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NA ERA DA DESINFORMAÇÃO IN THE ERA OF DESINFORMATION
NICOLAU SANTOS,
PRESIDENTE DO CONSELHO DE ADMINISTRAÇÃO DA RTP PRESIDENT OF THE BOARD OF DIRECTORS OF (STATE BROADCASTER) RTP
NA ERA DA DESINFORMAÇÃO
IN THE ERA OF DISINFORMATION
Portugal tem um problema de literacia. Política, cultural, social, financeira, mediática. É um problema que paradoxalmente se aprofundou quarenta e sete anos depois de 1974, apesar de nesse período se ter verificado uma descida notável da taxa de analfabetismo (25,7% em 1970, 5,2% em 2011, Pordata) e vivermos diariamente confrontados com uma overdose de informação, que nos chega pelas mais diferentes vias, com as redes sociais à cabeça. Segundo uma estimativa da Intelligence Unit da revista Economist, hoje em dia cerca de 60% das pessoas que vivem no planeta, à volta de 4,2 mil milhões de cidadãos, já só procura informação de todo o tipo através das redes sociais. É pois suposto concordarmos com a afirmação de que vivemos na Era da Informação. Contudo, com a explosão brutal das notícias falsas divulgadas pelas mais diferentes plataformas telemáticas, o que se pode afirmar seguramente é que o mundo vive na Era da Desinformação. E o combate à desinformação, que mina os pilares das sociedades democráticas, passa pelos grupos públicos de media, os públicos em primeiro lugar. São eles que estão em melhores condições para travar esse combate pelo facto de, ao contrário dos órgãos privados, não dependerem exclusivamente das receitas dos mercados para sobreviverem e das pressões sobre as linhas editoriais que daí podem decorrer. A literacia mediática caracteriza-se pela capacidade de compreensão dos utilizadores quer da informação que consomem, quer da que produzem e que divulgam. Torna os cidadãos mais conscientes, mais capazes de discernir e decidir por si próprios, ficando menos sujeitos à desinformação e à manipulação da informação, mais aptos a intervirem civicamente e a participarem ativamente na vida política, económica, social e cultural da sociedade. Nesta matéria, Portugal tem vindo a progredir. O Media Literacy Index, que avalia a literacia mediática em 35 países europeus, colocava Portugal em 2018 no 15º lugar com 59 pontos em 100. Contudo, em 2019, o país subiu para o 11º lugar com 62 pontos, estando atrás de nós o Reino Unido, Áustria, França, Espanha e Itália, além Portugal has a problem with literacy: political, cultural, social, financial and media. This is a problem that has paradoxically deepened forty-seven years after the 1974 revolution despite this period also registering a substantial decline in the rate of illiteracy (25.7% in 1970, 5.2% in 2011; Pordata) and daily experiencing the challenge of an overdose of information that arrives through so many different paths but with the social networks leading the way. According to an estimate by the Economist Intelligence Unit, nowadays, somewhere around 60% of people living on the planet, in the region of 4.2 billion citizens, only ever seek out information of whatever the type via social networks. It is then supposed that we agree with the affirmation that we live in an Information Era. However, following this brutal explosion of fake news disseminated all across the different IT platforms, what we may more safely affirm is that we live in the Era of Disinformation. And combatting disinformation, which undermines the pillars of democratic societies, involves public media groups, state owned first and foremost. They are in the best position to wage this combat due to the fact that, different to their private counterparts, they do not depend exclusively on market revenues to survive and the pressures on the editorial lines that may result from such a situation. Media literacy is characterised by the capacity of users to understand both the information that they consume and that which they produce and distribute. Citizens are more aware, more capable of differentiating and deciding on their own behalf, less subject to disinformation and manipulation, more able to intervene in civic terms and actively participate in the political, economic, social and cultural lives of any society. In these terms, Portugal has made progress. The Media Literacy Index, which evaluates the media literacy of 35 European countries in 2018 placed Portugal in 15th place on 59 points out of 100. However, in 2019, Portugal was up to 11th place on 62 points and thereby ahead of the United Kingdom, Austria, France, Spain and Italy and the extent of Eastern Europe with the exception of Estonia.
de todos os países do leste, com exceção da Estónia. Não é seguro, contudo, que não possa existir uma regressão nesta matéria, pelo que se devem desenvolver todas as ações possíveis para aumentar a literacia mediática no país. Por isso, o que posso escrever para lhe dizer a si, estimado leitor, para o fazer acreditar quão importante é aumentar a sua literacia mediática, tornando-o mais capaz de separar o trigo do joio e de discernir o que é verdadeiro do que é falso? Provavelmente nada. Está com toda a certeza atulhado em informações que lhe chegam pelas mais diversas vias, das tradicionais às redes sociais. Vê televisão, houve rádio, lê jornais, recebe o ‘clipping’ que todos os dias lhe entregam com notícias sobre a sua empresa, sobre a evolução dos mercados, sobre a concorrência, sobre novos produtos e tendências. Basicamente, o seu problema não é falta de informação. É informação a mais. E receia que ou não a consiga processar totalmente, deixando escapar algo vital, ou que se afogue nesse “tsunami” informativo diário, perdendo o foco que o deve orientar nas suas decisões. Está, portanto, claro para si que vivemos na Idade da Informação, uma Era em que todos somos produtores de informação, todos temos acesso às redes sociais, que se tem multiplicado velozmente nos últimos dez anos, ao mesmo tempo que se segmentam por públicos (os mais jovens estão agora no TikTok, os mais velhos acantonaram-se no Facebook, o Instagram recolhe pessoas de todas as idades, o Twitter é agora uma poderosa arma no combate político, etc). Segundo um estudo da Unit Intelligence da revista The Economist é provável que 60% das pessoas em todo o mundo (4,2 mil milhões de seres humanos) se informem já hoje somente através das redes sociais. E esta é uma tendência imparável, por muito que possamos não gostar dela. Ora quando pela primeira vez na história da Humanidade há tanta gente em tantas partes do mundo dependentes de algumas plataformas digitais, a tentação de manipular o pensamento, os desejos e os gostos dessas pessoas é seguramente avassaladora, tanto mais que isso pode render a presidência ou o governo de países ou fazer com que algumas entidades lucrem milhões e milhões com a utilização do algoritmo certo. Não preciso seguramente recordar-lhe as suspeitas de manipulação no referendo sobre o Brexit ou nas eleições norte-americanas em que estiveram frente-afrente Donald Trump e Hillary Clinton. Dirá o leitor: sim, e o que tenho a ver com isso? A informação que tenho chega-me e sobra-me para a minha vida. O problema, caro leitor, é que nas redes sociais a mercadoria que se transaciona é só uma e apenas uma: você e milhares de milhões de pessoas como você. O que as redes sociais pretendem e conseguem é saber o que faz, o que come, o que veste, os seus gostos, a que restaurantes vai, que viagens faz, se vive na cidade ou no campo, se vota à esquerda ou à direita – porque isso vale montanhas de dinheiro. Com base nisso, você pode ser condicionado pouco a pouco, subliminarmente dirigido, inconscientemente orientado para fazer isto ou aquilo ou tomar esta ou aquela decisão. Nada que George Orwell não tivesse previsto no seu “1984”. A grande diferença é que o condicionamento em “1984” assentava num sistema totalitário e nos dias de hoje submetemo-nos Nevertheless, there is no certainty that there shall be no regression in this field and hence the relevance of developing every possible action for boosting the media literacy across the country. To this end, just what might I write for you, dear reader, to make you believe just how important it is to raise the level of media literacy, becoming more able to separate the wheat from the chaff and discerning just what is true from that which is false? Probably nothing. You are certainly overwhelmed with information that arrives at you via the most diverse means, from the traditional through to the social networks. You watch television, listen to the radio, read newspapers, receiving the clipping delivered daily with all the news about your company, about the trends in the market, about the competition, new products and other tendencies. Basically, your problem is anything but the lack of information. It is having too much information. And the fear is that of not being able to process everything, of allowing something vital to escape or that you drown in this daily tsunami of information, losing the focus that should structure and guide your decisions. It is therefore clear to you that we live in an Age of Information, an Era when we are all producers of information, when we all have access to the social networks, which have multiplied many times over in the last decade while simultaneously segmenting via publics (with the youngest now on TikTok and the more elderly having taken up residence on Facebook while Instagram gathers those of all ages and with Twitter having become a powerful weapon for political campaigning, etcetera). According to by the Economist Intelligence Unit, some 60% of people around the world (thus, about 4.2 billion human beings) are today only informed through the social networks. And this would seem an unstoppable trend however much we might not appreciate it. Indeed, when for the first time in the history of humanity there are so many people in so many parts of the world dependent on some digital platforms, the temptations to manipulate the thinking, the desires and the tastes of these people are certainly overwhelming, especially given what this may return to the presidencies and governments of countries or of the entities that may generate profits running to the many billions through deploying the right algorithm. I certainly do not need to recall the suspicions of manipulation around the Brexit referendum or the North American elections that pitched Donald Trump up against Hillary Clinton. And the reader might indeed say: yes, and what do I have to do with all of this? The information that I get is enough and more than serves for my life. The problem, my dear reader, is that on the social networks the goods that are traded mean that you are but one: you and thousands of millions others just like you. What the social networks strive and are able to achieve is knowing what you do, what you eat, what you wear, what your tastes are, what restaurants you go to, what trips you make, whether you live in the city or in the country, if you vote to the left or to the right – hence the reason they are worth mountains of money. Based on this, you may be conditioned step by step, subliminally directed, unconsciously oriented towards doing this or that or making this or that decision. Nothing that George Orwell did not foresee in his “1984”. The great difference here is that the conditioning applied in “1984” stemmed from a totalitarian system and we are today unconsciously submitted to these stipulations on our own
inconscientemente a esses ditames por iniciativa própria, democraticamente, sem ser forçados por ninguém. Mais importante ainda, a informação que circula nas redes sociais não é jornalismo, não é uma informação produzida segundo os códigos deontológicos que orientam a profissão dos jornalistas, não é uma informação que tenha sido verificada, cruzada através de três fontes independentes, que passe pelos olhos de editores, chefes de redação, subdiretores, diretores-adjuntos e diretores. A esmagadora maioria dessa informação ou não tem qualquer relevância, ou é lixo sem qualquer interesse ou, em casos mais específicos trata-se de campanhas de desinformação pura e dura que visam denegrir instituições, empresas, partidos, políticos, classes profissionais ou pessoas. São as incorretamente chamadas “fake news” (por definição, se uma notícia é falsa não é uma notícia) que podem resultar de campanhas organizadas, da ignorância ou dos piores e mais ignóbeis sentimentos humanos. As redes socias tornaram-se, infelizmente, o esterco informativo do mundo, embora pelo meio existam exemplos muito positivos. E é por isso que repito, caro leitor, que se acredita que vivemos na idade da informação desengane-se: nós vivemos é na Era da Desinformação, uma desinformação brutal, colossal, que tanto o pode atingir a si, como à sua família ou à sua empresa ou ao partido em que vota ou ao político que admira ou ao medicamento que toma ou ao tratamento que faz. Na Era da Desinformação que vivemos não há qualquer controlo sobre o que circula nas redes socias. Mais: não há qualquer capacidade de punir (ou ela é limitadíssima) quem produz, deliberadamente ou inconscientemente, essa desinformação. É por isso que, neste mar encapelado em que é preciso distinguir diariamente o que é verdade do que não é, em que é preciso discernir em que acreditar, o melhor conselho que lhe posso dar, caro leitor/gestor/professor/estudante, é que procure o jornalismo de qualidade, que lhe aparece com o selo de garantia de marcas idóneas e com provas dadas. Quanto ao jornalismo, que nunca se poderá bater contra as redes sociais nem esperar que elas sejam erradicadas pelo poder político, a única resposta é produzir todos os dias cada vez melhor jornalismo, aumentando os patamares de exigência para todos os que trabalham nas redações, apostando na formação e rejeitando os baixos salários, a precariedade e a instabilidade laboral. Não se conseguem produtos de qualidade ao preço da chuva e pagando mal a quem os produz. Finalmente, esta não é uma questão que diga apenas respeito ao jornalismo. Este é um problema que vai ao âmago da nossa vida em sociedade. A qualidade das nossas democracias não vive bem sem o escrutínio dos diferentes poderes, a transparência das decisões e dos atos, o questionamento do que se faz e do que se deixa de fazer – e isso não existe sem um jornalismo acutilante, rigoroso, atuante, independente, multidisciplinar. Quanto mais frágil o jornalismo que se pratica, mais frágil a qualidade das nossas instituições e da democracia. E de fragilidade em fragilidade evolui-se para o populismo, a xenofobia, os extremismos e a tentação dos regimes musculados. É bom que pensemos nisto quando temos conhecimento que mais umas centenas de jornalistas foram despedidos ou que fechou mais uma rádio ou um jornal, sendo eles nacionais, regionais ou locais – porque o jornalismo é o sangue das democracias. l initiatives, democratically, without being forced by anybody. Still more importantly, the information circulating on the social networks is not journalism, not information produced according to any of the ethical codes that guide the journalist profession, not information that has been verified, cross-referenced according to three independent sources, that has been proofed by editors, editors-in-chief, assistant-directors and directors. The vast bulk of this information either has no relevance whatsoever or is garbage of no interest whatsoever or, in more specific cases, forms part of disinformation campaigns, in the purest and hardest sense of the term, designed to denigrate institutions, companies, parties, politicians, professional classes or individuals. The latter are what get incorrectly termed as “fake news” (by definition, an article that is fake is not an article) that may result from organised campaigns, ignorance or the worst and most ignoble of human feelings. Unfortunately, the social networks have become the information manure of the contemporary world even while there are some very positive examples. And that, dear reader, is the reason I repeat that if you believe we live in an age of information, you are wrong: we live in an Era of Disinformation, a brutal and colossal level of information that may just as likely swamp you or your family, your company or the party that you vote for or the politician that you admire or the medication that your take or course of treatment you follow. In the Era of Disinformation that we live in, there is no control on what circulates in the social networks. Furthermore, there is no capacity for punishment (or only extremely limited) for those who produce, whether deliberately or unconsciously, this disinformation. Hence the need, in these troubled waters, to daily distinguish between that which is true and that which is not; the need to discern between what to believe in. The best advice that I may give you, dear reader /manager /professor/student, is that you seek out quality journalism that is published with a trademark seal of long proven independence. As regards journalism, which shall never be able to prevail against the social networks nor expect that they be eradicated by the political powers, the only response is to daily produce increasingly better journalism, raising the standards demanded of all of those working in newsrooms, investing in training and rejecting low wages, precarious and employment instability. You cannot produce quality products for the price of peanuts and still less by paying the producers badly. Finally, this is not a question that relates only to journalism. This is a problem that reaches to the core of our lives in society. The quality of our democracies does not cope well without scrutiny from the different powers, the transparency of decisions and actions, questioning over what got done and what did not get done – and this does not exist without insightful, rigorous, active, independent and multidisciplinary journalism. The more fragile that journalism becomes, the weaker the quality of our institutions and our democracy. And out of such weaknesses there evolves populism, xenophobia, extremism and temptation for authoritarian regimes. It would be good to think about this when we learn that another hundred journalists have lost their jobs or another radio station or newspaper has closed – whether national, regional or local – because journalism represents the lifeblood of democracies. l