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ENTREVISTA | INTERVIEW ANTÓNIO VITORINO MÃES E FILHOS TÊM PAPEL RELEVANTE NA CONSTRUÇÃO DAS SOCIEDADES ACTUAIS MOTHERS AND CHILDREN PLAY A RELEVANT
SOFIA RAINHO
O DIRECTOR-GERAL DA ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL PARA AS MIGRAÇÕES (OIM) ESTÁ PREOCUPADO COM O CRESCIMENTO DAS REDES DE CRIMINALIDADE TRANSNACIONAL NA SEQUÊNCIA DO ENCERRAMENTO DAS FRONTEIRAS DEVIDO À PANDEMIA COVID-19. EM ENTREVISTA À REVISTA PRÉMIO, ANTÓNIO VITORINO FAZ UM APELO A TODOS OS ESTADOS PARA QUE INCLUAM OS IMIGRANTES NOS PLANOS NACIONAIS DE VACINAÇÃO. E DEIXA O ALERTA SOBRE UMA NOVA REALIDADE QUE AFECTA AS MIGRAÇÕES E QUE TEM A VER COM AS ALTERAÇÕES CLIMÁTICAS. “HÁ CADA VEZ MAIS PESSOAS A VIVEREM DESLOCADAS INTERNAMENTE DENTRO DOS SEUS PAÍSES, MUITO DEVIDO ÀS ALTERAÇÕES CLIMÁTICAS”, AFIRMA.
THE DIRECTOR-GENERAL OF THE INTERNATIONAL ORGANISATION FOR MIGRATION (IOM) IS DEEPLY CONCERNED ABOUT THE GROWTH OF TRANSNATIONAL CRIME NETWORKS FOLLOWING THE CLOSURE OF BORDERS DUE TO THE COVID-19 PANDEMIC. IN AN INTERVIEW WITH PRÉMIO MAGAZINE, ANTÓNIO VITORINO URGES ALL STATES TO INCLUDE MIGRANTS IN THEIR NATIONAL VACCINATION PLANS. AND WARNS TO THE NEW REALITY THAT AFFECTS MIGRATION AND IS CLOSELY LINKED TO CLIMATE CHANGE. “THERE ARE MORE AND MORE PEOPLE LIVING INTERNALLY DISPLACED WITHIN THEIR COUNTRIES, LARGELY DUE TO CLIMATE CHANGE,” HE SAYS.
Qual é o impacto da pandemia na população de todo o mundo?
O impacto é muito forte, mas é assimétrico, não é igual em todo o lado. Os imigrantes normalmente são a parte mais vulnerável das sociedades. Têm, normalmente, empregos precários, vivem em condições de habitação muitas vezes sobrelotadas e, obviamente, que o vírus os atingiu particularmente. Sobretudo porque durante os períodos de confinamento para que nós pudéssemos continuar a comer alguém tinha de estar a trabalhar nos campos, alguém tinha de estar nos supermercados, alguém tinha que conduzir os autocarros, alguém tinha de recolher o lixo e, normalmente, essas profissões têm uma grande presença de imigrantes. Se me perguntar se os imigrantes pararam, a resposta é não. Porque muitos imigrantes ficaram bloqueados por causa do fecho das fronteiras, são cerca de 3 milhões no mundo inteiro. Mas, por exemplo, o número de imigrantes que chegaram a Itália em 2020, vindos do norte de África, é 3 vezes mais do que os que chegaram em 2019. Ou o número de imigrantes que chegaram a Espanha pelo Mediterrâneo é igual ao de 2019. E, sobretudo, é quase duzentos por cento mais o número de imigrantes que chegaram da costa africana às ilhas canárias. Globalmente o mundo ficou parado, mas o impacto nos movimentos migratórios foi muito assimétrico e muito diferente de região para região.
E tendo em conta esses números impressionantes que referiu qual é o principal desafio da OIM no quadro pandémico que vivemos?
O grande desafio que temos neste momento é a integração dos imigrantes nos planos nacionais de vacinação. É muito importante não deixar os imigrantes de fora do plano de vacinação porque como nós já vimos, e ainda recentemente assistimos a isso em Odemira, se os imigrantes não são incluídos nos planos nacionais de vacinação eles ficam à parte numa bolha onde, obviamente, a contaminação é mais fácil e onde podem proliferar as variantes. Por isso a pedagogia que nós fazemos é esta: ninguém está seguro enquanto todos não estivermos seguros. Tal como diz o engenheiro António Guterres. Fazemos um apelo a que todos os estados integrem os imigrantes nos seus planos nacionais de vacinação.
Acha que já se interiorizou a ideia de que sem vacinação global não há segurança sanitária?
Além daqueles que são militantemente contra as vacinas, contra qualquer tipo de vacina, e são muitos - basta consultar a internet para ver o número de ‘chats’ e sites antivacinação - creio que já existe a convicção generalizada na maioria dos países de que a vacina é necessária mesmo que não estejamos completamente seguros, porque não existe evidência científica de qual é a duração da imunidade que a vacina confere. O grande problema da vacinação é que dos vários milhões de doses que já foram distribuídas e aplicadas, 80% foram nos países desenvolvidos do norte e apenas 20% nos países em vias de desenvolvimento no sul. Aqui há um problema de justiça e de equilíbrio na
What is the impact of the pandemic on the population around the world?
The impact is very strong, but it’s asymmetrical, it’s not the same everywhere. Migrants are usually the most vulnerable in societies. They normally have precarious jobs, live in overcrowded dwellings and they were, obviously, hit hard by the virus. Especially because during the lockdown periods for us to keep having food someone had to work the fields, someone had to be in supermarkets, someone had to drive buses, someone had to collect the garbage and, normally, these professions have a large presence of migrants. If you ask me if the migrants stopped the answer is no. Because many migrants were stranded due to the borders closure and there are about 3 million worldwide. But the number of migrants who arrived in Italy in 2020 from North Africa, for example, is 3 times higher than those who arrived in 2019. Or the number of migrants who arrived in Spain crossing the Mediterranean is the same as in 2019. And the number of migrants who have left from the African coast and arrived in the Canary Islands is almost two hundred per cent higher. Globally the world was in standstill, but the impact on migratory movements was very asymmetrical and different in each region.
And taking into account the impressive figures you mentioned what is the IOM’s main challenge in the current pandemic scenario?
The great challenge for us at the moment is the integration of migrants in national vaccination plans. It’s very important not to leave migrants out of the vaccination plan because, as we have already seen and we have witnessed this recently in Odemira, if migrants are not included in national vaccination plans they will be left behind in a bubble where, obviously, contamination will be easier and variants can proliferate. Hence this is our pedagogy: no one is safe until everyone is safe. As engineer António Guterres says. We call on all states to integrate migrants into their national vaccination plans.
Do you think that the idea that without global vaccination there is no health security has already been internalized?
In addition to those who are firmly against vaccines, against any type of vaccine, and there are many - just check the internet and look at the number of chats and anti-vaccination sites - I believe that there is already a widespread conviction in most countries that the vaccine is necessary even if we are not entirely sure, as there is not enough scientific evidence yet as to the duration of the immunity provided by the vaccine. The big problem with vaccination is that out of the several million doses, which have already been distributed and applied, 80% were distributed
distribuição da vacina. O que faz, por exemplo, com que de acordo com os cálculos da CODAC - que é um mecanismo da Organização Mundial de Saúde que coordena a compra e o fornecimento das vacinas no âmbito das Nações Unidas - a previsão mais optimista é de que chegaremos ao final do ano 2021 com 20% da população mundial vacinada. E como desses 20% a esmagadora maioria será no norte vamos continuar a ter durante o ano 2023 um seríssimo problema com o vírus e a necessidade de o combater, sobretudo nos países menos desenvolvidos.
Não acha que o que estamos a viver pode acentuar ainda mais as clivagens entre os países mais ricos os países mais pobres?
Já está. Eu dou-lhe o exemplo dos imigrantes. Eu falo aos países desenvolvidos e digo-lhes “têm de incluir os migrantes nos planos nacionais de vacinação” e depois também digo isso nos outros países, nos países em vias de desenvolvimento, e quando eu digo isso nos países em vias de desenvolvimento, os dirigentes respondem-me, o que é compreensível, “óptima ideia, mas já agora pode arranjar vacinas também para os nossos?” É muito difícil estar a falar com um país que não tem vacinas e dizer-lhes que eles, além dos seus cidadãos, também têm de incluir os imigrantes. Pura e simplesmente porque eles não tiveram ainda acesso à vacina e nos próximos meses não terão, provavelmente.
Muitos migrantes têm receio de sofrer represálias no âmbito do processo de vacinação. Como é que os governos devem actuar e que trabalho pode ser feito junto dos imigrantes para lhes transmitir confiança e a imprescindibilidade da vacina?
Essa é uma questão muito importante porque, de facto, os imigrantes precisam, em primeiro lugar, de serem in developed countries in the north and only 20% in developing countries in the south. And there is a problem here of fairness and balance in the distribution of the vaccine. And therefore, for example and according to CODAC calculations - a World Health Organization mechanism that coordinates the purchase and supply of vaccines within the scope of the United Nations - the most optimistic forecast is that by the end of the year 2021 20% of the world population will be vaccinated. And given that 20% the overwhelming majority will be in the north, we will keep having a very serious problem with the virus during the year 2023 and hence the need to fight it, especially in the least developed countries.
Don’t you think that what we are currently experiencing can further increase the cleavages between the richest and the poorest countries?
This is happening already. I give you the example of migrants. I address the developed countries and tell them “you have to include migrants in national vaccination plans” and I say that in the remaining countries also, in developing countries. But when I say that in developing countries the answer I get from leaders, which is understandable, is that it’s a “great idea, but can you get vaccines for our people now too?” It’s very difficult to address a country that does not have vaccines and say that, in addition to their citizens, they must also include migrants. Simply because they didn’t have access to the vaccine yet. And they probably won’t in the coming months.
Many migrants fear reprisal during the vaccination process. How should governments act and what work can be done with migrants to convey both confidence and the indispensability of the vaccine?
É MUITO DIFÍCIL ESTAR A FALAR COM UM PAÍS QUE NÃO TEM VACINAS E DIZER-LHES QUE ELES, ALÉM DOS SEUS CIDADÃOS, TAMBÉM TÊM DE INCLUIR OS IMIGRANTES. IT’S VERY DIFFICULT TO ADDRESS A COUNTRY THAT DOES NOT HAVE VACCINES AND SAY THAT, IN ADDITION TO THEIR CITIZENS, THEY MUST ALSO INCLUDE MIGRANTS.
informados sobre as vantagens da vacina. Há toda uma pedagogia, uma campanha de informação, que nós fazemos em muitos sítios onde estamos - e a OIM está em 160 países no mundo inteiro - e temos de a fazer em várias línguas porque nem sempre fazendo nas grandes línguas veiculares como o inglês as campanhas são compreendidas. Temos em primeiro lugar de ter a preocupação de nos dirigirmos aos imigrantes numa língua que eles compreendam, e com uma explicação acessível sobre as vantagens da vacinação, porque em muitos casos a vacinação não está nos hábitos culturais de algumas populações. E em segundo lugar, é evidente que muitas vezes os imigrantes têm desconfiança para se aproximarem dos serviços de saúde públicos. Especialmente os imigrantes que estão em situação irregular porque, tal como disse, têm medo de que ao ir procurar a vacina passem a ficar registados e depois as autoridades aproveitem a vacinação para aplicar medidas de política migratória, designadamente aquela que referiu que é a de os deter ou de poder expulsá-los. Por isso temos dito aos estados que para ganhar a confiança dos imigrantes é muito importante garantir que não haja nenhuma intervenção de ‘law enforcement’, de aplicação da lei, pelo facto de as pessoas se irem vacinar. Mas não lhe escondo que em vários sítios temos tido resistência por parte dos imigrantes exactamente por existir desconfiança em relação aos compromissos que possam ser assumidos e o receio de lhes serem aplicadas políticas de deportação.
O mundo parou neste último ano. Quais são as suas perspectivas para quando o mundo voltar a mexer?
Nós temos que ser humildes e reconhecer que esta pandemia mostrou que um pequenino vírus conseguiu parar o mundo inteiro, coisa que historicamente nunca tinha acontecido. E temos de ser prudentes nas previsões porque há muitas coisas que ainda não sabemos, desde logo no plano da evidência científica, com base na qual as decisões de políticas públicas devem ser adoptadas. Algumas certezas eu tenho. As migrações não vão parar. A preocupação que nós temos neste momento é que vemos que com as fronteiras fechadas há cada vez mais imigrantes a recorrer a traficantes e a passadores. Uma das consequências da pandemia é que há um aumento da procura das redes de criminalidade transnacional. A outra conclusão que nós tiramos já e que nos parece consolidada é que no futuro quando se viajar, atravessar fronteiras, seja para efeitos de transporte de mercadorias, seja para tratar de negócios ou prestar serviços, ou seja para o turismo, os controles fronteiriços vão incluir cada vez mais uma componente de saúde. E esse é todo o debate que está em curso, e que, na opinião da Organização Mundial de Saúde, em muitos aspectos ainda é prematuro. Mas falamos, por exemplo, do passaporte sanitário, do passaporte europeu… essas questões vão ser colocadas em cima da mesa. E aí vamos estar confrontados com mais um desafio. Além da falta de conhecimentos - não sabemos ao certo quanto tempo uma pessoa vacinada está imunizada, qual é a periodicidade com que as vacinas terão que ser This is a very important issue because, in fact, migrants need, first and foremost, to be informed about the advantages of the vaccine. We engage in true pedagogy, information campaigns in many places where we operate - and the IOM is in 160 countries worldwide - and we have to do it in different languages because when we do this in the major communication languages like English campaigns are not always understood. Our major concern is, first of all, to address migrants in a language that they understand and with simple explanations as to the advantages of vaccination, because in many cases vaccination is not part of the cultural habits of some populations. And secondly, it is clear that migrants often have some mistrust when it comes to take to public health services. Especially migrants who are in an illegal situation because, as I said, they are afraid that if they try to get vaccinated they will be registered and authorities might take advantage of vaccination to apply migration policy measures, particularly those you mentioned, that is being detained or even expelled. That’s why we have been telling the states that in order to gain migrants’ trust it is very important to ensure that there will be no law enforcement intervention just for getting the vaccine. But I must concede that in several places we have had resistance from migrants precisely because there is mistrust as to the procedures and deportation policies that may be adopted and applied to them.
The world stopped this past year. What do you thing it will happen when the world starts moving again?
We have to be humble and realise that this pandemic has shown how a tiny virus managed to stop the entire world, something that had never happened in history. And we have to be cautious when coming up with predictions as there are many things we don’t know yet, first and foremost as regards scientific evidence, based on which public policy decisions must be made. I do have some certainties. Migrations will not stop. Our major concern at the moment is that, given that borders are now closed, there are more and more migrants turning to traffickers and smugglers. One of the consequences of the pandemic is the increase in transnational crime networks demand. The other conclusion we have already reached and which seems to be consolidated is that in the future when traveling and crossing borders, whether to transport goods, for business purposes, to provide services, or in leisure, border controls will increasingly include a health component. There is a whole debate around this at the moment which, in the opinion of the World Health Organization is in many ways is still premature. But we are talking, for example, about the health passport, the European passport ... these issue will be put on the table. And there we will be faced with yet another challenge. Besides the lack of knowledge - we don’t know for sure how long a vaccinated person is
repetidas para garantir a imunidade – o outro problema que existe é que com estes controles de fronteira ligados às questões de saúde vai ser preciso os estados fazerem um investimento em infraestruturas, em treino de pessoal - seja de guardas de fronteira, seja dos funcionários de serviços de imigração - para poderem estar focalizados nesta dimensão nova, e que vai exigir algum tempo para ser aplicada na prática. Claro que há aspectos positivos, a digitalização sofreu um salto em frente brutal. É evidente que nós podemos fazer um uso inteligente dos mecanismos digitais os ‘QR Codes’, etc, com a preocupação de garantir a privacidade e a protecção dos dados pessoais, que é um tema muito sensível. Mas o grande desafio é que estes sistemas para funcionarem têm de ser interoperativos porque se cada país tiver o seu sistema, não funciona. E os países pobres e menos desenvolvidos poderão correr o risco de terem menos condições para desenvolver este sistemas que são custosos - custam dinheiro aos estados e às pessoas - e, por isso, poderão ficar afastados do fluxo de viagens e de mobilidade à escala internacional. É um novo factor de desigualdade com que temos de contar.
Em que outras grandes crises humanitárias internacionais está a OIM envolvida e mais empenhada neste momento, para além da pandemia? Sejam elas de origem religiosa ou tribal, como é o caso dos Rohingyas, ou da Etiópia, ou na sequência de guerras.
Infelizmente não há falta delas. Nós temos crises prolongadas no tempo, uma delas é aquela que referiu dos Rohingyas, em Cox Bazar, mas temos também os refugiados da Síria, a situação na América Latina por causa dos deslocados da Venezuela… Temos também novas crises muito associada a algo que por vezes é pouco referido e que são as alterações climáticas. Há cada vez maior número de pessoas que se deslocam e têm de deixar os lugares onde vivem por causa das alterações climáticas e da perda da immunized, when vaccination should be repeated in order to guarantee immunity - there is also the issue of border controls closely linked to health issues, the need for states to invest in infrastructure, training staff - be it border guards or migration service officials - in order to focus on this new dimension, which will take some time to be applied in practical terms. Of course there are positive aspects, digitisation has taken a giant leap forward. We can obviously use digital mechanisms in a smart way, the QR Codes, etc., in order to guarantee the privacy and protection of personal data, which is a very sensitive topic. But the big challenge is that, for these systems to work they will have to be interoperable considering that if each country has its own particular system they won’t work. And poor and less developed countries may run the risk of being less able to develop these systems, which are expensive - they cost money to states and people - and, therefore, their citizens may be excluded from the flow of travel and mobility on an international scale. This will be another cause for inequality.
In which major international humanitarian crises is IOM also involved and engaged in right now, in addition to the pandemic, whether of religious or tribal nature, such as the case with the Rohingyas, in Ethiopia, or following wars.
Unfortunately there are plenty. We have prolonged crises over time, one of which is the one you mentioned involving the Rohingyas, in Cox Bazar, but we also have refugees from Syria, the situation in Latin America because of the displaced from Venezuela... We also have new crises that are very much associated with something that is sometimes underreported and which is climate change. There are more and more people on the move and who have
FOTO: OIM
aptidão dos solos para agricultura, é o caso do Sahel. Ou então o caso do norte de Moçambique, em que cerca de 200 mil pessoas foram deslocadas por causa do furação Idai há dois anos. E agora, infelizmente, temos uma outra causa de deslocalização que é o terrorismo em Cabo Delgado. E, neste momento, contamos já com 800 mil pessoas deslocadas na província de Cabo Delgado, 600 mil que acrescem às 200 mil do furacão Idai, e aí tem um exemplo de onde as pessoas são deslocadas por várias razões e não apenas uma. E há também crises que estão a despontar. Há uma situação muito difícil na América Central, nos paises do triângulo norte - Honduras, Salvador e Guatemala -, onde também as alterações climáticas produziram um efeito muito negativo, quer em termos de furacões, e foram dois, quer em termos de destruição e perda de capacidade de produção do café e do cacau, que são duas produções agrícolas fundamentais para a região. Com as alterações climáticas essas produções foram seriamente afectadas e as pessoas tendem a deslocar-se e, normalmente, nesses casos tende a ser para os Estados Unidos da América. A Etiópia é um outro caso, mas é um conflito interno muito complexo que tem ligações com o equilíbrio entre as várias religiões do país. Mas todo o corno de África está sujeito a uma enorme pressão, seja de fluxos migratórios em direcção aos países do Golfo, através do Iémen, e sabemos que o Iémen é outra das crises prolongadas… enfim, eu podia ficar aqui a falar de inúmeras situações complicadas.
Há pouco mencionou a necessidade de haver uma espécie de plano comum entre todos os Estados. Existe uma estratégia comum entre as organizações como a UNICEF, o Plano Alimentar Mundial e a OIM, etc? Estão todas coordenadas e integradas nesta matéria?
Sim. A reforma que António Guterres implementou quando foi eleito no primeiro mandato teve como objectivo permitir to leave the places they lived in because of climate change and the loss of soil suitable for agriculture, as is the case with the Sahel. Or the case of northern Mozambique, where around 200,000 people were displaced because of the hurricane Idai, two years ago. And now, unfortunately, there is another relocation movement as a result of terrorism in Cabo Delgado. We have already 800 thousand people displaced in the province of Cabo Delgado, 600 thousand that add up to the 200 thousand displaced after the hurricane Idai, and there you have an example of people being displaced for several reasons and not just one. And there are also other crises currently emerging. There is a very difficult situation in Central America, in the countries of the northern triangle - Honduras, Salvador and Guatemala - where climate change has also had a very negative effect, both in terms of hurricanes, and two have erupted recently, given the resulting destruction and loss of production capacity of coffee and cocoa, two fundamental agricultural productions for the region. With climate change these productions have been seriously affected and people tend to move and, normally, in these cases they tend to head to the United States of America. Ethiopia is another case, a very complex internal conflict that is closely linked to the balance between the country’s many religions. But the whole Horn of Africa is subject to huge pressure, be it migratory flows towards the Gulf countries, crossing Yemen, a country which, as we all know, experiences a prolonged crisis ... in short, I could got on a on and mention a number of complicated situations.
You mentioned the need for a kind of common plan among all States. Is there a common strategy between organisations like UNICEF,
exactamente o reforço das instâncias de coordenação ao nível de cada Estado das várias agências das Nações Unidas. Há agências que têm vocação muito diferente, agências que não têm uma vocação operacional, como é o caso da Organização Mundial de Saúde, há agências que normalmente são as maiores e que são as que têm vocação operacional, ou seja, são aquelas que estão mesmo no terreno e que estão junto das pessoas. Esse é o caso da OIM, é o caso do ACNUR, é o caso do Programa Alimentar Mundial e é o caso da Unicef. Todas elas têm naturezas diversas, mas, para este efeito, é o sistema no seu conjunto das Nações Unidas sob a direcção do coordenador residente de cada país que actua em resposta às crises. Depois há a resposta que cada um pode dar em função das suas próprias qualificações e das suas capacidades. Creio que a reforma se traduziu numa resposta muito mais coordenada das instituições e das Nações Unidas a estas crises humanitárias como nunca tínhamos visto no passado.
Os populismos à esquerda e à direita estendem-se por toda a Europa. São nocivos à integração dos imigrantes nas sociedades de acolhimento, uns porque estimulam o ódio, outros porque tendem a seguir o caminho do facilistimo, o que provoca reacções negativas. Acha que uma campanha de literacia poderia ser útil?
Absolutamente, mas não é um problema exclusivo das migrações. Acho que todas as democracias estão a entrar numa fase de hiperpolarização do debate político e que esses populismos, seja à direita seja à esquerda, são os aríetes dessa hiperpolarização. Torna-se mais difícil ter uma conversa racional sobre temas que são temas complexos e que não se compadecem com respostas simplistas. A integração dos imigrantes nas sociedades de acolhimento é um processo sempre muito complexo. Não há soluções mágicas. É como eu sempre digo, um processo micro, não é um processo macro, no sentido em que não há uma integração num país no seu conjunto. A integração joga-se, ganha-se ou perde-se, no local de trabalho, no local de residência, no acesso aos serviços sociais de primeira linha, designadamente de saúde, e na integração dos filhos nos sistemas educativos nacionais. Para tudo isto é fundamental que os imigrantes aprendam a língua do país onde estão, a aprendizagem da língua é fundamental. Portanto, todas as respostas simplistas que se traduzam em dizer branco ou negro não conseguem perceber esta complexidade, esta duplacia de integração, porque o objectivo da integração não é apenas para os imigrantes onde estes escolheram viver e onde foram aceites, mas é também para as sociedades que os recebem e que têm de começar a conviver com realidades às quais até aí não estavam habituados. E esse diálogo nem sempre é fácil, exige uma atenção permanente, exige um grande empenho das autoridades locais, exige uma participação activa dos sindicatos e das associações empresariais porque o local de trabalho é muito importante. Ao contrário do que muitas vezes se diz, as pessoas não vêm para cá para receber subsídios, as pessoas vêm para cá para trabalhar. E,
the World Food Plan and IOM, etc.? Are they all coordinated and integrated in this matter?
Yes. The reform implemented by António Guterres when he was elected in the first term was there to allow precisely the strengthening of the coordination bodies of each State in the many United Nations agencies. There are agencies that have a very different focus, agencies that don’t have an operational vocation, such as the World Health Organization, and there are large agencies with an operational vocation, that is, they are really on the ground and close to people. That’s the case of IOM, of UNHCR, of the World Food Program and Unicef. They are all different in kind, to this particular end, the United Nations system as a whole, under direction of the resident coordinator of each country, acts in response to crises. Then there is the answer each particular agency can provide depending on its own qualifications and abilities. I believe that the reform has resulted in a much more coordinated response by the institutions and the United Nations to these humanitarian crises like never before.
Left wing and right-wing populisms extend across Europe. They are harmful to the integration of migrants in host societies, some because they stimulate hatred, others because they tend to follow the easy path, generating negative reactions in the process. Do you think a literacy campaign could be useful?
Absolutely, but this issue is not only there in migration. I think that all democracies are entering a phase of hyperpolarization of political debate and these populisms, on the right or on the left, are the ramparts of this hyperpolarization. It becomes more difficult to have a rational conversation on topics that are complex topics and which cannot be solved with simplistic answers. The integration of migrants in host societies is always a very complex process. There are no magic solutions. It is, as I often say, a micro process, it’s not a macro process, in the sense that there is no integration in a country as a whole. Integration is played, won or lost, in the workplace, in the place of residence, in access to first-line social services, namely health care, and in the integration of children in national education systems. It is thus essential that migrants learn the language of the country where they are. Language learning is essential. Therefore, simplistic answers that translate into saying white or black cannot perceive this complexity, this double integration, because the objective of integration is not only for migrants where they chose to live and where they were accepted, but it is also for societies that take them in and which face realities they were not used to until then. And this dialogue is not always easy, it requires permanent attention, it requires a great commitment from local
portanto, a importância da integração no local de trabalho é fundamental. Diz-me a minha experiência que as mulheres têm um papel fundamental na integração, porque as mães mesmo quando se dedicam apenas a tarefas domésticas, e hoje é cada vez menos assim, mesmo nas famílias de imigrantes trabalha o homem e trabalha a mulher, mas as mães têm sempre uma preocupação maior em relação aos filhos e os filhos são instrumentos muito importante da socialização de toda a família. Se os filhos tiverem sucesso na integração na escola esse sucesso tem um efeito e um impacto positivo na integração do conjunto dos elementos da família. Isto não é suscetível de ser resolvido com um “like” ou um “dislike”, como hoje em dia tudo se resume nas redes sociais, infelizmente isto é muito mais complexo.
O investimento que tem vindo a ser feito em países em vias de desenvolvimento, seja instituições como a UE, seja por empresários privados, podia ajudar e muito a que houvesse o desenvolvimento local necessário para que as populações não sentissem a necessidade de emigrar, o que por sua vez também ajudaria a que estes traficantes de pessoas não pudessem praticar e por aí fora. O que tem falhado? É só falha dos europeus ou dos americanos, ou dos chamados países desenvolvidos ou é também alguma impreparação local para que as coisas avancem mais celeremente?
Criar emprego na formação técnica profissional e vocacional nos países de origem dos fluxos migratórios é uma resposta fundamental para diminuir a pressão migratória, mas também para garantir que o capital humano que emigra, e que é uma perda para o país de origem, fica no país de origem para contribuir para o seu desenvolvimento. Sob esse ponto de vista essa lógica funciona, não produz resultados a curto prazo no sentido de ter resultados a uma escala significativa ao virar da esquina, porque isso exige continuidade nos projectos e muitas vezes alguns desses projectos não têm a continuidade necessária, e isso significa duração no tempo e garantia de investimento e financiamento, para produzir os efeitos. Mas depois também há o reverso da medalha, que é evidente que ninguém vai investir num país onde não haja garantias de administração que não é corrupta, onde não haja o ambiente que seja favorável ao investimento em negócios... portanto, mesmo que se pretenda apoiar esses países de origem há uma parte do trabalho que tem que ser feita por eles, e que não podem ser substituídos, que é criar as garantias para que quem investe se sinta confortável com o investimento que está a fazer, tenha o retorno e não esteja sujeito ao arbítrio.
Que análise faz do posicionamento da sociedade portuguesa em relação às migrações e aos imigrantes?
Eu tenho a percepção de que felizmente até este momento a questão da migração não tem sido um factor de divisão entre os portugueses e espero que continue a ser assim. Em parte, no meu entender isso acontece porque Portugal é um país que tem muito presente o fenómeno da emigração na sua memória colectiva como povo. Há aqui um diálogo connosco authorities, it requires active participation of unions and business associations because the workplace is very important. Contrary to what is often said, people don’t come here to receive subsidies, people come here to work. And therefore, the importance of integration in the workplace is fundamental. My experience tells me that women have a fundamental role to play in integration, because mothers, even when they engage only in domestic tasks, and today this is less and less the case even in migrant families as men and women both work, but mothers are always more concerned with their children and children are very important tools for the socialization of the whole family. If children are duly integrated at school, this success will have an effect and a positive impact on the integration of all family members. This cannot be solved with a “like” or a “dislike”, as nowadays all seems to come down to in the social media. Things are unfortunately much more complex.
Investment made in developing countries, by institutions like the EU or by private entrepreneurs, could help and a lot so that the must-needed local development could take place and populations would not feel the need to migrate, which in turn would also help and stop human traffickers from doing their job and so on. What has failed? Is it just the Europeans or the Americans fault, or of the so-called developed countries, or is there also some local lack of preparation that prevents things from moving more quickly?
Creating jobs in technical and vocational training in the countries of origin of migratory flows is a fundamental response to reduce the migratory pressure, but also to ensure that the human capital that migrates, and which represents a loss to the country of origin, remains in the country of origin and helps its development. This logic works under this perspective, does not produce results in the short term in the sense of having results on a significant scale around the corner, because it requires continuity as regards projects and often some of these projects don’t have the necessary continuity, and this means duration in time and investment and financing guarantees to produce effects. But there is also the reverse side of the medal and obviously no one will invest in a country where there is no guarantee that the administration is not corrupt, where there is not a favourable environment to invest in business ... therefore, even when there is the will to support these countries of origin, part of the work has to be done by them, and that cannot be replaced, e.g. guarantees have to be provided so that whoever invests feels comfortable with the investment they are making, generates return and is not subject to discretion.
How do you see the position of Portuguese society in relation to migration and migrants?
próprios de alguma forma. E o Presidente da República, no último discurso que fez no 25 de Abril, falou sobre a questão da leitura da dimensão colonial, mas é bom não esquecer que há esta segunda dimensão também. É como dizia um emigrante português “nós integrámos Portugal na Europa antes de Portugal ter entrado na Comunidade Europeia”. Lembro-me de quando era jovem e ter uns 17 anos se dizer que Paris era a segunda cidade mais populosa de Portugal porque havia um milhão de portugueses em Paris. E todos nós nos lembramos das condições em que essas pessoas viviam, há registos e memória por todo o país porque a emigração era um fenómeno transversal. E se for a qualquer aldeia há sempre uma família em cada aldeia que teve alguém que esteve emigrado. Portanto, aqui vigora um princípio: trata os outros como tu queres ser tratado. E nós sabemos como muitas vezes fomos discriminados quando emigrámos. E que foi a entrada na comunidades europeia que deu aos nossos emigrantes um estatuto de cidadania e de regularização e de direitos próprios. Para eles foi, de facto, um grande salto em frente. Isto para dizer que a sociedade portuguesa tem todas as razões e a obrigação para compreender os imigrantes, para se relacionar com eles, e para fazer a sua parte de contributo para a integração, desde que os imigrantes também eles próprios façam a parte deles.
Odemira é uma questão incontornável. Disse recentemente que era uma situação “embaraçosa” e “inaceitável”. Como é que se explica que situações como esta aconteçam, de quem é a responsabilidade, e o que deve ou pode ser feito para evitar que mais situações idênticas se repitam?
Há a questão de saúde pública e essa é a questão principal e a mais imediata. Responder às necessidades de saúde pública daquele grupo de imigrantes é uma responsabilidade pública do governo português. Há uma segunda dimensão, que é muito importante, que é a das condições de recrutamento destes trabalhadores. E há evidência suficiente de que, se há casos felizmente I have the perception that fortunately until now the issue of migration has not been a factor of division among the Portuguese and I hope it will stay that way. In part, in my opinion this happens because Portugal is a country that has the phenomenon of migration pretty much in its collective memory as a people. There is somehow a dialogue with us here. And the President of the Republic, in his last speech on April 25, addressed the issue of reading the colonial dimension, but we should not forget that there is also this second dimension. A Portuguese migrant once said “we integrated Portugal in Europe even before Portugal had joined the European Community”. I remember when I was young, when I was 17, people saying that Paris was the second most populous city of Portugal because there were a million Portuguese living in Paris. And we all remember the conditions in which these people lived; there are accounts and memories all over the country because emigration was a cross-sectional phenomenon. And if you go to any village, there is always a family in each village who has a relative who migrated. So there is a principle here: treat others the way you want to be treated. And we know we were often discriminated when we migrated. And we also now that joining the European Community gave our migrants a status of citizenship and also regularization and relevant rights. For them, it was, in fact, a huge leap forward. This is to say that Portuguese society has every reason and duty to understand migrants, to relate to them, and to do their part to contribute to integration, provided that immigrants themselves also do their part.
Odemira is an unavoidable issue. You said recently that it was an “embarrassing” and “unacceptable” situation. How do you explain situations like theses, whose responsibility is it, and what should or can be done to
muito positivos de recrutamento, das regras legais e éticas aplicáveis, infelizmente nós também temos conhecimento, agora com muita visibilidade, de formas de recrutamento completamente inaceitáveis. Para mim é inaceitável que um trabalhador tenha de pagar um ‘fee’ para ter um posto de trabalho, ter de pagar a uma entidade intermediária para ter direito a ter um posto de trabalho. Nós na OIM temos um programa precisamente sobre recrutamento ético, temos um conjunto de princípios, trabalhamos com muitas empresas, muitas multinacionais, que têm centros de produção em países com uma elevada imigração para o recrutamento ser feito com regras e de acordo com os cânones da segurança, da higiene e da justiça. Depois há uma terceira dimensão que é questão da habitação. Eu diria que a questão da habitação é uma questão complexa. Há casos em que os contratos de trabalho prevêem que o empregador tem a obrigação de fornecer habitação, mas há muitos casos de contratos onde essa obrigação não pende sobre os empregadores. A procura de habitação é deixada nas mãos dos próprios imigrantes. E aí é preciso que as autarquias locais estejam na primeira linha porque o que acontece muita vezes e é compreensível, é que os imigrantes que querem ter uma taxa máxima de aforro para enviar dinheiro para o país de origem se dispõem a viver em piores condições e que não são aceitáveis do ponto de vista humano e isso é terrível. Por outro lado, também é preciso compreender que os países de acolhimento têm de mostrar flexibilidade para integrar essa população flutuante no seu planeamento urbanístico. É uma situação que nós conhecemos e que todos os anos se repete no Algarve: no Verão a população triplica e o sistema de saúde está sempre sob enorme
prevent identical situations from repeating?
There is the issue of public health and that is the main and most immediate issue. Responding to the public health needs of that group of migrants is a public responsibility of the Portuguese government. There is a second dimension, which is very important, which is the recruiting conditions of these workers. And there is enough evidence that, although there are fortunately very positive recruitment cases where legal and ethical rules are applied, unfortunately we are also aware, now with greater visibility, of completely unacceptable forms of recruitment. For me it is unacceptable asking a worker to pay a fee to have a job, having to pay a middleman to have the right to have a job. At IOM we have a program precisely on ethical recruitment, we have a set of principles, we work with many companies, many multinationals, which have production centres in countries with high migration levels to ensure that recruitment is done according to the rules and the canons of safety, hygiene and justice. Then there is a third dimension, which is the housing issue. I would say that the housing issue is rather complex. There are cases where employment contracts state that the employer undertakes to provide housing, but there are many cases of contracts where that duty does not fall on employers. The demand for housing is left to the migrants themselves. Local authorities have therefore to be on the front line because quite, and is perfectly understandable, migrants who want to have a maximum savings rate in order to send money to their country of origin are willing to live in worse conditions and this is not acceptable from a human point of view and is terrible. On the other hand, we also need to understand that the
FOTO: OIM
pressão nesses meses porque ele está planeado para a população permanente residente e depois sofre um pico por causa dos veraneantes. O problema da imigração, e sobretudo desta imigração sazonal, é muito semelhante. Programar os serviços sociais ou até urbanísticos para a população residente no concelho é uma coisa… para 3 mil pessoas que chegam de repente a um pequeno concelho, e que muitas vezes até trabalham noutros conselhos, é muito difícil fazer o planeamento e tem de haver uma grande flexibilidade. Creio que a decisão que agora foi tomada, de haver um acordo de construção de alojamento para cerca de 3 mil pessoas - sendo que as associações patronais assumem a responsabilidade da habitação para 1000 pessoas e as autarquias, com o apoio dos fundos europeus, assumem a responsabilidade para as restantes 2 mil. Esta parece-me uma boa resposta, mas que tem de ser aplicada noutros sítios porque, sejamos também claros, nós sabemos que não é só em Odemira que se verifica aquilo que vimos.
Já conta neste momento mais de 2 anos e meio de mandato na OIM, qual foi o maior desafio que encontrou até agora?
Para uma organização de migrações, que assenta na mobilidade, o maior desafio é o mundo parar. Não há maior paradoxo. Ele não parou verdadeiramente, mas obviamente que o maior desafio foi ter de adaptar a organização. Nós estamos em 160 países, temos 21 mil colaboradores, temos quase 500 critérios espalhados pelo mundo, e nem sempre estão nas capitais, estão no terreno, junto das pessoas, e obviamente que isto para nós teve um impacto brutal. Em muitos sítios ainda estamos a trabalhar a partir de casa. Há toda uma série de actividades que passaram a ser ‘online’ e digitalizadas, desde as entrevistas para a emissão de vistos até ao preenchimento dos formulários dos refugiados para serem reinstalados em países seguros… tudo isso passou a ser feito ‘online’. Tudo isso exigiu adaptações no sistema informático, treinos intensivos para a qualificação… Acho que tivemos bastante sucesso, sobretudo graças ao sentido de missão dos funcionários e de quem trabalha na OIM, mas foi um desafio enorme para uma organização que assenta na mobilidade humana no momento em que, de forma inédita, o mundo parou.
E que marca gostaria de deixar no final do seu mandato na OIM?
Temos feito um grande esforço no sentido de modernizar a organização. Costumo dizer que a nossa plataforma informática é de 2004, isto é verdadeiramente uma plataforma quase do neolítico. Temos necessidade de modernizar os processos, os procedimentos, e de introduzir a digitalização de forma a salvaguardar a eficácia da organização e ser capaz de corresponder aos novos desafios. Nesse sentido, o meu mandato é um mandato de transição, entre uma OIM que funcionava num determinado paradigma e preparar a organização host countries have to show flexibility to integrate this floating population in their urban planning. We know this and it happens every year in the Algarve: in the summer the population increases three times and the health system is always under huge pressure in these months because it was planned to cater for the permanent resident population and reached a peak in demand because of the vacationers. The problem of migration, and especially of this seasonal migration, is very similar. Programming social or even urban services for the population residing in a municipality is one thing… but for 3,000 people who suddenly arrive in a small municipality and who often work in other municipalities is very difficult and requires great flexibility. I believe that a decision was made recently, e.g. housing construction agreement for about 3 thousand people were signed - employers’ associations took the responsibility to accommodate 1000 people and municipalities, with the support of European funds, took the responsibility as regards the remaining 2 thousand. This seems to me to be a good answer, but it has to be applied in other places because, let’s be clear, we know that Odemira is not alone in this.
You now have more than 2 and half years in office at IOM. What was the biggest challenge you have encountered so far?
For a migration organization based on mobility, the biggest challenge was having witnessed how the world suddenly stopped. There is no greater paradox. It didn’t really stop, but obviously the biggest challenge was having had to adapt the organization. We are in 160 countries, we have 21,000 employees, we have almost 500 offices spread around the world, and they are not always in the capitals, we have people on the ground and obviously this has had a brutal impact for us. In many places we are still working from home. There are a whole series of activities that have become online and digitized; from interviews to issuing visas to filling out refugee forms to resettled them in safe countries... all of this is now being done online. All of this required adaptations in the computer system, intensive training for qualification... I think we have been very successful, especially thanks to the sense of mission of the employees and those who work at IOM, but it was a huge challenge for an organization based on human mobility when, in an unprecedented way, the world stopped.
And what mark would you like to leave at the end of your term at IOM?
We have made a huge effort to modernize the organization. I usually say that our computer platform dates back to 2004, this is truly an almost Neolithic platform. We need to modernize processes, procedures, and introduce digitization in order to safeguard the organization’s effectiveness and to be
para os desafios da próxima década. Quer do ponto de vista do funcionamento processual e procedimental e das capacidades tecnológicas, quer também do ponto de vista dos desafios. É cada vez mais claro que o futuro das migrações está intimamente ligado às alterações climáticas. Haverá cada vez mais pessoas a deslocarem-se por causa das alterações climáticas e este é um tema novo. Há cada vez mais pessoas que são deslocadas internamente nos seus próprios países. Neste momento há 50 milhões de pessoas internamente deslocadas, que foram viver para outro lugar no mesmo país, mas que necessitam de assistência humanitária. Ou, se quiser, há 60 milhões de pessoas que vivem e trabalham em territórios que são controlados por grupos armados não estatais, grupos de criminalidade organizada, de terroristas… territórios que não são controlados pelos respectivos estados nacionais. Portanto, há novos desafios que são desafios a que a OIM terá de responder tão bem como a todos os outros que tem tão bem respondido até aqui.
Qual é o grande trabalho que a OIM tem neste momento em Portugal?
Nós apoiamos o governo português em matéria de acordos laborais bilaterais que está neste momento a negociar com países que têm comunidades de imigrantes significativas aqui em Portugal. Neste momento a comunidade indiana é a segunda maior comunidade do país. Segue-se à brasileira e até já tem mais gente do que a comunidade cabo-verdiana. Mas o fenómeno da comunidade indiana tem 5 anos, significa que é preciso adaptar os mecanismos à flexibilidade com que as pessoas se deslocam. No princípio deste século houve uma comunidade que deu um salto imenso num curtíssimo espaço de tempo que foi a comunidade ucraniana. Neste momento é uma comunidade já muito mais pequena do que foi há 10 ou 15 anos. Nós apoiamos o governo na maneira de reagir a estas flutuações da realidade da migração com destino a Portugal. Trabalhamos também no retorno e na reintegração dos imigrantes que não são autorizados a permanecer em Portugal, tendo em vista levá-los para o país de origem e criar condições para que eles se possam reinserir nesses mesmos países de origem. E trabalhamos naquilo a que chamamos de construção de capacidade, isto é, apoiar o Alto Comissário das Migrações, os centros nacionais de apoio aos imigrantes, na adopção de processos que permitam responder às necessidades dos imigrantes. “Last but not least”, trabalhamos muito intensamente com o SEF. O SEF é um parceiro fundamental no que respeita à emigração. Agora vai ser dividido, mas até aqui todas as questões que tinham a ver com os controles fronteiriços e com a cooperação europeia em matéria de controles fronteiriços eram trabalhadas por nós com o SEF. Veremos como nos vamos adaptar a esta nova estrutura que vai ser criada. able to respond to new challenges. In that sense, my mandate is a transition mandate, between an IOM that operated under a certain paradigm and preparing the organization for the challenges of the next decade. Both from the point of view of procedures and process and technological capabilities, as well as regards challenges. It is increasingly clear that the future of migration is closely linked to climate change. There will be more and more people on the move because of climate change and this is a new issue. More and more people are internally displaced in their own countries. There are currently 50 million internally displaced people who have moved to another place in the same country, but who need humanitarian assistance. Or, if you like, there are 60 million people who live and work in territories that are controlled by non-state armed groups, organized crime groups, terrorists... territories that are not controlled by the respective national states. So there are new challenges that IOM will have to address well just like others before.
What is the biggest task IOM is currently involved in in Portugal?
We support the Portuguese government in terms of bilateral labour agreements currently being negotiated with countries that have significant migrant communities in Portugal. Right now the Indian community is the second largest community in the country. It follows the Brazilian, which has even more people than the Cape Verdean community. But the phenomenon of the Indian community is 5 years old, it means that we need to adapt the mechanisms to the flexibility and the patterns of movement of people. At the beginning of this century there was a community whose numbers increased in a very short period, which was the Ukrainian community. Right now it’s a much smaller community than it was 10 or 15 years ago. We support the government in responding to these fluctuations in the reality of migration to Portugal. We also work on the return and reintegration of migrants who are not allowed to stay in Portugal, with a view to taking them to the country of origin and creating conditions for them to be able to reintegrate in those same countries of origin. And we work on what we call capacity building that is, supporting the High Commissioner for Migrations, the national centres supporting migrants, in the adoption of processes that allow them to respond to the needs of migrants. “Last but not least”, we work very intensively with SEF (The Foreigners and Border Service). SEF is a key partner when it comes to migration. Now it will be split, but until now all the issues that had to do with border controls and European cooperation have been worked out by us together with SEF. Let us see how we will adapt to this new structure that will be created.
Do CIM à OIM o que mudou?
Fazemos 70 anos este ano e o grande salto da OIM deu-se na última década quando passámos praticamente a ser uma agência universal. O que mudou da CIM para a OIM é que a OIM passou a ser uma agência relacionada com as Nações Unidas e não completamente à parte e autónoma como foi durante muitos anos. A partir de 2016 passou a integrar o sistema das Nações Unidas e hoje é uma organização com 174 membros, presente em 160 países, com quase 500 escritórios e tem um orçamento de 2,2 biliões de dólares. Conheceu um crescimento notável, correspondente também ao crescimento da imigração. A verdade é que nas últimas duas décadas os números de imigrantes internacionais aumentaram exponencialmente e, portanto, as necessidades de apoio aos estados e aos imigrantes eles próprios cresceram também exponencialmente e, nesse sentido, a organização cresceu também.
Esse fluxo migratório enorme que se verifica pode vir a mitigar aquilo que nós conhecemos hoje como civilização europeia ocidental, civilização chinesa? A função dos imigrantes pode ser ao ponto de serem não só eles a integrarem-se mas também de contribuirem para construir uma sociedade diferente?
As sociedades estão todas a mudar em vários aspectos, incluindo também na sua composição étnica, religiosa, cultural e até gastronómica. Até países que eram mais renitentes e têm culturas provavelmente mais consolidadas e menos abertas ao exterior hoje já admitem imigrantes. Cerca de 350 mil imigrantes vão ser admitidos, por exemplo, no Japão nos próximos três anos. O mesmo podia dizer da China que, em virtude do seu quadro demográfico, tem hoje uma política muito mais aberta a admitir já imigrantes no seu território, algo que há 10 anos era provavelmente impensável, sendo a China o maior país do mundo sob o ponto de vista populacional. Mas cada caso é um caso. A interação dos imigrantes que chegam e as sociedades de acolhimento é muito diferente. E Portugal que é um país pequenino tem um bom exemplo disso. Temos uma tradição migratória clássica que está ligada à língua, que é claramente a imigração dos países africanos de língua portuguesa e do Brasil. Esse é o perfil da nossa imigração. Mas, como já referi, tivemos de repente um fluxo migratório muito grande de imigrantes ucranianos. A Ucrânia não fica aqui ao lado e, que eu saiba, não fala português. É uma outra realidade, uma outra dimensão e são outros desafios de integração. E agora temos esta, a imigração asiática do Bangladesh, da Tailândia, do Nepal, da Índia… e essa é uma nova realidade que é também completamente diferente das anteriores. Nesse sentido, as sociedades interagem com os imigrantes. Portugal continua a ser um país aberto ao mundo porque essa é a nossa história, essa é a nossa identidade, essa é a nossa vocação universal. Tendo nós uma história tão consolidada, uma língua tão própria, uma cultura tão claramente estabelecida, não temos de recear sermos diluídos pela interação que temos com os outros povos do mundo. l
From CIM to IOM, what has changed?
We are 70 years old this year and the great leap in IOM took place in the last decade when we practically became a universal agency. What has changed from CIM to IOM is that IOM has become an agency related to the United Nations and not completely separate and autonomous as it has been for many years. As of 2016 it became part of the United Nations system and today is an organization with 174 members, present in 160 countries, with almost 500 offices and has a budget of $ 2.2 billion. It experienced a remarkable growth, corresponding also to the growth of migration. The truth is that in the last two decades the numbers of international migrants have increased exponentially and, therefore, the needs as regards supporting states and migrants themselves have also grown exponentially and, from this perspective, the organization has also grown.
Could this huge migratory flow help mitigating what we know today as Western European civilization, Chinese civilization? Can the role of migrants be such that they are not only integrated but also contribute to building a different society?
Societies are all changing in many ways, including their ethnic, religious, cultural and even gastronomic composition. Even countries that were more reluctant and have cultures that are probably more consolidated and less open to the outside now take in migrants. About 350,000 migrants will be taken in, for example, in Japan in the next three years. The same could be said of China, which, due to its demographic situation, today has a much more open policy to take in migrants in its territory, something that 10 years ago was probably unthinkable as China is the largest country in the world from the point of view of population. But each case is different. The interaction between arriving migrants and host societies is very different. And Portugal, which is a small country, has a good example of this. We have a classic migratory tradition that is linked to the language, which is clearly the migration from Portuguese-speaking African countries and Brazil. This is the profile of our immigration. But, as I mentioned, we suddenly had a very large migratory flow of Ukrainians. Ukraine is not nextdoor and, as far as I know, does not speak Portuguese. It’s another reality, another dimension and there are other integration challenges. And now we have Asian immigration from Bangladesh, Thailand, Nepal, and India ... and this is a new reality that is also completely different from the previous. In this sense, societies interact with migrants. Portugal continues to be a country open to the world because this is our history, this is our identity, and this is our universal vocation. We have such a consolidated history, a language so specific, a culture so clearly established and we do not have to fear being diluted by the interaction we have with other peoples in the world. l
HISTÓRIA DA ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL PARA AS MIGRAÇÕES (OIM)
A Organização Internacional para as Migrações (OIM) é a principal instituição intergovernamental na área das migrações e orienta-se pelo princípio de que a migração humana e ordenada beneficia os migrantes e a sociedade. Fundada em 1951, a OIM faz parte do sistema das Nações Unidas e trabalha em estreita colaboração com parceiros governamentais, inter-governamentais e não-governamentais. A OIM conta com 174 estados-membros, está em 160 países, tem cerca de 500 escritórios em mais de 100 países e conta com 21 mil colaboradores. Esta organização internacional dedica-se a promover a migração de forma humana e ordenada em benefício de todas as partes envolvidas, através da prestação de serviços e aconselhamento aos migrantes, bem como de apoio técnico e assessoria aos governos. Um dos pontos fundamentais da acção da OIM prende-se com a defesa dos direitos humanos para todos – consagrados na Carta das Nações Unidas – e nomeadamente o respeito pelos direitos, dignidade e bem-estar dos migrantes. A Organização Internacional para as Migrações tem tido um papel de relevo praticamente em todas as crises humanitárias e situações de emergência que ocorrem em todo o mundo, com uma acção fundamental. Algumas das crises em que a OIM mais foi chamada a intervir nos últimos anos prendem-se com a situação dos refugiados da Síria, mas também do Afeganistão e da Venezuela, ou ainda do Sudão do Sul e da República Democrática do Congo, entre muitas outras. Mais recentemente a OIM tem dedicado também uma particular atenção à crise dos deslocados de Palma, no norte de Moçambique, na sequênccia da violência armada na região. Este conflito já originou mais de 600 mil deslocados e a OIM já veio avisar que a crise humanitária vai ser muito prolongada naquele país. António Vitorino, actual director da Organização Internacional das Migrações foi eleito em Junho de 2018 para um mandato de 5 anos e assumiu o cargo em Setembro do mesmo ano. O português sucedeu ao norte-americano William Lacy Swing no comando da OIM. Quando iniciou funções, António Vitorino estabeleceu como objectivo principal promover a cooperação internacional como resposta à crise migratória. “O equilíbrio dos fluxos migratórios entre os países de origem, de trânsito e de acolhimento só será garantido através da cooperação entre países”, defendia na altura o director geral da OIM. Na primeira mensagem que enviou aos trabalhadores da OIM enquanto director-geral, António Vitorino reconhecia a excepcionalidade do desafio que o esperava. “Acredito que nunca houve um tempo tão interessante e ao mesmo tempo tão desafiador para trabalhar no campo das migrações”, disse então. E assumia a vontade de provar “que a migração pode ser um processo que tem vantagens para todas as sociedades, de origem, de trânsito e de destino, mas sobretudo para os próprios migrantes”.
HISTORY OF THE INTERNATIONAL ORGANIZATION FOR MIGRATION (IOM)
The International Organization for Migration (IOM) is the main intergovernmental institution in the area of migration and is guided by the principle that human and orderly migration benefits both migrants and society. Established in 1951, the IOM is part of the United Nations system and works closely with governmental, inter-governmental and nongovernmental partners. IOM has 174 member-states, is in 160 countries, has around 500 offices in more than 100 countries and has 21,000 employees. This international organization is dedicated to promoting humane and orderly migration for the benefit of all parties involved, through the provision of services and advice to migrants, as well as technical support and advice to governments. One of the fundamental aspects of IOM’s action is the defence of human rights for all - enshrined in the United Nations Charter - and in particular respect for the rights, dignity and well-being of migrants. The International Organisation for Migration has played a major role in virtually all humanitarian crises and emergency situations that occur worldwide through fundamental actions. Some of the crises in which the IOM has been called upon to intervene the recent years have to do with the situation of refugees from Syria, but also from Afghanistan and Venezuela, or even from South Sudan and the Democratic Republic of Congo, among many others. More recently, IOM has also devoted particular attention to the crisis of displaced people in Palma, in northern Mozambique, in the wake of armed violence in the region. This conflict has already caused more than 600,000 displaced people and IOM has already warned that the humanitarian crisis is going to be very prolonged in that country. António Vitorino, current director general of the International Organization for Migration, was elected in June 2018 for a 5-year term and took office in September of the same year. This Portuguese citizen succeeded the American William Lacy Swing at the helm of IOM. When António Vitorino took office he established the main objective of promoting international cooperation in response to the migratory crisis. “The balance of migratory flows between countries of origin, transit and host countries will only be guaranteed through cooperation between countries”, the director general of IOM advocated at the time. In his first message to IOM workers in is role as directorgeneral António Vitorino acknowledged the exceptional nature of the challenge he was about to face. “I believe that there has never been such an interesting and challenging time to work in the field of migration, “he said then. And he assumed the will to prove “that migration can be a process which has advantages for all societies, of origin, transit and destination, but above all for the migrants themselves”.