… cocoricó. Piu-piu, café com leite, cama macia, sono profundo, sol nascendo, cheiro gostoso… Ploc… ploc… coração dispara onde vamos, mamãe? Suba filhinha, isso é jardineira, que vai nos levar pra fazenda do vovô.

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Brrumm… brrumm… balança-que-balança, soninho gostoso, poeira dourada, passarinho no ar, cheirinho de terra, gado berrando, chapéu de palha rolando… bi-bi… fom-fom… Ai, que susto! Jardineira no barranco, pro caminhão de leite passar. Olha lá, filhinha, o vovô na encruzilhada! É aquele de chapéu grandão! Olha o carro de boi pra levar a gente! Seguro a mão da mãe, boca bate no banco da frente, sangue escorre quentinho. Desce filhinha, vai no colo do vovô. Vovô é tão grande, tem olho de céu. Ploc…ploc… mnhãmm… mnhãm… Mãe, que delícia! O boi tão bonzinho, vai bem devagarinho, e o carro canta... canta... boizão na estrada faz a gente parar. Bezerrinho com fome, na teta da mãe. Pintinho na fila, atrás da galinha. E lá longe, bem longe, pano branco esvoaça contra o verde de fundo, rasgado de sangue do sol bem grandão, qual bola de fogo! Que medo, meu Deus! Que belo, isso existe? Vem sol, vai sol... vai vento, vem chuva... Canta o galo, muge o boi, rio passando, menino na enchente, verdura cheirosa, leite espumante, forno ardente, biscoito quentinho, laranja no pé, espinho no dedo... espinho na alma, é hora de ir... Coração na mão, mão na mão da avó, lágrima explodindo... Mãe ruim, me deixa ficar! Não filha, papai está em São Paulo, com saudade da gente. Papai, homem bonito, que gosta da gente. Mas eu gosto é da vovó, eu gosto é da galinha, da vaca, do cavalinho, da laranjeira, do colchão de palha, do rio verdinho, da formiguinha do buracão, do vovô na taipa do fogão, dos causos do tio Ico, da assombração do quartinho escuro. Eu gosto é de Pouso Alegre, mãe! Me deixa ficar. E você, Pouso Alegre, nem ligou, me deixou partir. E eu te odiei, e a cada ano, na hora de partir, eu te odiei.

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E, então, um dia... caminhão carregado de camas e caixas, mamãe carregada de filhos nos braços, papai carregado de orquídeas e livros, e eu carregadinha de felicidade e de sonhos. Pouso Alegre, eu te amo!... Casa branquinha, portãozinho de ferro, jabuticabeira florida, fogão de lenha. Quintal de terra batida, janelinha de cortina, bem em frente da capela Santa Terezinha dos casamentos. Paralelepípedos da Afonso Pena, Pó-de-Arroz-Perdido xingando na rua, cavalos da Remonta balançando o amanhecer, repicar de sinos no coração da cidade. Sol que se vai, Lua que chega, papai que não vem, mamãe chorando, mamãe orando. Pouso Alegre, vai buscar meu pai! Pouso Alegre, eu te odeio! Novo dia, nova escola, Dona Dalva, muito fina, Dona Selma, cabelos nos ombros, um-e-um-dois, dois-e-um-três, eu amo-tu amas, Cabral-Tiradentes, Mantiqueira- São Francisco, Dom Pedro-Getúlio! Lá vem Dona Adelaide, tá na hora do piano, dó-dó, mi-mi, sol-sol, lá-lá. Tarde chegando, sopa no fogo, criançada na calçada, mamãe na janela. Dona Zoca que passa, mamãe cumprimenta e comenta baixinho: essa é a Senhora do Seu Bebé Salles, que senhora chic, que mulher distinta! Da casa vizinha, a voz da Denaide, cantando Ave Maria, e eu, paralisada no meio da amarelinha, sonhando, um dia, cantar igualzinho! Lua que surge, puberdade rondando, moço alto da barbearia invadindo o sonho da garotinha! Emoção complicada, verão que se vai, outono dourando tudo, escola nova na vida. Menina de tranças longas, mão na mão da criada, discriminada, lá vai a protestante pro Colégio Santa Dorotéia! Mestra Geral muito séria, porte de rainha, auréola

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de santa: menina vai pra capela, peça pra Nossa Senhora perdoar teu pai e tua mãe... E eu nada entendia, e o coração doía, o ódio brotava forte, a lágrima explodia! Fim de ano chegando, je parle, tu parle, j'aime, tu aime, bomba em francês. Risinhos, fuxicos, puxa-puxa de tranças. Pai, quero ir embora. Pouso Alegre, eu te odeio! Tchau, tchau, prédio severo, capela imponente. Tchau, tchau, Danúbio Azul, Carnaval de Veneza, nos pianos dolentes, som abafado pelas salinhas miúdas! Tchau, tchau, moçada granfina. Um dia... quem sabe... Pé na estrada, lá vai a família, de volta a São Paulo. Sobrado cinzento, feira de frutas, que coisa mais linda! São Paulo, te amo! Pouso Alegre, te odeio! Fim de ano, tchic... tchic... piuí... piuí... matula cheirosa, leite gordo na estação, Imbuia à vista, olha a fazenda do Tio Chiquinho! Mãos gritando: olha eu aqui! Tô chegando... tô chegando! Seus bilhetes, por favor! Trem parando, peito estourando, cadê minhas pernas? Eu vou gritar ou vou chorar! Pouso Alegre, eu te amo! Olha lá Dadai, Duduca, Hulda e Olga! Zé Ferro e Debinha, não acredito! Eu quero minha avó. Visita aqui visita ali, tia Quita, tia Dita, tia Zeca, tia Rosa! Tia Virgilina, cadê tio Titinho? Tio Quinho, tio Jaca, tio Batista, tio Ico, cadê Clarezinho? Tio Chiquinho, cadê tia Ladi? Vovó, cadê vovô? A morte existe! Pouso Alegre, onde estão os meus mortos? Pouso Alegre, eu te odeio! Piuí...piuí... São Paulo de novo. Escola, trabalho, namoro, paixão... Eu quero minha avó! Olá, Pouso Alegre! Denaide Teixeira, eu também sei cantar. Muito prazer, Conservatório! Faculdade, cá estou

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eu,vou dar aulas, que coragem! Olá Helly-Anne, que talento, que inveja! Lucilinha Fagundes, que prazer, você acha que posso ser Diretora? Obrigada, Prefeito Machado, você acredita na Lucila, Lucila acredita em mim, Geralda Franco me entusiasma, Tia Zeca me acolhe, e olha eu aqui, raízes buscando fundo a seiva pro meu viver. Pouso Alegre, te amo, me deixa ficar! 63 em curso, Regina Ramos casando, Ithamar no casamento, casamento na minha vida, 64 na Catebral, coral lindo enfeitando o sonho. O tempo passando, barriga crescendo, Dr. Gabriel aparece, embrulhinho no braço. Olá minha Pitita, Helen Márcia, minha vida! Obrigada, meu Deus! Pouso Alegre, eu te amo! Mês seguinte, formatura, primeira na história da Faculdade! Vestido negro, bem largo pra disfarçar as manchas do leite que vaza forte, puxa música das bocas, nas caras sérias dos moços do coro da minha Escola! Que saudade doída, Luzia, Marlene, Mané, Antônio... 1966 — Novo embrulhinho! Olá Boludinha, Fofinha, minha Helba, minha flor! 1967 — E chega o terceiro, Marcelão, um machão para completar a prole... Pouso Alegre, desculpe, não dá mais... ... pontada no coração... Pouso Alegre, me perdoe! Parabéns! Eu te amo! ...Hoje é só festa... Um dia... talvez... 19 de outubro/88

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FERNANDO CRUZ Cadeira n.ยบ 23 Patrona Manoelita Amorim Meyer

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Para quem, por um acaso, deparar com esta inusitada biografia, o meu cordial bom dia. Serei breve, não esperem realizações nem qualquer cronologia. Me contaram que nasci numa madrugada fria, e é só... Durante uma certa fase da vida, precisei escrever, passar por uma certa catarse ou lavagem de alma. E tentei ser poeta na forma, pois alma de poeta sempre esteve comigo. Se, num tempo futuro, alguém se identificar com meus versos, ficarei feliz esteja eu onde estiver. Ou, então, que se desmanche, aos poucos, este retrato íntimo no canto de uma gaveta esquecida. Versos são expressão da alma — claros, obscuros, bem feitos ou truncados, refletem uma vida que sonhou, delirou e não se conteve: transbordou. Ocupo a cadeira 23 cuja Patrona é Manoelita Amorim Meyer.

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JÁ NÃO SÃO MEUS, OS VERSOS Vão, que já não são meus Meus filhos, meus versos, minha estória. Comigo, não ficam meus passos nem o desenho do corpo. Vão, os que do mundo vieram; as folhas, os porres, os cansaços. Se depositamos guirlandas e lágrimas aos pés deste Deus, meu amor, nossos tesouros já não ficam ensimesmados. Vão, pois, fiquem vazios nossos barcos por tanta generosa partida. E para tantos outros encontros, solte-se a órbita do peito no espaço.

QUADRO DOMINICAL A eternidade tem às vezes sete palmos de silêncio como flagrante de um quadro dominical. Com direito à flor de superfície, vacas de longínquo bronze e imobilidade de sol.

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Tua beleza, inconsciente de si mesma, me arrasta em seus encantos para o seu leito. Mas o que fazer com tua beleza senão intimidá-la em vaso, para nutrir a mesa (senão masturbá-la em doses de venenos súbitos e densos)? Como bom jardineiro, prefiro ver-te heras galgando muros, ervas tecendo pastos ou aérea flor da memória. Amar tua beleza, não mais, como cor que não apreendo, rio que não possuo e que passa.

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PARAFRASEANDO PESSOA (Rio Sapucaí) O rio que corre pela minha aldeia não se cansa de navegar. Por ele, passam martins-pescadores, bostas e manchas lubrax. Mas ainda não é malcheiroso como o rio de lá. Nele posso sentar-me à margem, atirar uma pedra na água e viajar em meus silêncios concêntricos.

CISNE (Minifábula das expectativas) Se a galinha botasse um ovo e ao redor dela nos postássemos na expectativa de um cisne, o espanto nos traria uma realidade de galinha. Mas o ávido desejo divulgaria que um príncipe nascera em suaves carícias de plumas.

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JUNTO DE HERMANN HESSE As chuvas de março já começam a ensopar os jardins, a inundar o que restou dos rios e a entupir as cidades. As tardes de março se tornam mais leves, já se aliviando do calor que vai indo embora lentamente. Tardes para vôos de bicicletas coloridas, viagens em nervuras de folhas outonais, caminhadas no coração renovado da natureza. Como Minas está arraigada em mim! E ainda que sensação de estranhamento e exílio! Meus olhos vão se enchendo de montanhas, copas de paineiras, sibipirunas e capins. Depois vão seguindo as comunidades de garças: recortes brancos itinerantes contra o céu. Despejando seus últimos pingos de ouro nos pastos, o Sol realiza a alquimia final do dia. E Minas resiste em mim! Acodem-me à mente imagens do mundo. Lembro, vivo lembrando. Mas melhor agora apagar, embarcar nesta solidão da quase-noite. A primeira estrela pulsa o olho neutro indecifrável. Melhor ainda, quem sabe, trazer à alma o consolo universal do Tao: “... E no entanto, sossega meu coração. Tu vives no seio da mãe do universo”. E espalhar pelo corpo uma tentativa de trégua e paz. Ouvir sinos longínquos, ver luzes de casas pequeninas engastadas nas montanhas, pintar aquarelas fluidas, mentalmente. Ou procurar alguém, algum ser, com quem compartir esta tarde. Mas quem viaja assim tarde adentro? A cidade arde suas luzes, regurgita suas dores, seus ruídos, lustra seus esqueletos de cimento e vidro. A cidade não viaja tarde adentro. Ela é fora, o antagônico do espírito que procura. Já encontrou o que lhe basta. Vejo, longe, uma torre de televisão. Delicada como brinquedo. Queria pintar uma aquarela, agora de verdade, neste momento. Ilustrar um poema de um livro. Depois, desabotoar os grilhões de Minas. E beber copos mais copos de vinho. Rir, rir, rir... Rir por tanta bobagem e beleza. Ah!, sim, junto de Hermann Hesse.

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DISCURSO / DECRETO DA MODERNIDADE NATIVA A modernidade convocou seus discípulos e disse-lhes: “Ouvi, meus escolhidos, as leis que hoje vos proclamo Aprendei-as e praticai-as impiedosamente. O Capital, nosso Pai, fez uma aliança conosco. Falou-me o Capital face a face no final das trevas. Eis os seus decretos: • ‘Amarás o Deus ex-machina dos lucros, das posses e dos ícones da tecnologia sobre todas as coisas: e a tua imagem refletida como a ti mesmo. • Sucumbirás ao fascínio das coisas como o inseto sucumbe à luz. • Não questionarás jamais a prática dos interesses voltados para teu próprio umbigo. Tal atitude será blasfêmia e comprometerá todo acesso ao poder. • Guardarás os domingos e feriados para te distraíres da miséria cotidiana e da opressão que se impõem em teu oficio. • Honrarás a herança material advinda de teus pais. Ela prolongará teus dias e te amenizará a luta árdua pelo pão. • Não destruirás os que servem aos teus interesses e aos do Senhor teu Deus, o Capital. O restante (os meros adornos da natureza como árvores, flores e toda excrescência humana) estará sujeito aos teus caprichos e à tua vontade. • Não criarás vínculos afetivos sérios que possam te desviar de toda meta racional programada. • Lançarás maledicência contra tudo que de teus interesses destoe ou te incomode. Toda humildade será ignomínia e terá o estigma da fraqueza. • Cobiçarás tudo que não tens e que teu próximo possua ou venha a possuir. Isto alimentará o Senhor teu Deus, proporcionando-lhe a vida eterna.’ Tais foram as palavras que nosso Deus, o Capital, a ferro e fogo, no final das trevas me revelou”. 239


ROBERTO RESENDE VILELA Cadeira n.ยบ 24 Patrono Francisco Cascelli

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Nasceu em Brasópolis (MG). Filho de Antônio Nogueira Vilela e Benedicta Rezende Vilela. Estudou na terra natal, em Itajubá, Belo Horizonte, Três Corações, Pouso Alegre e Ouro Fino. Iniciou os estudos no Gymnasio Brazopolis (atual E. E. “Presidente Wenceslau”), onde teve os primeiros contatos com a Literatura, estudando, trabalhando e defendendo, de modo especial, a poesia. Prefere as seguintes modalidades poéticas: Soneto (decassílabo e alexandrino), Poesia Livre, Trova e Haicai.

CURSOS, EXPERIÊNCIAS E ATIVIDADES • Cursos Superiores: Direito, Filosofia (Pedagogia: Magistério, Administração Escolar e Inspeção Escolar) e Letras (incompleto). • Cursos de Extensão Universitária (diversos): ligados à educação. • Experiência Profissional: Ex-professor de escolas particulares e oficiais. Diretor aposentado de escola oficial de Minas Gerais. Ex-diretor de cultura de Pouso Alegre (MG). Exconselheiro do Patrimônio Histórico e Cultural de Pouso Alegre. • Atividade Literária: Faz parte de muitas antologias, e tem sido premiado em todo o País e no exterior. • Membro Efetivo do Grupo Cultural Pórtico-Salvador (BA). • Decano do Clube dos Escritores Piracicaba - Piracicaba (SP). • Membro Correspondente da Academia Cachoeirense de Letras - Cachoeiro de Itapemirim (ES). • Ocupa a cadeira n.º 24 da Academia Pouso-alegrense de Letras, cujo patrono é Francisco Cascelli e é o atual presidente da seção de Pouso Alegre na União Brasileira de Trovadores UBT.

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O MUNDO DA SEMENTE O sonho da semente é regressar ao chão e silenciosamente escutar a esperança, e, com a gota alegre, iniciar nova dança ... ... o ritual do amor ... a vida em comunhão. O seu prazer, enfim, é abrir o coração e à terra se integrar — sem medo ou desconfiança — e, com alma inocente e riso de criança, fazer com que o verdor se transforme em canção. Parte da Natureza e também de um processo contínuo ... — anterior à fauna e ao ser humano —, guarda, secretamente, a vida em seu recesso; mas, o que lhe transcende o mundo de semente é o mistério que veste as estações do ano e vai desabrochando a esperança na gente ! Concurso do Clube Pan-americano Pelotas ( RS ) - 2001 Campeão

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QUANDO AMANHECE EM MIM . . . 94

Quando amanhece em mim, o sol me diz: — Não pode nada a sombra intrometida ... Escute as vozes mais sutis da vida — a relva, as árvores, a flor-de-lis ... — e a lágrima que sai do chafariz e respinga na pétala esquecida ... e a que rola na malva adormecida nas páginas dos tempos juvenis ... Livre ... cavalgue as auras sem destino e se deixe levar pela emoção, os sonhos e a inocência de menino! Abra os olhos ... não tire os pés do mundo; mas não esmague as flores da ilusão, nem cale o que murmura lá no fundo ... Concurso do Clube Pan-americano Pelotas (RS) - 2002 1.º lugar

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VELHA AMOREIRA Voltei aos tempos que não voltam mais ! Escuto um galopar ... vejo poeira ... — é a infância !...retornando a seus umbrais ... para te ver — amiga e companheira ! Sois um exemplo, intrépida Amoreira ! Como as horas e os males enganais ...! Mesmo na casca ... pareceis inteira !... E sombra e frutos, com carinho, dais ! Bravamente lutais ! Mas tereis fim. É o destino dos vivos. Na verdade, a morte é a única certeza. Enfim, Logo sereis somente uma saudade ! Mas ... amora dareis na eternidade, porque também eu vos plantei em mim. Concurso “Poetando II” - GREBAL Barra Mansa (RJ) 3.º LUGAR

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VISÃO DE SI MESMO Se a gente repisasse a longa estrada … entenderia mais os próprios passos; as pedras não seriam embaraços ... e nada, enfim, apontaria o nada ! ... Se a gente fosse mais atenta e alada ... veria mais ... — os longes, os espaços ... — E, da coroa azul dos espinhaços, o que os pés escreveram na jornada ! Assim, daria mais valor à vida, aos pontos de chegada e de partida, e mais crédito às próximas passadas; pois só nos vemos — com inteligência ... — ante as faces polidas da experiência e na profundidade das pegadas ! II Conc. Nac. e Intern. do CPAC Campinas (SP) 1.º lugar

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GOTAS Hei de fazer, das gotas escondidas ... rios de amor, ternura e inspiração; e, cada vez que abrir o coração, de torná-los em quedas incontidas !... Quanto às gotas ... — aquelas já vertidas ... — que sejam úteis ... — onde agora estão; que não voltem na espuma da ilusão, nem tampouco nas chuvas poluídas ! ... Sei que me vou de mim em cada gota ... — ao peso de uma vida acerba e rota ... e por silêncios frios ... noturnais ! ... — Mas na que se mantém íntegra, isenta ... hei de apurar o amor que me sustenta, e, vivos, me mantém os ideais ! I Conc. de Prosa e Verso Chapecó ( SC ) 1.º lugar

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CAVALO DA NOITE Apagam-se as brasas das horas tropicais; assopram-se as cinzas da tarde silenciosa; acomodam-se as aves e animais. Aos poucos, vêm chegando os vaga - lumes... salpicando os ermos da noite umbrosa com embriões de longínquas manhãs ... Na capela do brejo, ouve-se o coro das rãs e nas varandas sujas, o ritual das corujas... E o cavalo da noite continua galopando pelo espaço afora ... enquanto os sonhos mais ingênuos vão bebendo os prenúncios e as promessas de virgens manhãs e os aromas da eterna flora! De repente, espantando os fantasmas ... da quietude e da madrugada, um galo — distante ... — saúda a aurora ! . . . Enorme . . . . . . cansada . . . a última estrela puxa o lençol azul ... e dorme !

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CÁLICES D'ÁGUA É Primavera ... chove mansamente ... e as gotas caem na escuridão da noite e nas recordações. São gotas límpidas e murmurantes; e seus murmúrios vêm de muito longe ... de muitas direções! É noite umbrosa e triste ... e a chuva cai ... Pelas faces das águas, cada pingo se transforma num cálice. De repente, o silêncio cai também, e uma lágrima brilha, rola e vai ... forma um cálice ... e cai.

Concurso Dra. Lília P. da Silva São Paulo - SP / 2001 Vencedor

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TEMPESTADE DE LÁGRIMAS E FLORES * Não lamentemos os dias nublados, a fuga dos vaga-lumes e as noites fechadas. Nem lamentemos os passos errados, as pedras ... os pés cansados ... e o pó das estradas. Não deixemos a trôpega esperança, na linha imaginária do horizonte, a espiar ... espiar ... o céu e o mar ! Nem deixemos que a noite silenciosa quebre os grilhões de um único avantesma e se torne mais longa e mais umbrosa ! Ah, recolhamos, silenciosamente, as pedras que nos foram atiradas, pois toda rocha esconde algum valor. E, quanto mais toscas e mais pesadas, mais oferecem fagulhas de amor ! Atiremos aos céus as sementes da alma, que, em vez de nuvens, Deus há de espalhar o verde!... ... Toda espécie de flor ! E pôr, em cada uma, um pouco de sonho e de poesia ! Há de espalhar ao vento, o pio, o canto, a pluma ... Assim, mesmo enfrentando algumas dores, nós haveremos de observar, um dia, o céu de chumbo transformar-se numa “ tempestade de lágrimas e flores ” ! VII Concurso Literário Algarve/Brasil/2003 Portugal - Menção Honrosa * Olavo Bilac

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O OLHAR E O VER Os olhos não foram feitos somente para olhar. Foram feitos para VER — o aqui e o além-horizonte... ... até o último vestígio estelar ! E tudo de várias formas, ainda que o mesmo objeto, 101 pois nada é perfeito, acabado e completo. A luz do olhar não vai além das aparências ... No entanto, a da alma e do coração amplia a dos olhos, engole as sombras profundas e alcança a beleza das essências ! É com esse olhar ... que o lince que habita em nós domina as distâncias ... e chega sem dúvida aonde não consegue a razão ! É com esse olhar ... que a alma e o coração se enxergam no espelho do infinito; e podem ver, e alcançar suas flores orvalhadas, e saciar a sede com seus respingos; e entender que nem tudo é ilusão !... É com esse olhar ingênuo e transcendente que a pessoa generosa, humilde e sensata enxerga o semelhante e a vida; e seu amor transluzente espalha estrelas e luas pelas noites do mundo e incontáveis pirilampos entre os passos da gente ! XXVII Jogos Florais de Pouso Alegre - Outubro / 2004 1.º lugar

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DAS MUTAÇÕES E SEUS SENTIDOS. Não se pode ter, em tempos diferentes, a mesma visão do mesmo objeto, nem vê-lo com a mesma intensidade num depois qualquer. Ninguém permanece o mesmo ao sentir ou tocar o novo; nem pode negar que suas sementes estão no velho; que, além da poeira e do mofo, muitas coisas aguardam palavras ... Não se pode afirmar que o nada existe - nem mesmo onde nem o tempo se ouve ! O nada é sempre um algo que espera sentido. Embora gaguejando, fala aos corações abertos. E só quando se chega à raiz do silêncio é que se compreende que a mudez dialoga ! Dado o passo, passo dado - seja quem for ... e o rumo que tomar. Não se pode pisar da mesma forma as marcas deixadas; repetir a mesma coisa, os mesmos gestos, dar os mesmos passos ... nem ser igual àquele que caminha ao lado, ou vem atrás, ou segue à frente. Nem gêmeos idênticos podem abrir clareiras iguais, e percorrer, com a mesma cadência, o mesmo caminho, e se encaixar com a mesma justeza, na mesma visão. Ninguém é igual a ninguém. Nem a si mesmo !

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CLEMILDES D’OLIVEIRA SANT’ANNA Cadeira n.º 25 Patrono João Tavares Correa Beraldo

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QUASE UM CURRICULUM (Identificação) Nasci sem mágoas, vivi dentro do sofrimento humano; às vezes eu o venci, outras vezes fui vencido. Lutei como o guerreiro, tratei de reagir aos golpes recebidos. VIVI... Não sou poeta, nunca consegui fazer um pequeno soneto ou uma simples quadrinha. Admiro e tenho inveja daqueles que, sem esforços, se esboçam em versos, ditos filosóficos, ou exprimem o amor verdadeiro. Não fui dotado de veia poética. Estudei literatura e poesia, sinto a poesia alheia, vibro, sei guardar conceitos, versos e poemas na minha mente, tal qual as mais preciosas jóias são guardadas em cofres inexpugnáveis. Não sei fazer redondilhas ou alexandrinos, conheço os vários pés, sigo-os e aprecio, mas as rimas não me são afeiçoadas, e rimar, pelo dicionário, é passar papel sem valor. Sou titular da cadeira n.º 25 da Academia Pouso-alegrense de Letras, cujo Patrono é o Dr. João Tavares Correa Beraldo.

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OLHE PARA O CÉU! (Convite) Todos os dias olhamos para o céu e vemos as estrelas; ouvimos falar em satélites, planetas cometas, asteróides, nebulosas; e não sabemos diferenciar um astro do outro. Mesmo assim, há grupos de estrelas que chamam nossa atenção; se nós ficarmos muito tempo tentando entendêlas, na nossa mente, muitas hipóteses surgem para serem estudadas. Há estrelas grandes e pequenas, há estrelas que brilham muito e outras que brilham pouco. De quando em vez, parece que as estrelas se deslocam no céu, percorrendo um caminho luminoso. Desde passado muito remoto, os homens têm tentado compreender o céu, e os tempos foram passando, e pequenos conhecimentos foram surgindo, envoltos em lendas. As estrelas parecem se agrupar, o que não é verdade. Nós que olhamos o céu em conjunto, como se ele fosse um plano com os seus astros pintados, não imaginamos a distância que pode haver entre um astro e outro, especialmente se pensarmos em profundidade. É um emaranhado de estrelas que nos faz cair, as vezes em vertigem. Para compreender o céu, os homens tentaram dividi-lo em grupos de estrelas: surgiram, então, as constelações. São dezenas, centenas, um número infinito. Unindo com uma linha essas estrelas, surgiram esboços de figuras conhecidas e o homem chamou essas figuras de constelação. Foram chamadas de Cruzeiro do Sul - Orion, o Gigante - o Escorpião - o Touro, a Galinha com os Pintinhos, etc. Isso foi o que o homem pôde ver com seus débeis olhos. Um dia, garotinhos brincavam com duas lentes, uma ficava fixa no seu olho e a outra se deslocava para frente, ora mais ora menos. Os garotos notaram que a torre da igreja aumentava de tamanho e se aproximava deles. Era a brincadeira que estavam a fazer. Alguém que passava viu, e como na cidade havia um velho sábio, foi-lhe contar

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aquela novidade. O sábio era um matemático famoso, chamado Galileu. Ele, partindo da brincadeira das crianças, construiu um instrumento e olhou o céu. As lentes daquela época, polidas para óculos, aumentaram cinqüenta vezes o campo visual. Àquele instrumento inventado, foi dado o nome de Telescópio - ver de longe de acordo com a língua grega. Esse brinquedo dos meninos, que foi a chave que abriu a porta do céu, desde essa época, à astronomia, não deixou de crescer. Ao telescópio também foi dado o nome de óculos de alcance, e binóculo. Passamos a nossa vida sem conhecer o céu, especialmente nós que moramos nas cidades, onde as luzes perturbam a boa visão. Os habitantes do campo, pela falta de luz da cidade, têm oportunidade de ver melhor o céu, e eles são, às vezes, muito bem entendidos nessa imensidão. Observar o firmamento é uma das maravilhas concedidas ao homem que habita a terra. Uma simples visão do céu, com uma explicação, transforma-se em coisa indelével em nossa mente. Não há necessidade de instrumentos poderosos, a nossa simples e diminuta visão, nos ensina bastante. Mesmo um simples binóculo já nos revela coisas maravilhosas. Para uma pessoa começar a passear pelo céu, basta que conheça poucas constelações. Vamos devagar... Se estamos no verão, há uma constelação fácil de se identificar, conhecida pelos homens primitivos e por quase toda a humanidade. É a constelação do gigante ÓRION, é aquela dos Três Reis; ela brilha no céu, acima de nossas cabeças, nas noites de verão. Com um pequeno telescópio ou um binóculo dá para ver belezas infinitas. Localizando ÓRION, já temos um ótimo começo. Os vizinhos de ÓRION são fáceis de ser encontrados. Os Três Reis correspondem a um fragmento da constelação de Órion; os Três Reis correspondem ao cinturão de Órion. Passe uma linha reta pelos Três Reis e prolongue essa linha para a direita e para a esquerda. Na ponta direita dessa linha, há uma estrela muito brilhante, amarelada - você está na constelação do TOURO, essa estrela é chamada ALDEBARAN; no prolongamento

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para a esquerda, você está com a maior estrela do céu, a mais bela, a mais luminosa, a mais brilhante, a maior jóia do céu, “SÍRIUS”. Quem vê SÍRIUS jamais esquece. Se você está no inverno, procure talvez a maior constelação do céu, ela domina o nosso inverno e é fácil de ser localizada, é o Escorpião. A cauda do Escorpião, com o ferrão, está à mostra, com corpo do Escorpião e as pinças. É a Cruz do Sul, dos velhos navegantes, o nosso querido Cruzeiro, que é fácil de reconhecer. Junto ao Cruzeiro, estão duas estrelas que parecem solitárias — constelação do Centauro, uma linda constelação. Uma dessas estrelas é chamada a Próxima, a mais perto de nossa Terra, cerca de quatro anos-luz. Quanta coisa linda existe no céu, quanto conhecimento a nos esperar! No meu tempo de Ginásio, havia uma matéria ensinada no quinto ano, chamada Cosmografia (Não sei se ela ainda está no currículo...), era a primeira gota d'água da astronomia que pingava sobre nós. O impacto do saber que em nós despertava sussurrava aos nossos ouvidos emoções infindas. Quando a nossa mente perguntava: Será que há mundos habitados como o nosso? Nesse instante, nós éramos empurrados para as divagações filosóficas. Ainda hoje, com o tempo distante, lembramos daquela época e do despertar das nossas mentes para a grandiosidade do Universo Velho, com a vista curta, ainda olho para o céu e choro mentalmente de emoção ao contemplar as belezas do Universo. A velha Cosmografia, se ainda tem vida nos cursos, é um ótimo começo. Os mapas celestes, encontrados nas livrarias, nos proporcionam grandes ensinamentos quando localizamos as estrelas. Nas grandes capitais, existem os planetários, ainda pouco freqüentados, que trazem as grandiosidade do céu ao nosso alcance, dentro dos maiores desenvolvimentos da ótica. Como é belo o mundo, como nos faltam olhos para vê-lo! Passamos pela vida e não olhamos o céu. As maiores jóias do mundo estão sobre nossas cabeças e não voltamos nossos olhos para cima... P.S. Não é difícil conhecer o céu. Os olhos nus já nos dão conhecimentos infinitos. Um binóculo amplia muito mais. Um as

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pequeno telescópio, com cinqüenta a cem vezes de aumento, quase basta para nós. Com aquele brinquedo das crianças, na praça de Florença, mestre Galileu construiu um telescópio com 50 vezes de aumento conseguindo estudar Júpiter e seus maiores satélites, descobrir anéis em Saturno e abrir a ciência para novos conhecimentos. Que falar, então, da observação da nossa Lua, fonte de conhecimentos primevos, para quem se inicia. A Lua nos dá uma impressão de grandiosidade, nos dá as primeiras visões e noticia como são os corpos celestes. Suas montanhas, suas crateras, seus “mares” (grandes planícies), tudo já nos aponta a majestade do universo. Nas noites de plenilúnio, ela brilha solitária, com a sua luz morna e suave, convidando-nos à meditação. Depois que as imagens passam, ficam sempre, em nossa mente, esquemas de grandiosidade. Felizes são os homens que tiveram esse prêmio, dado por ALGUÉM, para compensar as lutas, para podermos viver e ter a oportunidade de pensar nessas belezas. Que inteligência! APRESENTANDO O POETA Antônio da Costa e Silva Ele disse: “Saudade, olhar de minha mãe rezando e o pranto lento deslizando em fio”. Oh mãe! sublime lembrança da infância, imagens que não se apagam jamais das nossas vidas; a cada dia que passa mais se avolumam e tomam a nossa mente. Que falta nos faz a imagem de uma anciã, querendo sempre nos ensinar, querendo sempre que a nossa vida seja mais suave e que possamos entender o mundo em que vivemos. Anciã, sentindo que o fim da vida se aproxima, ela tem ânsias de amor pelo filho e reza a Deus para que Ele sempre o guarde. Quem não se lembra da velha mãe, com o terço entre os dedos, contando os minutos que ainda restam para viver. Naquele coração, cheio de amor, só existe a palavra “dar”, sempre, até ao sacrifício. A todo instante, ela reza e lágrimas benditas

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rolam dos seus olhos amorosos. “Saudade, amor de minha terra, o rio, cantigas de águas claras, soluçando”. O Rio é como a vida, correndo sem parar, símbolo da vida, símbolo do tempo, relógio universal, sempre a correr. Todos nós temos um rio em nossas vidas, lembranças suaves e agradáveis de dias felizes em suas margens. A água correndo entre as pedras, fazendo caminhos sinuosos com discreto rumor de fala velada. Os anos passam como as águas do rio, ficando o molhado eterno na nossa existência. Quando nos lembramos do passado, lembramos sempre do rio da nossa terra, com suas pontes, passadeiras pinguelas enfeitando cursos d'água em busca do infinito. Se um vapor por essas águas corre, o passado se delineia com mais vigor, o apito do vapor se transforma em lamento inesquecível, que nos dá vontade de chorar. Passa o vapor, passa o rio, mas não passa, em nós, o esquecimento. “Noite de junho, o caboré com frio, ao luar sobre o arvoredo, piando, piando”. Pássaros, em nossas mentes também existem; caboré no Norte, curiango no Sul, todos eles nos lembram coisas do passado. No verão, o sede-sede faz a sinfonia do ângelus acompanhada pelas aves que, cheias de cansaço, esperam o dia cair. Os anos passam, o quase canto dos pássaros esquecido; as recordações surgem, o amor à terra vem em turbilhão, o passado toma conta de nós em uma época ida em que não pensamos em felicidade. Até as corujas, símbolo do saber, quando passam “rasgando mortalhas”, fazem aparecer simulações de medo e aquela interrogação nos domina... “Saudade, asa de dor do pensamento”. Quanta felicidade ele teve nesta definição. Existe por acaso saudade sem dor? É uma dor já anestesiada, dor que nos enleva,

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temos vontade de afugentá-la, mas temos também vontade que ela continue a doer. A saudade é como a máquina, que ao trabalhar consome algum combustível; a dor é o combustível da saudade. “Gemidos vão de canaviais ao vento e a mortalha de neve sobre a serra” São os ruídos da natureza; de dia, alegres, de noite, tristes com lembrança das coisas passadas. A noite tem os seus ruídos. As folhas farfalham diferente, e o vento do inverno nas frestas das casas canta sinfonias dolorosas e inesquecíveis. O mundo é dor e também sofrimento, quanto mais escutamos, mais punge o nosso coração. “O mugido dos bois da minha terra”. É a apoteose sinfônica do poeta; as fazendas são repositórios de lembranças. O mugido dos bois nos dá saudade, a nossa vida de criança e labores saudosos de uma época. É sempre uma nova carga a desafiar nossas emoções. Desconhecido por nós, vive na literatura do Piauí, escondido, um dos grandes poetas do Brasil, Antônio da Costa e Silva. Da Costa e Silva forma ao lado dos grandes da poesia; ele me lembra o menino CECEU (Castro Alves) com seus versos e sua filosofia avançada mostrando-nos a grandeza de um cérebro. Suas poesias, por falta de conhecimento, ficaram esquecidas. Duas delas refletem a filosofia e a tragédia humana: “Saudade”, e “Moenda”, obra prima da onomatopéia brasileira. Para que todos conheçam a poesia que nos toca a alma, eis os seus versos, como foram concebidos:... Eis a jóia no seu engaste:

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SAUDADE (Da Costa e Silva) Saudade: olhar de minha mãe rezando E o pranto lento deslizando em fio... Saudade! Amor de minha terra... O rio, Cantigas de águas claras soluçando. Noite e junho... O caboré, com frio, ao luar, sobre o arvoredo, piando, piando... E ao vento as folhas lívidas cantando, a saudade imortal de um Sol de estio. Saudade! Asa de dor do pensamento, gemidos vão de canaviais ao vento... A mortalha de neve sobre a serra. Saudade: O Parnaíba velho monge, as barbas brancas alongando... E, ao longe, o mugido dos bois da minha terra...

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Concluo com estas divagações poéticas:

A MAGIA DO LUAR (Recordações) Era noite de lua cheia; tudo era de prata. Da minha janela eu observava o meu jardim: as rosas, as folhas cederam suas cores ao luar. Um banho argênteo, por toda parte, inundava o ambiente deslumbrado. Que espetáculo a natureza nos oferecia: ao longe, ouvia-se alguém que cantava à lua; era um chamado desesperado à sua amada, ele morria de paixão. Fechei os meus olhos e me embalei naquela canção. As minhas cãs, nesse instante, desapareceram, as minhas pernas adquiriram vigor, o tempo, regredindo, me levou a épocas de sonho. Estava em outro local, era como um bosque encantado, banhado pelo luar de prata. Sentado em um banco, também contemplava a lua. No meu intimo também tinha a minha canção predileta e eu a cantava no meu coração: Oh, luar! Traz a minha escolhida, deixa que eu mostre o meu afeto... Era a minha Ilusão, Ilusão, Ilusão... A lua caminhava no céu, as estrelas, mudas, escutavam... Eu esperava: Ilusão, Ilusão, Ilusão... O luar começou a morrer, a lua se preparava para se esconder: Ilusão, Ilusão, Ilusão... Os primeiros raios do sol começaram a surgir... Desilusão, Desilusão... Desilusão.

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JOSÉ MESSIAS BRAZ Cadeira n.º 26 Patrono Ângelo Cônsoli

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É Contabilista, autodidata em Jornalismo, articulista, cronista, poeta e trovador (Membro da Academia Pouso-alegrense de Letras e da União Brasileira de Trovadores-Seção-Juiz de Fora-MG). É filho de Oscar Braz Martins e Amélia Aparecida Martins; viúvo de Adelaide Margarida Sales Braz, com quem teve seus filhos Alexandre Sales Braz - Engenheiro Eletricista, Esther Sales Braz - Administradora de Empresas e Bethania Braz Cabral - Advogada. É casado com a artista-plástica, cronista, poetisa e trovadora,Vera Maria de Lima Bastos Braz. Ocupa a cadeira n.º 26 da APL, cujo Patrono é Ângelo Cônsoli.

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REGRESSO Não vim falar de mortes, nem de flores!... Nem mesmo reclamar perdas e danos... mas, à luz de outros sóis...de outros alvores, pisar de novo o chão dos desenganos! Vagaram por aqui falsos andores... que levaram, à rua dos tiranos, segredos de meus versos sonhadores e entregaram à sanha dos insanos! Vim rever o meu céu...contar estrelas!... Estrelas que na infância eu quis tocá-las... numa angústia infinita de entendê-las! Desiludido...passo a compará-las com tantas ilusões que eu pude tê-las e, no entanto, jamais pude alcançá-las!

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NOSTALGIA A chuva cai na tarde acinzentada... chuva de outono...lânguida e envolvente, a escorrer de mansinho na calçada da rua melancólica e silente! A chuva traz um quê de madrugada aos céus do entardecer de Sol ausente, enquanto a nostalgia ronda a estrada do passado que insiste no presente! Encontro na saudade que navega o olhar primaveril do amor perdido no vendaval da juventude cega!... Vou divagando...a sós e entristecido... de repente, percebo que escorrega em minha face um pingo...distraído!...

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CREPÚSCULO A imensa dor que punge e me crucia vem das noites boêmias e envolventes; do amor que consagrei, ébrio de orgia, às almas excluídas e insolentes! Minhas penas são feitas de poesia, de versos de luar e sóis ardentes; têm a cor inocente da alegria e a ternura de olhares complacentes. Estou chegando ao fim do meu rosário... e, em longas madrugadas, solitário... desfio, em prece, as contas derradeiras! Mostra-me o espelho as cãs, o olhar cansado... e as penas de um poeta abandonado, que prossegue em seu mundo sem fronteiras!

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AUSÊNCIAS Ao longe passa um bando de gaivotas... indo em busca de abrigo nos rochedos... e, lá nas serranias mais remotas, a tarde vai tecendo os seus enredos... Estala e ruge o mar, em cambalhotas, escalando as paredes dos penedos... e a ilusão me conduz por outras rotas, nas ondas do passado... dos segredos! Vultos antigos voltam da viagem... acenando das águas encrespadas... e eu paro embevecido ante a miragem!... E enquanto expira a tarde rósea e calma, escurecendo vales e quebradas, pousa um bando de ausências em minha alma!...

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VIUVEZ À memória de minha primeira esposa, Adelaide, com a saudade de seu poeta.

Chegava a primavera... e ela no leito... e gravemente enferma padecia!... E, enquanto eu sufocava a dor no peito, o medo de perdê-la me invadia! Foi de manhã... o céu azul... perfeito!... Pela janela o sol de um novo dia desenhava a esperança, de algum jeito, porém, uma esperança fugidia! As flores explodiam no jardim... e eu tentava arrancar tudo de mim, para salvá-la, tudo!... O coração! No arvoredo cantava a passarada... e eu doava silente, à minha amada, as lágrimas do adeus... em oração!...

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ÚLTIMO DESEJO Vou doar os meus olhos... para alguém que passe a ver, por mim, quem amo tanto; quem pela vida inteira foi meu bem... e a causa de meus versos... de meu canto! Vou doar o meu cérebro, também, para alguém que, no abismo sacrossanto, possa guardar segredos, e a ninguém desvendá-los; nem mesmo por encanto! Ao poeta deixo a dor que o peito invade, para que chore em tempo de saudade no fundo do quintal da solidão! — Deixo tudo de mim na despedida... para quem amo vou doar a vida... e entrego com ternura...o coração!

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TROVAS

O passado ressurgia no olhar que me conturbava... Era o olhar de alguém que, um dia, jurou por Deus que me amava!..

Seu amor foi meu abrigo... mas hoje andando sozinho, rodo... rodo... e não consigo achar de novo o caminho!

No refúgio, enclausuradas, as mágoas choram quietinhas, por tanto amor de mãos dadas e as minhas mãos...tão sozinhas!

Alma serena... e que abriga velho sonho que vagueia... parece varanda antiga, onde a saudade passeia!

Ante a dor que me espezinha, a esperança se evapora... até a saudade que eu tinha não quis ficar...foi embora!

Em meu quarto, hoje sombrio, na solidão que me invade, brotam versos do vazio, com requintes de saudade!

O tempo é remédio santo para as almas infelizes... Cura as feridas, no entanto, não apaga as cicatrizes!

Sob a luz que Deus semeia, meu coração sonhador é uma capela de aldeia, mas cabe um mundo de amor!

O meu perdão não te nego... que sou teu cristo...bem sei! Não pela cruz que carrego, mas pelo amor que eu te dei!

Teus olhos buscando os meus... pelo brilho, penso agora: — Nem sempre quem diz adeus está de fato indo embora!...

Nos caminhos enganosos da vida — juntando os cacos — eu vi homens poderosos pedindo ajuda aos mais fracos!

O sonho que idealizo tem na sua imensidade o tamanho do sorriso de quem mata uma saudade!

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TROVAS

“Fica.” Pediu suplicante... dizendo adeus, eu não quis... e perdi naquele instante a chance de ser feliz!

Para o bem da humanidade, ser homem não é o bastante, precisa, além da hombridade, respeitar seu semelhante!

A lua cheia, altaneira... faz a montanha de altar! E a saudade abre a porteira para uma ausência chegar!...

O mar, nas lutas que travo ao dar combate à procela, parece um cavalo bravo e a jangada, a minha sela!

Coração que muito insiste no amor que não volta mais é tapera que resiste à fúria dos vendavais!

Essa ternura, Mãezinha, com que acalentas o filho, parece chuva mansinha regando a roça de milho!

Deixa o sorriso fluir... rolar pela vida incerta... — Para quem sabe sorrir há sempre uma porta aberta!

Com seu encanto e magia e, às vezes, feito saudade, o amor é o sol que alumia os sonhos da humanidade!

Céu e mar!...E em raios baços cai a tarde em mar profundo; logo a noite abre os seus braços e abraça as penas do mundo!

Na ramagem da esperança de ternura fiz meu ninho, com sorrisos de criança e cantos de passarinho!

Para os que vivem sem nada e só fadigas carregam, existe apenas a estrada, por onde os sonhos trafegam!

Lá no morro a fome pinta triste abraço em desvario, quando a criança faminta abraça o prato vazio!

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TROVAS

Parece até uma ironia... mas o medo é o meu escudo! E, ao ver tanta covardia, eu tenho medo...de tudo!...

Foi pela guerra enlutada... mas a ilusão de Maria fincava os olhos na estrada quando a porteira batia!

Quebrado, quase a ruir, o coqueiro sobre o mar parece quem vai partir - com vontade de ficar...

Foi tanto na despedida o encanto de seu olhar, que bem antes da partida eu já pensava em voltar!

Meu Natal hoje é melhor, pelo conforto e os bons tratos, mas o sonho era maior... quando eu não tinha sapatos!

Velha cabeça, onde os dedos da ilusão tocam de leve, és o outono dos segredos que o inverno cobriu de neve.

No inverno longo e silente, que atinge a terceira idade, há um fenômeno envolvente, não cai neve...cai saudade!

Quando o inverno esfria o zinco do meu barraco e me invade, uma ausência puxa o trinco e me cobre de saudade!

Vinde, andorinhas, no estio, festivas em tarde mansa, pousar no último fio que me resta de esperança!

Em rondas, meu coração, tropeçando aqui e ali, bate em busca da ilusão que nem sei onde perdi.

Eu sou pequeno, seu Moço, mas, quando tiro o chapéu, minha alma estica o pescoço e enxerga Deus lá no Céu!

De antigos mares eu venho, vencendo fúrias e abrolhos, buscar a paz que só tenho na meiguice de teus olhos.

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ENCANTOS DA SERRA

A mata verdejante cobre a serra... com gigantescas árvores frondosas, bebendo o azul do céu, doando à terra mais vidas e belezas primorosas! No frescor do grotão, brotam da terra as águas cristalinas e ruidosas que vêm aos borbotões descendo a serra entre as ramagens verdes e viçosas. Pela manhã, o trinar da passarada... dos magistrais cantores da alvorada e das tardes morosas do sertão... Lá no fundo, uma casa de sapé... a fumaça... o cheirinho do café...

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VALDOMIRO VIEIRA Cadeira n.ยบ 27 Patrono Sebastiรฃo Ferraz de Barros

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Nasceu em Mogi-Mirim, SP. Graduado em Direito pela Faculdade do Sul de Minas, onde é professor desde 1994. Pós-graduado em Processo Civil e Mestrando em Direito pela Universidade Federal do Paraná. Advogado militante em direito criminal (comum e militar) e direito administrativo. Assessor Jurídico da Câmara Municipal de Pouso Alegre. Membro do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais. É Titular da Academia Pouso-alegrense de Letras desde 1996, ocupando a Cadeira 27, tendo como Patrono Sebastião Ferraz de Barros. Poeta e contista participou, com premiações, de diversos concursos literários. Tem obras publicadas em vários periódicos, entre eles o “Projeto Poesia na Praça”.

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OUTORGA Silêncio nos tribunais! Da vida, Partiu um causídico, sentencie a saudade! Publique-se o adeus, oficie-se aos anjos. O processo findou com julgamento do mérito.... Leve ad vocatus, o terno de linho, O código surrado, o anel, a beca.... Leve, doutor, o grito empedernido: Justiça! O meirinho intimará todos os deuses: Absolvição! Quando se encontrar na situação celestial, sorria com Rui Barbosa, sonhe com Sobral Pinto... Nós ficaremos aqui, em noites de estudo, empunhando a espada de Themis... Nas estantes, os livros fazem homenagem na linguagem do silêncio... O diploma na parede, a lembrança da faculdade, a máquina no canto da mesa... a cadeira, vazia... Apontamentos, cobertos de pó, trazem a lembrança do que somos... efêmeros... As gravatas no armário, a xícara de café esfriando... O cinzeiro aguardando... resquícios do raciocínio. O inventariante não lerá testamentos... No inventário da vida, não haverá sucesso, nem partilha... O vento fechará a porta do escritório, os amigos farão a genuflexão da humildade... Na última audiência, só haverá instrução,

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as testemunhas serão compromissadas com o eterno sentimento... saudade... Termos serão assinalados com lágrimas... Estará extinta a punibilidade da matéria... Aproximar-se-á o único Juiz... Estará perdoado, será lançado seu nome no rol dos seus filhos, Registradas suas lutas, publicados seus ideais... Autuados todos os instantes... As custas serão recolhidas na forma das lembranças... de todos os momentos...

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PROTÓTIPO Rasgadas as vestes d'alma. Dilacerados os ideais... Maculadas as faces... d'antes puras. Apodrecidos os corações empedernidos... Olhares passados, Semblantes serenos de máscaras diárias... Sorrisos institucionalizados, Ministérios de mistérios da hipocrisia... A idiossincrasia do ser, Sem sons de berimbaus... Sem rodas de capoeira, Sem samba, Sem jogo do flamengo... Sem sonhos, às vezes... No entanto, o amor é sempre ilógico, Como um passeio, De bicicleta...

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AMORES SIBILINOS Pletora de emoções, em corações vagos, ardências inúteis, Em prantos infiéis... Braços entrelaçados, na cumplicidade da carne. Lábios serenos serrados, na nudez das carícias... Olhares saudosos distantes, a busca efêmera de dolorosos prazeres. A saudade do futuro... A insaciável movimentação desumana... Gemidos gélidos, calando o ritmo descompassado do sangue. Árias cantadas por todos unissonamente, o revoltar dos úteros no germinar da vida... Palavras buscadas a esmo, com a luz das ilusões. Momentos intermináveis narrados, com razão única de dizer-lhe: Amo-te, sibilinamente...

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A MODA DO SÉCULO XX Use uma meia de chumbo e sapato eletrônico. Use uma calça de cor preta, feita de gás carbônico. Use uma camisa branca e elétrica. Use uma gravata de cobre no estilo da época. Use uma bolsa pequena feita de megaton. Raio laser no desodorante e no batom. No inverno use uma blusa de aço. E não se esqueça! No coração um pequeno marca-passo. Use no verão uma blusa de alumínio. Um boné de estanho, que a moda é domínio. Use óculos com vidro de enxofre, para ver com mais clareza. Uma máscara anti gases para sentir o perfume da natureza... Pela manhã, caminhe pelos belos campos minados. Verifique no relógio se não há óleo queimado. Finja então que é um cantor ou um ouvinte E me ajude a divulgar “A moda do século XX”.

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O MUNDO As mesmas estradas estranhas... O homem, a hipocrisia, a façanha... A brisa, a chuva... Dos astros? Nem rastros... O tempo, o vento... O vento sem tempo... O amor, a paz, o tormento... Os preceitos, agora preconceitos, desfeitos... Homens atlÊticos, agora aidÊticos, caminham... E o mundo, ainda mais imundo continua a semear uma semente não fecunda... A semente do sentimento... No meu... No seu... No nosso... pensamento...

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DESPEDILUSÕES Na vida partirei... nas ilusões padecendo, mesmo temendo... medo não oferecendo. Partirei... Partirei buscando desvairadamente subterfúgios de ilusões para abafar meu grito no infinito das covardias silenciosas... Partirei amando ser filho pródigo da pátria não amada para desterrar das mentes ufanistas e alienadas as sementes infecundas dos niilismos não justificados. Partirei elaborando apologias para justificar a morte das matas que matamos... Para despertar as almas das inconfidências traídas para ouvir nas florestas de verdes dólares o sublime silêncio amazônico embalando o sono eterno dos CHICOS... Levarei na bagagem a indumentária das Constituições que não deixaram ser gente... Içarei as velas das democracias a errantes, remarcarei as rotas... Avistarei novos picos... Serei timoneiro brasileiro... e farei história novamente... e de repente me sentirei gente de repente, não mais que demente... E, quando destruir os impérios das Repúblicas frustradas, cantarei meu canto de liberdade... voarei como águia... sonharei como criança, e amarei como louco...

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Buscarei as fontes das ideologias... explorarei seus riachos no animal desejo de ver-me espelhado na translucidez das ilusões... Visitarei Pasárgada... procurar-me-ei entre seus escombros e reconstruí-la-ei sonho sobre sonho... e deixarei de sangue verde-amarelo manchada minha, estrela, que, apesar de ser vermelha, brilhará pelas eternidades efêmeras... Seguirei a esmo pelas realidades transcendentais... procurando amor em cada esquina... Mudarei a sina de Demiurgo... e fecundarei de justiça o ventre de meus amores platônicos... Desvendarei os mistérios das teologias libertadoras... Desmascararei os anjos e arcanjos para mostrar os encantos diabólicos dos homens que se divulgam para os votos... levarei no peito cravado o crucifixo das teorias que medíocres, não crendo, adoraram... Deixarei nas pegadas de sangue a linguagem dos olhares que não aprendi, as lágrimas condensadas gotas cristalinas que não expeli, a fome que não causei, os plutocratas que não elegi, os assassinos que não matei, as escoriações dos flertes que não fingi, os filhos subumanos que não gerei, a paz com que sonhei, a guerra que não inventei... E mais que tudo, bem mais que além de tudo, celebrarei com rituais irônicos os bicentenários das ilusões fracassadas...

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Tomarei as bastilhas das corrupções... e, como sentença máxima, a forca da liberdade às revoluções sonhadas... E seguirei, seguirei incessantemente as trilhas do meu peito varonil. Minha meta, o mudo meu caminho, vidas. Minha utopia, revoluções. Meu nome... Brasil Minha saudação, despedidas. Ilusões e despedidas... Despedidas e ilusões... despedilusões.

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INSTANTES

Ah! o homem, meu Deus! Ah! o deus meu encanto, nos cantos da vida, atirado em busca da morte... O orvalho em lĂĄgrimas, da natureza de cimento e ferro, sentimentos distantes, saudades intraduzĂ­veis... Viver o eterno, em busca do nada, ao encontro de tudo, em todos os instantes...

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SIMテグ PEDRO TOLEDO Cadeira n.ツコ 28 Patrono Senador Eduardo Carlos Vilhena do Amaral

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Nascido em Pouso Alegre, Minas Gerais. Fez seu curso primário no antigo Grupo Escolar “Monsenhor José Paulino” e os Cursos Ginasial e Colegial no Colégio São José. Fez seu curso de Bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais na Faculdade de Direito do Vale do Paraíba, Estado de São Paulo. A seguir, retorna à sua cidade onde leciona no Colégio São José e, a seguir, na Faculdade de Direito do Sul de Minas onde lecionou por mais de vinte e cinco anos, especialmente a Cadeira de Direito Civil da qual foi titular. Além de exercer a advocacia por vários anos, entrou na vida pública sendo Vereador e Presidente da Câmara Municipal (1971-1972), Prefeito em duas oportunidades (1973-1976 e 1983-1988). Em 1990, elege-se para seu primeiro mandato de Deputado Estadual, sendo, em 1994, reeleito à Assembléia Legislativa Mineira, desta feita posicionando-se em 11.º lugar entre os 77 Deputados daquele parlamento. Em 1977, disputa a vaga da Assembléia Legislativa para o Tribunal de Contas do Estado, saindo vitorioso em disputa das mais acirradas. Na Corte de Contas, exerceu as funções de Corregedor, VicePresidente e Presidente, por dois anos, deixando o cargo em fevereiro de 2005. Atualmente, exerce o cargo de Conselheiro, participando da 1.ª e 3.ª Câmaras, além de atuar no Pleno. Publicou, ao longo de suas atividades, inúmeros artigos em jornais diversos, emitiu centenas de pareceres, participando do julgamento de grande parte das Contas dos 853 municípios mineiros, tendo sido relator das Contas do Exmo Sr. Governador do Estado, em duas oportunidades. Publicou: Novos Rumos do Direito (1964); Da Pena de Morte (ensaio); Teoria Geral dos Contratos (duas Edições, ed. Julex, esgotadas); Da Província à Metrópole (no Prelo) É membro da Academia Pouso-alegrense de Letras desde 1996, ocupando a Cadeira n.º 28, cujo Patrono é o Dr. Eduardo Carlos Vilhena do Amaral.

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Posse como Presidente do Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais. “No decurso de minha vida pública, nada poderia ser para mim mais honroso do que ser eleito Presidente do Tribunal de Contas de Minas Gerais, órgão de relevância constitucional, que há mais de sessenta anos presta relevantes serviços a Minas e ao Brasil. Ao adentrar os umbrais desta Casa, em 1997, assumindo o honroso cargo, tive a oportunidade de afirmar, tomado da mais pura emoção, que vinha imbuído das melhores intenções, animado do propósito de servir e de ser útil, ciente das graves responsabilidades que me esperavam. Passados quase seis anos, constato que, com o ideal renovado e o desejo de bem servir à Instituição, procurei, nos limites de minha capacidade, ser fiel aos compromissos assumidos para corresponder às expectativas dos que contribuíram para que eu alcançasse a inexcedível honra de ser membro desta tradicional Corte de Contas. Por isso, este momento de posse me comove e me sensibiliza, pois assinala o ponto máximo de uma longa carreira toda ela feita de dedicação em favor da causa pública. Por isso, julgo sugestiva aquela passagem do escritor Eduardo Zamacois na sua tradicional obra Opinião Pública, quando diz: Os homens são como os dias. Há sempre, na história daqueles, um momento de máxima ventura, de suprema prosperidade, semelhante àqueles segundos de plena luz em que o sol toca o meridiano. Há momentos na vida, afirmava o grande Ruy Barbosa, em que o homem está de pé, mas a sua alma está de joelhos. É que a alma sucumbe aos inescrutáveis desígnios que regem a vida humana e que exigem uma atitude de humilde diante do Criador, pois, como dizia o grande brasileiro, Deus sempre nos dá mais do que merecemos. É com esse sentimento que assumo a Presidência desta Corte de Contas, com a alma voltada ao Criador em ação de graças e agradecido ao apoio de meus pares, amigos e servidores desta Casa, que muito me ajudaram na caminhada que me conduziu ao honroso cargo. A partir deste momento, assumo a Presidência deste Tribunal, recebendo-a das mãos dignas e honradas do eminente Conselheiro José Ferraz 288


da Silva, que marcou a sua presença, na gestão ora encerrada, por relevantes serviços prestados a esta Corte, o que o torna merecedor do apreço e reconhecimento de todos os seus pares. Seu temperamento afável e conciliador foi importante para que todos os problemas surgidos fossem equacionados de maneira equilibrada, atendendo-se, assim, aos superiores interesses da Instituição. Senhoras e Senhores, o panorama político atual nos indica uma realidade complexa e sofisticada, onde as bandeiras maniqueístas e o simplismo das palavras de ordem não têm mais lugar. O fim do século passado mostrou-nos que a hipertrofia do Estado nos leva, por um lado, ao paternalismo e, por outro, à excessiva burocratização. E o início deste milênio nos ensina mais: que a ditadura do mercado nos afasta dos princípios da solidariedade e da responsabilidade social, gerando um efeito devastador em todo o mundo. A falência dessas ideologias baseadas em idéias monolíticas nos faz buscar um novo modelo de Estado, matizado por virtudes múltiplas, de várias filiações políticas. Não mais podemos falar em capitalismo, socialismo, ou nos agregarmos a sistemas fechados. O momento atual sugere flexibilidade, ausência de preconceitos e tolerância, em nome de uma construção institucional que priorize o homem e seus valores universais. O fato é que uma grave crise de legitimidade atinge as nossas instituições. No exercício da cidadania, a sociedade brasileira, a cada dia, reivindica maior participação nas decisões nacionais, ao mesmo tempo em que, de outro lado, cobra da Administração Pública respostas urgentes e eficazes. Lembra o Conselheiro José Ferraz, em um de seus pronunciamentos quando Presidente da Assembléia Legislativa, que as instituições que não se adequarem a estas realidades estão fadadas a sucumbir ao peso das pressões sociais: serão atiradas no limbo da história e expostas à execração popular (Tempo de Construção, p. 229). O Ministro do Supremo Tribunal Federal Sepúlveda Pertence, em palestra proferida no XIX Congresso dos Tribunais de Contas do Brasil, depois de se reportar às críticas que alcançam, de forma generalizada, os Poderes da República, aduz que elas têm um dado positivo: elas trazem consigo o reconhecimento da importância da função (RTERJ, v. 41, p. 48).

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E acrescenta o eminente Ministro, nosso ilustre coestaduano: Ninguém critica, ninguém toma conhecimento da inoperância do órgão que nada tem a fazer. Reclama-se do Judiciário, da sua ineficiência, porque há uma exigência social, uma explosão de demanda jurisdicional que cresce na razão direta da tomada de consciência da cidadania; reclama-se dos Tribunais de Contas e da sua deficiência porque a cidadania toma conhecimento de que lhe diz respeito a legalidade da Administração, a austeridade do gasto público, que é coisa sua, e não coisa alheia, como a nossa visão paternalista nos acostumou a pensar e a ver o Estado. Por isso a grandeza do desafio, que é do Judiciário, que é dos Tribunais de Contas, que é do Ministério Público, de vencer, na medida do possível, a deficiência dos nossos meios operacionais e conseguir dar uma resposta ao menos razoável a essas demandas urgentes, que são inafastáveis da democracia (op. Cit., p. 48). Lembra o ex-Deputado Federal Marcelo Deda, Prefeito de Aracaju (SE), em palestra que proferiu no Tribunal de Contas da Paraíba: Talvez não tenha havido um momento melhor na história para que a sociedade compreenda o papel estratégico que estas instituições cumprem (RTCEP, ano I, 1/2002). Ignoram os detratores do sistema de controle externo que a crise de legitimidade decorre, entre outras coisas, das dificuldades que assaltam os países em desenvolvimento, que não dispõem de recursos orçamentários suficientes para fazer face às necessidades das instituições, que precisam se aparelhar com melhores recursos humanos e equipamentos para enfrentar os desafios de uma sociedade em vertiginoso crescimento e em permanente reivindicação. É curioso — para não dizer contraditório — que exista uma demanda por moralidade e, ao mesmo tempo, um movimento para modificar ou até mesmo para extinguir órgãos que estão identificados com o conceito republicano e democrático do Estado, como é o caso dos Tribunais de Contas. Tais vozes, entretanto, devem ser recebidas com reservas, porque resultam de uma visão unilateral com que tal questão costuma ser encarada pelos críticos, como bem explicou o insigne Desembargador Paulo Tinoco, em seu discurso

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de posse no Tribunal de Justiça deste Estado. Pretender, como querem alguns, a extinção das Cortes de Contas, a sua substituição por uma espécie de órgão do Parlamento ou por auditorias privadas é rematado absurdo, porque tais modelos de controle não têm como registrar, minimamente, a eficiência que as Cortes de Contas demonstram. Jair Lins Neto, nosso ilustre colega do Tribunal de Contas do Município do Rio de Janeiro, em brilhante trabalho intitulado Tribunal de Contas: um desconhecido na República, depois de lembrar a criticada morosidade das decisões de processos, motivada pelo acatamento da norma constitucional da ampla defesa, explica que: ...nada que justifique a insistência dos que, docemente aliciados pelo canto de sereia dos arautos da globalização, pensam em substituir, de uma penada, o sistema de controle colegiado, tão caro às melhores tradições latinas, pela convocação de empresas internacionais de auditoria externa, no pressuposto de que estas desempenhariam com maior eficiência e rapidez as tarefas constitucionais e legais ora a cargo dos Tribunais de Contas (RTCMG, ano XIX, n. 03, p. 100). Cabe lembrar, ainda, as judiciosas ponderações do eminente Conselheiro Vice-Presidente desta Corte, Eduardo Carone Costa, quando ainda dignificava, com sua inteligência e cultura, o quadro de Auditores desta Casa, em festejado trabalho intitulado Incompreensão, nos idos de 1996, verbis: É natural que os Tribunais de Contas resultam de obra humana, quase sempre sujeita a equívocos, mas que podem ser corrigidos com relativa facilidade, desde que se proceda com seriedade e com vontade de verdadeiramente servir ao interesse público. (...) Dizem que a extinção dos Tribunais de Contas ensejaria a contratação de auditorias privadas, e que isto custaria muito menos.

Os defensores inocentes e os assumidos dos interesses das empresas de

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auditoria em ampliar mercados escamoteiam um dado substancial de interesse da sociedade. É que o custo de manutenção do Tribunal de Contas, como o de Minas Gerais e de diversos outros Estados da Federação, cobre a fiscalização dos três Poderes do Estado, incluídas as entidades da Administração descentralizada, e mais, toda a Administração Municipal, Poderes Executivo e Legislativo. Apenas não se lembram que em relação aos Municípios o custo é zero. Isto mesmo, zero. Os mais de oitocentos Municípios do Estado, sob que título for, não destinam uma fração, por menor que seja, de seus orçamentos para que se exercite a ação do Tribunal de Contas. Nada deixa o Tesouro do Município para custeio da fiscalização. É custo zero mesmo. E, para arremate, o ilustre Conselheiro Eduardo Carone Costa destaca que, com a adoção das auditorias privadas, as comunas mineiras teriam que pagar pelos serviços de fiscalização, e sabe-se a que custo. Ademais, ditas auditorias não teriam os contratos renovados se fosse contrariado o príncipe de plantão, ao passo que as Cortes de Contas continuariam cumprindo suas competências constitucionais e coibindo o descumprimento da lei. Isso sem qualquer custo para os mais de oitocentos municípios mineiros (op. Cit.). Como abrir mão, pois, de um controle perfeitamente integrado nos Poderes do Estado, detentor de uma experiência centenária, sem considerar os custos da desativação desse órgão, em favor de uma aventura insensata, inoportuna e cara, como é a tresloucada privatização? A verdade é que os Tribunais devem empreender esforços no sentido de sua atualização e modernização, seja através de novos métodos de auditoria, notadamente a chamada auditoria de resultado, que não se restringiria apenas aos aspectos legais, mas também aos princípios de economicidade, eficácia e efetividade, assim como pela dispensa de alguns procedimentos de defesa desnecessários, que ensejam ao ímprobo administrador retardar o andamento dos processos. Outra medida recomendada seria que o Tribunal de Contas, este grande desconhecido da República, como o cognominou o Conselheiro Jair Lins Neto,

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promovesse a transparência de suas ações para conhecimento da imprensa, jurisdicionados e do grande público, mantendo-se aberto às críticas e recebimento de denúncias e pedidos de informações. Enfim, trata-se de assumir uma posição mais clara e definitiva perante a opinião pública. Precursor de ações de modernização organizacional, nosso Tribunal vem realizando, há anos, por meio da atuação previdente de seus dirigentes, um sólido trabalho visando à melhoria e qualidade de seus serviços. Foi-se o tempo, pois, em que os agentes políticos se sujeitavam a viagens distantes, carregando pilhas de processos para prestar suas contas, entulhando os corredores do velho Tribunal. O SIPP — Sistema Informatizado de Parecer Prévio, implantado a partir de 1995, possibilitava, já naquela época, a remessa informatizada das prestações de contas anuais, diminuindo o envio de documentos, agilizando o exame e a emissão do parecer prévio. A partir do aperfeiçoamento do SIPP, foi implementado o SIACE (Sistema Informatizado de Apoio ao Controle Externo), moderno sistema de remessa de dados, via internet, e de análise automatizada, em parceria com o Departamento de Ciência da Computação da Universidade Federal de Minas Gerais. A disponibilização, via internet, das consultas, da nossa revista trimestral e CD-ROM correspondente, além de outras informações de interesse de nossos jurisdicionados, constitui, ainda, importante avanço nos instrumentos de divulgação das atividades do TCE. A vanguardeira Escola de Contas e Capacitação Professor Pedro Aleixo também se fez presente na preparação e reciclagem de nosso corpo técnico, com destaque para sua participação na grande empreitada de capacitação sobre a LRF dos nossos prefeitos, vereadores e servidores públicos de todas as microrregiões do Estado, produzindo magníficos resultados. Tudo a demonstrar o quanto este Tribunal já tem realizado, o quanto avançou, com êxito, nos encargos do controle externo, um trabalho solidário de Conselheiros e servidores, todos irmanados na consolidação desses novos caminhos da tecnologia e da modernidade. Pretendemos dar seqüência ao notável esforço dos que nos antecederam. Entendemos que a qualificação profissional dos servidores desta Casa é

prioridade, porque colaboradores devidamente preparados facilitam,

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sobremaneira, os trabalhos do órgão de controle. O pleno uso da informática, do treinamento e reciclagem do seu pessoal e o intercâmbio com instituições afins farão com que os tribunais ganhem em organização e modernidade. Pretendemos promover a reforma do Regimento Interno e da nossa Lei Orgânica, no que for necessário, para aliviarmos, na medida do possível, os entraves decorrentes de procedimentos excessivamente burocráticos e inúteis que ensejam a procrastinação processual. Diante desse contexto, o nosso grande desafio será a utilização do planejamento como ferramenta que garanta o enfrentamento das instabilidades econômica, financeira e social, e sem renunciar aos limites e exigências constitucionais e legais pertinentes à gestão pública. Assim, a partir de reflexões sobre as demandas da sociedade, em especial dos nossos jurisdicionados, pretendemos implantar um projeto de formulação estratégica para o nosso Tribunal. Meus Senhores, com o advento da Constituição de 1988, da Lei de Licitações, da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional e, mais recentemente, da Lei Complementar n.º 101 (LRF), evidenciou-se a expansão das atividades dos Tribunais de Contas, sem, contudo, ter havido, em contrapartida, o efetivo suporte técnico-financeiro para o enfrentamento dessas competências. Os recursos orçamentários têm-se mantido quase inalterados, enquanto novos e pesados encargos lhes têm sido acrescentados, como as fiscalizações do FUNDEF e, mais especialmente, da Lei de Responsabilidade Fiscal, na qual exercem as Cortes um autêntico poder moderador, na expressão de Ives Gandra Martins. As Cortes de Contas deverão estar preparadas para uma mudança no foco orientador das ações de controle a posteriori para o controle concomitante, como pressuposto de maior eficácia no acompanhamento e fiscalização dos nossos jurisdicionados. Um dado importante a ser realçado é o elevado número de unidades sujeitas à nossa jurisdição, em comparação com os demais Estados da Federação. Em 2001, este número alcançou cerca de 2.600 unidades, considerando todos os órgãos e entidades da administração direta e indireta nas esferas estadual e municipal, dados esses que demonstram a necessidade de aumento do número de servidores para atuarem nas áreas-fim da Instituição.

A partir do diagnóstico da atual situação e das metas propostas

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pretendemos executar um plano estratégico de médio e longo prazos, cujas diretrizes maiores seriam: reduzir o estoque de processos; reduzir custos na ação de fiscalização e controle; propiciar a interface entre as diretorias técnicas; realizar o acompanhamento concomitante da gestão; agilizar o fluxo de processos; fortalecer a orientação aos jurisdicionados; priorizar a capacitação continuada dos servidores; e fortalecer a comunicação institucional. Para a implementação desse projeto, estaremos abertos a sugestões e eventuais replanejamentos no curso de sua implantação. Para que possamos cumprir pelo menos parte das metas traçadas, consolidando uma posição de prestígio e vanguarda no concerto das demais Cortes de Contas do País, necessitamos do apoio de todos os eminentes Conselheiros, em especial dos meus ilustres pares, Eduardo Carone Costa e Elmo Braz Soares, que exercerão, respectivamente, as funções de VicePresidente e Corregedor-Geral. Necessitarei também do apoio de todos os servidores desta Instituição, do mais humilde ao mais qualificado, importantes colaboradores nesta grande empreitada de manter esta Casa a serviço da sociedade. Senhoras e Senhores, quero, nesta hora de tão grande emoção para mim, compartilhar a alegria deste momento com aqueles que, de alguma forma, colaboraram para que eu obtivesse tão importante conquista. Lanço meu olhar retrospectivo e evoco o berço das minhas raízes — a cidade de Pouso Alegre, suave vinheta do meu pensamento, onde todas as coisas tiveram o seu início e que, por isso mesmo, permanecem sempre vivas em minha memória, através da saudade, esse “imenso buraco dolorido da minha alma”, de que nos fala o pensador e nosso conterrâneo Rubem Alves. Não posso deixar de evocar os versos do poeta Jansen Filho: Esta saudade infinita, Que no meu peito palpita, Há muito tempo que agita Minha alma sentimental. Saudade — dor da distância, Lembrança, desejo, ânsia, De rever minha infância, Na minha terra natal!

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Agradeço, comovido, à minha família, sempre presente ao meu lado nos bons e difíceis momentos da vida. Aos meus saudosos pais, Tuany Toledo, farmacêutico e político, e Hermelinda, professorinha vocacionada, artífices da minha formação moral e intelectual. A minha esposa Eunice, companheira de todas as horas, homenageio-a com os versos de Fernando Pessoa: Quando eu te vi amei-te já muito antes Tornei a achar-te quando te encontrei. Nasci para ti antes de haver o mundo. A meus queridos filhos, Denise, Aline e Renato, frutos do meu amor, razão da minha vida. A meus netos, Matheus, Pedro e Thais, alegria, consolo e refrigério de minha vida madura, o meu beijo afetuoso, com a reafirmação do amor que lhes dedico, pois o avô é pai duas vezes. Agradeço a meus irmãos, cunhados e genro pelo encorajamento, apoio e amizade demonstrados em todos os momentos de nossa convivência. Quero ainda agradecer, em meu nome e dos ilustres pares, as palavras generosas quanto amigas, proferidas pelo eminente Conselheiro José Ferraz, que tão delicadamente nos saudou, num gesto que demonstra a generosidade de seu coração e o propósito de fazermos, juntos, um Tribunal de Contas moderno e atuante. Da mesma forma, agradecemos as expressivas e sinceras palavras da ilustre representante da Procuradoria de Justiça junto a este Tribunal, Dra. Maria Odete Souto Pereira, pelas generosas palavras com que nos saudou, bem como as do ilustre Auditor Dr. Edson Arger que, com a eloqüência habitual, foi extremamente generoso, multiplicando, pela matemática de seu coração, nossas virtudes e qualidades e emprestando-nos o apoio da douta Auditoria aos trabalhos que teremos pela frente. Agradeço a presença do Exmo. Sr. Dr. Aécio Neves da Cunha, digno Governador do Estado, cuja presença abrilhantou, sobremaneira, esta festa de posse. S. Ex.ª desponta no atual cenário político brasileiro como das mais expressivas e vigorosas lideranças, o que haverá de fazer com que a voz de Minas volte a ser ouvida nos conselhos da República. Sob a liderança do jovem

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governador, haveremos de voltar àqueles dias heróicos do passado, quando se proclamava que, enquanto Minas não falasse, as grandes verdades não haviam sido ditas. Agradeço também as honrosas presenças dos Exmos. Srs. representantes do Poder Judiciário, Legislativo, Ministério Público e demais autoridades, o que atesta o prestígio de nossa Instituição e estimula o propósito, que nos anima, de uma aproximação permanente entre esta Corte e os Poderes do Estado, engajados que estamos na mesma busca do bem comum. Agradeço a todos os queridos amigos que nos prestigiaram com sua presença e peço vênia para agradecer e saudar especialmente meus conterrâneos de Pouso Alegre e os Srs. Prefeitos e Vereadores, ilustres convidados e amigos queridos que aqui estiveram neste momento significativo de minha vida. A todos, os meus especiais agradecimentos e a minha eterna gratidão. Termino por reafirmar minha fé nos Tribunais de Contas, como das mais expressivas instituições da vida republicana. Acredito que a atual conjuntura pode ser mudada para outra mais favorável, embasada num padrão ético que combata, sem trégua, os desvios dos recursos públicos e puna exemplarmente os corruptos. É preciso fazer das Cortes de Contas órgãos eficientes, eficazes, modernos, próximos da sociedade, que constroem pontes que tragam para si a voz da sociedade organizada,que é, de resto, a grande beneficiária da correta gestão dos bens e coisas públicas. Quero encerrar minhas palavras evocando a lição do Professor Sérgio Ferraz: Os Tribunais de Contas são artífices da democracia e do Estado de Direito neste País, são construtores da moralidade pública e, portanto, têm uma atividade praticamente sacerdotal (RTCRJ, n.º 40). Muito obrigado.

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PREFÁCIO AO LIVRO de D. Alvarina Amaral de Oliveira Toledo, “Uma Historia Que Já Vai Longe...”

O traço todo da vida é para muitos um desenho da criança esquecido pelo homem, e ao qual este terá sempre que se cingir sem o saber. Joaquim Nabuco

Recebi, com desvanecimento, o delicado convite para prefaciar esta obra memorialista intitulada Uma História Que Já Vai Longe, da lavra da ilustre dama pouso-alegrense D. Alvarina Amaral de Oliveira Toledo. Lançado em boa hora, o livro, a meu ver, não se limita apenas a evocar tempos idos e vividos pela Autora, mas quer levar, ao conhecimento da nova geração, figuras que marcaram época na história de Pouso Alegre e de Minas. Se o trabalho representa uma satisfação pessoal para a Autora, vale também, de outra parte, pelo seu valor pedagógico de fazer o registro de fatos importantes da nossa história e de resguardar a memória de pessoas e instituições que, ao seu tempo, contribuíram para o enriquecimento sóciocultural de nossa comunidade. Por tudo isso, quero confessar que li os originais da obra com a emoção de quem, num passe de mágica, retornasse ao aconchego das lareiras domésticas, para de novo escutar, como lembra um escritor, as vozes familiares e amigas e sentindo, de repente, os aromas de suas raízes natais. A Autora revê, assim, os antigos vultos e velhos cenários que lembram os seus começos, as fontes de sua formação em cujas águas se dessedenta, para trazer, do imo de seu coração emocionado, esta narrativa lírica, real, evocativa, que tanto bem faz à sua alma e à sua sensibilidade de mulher. A Autora, a exemplo de Joaquim Nabuco na sua Massangana, escreveu um hino à infância, vivida no Casarão do Senador, no Colégio das Dorotéias, em meio a concertos de piano, quermesses, horas de arte no Clube Literário, representações no Teatro Municipal, passeando no jardim da Praça da Catedral sob os auspícios da imagem de Nossa Senhora dos Namorados e gozando das sombras amigas das árvores frondosas do Velho Parque... 298


Paulo Pinheiro Chagas, que, além de político e orador, foi também um grande literato, discorrendo sobre a Massangana, de Joaquim Nabuco, lembra que Todos nós trazemos, indelevelmente gravada, a memória de nossos começos, assim como as conchas trazem, guardadas dentro de si, a memória do mar. Por isso, o reencontro do homem com as raízes de sua formação há que se impregnar daquele misterioso encantamento das velhas baladas do outro tempo, quando os trovadores cantavam a elegia do destino (As Idéias Não Morrem, ed. Itatiaia, 1981, p. 329). Como o poeta Jansen Filho, a Autora poderia também dizer: Lembrando aquele tempo bom, risonho, Relaxo o queixo sobre as mãos e sonho Como se a saudade adormecesse... Contudo, como escrínio das reminiscências da Autora, ressurge, a cada momento, como pano de fundo de suas memórias, a figura maiúscula de seu ídolo, guia e inspirador: seu avô e pai de criação — o Senador Eduardo Carlos Vilhena do Amaral, figura exemplar de cidadão, profissional, político, homem dotado de fina sensibilidade, imantado dos princípios cristãos e humanísticos. Entretanto, era uma criatura de extrema simplicidade, virtude que define os grandes homens. Professor e advogado, quando atendeu aos apelos de sua vocação política, ascendeu a todos os degraus da vida pública: Vereador, Agente Executivo (Prefeito), Deputado Estadual, Deputado Federal, Senador, VicePresidente do Estado (denominação da época), chegando a exercer a Presidência quando da licença do Dr. Artur Bernardes para disputar a Presidência da República. Foi um exemplo de político. Destacou-se por sua ponderação, honestidade, espírito de conciliação e irreprochável espírito público. Vale a pena recordá-lo nesta hora em que a nação brasileira clama por uma reversão de valores, por uma prática política sadia e patriótica, voltada para os superiores interesses da coletividade.

É preciso que voltemos, como sugere Paulo Pinheiro Chagas, às

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origens de nossa formação nacional, às raízes venerandas de nossa história, para revivermos “a antiga virtude republicana feita de simplicidade, de renúncia, de desinteresse. E vamos encontrá-la, muito particularmente, nos velhos mestres, identificados com a grandeza daqueles dias iniciais, quando os homens eram singelos e a vida se pautava pela severa pureza dos costumes” (op. Cit., p. 347). O Senador Eduardo Amaral se enquadra, assim, entre aqueles políticos respeitáveis da velha República cujos exemplos são hoje invocados como inspiradores de uma política voltada para a Pátria e o bem comum. A Autora soube destacar e enaltecer, com rara felicidade, os aspectos marcantes da vida de seu avô, fazendo-o, com esmero e carinho, a exemplo do joalheiro que trabalha as pedras preciosas, conferindo-lhes um brilho fulgurante e permanente. Colocando esse passado tão bonito e edificante ao alcance das novas gerações, ela se fez merecedora da gratidão e do aplauso de seus amigos e conterrâneos. De minha parte, quero explicitar a honraria, que me coube, de prefaciar este livro. Fi-lo com muito carinho, tendo em vista ainda as razões sentimentais que me ligam à memória do Senador Eduardo Amaral. Meu pai, Tuany Toledo, ex-Prefeito Municipal, foi seu compadre e correligionário político, tendo estado ao seu lado nos acontecimentos revolucionários de 1930 como consta, aliás, das narrativas deste livro. Demais disso, por feliz coincidência, tendo sido eleito para a Academia Pouso-alegrense de Letras, cujo Presidente é o Dr. Eduardo Antônio de Oliveira Toledo, um dos mais inspirados poetas desta terra, bisneto do grande homem público, coube-me a honra de ocupar a Cadeira n.º 28, que leva o nome do Senador Eduardo Amaral, fato que muito me gratificou. De resto, quero responder à indagação que a Autora faz ao final de seu livro, dizendo-lhe que, positivamente, “essas histórias tão distantes no tempo foram compreendidas”. E serão compreendidas por todos quantos tenham sensibilidade para sentir e entender este hino de amor que ela compôs, com tanto carinho e sentimento, em louvor de seus entes queridos, da sua gente e da sua querida Pouso Alegre. Felizes as criaturas que,como D. Alvarina Amaral de Oliveira Toledo, podem olhar para trás, com prazer, e para frente, com esperança. Para isso, é preciso fé. E isso ela tem de sobejo: em Deus e nos homens.

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Hร MON VIEIRA Cadeira n.ยบ 30 Patrono Sylvio Fausto de Oliveira

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José Maria (Hémon) Vieira nasceu José, mas pediu autorização à Mãe (Dona Luiza) e acrescentou o pseudônimo Hémon ao nome quando se embrenhou a fazer arte. Nasceu em Santo Antônio do Itaim, Cachoeira de Minas (MG) em 03.03.1955. Estudou em São Paulo até o ginásio. Mudou-se para Pouso Alegre em 1976, onde concluiu o ensino médio na Escola Estadual Presidente Arthur da Costa e Silva e bacharelou-se em Ciências Jurídicas pela Faculdade de Direito do Sul de Minas. Foi Vice-Presidente da Federação de Teatro de Minas Gerais e Diretor do Teatro Municipal de Pouso Alegre por diversas gestões. É sócio-fundador de diversas entidades, entre elas a Associação Amigos do Teatro Municipal de Pouso Alegre, a Associação PróJustiça e Cidadania de Pouso Alegre e a ONGTAC Treinamento, Arte e Cultura. É professor em oficinas de teatro, cinema e televisão e produtor destas mesmas artes. Cineasta, tem realizado, como roteirista e diretor, diversos filmes de curta-metragem como, “Ceia das Almas” e “Viúvas Outra Vez”, e estréia, em dezembro deste ano, o seu primeiro longametragem, “No Mundo do Vento Azul”. Poeta, escritor e dramaturgo, tem obras publicadas em diversos periódicos mineiros e em dois volumes dos Festivais Nacionais de Prosa e Verso de Pouso Alegre e em outros dois volumes denominados Poesia na Praça. Foi premiado em diversos concursos, tendo recebido o Prêmio Alfonsina Stormi da Fundación Givre, Buenos Aires, Argentina. É ainda detentor da Medalha do Mérito Teatral Mineiro. É titular da Cadeira n.º 30 da Academia Pouso-alegrense de Letras, que tem como patrono Sylvio Fausto de Oliveira.

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DO HOMEM

Senhor, não cumpras as leis! Não tentes sorrir... Lavaste a cara na suja enxurrada e os pés lamacentos. Sugaste com violência os seios da donzela, que talha os pulsos com cacos de luz. Abusaste da polpa ainda em gestação. Senhor, não cumpras essas leis que ferem, ocultam. Não tentes sorrir! Lavaste as mãos.

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NOITE Há um silêncio que corre pela estrada, uma gota de orvalho que se esmaga no chão, uma voz rouca que se prende na garganta. Há um livro que se abre em branco, um pássaro na janela que se assombra, um sopro ventando rápido pela sala. Há uma luz que brilha, que ofusca, que se apaga.

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... Vejam as noites... que longas... transformam em ação o gesto gelado. E seu grito de vitória, lá no fundo escondido, é morto pelo tilintar dos cofres-porcos. Creio em ti, povo soberano, que, hoje escravo dos impostores, pasta, calmamente, na luz branca refletida no espaço negro dos tempos.

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MEU POEMA O Meu poema amaldiçoa os verbos que se recusam à conjugação pelos pronomes rejeitados. O meu poema amaldiçoa os críticos que não o aceitam pelas formas abstratas do aniquilamento. O meu poema eu o quero tal como é ocupando espaço no meio dos literatos ecumênicos. O meu poema amaldiçoa as mãos que corrigem seus versos e os dedos que apontam seus desversos. O meu poema não é agora nem será depois, pois que o tempo é carência pelas palavras independentes. O meu poema gargalha das palavras que não o podem conter sem explodir em conseqüências dicionariais. O meu poema é um estar pelas linhas apagadas pelas borrachas esborrachadas nas calçadas dos parágrafos.

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O meu poema tresloucado ainda não te diz da censura que cometes e das pragas que hás de ser. O meu poema inexiste na forma que existiria correndo as páginas jornalísticas e as imagens na televisão. O meu poema pede socorro implora atenção não pede favor nem necessita das palavras e fórmulas. O meu poema é um todo gerado em si mesmo pouco querendo vender-se na esquina.

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GOTA D'ÁGUA Não se manifesta a “gota d'água” a todo instante. É irrefreável no seu efeito exato. Nas circunstâncias ideais, sua manifestação é lenitivo que aquece o fim inquietante e, também, inesperado. Gota, de líquido espesso, quente escorre letalmente do ventre ferido, da faca do assassino. Dir-me-ão: C U L P A D O! Dir-te-ei, talvez, que a “gota d'água” seja a espia, não a faca. TRANSBORDAR é verbo (In) transitivo. Transbordamo-nos em “gotas (d'água)” a todo instante. Cristalinas, opacas, cinzentas, negras, assassinas! GOTA GOTEJANTE O T E J A D A Impressionante gênese que faz surgir o resultado.

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TUA AUSÊNCIA DE NOVO! Em cada canto tua presença-ausente sopra em meus ouvidos teus idos desejos, teus sonhos — teu riso. São minhas companhias o silêncio a chuva fina no telhado transparente. Ah! Como queria agora ter de volta teu calor teus lábios de cetim tuas histórias de anjos! Ah! Quisera mesmo prosseguir colecionando nossos segredos meus — teus medos!... Mas esse meu coração acelerado 281 cala — o passado... nem história é — foi ciclone devastador — febril!

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QUARTA CINZENTA FEIRA DAS CINZAS Hoje, acabou-se a festa das festas que se fizeram, dos gritos que se deram, das roupas que se despiram, dos risos que se riram, das lágrimas que se expulsaram, dos sexos que se usaram. Hoje, santa quarta maldita feira das cinzas dia da volta ao lar, aos pais, às mães, aos irmãos, aos amigos, aos patrões. Hoje, ressuscitar das noites acordadas, das buscas não alcançadas, ao ócio da realidade. Hoje, amar a namorada esquecida nos cantos do carnaval, perdida sozinha entre dezenas de foliões nos salões aglomerados de pulsações aceleradas.

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Hoje, despir as máscaras, vestir a máscara de ferro exigida pelas exigências todas dos homens que se divulgam para os votos, dos homens que se proclamam povo, dos homens desesperados. Hoje, Colombina retornando ao lar; Pierrot, à fábrica de automóveis; Arlequim lavando os carros sujos de sangue das fantasias defloradas pelas horas da manhã. Hoje, carnaval lá, quarta-feira já impõe sua presença acabando um sonho sonhado por milhões de sorrisos fantasiados que turistas de Ray-bans aplaudiram pelas jaulas da vida brasileira.

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