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ENTREVISTA | INTERVIEW MANUEL DE LEMOS “É INDISPENSÁVEL UMA MUDANÇA DE PARADIGMA NA MANEIRA DE ENCARAR

“É INDISPENSÁVEL UMA MUDANÇA DE PARADIGMA NA MANEIRA DE ENCARAR A VELHICE”

“A CHANGE IN THE PARADIGM OF HOW WE PERCEIVE OLD AGE IS ESSENTIAL”

ANA VALADO

O MODELO DE APOIO A IDOSOS EM VIGOR ESTÁ DESAJUSTADO. O PERFIL DA SOCIEDADE PORTUGUESA MUDOU MUITO. AS PESSOAS TÊM EXPECTATIVAS DIFERENTES EM RELAÇÃO AO SEU PRÓPRIO ENVELHECIMENTO, QUEREM FICAR EM CASA, MANTENDO A SUA PRIVACIDADE E TENDEM A DOMINAR AS TECNOLOGIAS. É NESTE CONTEXTO QUE SURGE O DOCUMENTO DA UMP “ENVELHECIMENTO - RESPOSTAS SENIORES DO FUTURO: UM MODELO DE RESPOSTAS ESPECIALIZADAS INTEGRADAS”, QUE ANALISA OS DESAFIOS E AS EXIGÊNCIAS DO FUTURO EM RELAÇÃO AO ENVELHECIMENTO. MANUEL DE LEMOS, PRESIDENTE DA UMP, EM ENTREVISTA À PRÉMIO, FALA-NOS DESTE NOVO MODELO DE ENVELHECIMENTO E DA OPORTUNIDADE DE O IMPLEMENTAR GERADA PELA PANDEMIA COVID-19, QUE TORNOU AINDA MAIS EVIDENTE A NECESSIDADE DESTA MUDANÇA DE PARADIGMA RELATIVAMENTE AO ENVELHECIMENTO E À QUALIDADE DE VIDA DOS IDOSOS.

THE ELDERLY SUPPORT MODEL IN EFFECT IS MISALIGNED. THE PROFILE OF PORTUGUESE SOCIETY HAS CHANGED GREATLY. PEOPLE HAVE DIFFERENT EXPECTATIONS IN RELATIONSHIP TO THEIR OWN AGEING, THEY WISH TO STAY IN THEIR HOMES, MAINTAINING THEIR PRIVACIES AND TEND TO MASTER THE TECHNOLOGIES. IT IS WITHIN THIS CONTEXT THAT THERE CAME THE PUBLICATION OF THE UMP REPORT “AGEING – FUTURE RESPONSES FOR THE SENIORS: AN INTEGRATED MODEL OF SPECIALIST RESPONSES”, WHICH ANALYSES THE FUTURE CHALLENGES AND DEMANDS IN THE FIELD OF AGEING. MANUEL DE LEMOS, UMP PRESIDENT, IN AN INTERVIEW WITH PRÉMIO, TELLS US ABOUT THIS NEW MODEL OF AGEING AND THE OPPORTUNITIES FOR IMPLEMENTATION RESULTING FROM THE COVID-19 PANDEMIC, WHICH MADE THE NEED FOR THIS CHANGE IN PARADIGM ON AGEING AND THE QUALITY OF LIFE OF THE ELDERLY STILL MORE EVIDENT.

Porque surgiu agora a necessidade de um novo modelo de envelhecimento? O que está a correr mal nesta área?

O perfil dos idosos em Portugal mudou muito desde que começaram, em 1996, a ser implementadas em cooperação as primeiras políticas públicas em sede de envelhecimento. As pessoas têm expectativas diferentes em relação ao seu próprio envelhecimento, querem ficar em casa, manter as suas rotinas, a sua privacidade. Acresce que como vivemos mais anos, surgem quadros clínicos com duas ou mais doenças crónicas e são também cada vez mais comuns os casos de demência. Logo o actual modelo está desajustado. A UMP, sabendo que as Misericórdias que cuidam diariamente de mais de 55 mil idosos e das dificuldades e anseios das famílias e das instituições, entendeu que deveria propor um novo modelo de apoio que suscite o interesse e a reflexão por parte da sociedade.

Considera que este poderá ser o ponto de partida para uma discussão séria sobre o envelhecimento?

Foi justamente por isso que fizemos este trabalho, que é longo e exaustivo e por isso demorou muito a ser concluído. Estávamos a trabalhar nele quando fomos surpreendidos pela pandemia, que foi devastadora em muitos aspectos, mas tornou completamente evidente que o nosso propósito era imprescindível e urgente. Mais do que um ponto de chegada, a minha expectativa é que este trabalho seja um ponto de partida. A UMP conhece as principais dificuldades do trabalho de apoio aos idosos e este documento é a nossa contribuição para inverter a situação.

A adaptação física dos lares em termos arquitetónicos e recursos humanos diferentes e mais qualificados são duas das premissas presentes nesta proposta. Acha que a formação é indispensável para uma mudança de paradigma no tratamento e na maneira de encarar a velhice?

Claro que sim. Ainda há dias, na Cimeira Social do Porto, ouvimos a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, afirmar que a formação deve ser diária, evolutiva e em consonância com os desafios que a transição digital impõe. Mas a formação não deve ser um objecto em si própria, deve sim servir para prestarmos um serviço cada vez melhor aos idosos e às suas famílias.

O documento privilegia o apoio domiciliário face às Estruturas Residenciais para Pessoas Idosas (ERPI), os denominados lares. Em que medida as novas tecnologias, a inovação e a transição digital vêm permitir esta alteração?

O que o documento defende é uma alteração de paradigma. Todas as respostas dedicadas aos idosos estão no mesmo plano de importância, mas o pivô das políticas públicas já não pode ser a estrutura residencial. Parece-nos evidente que o novo pivô tem de ser o apoio domiciliário. Todas as pessoas querem ficar em casa o mais tempo possível. Acresce que os novos idosos têm um perfil já habituado às tecnologias, o que permite melhorar ainda mais o

Why is there now the need for a new ageing model? What’s going wrong in this area?

The role of the elderly in Portugal has changed greatly since the first public policies on ageing began being implemented in cooperation in 1996. People have different expectations in relation to their own ageing; they want to stay at home, maintain their routines and their privacy. Furthermore, I would add that as we are living for more years, there are clinical conditions with two or more chronic diseases in addition to rising levels of dementia. Thus, the current model is out of balance. UMP, in the knowledge that the Misericórdia institutions care daily for over 55,000 elderly persons and the difficulties and anxieties of the families and the institutions, decided on this need to propose a new support model able to elicit interest and reflection on behalf of society.

So, does this represent a point of departure for in-depth discussions on ageing?

That was exactly the reason that we carried out this work, which has been both long and exhaustive and thus took a long time to be concluded. We were working on this when we were taken by surprise by the pandemic, which has been devastating in many different aspects but did render our objective not only extremely clear but also stressed the urgency. More than a point of arrival, my expectation is indeed that this work serves as a point of departure. UMP understands the main difficulties to this work in support of the elderly and this document is our contribution towards inverting this situation.

The physical adaptation of elderly homes in architectural terms and different and more qualified human resources are two of the premises put forward in this proposal. Do you think training is essential to changing the paradigm for treatment and the means of perceiving old age?

Of course. Just a few days ago, at the Social Summit of Oporto, we heard the President of the European Commission, Ursula von der Leyen, affirming that training should be daily, evolving and in keeping with the challenges that the digital transition requires. However, training should not be an end in itself but rather deployed in the service of providing ever better care and support for the elderly and their families.

The document prioritises domestic support over the Residential Structures for Elderly Persons, those known as ‘homes’. To what extent do the new technologies, innovation and the digital transition enable this alteration?

What the document defends is a paradigm shift. All the responses dedicated to the elderly are on the same level of importance even while public policies can no longer be anchored in the residential structure. It would seem clear that the new anchor has to be in the provision of domestic care services. Everybody wants to stay at home for just as long as possible. I would add that the new elderly have a

apoio prestado no domicílio, garantindo segurança, conforto e qualidade de vida. São inúmeras as soluções tecnológicas disponíveis no mercado e através delas também as famílias podem sentir-se mais tranquilas em relação à permanência dos idosos em casa. Claro que, repito não estamos a colocar de lado a importância do Lar. Os lares são e serão sempre vitais. O que estamos a propor é uma reorganização das respostas sociais para que as pessoas possam ser mais bem cuidadas e protegidas. Tudo o que queremos é pessoas idosas mais felizes.

A proposta destaca ainda da necessidade de uma transformação dos lares actuais, mais adequados ao perfil que o idoso tem hoje em dia, inclusive, fala de um “Lar do Futuro”. Em que consiste este projecto?

O “Lar do Futuro” visa adequar as estruturas ao novo perfil dos idosos. Por um lado, assegurar que a arquitectura está adaptada tecnicamente para prestação dos cuidados que pessoas frágeis e/ou com diversas doenças crónicas necessitam e, por outro, garantir que os mais debilitados e também os mais autónomos tenham privacidade e qualidade de vida, sem nunca colocar em causa a dignidade de cada um. Ao mesmo tempo, o “Lar do Futuro” propõe uma estrutura mais rentável do ponto de vista ambiental, o que terá certamente impacto nos custos de funcionamento. Mas o “Lar do Futuro” vai muito para além de uma mera estrutura física; importa salientar no “Lar do Futuro” a estrutura de recursos humanos para cuidar melhor das pessoas

A imposição de assistência médica nos lares faz parte desta proposta. Como é que esta obrigação não existe até então?

A obrigação existe e está confiada aos centros de saúde, mas a prática demonstra que os centros de saúde não profile that is already accustomed to technologies, which enables further improvements in the support provided in the home, guaranteeing security, comfort and quality of life. There are countless technological solutions in the market and through them families are also able to feel more reassured in relation to elderly persons remaining in their homes. Of course, I would repeat that we are not side-lining the importance of Elderly Homes. These homes are and will remain vital. What we are proposing is a reorganisation of social responses so that these people can be better cared for and protected. Everything we strive for involves ensuring happier elderly persons.

The proposal also highlights the need for a transformation in the current homes, better adapted to the current elderly profile. There is even discussion of a “Home for the Future”. What does this project consist of?

The “Home for the Future” seeks to tailor these structures to the new profile of the elderly. On the one hand, ensuring that the architecture is technically adapted to the provision of care for fragile persons and/or with the needs arising from diverse chronic diseases and, on the other hand, guaranteeing that the most debilitated and the most autonomous enjoy privacy and quality of life without ever calling into question the dignity of each individual. At the same time, the “Home for the Future” proposes a more profitable structure from the environmental point of view, which shall certainly have an impact on the operating costs. Furthermore, the “Home for the Future” extends far beyond any mere physical structure; it should be highlighted how such a “Future Home” structures the human resources needed to better care for persons.

The imposition of medical assistance in elderly homes is another facet of this proposal. Why has this obligation not been hitherto implemented?

O “LAR DO FUTURO” VISA ADEQUAR AS ESTRUTURAS AO NOVO PERFIL DOS IDOSOS.

THE “HOME FOR THE FUTURE” SEEKS TO TAILOR THESE STRUCTURES TO THE NEW PROFILE OF THE ELDERLY.

SE AS PESSOAS ESTÃO NO SEU AMBIENTE DOMÉSTICO ESTÃO NATURALMENTE MAIS ENVOLVIDAS COM AS SUAS FAMÍLIAS.

WHEN PEOPLE ARE IN THEIR DOMESTIC ENVIRONMENTS, THEY ARE NATURALLY MORE INVOLVED WITH THEIR FAMILIES.

conseguem cumprir e por isso temos de encontrar uma resposta eficaz e eficiente. Os lares acolhem pessoas cada vez mais frágeis e a estrutura pública de saúde não tem sido capaz de dar resposta a essas pessoas. Ou muda a resposta pública ou o Estado contratualiza connosco esse serviço de saúde.

Como é que estas reestruturações propostas ao modelo actual podem trazer um envolvimento maior das famílias junto dos seus idosos?

Se as pessoas estão no seu ambiente doméstico estão naturalmente mais envolvidas com as suas famílias. Por outro lado, a estrutura do “Lar do Futuro” garante privacidade para que o convívio familiar decorra com maior qualidade.

Outra mudança significativa neste modelo é que cada pessoa tenha direito a cuidados consoante as suas necessidades, através da criação de um “plano individual” de cuidados. Este modelo é exequível com os recursos humanos e financeiros que existem actualmente?

O plano individual de cuidados é um modelo de trabalho que apenas será possível se houver uma reflexão completa sobre o tema. Serão necessários meios humanos e financeiros para que funcione plenamente, mas tudo o que se gasta a montante, poupa-se a jusante.

Qual seria o investimento previsto para implementar este modelo?

Quando colocamos a questão do financiamento, é fundamental que nos centremos custo real das respostas em detrimento das percentagens dos parceiros da cooperação. Por isso, o modelo que propomos The obligation does exist and is attributed to the local health centres but practice shows that these health centres are not able to comply and we thus need to find effective and efficient responses. Homes are dealing with ever more fragile individuals and the public healthcare structures have not been able to meet the needs of these people. Either there is a change in the public response or the state contracts homes to provide such healthcare services.

How might these restructurings of the current model bring about greater family involvement with their elderly members?

When people are in their domestic environments, they are naturally more involved with their families. Furthermore, the structure of the “Lar do Futuro” aims to guarantee privacy so as to ensure higher quality family socialisation.

Another significant change in this model is that each person has the right to care in accordance with their needs, through the setting out of “individual care plans”. Is this model feasible with the human and financial resources that are currently available?

The individual care plan is a working model that shall only ever be possible through a complete reflection on this theme. There are human and financial means needed to ensure its full functioning but everything that is spent upstream, gets saved downstream.

What kind of investment would be required to implement this model?

When we raise the question of financing, it is fundamental that we focus on the real cost of the responses to the detriment of the percentages of our cooperation partners. Thus, the model that we propose combines

conjuga dois momentos que se completam. Num primeiro momento estamos claramente a falar em investimento, em SAD, na modernização dos lares, na transição ambiental, na transição digital, nos recursos humanos, em informação para a gestão, etc. Tudo isso enquadra-se perfeitamente na Plano de Recuperação e Resiliência. Num segundo momento, esse investimento conduzirá a melhor gestão e maior eficácia. Primeiro, eficácia imaterial, porventura a mais importante, que se traduz na qualidade e no índice de felicidade dos idosos. Depois num aumento da razoabilidade da despesa pública, o que conduz inevitavelmente a uma poupança futura.

Para a realização de um plano individual de acordo com a necessidade de cada um é necessário existir uma grande articulação com os ministérios do sector. Como deverá ser esse relacionamento?

Nenhuma alteração acontecerá se os Ministérios sectoriais (Segurança Social e Saúde) persistirem em estar de costas voltadas entre si e o sector solidário. O resultado das políticas ‘top-bottom’ demonstra que é preciso implementar mudanças. A primeira será incluir o diálogo civil, promovendo mudança no sentido ‘bottom-top’.

Como vê o futuro dos idosos em Portugal daqui a 5 anos?

Depende. Ou discutimos a sério ou os idosos viverão sempre pior. O “leitmotiv” daquilo que propomos é uma máxima do escritor francês Romain Rolland: “Fazendo enganamo-nos algumas vezes. Não fazendo enganamo-nos sempre”. l two phases that are complementary. In a first stage, we are clearly talking about investment, in domestic support services, in the modernisation of the homes, in the environmental transition, the digital transition, in human resources, in the information required for good management, etcetera. All of this falls perfectly within the Recovery and Resilience Plan. In a second phase, this investment leads to better management and higher levels of effectiveness. Firstly, the intangible efficiency, nevertheless the most important, that reflects in the quality and index of happiness of the elderly. Afterwards, there is a rise in the reasonability of public expenditure, which inevitably drives future savings.

In order to produce individual plans according to the needs of each one, there is the need for a high level of articulation among the different ministries involved in the sector. How should that relationship best function?

No alteration shall ever take place while the sector’s ministries (Social Security and Health) remain with their backs turned towards each other and the charitable welfare sector. The results of the ‘top-bottom’ policies show that change needs implementing. The first should be to include civil dialogue, fostering change within a ‘bottom-top’ direction.

How do you see the future of the elderly in Portugal in five years time?

That depends. Either we engage in a serious discussion or the elderly shall always be living worse. Our slogan here is that proposed by the French writer Romain Rolland: “Doing means we sometimes make mistakes. Not doing anything means we are always making a mistake”. l

O PLANO INDIVIDUAL DE CUIDADOS É UM MODELO DE TRABALHO QUE APENAS SERÁ POSSÍVEL SE HOUVER UMA REFLEXÃO COMPLETA SOBRE O TEMA.

THE INDIVIDUAL CARE PLAN IS A WORKING MODEL THAT SHALL ONLY EVER BE POSSIBLE THROUGH A COMPLETE REFLECTION ON THIS THEME.

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