Filosofia
FILOSOFIA UNIDADE 1 NASCIMENTO DA FILOSOFIA Todos nós sabemos que os primeiros filósofos da humanidade foram gregos. Isso significa que embora tenhamos referências de grandes homens na China (Confúcio, Lao Tsé), na Índia (Buda), na Pérsia (Zaratustra), suas teorias ainda estão por demais vinculadas à religião para que se possa falar propriamente em reflexão filosófica. O que veremos neste capítulo é o processo pelo qual se tornou possível a passagem da consciência mítica para a consciência filosófica na civilização grega, constituída por diversas regiões politicamente autônomas. A CONCEPÇÃO MÍTICA Os mitos gregos eram recolhidos pela tradição e transmitidos oralmente pelos aedos e rapsodos, cantores ambulantes que davam forma poética aos relatos populares e os recitavam de cor em praça pública. Era difícil conhecer os autores de tais trabalhos de formalização, porque num mundo em que predomina a consciência mítica não existe a preocupação com a autoria da obra, já que o anonimato é a conseqüência do coletivismo, fase em que ainda não se destaca a individualidade. Além disso, não havia a escrita para fixar obra e autor. Por esse motivo há controvérsia a respeito da época em que teria vivido Homero, um desses poetas, e até se ele realmente teria existido (séc. IX a.C.?). É costume atribuir-lhe a autoria de dois poemas épicos (epopéias): Ilíada, que trata da guerra de Tróia (Tróia em grego é Ilion), e Odisséia, que relata o retorno de Ulisses a Ítaca, após a guerra de Tróia (Odisseus é o nome grego de Ulisses). Por vários motivos, inclusive pelo estilo diferente dos dois poemas, alguns intérpretes acham que são obras de diversos autores. De qualquer forma, as epopéias tiveram função didática importante na vida dos gregos porque descrevem o período da civilização micênica e transmitem os valores da cultura por meio das histórias dos deuses e antepassados, expressando uma determinada concepção de vida. Por isso desde cedo as crianças decoravam passagens dos poemas de Homero. As ações heróicas relatadas nas epopéias mostram a constante intervenção dos deuses, ora para auxiliar um protegido seu, ora para perseguir um inimigo. O homem homérico é presa do Destino (Moira), que é fixo, imutável, e não pode ser alterado. Até distúrbios psíquicos como o desvario momentâneo de Agamêmnon são atribuídos à ação divina. É nesse sentido a fala de Heitor: "Ninguém me lançará ao Hades" contra as ordens do destino! Garanto-te que nunca homem algum, bom ou mau, escapou ao seu destino, desde que nasceu!".
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O herói vive, portanto, na dependência dos deuses e do destino, faltando a ele a nossa noção de vontade pessoal, de livre-arbítrio. Mas isto não o diminui diante dos homens comuns. Ao contrário, ter sido escolhido pelos deuses é sinal de valor e em nada tal ajuda desmerece a sua virtude. A virtude do herói se manifesta pela coragem e pela força, sobretudo no campo de batalha, mas também na assembléia, no discurso, pelo poder de persuasão. Nessa perspectiva, a noção de virtude não deve ser confundida com o conceito moral de virtude como o conhecemos posteriormente, mas como excelência, superioridade, alvo supremo do herói. Trata-se da virtude do guerreiro belo e bom. Hesiodo, outro poeta que teria vivido por volta do final do século VIII e princípios do VII a.C., produz uma obra com características que apontam para a época que se vai iniciar a seguir, com particularidades que tendem a superar a poesia impessoal e coletiva das epopéias. Mas mesmo assim, sua obra Teogonia (teo: deus; gonia: origem) reflete ainda a preocupação com a crença nos mitos. Nela Hesíodo relata as origens do mundo e dos deuses, e as forças que surgem não são a pura natureza, mas sim as próprias divindades: Gaia é a Terra, Urano é o Céu, Cronos é o Tempo, surgindo ora por segregação, ora pela intervenção de Eros, princípio que aproxima os opostos. A CONCEPÇÃO FILOSÓFICA É no período arcaico que surgem os primeiros filósofos gregos, por volta de fins do século VII a.C. e durante o século VI a.C. Alguns autores costumam chamar de "milagre grego" a passagem do pensamento mítico para o pensamento crítico racional e filosófico. Atenuando a ênfase dada a essa "mutação", no entanto, alguns estudiosos mais recentes pretendem superar essa visão simplista e ahistórica, realçando o fato deque o surgimento da racionalidade crítica foi o resultado de um processo muito lento, preparado pelo passado mítico, cujas características não desaparecem "como por encanto na nova abordagem filosófica do mundo. Ou seja, o surgimento da filosofia na Grécia não foi o resultado de um salto, um "milagre" realizado por um povo privilegiado, mas a culminação de um processo que se fez através dos tempos e tem sua divida com o passado mítico. Algumas novidades surgidas no período arcaico ajudaram a transformar a visão que o homem mítico tinha do mundo e de si mesmo. São elas a invenção da escrita, o surgimento da moeda, a lei escrita, o nascimento da pólis (cidade-estado), todas elas tornando-se condição para o surgimento do filósofo. Vejamos como isso se deu. A ESCRITA Geralmente a consciência mítica predomina nas culturas de tradição oral, onde ainda não há escrita. E interessante observar que mythos significa "palavra", "o que se diz". A palavra antes da escrita, ligada a um suporte vivo que a
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pronuncia, repete e fixa o evento por meio da memória pessoal. Aliás, etimologicamente, epopéia significa "o que se exprime pela palavra" e lenda é "o que se conta". É bem verdade que, de inicio, a primeira escrita é mágica e reservada aos privilegiados, aos sacerdotes e aos reis. Entre os egípcios, por exemplo, hieróglifos significa literalmente "sinais divinos". Na Grécia, a escrita surge por influência dos fenícios e já no século VIII a.C. se acha suficientemente desligada de preocupações esotéricas e religiosas. Enquanto os rituais religiosos são cheios de fórmulas mágicas, termos fixos e inquestionados, os escritos deixam de ser reservados apenas aos que detêm o poder e passam a ser divulgados em praça pública, sujeitos à discussão e à crítica. Apenas um parêntese esclarecedor: isso não significa que a escrita tenha se tornado acessível a todos. Muito ao contrário, permanece ainda grande o número de analfabetos. O que está em questão, no entanto, é a dessacralização da escrita, ou seja, seu desligamento da religião. A escrita gera uma nova idade mental porque exige de quem escreve uma postura diferente daquela de quem apenas fala. Como a escrita fixa a palavra, e conseqüentemente o mundo, para além de quem a proferiu, necessita de mais rigor e clareza, o que estimula o espírito crítico. Além disso, a retomada posterior do que foi escrito e o exame pelos outros - não só de contemporâneos, mas de outras gerações - abrem os horizontes do pensamento, propiciando o distanciamento do vivido, o confronto das idéias, a ampliação da crítica. Portanto, a escrita aparece como possibilidade maior de abstração, uma reflexão da palavra que tenderá a modificar a própria estrutura do pensamento. A MOEDA Por volta dos séculos VIII a VI a.C. houve o desenvolvimento do comércio marítimo decorrente da expansão do mundo grego mediante a colonização da Magna Grécia (atual sul da Itália) e Jônia (atual Turquia). O enriquecimento dos comerciantes promoveu profundas transformações decorrentes da substituição dos valores aristocráticos pelos valores da nova classe em ascensão. Na época da predominância da aristocracia rural, cuja riqueza se baseava em terras e rebanhos, a economia era pré-monetária e os objetos usados para troca vinham carregados de simbologia afetiva e sagrada decorrentes da posição social ocupada por homens considerados superiores e do caráter sobrenatural que impregnava as relações sociais. A fim de facilitar os negócios, a moeda, que tinha sido inventada na Lídia, aparece na Grécia por volta do século VII a.C. A moeda torna-se necessária porque, com o comércio, os produtos que antes eram feitos sobretudo com valor de uso passam a ter valor de troca, isto é, transformam-se em mercadoria, daí a exigência de algo que funcionasse como valor equivalente universal das mercadorias. A invenção da moeda desempenha papel revolucionário, pois está vinculada ao nascimento do pensamento
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racional. Isso porque passa a ser emitida e garantida pela Cidade, revertendo benefícios para a própria comunidade. Além desse efeito político de democratização, a moeda sobrepõe aos símbolos sagrados e afetivos o caráter racional de sua concepção: muito mais do que um metal precioso que se troca por qualquer mercadoria, a moeda é um artifício racional, uma convenção humana, uma noção abstrata de valor que estabelece a medida comum entre valores diferentes. A LEI ESCRITA Drácon (séc. VII a.C.), Sólon e Clistenes (séc. VI a.C.) são os primeiros legisladores que marcam uma nova era: a justiça, até então dependente da arbitrariedade dos reis ou da interpretação da vontade divina, é codificada numa legislação escrita. Regra comum a todos, norma racional, sujeita à discussão e modificação, a lei escrita passa a encarnar uma dimensão propriamente humana. As reformas provocadas pela legislação de Clístenes fundam a pólis sobre uma base nova: a antiga organização tribal é abolida e estabelecem-se novas relações, não mais baseadas na consangüinidade, mas determinadas por nova organização administrativa. Tais modificações expressam o ideal igualitário que prepara a democracia nascente, pois a unificação do corpo social abole a hierarquia fundada no poder aristocrático das famílias. O CIDADÃO DA POLIS Jean-Pierre Vernant, helenista e pensador francês, vê no nascimento da pólis (por volta dos séculos VIII e VII a.C.) um acontecimento decisivo que "marca um começo, uma verdadeira invenção", que provocou grandes alterações na vida social e nas relações entre os homens. A originalidade da cidade grega é que ela está centralizada na agora (praça pública), espaço onde se debatem os problemas de interesse comum. Separam-se na pólis o domínio público e o privado: isto significa que ao ideal de valor de sangue, restrito a grupos privilegiados em função do nascimento ou fortuna, se sobrepõe a justa distribuição dos direitos dos cidadãos enquanto representantes dos interesses da cidade. Está sendo elaborado o novo ideal de justiça, pelo qual todo cidadão tem direito ao poder. A nova noção de justiça assume caráter político, e não apenas moral, ou seja, ela não diz respeito apenas ao indivíduo e aos interesses da tradição familiar, mas se refere a sua atuação na comunidade. A pólis se faz pela autonomia da palavra, não mais a palavra mágica dos mitos, palavra dada pelos deuses e, portanto, comum a todos, mas a palavra humana do conflito, da discussão, da argumentação. O saber deixa de ser sagrado e passa a ser objeto de discussão. A expressão da individualidade por meio do debate faz nascer a política, libertando o homem dos exclusivos desígnios divinos, e permitindo a ele tecer seu destino na praça pública. A instauração da ordem humana dá origem ao cidadão da pólis, figura inexistente no mundo coletivista da comunidade tribal.
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Portanto, o cidadão da pólis participa dos destinos da cidade por meio do uso da palavra em praça pública. Mas para que isso fosse possível, desenvolveu-se uma nova concepção a respeito das relações entre os homens, não mais assentadas nas suas diferenças, na hierarquia típica das relações de submissão e domínio. Ou seja, "os que compõem a cidade, por mais diferentes que sejam por sua origem, sua classe, sua função, aparecem de uma certa maneira "semelhantes" uns aos outros". De início a igualdade existe apenas entre os guerreiros, mas "essa imagem do mundo humano encontrará no século VI sua expressão rigorosa num conceito, o de isonomia: igual participação de todos os cidadãos no exercício do poder". (J.P. Vernant, As origens do pensamento grego, p. 42.) O apogeu da democracia ateniense se dá no século V a.C., já no período clássico, quando Péricles era estratego. É bem verdade que Atenas possuía meio milhão de habitantes, dos quais 300 mil eram escravos e 50 mil metecos (estrangeiros); excluídas mulheres e crianças,
Os primeiros filósofos viveram por volta do século VI a.C. e, mais tarde, foram classificados como pré-socráticos (a divisão da filosofia grega se centraliza na figura de Sócrates) e agrupados em diversas escolas. Por exemplo, escola jônica (Tales, Anaximandro, Anaxímenes, Heráclito, Empédocles); escola itálica (Pitágoras); escola eleática (Xenófanes, Parmênides, Zenão); escola atomista (Leucipo e Demócrito). Os escritos dos filósofos pré-socráticos desapareceram com o tempo, e só nos restam alguns fragmentos ou referências feitas por filósofos posteriores. Sabemos que geralmente, escreviam em prosa, abandonando a forma
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restavam apenas 10% considerados cidadãos propriamente ditos, capacitados para decidir por todos. Por isso, quando falamos em democracia ateniense, é bom lembrar que a maior parte da população se achava excluída do processo político. Aliás, quanto mais se desenvolvia a idéia de cidadão ideal, com a consolidação da democracia, mais a escravidão surgia como contraponto indispensável, na medida em que ao escravo eram reservadas as tarefas consideradas "menores" dos trabalhos manuais e da luta pela sobrevivência. Mas não resta dúvida de que, na fase aristocrática anterior, havia ainda outros tipos de privilégios. O que enfatizamos no processo é a mutação do ideal político e o surgimento de uma concepção nova de poder. O NASCIMENTO DO FILÓSOFO A grande aventura intelectual dos gregos não começa propriamente na Grécia continental, mas nas colônias: na Jônia (metade sul da costa ocidental da Ásia Menor) e na Magna Grécia (sul da península itálica e Sicilia).
poética característica das epopéias, dos relatos míticos. É interessante notar que, enquanto Hesíodo, ao relatar o princípio do mundo (cosmogonia) e dos deuses (teogonia), refere-se a sua gênese ou origem, as preocupações dos primeiros pensadores levam à elaboração de uma cosmologia, pois procuram a racionalidade do universo. Isso significa que, ao perguntarem como seria possível emergir do Caos um "cosmos" - ou seja, como da confusão inicial surgiu o mundo ordenado -, os présocráticos procuram o princípio (a arché) de todas as coisas, entendido este não como o que antecede no tempo,
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mas enquanto fundamento do ser. Buscar a arché é explicar qual é o elemento constitutivo de todas as coisas. A filosofia surgiu no século VI a.C. nas colônias gregas da Magna Grécia e da Jônia. Só no século seguinte desloca-se para Atenas, centro da fermentação cultural do período clássico. As respostas dos filósofos à questão do fundamento das coisas são as mais variadas. Cada um descobre a arché, a unidade que pode explicar a multiplicidade: para Tales é a água; para Anaxímenes é o ar; para Demócrito é o átomo; para Empédocles, os famosos quatro elementos, terra, água, ar e fogo, teoria aceita até o século XVIII. quando foi criticada por Lavoisier.
a interferência de agentes divinos na explicação dos fenômenos. Ainda mais: a filosofia busca a coerência interna, a definição rigorosa dos conceitos, o debate e a discussão, organiza-se em doutrina e surge, portanto, como pensamento abstrato. Na nova abordagem do real caracterizada pelo pensamento filosófico, podemos ainda notar a vinculação entre filosofia e ciência. O próprio teor das preocupações dos primeiros filósofos é de natureza cosmológica. De maneira que, na Grécia Antiga, o filósofo é também o homem do saber científico. Só no século XVII as ciências encontram seu próprio método e separam-se da filosofia, formando as chamadas ciências particulares.
MITO E FILOSOFIA: CONTINUIDADE E RUPTURA
https://docs.google.com/document/d/1IstVzu7YZkQHmSC2YoSWL4 qZVw_bgQKjxl80_fGqKVA/edit
Já podemos observar a diferença entre o pensamento mítico e a filosofia nascente: os filósofos divergem entre si e a filosofia se distingue da tradição dogmática dos mitos oferecendo uma pluralidade de explicações possíveis. Assim justificamos a perspectiva comumente aceita da ruptura entre mythos e logos (razão). No entanto, estudiosos como Cornford se preocuparam em encontrar os elementos que, apesar das diferenças, mostrassem como o pensamento filosófico nascente ainda tinha vinculações com o mito. Segundo Vernant, Cornford observou que a física jônica é a expressão do pensamento filosófico racional e abstrato, pois recorre a argumentos e não a explicações sobrenaturais. No entanto, se a atitude do filósofo o distingue do homem mítico, o conteúdo da filosofia permanece semelhante ao do mito, e dele o aproxima. Por exemplo, Hesíodo relata na Teogonia como Gaia (Terra) gera sozinha, por segregação, o Céu e o Mar; depois, a união da Terra com o Céu, presidida por Eros (princípio de coesão do Universo), resulta na geração dos deuses. Ora, examinando os textos dos filósofos jônicos, Cornford descobriu neles a mesma estrutura de pensamento existente no relato mítico: os jônios afirmam que, de um estado inicial de indistinção, separam-se pares opostos (quente e frio, seco e úmido) que vão gerar os seres naturais (o céu de fogo, o ar frio, a terra seca, o mar úmido), Para os filósofos, a ordem do mundo deriva de forças opostas que se equilibram reciprocamente, e a união dos opostos explica os fenômenos meteóricos, as estações do ano, o nascimento e a morte de tudo que vive (J. P. Vemant. Mito e pensamento entre os gregos, p. 297). Portanto, na passagem do mito à razão, há continuidade no uso comum de cenas estruturas de explicação. Na concepção de Cornford não existe "uma imaculada concepção da razão", pois o aparecimento da filosofia é um fato histórico enraizado no passado. Embora existam esses aspectos de continuidade, a filosofia surge como algo muito diferente, pois resulta de uma ruptura quanto à atitude diante do saber recebido, Enquanto o mito é uma narrativa cujo conteúdo não se questiona, a filosofia problematiza e, portanto, convida à discussão. Enquanto no mito a inteligibilidade é dada, na filosofia ela é procurada. A filosofia rejeita o sobrenatural,
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UNIDADE 2 FILOSOFIA ANTIGA OS PRÉ-SOCRÁTICOS É interessante notar que, enquanto Hesíodo, ao relatar o princípio do mundo (cosmogonia) e dos deuses (teogonia), refere-se a sua gênese ou origem, as preocupações dos primeiros pensadores levam à elaboração de uma cosmologia, pois procuram a racionalidade do universo. Isso significa que, ao perguntarem como seria possível que do Caos emergisse um “cosmos” – ou seja, como da confusão inicial surgiu um mundo ordenado –, os pré-socráticos procuram o princípio (a arché) de todas as coisas, entendido este não como o que antecede no tempo, mas enquanto fundamento do ser. Buscar a arché é explicar qual é o elemento constitutivo de todas as coisas. As respostas dos filósofos pré-socráticos eram em geral, monistas, ou seja, acreditavam que o universo tinha sido gerado através de um único elemento ou fenômeno. Cada um pretende descobrir a arché, a unidade que pode explicar a multiplicidade. Os escritos dos filósofos pré-socráticos desapareceram com o tempo, e só nos restam alguns fragmentos ou referências feitas por filósofos posteriores. Apesar de passar a ideia de que existiram antes de Sócrates, o termo pré-socrático indica uma tendência de pensamento, estando relacionado também com filósofos que viveram na mesma época de Sócrates e até mesmo depois dele. Aquilo que une os filósofos pré-socráticos é a preocupação em perguntar e compreender a natureza do mundo (a physis). Queriam entender a origem, aquilo que originou todas as coisas, o princípio delas. Os filósofos pré-socráticos são divididos em escolas do pensamento: Escola Jônica, Escola Itálica, Escola Eleática, Escola Atomística; de acordo com o local e problemas discutidos por seus pensadores.
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A Escola Jônica recebe este nome por se desenvolver na colônia grega Jônia, na Ásia Menor, local onde hoje é a Turquia. Seus principais filósofos foram: Tales de Mileto, Anaxímenes de Mileto, Anaximandro de Mileto e Heráclito de Éfeso. Pensavam sobre o elemento primeiro, chegando a conclusões diferentes. Para Tales, o elemento que forma todas as coisas é a Água. Para Anaximandro, o elemento é o ápeiron, aquilo que é ilimitado e que possibilita a união e separação dos diferentes corpos. Para Anaxímenes, o elemento é o Ar. De acordo com Heráclito, o elemento que representa a natureza das coisas é o fogo. Apesar das diferenças sobre qual seria o elemento primeiro, os filósofos da Escola Jônica pensavam o mundo como algo em movimento, a água que congela e evapora, o ápeiron que não pode ser determinado e não é estático, o ar nada palpável e o fogo que está sempre em movimento e transformando o que queima. A Escola Itálica se desenvolveu no sul da Itália. O filósofo principal desta escola foi Pitágoras de Samos. Nascido na ilha de Samos, foi na península itálica, na cidade de Crotona, onde ele desenvolveu suas ideias. Pensou serem os números as essências das coisas. Suas investigações da física e matemática eram misturadas com misticismo. São atribuídos aos discípulos de Pitágoras, os pitagóricos, diversas descobertas matemáticas. Foi Pitágoras o responsável pela criação da palavra filosofia (amizade pela sabedoria) ao chamar a si mesmo de filósofo (amigo da sabedoria). A Escola Eleática se desenvolveu na cidade de Eleia, ao sul da Itália. Seus principais filósofos foram Xenófanes de Cólofon, Parmênides de Eleia e Zenão de Eleia. Apesar de não ter nascido em Eleia, Xenófanes se estabeleceu na cidade após levar uma vida andando de povoado em povoado. A ideia principal ensinada por Xenófanes e posteriormente trabalhada por Parmênides é a ideia de Um. Xenófanes pensava no Um a partir de um pensamento mais voltado à religião, dizendo que Deus é Um, não foi feito, é eterno, perfeito e não se modifica. Em oposição à Escola Jônica, Parmênides pensa que o mundo é formado por um Ser-Absoluto, que não foi feito, é eterno, perfeito e não se modifica. Contra a ideia de movimento, Zenão desenvolveu argumentações que foram e são muito discutidas. Entre elas está a ideia de que uma flecha em voo sempre ocupa o seu espaço de flecha, logo a flecha está em repouso e todo movimento é uma ilusão. A Escola Atomística, ou atomismo, desenvolveu-se a partir da ideia de que são vários os elementos que formam as coisas. A ideia de átomo (a = negação e tomos = divisão, ou seja, aquilo que não pode ser dividido) foi desenvolvida por Leucipo de Mileto e depois trabalhada por Demócrito de Abdera e Epicuro de Samos. Para Leucipo, o mundo é formado a partir do choque aleatório e imprevisível de infinitos átomos. Embora diversos destes filósofos tenham escrito mais sobre outros assuntos do que sobre a natureza das coisas, como é o caso de Demócrito, que escreveu sobre ética, é o questionar-se sobre a natureza das coisas que os une neste período. www.mundoeducação.com/filosofia/presocráticos.htm
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Além destes pensadores é preciso destacar outros que posteriormente desenvolveram suas teorias combinando aspectos de diferentes escolas e valorizando uma concepção do mundo natural como múltiplo e dinâmico. Anaxágoras de Clazômena. Sofreu a influência dos milesianos como Anaxímenes e possivelmente dos pitagóricos. Concebeu a realidade como composta de uma multiplicidade infinita de elementos a que denominou de homeomerias. Uma passagem de Aristóteles (Metafísica, I, 3) sintetiza bem o que conhecemos do pensamento de Anaxágoras: Anaxágoras de Clazômena [...] diz que os primeiros princípios são ilimitados em número. E explica que todas as substâncias de partes iguais (homeomerias), como a água e o fogo, são geradas e destruídas por combinação e separação; em outro sentido, nem são geradas, nem destruídas, mas persistem eternamente. Anaxágoras usa o termo nous (espírito) no sentido de causa da existência do cosmo, ou de primeiro motor, de uma maneira que antecipa a concepção aristotélica formulada na Física. Empédocles de Agrigento é conhecido principalmente por sua doutrina dos 4 elementos (fogo, água, terra e ar), que de certa forma procura sintetizar as doutrinas de pensadores anteriores sobre os elementos primordiais, bem como superar a oposição entre a concepção monista eleata de unidade do real e as concepções pluralistas e mobilistas. Essa doutrina teve grande influência em toda a Antiguidade, chegando mesmo ao Renascimento e ao início do período moderno. Esses elementos são vistos como raízes (rizómata) de todas as coisas, e de sua combinação resulta a pluralidade do mundo natural. (MARCONDES, Danilo. Iniciação à História da Filosofia. Dos présocráticos a Wittgenstein. Rio de Janeiro: Zahar, 2007. pp 33-35)
HERÁCLITO, PARMÊNIDES E DEMÓCRITO Alguns exemplos indicam a existência da preocupação dos primeiros filósofos com o conhecimento e, aqui, tomaremos três: Heráclito de Éfeso, Parmênides de Eléia e Demócrito de Abdera. Heráclito de Éfeso considerava a natureza (o mundo, a realidade) um “fluxo perpétuo”, o escoamento contínuo dos seres em mudança perpetua. Dizia: “Não podemos banhar-nos duas vezes no mesmo rio, porque as águas nunca são as mesmas e nós nunca somos os mesmos”. Comparava o mundo à chama de uma vela que queima sem cessar, transformando a cera em fogo, o fogo em fumaça e a fumaça em ar. O dia se torna noite, o verão se torna outono, o novo fica velho, o quente esfria, o úmido seca, tudo se transforma no seu contrário. O mundo é um processo incessante de transformação em que cada ser está caminhando de seu contrário; cada ser é um movimento em direção ao seu contrário.
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atomismo: a realidade é constituída por átomos. A palavra átomo tem origem grega e significa “o que não pode ser cortado ou dividido”, isto é, a menor partícula indivisível de todas as coisas. Os seres surgem por composição dos átomos, transformam-se por novos arranjos dos átomos e morrem por separação dos átomos.
Heráclito (550-480 a.C.)
A realidade, para Heráclito, é a harmonia dos contrários, que não cessam de se transformar uns nos outros. Se tudo não cessa de se transformar perenemente, como explicar que nossa percepção nos ofereça as coisas como se fossem estáveis, duradouras e permanentes? Com essa pergunta o filósofo indicava a diferença entre o conhecimento que nossos sentidos nos oferecem e o conhecimento que nosso pensamento alcança, pois nossos sentidos nos oferecem a imagem da estabilidade e nosso pensamento alcança a verdade como mudança contínua. Parmênides de Eléia colocava-se na posição oposta a Heráclito. Dizia que só podemos pensar sobre aquilo que permanece sempre idêntico a si mesmo, isto é, que o pensamento não pode pensar sobre coisas que são e não são, que ora são de um modo e ora são de outro, que são contrárias a si mesmas e contraditórias.
Parmênides (530-460 a.C.)
Conhecer é alcançar o idêntico, imutável. Nossos sentidos nos oferecem a imagem de um mundo em incessante mudança, num fluxo perpétuo, onde nada permanece idêntico a si mesmo, onde tudo se torna o contrário de si mesmo: o dia vira noite, o inverno vira primavera, o doce se torna amargo, o pequeno vira grande, o grande diminui, o quente esfria, o frio se aquece, o líquido vira vapor ou vira sólido. Como pensar o que é e não é ao mesmo tempo? Como pensar o instável? Como pensar o que se torna oposto e contrário a si mesmo? Não é possível, dizia Parmênides. Pensar e apreender um ser em sua identidade profunda e permanente. Com isso, afirmava o mesmo que Heráclito – perceber e pensar são diferentes -, mas o dizia no sentido oposto ao de Heráclito, isto é, percebemos mudanças impensáveis e devemos pensar identidades imutáveis. Demócrito de Abdera desenvolveu uma teoria sobre o Ser ou sobre a natureza conhecida com o nome de
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Demócrito (460-370 a.C.)
Os átomos para Demócrito possuem formas e consistências diferentes (redondos, triangulares, lisos, duros, moles, rugosos, pontiagudos, etc.) e essas diferenças e os diferentes modos de combinação entre eles produzem a variedade de seres, suas mudanças e desaparições. Por meio de nossos órgãos dos sentidos, percebemos o quente e o frio, o doce e o amargo, o seco e o úmido, o grande e o pequeno, o duro e o mole, sabores, odores, texturas, o agradável e o desagradável, sentimos prazer e dor, porque percebemos os efeitos das combinações dos átomos que, em si mesmos, não possuem tais qualidades (isto é, não são doces nem amargos, nem azuis, nem verdes, nem grandes, nem pequenos, pois são as menores partículas materiais existentes). Somente o pensamento pode conhecer os átomos que são invisíveis para nossa percepção sensorial. Dessa maneira, Demócrito concordava com Heráclito e Parmênides em que há uma diferença entre o que conhecemos por meio de nossa percepção e o que conhecemos apenas pelo pensamento; porém, diversamente dos outros dois filósofos, não considerava a percepção ilusória, mas penas um efeito da realidade sobre nós. O conhecimento sensorial ou sensível é tão verdadeiro quanto aquilo que o pensamento puro alcança, embora de uma verdade diferente e menos profunda ou menos relevante do que aquela alcançada pelo puro pensamento. Esses três exemplos nos mostram que, desde os seus começos, a Filosofia preocupou-se com o problema do conhecimento, pois sempre esteve voltada para a questão do verdadeiro. Desde o início, os filósofos se deram conta de que nosso pensamento parece seguir certas leis ou regras para conhecer as coisas e que há uma diferença entre perceber e pensar. Pensamos com base no que percebemos ou pensamos negando o que percebemos? O pensamento continua, nega ou corrige a percepção? O modo como os seres nos aparecem é o modo como os seres realmente são? (CHAUI, Marilena. Convite à Filosofia. São Paulo: Editora Ática, 2003. pp. 121-123)
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UNIDADE 3 OS SOFISTAS A palavra sofista (em grego sophistes) deriva de sophia «sabedoria», e designa genericamente todo o homem que possui conhecimentos consideráveis em qualquer ramo do saber. No início, a palavra sofista foi utilizada para realçar uma capacidade ou arte especial num determinado assunto. Homero refere que um construtor naval, um cocheiro, um navegador, um adivinho ou um escultor são sábios nas suas profissões. Também Apolo é sophos com a sua lira. No início do séc. V a.C. o termo "sofista" passa a ser utilizado com o sentido de "homem sábio". É atribuído a poetas, a músicos e rapsodos, a deuses e mestres, aos Sete Sábios, aos filósofos pré-socráticos e a figuras com poderes superiores, como Prometeu. Pelo final do século, o termo "sofista" era aplicado a quem escrevia ou ensinava e que era visto como tendo uma especial capacidade ou conhecimento a transmitir. No entanto, depois dos sofistas terem aparecido na Grécia, os ódios e invejas que geraram por entre a multidão fez com que a palavra "sofista" começasse a ser utilizada em sentido depreciativo. A palavra passa então a ser utilizada no sentido de ladrão, charlatão ou mentiroso, significado que acaba por ir ao encontro do seu sentido atual. Como, nesta altura, os jovens atenienses estavam ávidos de novidades, rapidamente os sofistas se viram rodeados de rapazes desejosos de encontrar o segredo do domínio das multidões. Os sofistas recebiam dinheiro pelos ensinamentos que ministravam, o que era alvo da censura dos atenienses. Também Sócrates - que ao contrário dos sofistas, dispensava gratuitamente o seu saber a quem dele necessitava - achava vergonhoso vender o saber na praça publica. Como Platão diz no Protágoras, Sócrates comparava os sofistas aos mercadores, que elogiam os produtos que vendem mesmo sem saberem se são bons ou não e que, inevitavelmente eram tentados a acomodar a sua mercadoria ao gosto dos compradores. Porém, há que reconhecer que, ao receberem pelos ensinamentos ministrados, os sofistas forçaram o reconhecimento do caráter profissional do trabalho de professor. Essa é uma dívida que a institucionalização da escola tem para com eles. O palco dos sofistas eram os locais públicos mais frequentados, nomeadamente os ginásios, e também casas particulares dos que os podiam acolher — já que viajam de cidade em cidade à procura de alunos, levando consigo, de umas cidades para outras, os que conseguiam cativar. Em termos educativos, os sofistas vinculam-se à tradição dos grandes poetas, desde Homero a Hesíodo, de Simónides a Píndaro. Forneciam livros dos grandes poetas aos seus discípulos, e interpretavam metodicamente
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os grandes poetas a cujos ensinamentos se vinculavam com afinco. No entanto, as suas interpretações dos poetas são em geral muito pragmáticas. Os sofistas procuram colher todos os conhecimentos registrados nos poemas (Homero é uma útil enciclopédia, onde figuram regras fulcrais para a vida, desde a construção de carros, às estratégias militares). Além disso, para os sofistas o uso dos poemas justifica-se pelo fato de estes permitirem alcançar uma pronúncia e dicção correta das palavras. Para além de formar o homem, a educação deve, sobretudo, formar o cidadão. A finalidade cívica da educação passa, claramente, a primeiro plano. Habitante da Polis, o homem só é o que é porque vive na cidade e sem ela não é nada. E o que diz respeito à cidade, é comum, isto é, afeta a todos enquanto comunidade e cada um enquanto cidadão, membro dessa comunidade. Neste sentido, é evidente que, antes de mais, o homem é zoon politikon, como bem sintetizou Aristóteles, distinguindo-o do animal pela sua qualidade de cidadão; o biós politikos é a forma própria e sublime da vida do homem enquanto habitante da polis. A consciência da cidadania desde cedo faz sentir a falta de uma nova educação, uma vez que a antiga, com o seu receituário básico, simples e elementar de ginástica e música, não servia a formação do cidadão, não correspondia às novas necessidades individuais nem às novas exigências sociais e políticas. Politicamente, a forma democrática de organização do Estado foi o modo de governo escolhido pela Cidade-Estado de Atenas. No estado democrático ateniense, a exigência de todos, enquanto homens livres, intervirem ativamente na vida pública é um dever cívico, e a participação nas assembleias indispensável. Neste contexto, compreende-se que tenha surgido uma nova estirpe de "educadores", os sofistas — com o sucesso que se lhes reconhece. Estes apresentam-se como professores, no sentido atual do termo (os primeiros da história), e oferecem, a troco de dinheiro, o ensino da virtude, da aretê ou, como também lhe chamam, a technê (técnica, ofício, habilidade, arte ou saber aplicado) política. Os sofistas convertem, pois, a educação numa técnica ou numa arte, na qual se apresentam como mestres e, por isso, capazes de a transmitirem e ensinar — e os seus alunos que vierem a dominar esta technê alcançarão a aretê política. No entanto, esta technê está em conexão com objectivos práticos — formação de homens de Estado, dirigentes da vida pública — e, conduzindo à valorização do cidadão individualmente considerado, acaba por se orientar num sentido amoral. Os seus contemporâneos vão acusá-los de imoralidade. Ora, quem quer vencer na vida política (fazer valer interesses e convicções, ganhar um lugar de destaque, ser eleito para cargos públicos e aceder ao poder) precisa de saber como encantar auditórios, construir discursos persuasivos, formular argumentos que justifiquem e validem as posições, fazendo-as prevalecer como melhores; precisa, portanto, da arte sofística da oratória, da retórica e da dialética. Mas, porque o fim é o sucesso pessoal, vencer a todo o custo, e isso apenas é possível convencendo os outros, retórica e dialética tornam-se
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técnicas que, servindo as conveniências, se podem aplicar a qualquer conteúdo. Não admira, pois, que os sofistas venham a ser acusados de imoralidade, de administrar uma educação perversa e pervertida, de corromper a juventude e sublevar os valores tradicionais, de minar as bases da ordem social e política. Como temos vindo a referir, os sofistas surgiram em resposta às novas exigências que se colocavam à educação. De fato, quando os primeiros sofistas surgiram, não havia, mestres para ensinar a discursar e a convencer as multidões e a sociedade não os reconhecia como uma possível resolução dos seus problemas. Desta forma, não é difícil imaginarmos que os primeiros sofistas devem ter sido recebidos de modo bastante frio e sarcástico. Se, por um lado, os sofistas não tiveram dificuldades em encontrar discípulos que lhes pagassem os seus serviços, por outro lado, enfrentaram severas críticas dos mais idosos e conservadores que viam neles uma ameaça à estabilidade da Paideia. Os sofistas raramente eram filhos de Atenas e, no entanto, a sua condição de "estrangeiros" não os impedia de oferecerem aos jovens da cidade a educação pela qual todos ansiavam e que os preparava para uma carreira de engrandecimento pessoal na vida política e social da época. Geralmente não se fixavam em nenhuma cidade. Viajavam de terra em terra angariando discípulos que passavam alguns anos (habitualmente três ou quatro) estudando com eles. Mas o maior desejo de qualquer sofista era ser bem recebido em Atenas. Era aqui, no centro da cultura helênica, que eles tinham maiores probabilidades de enriquecer, aumentar a sua fama, e adquirir prestígio. Se é verdade que os sofistas acabavam por enfrentar alguns perigos, também é verdade que a sua condição usufruía de alguns benefícios. Para além da fama que eles iam conquistando pelos sítios em que iam passando, iam desfrutando da hospitalidade de casas ricas onde acabavam por ficar hospedados. Além disso, eram por vezes convocados a exercer importantes funções políticas, graças aos seus extraordinários dotes oratórios. Como se isto não bastasse, ficavam dispensados de cumprir serviço militar e de pagar impostos ao Estado, o que era obrigatório para todos os cidadãos. Como diz Jäeger "não foi só pelo seu ensino, mas também pela atração do seu novo tipo espiritual e psicológico que os sofistas foram considerados como as maiores celebridades do espírito grego de cada cidade, onde por longo tempo deram tom, sendo hóspedes prediletos dos ricos e dos poderosos" (Jäeger, 1986: pág.347). (http://www.educ.fc.ul.pt/docentes/opombo/hfe/protagoras2/links/sofista s.htm)
OS SOFISTAS, A PHYSIS E O NÓMOS Apesar de admitirem o homem como um ser constitutivo da natureza, os sofistas concebiam que ele possuía características específicas que deveriam ser levadas em conta. Acreditavam que o foco da Filosofia deveria ser o homem, e não os aspectos cosmológicos, ou seja, de origem da natureza, tão discutidos até então.
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Assim, os sofistas ajudaram a mudar o ponto central do pensamento filosófico: se no período pré-socrático a Filosofia era de cunho naturalista, no período socrático ela se tornou antropológica. Os sofistas vão trazer para o debate filosófico a ideia de nómos e deixar de lado a discussão acerca da physis. Mas, o que seria esse nómos? Os sofistas eram homens viajados que tinham entrado em contato com diferentes culturas e costumes. Por isso, eles sabiam que certas questões do mundo não eram determinadas pela natureza, mas dependiam da ação e das decisões humanas. O nómos era, então, a palavra usada para representar as práticas sociais estabelecidas pelo costume, pelas ações e pelas escolhas do próprio homem, e não pela natureza. Nómos era, portanto, uma máxima que possuía a aceitação dos membros de um grupo, a exemplo das leis escritas, da moral, da religião e da política. Apesar de parecerem naturais, essas convenções eram, segundo os sofistas, produtos de cada sociedade. Assim, cada sociedade possui suas próprias convenções, seus próprios costumes. Para os sofistas, as diferenças de costumes que as diversas sociedades apresentavam era a prova de que nem tudo era determinado pela physis, pela natureza. Essa concepção fez surgir um debate muito importante para a Filosofia e despertou a crítica dos aristocratas de Atenas. A grande questão era: as leis têm essência natural ou são convenções estabelecidas pelos homens em cada sociedade? Para os aristocratas, as leis, assim como os usos e costumes, eram elementos naturais que sempre existiram, e assim não poderiam ser modificados; eram superiores ao homem e sua vontade. Já para os sofistas, apoiados pelos democratas, as leis eram convenções criadas pela própria sociedade, de modo que cada agrupamento social desenvolvia as suas singularidades. Quando questionados acerca das desigualdades sociais, os aristocratas respondiam que essas desigualdades eram naturais, e que cada homem deveria ocupar a posição que lhe foi determinada. Já os democratas, junto aos sofistas, concebiam que essas desigualdades eram resultados da própria ação do homem. Os sofistas argumentavam que o homem não nasce sabendo as leis e os costumes que deve seguir. Isso lhe é ensinado ao longo de sua educação, e essa era mais uma prova da origem social – e não natural – das leis e dos costumes. Os defensores da democracia e os sofistas ainda partilhavam da seguinte constatação: como a maioria dos costumes e das leis foi elaborada muito tempo atrás, sua origem se perde no tempo, dando-nos a sensação de que eles sempre existiram e que são independentes da vontade do homem. A verdade, no entanto, é que em algum momento eles tiveram uma origem social. Por isso, em suas diversas viagens os sofistas se deparavam com grupos e sociedades cujos valores, costumes e comportamentos eram diferentes daqueles estabelecidos em Atenas e em outras regiões da Grécia Antiga. Para os sofistas, as diferentes culturas era uma
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prova de que os costumes e as leis eram criações do homem e, portanto, poderiam ser modificados e reformulados pelo próprio homem. A partir da concepção de nómos, os sofistas elaboraram então o primeiro conceito de cultura. Cultura seria não apenas o acúmulo de variados conhecimentos, mas também a constituição do homem como membro de uma sociedade; seria sua formação social, para além de sua natureza. (http://www.klickeducacao.com.br/conteudo/pagina/0,6313,POR4664-41611-,00.html)
Podemos reconhecer aos sofistas gregos os seguintes méritos: - Iniciaram uma reflexão sistemática sobre os problemas humanos, ao invés das questões naturais e cosmológicas dos filósofos pré-socráticos; - Aperfeiçoaram a dialética e a discussão crítica sobre as limitações e o valor do conhecimento; - Destacaram o caráter diverso e relativo das leis, próprias de cada cidade, enfatizando a contraposição entre natureza (phýsis), lei (nómos) e pacto (thésis), em que se baseiam o direito natural e o direito positivo. Ver a respeito o fragmento «A Verdade» de Antifonte; - Defenderam o conceito de natureza comum a todos os homens, o que serviu para fundamentar a lei de modo mais igualitário e universalista; - Desenvolveram princípios educativos para o ensino de gramática e retórica; Protágoras considerava-se um mestre da sabedoria e da virtude política (politiké areté), formando os jovens para o debate público e o governo do Estado. O ideal sofístico de uma natureza humana que pode ser educada e constantemente aperfeiçoada deu início à ciência pedagógica e à formação humanista na antiguidade. Não é pouca coisa, mas não se iguala, sem dúvida alguma, às contribuições de Sócrates, Platão e Aristóteles. Ao menos seja reconhecida a influência positiva dos sofistas no debate jusfilosófico: a defesa do naturalismo permite assentar o direito numa perspectiva mais cosmopolita e equânime. PROTÁGORAS E GÓRGIAS O mais eminente dos sofistas foi Protágoras, tratado com respeito por Platão no diálogo que leva seu nome. Atribui-se o primeiro estudo sistemático de gramática, distinguindo os gêneros masculino, feminino e neutro e as partes da oração em substantivo, adjetivo e verbo. Em retórica distinguiu as partes componentes do discurso: preâmbulo, disposição, exposição, discussão, refutação e conclusão. Ensinou durante quarenta anos e tornou-se muito rico, pois cobrava caro por suas lições.
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Protágoras (490-420a.C.)
Protágoras defendia o relativismo do conhecimento, através do famoso dito «O homem é a medida de todas as coisas». Se não há uma razão ou um bem imutável, se todas as percepções são subjetivas, a habilidade retórica deve prevalecer para que meu argumento seja vencedor. A posição relativista conduz ao dilema da verdade e do discurso verdadeiro: vence a discussão quem tem razão ou tem razão quem vence a discussão? Górgias é famoso por seu niilismo exacerbado. Levando as teses relativistas ao extremo, nega a possibilidade de qualquer conhecimento, seja do espaço e do tempo, das coisas particulares ou mesmo do ser em geral. Conservase de Górgias os três princípios: a) Nada existe (o ser e o não-ser não existem); b) Se algo existisse, não poderia ser conhecido, ou seja, seria incompreensível para nós; c) Se algo existe e pode ser conhecido, não pode o conhecimento ser comunicado a alguém (este conhecimento seria totalmente subjetivo).
Górgias (485-380a.C.)
É possível que as teses de Górgias fossem um exercício de retórica, para provocar os oponentes ou exercitar os alunos. Um jogo dialético para questionar as afirmações dogmáticas ou pretensamente absolutas de muitos filósofos. O fato é que ambos, Protágoras e Górgias, compartilham das mesmas teses céticas e reduzem o conhecimento ao jogo das aparências. Outros sofistas de destaque foram Hípias, Pródicos, Cálicles, Crítias e Antifonte. Chegaram até nós alguns fragmentos de suas obras e referências às suas façanhas de oratória. No que interessa à filosofia do direito, a contribuição dos sofistas foi questionar os valores éticos e jurídicos da pólis ateniense, pondo em causa a forma de governo, combatendo a injustiça da economia escravista, embasando o direito natural a partir da ordem humana e não divina. Os sofistas forneceram os argumentos contra as distorções do direito positivo vigente nas diversas pólis
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gregas. O indivíduo é o criador da cidade e vale sempre mais que a coisa criada: sua consciência, sua lei interior é mais valiosa que o decreto do democrata Péricles ou do tirano de Tebas. A crítica dos sofistas trouxe problemas. Com relação à escravidão, diziam: os deuses nos fizeram livres e a ninguém fez escravo. Ironizavam, na prática, a justiça da cidade, ensinando a quem quisesse pagar como vencer uma causa, independentemente da tese a ser defendida. Às leis decretadas pelo poder governante (nómos), opunham o conceito de uma natureza ou princípio natural (phýsis) presente no cosmo e no homem, assinalando, desse modo, a diferença entre as normas jurídicas convencionais e que quase sempre se identificam com os interesses do grupo mais forte. (http://www.vaniadiniz.pro.br/espaco_ecos/filosofia_virginia/reinerio _os_sofistas.htm)
FIQUE LIGADO NO ENEM! • O surgimento da racionalidade crítica foi o resultado de um processo muito lento, preparado pelo passado mítico. • O surgimento da filosofia na Grécia não foi o resultado de um salto, um "milagre" realizado por um povo privilegiado, mas a culminação de um processo que se fez através dos tempos e tem sua divida com o passado mítico. • A pólis se faz pela autonomia da palavra, não mais a palavra mágica dos mitos, palavra dada pelos deuses e, portanto, comum a todos, mas a palavra humana do conflito, da discussão, da argumentação. O saber deixa de ser sagrado e passa a ser objeto de discussão. • A expressão da individualidade por meio do debate faz nascer a política, libertando o homem dos exclusivos desígnios divinos, e permitindo a ele tecer seu destino na praça pública. • As preocupações dos primeiros pensadores levam à elaboração de uma cosmologia, pois procuram a racionalidade do universo. Os pré-socráticos procuram o princípio (a arché) de todas as coisas, entendido este não como o que antecede no tempo, mas enquanto fundamento do ser. Buscar a arché é explicar qual é o elemento constitutivo de todas as coisas. • Os sofistas ajudaram a mudar o ponto central do pensamento filosófico: se no período pré-socrático a Filosofia era de cunho naturalista, no período socrático ela se tornou antropológica. • Para os sofistas, as diferentes culturas era uma prova de que os costumes e as leis eram criações do homem e, portanto, poderiam ser modificados e reformulados pelo próprio homem.
Na configuração política da democracia grega, em especial a ateniense, a ágora tinha por função a) agregar os cidadãos em torno de reis que governavam em prol da cidade. b) permitir aos homens livres o acesso às decisões do Estado expostas por seus magistrados. c) constituir o lugar onde o corpo de cidadãos se reunia para deliberar sobre as questões da comunidade. d) reunir os exércitos para decidir em assembléias fechadas os rumos a serem tomados em caso de guerra. e) congregar a comunidade para eleger representantes com direito a pronunciar-se em assembleias. 2. (ENEM 2014) Compreende-se assim o alcance de uma reivindicação que surge desde o nascimento da cidade na Grécia antiga: a redação das leis. Ao escrevê-las, não se faz mais que assegurar-lhes permanência e fixidez. As leis tornam-se bem comum, regra geral, suscetível de ser aplicada a todos da mesma maneira. VERNANT, J. P. As origens do pensamento grego. Rio de Janeiro: Betrand Brasil, 1992 (adaptado)
Para o autor, a reivindicação atendida na Grécia antiga, ainda vigente no mundo contemporâneo, buscava garantir o seguinte princípio: a) Isonomia – igualdade de tratamento aos cidadãos. b) Transparência – acesso às informações governamentais. c) Tripartição – separação entre os poderes políticos estatais. d) Equiparação – igualdade de gênero na participação política. e) Elegibilidade – permissão para candidatura aos cargos públicos. 3. (ENEM 2015) A filosofia grega parece começar com uma idéia absurda, com a proposição: a água é a origem e a matriz de todas as coisas. Será mesmo necessário deternos nela e levá-la a sério? Sim, e por três razões: em primeiro lugar, porque essa proposição enuncia algo sobre a origem das coisas; em segundo lugar, porque o faz sem imagem e fabulação; e enfim, em terceiro lugar, porque nela, embora apenas em estado de crisálida, está contido o pensamento: Tudo é um. NIETZSCHE, F. Crítica moderna. In: Os pré-socráticos. São Paulo: Nova Cultural, 1999.
O que, de acordo com Nietzsche, caracteriza o surgimento da filosofia entre os gregos?
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Exercícios 1. (ENEM 2015) O que implica o sistema da pólis é uma extraordinária preeminência da palavra sobre todos os outros instrumentos do poder. A palavra constitui o debate contraditório, a discussão, a argumentação e a polêmica. Torna-se a regra do jogo intelectual, assim como do jogo político. VERNANT, J. P. As origens do pensamento grego. Rio de Janeiro: Bertrand, 1992 (adaptado).
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O impulso para transformar, mediante justificativas os elementos sensíveis em verdades racionais. b) O desejo de explicar, usando metáforas, a origem dos seres e das coisas. c) A necessidade de buscar, de forma racional, a causa primeira das coisas existentes. d) A ambição de expor, de maneira metódica, as diferenças entre as coisas. e) A tentativa de justificar, a partir de elementos empíricos, o que existe no real.
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4. (ENEM 2015) Trasímaco estava impaciente porque Sócrates e os seus amigos presumiam que a justiça era algo real e importante. Trasímaco negava isso. Em seu entender, as pessoas acreditavam no certo e no errado apenas por terem sido ensinadas a obedecer às regras da sua sociedade. No entanto, essas regras não passavam de invenções humanas. RACHELS, J. Problemas da filosofia. Lisboa: Gradiva, 2009.
O sofista Trasímaco, personagem imortalizado no diálogo A República, de Platão, sustentava que a correlação entre justiça e ética é resultado de a) determinações biológicas impregnadas na natureza humana. b) verdades objetivas com fundamento anterior aos interesses sociais. c) mandamentos divinos inquestionáveis legados das tradições antigas. d) convenções sociais resultantes de interesses humanos contingentes. e) sentimentos experimentados diante de determinadas atitudes humanas. 5. (ENEM 2012) TEXTO I Anaxímenes de Mileto disse que o ar é o elemento originário de tudo o que existe, existiu e existirá, e que outras coisas provêm de sua descendência. Quando o ar se dilata, transforma-se em fogo, ao passo que os ventos são ar condensado. As nuvens formam-se a partir do ar por filtragem e, ainda mais condensadas, transformam-se em água. A água, quando mais condensada, transforma-se em terra, e quando condensada ao máximo possível, transforma-se em pedras.
GABARITO 1 C
2 A
3 C
4 D
5 D
UNIDADE 4 SÓCRATES O filósofo Sócrates, considerado o patrono da Filosofia, rebelou-se contra os sofistas, dizendo que não eram filósofos, pois não tinham amor pela sabedoria nem respeito pela verdade, defendendo qualquer ideia, se isso fosse vantajoso. Corrompiam o espírito dos jovens, pois faziam o erro e a mentira valer tanto quanto a verdade. Discordando dos antigos poetas, dos antigos filósofos e dos sofistas, o que propunha Sócrates? Propunha que, antes de querer conhecer a Natureza e antes de querer persuadir os outros, cada um deveria, primeiro e antes de tudo, conhecer-se a si mesmo. Sócrates fazia perguntas sobre as ideias, sobre os valores nos quais os gregos acreditavam e que julgavam conhecer. Suas perguntas deixavam os interlocutores embaraçados, irritados, curiosos, pois, quando tentavam responder ao célebre “o que é”, descobriam surpresos, que não sabiam responder e que nunca tinham pensado em suas crenças, seus valores e suas ideias.
BURNET, J. A aurora da filosofia grega. Rio de Janeiro: PUC-Rio, 2006 (adaptado)
TEXTO II Basílio Magno, filósofo medieval, escreveu: “Deus, como criador de todas as coisas, está no princípio do mundo e dos tempos. Quão parcas de conteúdo se nos apresentam, em face desta concepção, as especulações contraditórias dos filósofos, para os quais o mundo se origina, ou de algum dos quatro elementos, como ensinam os Jônios, ou dos átomos, como julga Demócrito. Na verdade, dão impressão de quererem ancorar o mundo numa teia de aranha.” GILSON, E.; BOEHNER, P. Historia da Filosofia Crista. São Paulo: Vozes, 1991 (adaptado).
Filósofos dos diversos tempos históricos desenvolveram teses para explicar a origem do universo, a partir de uma explicação racional. As teses de Anaxímenes, filósofo grego antigo, e de Basílio, filósofo medieval, têm em comum na sua fundamentação teorias que: a) eram baseadas nas ciências da natureza. b) refutavam as teorias de filósofos da religião. c) tinham origem nos mitos das civilizações antigas. d) postulavam um princípio originário para o mundo. e) defendiam que Deus é o princípio de todas as coisas.
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Sócrates (469 – 399 a.C.)
Mas o pior não era isso. O pior é que as pessoas esperavam que Sócrates respondesse por elas ou para elas, que soubesse as respostas às perguntas, más Sócrates, para desconcerto geral, dizia: “Eu também não sei, por isso estou perguntando”. Donde a famosa expressão atribuída a ele: “Sei que nada sei”. A consciência da própria ignorância é o começo da Filosofia. O que procurava Sócrates? Procurava a definição daquilo que uma coisa, uma ideia, um valor é verdadeiramente. Procurava a essência verdadeira da coisa, da ideia, do valor. Procurava o conceito e não a mera opinião que temos de nós mesmos, das coisas, das ideias e dos valores. Qual a diferença entre uma opinião e um conceito? A opinião varia de pessoa para pessoa, de lugar para lugar, de época para época. É instável, mutável, depende de cada
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um, de seus gostos e preferências. O conceito ao contrário, é uma verdade intemporal, universal e necessária que o pensamento descobre, mostrando que é a essência universal, intemporal e necessária de alguma coisa. Por isso, Sócrates não perguntava se tal o qual coisa era bela – pois nossa opinião sobre ela pode variar – e sim: O que é a beleza? Qual é a essência ou o conceito do belo? Do justo? Do amor? Da amizade? Sócrates perguntava: Que razões rigorosas você possui para dizer o que diz e para pensar o que pensa? Qual é o fundamento racional daquilo que você fala e pensa? Ora, as perguntas de Sócrates se referiam a ideias, valores, práticas e comportamentos que os atenienses julgavam certos e verdadeiros em si mesmos e por si mesmos. Ao fazer suas perguntas e suscitar dúvidas, Sócrates os fazia pensar não só sobre si mesmos, mas também sobre a pólis. Aquilo que parecia evidente acabava sendo percebido como duvidoso e incerto. Sabemos que os poderosos têm medo do pensamento, pois o poder é mais forte se ninguém pensar, se todo mundo aceitar as coisas como elas são, ou melhor, como nos dizem e nos fazem acreditar que elas são. Para os poderosos de Atenas, Sócrates tornara-se um perigo, pois fazia a juventude pensar. Por isso, eles o acusaram de desrespeitar os deuses, corromper os jovens e violar as leis. Levado perante a assembleia, Sócrates não se defendeu e foi condenado a tomar um veneno e obrigado a suicidar-se. Por que Sócrates não se defendeu? “Porque”, dizia ele, “se eu me defender, estarei aceitando as acusações, e eu não as aceito. Se eu me defender, o que os juízes vão exigir de mim? Que pare de filosofar. Mas eu prefiro a morte a ter que renunciar à Filosofia”. ENSINO PELO DIÁLOGO Nas palavras atribuídas a Sócrates por Platão na obra Apologia de Sócrates, o filósofo ateniense considerava sua missão "andar por aí (nas ruas, praças e ginásios, que eram as escolas atenienses de atletismo), persuadindo jovens e velhos a não se preocuparem tanto, nem em primeiro lugar, com o corpo ou com a fortuna, mas antes com a perfeição da alma". Defensor do diálogo como método de educação, Sócrates considerava muito importante o contato direto com os interlocutores - o que é uma das possíveis razões para o fato de não ter deixado nenhum texto escrito. Suas ideias foram recolhidas principalmente por Platão, que as sistematizou, e por outros filósofos que conviveram com ele. Sócrates se fazia acompanhar frequentemente por jovens, alguns pertencentes às mais ilustres e ricas famílias de Atenas. Para Sócrates, ninguém adquire a capacidade de conduzir-se, e muito menos de conduzir os demais, se não possuir a capacidade de autodomínio. Depois dele, a noção de controle pessoal se transformou em um tema central da ética e da filosofia moral. Também se formou aí o conceito de liberdade interior: livre é o homem que não se deixa escravizar pelos próprios apetites e segue os princípios que, por intermédio da educação, afloram de seu interior.
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Opondo-se ao relativismo de muitos sofistas, para os quais a verdade e a prática da virtude dependiam de circunstâncias, Sócrates valorizava acima de tudo a verdade e as virtudes - fossem elas individuais, como a coragem e a temperança, ou sociais, como a cooperação e a amizade. O pensador afirmava, no entanto, que só o conhecimento (ou seja, o saber, e não simples informações isoladas) conduz à prática da virtude em si mesma, que tem caráter uno e indivisível. Segundo Sócrates, só age erradamente quem desconhece a verdade e, por extensão, o bem. A busca do saber é o caminho para a perfeição humana, dizia, introduzindo na história do pensamento a discussão sobre a finalidade da vida. http://revistaescola.abril.com.br/formacao/mestre-busca-verdade423245.shtml?page=1
MÉTODO DE SÓCRATES É a parte polêmica. Insistindo no perpétuo fluxo das coisas e na variabilidade extrema das impressões sensitivas determinadas pelos indivíduos que de contínuo se transformam, concluíram os sofistas pela impossibilidade absoluta e objetiva do saber. Sócrates restabelece-lhe a possibilidade, determinando o verdadeiro objeto da ciência. O objeto da ciência não é o sensível, o particular, o indivíduo que passa; é o inteligível, o conceito que se exprime pela definição. Este conceito ou idéia geral obtém-se por um processo dialético por ele chamado indução e que consiste em comparar vários indivíduos da mesma espécie, eliminar-lhes as diferenças individuais, as qualidades mutáveis e reter-lhes o elemento comum, estável, permanente, a natureza, a essência da coisa. Por onde se vê que a indução socrática não tem o caráter demonstrativo do moderno processo lógico, que vai do fenômeno à lei, mas é um meio de generalização, que remonta do indivíduo à noção universal. Praticamente, na exposição polêmica e didática destas idéias, Sócrates adotava sempre o diálogo, que revestia uma dúplice forma, conforme se tratava de um adversário a confutar ou de um discípulo a instruir. Essa busca, conduzida metodicamente, pressupõe dois momentos. O primeiro é chamado de protréptico ou exortação. Nesse momento, Sócrates estimula seu interlocutor a se concentrar em um assunto, lançar uma tese e buscar a verdade sobre a tese exposta. O segundo momento é denominado élenkhos ou indagação, ocorrendo quando Sócrates apresenta sucessivas perguntas, encaminhando uma conceituação adequada ao tema. Esse momento se subdivide em outros dois: a eironéia, ou ironia – o comentário crítico das opiniões apresentadas, que conduz à refutação da tese proposta – é o trabalho de gerar (maiêutica) um conceito válido. Sócrates afirma que se reconhece herdeiro, por analogia, do trabalho de sua mãe, uma parteira (maiêuta), pois crê que a alma tem acesso à verdade, mas precisa ser auxiliada na tarefa de
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gerar ideias. Ele quer ser aquele que auxilia no nascimento do ocnhecimento verdadeiro, uma parteiro das ideias. DOUTRINAS FILOSÓFICAS A introspecção é o característico da filosofia de Sócrates. E exprime-se no famoso lema conhece-te a ti mesmo - isto é, torna-te consciente de tua ignorância como sendo o ápice da sabedoria, que é o desejo da ciência mediante a virtude. E alcançava em Sócrates intensidade e profundidade tais, que se concretizava, se personificava na voz interior divina do gênio ou demônio. "Conhece-te a ti mesmo" - o lema em que Sócrates cifra toda a sua vida de sábio. O perfeito conhecimento do homem é o objetivo de todas as suas especulações e a moral, o centro para o qual convergem todas as partes da filosofia. A psicologia serve-lhe de preâmbulo, a teodicéia de estímulo à virtude e de natural complemento da ética. Em psicologia, Sócrates professa a espiritualidade e imortalidade da alma, distingue as duas ordens de conhecimento, sensitivo e intelectual, mas não define o livre arbítrio, identificando a vontade com a inteligência. Em teodicéia, estabelece a existência de Deus: a) com o argumento teológico, formulando claramente o princípio: tudo o que é adaptado a um fim é efeito de uma inteligência; b) com o argumento, apenas esboçado, da causa eficiente: se o homem é inteligente, também inteligente deve ser a causa que o produziu; c) com o argumento moral: a lei natural supõe um ser superior ao homem, um legislador, que a promulgou e sancionou. Deus não só existe, mas é também Providência, governa o mundo com sabedoria e o homem pode propiciá-lo com sacrifícios e orações. Apesar destas doutrinas elevadas, Sócrates aceita em muitos pontos os preconceitos da mitologia corrente que ele aspira reformar. Moral. É a parte culminante da sua filosofia. Sócrates ensina a bem pensar para bem viver. O meio único de alcançar a felicidade ou semelhança com Deus, fim supremo do homem, é a prática da virtude. A virtude adquiri-se com a sabedoria ou, antes, com ela se identifica. Esta doutrina, uma das mais características da moral socrática, é conseqüência natural do erro psicológico de não distinguir a vontade da inteligência. Conclusão: grandeza moral e penetração especulativa, virtude e ciência, ignorância e vício são sinônimos. "Se músico é o que sabe música, pedreiro o que sabe edificar, justo será o que sabe a justiça". Sócrates reconhece também, acima das leis mutáveis e escritas, a existência de uma lei natural - independente do arbítrio humano, universal, fonte primordial de todo direito positivo, expressão da vontade divina promulgada pela voz interna da consciência. Sublime nos lineamentos gerais de sua ética, Sócrates, em prática, sugere quase sempre a utilidade como motivo e estímulo da virtude. Esta feição utilitarista empana-lhe a beleza moral do sistema. GNOSIOLOGIA O interesse filosófico de Sócrates volta-se para o mundo humano, espiritual, com finalidades práticas, morais.
ENEM
Como os sofistas, ele é cético a respeito da cosmologia e, em geral, a respeito da metafísica; trata-se, porém, de um ceticismo de fato, não de direito, dada a sua revalidação da ciência. A única ciência possível e útil é a ciência da prática, mas dirigida para os valores universais, não particulares. Vale dizer que o agir humano - bem como o conhecer humano - se baseia em normas objetivas e transcendentes à experiência. O fim da filosofia é a moral; no entanto, para realizar o próprio fim, é mister conhecêlo; para construir uma ética é necessário uma teoria; no dizer de Sócrates, a gnosiologia deve preceder logicamente a moral. Mas, se o fim da filosofia é prático, o prático depende, por sua vez, totalmente, do teorético, no sentido de que o homem tanto opera quanto conhece: virtuoso é o sábio, malvado, o ignorante. O moralismo socrático é equilibrado pelo mais radical intelectualismo, racionalismo, que está contra todo voluntarismo, sentimentalismo, pragmatismo, ativismo. A filosofia socrática, portanto, limita-se à gnosiologia e à ética, sem metafísica. A gnosiologia de Sócrates, que se concretizava no seu ensinamento dialógico, donde é preciso extraí-la, pode-se esquematicamente resumir nestes pontos fundamentais: ironia, maiêutica, introspecção, ignorância, indução, definição. Antes de tudo, cumpre desembaraçar o espírito dos conhecimentos errados, dos preconceitos, opiniões; este é o momento da ironia, isto é, da crítica. Sócrates, de par com os sofistas, ainda que com finalidade diversa, reivindica a independência da autoridade e da tradição, a favor da reflexão livre e da convicção racional. A seguir será possível realizar o conhecimento verdadeiro, a ciência, mediante a razão. Isto quer dizer que a instrução não deve consistir na imposição extrínseca de uma doutrina ao discente, mas o mestre deve tirá-la da mente do discípulo, pela razão imanente e constitutiva do espírito humano, a qual é um valor universal. É a famosa maiêutica de Sócrates, que declara auxiliar os partos do espírito, como sua mãe auxiliava os partos do corpo. Esta interioridade do saber, esta intimidade da ciência que não é absolutamente subjetivista, mas é a certeza objetiva da própria razão - patenteiam-se no famoso dito socrático "conhece-te a ti mesmo" que, no pensamento de Sócrates, significa precisamente consciência racional de si mesmo, para organizar racionalmente a própria vida. Entretanto, consciência de si mesmo quer dizer, antes de tudo, consciência da própria ignorância inicial e, portanto, necessidade de superá-la pela aquisição da ciência. Esta ignorância não é, por conseguinte, ceticismo sistemático, mas apenas metódico, um poderoso impulso para o saber, embora o pensamento socrático fique, de fato, no agnosticismo filosófico por falta de uma metafísica, pois, Sócrates achou apenas a forma conceptual da ciência, não o seu conteúdo. O procedimento lógico para realizar o conhecimento verdadeiro, científico, conceptual é, antes de tudo, a indução: isto é, remontar do particular ao universal, da opinião à ciência, da experiência ao conceito. Este conceito é, depois, determinado precisamente mediante a definição, representando o ideal e a conclusão do processo gnosiológico socrático, e nos dá a essência da realidade.
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Ciências Humanas e suas Tecnologias "Conhece-te a ti mesmo" significa precisamente consciência racional de si mesmo, para organizar racionalmente a própria vida. A MORAL Como Sócrates é o fundador da ciência em geral, mediante a doutrina do conceito, assim é o fundador, em particular da ciência moral, mediante a doutrina de que eticidade significa racionalidade, ação racional. Virtude é inteligência, razão, ciência, não sentimento, rotina, costume, tradição, lei positiva, opinião comum. Tudo isto tem que ser criticado, superado, subindo até à razão, não descendo até à animalidade - como ensinavam os sofistas. É sabido que Sócrates levava a importância da razão para a ação moral até àquele intelectualismo que, identificando conhecimento e virtude - bem como ignorância e vício tornava impossível o livre arbítrio. Entretanto, como a gnosiologia socrática carece de uma especificação lógica, precisa - afora a teoria geral de que a ciência está nos conceitos - assim a ética socrática carece de um conteúdo racional, pela ausência de uma metafísica. Se o fim do homem for o bem - realizando-se o bem mediante a virtude, e a virtude mediante o conhecimento - Sócrates não sabe, nem pode precisar este bem, esta felicidade, precisamente porque lhe falta uma metafísica. Traçou, todavia, o itinerário, que será percorrido por Platão e acabado, enfim, por Aristóteles. Estes dois filósofos, partindo dos pressupostos socráticos, desenvolverão uma gnosiologia acabada, uma grande metafísica e, logo, uma moral.
UNIDADE 5 PLATÃO Para Platão, a primeira virtude do filósofo é admirar-se. A admiração é a condição de onde deriva a capacidade de problematizar, o que marca a filosofia não como posse da verdade, mas como sua busca. Para Kant, filósofo alemão do século XVIII, “não há filosofia que se possa aprender; só se pode aprender a filosofar”. Isto significa que a filosofia é, sobretudo uma atitude, um pensar permanente. No seu começo, a ciência estava ligada à filosofia, sendo o filósofo o sábio que refletia sobre todos os setores da indagação humana. Na ordem do saber estipulada por Platão através da dialética - movimento e/ou itinerário, ascese progressiva para o verdadeiro, longe das ilusões e crenças de ordem puramente sensível ou imaginativa -, o homem começa a conhecer pela forma imperfeita da opinião (doxa), depois passa ao grau mais avançado da ciência (episteme), para só então ser capaz de atingir o nível mais alto do saber filosófico.
(http://www.mundodosfilosofos.com.br/socrates.htm)
FIQUE LIGADO NO ENEM! • Sócrates propunha que, antes de querer conhecer a Natureza e antes de querer persuadir os outros, cada um deveria, primeiro e antes de tudo, conhecer-se a si mesmo. • A consciência da própria ignorância é o começo da Filosofia (“sei que nada sei”). • Através do diálogo Sócrates procurava o conceito e não a mera opinião que temos de nós mesmos, das coisas, das ideias e dos valores. • Ao fazer suas perguntas e suscitar dúvidas, Sócrates os fazia pensar não só sobre si mesmos, mas também sobre a pólis. Aquilo que parecia evidente acabava sendo percebido como duvidoso e incerto. • A maiêutica designa a arte de fazer dar à luz os espíritos, arte pela qual Sócrates conduzia seus interlocutores a descobrirem-se a si mesmos, • Só o conhecimento conduz à prática da virtude em si mesma, que tem caráter uno e indivisível. • Segundo Sócrates, só age erradamente quem desconhece a verdade e, por extensão, o bem. A busca do saber é o caminho para a perfeição humana. • Sócrates ensina a bem pensar para bem viver. • A introspecção é o característico da filosofia de Sócrates e exprime-se no famoso lema “conhece-te a ti mesmo” - isto é, torna-te consciente de tua ignorância - como sendo o ápice da sabedoria, que é o desejo da ciência mediante a virtude.
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Platão (428-347 a.C.)
A diferença entre os sofistas, de um lado, e Sócrates e Platão, de outro, é dada pelo fato de que os sofistas aceitam a validade das opiniões e das percepções sensoriais e trabalham com elas para produzir argumentos de persuasão, enquanto Sócrates e Platão consideram as opiniões e as percepções sensoriais, ou imagens das coisas, como fonte de erro, mentira e falsidade, formas imperfeitas do conhecimento que nunca alcançam a verdade plena da realidade. Aos olhos de Platão, o mundo sensível subordina-se às Essências ou Ideias, formas inteligíveis, modelos de todas as coisas, que salvam os fenômenos e lhes dão sentido. Em suma, a Ideia ou Essência (dois termos que têm, aqui, uma significação vizinha) são as “coisas” no seu estado mais puro, modelos do pensamento e da reflexão. É a dialética, itinerário regulado e metódico, que, de conceitos em conceitos e de proposições em proposições, permite atingir estas essências ideais assim como o Bem, termo último do procedimento racional. O Bem designa, aos
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olhos de Platão, o Divino; não é, a rigor, nem uma noção nem um conceito, mas um princípio supremo, superior tanto à existência quanto à essência, ultrapassando-as de longe em dignidade e potência. Essa ideia do Bem, causa de tudo o que há de reto e belo, comunica sua verdade e sua vida a todos os objetos cognoscíveis.
que tomam as sombras projetadas diante deles na parede da caverna pela verdade; o prisioneiro que se desliga e sobe para fora simboliza o filósofo que acede as Essências –, ele está, doravante, em condição de edificar uma moral e uma política. ALEGORIA DA CAVERNA
REMINISCÊNCIA E MAIÊUTICA A dialética das Ideias e a teoria do Amor levam, como se vê, a falar de um idealismo platônico, no sentido forte do termo idealismo: como doutrina que atribui às Ideias ou Essências uma existência em si, independente do espírito e das coisas individuais (embora a palavra idealismo não é do próprio Platão). Mas pode-se perguntar que argumentos permitem assim a Platão elaborar essa teoria “idealista” das Essências. Parece que maiêutica e reminiscência constituem dois elementos maiores que justificam essa elaboração e essa doutrina. Sócrates, o parteiro espiritual, punha, com efeito, no mundo as inteligências; tal com sua mãe, Fenareta, parteira, fazia dar à luz os corpos, assim também ele fazia nascer para si mesmos, na sua verdade, os espíritos. A maiêutica designa a arte de fazer dar à luz os espíritos, arte pela qual Sócrates conduzia seus interlocutores a descobrirem-se a si mesmos, a tomarem consciência de suas riquezas implícitas. Assim, no diálogo Menon, o pequeno escravo ignorante descobre, ele mesmo, pelas virtudes de sua própria inteligência, como construir um quadrado duplo a partir de um quadrado dado. Se cada um de nós pode, assim, pelo diálogo e pela maiêutica, nascer para si mesmo e reaprender verdades (escondidas), não seria porque se lembra então de uma verdade outrora contemplada? Tal é a doutrina da reminiscência: contemplamos, durante nossas existências anteriores, as Ideias, que constituem, desde então, apenas lembranças. Aprender é rememorar a verdade percebida outrora. Todo o exercício filosófico visa a dominar e organizar esse conteúdo secreto, escondido, fruto de uma longínqua contemplação. MORAL E POLÍTICA Mas a resposta dada ao problema especulativo, a constituição de uma dialética, apoiando-se na reminiscência, permite também a Platão resolver o problema moral e político. Os sofistas, esses mestres de retórica e eloquência, criticados por Platão, que via neles simples produtores de mentiras, falsos prestígios e ilusões – sendo definida a sofística por esse pensador como negócio e tráfico do discurso –, solaparam a crença num Absoluto que permitia à moral edificar-se; a verdade, pensavam, nada mais é do que a subjetividade. Sua doutrina relativista conduzia, frequentemente, a um puro imoralismo. Muito pelo contrário, com Platão, a moral torna-se outra vez possível, quando o filósofo, depois de contemplar as Ideias, desce novamente à “caverna” – a famosa Alegoria da Caverna designa, com efeito, esse relato pelo qual Platão pinta nossa condição: os homens são semelhantes a prisioneiros
ENEM
Imaginemos uma caverna subterrânea onde, desde a infância, geração após geração, seres humanos estão aprisionados. Suas pernas e seus pescoços estão algemados de tal modo que são forçados a permanecer sempre no mesmo lugar e olhar apenas para frente, não podendo girar a cabeça nem para trás nem para os lados. A entrada da caverna permite que alguma luz exterior ali penetre, de modo que se possa, na semi-obscuridade, enxergar o que se passa no interior. A luz que ali entra provém de uma imensa e alta fogueira externa. Entre ela e os prisioneiros – no exterior, portanto – há um caminho ascendente ao longo do qual foi erguida uma mureta, como se fosse a parte fronteira de um palco de marionetes. Ao longo dessa mureta-palco, homens transportam estatuetas de todo tipo, com figuras de seres humanos, animais e todas as coisas. Por causa da luz da fogueira e da posição ocupada por ela, os prisioneiros enxergam na parede do fundo da caverna as sombras das estatuetas transportadas, mas sem poderem ver as próprias estatuetas, nem os homens que as transportam. Como jamais viram outra coisa, os prisioneiros imaginam que as sombras vistas são as próprias coisas. Ou seja, não podem saber que são sombras, nem podem saber que são imagens (estatuetas de coisas), nem que há outros seres humanos reais fora da caverna. Que aconteceria indaga Platão, se alguém libertasse os prisioneiros? Que faria um prisioneiro libertado? Em primeiro lugar, olharia toda a caverna, veria os outros seres humanos, a mureta, as estatuetas e a fogueira. Embora dolorido pelos anos de imobilidade, começaria a caminhar, dirigindo-se à entrada da caverna e, deparando com o caminho ascendente, nele adentraria. Num primeiro momento, ficaria completamente cego, pois a fogueira na verdade é a luz do sol e ele ficaria inteiramente ofuscado por ela. Depois, acostumando-se com a claridade, veria os homens que transportam as estatuetas e, prosseguindo no caminho, enxergaria as próprias coisas, descobrindo que, durante toda sua vida, não vira senão sombras de imagens (as sombras das estatuetas projetadas no fundo da caverna) e que somente agora está contemplando a própria realidade. Libertado e conhecedor do mundo, o prisioneiro regressaria à caverna, ficaria desnorteado pela escuridão, contaria aos outros o que viu e tentaria libertá-los. Que lhe aconteceria nesse retorno? Os demais prisioneiros zombariam dele, não acreditariam em suas palavras e, se não conseguissem silenciá-lo com suas caçoadas, tentariam fazê-lo espancando-o e, se mesmo assim, ele teimasse em afirmar o que viu e os convidasse a sair da caverna, certamente acabariam por matá-lo. Mas, quem sabe, alguns poderiam ouvi-lo e, contra a vontade
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dos demais, também decidissem sair da caverna rumo à realidade. O que é a caverna? O mundo em que vivemos. Que são as sombras das estatuetas? As coisas materiais e sensoriais que percebemos. Quem é o prisioneiro que se liberta e sai da caverna? O filosofo. O que é a luz exterior do sol? A luz da verdade. O que é o mundo exterior? O mundo das ideias verdadeiras ou da verdadeira realidade. Qual o instrumento que liberta o filósofo e com o qual ele deseja libertar os outros prisioneiros? A dialética. O que é a visão do mundo real iluminado? A Filosofia. Por que os prisioneiros zombam, espancam e matam o filósofo? Porque imaginam que o mundo sensível é o mundo real e o único verdadeiro. O REI-FILÓSOFO CONHECE A JUSTIÇA Para o filósofo grego Platão, cada indivíduo possui três almas ou três princípios que o compõem: a alma desejante, que busca a satisfação dos instintos e impulsos; a alma irascível, que é o seu princípio de defesa; e a alma racional, que busca o conhecimento. Através da educação, o indivíduo deve alcançar um equilíbrio entre essas três partes, mas um equilíbrio hierárquico, pois a alma racional deve preponderar. Platão transportou esse pensamento para a cidade. A cidade seria dividida também em três partes ou classes sociais: a classe que fornece a produção material da riqueza (que corresponderia à alma desejante), a classe que garante a defesa da cidade (que corresponderia a alma irascível) e a classe que governa a cidade (que corresponderia à alma racional). A justiça na cidade dependeria do equilíbrio entre essas três classes, ou seja, de que cada uma delas cumpra a sua função, uma vez que se trata de um aspecto necessário à vida da cidade. A cidade é como um corpo no qual: Tendo posto de acordo seus três elementos, exatamente como os três termos de uma harmonia, o da corda grave, o da alta e o da intermédia, e qualquer outro que possa haver entre esses – depois de enlaçar tudo isso, e de construir com essa variedade a sua própria unidade, então é que, bem afinado e temperado, passa a agir (...) e em tudo isso julga e denomina justa e boa à ação que conserve e corrobore esse estado. PLATÃO. A República, p. 120
Da mesma forma que a alma racional no indivíduo, a esfera preponderante na cidade deve ser a dos governantes. Mas quem deve ser o governante? Platão propõe em seu livro A república um modelo de educação que possibilite a todos igual acesso à educação, independentemente da classe social a que pertença cada indivíduo por nascimento. Em sua formação, as crianças iriam passando por processos de seleção, ao longo dos quais seriam destinadas a uma das três classes que formam a cidade. Os mais aptos continuariam seus estudos até o ponto mais alto desse processo – a filosofia – a fim de se tornarem sábios e, assim, se habilitarem a administrar a cidade.
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Essa concepção política de Platão é aristocrática, porque supõe uma massa de pessoas incapazes de dirigir a cidade e apenas uma pequena parcela de sábios, que estariam aptos para exercer o poder político. Aristocracia (palavra de origem grega composta de aristoi, “melhores”, e cracia, “poder”) é a forma de governo em que o poder é exercido pelos “melhores”, que, na proposta de Platão, seriam uma elite que se distinguiria pelo saber. Assim, a aristocracia de Platão não está baseada no poder econômico, pois se trata de uma “aristocracia de espírito”. Isso significa que Platão não acreditava na democracia, e a justificativa para essa sua posição pode ser encontrada na alegoria ou mito da caverna. Para Platão, o filósofo é aquele que, saindo do mundo das trevas, da ilusão, alcança a verdade, o mundo das ideias. No entanto, ele deveria voltar para dirigir seus companheiros que não alcançaram esse ponto. Por isso Platão criou a ideia do rei-filósofo: aquela pessoa que, pela contemplação das ideias, conheceu a essência da justiça deve governar a cidade. (COTRIM, Gilberto. Fundamentos da Filosofia. São Paulo: Editora Saraiva, 2002. pp. 295-297)
Desta perspectiva, a virtude designa uma participação nas Essências e no verdadeiro conhecimento, uma ciência do Bem e do Mal inseparável da dialética. Em Platão e de uma maneira geral em todo pensamento helênico, virtude e moral são, com efeito, da ordem do saber. Ninguém é mau voluntariamente. Eis esta filosofia que muito marcou a reflexão ocidental, tanto pela análise do Amor e do desejo quanto pela da dialética especulativa. Platão, morto há mais de vinte e quatro séculos, desenhou os caminhos que continuam a fascinar toda a nossa civilização e nossa cultura. Nessa via, ele leva-nos da opinião – esse tipo de conhecimento inferior, faculdade intermediária que apreende as coisas que flutuam entre o nada e o ser absoluto – até a ciência, conhecimento racional que permite atingir a essência da verdade. Itinerário que nos persegue ainda, em nosso tempo, e a que se referem muitos pensadores e cientistas contemporâneos.
FIQUE LIGADO NO ENEM! • Segundo Platão, através da dialética - movimento e/ou itinerário, ascese progressiva para o verdadeiro, longe das ilusões e crenças de ordem puramente sensível ou imaginativa , o homem começa a conhecer pela forma imperfeita da opinião (doxa), depois passa ao grau mais avançado da ciência (episteme). • Aos olhos de Platão, o mundo sensível subordina-se às Essências ou Ideias, formas inteligíveis, modelos de todas as coisas, que salvam os fenômenos e lhes dão sentido. • A doutrina da reminiscência afirma que contemplamos, durante nossas existências anteriores, as Ideias, que constituem, desde então, apenas lembranças. Aprender é rememorar a verdade percebida outrora. • Através da Alegoria da Caverna Platão pinta nossa condição: os homens são semelhantes a prisioneiros que tomam as sombras projetadas diante deles na parede da
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caverna pela verdade; o prisioneiro que se desliga e sobe para fora simboliza o filósofo que acede as Essências –, ele está, doravante, em condição de edificar uma moral e uma política. • A cidade seria dividida em três partes ou classes sociais: a classe que fornece a produção material da riqueza (que corresponderia à alma desejante), a classe que garante a defesa da cidade (que corresponderia a alma irascível) e a classe que governa a cidade (que corresponderia à alma racional). • A justiça na cidade dependeria do equilíbrio entre essas três classes, ou seja, de que cada uma delas cumpra a sua função. • Essa concepção política de Platão é aristocrática, porque supõe uma massa de pessoas incapazes de dirigir a cidade e apenas uma pequena parcela de sábios, que estariam aptos para exercer o poder político.
Aristóteles afirma que, antes de um conhecimento constituir seu objeto e seu campo próprios, seus procedimentos próprios de aquisição e exposição, de demonstração e de prova, deve, primeiro, conhecer as leis gerais que governam o pensamento, independentemente do conteúdo que possa vir a ter. O estudo das formas gerais do pensamento, sem preocupação com seu conteúdo, chamasse lógica, e Aristóteles foi o criador da lógica como instrumento do conhecimento em qualquer campo do saber. A lógica não é uma ciência, mas o instrumento para a ciência e, por isso, na classificação das ciências feita por Aristóteles a lógica não aparece, embora ela seja indispensável para a Filosofia e, mais tarde, tenha-se tornado um dos ramos específicos dela. OS CAMPOS DO CONHECIMENTO FILOSÓFICO
UNIDADE 6 ARISTÓTELES Filósofo grego, inicialmente aluno de Platão, será, na sequencia, o discípulo infiel do mestre, criticando, em sua obra, alguns de seus temas (como a teoria das Ideias). Aristóteles apresenta uma verdadeira enciclopédia de todo o saber que foi produzido e acumulado pelos gregos em todos os ramos do pensamento e da prática considerando essa totalidade de saberes como sendo a Filosofia. Esta, portanto, não é um saber específico sobre algum assunto, mas uma forma de conhecer todas as coisas, possuindo procedimentos diferentes para cada campo de coisas que conhece.
Aristóteles (384-322 a.C.)
Além de a Filosofia ser o conhecimento da totalidade dos conhecimentos e práticas humanas, ela também estabelece uma diferença entre esses conhecimentos, distribuindo-os numa escala que vai dos mais simples e inferiores aos mais complexos e superiores. Essa classificação e distribuição dos conhecimentos fixaram, para o pensamento ocidental, os campos de investigação da Filosofia como totalidade do saber humano. Cada saber, no campo que lhe é próprio, possui seu objeto específico, procedimentos específicos para sua aquisição e exposição, formas próprias de demonstração e prova. Cada campo do conhecimento é uma ciência (ciência, em grego, é episteme).
ENEM
Vejamos, pois, a classificação aristotélica: Ciências produtivas: ciências que estudam as práticas produtivas ou as técnicas, isto é, as ações humanas cuja finalidade está para além da própria ação, pois a finalidade é a produção de um objeto, de uma obra. São elas: arquitetura (cujo fim é a edificação de alguma coisa), economia (cujo fim é a produção agrícola, o artesanato e o comércio, isto é, produtos para a sobrevivência e para o acúmulo de riquezas), medicina (cujo fim é produzir a saúde ou a cura), pintura, escultura, poesia, teatro, oratória, arte da guerra, da caça, da navegação, etc. Em suma, todas as atividades humanas técnicas e artísticas que resultam num produto ou numa obra. Ciências práticas: ciências que estudam as práticas humanas enquanto ações que têm nelas mesmas seu próprio fim, isto é, a finalidade da ação se realiza nela mesma, é o próprio ato realizado. São elas: ética, em que a ação é realizada pela vontade guiada pela razão para alcançar o bem do indivíduo, sendo este bem as virtudes morais (coragem, clemência, prudência, amizade, justiça, modéstia, honradez, temperança, etc.); e política, em que a ação é realizada pela vontade guiada pela razão para ter como fim o bem da comunidade ou o bem comum. Para Aristóteles, como para todo grego da época clássica, a política é superior à ética, pois a verdadeira liberdade, sem a qual não pode haver vida virtuosa, só é conseguida na polis. Por isso, a finalidade da política é a vida justa, a vida boa e bela, a vida livre. Ciências teoréticas, contemplativas ou teóricas: são aquelas que estudam coisas que existem independentemente dos homens e de suas ações e que, não tendo sido feitas pelos homens, só podem ser contempladas por eles. Theoria, em grego, significa contemplação da verdade. O que são as coisas que existem por si mesmas e em si mesmas, independentes de nossa ação fabricadora (técnica) e de nossa ação moral e política? São as coisas da natureza e as coisas divinas. Aristóteles, aqui, classifica também por graus de superioridade as ciências teóricas, indo da mais inferior à superior: 1. ciência das coisas naturais submetidas à mudança ou ao devir: física, biologia, meteorologia, psicologia (pois a
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alma, que em grego se diz psychê, é um ser natural, existindo de formas variadas em todos os seres vivos, plantas, animais e homens); 2. ciência das coisas naturais que não estão submetidas à mudança ou ao devir: as matemáticas e a astronomia (os gregos julgavam que os astros eram eternos e imutáveis); 3. ciência da realidade pura, que não é nem natural mutável, nem natural imutável, nem resultado da ação humana, nem resultado da fabricação humana. Trata-se daquilo que deve haver em toda e qualquer realidade, seja ela natural, matemática, ética, política ou técnica, para ser realidade. É o que Aristóteles chama de ser ou substância de tudo o que existe. A ciência teórica que estuda o puro ser se chama metafísica; 4. ciência teórica das coisas divinas que são a causa e a finalidade de tudo o que existe na Natureza e no homem. As coisas divinas são chamadas de theion e, por isso, esta última ciência se chama teologia. A Filosofia, para Aristóteles, encontra seu ponto mais alto na metafísica e na teologia, de onde derivam todos os outros conhecimentos. A METAFÍSICA DE ARISTÓTELES CONCEPÇÃO DE REALIDADE
COMO
Esse novo ponto de partida consistirá, para Aristóteles, em uma concepção de realidade segundo a qual o que existe é a substância individual, que podemos considerar aqui como o indivíduo material concreto (synolon). Este seria o constituinte último da realidade, o que evitaria o dualismo, a realidade sendo composta de um conjunto de indivíduos materiais concretos. Aristóteles afirma, entretanto, que os indivíduos são, por sua vez, compostos de matéria (hyle) e forma (eidos). A matéria é o princípio de individualização e a forma a maneira como, em cada indivíduo, a matéria se organiza (Metafísica Z e H, Física I, II). Assim, todos os indivíduos de uma mesma espécie teriam a mesma forma, mas difeririam do ponto de vista da matéria, já que se trata de indivíduos diferentes, ao menos numericamente. É como se, de certo modo, Aristóteles jogasse o dualismo platônico para dentro do indivíduo. Da substância individual. Matéria e forma são, entretanto, indissociáveis, constituindo uma unidade (o sentido literal de “indivíduo”): a matéria só existe na medida em que possui uma determinada forma, a forma por sua vez é sempre forma de um objeto material concreto. Não existem formas ou ideias puras como no mundo inteligível platônico. É o intelecto humano que, pela abstração, separa matéria de forma no processo de conhecimento da realidade, relacionando os objetos que possuem a mesma forma e fazendo abstração de sua matéria, de suas características particulares. Tipos gerais, gêneros e espécies (animal, mamífero, etc.) só existem como resultado deste processo de abstração a partir da forma de cada um desses objetos concretos. Assim, o cavalo não existe, o que existe é este cavalo, aquele cavalo etc. O cavalo, enquanto tipo geral, é apenas resultado desse processo de abstração que identifica e separa a forma do cavalo em cada cavalo individual. As formas ou ideias não
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existem em um mundo inteligível, independente do mundo dos objetos individuais. A ideia de homem é apenas uma natureza comum a todos os homens, não pode existir isoladamente. A ideia ou forma é um princípio de determinação que faz com que um indivíduo pertença a uma determinada espécie. Porém, apenas as substâncias existem; se não existissem indivíduos, nada existiria, nem gêneros, nem espécies. Podemos dizer que, de certo modo, tanto a teoria aristotélica do ser quanto a da causalidade visam resolver o impasse, até certo ponto ainda presente em Platão, entre o monismo de Parmênides e as teorias pré-socráticas do fluxo e do movimento, como o atomismo. Contra o monismo de Parmênides, Aristóteles defende a concepção de uma natureza plural, na medida em que composta de indivíduos; porém, isso não deve ser visto como problemático, desde que algumas distinções básicas sejam feitas acerca da noção de ser. Há, na verdade, segundo Aristóteles, uma confusão em torno dos vários sentidos e usos do verbo “ser” em grego (einai). As coisas existem de diferentes maneiras, ou seja, o modo de existência da substância individual é diferente das qualidades, quantidades, e relações, já que estas dependem das substâncias. Aristóteles desenvolve tais distinções em seu Tratado das categorias. A mudança só é considerada contraditória pelos monistas porque ela envolve o problema da identidade, é interpretada como equivalendo a dizer que o ser é e não é. Contudo, o verbo “ser” nem sempre expressa identidade, podendo ter um uso atributivo ou predicativo, designando uma característica do objeto. P.ex.: “Sócrates é sábio” (uso predicativo), o que consiste em um uso diferente de “Sócrates é [ou existe]” (uso existencial, meramente afirma a existência), é “Sócrates é Sócrates” (afirmação da identidade – tudo objeto é igual a si mesmo –, mas que não acrescenta nada ao conhecimento de Sócrates. Na Metafísica encontramos ainda três distinções adicionais a esse respeito que resultam da elaboração da teoria aristotélica do ser: essência e acidente (livro E); 2) necessidade e contingência (livro Z e H) ato e potência (livro O). 1. Essência e acidente. Dentre as características da substância individual, a essência (o termo ousia aí em sentido estrito) é aquilo que faz com que a coisa seja o que é, a unidade que serve de suporte aos predicados, o hypokeimenon, literalmente “aquilo que subjaz”, o sujeito ou substrato dos predicados (daí a origem do verbo substare, donde substantia, termo pelo qual os latinos traduziram a ousia aristotélica). Os acidentes são as características mutáveis e variáveis da coisa, que explicam portanto a mudança, sem que isso afete sua natureza essencial, que é estável. P.ex., a distinção entre “Sócrates é um ser humano”, o que designa sua essência, e “Sócrates é calvo”, o que descreve uma característica acidental: Sócrates não foi sempre calvo. 2. Necessidade e contingência. É correlata à distinção entre essência e acidente. As características essenciais são necessárias, ou seja, a coisa não pode deixar de tê-las, caso contrário deixaria de ser o que é, ao passo que as contingentes são variáveis e mutáveis. No exemplo acima,
Filosofia
Sócrates é necessariamente um ser humano e apenas contingentemente calvo. 3. Ato e potência. Essa distinção também permite explicar a mudança e a transformação. Uma coisa pode ser una e múltipla. A semente é, em ato, semente, mas contém em potência a árvore. A árvore é árvore em ato, mas em potência pode ser lenha. TEORIA DAS QUATRO CAUSAS A mesma estratégia argumentativa é usada por Aristóteles a propósito da noção de causa (aitia) e do problema da causalidade ao introduzir sua Teoria das Quatro Causas (Física II, 3, 194b16), mostrando que os filósofos anteriores, por não terem feito essa distinção, acabaram cometendo equívocos. Distingue assim quatro sentidos ou dimensões de causalidade: 1. Causa formal. Trata-se da forma ou modelo que faz com que a coisa seja o que é. É a resposta à questão: o que é x? 2. Causa material. É o elemento constituinte da coisa, a matéria de que é feita. Responde à questão: de que é feito x? 3. Causa eficiente. Consiste na fonte primária da mudança, o agente da transformação da coisa. Responde à questão: por que x é x?, ou o que fez com que x viesse a ser x? 4. Causa final. Trata-se do objetivo, propósito, finalidade da coisa. Responde à questão: para que x? A visão aristotélica é fortemente teleológica (do grego telos, finalidade), isto é, supõe que tudo na realidade possui uma finalidade. A natureza apresenta uma regularidade, uma ordem, e isso não pode ser obra do acaso: deve existir um propósito. Para esclarecer consideremos o exemplo dado pelo próprio Aristóteles. Curiosamente, já que ele parecia restringir-se a objetos naturais, o da estátua de uma deusa. A causa formal é o modelo que serve para dar forma à estátua. A causa material é a matéria de que é feita a estátua, p.ex., o bronze ou o mármore. Assim, uma determinada quantidade de matéria recebe a forma de uma estátua. Podemos ter a mesma forma, a estátua, e diferentes matérias, bronze, gesso, mármore etc., assim como a mesma matéria pode se encontrar em diferentes formas, o mármore na estátua, na pedreira, numa coluna etc. A causa eficiente é o que faz com que aquela matéria adquira uma determinada forma, em nosso exemplo o escultor com suas ferramentas, que dá ao mármore a forma da estátua. A causa final caracteriza o objetivo ou propósito da estatua: o culto, a decoração, uma homenagem etc. (MARCONDES, Danilo. Iniciação à História da Filosofia. Dos présocráticos a Wittgenstein. Rio de Janeiro: Zahar, 2007. pp 71-74)
A LÓGICA Lógica: esse termo é desconhecido de Aristóteles, que, todavia, é o autor da primeira doutrina lógica sistemática, a disciplina que determina, para as operações do espírito, as que são válidas e as que não o são.
ENEM
Lógica significa, simplesmente, a arte e o método do pensamento correto. E a logia ou método de toda ciência, de toda disciplina e de todas as artes; e até a música a contém. É uma ciência porque, numa proporção muitíssimo elevada, os processos de pensamento correto podem ser reduzidos a regras como a física e a geometria, e ensinados a qualquer inteligência normal; é uma arte, porque, pela prática, dá ao pensamento, afinal, aquela precisão inconsciente e imediata que guia os dedos do pianista sobre seu instrumento para extrair harmonias sem esforço. Nada é tão enfadonho quanto a lógica, e nada tão importante. Havia vestígios dessa nova ciência na enfurecedora insistência de Sócrates com relação a definições, e no constante refinamento de cada conceito por parte de Platão. Aristóteles tem uma atitude saudável; ele é um realista quase que no sentido moderno; está decidido a se preocupar com o presente objetivo, enquanto Platão está absorvido em um futuro subjetivo. Havia, na procura socrático-platônica por definições, uma tendência a se afastar das coisas e dos fatos para as teorias e as ideias, dos particulares para as generalidades, da ciência para a escolástica; por fim, Platão se tornou tão dedicado às generalidades que elas começaram a determinar seus particulares, tão dedicado às ideias que elas começaram a definir ou selecionar seus fatos. Aristóteles prega um retorno às coisas e à realidade; ele tinha uma forte preferência pelo particular concreto, pelo indivíduo de carne e osso. Mas Platão amava tanto o geral e o universal, que em A República destruiu o indivíduo para formar um Estado perfeito. A mais característica e original das contribuições de Aristóteles para a filosofia – a doutrina do silogismo. Um silogismo é um trio de proposições das quais a terceira (a conclusão) segue-se da verdade admitida das outras duas (as premissas “maior” e “menor”). Por exemplo, o homem é um animal racional; mas Sócrates é homem; portanto, Sócrates é um animal racional. A estrutura do silogismo assemelha-se à proposição de que duas coisas iguais à mesma coisa são iguais entre si. Se A é B, e C é A, então C é B. Como no caso matemático, chega-se à conclusão cancelando das duas premissas o termo comum às duas, A; assim, no nosso silogismo chega-se à conclusão cancelando das duas premissas o seu termo comum “homem” e combinado o que restar. Parece que o silogismo não é tanto um mecanismo para a descoberta da verdade quanto para a clareza de exposição e de pensamento. A ÉTICA PARA ARISTÓTELES A ética aristotélica inicia-se com o estabelecimento da noção de felicidade. Neste sentido, pode ser considerada uma ética eudemonista por buscar o que é o bem agir em escala humana, o agir segundo a virtude. A felicidade é definida como uma certa atividade da alma que vai de acordo com uma perfeita virtude. Partindo dessa definição, faz-se necessário um estudo sobre o que é uma virtude perfeita e, assim, faz-se necessário, também, o
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estudo da natureza da virtude moral. Como a virtude moral é consistida por uma mediedade relativa a nós, analisaremos o conceito de mediania (mediedade ou justamedida) assim como aparece no livro II de Ética a Nicômaco. VIRTUDE MORAL E INTELECTUAL Aristóteles define a virtude moral como disposição – já que não podem ser nem faculdades nem paixões – para agir de forma deliberada e a disposição está de acordo com a reta razão. A virtude moral consiste em uma mediania relativa a nós. Após estabelecer a virtude moral como uma disposição – héxis – ou seja, como se dá o comportamento do homem com relação às emoções, há ainda a necessidade de que a diferença específica entre virtude moral e virtude intelectual seja explicitada. Segundo o Estagirita, o que distingue as duas espécies de virtude é a mediania. A virtude intelectual é adquirida através do ensino, e assim, necessita de experiência e tempo. A virtude moral é adquirida, por sua vez, como resultado do hábito. O hábito determina nosso comportamento como bom ou ruim. É devido ao hábito que tomamos a justa-medida com relação a nós. Logo, a mediania é imposta pela razão com relação às emoções e é relativa às circunstâncias nas quais a ação se produz. Nenhuma das virtudes morais surge nos homens por natureza porque o que é por natureza não pode ser alterado pelo hábito e “a natureza nos dá a capacidade de recebê-las [as virtudes], e tal capacidade se aperfeiçoa com o hábito” (ARISTÓTELES, Ética a Nicômaco, II, 1103 a 26). Virtudes e artes são adquiridas pelo exercício, ou seja, a prática das virtudes é um pré-requisito para que se possa adquiri-las. Sem a prática, não há a possibilidade de o homem ser bom, de ser virtuoso. Tornamo-nos justos ao praticarmos atos justos pois “toda a virtude é gerada e destruída pelas mesmas causas e pelos mesmos meios” (ARISTÓTELES, Ética a Nicômaco, II, 1103b 5-6). Já que as virtudes morais são vistas como produto do hábito, consequentemente são tomadas como inatas. Ao considerar as virtudes morais como adquiridas, há uma implicação de que o homem é causa de suas próprias ações, responsável por seu caráter – por esse motivo a ação precede e prevalece sobre a disposição. Está na natureza das virtudes a possibilidade de serem destruídas pela carência ou pelo excesso e cabe à mediania preservar as virtudes morais e também diferencia-las das virtudes naturais. Pode-se notar, pois, que a ideia de justa-medida preconiza que qualquer virtude é destruída pelos extremos: a virtude é o equilíbrio entre o sentir em excesso e a apatia. Portanto, fica evidente que a virtude busca pela harmonia – e esta é dada pela razão entre as emoções extremas. O meio-termo é experimentar as emoções certas no momento certo e em relação às pessoas certas e objetos certos, de maneira certa. Isso é a mediania, é a excelência moral. MEDIANIA OU MEIO-TERMO
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Ao propor a mediania como gênero de virtude moral, como regra moral, o Estagirita retornou à sabedoria grega clássica porque esta indicava a mediania como a regra de ouro do agir moral. A mediania tem o aspecto de não silenciar as emoções, mas buscar a proporção e, devido a essa proporção, a ação será adequada sob a perspectiva moral e, concomitantemente, a ação ficará ligada às emoções e paixões. De acordo com Aristóteles, a posição de meio é o que tem a mesma distância de cada um dos extremos. Com relação a nós e sempre considerando nesse viés, meio é o que não excede nem falta. Aqui fica evidente que o “meio” se dá em relação ao agente, pois “não é único e o mesmo para todos” (ARISTÓTELES, Ética a Nicômaco, II, 1106 a 34). A virtude moral deve possuir a qualidade de visar o meiotermo por se relacionar com as paixões e ações. Nas ações e paixões, por sua vez, existem a carência, o excesso e o meiotermo. As ações e os apetites não tem, em sua natureza, algo que determine sua tendência para a falta ou para o excesso. Por sua vez, a tendência à mediania expressa a virtude moral, expressa a excelência da faculdade desiderativa da alma. O que nos faz tender à mediania é a educação e a repetição de atos bons e nobres. Por conseguinte, o hábito é desenvolvido e visa a mediania. Esta, por sua vez, é determinada por um princípio racional (LOPES, 2008). Pode-se notar que, para Aristóteles, a virtude é uma espécie de mediania já que visa o meio-termo e que é vista como disposição de caráter que tem relação com a escolha dos atos e das paixões. A justa-medida é determinada por um princípio racional próprio do homem dotado de sabedoria prática. Assim, ao buscar pela essência da virtude, por sua definição, Aristóteles define-a como mediania, ou ainda, “a mediedade é a quididade da virtude” (ZINGANO, 2008, p. 23). O Estagirita afirma que sua investigação acerca da virtude não é de cunho exclusivamente teórico, mas a investigação se dá com a finalidade de que os homens tornem-se bons – pois cabe à mesma ciência, ou seja, à Ciência Política, tanto o conhecimento das virtudes quanto a função de fazer com que os homens se tornem bons. Logo, busca-se a definição de virtude e sua aplicação nos fatos particulares. A virtude é um meio-termo entre dois vícios. Um desses vícios envolve o excesso e o outro vício envolve a carência. Logo, cabe à virtude e à sua natureza visar a mediania tanto nas ações – embora algumas ações não permitem um meio-termo por seus próprios nomes já implicarem, em si mesmos, maldade – quanto nas paixões. Um dos extremos – entre os quais a mediania se localiza – é mais equivocado que o outro. Deve-se, portanto, estar atento aos erros para os quais tem-se maior facilidade para ser arrastado. Pode-se saber para qual erro se é arrastado ao se analisar o prazer e o sofrimento acarretado pelo mesmo. Ao descobrir para qual erro se tende mais, devese ir em direção oposta, ao outro extremo para que se chegue ao estado intermediário e, consequentemente, afastar-se do erro. Em todas as coisas, o meio-termo é digno de ser louvado, conclui Aristóteles ao fim do Livro II. Contudo, ora deve-se inclinar no sentido do excesso, ora da falta
Filosofia
com a finalidade de se chegar mais facilmente ao que é correto e ao meio-termo. (https://www.psicologiamsn.com/2012/10/a-etica-paraaristoteles.html)
MORAL E POLÍTICA A moral de Aristóteles, desenvolvida em particular na Ética a Nicômaco, é essencialmente eudemonista, como são todas as morais da Antiguidade; vê na felicidade o fim da vida. Mas que designa a felicidade? Essencialmente, uma atividade da razão, atividade que consiste na contemplação; a vida contemplativa corresponde, com efeito, ao que há em nós de divino e permite compreender o Soberano Bem do homem, isto é, o Bem por excelência, bom unicamente em si mesmo. Nessa análise da felicidade, Aristóteles não poderia dissociar-se da política. Como todos os grandes pensadores, Aristóteles unifica a moral, estudo do que é bem e bom, e a política, ciência da Cidade. Como se poderia dissociá-las, uma vez que o homem é, fundamentalmente, um animal político, nascido para viver na Cidade? Analisando a organização da cidade, Aristóteles chega às diversas formas de governo e distingue três (na Política): chama monarquia o Estado em que o comando, dirigido para o interesse comum, pertence apenas a um; aristocracia, o Estado em que ele é confiado a mais de um; república, o Estado em que a multidão governa para a utilidade pública. A monarquia pode degenerar em tirania, a aristocracia em oligarquia e a república em democracia. O filósofo grego Aristóteles afirmava que o homem é por natureza um ser social, pois, para sobreviver, não pode ficar completamente isolado de seus semelhantes. Constituída por um impulso natural do homem, a sociedade deve ser organizada conforme essa natureza humana. O que deve guiar, então, a organização de uma sociedade? É a busca de um determinado bem, correspondente aos anseios dos homens que a organizaram. Para Aristóteles, a organização adequada à natureza do homem é a polis: “a cidade (pólis) encontra-se entre as realidades que existem naturalmente, e o homem é por natureza um animal político”. Aristóteles admitia que os homens não são naturalmente iguais, pois uns nascem para a escravidão e outros para o domínio. O pensamento aristotélico refletia, dessa maneira, a realidade social encontrada na Grécia Antiga. Em Atenas a sociedade estava dividida em três grandes grupos sociais: Os cidadãos – eram os homens maiores de 21 anos, nascidos de pai e de mãe atenienses. Somente eles possuíam direitos políticos de participar da democracia. O número de cidadãos variou conforme a época. Alguns historiadores calculam que representou, em média, cerca de 1/10 da população total. As mulheres não faziam parte do grupo dos cidadãos. Os metecos – eram os estrangeiros que habitavam Atenas. Não tinham direitos políticos e estavam proibidos de adquirir terra, mas podiam dedicar-se ao comércio e ao
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artesanato. Em geral, pagavam impostos para viver na cidade e, em certas épocas, podiam ser convocados à prestação do serviço militar. Os escravos – formavam a grande maioria da população e eram considerados propriedade do seu senhor, embora houvesse leis que os protegessem contra maus-tratos. A pólis grega, portanto, é vista por Aristóteles como um fenômeno natural. Por isso, o homem verdadeiramente digno desse nome é um animal político, isto é, envolvido na vida da pólis. Assim Aristóteles toma um fenômeno social característico da Grécia como modelo natural de todo o gênero humano. Aristóteles também entende que a cidade tem precedência sobre cada um dos indivíduos, uma vez que cada indivíduo isoladamente não é auto-suficiente, enquanto a falta de um indivíduo não destrói a cidade. Por isso ele disse “o todo deve necessariamente ter precedência sobre as partes”. É por isso que, para Aristóteles, a política é uma continuidade da ética, ou melhor, a ética é entendida como uma parte da política. A ética se dirige ao bem individual enquanto a política se dirige ao bem comum. Aristóteles, da lógica à política, trouxe-nos a visão das estruturas que, ainda hoje, dão forma a nossa existência. A figura do Sábio destaca-se plenamente em sua obra; designa quem possui o conhecimento de todas as coisas; belo ideal sobre o qual ainda hoje podemos meditar.
FIQUE LIGADO NO ENEM! • Segundo Aristóteles, não existem formas ou ideias puras como no mundo inteligível platônico. É o intelecto humano que, pela abstração, separa matéria de forma no processo de conhecimento da realidade, relacionando os objetos que possuem a mesma forma e fazendo abstração de sua matéria, de suas características particulares. • Partindo da realidade sensorial ou empírica, a ciência deve buscar as estruturas essenciais de cada ser. A partir da existência do ser, devemos atingir a sua essência, através de um processo de conhecimento que caminharia do individual e específico para o universal e genérico. • Para tentar resolver a contradição entre o caráter estático e permanente do ser em oposição ao movimento e à transitoriedade das coisas, ele propôs que em todo ser podemos distinguir categorias como essência e acidente, necessidade e contingência e por último ato e potência. • Lógica é um termo desconhecido para Aristóteles, que, todavia, é o autor da primeira doutrina lógica sistemática (teoria do silogismo), a disciplina que determina, para as operações do espírito, as que são válidas e as que não o são. • Um silogismo é um trio de proposições das quais a terceira (a conclusão) segue-se da verdade admitida das outras duas (as premissas “maior” e “menor”). • Aristóteles define a virtude moral como disposição para agir de forma deliberada e a disposição está de acordo com a reta razão.
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Ciências Humanas e suas Tecnologias
• A virtude intelectual é adquirida através do ensino, e assim, necessita de experiência e tempo. A virtude moral é adquirida, por sua vez, como resultado do hábito. • O hábito determina nosso comportamento como bom ou ruim. Sem a prática, não há a possibilidade de o homem ser bom, de ser virtuoso. • A ideia de justa-medida preconiza que a virtude é um meio-termo entre dois vícios. Um desses vícios envolve o excesso e o outro vício envolve a carência. • O meio-termo é experimentar as emoções certas no momento certo e em relação às pessoas certas e objetos certos, de maneira certa. Isso é a mediania, é a excelência moral. • A moral de Aristóteles, desenvolvida em particular na Ética a Nicômaco, é essencialmente eudemonista, como são todas as morais da Antiguidade; vê na felicidade o fim da vida. • Aristóteles unifica a moral, estudo do que é bem e bom, e a política, ciência da Cidade. A pólis grega é vista por Aristóteles como um fenômeno natural. Por isso, o homem verdadeiramente digno desse nome é um animal político, isto é, envolvido na vida da pólis. • Aristóteles entende que a cidade tem precedência sobre cada um dos indivíduos afirmando que “o todo deve necessariamente ter precedência sobre as partes”. Desse modo, a política é uma continuidade da ética, ou melhor, a ética é entendida como uma parte da política. A ética se dirige ao bem individual enquanto a política se dirige ao bem comum.
UNIDADE 7 FILOSOFIA HELENÍSTICA Depois da morte de Platão e de Aristóteles, os dois grandes nomes da Filosofia clássica grega e o advento do helenismo com Alexandre Magno, os novos filósofos mudam consideravelmente o rumo das suas investigações e as novas escolas filosóficas buscam responder como orientar a vida para encontrar a verdadeira felicidade, numa forma de organização político social, na qual os interesses coletivos cedem lugar aos interesses privados, e o conceito de cidadão desaparece, dando origem ao conceito de individuo. As principais escolas filosóficas da época são: cinismo, epicurismo, estoicismo, ceticismo e ecletismo. CINISMO O Cinismo foi uma escola filosófica grega criada por Antístenes, seguidor de Sócrates, aproximadamente no ano 400 a.C., mas seu nome de maior destaque foi Diógenes de Sínope. Estes filósofos menosprezavam os pactos sociais, defendiam o desprendimento dos bens materiais e a existência nômade que levavam.
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Diógenes de Sínope (400-325 a.C.)
A origem dessa expressão é um tanto controvertida, pois alguns pesquisadores crêem que ela provém do Ginásio Cinosarge, espaço no qual Antístenes teria edificado sua Escola, enquanto outros afirmam que ela deriva da palavra grega kŷőn, kynós, que significa ‘cachorro’, alusão à vida destes animais, que seria igual à pregada pelos cínicos. Aliás, o símbolo deste grupo era justamente a imagem de um cão. De qualquer forma, porém, ela se origina do grego Kynismós, passando pelo latim cynismu, e assim chegando até nossos dias. Hoje, através de desvios de significado, este termo se refere àqueles desprovidos de vergonha e de qualquer sentimento de generosidade em relação à dor do outro. Mas não por acaso, pois os cínicos desejavam se desprender de todo tipo de preocupação, inclusive com o sofrimento alheio. Sócrates já expressava seu repúdio pelo excesso de bens materiais dos quais a Humanidade dependia para sobreviver. Ele tinha como alvo a verdadeira felicidade, para a qual nada disso era necessário, pois ela estava conectada aos estados da alma, não a objetos externos. Posteriormente os cínicos passaram a pregar justamente esta forma de viver, na prática diária. O nome de Diógenes, seu principal defensor, tornou-se praticamente sinônimo desta Escola. Segundo histórias antigas, ele encontrou-se com Antístenes assim que chegou a Atenas, mas este não queria a seu lado nenhum discípulo. Diógenes, porém, gradualmente convenceu-o do contrário. Diógenes radicalizou as propostas de Antístenes, e as exemplificou em sua própria vida, com severidade e persistência tais que sua forma de agir atravessou os séculos, impressionando os estudiosos da Filosofia. Ele ousou quebrar a visão clássica do grego, substituindo-a por uma imagem que logo se tornou modelar para a primeira etapa do Helenismo e mesmo para o período do Império. Ele procurava um homem que vivesse de acordo com seu eu essencial, sem se preocupar com nenhuma convenção social, em harmonia com sua verdadeira forma de ser – somente esta pessoa estaria apta a alcançar a felicidade. Para este filósofo, a existência submetida apenas à teoria, escrava das elaborações intelectuais, sem o exercício da prática, do exemplo e da ação, não tinha nenhum sentido. Assim, sua doutrina seguia na contramão da cultura, do saber racional, pois ele considerava as matemáticas, a física, a astronomia, a música e a metafísica – conhecimentos super valorizados na época – sem nenhuma utilidade para a jornada interior do Homem.
Filosofia
Ele radicalizava quando afirmava que as pessoas deveriam buscar seus instintos mais primários, ou seja, seu lado animal, vivendo sem objetivos, sem nenhuma carência de residência ou de qualquer conforto material. Assim, elas encontrariam seu fim maior – as virtudes morais. A este estado de desprendimento ele chamava Autarcia ou Autarquia. Os cínicos, mais uma vez seguindo o estilo de Sócrates, não deixaram nenhum legado escrito. O que se conhece sobre esta Escola foi narrado por outras pessoas, geralmente de um ângulo crítico. (http://www.infoescola.com/filosofia/cinismo/)
EPICURISMO Epicuro de Samos fundou sua escola na cidade de Atenas em 306. Ela se manteve por mais de seis séculos, e se propagou depois a Roma e Oriente. De seus escritos restaram somente alguns fragmentos: máximas capitais, Cartas e Sobre a Natureza.
desagregação corpórea (onde reside a nossa sensibilidade) dessa unidade psicossomática, de tal forma que não sentiremos mais nada quando isso acontecer. Noutras palavras, nunca nos encontraremos com a morte, pois, enquanto existimos, ela não existe para nós, e quando ela chega, nós é que não existimos mais para ela, pois perdemos a capacidade de sentir. Ânsia de prazeres. O verdadeiro critério de avaliação do bem e do mal é o prazer e a dor. Todos nós tendemos para o prazer, mas nem todo prazer nos conduz à felicidade; os prazeres sensuais só nos acarretam mais dor, pois a dor é proporcionada por nossas necessidades; portanto, não é este o caminho do verdadeiro prazer. Assim transmuta o prazer fugaz, pregado pelo hedonismo, em um prazer perene e permanente, que coincida com toda ausência de dor. Temor à dor. Como dissemos antes, o prazer fugaz só acentua mais ainda a dor e a infelicidade no homem. Mas esse não é o verdadeiro prazer. O prazer perfeito não é mais que o cessar de todo desejo e de necessidades, o que só se obtêm limitando as necessidades, único meio para conseguir a calma, a imperturbabilidade (ataraxia) e a ausência de toda dor (aponía), que o sábio deve perseguir. Mediante este domínio o homem é capaz de renunciar a um prazer que não é mais que fonte de dor, e transformar um mal que é fonte de prazer perene. Neste domínio o homem chega à contemplação da verdade. ESTOICISMO
Epicuro (341-270 a.C)
Ensina a seus discípulos a ataraxia (= imperturbabilidade); para consegui-la, é preciso viver às ocultas, fugindo de empreendimentos. Sua filosofia está fundamentada numa visão atomista e materialista da natureza e da alma humana. Para Epicuro, a filosofia tem a missão de libertar o homem das turbulências que o agitam. “Deves servir à filosofia só para alcançar a verdadeira liberdade”. O que perturba o ser humano são quatro erros, dos quais ele se liberta só quando os domina e reconhece que são somente opiniões. São eles: temor dos deuses, medo da morte, ânsia dos prazeres, tristeza pelas dores. A filosofia nos oferece os quatros remédios para desprendermo-nos desses erros, através de um verdadeiro conhecimento do mundo e uma verdadeira doutrina da natureza. Temor dos Deuses. Os deuses existem em sua divindade, em perfeita serenidade nos espaços intermundanos que os separam dos homens, alimentados pelos afluxos de átomos que equilibram o fluxo de átomos. Frente aos deuses o homem deve ter uma atitude de desinteresse, e não de culto servil de imploração e conjuros, alimentados pelo interesse e temor aos deuses. Temor da Morte. Epicuro considera o medo da morte um temor e sofrimento desnecessário, pois o nosso nascimento é apenas o resultado de um entrechoque de átomos que se combinam originando essa unidade psicossomática que somos nós. A morte é somente a
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Zenão de Citio fundou a Escola do pórtico (stoá). Professa uma física panteísta (A Razão é a alma do mundo). Por conseguinte, a regra suprema é viver conforme a natureza e procurar a apatia ou insensibilidade frente a bens e males. Esta escola teve famosos discípulos latinos: Sêneca (4 - 65 d.C.), o preceptor de Nero, Epicteto (50-138 d.C.), escravo liberto, o imperador Marco Aurélio (121-180 d.C.).
Zenão de Citio (336-263 a.C )
O homem, na filosofia estoica, é apenas um órgão desse imenso organismo chamado universo, um ser a mais dentre os seres da natureza, e sua alma é apenas uma centelha ou faísca da manifestação da alma divina ou Razão universal. Por isso, a sua liberdade consiste exatamente em compreender e conformar suas ações e vontade às leis da Razão universal, que é a razão perfeita. O estoico deve aceitar e seguir serenamente e com alegria interior a razão universal. Daí a máxima estoica “segue a
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Ciências Humanas e suas Tecnologias natureza que é teu guia”. Epitecto, filósofo estoico, resume essa concepção de liberdade, afirmando: “Até hoje não houve coisa alguma que me trouxesse impedimento ou coação. Por quê? Porque sempre dispus minha vontade segundo a Vontade de Deus. Quer Deus que eu tenha febre? também eu quero”. Ou seja, o ideal de liberdade consiste em compreender essa inexorabilidade do universo regido segundo as leis do Logos ou Razão universal e colocar-se em harmonia com ela, numa atitude de profunda resignação da vontade. Como a ética estoica defende a felicidade como fim que dá sentido à vida e ao agir humano, ela é considerada finalista e eudemonista. Porém, a vinculação da ética a uma cosmologia monista e materialista, dá ao homem e o seu ideal de felicidade uma compreensão, em muitos aspectos, diferente da aristotélica. Para os estoicos, a vida feliz consiste numa disposição da vontade para aceitar, com serenidade, as coisas como elas são. Isso não significa uma anulação da liberdade, pois além da heroica aceitação da natureza, a ética defende que o homem pode ser livre, basta saber distinguir quais coisas e acontecimentos independem de sua vontade e que, portanto, ele não tem poder sobre elas, por exemplo: sua saúde, morte, etc.. que devem ser tratadas como realidades indiferentes. Mas, pode decidir sobre suas paixões e seus juízos. As paixões são consideradas irracionais e nos afastam da vida segundo a razão, por isso, o homem sábio é aquele capaz de viver a apatheia - apatia, no sentido filosófico estoico -, isto é, a indiferença em relação às emoções e as paixões e, através dela, alcançar a ataraxia, ou seja, o ideal de serenidade ou imperturbabilidade da alma alcançada quando se domina ou elimina as paixões e emoções. CETICISMO “O termo cetiscismo vem do sképsis, que significa “investigação”, “procura ele quer indicar mais precisamente que a sabedoria não consiste no conhecimento da verdade, mas na sua procura. De fato, o ceticismo sustenta que o homem não pode conhecer a verdade, mas somente procurá-la. Conhecer a verdade compete a Deus; investigá-la, ao homem. Existem, pois, duas espécies de sabedoria: uma divina, e outra que consiste na investigação da verdade. Antes de Platão e Aristóteles, já se desenvolvera a Grécia uma orientação filosófica essencialmente cética, o famoso movimento dos sofistas. Ele se revigorou e se difundiu largamente durante o período do helenismo, principalmente depois que se tornou a doutrina oficial da escola de Platão, a Academia. Os principais expoentes do ceticismo são Pírron, Carnéades e Sexto Empírico. Pírron é considerado geralmente como fundador do movimento; viveu entre 360 e 270 a.C. depois de participar, como cavaleiro, da campanha de Alexandre Magno no Oriente, voltou para Elís, sua pátria, onde fundou uma escola de Filosofia. Ensinou uma forma de ceticismo radical.
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Pírron de Élida (365-275 a.C.)
Partindo do princípio de que as coisas são inatingíveis ao conhecimento humano, Pírron conclui que para o homem a única atitude cabível é a suspensão (epoché) total do juízo; não se pode afirmar de coisa alguma que seja verdadeira ou falsa, justa ou injusta, e assim por diante. Essa suspensão do juízo leva a considerar todas as coisas como indiferentes ao homem e, consequentemente, anão dar preferência a uma coisa em relação à outra. De modo que a suspensão do juízo já é, por si mesma, uma ataraxia, ausência de qualquer perturbação e paixão. A felicidade consiste, portanto, na suspensão do juízo. As doutrinas de Pírron tiveram larga acolhida na Academia. Isto aconteceu quando os platônicos, persuadidos da validade das críticas de Aristóteles, abandonaram a teoria das Ideias. Tirada a base sobre a qual se apoiava a confiança de Platão no conhecimento humano, não restava aos platônicos outra saída senão refugiar-se no ceticismo. Para distinguir a escola platônica que permaneceu fiel aos ensinamentos do mestre de que, abandonando a teoria das idéias, aceitou a posição cética, a primeira foi chamada Velha Academia, e a segunda, Nova Academia. Os principais expoentes desta última são Carnéades e sexto Empírico. Carnéades (214-129 a.C.) tempera o ceticismo radical de Pírron, admitindo para o homem a possibilidade de conhecer o que é provável, apesar de não lhe reconhecer o poder de atingir a verdade. Para ele, o sábio é aquele que, embora sabendo que a verdade é inatingível, não desiste de procurá-la assiduamente. Na vida prática, o sábio segue o que lhe parece mais próximo da verdade e do bem, o que tem a seu favor mais razões para ser considerado como válido, mesmo que não se manifeste como absolutamente certo e indiscutível. Sexto empírico (século II d.C) dá ao ceticismo a exposição mais sistemática e rigorosa. Por vários motivos julga ele que o único sistema filosófico possível é o ceticismo. Os principais são os dois seguintes: a) o profundo desacordo entre os filósofos em relação a qualquer problema; b) os enganos dos sentidos: o conhecimento varia segundo as condições do sujeito (circunstâncias, saúde), segundo as condições do objeto (distancia, posição, ambiente, massas corpóreas) e segundo as relações (freqüência dos acontecimentos). Com Sexto Empírico o ceticismo fecha-se em uma posição fenomenística que faz mais do que anular a própria possibilidade do saber, porque limita o
Filosofia
conhecimento aos fenômenos e às suas relações experimentáveis, eliminando toda indagação em torno das coisas transcendentes, inverificáveis. Toda indagação metafísica é considerada vã porque fundada no princípio de causalidade e no processo silogístico. Ora, Sexto empírico contesta, ao princípio de causalidade, sucessão de fatos concomitantes ou consecutivos. Quanto ao silogismo, ele o considera um exercício formalístico vazio, que encerra o pensamento num círculo-vicioso. Sexto Empírico não reconhece o valor da lógica apodítica de Aristóteles e se abandona à contigência dos acontecimentos.” (MONDIN, Battista, p.166-118)
d) Afirmando que a razão é capaz de gerar conhecimento, mas a sensação não. e) Rejeitando a posição de Parmênides de que a sensação é superior à razão. 2. (ENEM 2014)
(http://filosofiaprofrodrigues.blogspot.com.br/2010/09/as-escolasfilosoficas-no-periodo-do.html)
FIQUE LIGADO NO ENEM! • O cinismo prega principalmente desprezar os bens materiais, rejeitando as convenções sociais e os desejos artificiais para reconhecer como legítimas só as necessidades naturais. • O epicurismo propunha a ideia de que o ser humano deve buscar o prazer duradouro da vida. O verdadeiro prazer está na ausência da dor (aponia) e na falta de perturbação da mente (ataraxia). • O estoicismo acreditava afirmava que devemos nos preocupar em levar uma vida virtuosa neste mundo, no tempo presente em que vivemos e que perante a nossa impotência com relação às adversidades da vida, devemos adotar uma postura resignada diante da morte e das tragédias pessoais. • O ceticismo considerava que diante de dois argumentos contrários e ambivalentes, o melhor é suspender o juízo e desistir em afirmarmos a verdade ou falsidade de uma ou outra das teses. Portanto, e de modo mais geral, devemos abandonar a pretensão filosófica de procurar a verdade e aceitarmos os costumes e as práticas presentes em nosso mundo cotidiano.
Exercícios 1. (ENEM 2012) Para Platão, o que havia de verdadeiro em Parmênides era que o objeto de conhecimento é um objeto de razão e não de sensação, e era preciso estabelecer uma relação entre objeto racional e objeto sensível ou material que privilegiasse o primeiro em detrimento do segundo. Lenta, mas irresistivelmente, a Doutrina das Ideias formava-se em sua mente. ZINGANO, M. Platão e Aristóteles: o fascínio da filosofia. São Paulo: Odysseus, 2012 (adaptado)
O texto faz referência à relação entre razão e sensação, um aspecto essencial da Doutrina das Ideias de Platão (427 a.C.-346 a.C.). De acordo com o texto, como Platão se situa diante dessa relação? a) Estabelecendo um abismo intransponível entre as duas. b) Privilegiando os sentidos e subordinando o conhecimento a eles. c) Atendo-se à posição de Parmênides de que razão e sensação são inseparáveis.
ENEM
SANZIO, R. Detalhe do afresco A Escola de Atenas. Disponível em: http://fil.cfh.ufsc.br. Acesso em: 20 mar. 2013.
No centro da imagem, o filósofo Platão e retratado apontando para o alto. Esse gesto significa que o conhecimento se encontra em uma instância na qual o homem descobre a a) suspensão do juízo como reveladora da verdade. b) realidade inteligível por meio do método dialético. c) salvação da condição mortal pelo poder de Deus. d) essência das coisas sensíveis no intelecto divino. e) ordem intrínseca ao mundo por meio da sensibilidade. 3. (ENEM 2013) A felicidade é, portanto, a melhor, a mais nobre e a mais aprazível coisa do mundo, e esses atributos não devem estar separados como na inscrição existente em Delfos “das coisas, a mais nobre é a mais justa, e a melhor é a saúde; porém a mais doce é ter o que amamos”. Todos estes atributos estão presentes nas mais excelentes atividades, e entre essas a melhor, nós a identificamos como felicidade. ARISTÓTELES. A Política. São Paulo. Cia das Letras. 2010.
Ao reconhecer na felicidade a reunião dos mais excelentes atributos, Aristóteles a identifica como: a) busca por bens materiais e títulos de nobreza. b) plenitude espiritual e ascese pessoal. c) finalidade das ações e condutas humanas. d) conhecimento de verdades imutáveis e perfeitas. e) expressão do sucesso individual e reconhecimento público. 4. (ENEM 2014) TEXTO I Olhamos o homem alheio às atividades públicas não como alguém que cuida apenas de seus próprios interesses, mas como um inútil; nós, cidadãos atenienses, decidimos as questões públicas por nós mesmos na crença de que não é o debate que é empecilho à ação, e sim no fato de não estar esclarecido pelo debate antes de chegar a hora da ação. TUCÍDIDES. História da Guerra do Peloponeso. Brasília: UnB, 1987 (adaptado)
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TEXTO II Um cidadão integral pode ser definido por nada mais nada menos que pelo direito de administrar justiça e exercer funções públicas; algumas destas, todavia, são limitadas quanto ao tempo de exercício, de tal modo que não podem de forma alguma ser exercidas duas vezes pela mesma pessoa, ou somente podem sê-lo depois de certos intervalos de tempo prefixados. ARISTÓTELES. Política. Brasília: UnB, 1985.
Comparando os textos I e II, tanto para Tucídides (no século V a.C.) quanto para Aristóteles (no século IV a.C.), a cidadania era definida pelo(a) a) prestígio social. b) acúmulo de riqueza. c) participação política. d) local de nascimento e) grupo de parentesco. 5. (ENEM 2009) Segundo Aristóteles, “na cidade com o melhor conjunto de normas e naquela dotada de homens absolutamente justos, os cidadãos não devem viver uma vida de trabalho trivial ou de negócios — esses tipos de vida são desprezíveis e incompatíveis com as qualidades morais —, tampouco devem ser agricultores os aspirantes à cidadania, pois o lazer é indispensável ao desenvolvimento das qualidades morais e à prática das atividades políticas”. VAN ACKER, T. Grécia. A vida cotidiana na cidade-Estado. São Paulo: Atual, 1994.
O trecho, retirado da obra Política, de Aristóteles, permite compreender que a cidadania: a) possui uma dimensão histórica que deve ser criticada, pois é condenável que os políticos de qualquer época fiquem entregues à ociosidade, enquanto o resto dos cidadãos tem de trabalhar. b) era entendida como uma dignidade própria dos grupos sociais superiores, fruto de uma concepção política profundamente hierarquizada da sociedade. c) estava vinculada, na Grécia Antiga, a uma percepção política democrática, que levava todos os habitantes da pólis a participarem da vida cívica. d) tinha profundas conexões com a justiça, razão pela qual o tempo livre dos cidadãos deveria ser dedicado às atividades vinculadas aos tribunais. e) vivida pelos atenienses era, de fato, restrita àqueles que se dedicavam à política e que tinham tempo para resolver os problemas da cidade. 6. (ENEM 2014) Alguns dos desejos são naturais e necessários; outros, naturais e não necessários; outros, nem naturais nem necessários, mas nascidos de vã opinião. Os desejos que não nos trazem dor se não satisfeitos não são necessários, mas o seu impulso pode ser facilmente desfeito, quando é difícil obter sua satisfação ou parecem geradores de dano. EPICURO DE SAMOS. Doutrinas principais. In: SANSON, V. F. Textos de filosofia. Rio de Janeiro: Eduff, 1974.
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No fragmento da obra filosófica de Epicuro, o homem tem como fim a) alcançar o prazer moderado e a felicidade. b) valorizar os deveres e as obrigações sociais. c) aceitar o sofrimento e o rigorismo da vida com resignação. d) refletir sobre os valores e as normas dadas pela divindade. e) defender a indiferença e a impossibilidade de se atingir o saber. GABARITO 1 D
2 B
3 C
4 C
5 B
6 A
UNIDADE 8 FILOSOFIA PATRISTICA Inicia-se com as Epístolas de São Paulo e o Evangelho de São João e termina no século VIII, quando teve início a Filosofia medieval. A patrística resultou do esforço feito pelos dois apóstolos intelectuais (Paulo e João) e pelos primeiros Padres da Igreja para conciliar a nova religião – o Cristianismo – com o pensamento filosófico dos gregos e romanos, pois somente com tal conciliação seria possível convencer os pagãos da nova verdade e convertê-los a ela. A Filosofia patrística liga-se, portanto, à tarefa religiosa da evangelização a à defesa da religião cristã contra os ataques teóricos e morais que recebia dos antigos. A patrística foi obrigada a introduzir ideias desconhecidas para os filósofos greco-romanos: a ideia de criação do mundo, de pecado original, de Deus como Trindade uma, de encarnação e morte de Deus, de juízo final ou de fim dos tempos e ressurreição dos mortos, etc. precisou também explicar como o mal pode existir no mundo, já que tudo foi criado por Deus, que é pura perfeição e bondade. Introduziu, sobretudo com Santo Agostinho e Boécio, a ideia de “homem interior”, isto é, da consciência moral e do livre-arbítrio, pelo qual o homem se torna responsável pela existência do mal no mundo. Para impor as ideias cristãs, os Padres da Igreja as transformaram em verdades reveladas por Deus (através da Bíblia e dos Santos) que, por serem decretos divinos, seriam dogmas, isto é, irrefutáveis e inquestionáveis. Com isso, surge uma distinção, desconhecida pelos antigos, entre verdades reveladas ou da fé e verdades da razão ou humanas, isto é, entre verdades sobrenaturais e verdades naturais, as primeiras introduzindo a noção de conhecimento recebido por uma graça divina, superior ao simples conhecimento racional. Dessa forma, o grande
Filosofia
tema de toda a Filosofia patrística é o da possibilidade ou impossibilidade de conciliar razão e fé. SANTO AGOSTINHO Nascido em Tagasta, na Numídia (atual Argélia), sua vida divide-se em dois períodos: o período de sua formação, ocorrido antes da conversão, e o período de sua conversão ao cristianismo e da produção de suas obras filosóficas. Após educar-se em colégios pagãos, não obstante o fervor cristão de Santa Mônica, sua mãe, Agostinho vai a Cartago, onde se envolve em aventuras juvenis e tem um filho. Ingressa em uma seita maniqueísta e torna-se professor de retórica em Tagasta e, depois, em Cartago. Depois de passar, como professor, por Roma e Milão, e de sofrer desilusões espirituais com o maniqueísmo, converte-se ao cristianismo católico, aceitando a verdade divinamente revelada e a sabedoria da Igreja. Mas essa conversão não o satisfaz por completo: há uma lacuna filosófica que somente será preenchida com a descoberta de Platão, por meio de filósofos neoplatônicos, como Plotino, Porfírio, Jâmblico e Apuleio. Realiza, então, uma síntese do pensamento platônico com o pensamento cristão, que reinará absoluta nas concepções católicas por quase mil anos. Em 386 ouve o “chamado de Deus”, deixa-se batizar, vende seu patrimônio e volta ao norte da África, onde abre um mosteiro a fim de aprofundar suas especulações e entregar-se, por inteiro, à fé. Torna-se padre, em 391, e bispo, em 395.
Santo Agostinho (354-430)
Segundo Agostinho, Deus é a causa perfeita, explicativa de todo o ser em suas diversas naturezas e ações. Suas demonstrações levam à existência divina e a suas características básicas, como unidade, imutabilidade e eternidade. Um dos problemas que atormenta Agostinho é o da existência do mal. Como justificar que Deus, a suprema bondade e perfeição, tenha criado o mal? A justificativa agostiniana é bastante interessante: não existiria o mal em si, que nunca fora criado propriamente. Quando Deus cria algo, esse novo ser passa a ter existência autônoma em relação a Ele, afastando-se de Sua perfeição. Se Deus criasse coisas que compartilhem, na plenitude, de sua perfeição, então criaria novos deuses, o que, em termos lógicos, seria impossível, posto Deus ser
ENEM
único. Assim, toda a obra de Deus padece de um grau de imperfeição. Ora, Agostinho reinterpreta o mal, não como criação em si, mas como ausência de plenitude da bondade. Deus é a bondade plena; as coisas criadas, afastam-se dessa plenitude, tornando-se imperfeitas em bondade e, logo, adquirindo a “maldade”. Com essa explicação, Agostinho refuta a tese, também, de que Deus teria dado ao ser humano a opção de escolher entre o “bem” e o “mal”, como coisas equivalentes. Afirma duvidar que fosse desígnio divino dotar as pessoas da capacidade plena de fazer coisas ruins, disseminando, assim, a maldade. Na verdade, os seres humanos estariam no nível mais distante da criação divina, situando-se entre os seres que padecem do maior grau de imperfeição. Com isso, tornam-se incapazes de agir de modo plenamente correto ou de fazer o bem movidos pela razão. Dada a imperfeição humana, torna-se suscetível de praticar o mal. O pensamento agostiniano desvaloriza, de modo excessivo, o ser humano e sua razão. Visto como um ser imperfeito, a salvação independe de seus atos racionais. Deus escolhe previamente aqueles que vai salvar, no instante da criação, pois é onisciente, e sabe quais os caminhos que serão seguidos por cada ser humano. Mas, da perspectiva de cada um, a salvação é obtida no cotidiano. Então, as pessoas devem manifestar fé em seus atos, demonstrando, em vida, que estão em contato com Deus e podem ser salvas. A ética, assim, consiste na busca da fé como critério que norteia a ação humana, pois a razão não demonstra que a pessoa está em contato com Deus. Em concreto, isso significa respeitar as autoridades que representam a vontade divina, como a Igreja, independentemente do valor racional de suas ordens, mas em decorrência da fé. Essa perspectiva está na raiz do medievo, das imagens negativas e escuras da vida e na perspectiva de que o ser humano é falho e limitado. Há uma inegável matriz platônica: Deus é a ideia máxima (plena, perfeita, eterna) e os objetos correspondem ao concreto real (limitado, imperfeito, mortal). Politicamente, Agostinho estabelece uma distinção marcante: a Cidade dos Homens e a Cidade de Deus. A primeira é real, construída por homens, marcada por instituições imperfeitas, incompletas e injustas. Seus moradores são pessoas pecadoras, viciosas, que amam mais a si do que a Deus. Os atos coletivos, como as leis e os julgamentos, padecem das mesmas imperfeições humanas, sendo injustos e não levando ao bem comum. A Cidade de Deus é a obra do Criador mais próxima de si. Nela estão os santos e as pessoas salvas, que, durante suas vidas, amaram mais Deus do que a si. As instituições possuem o grau máximo de perfeição, dada a proximidade do Criador, sendo suas leis justas e imutáveis. Algumas questões surgem dessas concepções. As pessoas que vivem em meio às calamidades da Cidade dos Homens deveriam fazer algo? Sabendo que a imperfeição da humanidade a impede de fazer coisas realmente boas, haveria a necessidade de uma ação política?
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Agostinho considera a fé fundamental na vida humana. Somente aqueles que norteiam seus atos pela fé podem ser salvos. Assim, a resposta às questões acima passa por ela. Ainda que os humanos sejam incapazes e seus atos sempre imperfeitos, Deus escolheria alguns para governar. O objetivo dessa escolha é garantir um mínimo de segurança para os escolhidos poderem viver com fé. Desse modo, caberia a todos respeitarem integralmente essa autoridade que, claro, passaria pela Igreja Católica. Aqueles escolhidos por Deus para exercerem o poder político deveriam elaborar leis inspirados naquelas existentes na Cidade de Deus. O modelo de legislação e também de justiça torna-se transcendente, devendo ser encontrado pela fé. Mas, dada a falibilidade humana, essas leis sempre seriam imperfeitas, por maior que fosse o esforço dessas autoridades. Mesmo nesse caso, em nome da segurança, as pessoas deveriam curvar-se, pois não podem compreender e julgar a escolha inicial, de Deus. Somente uma ampla obediência à autoridade traria o grau de segurança necessário para uma vida repleta de fé na Cidade dos Homens. Independentemente das críticas que podem ser apresentadas, sob o ponto de vista racional, à síntese empreendida por Agostinho, não se pode negar méritos a seu esforço. Mesmo se admitindo que não explica os motivos pelos quais Deus, onipotente, cria coisas imperfeitas, há de se convir que sua filosofia torna-se um sistema coerente, ainda que com o predomínio da fé. Também devemos ressaltar o fôlego que adquire, sobrevivendo por muitos séculos e inspirando a consolidação da Igreja Católica e da Filosofia Medieval.
(matéria) e alma (espírito), o Universo como uma hierarquia de seres, onde os superiores dominam e governam os inferiores (Deus, arcanjos, anjos, alma, corpo, animais, vegetais, minerais), a subordinação do poder temporal dos reis e barões ao poder espiritual de papas e bispos: eis os grandes temas da Filosofia medieval. Outra característica marcante da Escolástica foi o método por ela inventado para expor as ideias filosóficas conhecido como disputa: apresentava-se uma tese e esta devia ser ou refutada ou defendida por argumentos tirados da Bíblia, de Aristóteles, de Platão ou de outros Padres da Igreja. Assim, uma ideia era considerada uma tese verdadeira ou falsa dependendo da força e da qualidade dos argumentos encontrados nos vários autores. Por causa desse método de disputa – teses, refutações, defesas, respostas, conclusões baseadas em escritos de outros autores –, costuma-se dizer que, na Idade Média, o pensamento estava subordinado ao principio da autoridade, isto é, uma ideia é considerada verdadeira se for baseada nos argumentos de uma autoridade reconhecida (bíblia, Platão, Aristóteles, um papa, um santo). Os teólogos medievais mais importantes foram: Pedro Abelardo, Johannes Duns Scotus, João Escoto Erígena, Santo Anselmo, Santo Tomás de Aquino, Santo Alberto Magno, Guilherme de Ockham, Roger Bacon, São Boaventura. Do lado árabe: Avicena, Averróis, Alfarabi e Algazáli. Do lado judaico: Maimônides, Nahmanides, Yeudah bem Levi.
(http://filosofiadodireito.info/fildireito/?p=194)
SANTO TOMÁS DE AQUINO
UNIDADE 9 FILOSOFIA ESCOLASTICA Abrange pensadores europeus, árabes e judeus. É o período em que a Igreja Romana dominava a Europa, ungia e coroava reis, organizava Cruzadas à Terra Santa e criava, à volta das catedrais, as primeiras universidades ou escolas. E, a partir do século XII, por ter sido ensinada nas escolas, a Filosofia medieval também é conhecida com o nome de Escolástica. A filosofia medieval teve como influências principais Platão e Aristóteles, embora o Platão que os medievais conhecessem fosse o neoplatônico (vindo da Filosofia de Plotino, do século VI d.C.), e o Aristóteles que conhecessem fosse aquele conservado e traduzido pelos árabes, particularmente Avicena e Averrois. Durante esse período surge propriamente a filosofia cristã, que é, na verdade, a teologia. Um de seus temas mais constantes são as provas da existência de Deus e da alma, isto é, demonstrações racionais da existência do infinito criador e do espírito humano imortal. A diferença e separação entre infinito (Deus) e finito (homem, mundo), a diferença e separação entre corpo
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Após uma longa preparação e um desenvolvimento promissor, a escolástica chega ao seu ápice com Tomás de Aquino. Adquire plena consciência dos poderes da razão, e proporciona finalmente ao pensamento cristão uma filosofia. Assim, converge para Tomás de Aquino não apenas o pensamento escolástico, mas também o pensamento patrístico, que culminou com Agostinho, rico de elementos helenistas e neoplatônicos, além do patrimônio de revelação judaico-cristã, bem mais importante. Para Tomás de Aquino, porém, converge diretamente o pensamento helênico, na sistematização imponente de Aristóteles. O pensamento de Aristóteles, pois, chega a Tomás de Aquino enriquecido com os comentários pormenorizados, especialmente árabes.
Santo Tomás de Aquino (1225-1274)
Filosofia
Diversamente do agostinianismo, e em harmonia com o pensamento aristotélico, Tomás considera a filosofia como uma disciplina essencialmente teorética, para resolver o problema do mundo. Considera também a filosofia como absolutamente distinta da teologia, - não oposta - visto ser o conteúdo da teologia arcano e revelado, o da filosofia evidente e racional. A gnosiologia tomista - diversamente da agostiniana e em harmonia com a aristotélica - é empírica e racional, sem inatismos e iluminações divinas. O conhecimento humano tem dois momentos, sensível e intelectual, e o segundo pressupõe o primeiro. O conhecimento sensível do objeto, que está fora de nós, realiza-se mediante a assim chamada espécie sensível . Esta é a impressão, a imagem, a forma do objeto material na alma, isto é, o objeto sem a matéria: como a impressão do sinete na cera, sem a materialidade do sinete; a cor do ouro percebido pelo olho, sem a materialidade do ouro. O conhecimento intelectual depende do conhecimento sensível, mas transcende-o. O intelecto vê em a natureza das coisas - intus legit - mais profundamente do que os sentidos, sobre os quais exerce a sua atividade. Na espécie sensível - que representa o objeto material na sua individualidade, temporalidade, espacialidade, etc., mas sem a matéria - o inteligível, o universal, a essência das coisas é contida apenas implicitamente, potencialmente. Para que tal inteligível se torne explícito, atual, é preciso extraí-lo, abstraí-lo, isto é, desindividualizá-lo das condições materiais. Tem-se, deste modo, a espécie inteligível, representando precisamente o elemento essencial, a forma universal das coisas. Pelo fato de que o inteligível é contido apenas potencialmente no sensível, é mister um intelecto agente que abstraia, desmaterialize, desindividualize o inteligível do fantasma ou representação sensível. Este intelecto agente é como que uma luz espiritual da alma, mediante a qual ilumina ela o mundo sensível para conhecê-lo; no entanto, é absolutamente desprovido de conteúdo ideal, sem conceitos diferentemente de quanto pretendia o inatismo agostiniano. E, ademais, é uma faculdade da alma individual, e não advém de fora, como pretendiam ainda o iluminismo agostiniano e o panteísmo averroísta. O intelecto que propriamente entende o inteligível, a essência, a idéia, feita explícita, desindividualizada pelo intelecto agente, é o intelecto passivo, a que pertencem as operações racionais humanas: conceber, julgar, raciocinar, elaborar as ciências até à filosofia. Como no conhecimento sensível, a coisa sentida e o sujeito que sente, formam uma unidade mediante a espécie sensível, do mesmo modo e ainda mais perfeitamente, acontece no conhecimento intelectual, mediante a espécie inteligível, entre o objeto conhecido e o sujeito que conhece. Compreendendo as coisas, o espírito se torna todas as coisas, possui em si, tem em si mesmo imanentes todas as coisas, compreendendo-lhes as essências, as formas. É preciso claramente salientar que, na filosofia de Tomás de Aquino, a espécie inteligível não é a coisa entendida, quer dizer, a representação da coisa (id quod
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intelligitur), pois, neste caso, conheceríamos não as coisas, mas os conhecimentos das coisas, acabando, destarte, no fenomenismo. Mas, a espécie inteligível é o meio pelo qual a mente entende as coisas extramentais (é, logo, id quo intelligitur ). E isto corresponde perfeitamente aos dados do conhecimento, que nos garante conhecermos coisas e não idéias; mas as coisas podem ser conhecidas apenas através das espécies e das imagens, e não podem entrar fisicamente no nosso cérebro. O conceito tomista de verdade é perfeitamente harmonizado com esta concepção realista do mundo, e é justificado experimentalmente e racionalmente. A verdade lógica não está nas coisas e nem sequer no mero intelecto, mas na adequação entre a coisa e o intelecto: veritas est adaequatio speculativa mentis et rei . E tal adequação é possível pela semelhança entre o intelecto e as coisas, que contêm um elemento inteligível, a essência, a forma, a idéia. O sinal pelo qual a verdade se manifesta à nossa mente, é a evidência; e, visto que muitos conhecimentos nossos não são evidentes, intuitivos, tornam-se verdadeiros quando levados à evidência mediante a demonstração. Todos os conhecimentos sensíveis são evidentes, intuitivos, e, por consequência, todos os conhecimentos sensíveis são, por si, verdadeiros. Os chamados erros dos sentidos nada mais são que falsas interpretações dos dados sensíveis, devidas ao intelecto. Pelo contrário, no campo intelectual, poucos são os nossos conhecimentos evidentes. São certamente evidentes os princípios primeiros (identidade, contradição, etc.). Os conhecimentos não evidentes são reconduzidos à evidência mediante a demonstração, como já dissemos. É neste processo demonstrativo que se pode insinuar o erro, consistindo em uma falsa passagem na demonstração, e levando, destarte, à discrepância entre o intelecto e as coisas. A demonstração é um processo dedutivo, isto é, uma passagem necessária do universal para o particular. No entanto, os universais, os conceitos, as idéias, não são inatas na mente humana, como pretendia o agostinianismo, e nem sequer são inatas suas relações lógicas, mas se tiram fundamentalmente da experiência, mediante a indução, que colhe a essência das coisas. A ciência tem como objeto esta essência das coisas, universal e necessária. A METAFÍSICA A metafísica tomista pode-se dividir em geral e especial. A metafísica geral - ou ontologia - tem como objeto o ser em geral e as atribuições e leis relativas. A metafísica especial estuda o ser em suas grandes especificações: Deus, o espírito, o mundo. Daí temos a teologia racional - assim chamada, para distingui-la da teologia revelada; a psicologia racional (racional, porquanto é filosofia e se deve distinguir da moderna psicologia empírica, que é ciência experimental); a cosmologia ou filosofia da natureza (que estuda a natureza
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em suas causas primeiras, ao passo que a ciência experimental estuda a natureza em suas causas segundas). O princípio básico da ontologia tomista é a especificação do ser em potência e ato. Ato significa realidade, perfeição; potência quer dizer não-realidade, imperfeição. Não significa, porém, irrealidade absoluta, mas imperfeição relativa de mente e capacidade de conseguir uma determinada perfeição, capacidade de concretizar-se. Tal passagem da potência ao ato é o vir-aser, que depende do ser que é ato puro; este não muda e faz com que tudo exista e venha-a-ser. Opõe-se ao ato puro a potência pura que, de per si, naturalmente é irreal, é nada, mas pode tornar-se todas as coisas, e chama-se matéria. A NATUREZA Uma determinação, especificação do princípio de potência e ato, válida para toda a realidade, é o princípio da matéria e de forma. Este princípio vale unicamente para a realidade material, para o mundo físico, e interessa portanto especialmente à cosmologia tomista. A matéria não é absoluto, não-ente; é, porém, irreal sem a forma, pela qual é determinada, como a potência é determinada, como a potência é determinada pelo ato. É necessária para a forma, a fim de que possa existir um ser completo e real (substância). A forma é a essência das coisas (água, ouro, vidro) e é universal. A individuação, a concretização da forma, essência, em vários indivíduos, que só realmente existem (esta água, este ouro, este vidro), depende da matéria, que portanto representa o princípio de individuação no mundo físico. Resume claramente Maritain esta doutrina com as palavras seguintes: "Na filosofia de Aristóteles e Tomás de Aquino, toda substância corpórea é um composto de duas partes substanciais complementares, uma passiva e em si mesma absolutamente indeterminada (a matéria), outra ativa e determinante (a forma)" . Além destas duas causas constitutivas (matéria e forma), os seres materiais têm outras duas causas: a causa eficiente e a causa final. A causa eficiente é a que faz surgir um determinado ser na realidade, é a que realiza o sínolo , a saber, a síntese daquela determinada matéria com a forma que a especifica. A causa final é o fim para que opera a causa eficiente; é esta causa final que determina a ordem observada no universo. Em conclusão: todo ser material existe pelo concurso de quatro causas material, formal, eficiente, final; estas causas constituem todo ser na realidade e na ordem com os demais seres do universo físico. O ESPÍRITO Quando a forma é princípio da vida, que é uma atividade cuja origem está dentro do ser, chama-se alma. Portanto, têm uma alma as plantas (alma vegetativa: que se alimenta, cresce e se reproduz), e os animais (alma sensitiva: que, a mais da alma vegetativa, sente e se move). Entretanto, a psicologia racional , que diz respeito ao homem, interessa apenas a alma racional. Além de
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desempenhar as funções da alma vegetativa e sensitiva, a alma racional entende e quer, pois segundo Tomás de Aquino, existe uma forma só e, por conseguinte, uma alma só em cada indivíduo; e a alma superior cumpre as funções da alma inferior, como a mais contém o menos. No homem existe uma alma espiritual - unida com o corpo, mas transcendendo-o - porquanto além das atividades vegetativa e sensitiva, que são materiais, se manifestam nele também atividades espirituais, como o ato do intelecto e o ato da vontade. A atividade intelectiva é orientada para entidades imateriais, como os conceitos; e, por conseqüência, esta atividade tem que depender de um princípio imaterial, espiritual, que é precisamente a alma racional. Assim, a vontade humana é livre, indeterminada - ao passo que o mundo material é regido por leis necessárias. E, portanto, a vontade não pode ser senão a faculdade de um princípio imaterial, espiritual, ou seja, da alma racional, que pelo fato de ser imaterial, isto é, espiritual, não é composta de partes e, por conseguinte, é imortal. Como a alma espiritual transcende a vida do corpo depois da morte deste, isto é, é imortal, assim transcende a origem material do corpo e é criada imediatamente por Deus, com relação ao respectivo corpo já formado, que a individualiza. Mas, diversamente do dualismo platônicoagostiniano, Tomás sustenta que a alma, espiritual embora, é unida substancialmente ao corpo material, de que é a forma. Desse modo o corpo não pode existir sem a alma, nem viver, e também a alma, por sua vez, ainda que imortal, não tem uma vida plena sem o corpo, que é o seu instrumento indispensável. DEUS Como a cosmologia e a psicologia tomistas dependem da doutrina fundamental da potência e do ato, mediante a doutrina da matéria e da forma, assim a teologia racional tomista depende - e mais intimamente ainda - da doutrina da potência e do ato. Contrariamente à doutrina agostiniana que pretendia ser Deus conhecido imediatamente por intuição, Tomás sustenta que Deus não é conhecido por intuição, mas é cognoscível unicamente por demonstração; entretanto esta demonstração é sólida e racional, não recorre a argumentações a priori , mas unicamente a posteriori , partindo da experiência, que sem Deus seria contraditória. As provas tomistas da experiência de Deus são cinco: mas todas têm em comum a característica de se firmar em evidência (sensível e racional), para proceder à demonstração, como a lógica exige. E a primeira dessas provas - que é fundamental e como que norma para as outras - baseia-se diretamente na doutrina da potência e do ato. "Cada uma delas se firma em dois elementos, cuja solidez e evidência são igualmente incontestáveis: uma experiência sensível, que pode ser a constatação do movimento, das causas, do contingente, dos graus de perfeição das coisas ou da ordem que entre elas reina; e uma aplicação do princípio de causalidade, que suspende o movimento ao imóvel, as causas segundas à causa
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primeira, o contingente ao necessário, o imperfeito ao perfeito, a ordem à inteligência ordenadora". Se conhecermos apenas indiretamente, pelas provas, a existência de Deus, ainda mais limitado é o conhecimento que temos da essência divina, como sendo a que transcende infinitamente o intelecto humano. Segundo o Aquinate, antes de tudo sabemos o que Deus não é (teologia negativa), entretanto conhecemos também algo de positivo em torno da natureza de Deus, graças precisamente à famosa doutrina da analogia. Esta doutrina é solidamente baseada no fato de que o conhecimento certo de Deus se deve realizar partindo das criaturas, porquanto o efeito deve ter semelhança com a causa. A doutrina da analogia consiste precisamente em atribuir a Deus as perfeições criadas positivas, tirando, porém, as imperfeições, isto é, toda limitação e toda potencialidade. O que conhecemos a respeito de Deus é, portanto, um conjunto de negações e de analogias; e não é falso, mas apenas incompleto. (http://www.mundodosfilosofos.com.br/aquino.htm)
FIQUE LIGADO NO ENEM! • A afirmação de Santo Agostinho Credo ut intelligam (Creio para que possa entender) expressa o seu interesse com a relação entre fé e a razão, mostrando que sem a fé a razão é incapaz de alcançar a salvação e a felicidade para o homem. A razão funciona como um auxiliar da fé fazendo compreensível aquilo que é revelado intuitivamente pela fé. • Segundo Santo Agostinho livre arbítrio é a causa de todo mal que existe. O mal não existe enquanto substância própria: ele é a ausência do bem, ou seja, a ausência de Deus. Mas a verdadeira liberdade estaria na harmonia das ações humanas com a vontade de Deus. • Politicamente, Agostinho estabelece uma distinção marcante: a Cidade dos Homens e a Cidade de Deus. A primeira é real, construída por homens, marcada por instituições imperfeitas, incompletas e injustas e na segunda estão os santos e as pessoas salvas e nela as instituições possuem o grau máximo de perfeição sendo suas leis justas e imutáveis. • Segundo São Tomás de Aquino o conhecimento humano tem dois momentos, sensível e intelectual, e o segundo pressupõe o primeiro. Nosso conhecimento do mundo é adquirido por meio da experiência sensorial, mas, além disso, é necessário que o intelecto agente (reflexão), próprio do ser humano, pense nos objetos fornecidos pelos sentidos. • Contrariamente à doutrina agostiniana que pretendia ser Deus conhecido imediatamente por intuição, São Tomás sustenta que Deus não é conhecido por intuição, mas é cognoscível unicamente por demonstração para isso propõe cinco argumentos ou provas da existência de Deus: o primeiro motor imóvel, a causa eficiente, o ser necessário, o ser perfeito e a inteligência ordenadora. • Deus é a causa de tudo, mas não age diretamente nos fatos da criação. Ele instaurou um sistema de leis, causas segundas, ordenando cada um dos domínios naturais segundo sua especificidade própria.
ENEM
Exercícios 1. (ENEM 2015) A casa de Deus, que acreditam una, está, portanto, dividida em três: uns oram, outros combatem, outros, enfim, trabalham. Essas três partes que coexistem não suportam ser separadas; os serviços prestados por uma são a condição das obras das outras duas; cada uma por sua vez encarrega-se de aliviar o conjunto... Assim a lei pode triunfar e o mundo gozar da paz. ALDALBERON DE LAON. In: SPINOSA, F. Antologia de textos históricos medievais. Lisboa: Sá da Costa, 1981.
A ideologia apresentada por Aldalberon de Laon foi produzida durante a Idade Média. Um objetivo de tal ideologia e um processo que a ela se opôs estão indicados, respectivamente, em: a) Justificar a dominação estamental / revoltas camponesas. b) Subverter a hierarquia social / centralização monárquica. c) Impedir a igualdade jurídica / revoluções burguesas. d) Controlar a exploração econômica / unificação monetária. e) Questionar a ordem divina / Reforma Católica. 2. (ENEM 2015) Calendário medieval, século XV.
Disponível em: www.ac-grenoble.fr. Acesso em: 10 maio 2012.
Os calendários são fontes históricas importantes, na medida em que expressam a concepção de tempo das sociedades. Essas imagens compõem um calendário medieval (1460-1475) e cada uma delas representa um mês, de janeiro a dezembro. Com base na análise do calendário, apreende-se uma concepção de tempo a) cíclica, marcada pelo mito arcaico do eterno retorno. b) humanista, identificada pelo controle das hora de atividade por parte do trabalhador.
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c)
escatológica, associada a uma visão religiosa sobre o trabalho. d) natural, expressa pelo trabalho realizado de acordo com as estações do ano. e) romântica, definida por uma visão bucólica da sociedade. 3. (ENEM 2013) Quando alguém duvida da existência de um outro mundo, a morte é uma passagem que deve ser celebrada entre parentes e vizinhos. O homem da Idade Média tem a convicção de não desaparecer completamente, esperando a ressurreição. Pois nada se detém e tudo continua na eternidade. A perda contemporânea do sentimento religioso fez da morte uma provação aterrorizante, um trampolim para as trevas e o desconhecido. DUBY, G. Ano 2000 na pista dos nossos medos. São Paulo: Unesp. 1998 (adaptado)
Ao comparar as maneiras com que as sociedades têm lidado com a morte, o autor considera que houve um processo de: a) b) c) d)
mercantilização das crenças religiosas. transformação das representações sociais. disseminação do ateísmo nos países de maioria cristã. diminuição da distância entre saber científico e eclesiástico. amadurecimento da consciência ligada à civilização moderna.
e)
4. (ENEM 2010/2) Quando Édipo nasceu, seus pais, Laio e Jocasta, os reis de Tebas, foram informados de uma profecia na qual o filho mataria o pai e se casaria com a mãe. Para evitá-la, ordenaram a um criado que matasse o menino. Porém, penalizado com a sorte de Édipo, ele o entregou a um casal de camponeses que morava longe de Tebas para que o criasse. Édipo soube da profecia quando se tornou adulto. Saiu então da casa de seus pais para evitar a tragédia. Eis que, perambulando pelos caminhos da Grécia, encontrou-se com Laio e seu séquito, que, insolentemente, ordenou que saísse da estrada. Édipo reagiu e matou todos os integrantes do grupo, sem saber que entre eles estava seu verdadeiro pai. Continuou a viagem até chegar a Tebas, dominada por uma Esfinge. Ele decifrou o enigma da Esfinge, tornou-se rei de Tebas e casou-se com a rainha, Jocasta, a mãe que desconhecia. Disponível em: http://www.culturabrasil.org. Acesso em 28 ago. 2010 (adaptado)
No mito Édipo Rei, são dignos de destaque os temas do destino e do determinismo. Ambos são características do mito grego e abordam a relação entre liberdade humana e providência divina. A expressão filosófica que toma como pressuposta a tese do determinismo é: a)
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"Nasci para satisfazer a grande necessidade que eu tinha de mim mesmo." Jean Paul Sartre
b) "Ter fé é assinar uma folha em branco e deixar que Deus nela escreva o que quiser." Santo Agostinho c) "Quem não tem medo da vida também não tem medo da morte." Arthur Schopenhauer d) "Não me pergunte quem sou eu e não me diga para permanecer o mesmo." Michel Foucault e) "O homem, em seu orgulho, criou a Deus a sua imagem e semelhança." Friedrich Nietzsche 5. (ENEM 2015) Ora, em todas as coisas ordenadas a algum fim é preciso haver algum dirigente, pelo qual se atinja diretamente o devido fim. Com efeito, um navio, que se move para diversos lados pelo impulso dos ventos contrários, não chegaria ao fim de destino, se por indústria do piloto não fosse dirigido ao porto; ora, tem o homem um fim, para o qual se ordenam toda a sua vida e ação. Acontece, porém, agirem os homens de modos diversos em vista do fim, o que a própria diversidade dos esforços e ações humanas comprova. Portanto, precisa o homem de um dirigente para o fim. AQUINO, T. Do reino ou do governo dos homens: ao rei do Chipre. Escritos políticos de São Tomás de Aquino. Petrópolis: Vozes, 1995 (adaptado).
No trecho citado, Tomás de Aquino justifica a monarquia como o regime de governo capaz de a) refrear os movimentos religiosos contestatórios. b) promover a atuação da sociedade civil na vida política. c) unir a sociedade tendo em vista a realização do bem comum. d) reformar a religião por meio do retorno à tradição helenística. e) dissociar a relação política entre os poderes temporal e espiritual. Gabarito 1 A
2 D
3 B
4 B
5 C
UNIDADE 10 FILOSOFIA MODERNA A efervescência teórica e prática foi alimentada com as grandes descobertas marítimas, que garantiam ao homem o conhecimento de novos mares, novos céus, novas terras e novas gentes, permitindo-lhe ter uma visão crítica de sua própria sociedade. Essa efervescência cultural e política levou a críticas profundas à Igreja Romana, culminando na Reforma Protestante, baseada na ideia de liberdade de crença e de pensamento. À Reforma a Igreja respondeu com a Contra-Reforma e com o recrudescimento do poder da Inquisição. Esse período, conhecido como o Grande Racionalismo Clássico, é marcado por três mudanças intelectuais:
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1. Aquela conhecida como o “surgimento do sujeito do conhecimento”, isto é, a Filosofia, em lugar de começar seu trabalho conhecendo a Natureza de Deus, para depois referir-se ao homem, começa indagando qual é a capacidade do intelecto humano para conhecer e demonstrar a verdade dos conhecimentos. Em outras palavras, a Filosofia começa pela reflexão, isto é, pela volta do pensamento sobre si mesmo para conhecer sua capacidade de conhecer. O ponto de partida é o sujeito do conhecimento como consciência de si reflexiva, isto é, como consciência que conhece sua capacidade de conhecer. O sujeito do conhecimento é um intelecto no interior de uma alma, cuja natureza e substância é completamente diferente da natureza ou substância de seu corpo e dos demais corpos exteriores. Por isso, a segunda pergunta da Filosofia, depois de respondida a pergunta sobre a capacidade de conhecer, é: Como o espírito ou intelecto pode conhecer o que é diferente dele? Como pode conhecer os corpos da Natureza? 2. A resposta à pergunta acima constitui a segunda grande mudança intelectual dos modernos, e essa mudança diz respeito ao objeto do conhecimento. Para os modernos, as coisas exteriores (a Natureza, a vida social e política) podem ser conhecidas desde que sejam consideradas representações, ou seja, ideias ou conceitos formulados pelo sujeito do conhecimento. Isso significa, por um lado, que tudo o que pode ser conhecido deve poder ser transformado em um conceito ou numa ideia clara e distinta, demonstrável e necessária, formulada pelo intelecto; e, por outro lado, que a Natureza e a sociedade ou política podem ser inteiramente conhecidas pelo sujeito, porque elas são inteligíveis em si mesmas, isto é, são racionais em si mesmas e propensas a serem representadas pelas ideias do sujeito do conhecimento. 3. Essa concepção da realidade como intrinsecamente racional e que pode ser plenamente captada pelas ideias e conceitos preparou a terceira grande mudança intelectual moderna. A realidade, a partir de Galileu, é concebida como um sistema racional de mecanismos físicos, cuja estrutura profunda e invisível e matemática. O “livro do mundo”, diz Galileu, está escrito em caracteres matemáticos. A realidade, concebida como sistema racional de mecanismos físico-matemáticos, deu origem à ciência clássica, isto é, à mecânica, por meio da qual são descritos, explicados e interpretados todos os fatos da realidade: astronomia, física, química, psicologia, política, artes são disciplinas cujo conhecimento é de tipo mecânico, ou seja, de relações necessárias de causa e efeito entre um agente e um paciente. A realidade é um sistema de causalidades racionais rigorosas que podem ser conhecidas e transformadas pelo homem. Nasce a ideia de experimentação e de tecnologia (conhecimento teórico que orienta as intervenções práticas) e o ideal de que o homem poderá dominar tecnicamente a Natureza e a sociedade.
ENEM
Predomina, assim, nesse período, a ideia de conquista científica e técnica de toda a realidade, a partir da explicação mecânica e matemática do Universo e da invenção das máquinas, graças às experiências físicas e químicas. Existe também a convicção de que a razão humana é capaz de conhecer a origem, as causas e os efeitos das paixões e das emoções e, pela vontade orientada pelo intelecto, é capaz de governá-las e dominá-las, de sorte que a vida ética pode ser plenamente racional. A mesma convicção orienta o racionalismo político, isto é, a ideia de que a razão é capaz de definir para cada sociedade qual o melhor regime político e como mantê-lo racionalmente.
UNIDADE 11 MAQUIAVEL O REALISMO POLÍTICO O filósofo italiano Nicolau Maquiavel é considerado o fundador do pensamento político moderno, porque desenvolveu a sua filosofia política em um quadro teórico completamente diferente do que se tinha até então. Vimos que, no pensamento antigo, a política estava relacionada com a ética e que, na Idade Média, essa ideia permaneceu, acrescida dos valores cristãos. Ou seja, o bom governante seria aquele que possuísse as virtudes cristãs e que as implementasse no exercício do poder político. Maquiavel observou, porém, que havia uma distância, entre o ideal de política e a realidade política da sua época. Por isso escreveu o livro O príncipe, com o propósito de tratar da política tal como ela se dá, ou seja, sem pretender fazer uma teoria da política ideal, mas, ao contrário, compreender e esclarecer os princípios da política real. Dessa forma, ele se afastou da concepção idealizada de política.
Nicolau Maquiavel (1469-1527)
Maquiavel centrou a sua reflexão na constatação de que o poder político tem como função regular as lutas e tensões entre as classes sociais que, conforme ele, eram basicamente duas: a classe dos poderosos e o povo. Essas
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lutas e tensões existiriam sempre, de tal forma que seria uma ilusão buscar um bem comum para todos. Mas, se a política não tem como objetivo o bem comum, qual seria o seu objetivo então? Maquiavel respondeu: a política tem como objetivo a manutenção do poder. E, para manter o poder, o governante deve lutar com todas as armas possíveis, ficando sempre atento às correlações de forças que se mostram a cada instante. Isso significa que a ação política não cabe nos limites do juízo moral. O governante deve fazer aquilo que, a cada momento, se mostra interessante para conservar o seu poder. Não se trata, portanto, de uma decisão moral, mas sim de uma decisão que atende à lógica do poder. É por isso que, para Maquiavel, os fins justificam os meios. Ele se pergunta: E melhor ser amado que temido ou o contrário? Respoder-se-á que se desejaria ser uma e outra coisa; mas, como é difícil casá-las, é muito mais seguro ser temido que amado, quando se haja de optar por uma das alternativas. MAQUIAVEL, Nicolau. O príncipe, p. 108.
Em O príncipe, Maquiavel faz uma análise objetiva, não moral dos atos de diversos governantes, procurando mostrar em que momentos as suas opções políticas foram interessantes para a manutenção do poder. Deve-se a essa franqueza despudorada maquiaveliana o uso do termo maquiavélico, que passou a designar o comportamento “sem moral”, “desleal”. Mas o que se deve reter do pensamento de Maquiavel é que ele inaugura um novo patamar de reflexão política que procura compreender e descrever a ação política tal como ela se dá realmente. Este é o mérito de Maquiavel: ter compreendido que a política, no início da Idade Moderna, se desvinculava das esferas da moral e da religião, constituindo-se em uma esfera autônoma. (COTRIM, Gilberto. Fundamentos da Filosofia. São Paulo: Editora Saraiva, 2002. pp. 299-300)
MAQUIAVEL E O PENSAMENTO POLÍTICO A extraordinária novidade, tanto dos Discursos como do Príncipe, foi a separação da política da ética. A tradição ocidental, exatamente como a tradição chinesa, ligava tanto a ciência como a atividade política à ética. Aristóteles tinha resumido esta posição quando definiu a política como uma mera extensão da ética. A tradição ocidental via a política em termos claros, de certo e errado, justo e injusto, correto e incorreto, e assim por diante. Por isso, os termos morais usados para avaliar as ações humanas eram os termos empregues para avaliar as ações políticas. Maquiavel foi o primeiro a discutir a política e os fenômenos sociais nos seus próprios termos sem recurso à ética ou à jurisprudência. De fato pode-se considerar Maquiavel como o primeiro pensador ocidental de relevo a aplicar o método científico de Aristóteles e de Averróis à política. Fê-lo observando os fenômenos políticos, e lendo tudo o que se tinha escrito sobre o assunto, e descrevendo os sistemas políticos nos seus próprios
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termos. Para Maquiavel, a política era uma única coisa: conquistar e manter o poder ou a autoridade. Tudo o resto - a religião, a moral, etc. - que era associado à política nada tinha a ver com este aspecto fundamental tirando os casos em que a moral e a religião ajudassem à conquista e à manutenção do poder. A única coisa que verdadeiramente interessa para a conquista e a manutenção do poder é ser calculista; o político bem sucedido sabe o que fazer ou o que dizer em cada situação. Com base neste princípio, Maquiavel descreveu no Príncipe única e simplesmente os meios pelos quais alguns indivíduos tentaram conquistar o poder e mantê-lo. A maioria dos exemplos que deu são falhanços. De fato, o livro está cheio de momentos intensos, já que a qualquer momento, se um governante não calculou bem uma determinada ação, o poder e a autoridade que cultivou tão assiduamente fogem-lhe de um momento para o outro. O mundo social e político do Príncipe é completamente imprevisível, sendo que só a mente mais calculista pode superar esta volatilidade. Maquiavel, tanto no Príncipe como nos Discursos, só tece elogios aos vencedores. Por esta razão, mostra admiração por figuras como os Papa Alexandre VI e Júlio II devido ao seu extraordinário sucesso militar e político, sendo eles odiados universalmente em toda a Europa como papas ímpios. A sua recusa em permitir que princípios éticos interferissem na sua teoria política marcou-o durante todo o Renascimento, e posteriormente, como um tipo de anti-Cristo, como mostram as muitas obras com títulos que incluíam o nome anti-Maquiavel. Em capítulos como «De que modo os príncipes devem cumprir a sua palavra» (cap. XVIII) Maquiavel afirma que todo o julgamento moral deve ser secundário na conquista, consolidação e manutenção do poder. A resposta à pergunta formulada mais acima, por exemplo, é que: «Todos concordam que é muito louvável um príncipe respeitar a sua palavra e viver com integridade, sem astúcias nem embustes. Contudo, a experiência do nosso tempo mostra-nos que se tornaram grandes príncipes que não ligaram muita importância à fé dada e que souberam cativar, pela manha, o espírito dos homens e, no fim, ultrapassar aqueles que se basearam na lealdade». Pode ajudar na compreensão de Maquiavel imaginar que não está a falar sobre o estado em termos éticos, mas sim em termos cirúrgicos. É que Maquiavel acreditava que a situação italiana era desesperada e que o estado Florentino estava em perigo. Em vez de responder ao problema de um ponto de vista ético, Maquiavel preocupou-se genuinamente em curar o estado para o tornar mais forte. Por exemplo, ao falar sobre os povos revoltados, Maquiavel não apresenta um argumento ético, mas cirúrgico: «os povos revoltados devem ser amputados antes que infectem o estado inteiro.» O único valor claro na obra de Maquiavel é a virtú (virtus em Latim), que é relacionado normalmente com «virtude». Mas de fato, Maquiavel utiliza-a mais no sentido latino de «viril», já que os indivíduos com virtú são definidos fundamentalmente pela sua capacidade de impor a sua vontade em situações difíceis. Fazem isto
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numa combinação de caráter, força, e cálculo. Numa das passagens mais famosas do Príncipe, Maquiavel descreve qual é a maneira mais apropriada para responder a volatilidade do mundo, ou à Fortuna, comparando-a a uma mulher: «la fortuna é donna». Maquiavel refere-se à tradição do amor cortesão, onde a mulher que constitui o objeto do desejo é abordada, cortejada e implorada. O príncipe ideal para Maquiavel não corteja nem implora a Fortuna, mas ao abordá-la agarra-a virilmente e faz dela o que quer. Esta passagem, já escandalosa na época, representa uma tradução clara da ideia renascentista do potencial humano aplicado à política. É que, de acordo com Pico della Mirandola, se um ser humano podia transformar-se no que quisesse, então devia ser possível a um indivíduo de caráter forte pôr ordem no caos da vida política.
c) cultura e comércio. d) política e economia. e) astronomia e religião. 2. (ENEM 2013) Nasce daqui uma questão: se vale mais ser amado que temido ou temido que amado. Responde-se que ambas as coisas seriam de desejar; mas porque é difícil juntá-las, é muito mais seguro ser temido que amado, quando haja de faltar uma das duas. Porque dos homens se pode dizer, duma maneira geral. Que são ingratos, volúveis, simuladores, covardes e ávidos de lucro, e enquanto lhes fazes bem são inteiramente teus. Oferecem-te o sangue, os bens, a vida e os filhos, quando, como acima disse, o perigo está longe; mas quando ele chega, revoltam-se. MAQUIAVEL, N. O Príncipe. Rio de Janeiro: Bertrand, 1991.
(http://www.arqnet.pt/portal/teoria/maquiavel.html)
FIQUE LIGADO NO ENEM! • Contrariamente ao pensamento tradicional de que o objetivo principal da política é o bem comum Maquiavel afirmou que o objetivo dela é a manutenção do poder. E, para manter o poder, o governante deve fazer aquilo que, a cada momento, se mostre interessante para conservar o seu poder. Isso significa que a ação política não cabe nos limites do juízo moral. Desse modo, os fins justificam os meios. • Para Maquiavel, a política era uma única coisa: conquistar e manter o poder ou a autoridade. A moral e a religião só eram relevantes, eventualmente, se ajudassem à conquista e à manutenção desse poder. • O poder político tem como função essencial regular as lutas e tensões entre as classes sociais dos poderosos e o povo. Essas lutas e tensões existiriam sempre, de tal forma que seria uma ilusão buscar um bem comum para todos. • As paixões que regem o comportamento humano são o amor, o ódio, o temor e o desprezo. Para o governante interessa cultivar em seus súditos o temor e o amor e evitar o ódio e o desprezo. • Para Maquiavel os indivíduos com virtú são definidos fundamentalmente pela sua capacidade de impor a sua vontade em situações difíceis. Fazem isto numa combinação de caráter, força, e cálculo.
Exercícios 1. (ENEM 2011) Acompanhando a intenção da burguesia renascentista de ampliar seu domínio sobre a natureza e sobre o espaço geográfico, através da pesquisa científica e da invenção tecnológica, os cientistas também iriam se atirar nessa aventura, tentando conquistar a forma, o movimento, o espaço, a luz, a cor e mesmo a expressão e o sentimento. SEVCENKO, N. O Renascimento. Campinas: Unicamp, 1984.
O texto apresenta um espírito de época que afetou também a produção artística, marcada pela constante relação entre: a) fé e misticismo. b) ciência e arte.
ENEM
A partir da análise histórica do comportamento humano em suas relações sociais e políticas. Maquiavel define o homem como um ser:
a)
munido de virtude, com disposição nata a praticar o bem a si e aos outros. b) possuidor de fortuna, valendo-se de riquezas para alcançar êxito na política. c) guiado por interesses, de modo que suas ações são imprevisíveis e inconstantes. d) naturalmente racional, vivendo em um estado présocial e portando seus direitos naturais. e) sociável por natureza, mantendo relações pacíficas com seus pares. 3. (ENEM 2012) Não ignoro a opinião antiga e muito difundida de que o que acontece no mundo é decidido por Deus e pelo acaso. Essa opinião é muito aceita em nossos dias, devido às grandes transformações ocorridas, e que ocorrem diariamente, as quais escapam à conjectura humana. Não obstante, para não ignorar inteiramente o nosso livrearbítrio, creio que se pode aceitar que a sorte decida metade dos nossos atos, mas [o livre-arbítrio] nos permite o controle sobre a outra metade. MAQUIAVEL, N. O Príncipe. Brasília: EdUnB, 1979 (adaptado)
Em O Príncipe, Maquiavel refletiu sobre o exercício do poder em seu tempo. No trecho citado, o autor demonstra o vínculo entre o seu pensamento político e o humanismo renascentista ao: a) valorizar a interferência divina nos acontecimentos definidores do seu tempo. b) rejeitar a intervenção do acaso nos processos políticos. c) afirmar a confiança na razão autônoma como fundamento da ação humana. d) romper com a tradição que valorizava o passado como fonte de aprendizagem. e) redefinir a ação política com base na unidade entre fé e razão.
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4. (ENEM 2010/1) O príncipe, portanto, não deve se incomodar com a reputação de cruel, se seu propósito é manter o povo unido e leal. De fato, com uns poucos exemplos duros poderá ser mais clemente do que outros que, por muita piedade, permitem os distúrbios que levem ao assassínio e ao roubo. MAQUIAVEL, N. O Príncipe. São Paulo: Martin Claret, 2009.
No século XVI, Maquiavel escreveu O Príncipe, reflexão sobre a Monarquia e a função do governante. A manutenção da ordem social, segundo esse autor, baseava-se na: a) inércia do julgamento de crimes polêmicos. b) bondade em relação ao comportamento dos mercenários. c) compaixão quanto à condenação dos servos d) neutralidade diante da condenação dos servos. e) conveniência entre o poder tirânico e a moral do príncipe 5. (ENEM 2012)
UNIDADE 12 FRANCIS BACON O iniciador do empirismo é Francis Bacon. Enalteceu ele a experiência e o método dedutivo de tal modo, que o transcendente e a razão acabam por desaparecer na sombra. Falta-lhe, no entanto, a consciência crítica do empirismo, que foram aos poucos conquistando os seus sucessores e discípulos até Hume. Ademais, Bacon continua afirmando - mais ou menos logicamente - o mundo transcendente e cristão; antes, continua a considerar a filosofia como esclarecedora da essência da realidade, das formas, sustentáculo e causa dos fenômenos sensíveis. É uma posição filosófica que apela para a metafísica tradicional, grega e escolástica, aristotélica e tomista. Entretanto, acontece em Bacon o que aconteceu a muitos pensadores da Renascença, e o que acontecerá a muitos outros pensadores do empirismo e do racionalismo: isto é, a metafísica tradicional persiste neles todos histórica e praticamente ao lado da nova filosofia, tanto mais quanto esta é menos elaborada, acabada e consciente de si mesma.
Charge anônima. BURKE, P. A fabricação do rei. Rio de Janeiro: Zahar, 1994.
Na França, o rei Luís XIV teve sua imagem fabricada por um conjunto de estratégias que visavam sedimentar uma determinada noção de soberania. Neste sentido, a charge apresentada demonstra: a) a humanidade do rei, pois retrata um homem comum, sem os adornos próprios à vestimenta real. b) a unidade entre o público e o privado, pois a figura do rei com a vestimenta real representa o público e sem a vestimenta real, o privado. c) o vínculo entre monarquia e povo, pois leva ao conhecimento do público a figura de um rei despretensioso e distante do poder político. d) o gosto estético refinado do rei, pois evidencia a elegância dos trajes reais em relação aos de outros membros da corte. e) a importância da vestimenta para a constituição simbólica do rei, pois o corpo político adornado esconde os defeitos do corpo pessoal. GABARITO 1 B
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2 C
3 C
4 E
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Francis Bacon (1561-1626)
É quase inacreditável que o imenso saber e as realizações literárias desse homem fossem apenas os incidentes e as digressões de uma turbulenta carreira política. Era seu lema que se vivia melhor na vida oculta bene vixit qui bene latuit. Não conseguia chegar a uma conclusão sobre se gostava mais da vida contemplativa ou da ativa. Sua esperança era de ser filósofo e estadista, também, como Sêneca; embora desconfiasse de que essa dupla direção de sua vida fosse encurtar o seu alcance e reduzir suas realizações. "É difícil dizer", escreve ele, e "se a mistura de contemplações com uma vida ativa ou o retiro inteiramente dedicado a contemplações é o que mais incapacita ou prejudica a mente." Achava que os estudos não podiam ser um fim ou a sabedoria por si sós, e que o conhecimento não aplicado em ação era uma pálida vaidade acadêmica. "Dedicar-se em demasia aos estudos é indolência; usá-los em demasia como ornamento é afetação; fazer julgamentos seguindo inteiramente suas regras é o capricho de um scholar. (...) Os homens astutos condenam os estudos, os homens simples os admiram, e os homens sábios se utilizam deles, obtida graças à
Filosofia
observação." Eis uma nova nota que marca o fim da escolástica - isto é, o divórcio entre o conhecimento e o uso e a observação - e coloca aquela ênfase na experiência e nos resultados que distingue a filosofia inglesa, e culmina no pragmatismo. A "INSTAURATIO MAGNA" A Instauratio magna scientiarum deveria ter precisamente representado a reforma do saber, deveria ter constituído a summa philosophica dos tempos novos, e lançado o fundamento do regnum hominis, tão audazmente iniciado pela ciência e pela política da Renascença. Essa obra deveria ter abraçado a enciclopédia das ciências e compreendido também as técnicas, segundo o novo ideal humano e prático e imanentista. Começa-se, portanto, com a classificação geral das disciplinas humanas, baseada no respectivo predomínio das três faculdades que presidem à organização do saber: memória, fantasia, razão. Essa classificação é baseada não no objeto do conhecimento, e sim no sujeito que conhece. 1) História tanto civil quanto natural, que registra (memória) os dados de fato; 2) Poesia, elaboração imaginativa desses dados; 3) Ciência ou filosofia, isto é, conhecimento racional de Deus, do homem e da natureza. A teologia natural de Bacon não exclui, mas prescinde da revelação cristã e da religião positiva. A ciência do homem divide-se em ciência do homem individual (philosophia humanitatis), e em ciência da sociedade humana (philosophia civilis). A primeira diz respeito ao homem todo, espírito e matéria. A segunda diz respeito à arte de governar e às relações sociais e aos negócios. A filosofia natural ou física, divide-se em especulativa e operativa. A primeira, por sua vez, se divide em física especial ("que procura a causa eficiente e material"), e em metafísica ("que procura a causa final e a forma"). Pertencem pois à física operativa as artes mecânicas. Acima das ciências filosóficas particulares, Bacon põe uma ciência filosófica comum, denominando-a philosophia prima. Esta não é a ontologia tradicional, a ciência do ser em geral, mas a ciência dos princípios comuns às várias ciências. O "NOVUM ORGANUM" Entretanto, o que interessa mais a Bacon não é esta ciência dos princípios comuns, e sim a ciência da natureza, e, portanto, o Novum organum, que deveria conter precisamente as regras para a construção da ciência da natureza. Como é sabido, Bacon reivindica, contra Aristóteles e a Escolática, o método indutivo. Aristóteles e Tomás de Aquino afirmaram claramente este método, e até o reconheceram como único procedimento inicial do conhecimento humano; entretanto a eles interessavam muito mais as causas do que a experiência, o que transcende a experiência do que a experiência; muito mais a metafísica do que a ciência. Segundo Bacon, o verdadeiro método da indução científica compreende uma parte negativa ou crítica, e uma parte positiva ou construtiva. A parte negativa
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consiste, antes de tudo, em alertar a mente contra os erros comuns, quando procura a conquista da ciência verdadeira. Na sua linguagem imaginosa Bacon chama as causas destes erros comuns, fantasmas - idola - e os divide em quatro grupos fundamentais. 1) Idola tribus, a saber, os erros da raça humana "fundamentados em a natureza como tal" (não se sabe, pois, o verdadeiro porquê); 2) Idola specus (por alusão à caverna de Platão) determinados pelas disposições subjetivas de cada um; 3) Idola fori, erros da praça, provenientes do comércio social ou da linguagem imperfeita; 4) Idola theatri, isto é, os erros provenientes das escolas filosóficas, que substituem o mundo real por um mundo fantástico, por um jogo cênico. Desembaraçado o terreno destes erros, Bacon passa a tratar da natureza positiva, construtiva, da genuína interpretação da natureza para dominá-la. Mas, para tanto, é mister conhecer as que Bacon chama de formas, isto é, os princípios imanentes, causa e lei da ação e da ordem das naturezas. As naturezas são precisamente os fenômenos experimentais, objeto da física especial (luz, calor, pêso, etc.); as formas são leis genéticas e organizadoras das naturezas, as essências ou causas formais, objeto da metafísica de Bacon. Esta pesquisa, esta passagem das naturezas às formas, dos fenômenos às essências - bem conhecida pela filosofia tradicional - é determinada por Bacon, segundo um método preciso, desconhecido dos predecessores, nas famosas tabulae baconianas. Para determinar de um modo certo as causas e as leis dos fenômenos - isto é, as formas das naturezas - Bacon recolhe, antes de tudo, o maior número possível de exemplos, em que um determinado fenômeno aparece; depois enumera os casos que mais se assemelham às primeiras, em que, porém, o mesmo fenômeno não aparece. Enfim registra o aumentar ou o diminuir do fenômeno em questão, quer no mesmo objeto, quer em objetos diferentes. Têm-se, desta maneira, três espécies de registros ou tabelas: 1) tabelas de presença; 2) tabelas de ausência; 3) tabelas de gradações. É evidente que nos casos onde uma determinada natureza ou fenômeno aparecem, aí se encontrará também a sua causa e lei; nos casos em que o fenômeno não se manifesta, aí faltará também a sua causa e lei; e nos casos onde o fenômeno aumenta ou diminui, aí aumentará ou diminuirá também a sua causa e lei. A causa (forma) dos fenômenos (naturezas) será procurada, portanto, com base nos fenômenos presentes na primeira tabela; não sendo fácil, a princípio, ter-se tabelas completas e isolar as naturezas simples, e desta maneira pôr em evidência a causa, é mister estabelecê-la por hipótese, que será, em seguida, averiguada pelas experimentações. Essa gnosiologia, metodologia (empírica) é baseada em uma metafísica, uma física materialista e, mais precisamente, atomista, bastante semelhante à de Demócrito. O mundo material é constituído de corpúsculos, qualitativamente idênticos, diversos apenas por grandeza, forma e posição. Estes corpúsculos são animados por uma força, em virtude da qual se agrupam
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em determinados complexos, que constituem as formas baconianas. http://www.mundodosfilosofos.com.br/bacon.htm
FIQUE LIGADO NO ENEM! • Segundo Bacon a ciência deveria valorizar a pesquisa experimental, para assim proporcionar resultados objetivos ao homem. Ela deveria estar ao serviço da utilidade do homem e de seu poder. Ele estava convencido da necessidade de fazer dos conhecimentos científicos um instrumento prático de controle da realidade. • Para alcançar tal objetivo, Bacon considerava primordial que o cientista se libertasse dos “ídolos”, isto é, das falsas noções, dos preconceitos e dos vícios mentais. Esses ídolos podiam ser classificados em quatro categorias: ídolos da tribo, ídolos da caverna, ídolos do fórum e ídolos do teatro. • Com o propósito de dominar a natureza era preciso conhecer suas leis por métodos comprovados. Então estabelece o método experimental de pesquisa das causas naturais dos fatos: em primeiro lugar, acumular os fatos; depois, classificálos; e por último determinar as suas causas. • O grande mérito de Bacon está em conceber o conhecimento científico como resultado de um método de investigação que integra a observação dos fenômenos, a elaboração racional das hipóteses e a experimentação controlada para comprovar as conclusões obtidas.
UNIDADE 13 THOMAS HOBBES Hobbes é um empirista inglês e nele encontramos os temas fundamentais que serão sempre os da escola. A origem de todo conhecimento é a sensação, princípio original do conhecimento dos próprios princípios: a imaginação é um agrupamento inédito de fragmentos de sensação e a memória nada mais é do que o reflexo de antigas sensações.
Thomas Hobbes (1588-1679)
Todavia, Hobbes crê na possibilidade de uma lógica pura, de um raciocínio demonstrativo muito rigoroso. Ao lado de uma indução empírica aproximativa, que da experiência passada conclui, sem prova decisiva, o que se
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passará amanhã (e que não tem outro fundamento além da associação de idéias, the trayan of imagination), Hobbes admite a existência de uma lógica pura, perfeitamente racional. Mas a essa lógica só concernem símbolos, palavras (Hobbes é nominalista). Se definirmos rigorosamente as palavras e as regras do emprego dos signos, podemos chegar a conclusões rigorosas, isto é, idênticas aos princípios de que partimos. Mas trata-se de um jogo do pensamento, estranho às realidades concretas. A filosofia de Hobbes é materialista e mecanicista. Assim como a percepção é explicada mecanicamente a partir das excitações transmitidas pelo cérebro, assim a moral se reduz ao interesse e à paixão. Na fonte de todos os nossos valores, há o que Hobbes denomina endeavour, em inglês, e conatus, em latim, isto é, o instinto de conservação ou, mais exatamente, de afirmação e de crescimento de si próprio; esforço próprio a todos os seres para unir-se ao que lhes agrada e fugir do que lhes desagrada (esse tema do conatus será reencontrado no spinozismo). É partindo de tais fundamentos psicológicos que Hobbes elabora sua justificação do despotismo. O absolutismo da época de Hobbes geralmente se apoia na teologia (Deus teria investido os reis de seu poder absoluto). Hobbes, ao justificar o poder absoluto do soberano, descobre-lhe uma origem natural. Para ele, o direito, em todos os casos, reduz-se à força; mas distingue dois momentos na história da humanidade: o estado natural e o estado político. No estado natural, o poder de cada um é medido por seu poder real; cada um tem exatamente tanto de direito quanto de força e todos só pensam na própria conservação e nos interesses pessoais. Para Hobbes, o homem se distingue dos insetos sociais, como as abelhas e as formigas; por isso, o homem não possui instinto social. Ele não é sociável por natureza e só o será por acidente. Para compreender como o homem se resolve a criar a instituição artificial do governo, basta descrever o que se passa no estado natural; o homem, por natureza, procura ultrapassar todos os seus semelhantes: ele não busca apenas a satisfação de suas necessidades naturais, mas sobretudo as alegrias da vaidade (pride). O maior sofrimento é ser desprezado. Assim sendo, o ofendido procura vingar-se, mas - observa Hobbes, antecipando aqui os temas hegelianos - comumente não deseja a morte de seu adversário e deseja seu cativeiro a fim de poder ler, em seu olhar atemorizado e submisso, o reconhecimento de sua própria superioridade. É claro que esse estado, em que cada um procura senão a morte, ao menos a sujeição do outro, é um estado extremamente infeliz. As expressões pelas quais Hobbes o descreve são célebres: "Homo homini lupus", o homem é o lobo do homem; "Bellum omnium contra omnes", é a guerra de todos contra todos. Não pensemos que mesmo os homens mais robustos desfrutem tranquilamente as vitórias que sua força lhe assegura. Aquele que possui grande força muscular não está ao abrigo da astúcia do mais fraco. Este último - por maquinação secreta ou a partir de hábeis alianças - sempre é o suficientemente forte para vencer o mais forte. Por conseguinte, ao invés de
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uma desigualdade, é uma espécie de igualdade dos homens no estado natural que faz sua infelicidade. Pois, em definitivo, ninguém está protegido; o estado natural é, para todos, um estado de insegurança e de angústia. Assim sendo, o homem sempre tem medo de ser morto ou escravizado e esse temor, em última instância mais poderoso do que o orgulho, é a paixão que vai dar a palavra à razão. (Essa psicologia da vaidade e do medo é, em Hobbes, uma espécie de laicização da oposição teológica entre o orgulho espiritual e o temor a Deus ou humildade.) É o medo, portanto, que vai obrigar os homens a fundarem um estado social e a autoridade política. Os homens, portanto, vão se encarregar de estabelecer a paz e a segurança. Só haverá paz concretizável se cada um renunciar ao direito absoluto que tem sobre todas as coisas. Isto só será possível se cada um abdicar de seus direitos absolutos em favor de um soberano que, ao herdar os direitos de todos, terá um poder absoluto. Não existe aí a intervenção de uma exigência moral. Simplesmente o medo é maior do que a vaidade e os homens concordam em transmitir todos os seus poderes a um soberano. Quanto a este último, notemo-lo bem, ele é o senhor absoluto desde então, mas não possui o menor compromisso em relação a seus súditos. Seu direito não tem outro limite que seu poder e sua vontade. No estado de sociedade, como no de natureza, a força é a única medida do direito. No estado social, o monopólio da força pertence ao soberano. Houve, da parte de cada indivíduo, uma atemorizada renúncia do seu próprio poder. Mas não houve pacto nem contrato, o que houve, como diz Halbwachs, foi "uma alienação e não uma delegação de poderes". O efeito comum do poder consistirá, para todos, na segurança, uma vez que o soberano terá, de fato, o maior interesse em fazer reinar a ordem se quiser permanecer no poder. Apesar de tudo, esse poder absoluto permanece um poder de fato que encontrará seus limites no dia em que os súditos preferirem morrer do que obedecer. Em todo caso, esta á a origem psicológica que Hobbes atribui ao poder despótico. Ele chama de Leviatã ao seu estado totalitário em lembrança de uma passagem da Bíblia (Jó XLI) em que tal palavra designa um animal monstruoso, cruel e invencível que é o rei dos orgulhosos. Finalmente, o totalitarismo de Hobbes submete - apesar de prudentes reservas - o poder religioso ao poder político. Assim é que ele exclui o "papismo" e o "presbiterianismo" por causa "dessa autoridade que alguns concedem ao papa em reinos que não lhe pertencem ou que alguns bispos, em suas dioceses, querem usurpar". (http://www.mundociencia.com.br/filosofia/hobbes.htm)
O ESTADO PARA DOMAR O LOBO DO PRÓPRIO HOMEM Para o filósofo inglês Thomas Hobbes, o homem, embora vivendo em sociedade, não possui o instinto natural de sociabilidade. Cada homem sempre encara seu semelhante como um concorrente que precisa ser dominado. Onde não houve o domínio de um homem
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sobre outro existirá sempre uma competição intensa até que esse domínio seja alcançado. A consequência óbvia dessa disputa infindável dos homens entre si teria gerado um permanente estado de guerra e de matança nas comunidades primitivas. Nas palavras de Hobbes: “o homem é o lobo do próprio homem (homo homini lúpus)”. Só havia uma solução para dar fim à brutalidade social primitiva: a criação artificial da sociedade política, administrada pelo Estado. Para isso, os homens tiveram que firmar um contrato entre si, pelo qual cada um transferia seu poder de governar a si próprio a um terceiro – o Estado – para que esse estado governasse a todos, impondo ordem, segurança e direção à conturbada vida social. Hobbes apresentou essas ideias no seu livro Leviatã, no qual o Estado é comparado a uma criação monstruosa do homem, destinada a pôr fim à anarquia e ao caos da comunidade primitiva. O nome Leviatã refere-se ao monstro bíblico citado no Livro de Jó (Bíblia), descrito da seguinte maneira: O seu corpo é como escudos de bronze fundido (...) Em volta de seus dentes está o terror (...) O seu coração é duro como a pedra, e apertado como a bigorna de ferreiro. No seu pescoço está a força, e diante dele vai a fome (...) Não há pode sobre a terra que se lhe compare, pois foi feito para não ter medo de nada. (Jó, 40-41).
Vejamos, nas palavras do próprio Hobbes, como ele imaginou o estabelecimento do contrato social que deu origem ao Estado (Leviatã). Para Hobbes, a única maneira que os homens tinham para instituir, entre si, um poder comum era: Conferir toda sua força e poder a um homem, ou a uma assembleia de homens, que possa reduzir suas diversas vontades, por pluralidade de votos, a uma só vontade (...) é como se cada homem dissesse a cada homem (...) transfiro meu direito de governar-me a mim mesmo a este Homem, ou a esta Assembleia de homens, com a condição de transferires a ele teu direito, autorizando de maneira semelhante todas as suas ações. Feito isto, à multidão assim unida numa só pessoa se chama Estado (...) É esta a geração daquele grande Leviatã (...)ao qual devemos (...) nossa paz e defesa. Pois graças a esta autoridade que lhe é dada por cada indivíduo no Estado, é-lhe conferido o uso de tamanho poder e orça que o terror assim inspirado o torna capaz de conformar as vontades de todos eles, no sentido da paz em seu próprio país, e da ajuda mútua contra os inimigos estrangeiros. É nele que consiste a essência do Estado, a qual pode ser assim definida: uma pessoa de cujos atos uma grande multidão, mediante pactos recíprocos uns cm os outros, foi instituída por cada um como autora, de modo a ela poder usar a força e os recurso de todos, da maneira que considerar conveniente, para assegurar a paz e a defesa comum. Àquele que é portador dessa pessoa se chama Soberano,
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e dele se diz que possui poder soberano. Todos os restantes são súditos. HOBBES, Thomas. Leviatã, p. 105-6
É na obra Sobre o cidadão que Hobbes expõe primeiramente suas concepções sobre a origem do poder político, que contrariam a tese de Aristóteles, que, como vimos, apresentava o homem como naturalmente sociável. Para Hobbes, os homens só passam a viver em sociedade diante de uma ameaça à preservação da vida. Ou seja, entre os homens a cooperação não é natural, como se dá com as abelhas e as formigas, por exemplo. O pacto social, através do qual se estabelece uma ordem moral e política, vem da necessidade de acabar com o estado de guerra, de conservar a vida, sendo por isso artificial. (COTRIM, Gilberto. Fundamentos da Filosofia. São Paulo: Editora Saraiva, 2002. pp. 301-303)
seguro para a filosofia, desenvolve um método de dúvida radical, que constitui a base da sua filosofia. Este método surge como resposta ao ambiente de incerteza do seu próprio tempo. Com ele empreende um enorme trabalho de reconstrução de todo o saber que é deduzido a partir de certezas indubitáveis. Após ter posto em causa todo o saber adquirido pela experiência, chega à primeira certeza indubitável: a da sua existência como ser pensante ("Penso, logo existo"). É com base nesta evidência que irá desenvolver uma ciência universal. (http://afilosofia.no.sapo.pt/12Descartes.htm)
AS IDEIAS A maior parte da obra de Descartes é consagrada às ciências (domínios da matemática e da ótica) mas o que ele mais quer é conseguir um modo de chegar a verdades concretas. Sua filosofia, exposta principalmente em o "Discurso sobre o Método", o mais amplamente lido de todos os seus trabalhos, é a proposta de meios para tal.
FIQUE LIGADO NO ENEM! • Hobbes afirmava que os seres humanos em seu estado natural não diferenciam seus atos entre justos ou injustos (noção de moralidade). Procuram aquilo que lhes dê prazer, e evitam o desprazer. O que chamamos de bem é tão somente aquilo para o qual tendemos, enquanto o mal seria só aquilo que evitamos. • Hobbes define a liberdade como a ausência de impedimentos à movimentação humana, na qual cada um dos homens se conduz unicamente por sua sobrevivência traduzida em desejo de poder. • Para Hobbes, o homem, embora vivendo em sociedade, não possui o instinto natural de sociabilidade. Cada homem sempre encara seu semelhante como um concorrente que precisa ser dominado, “o homem é o lobo do próprio homem”. • Os homens só passam a viver em sociedade diante de uma ameaça à preservação da vida. O pacto social, através do qual se estabelece uma ordem moral e política, vem da necessidade de acabar com o estado de guerra, de conservar a vida, sendo por isso artificial. • Ao passarem do estado de natureza para o estado de sociedade, os seres humanos procedem voluntaria e contratualmente trocando a guerra pela paz e a liberdade pela segurança que será garantida com a criação coletiva de um ser soberano ou instituição artificial, o Estado (Leviatã).
UNIDADE 14 RENE DESCARTES A filosofia de Descartes assenta numa concepção unitária do saber, fundada na razão. A sabedoria é única, porque a razão é única, e só ela nos permite distinguir o verdadeiro do falso, o conveniente do inconveniente. Com o objetivo de criar um fundamento
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René Descartes (1596-1650)
Descartes parte da dúvida chamada metódica, porque ela é proposta como uma via para se chegar à certeza e não é dúvida sistemática, sem outro fim que o próprio duvidar, como para os céticos. Argumenta que as ideias em geral são incertas e instáveis, sujeitas à imperfeição dos sentidos. Algumas, porém, se apresentam ao espírito com nitidez e estabilidade, e ocorrem a todas as pessoas da mesma maneira, independentes das experiências dos sentidos, e isto significa que residem na mente de todas as pessoas e são inatas. Descartes vai, por etapas, nomear as ideias que ele inclui nessa categoria de claras, distintas, e inatas e vai demonstrar que essas são ideias verdadeiras, não podem ser ideias falsas. A primeira ideia que examina é a do próprio Eu. Desta ideia, diz ele que não pode duvidar. É a ideia do próprio Eu pensante, enquanto pensante. E então conclui com sua célebre frase: "Penso, logo existo". Este dito, talvez o mais famoso na história da filosofia, aparece primeiro na quarta seção do "Discurso sobre o método", de 1637, em francês, Je pense donc je suis, e depois na primeira parte do "Princípios de Filosofia" (1644) que é praticamente a versão latina do "Discurso", Cogito ergo sum. Mas, Descartes pondera, a ideia de minha existência "como coisa pensante" ("Penso, logo existo") não me traz nenhuma certeza sobre qualquer ideia do mundo físico. Mas, de todo esse raciocínio Descartes saiu com apenas uma única verdade, a de que ele existe, e isto não basta
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para encontrar a verdade sobre o universo. O mundo existe ou é uma ilusão, apenas imaginação? Tenho várias ideias com grande nitidez e estabilidade, e delas compartilho com muitas pessoas, mas nada me garante que não estejamos todos enganados. Uma delas é a ideia da "extensão". Esta é uma ideia que Descartes considera inata, clara e evidente, e que é exigida pelo mundo físico. Essa ideia existe no espírito humano como a ideia de algo dotado de grandeza e forma: é fundamental à geometria e torna provável a existência dos corpos, a existência dos objetos e do mundo. Porém, apesar de clara e distinta, a ideia de extensão não é garantia de que os objetos correspondam às ideias que deles fazemos. DEUS VERDADEIRO O problema está em encontrar uma garantia de que a tais ideias de objetos correspondam efetivamente a algo real. Tenho também a ideia de Deus. Mas agora sim, tenho uma garantia. Não é a mesma garantia que me dá o pensar, do qual concluo que se penso, então existo com certeza. A garantia que Descartes dá para a existência de Deus é que nenhum ser imperfeito ou finito, sendo igual ao homem, poderia ter produzido a ideia de um ser infinito e perfeito; somente Deus poderia ter revelado isto ao homem, como "a marca do artista impressa em sua obra". Portanto, conclui no "Discurso sobre o Método", a ideia de Deus implica a real existência de Deus. Voltemos então à ideia clara, distinta e inata da extensão. Se a percepção que tenho da extensão não correspondesse a uma realidade extensa, isso significaria que o espírito humano estaria sempre errado, e então essa ideia de extensão seria obra de um gênio maligno, incompatível com a ideia de um Deus bom e verdadeiro. Se Deus existe como ser perfeitíssimo, Ele é bom e verdadeiro; não pode permitir o erro sistemático do espírito humano. Porque Deus é perfeito, Ele é bom, e então a imagem do mundo exterior não é uma ficção. Eu tenho a certeza de que penso, e de que indubitavelmente existo porque sou essa coisa que pensa e Deus é a garantia de que aquilo que penso deveras existe como coisa física. Portanto, as ideias claras e distintas correspondem de fato à realidade - elas não são a armadilha de um gênio enganador e perverso. DUALISMO Outro aspecto importante da filosofia de Descartes é sua concepção do homem em uma dualidade corpo-espírito. O universo consiste de duas diferentes substâncias: as mentes, ou substância pensante, e a matéria, a última sendo basicamente quantitativa, teoreticamente explicável em leis científicas e fórmulas matemáticas. Só no homem as duas substâncias se juntaram em uma união substancial, unidas porém delimitadas, e assim Descartes inaugura um dualismo radical, oposto da consubstancialidade ensinada pela escolástica tomista. Ele também rejeita a visão escolástica de que existe uma distinção entre vários tipos de conhecimento baseados na
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diversidade dos objetos conhecíveis, cada um com seu conceito fixo. Para ele o "poder de conhecer" é sempre o mesmo, qualquer que seja o objeto ao qual seja aplicado. Bem aplicado pode chegar à verdade e à certeza, mal aplicado vai cair no erro ou dúvida. A mente, em muitas de suas atividades, é dependente do corpo: a paixão, ou seja, aquilo que é sentido, é uma ação sobre o corpo. Fisiologicamente, Descartes colocou o centro da interação entre as duas substâncias na glândula pineal, convencido de que o aspecto geométrico de sua posição anatômica, um pequeno corpo localizado centralmente na base do cérebro -, indicava uma função nobre, porém sem nada saber de sua atividade fisiológica por muito tempo desconhecida pela ciência. Alguns dão a Descartes a distinção de haver fundado a psicologia fisiológica, porque foi ele que explicou o comportamento de animais inteiramente em bases de funções mecânicas do sistema nervoso, negando que tivessem "almas". Ele também propôs uma teoria que explicava a percepção visual de distancia, forma e tamanho, em termos de indicações secundárias. ÉTICA Descartes reconhece o corpo humano como a mais perfeita das máquinas; trabalha por impulsos naturais, - o que é hoje chamado reflexos condicionados -, mas os efeitos destes instintos automáticos e desejos podem ser controlados ou modificados pela mente, pelo poder de vontade racional. A higiene do corpo é importante, mas há igualmente a necessidade de uma higiene mental, a qual é baseada no conhecimento verdadeiro dos fatores psicológicos que condicionam o comportamento. A mente necessita do treinamento do "bom senso" e a aquisição de sabedoria, o que por sua vez depende do conhecimento das verdades da metafísica a qual, por seu turno, inclui o conhecimento de Deus. Descartes assim conclui que a atividade moral está baseada no conhecimento verdadeiro dos valores, ou seja, em ideias claras e distintas garantidas por Deus, do valor relativo das coisas. ...É o Bom Deus quem garante o conhecimento científico, porque garante as ideias claras. A física cartesiana resulta, assim, de deduções racionais abstratas: Deus existe e serve de apoio para retirar do domínio da dúvida o conhecimento que é claro e evidente. O mundo físico está de antemão provado por uma ideia inata, a de extensão, que é a essência da corporeidade. Deus garante que ideias claras da realidade têm correspondência na realidade, Deus torna os objetos inteligíveis e os sujeitos capazes de intelecção, mas há que vencer a imperfeição do homem, cujas impressões sensíveis vêm de fora e são deformadas. O MÉTODO O seu Método para o raciocínio correto é principalmente "nunca aceitar qualquer coisa como verdade se essa coisa não pode ser vista clara e distintamente como tal. Descartes assim implica a rejeição de todas as ideias e opiniões aceitas, a determinação a duvidar até ser
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convencido do contrario por fatos auto evidentes. Outro preceito é "Conduzir os pensamentos em ordem, começando com os objetos que são os mais simples e fáceis de saber e assim procedendo, gradualmente, ao conhecimento dos mais complexos. Recomenda recapitular a "cadeia de raciocínio" para se estar certo de que não há omissões. Propõe também preceitos metodológicos complementares ou preparatórios da evidência: o preceito da análise (dividir as dificuldades que se apresentem em tantas parcelas quantas sejam necessárias para serem resolvidas), o da síntese (conduzir com ordem os pensamentos, começando dos objetos mais simples e mais fáceis de serem conhecidos, para depois tentar gradativamente o conhecimento dos mais complexos) e o da enumeração (realizar enumerações de modo a verificar que nada foi omitido). INFLUÊNCIA A Física de Descartes tem, como é salientado geralmente, raízes metafísicas, isto é, a certeza depende, em ultima análise, da fé em Deus. Neste sentido, não deixou de representar um certo retrocesso, se consideramos quanto todos os eruditos de então, incluídos aqueles seus contemporâneos que vieram a ser mártires do saber, estavam empenhados em abrir o caminho oposto, suplicando a seus algozes a separação entre filosofia e religião. Mas aconteceu que a filosofia de Descartes, em lugar de por esse motivo precipitar-se no esquecimento, projetou-se para o alto, e isto aconteceu graças à oportunidade e ao soar sedutor de uma frase: "Penso, logo existo". Além de agradável como uma goma de mascar, essa frase também representou, na época, um desafio à ditadura dos intelectuais escolásticos. Deixava claro que só existe um ponto de partida verdadeiro, mesmo na dúvida, que sou eu e meu pensamento: se duvido, penso, e se penso, existo. Ela foi prontamente interpretada com sentido de liberdade e emulação de coragem para a busca da verdade, e não o de apenas indicar, como seu autor pretendia, a tábua rasa jacente sob as ideias inatas garantidas por Deus. Portanto esta frase na verdade está, no seu sentido mais revolucionário, divorciada do próprio pensamento de Descartes. Porém, graças a ela Descartes, embora não tenha sido o primeiro a tentar, na verdade foi o primeiro a conseguir libertar o pensamento filosófico de suas peias escolásticas e assim inaugurar definitivamente a filosofia moderna. (http://antroposmoderno.com/biografias/Descartes.html)
A METAFÍSICA No Discurso sobre o Método, Descartes pensa sobretudo na ciência. Para bem compreender sua metafísica, é necessário ler as Meditações. 1. - Todos sabem que Descartes inicia seu itinerário espiritual com a dúvida. Mas é necessário compreender que essa dúvida tem um outro alcance que a dúvida metódica do cientista. Descartes duvida voluntária e sistematicamente de tudo, desde que possa encontrar um
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argumento, por mais frágil que seja. Por conseguinte, os instrumentos da dúvida nada mais são do que os auxiliares psicológicos, de uma ascese, os instrumentos de um verdadeiro "exército espiritual". Duvidemos dos sentidos, uma vez que eles freqüentemente nos enganam, pois, diz Descartes, nunca tenho certeza de estar sonhando ou de estar desperto! (Quantas vezes acreditei-me vestido com o "robe de chambre", ocupado em escrever algo junto à lareira; na verdade, "estava despido em meu leito"). Duvidemos também das próprias evidências científicas e das verdades matemáticas! Mas quê? Não é verdade quer eu sonhe ou esteja desperto - que 2 + 2 = 4? Mas se um gênio maligno me enganasse, se Deus fosse mau e me iludisse quanto às minhas evidências matemáticas e físicas? Tanto quanto duvido do Ser, sempre posso duvidar do objeto (permitam-me retomar os termos do mais lúcido intérprete de Descartes, Ferdinand Alquié). 2. - Existe, porém, uma coisa de que não posso duvidar, mesmo que o demônio queira sempre me enganar. Mesmo que tudo o que penso seja falso, resta a certeza de que eu penso. Nenhum objeto de pensamento resiste à dúvida, mas o próprio ato de duvidar é indubitável. "Penso, cogito, logo existo, ergo sum". Não é um raciocínio (apesar do logo, do ergo), mas uma intuição, e mais sólida que a do matemático, pois é uma intuição metafísica, metamatemática. Ela trata não de um objeto, mas de um ser. Eu penso, Ego cogito (e o ego, sem aborrecer Brunschvicg, é muito mais que um simples acidente gramatical do verbo cogitare). O cogito de Descartes, portanto, não é, como já se disse, o ato de nascimento do que, em filosofia, chamamos de idealismo (o sujeito pensante e suas idéias como o fundamento de todo conhecimento), mas a descoberta do domínio ontológico (estes objetos que são as evidências matemáticas remetem a este ser que é meu pensamento). 3. - Nesse nível, entretanto, nesse momento de seu itinerário espiritual, Descartes é solipsista. Ele só tem certeza de seu ser, isto é, de seu ser pensante (pois, sempre duvido desse objeto que é meu corpo; a alma, diz Descartes nesse sentido, "é mais fácil de ser conhecida que o corpo"). É pelo aprofundamento de sua solidão que Descartes escapará dessa solidão. Dentre as idéias do meu cogito existe uma inteiramente extraordinária. É a idéia de perfeição, de infinito. Não posso tê-la tirado de mim mesmo, visto que sou finito e imperfeito. Eu, tão imperfeito, que tenho a idéia de Perfeição, só posso tê-la recebido de um Ser perfeito que me ultrapassa e que é o autor do meu ser. Por conseguinte, eis demonstrada a existência de Deus. E nota-se que se trata de um Deus perfeito, que, por conseguinte, é todo bondade. Eis o fantasma do gênio maligno exorcizado. Se Deus é perfeito, ele não pode ter querido enganar-me e todas as minhas idéias claras e distintas são garantidas pela veracidade divina. Uma vez que Deus existe, eu então posso crer na existência do mundo. O caminho é exatamente o inverso do seguido por São Tomás. Compreenda-se que, para tanto, não tenho o direito de guiar-me pelos sentidos (cujas mensagens permanecem confusas e que só têm um valor de sinal para os instintos
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do ser vivo). Só posso crer no que me é claro e distinto (por exemplo: na matéria, o que existe verdadeiramente é o que é claramente pensável, isto é, a extensão e o movimento). Alguns acham que Descartes fazia um circulo vicioso: a evidência me conduz a Deus e Deus me garante a evidência! Mas não se trata da mesma evidência. A evidência ontológica que, pelo cogito, me conduz a Deus fundamenta a evidência dos objetos matemáticos. Por conseguinte, a metafísica tem, para Descartes, uma evidência mais profunda que a ciência. É ela que fundamenta a ciência (um ateu, dirá Descartes, não pode ser geômetra!). 4. - A Quinta meditação apresenta uma outra maneira de provar a existência de Deus. Não mais se trata de partir de mim, que tenho a idéia de Deus, mas antes da idéia de Deus que há em mim. Apreender a idéia de perfeição e afirmar a existência do ser perfeito é a mesma coisa. Pois uma perfeição não-existente não seria uma perfeição. É o argumento ontológico, o argumento de Santo Anselmo que Descartes (que não leu Santo Anselmo) reencontra: trata-se, ainda aqui, mais de uma intuição, de uma experiência espiritual (a de um infinito que me ultrapassa) do que de um raciocínio. (http://www.mundodosfilosofos.com.br/descartes.htm)
FIQUE LIGADO NO ENEM! • Descartes parte da dúvida chamada metódica, porque ela é proposta como uma via para se chegar à certeza e não é dúvida sistemática, sem outro fim que o próprio duvidar, como para os céticos. • Após ter posto em causa todo o saber adquirido pela experiência, chega à primeira certeza indubitável: a da sua existência como ser pensante ("Penso, logo existo"). • Frequentemente os seres humanos erram nos seus julgamentos porque se apóiam nas informações recolhidas através do conhecimento sensível, por isso o conhecimento verdadeiro só pode ser puramente intelectual, isto é, tendo como ponto de partida ideias inatas ou observações que foram inteiramente controladas pelo pensamento. • A ideia de perfeição não tem origem humana, pois ele é imperfeito. Assim, a ideia de perfeição só pode ter surgido de um ser perfeito, autor de si mesmo e de todas as coisas. A existência de Deus fica, por tanto demonstrada através do pensamento humano.
UNIDADE 15 JOHN LOCKE Sobre a linha do desenvolvimento do empirismo, Locke representa um progresso em confronto com os precedentes: no sentido de que a sua gnosiologia fenomenista-empirista não é dogmaticamente acompanhada de uma metafísica mais ou menos materialista. Limita-se a nos oferecer, filosoficamente, uma teoria do conhecimento, mesmo aceitando a
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metafísica tradicional, e do senso comum pelo que concerne a Deus, à alma, à moral e à religião. Com relação à religião natural, não muito diferente do deísmo abstrato da época; o poder político tem o direito de impor essa religião, porquanto é baseada na razão. Locke professa a tolerância e o respeito às religiões particulares, históricas, positivas.
John Locke (1632-1704)
Locke viajou fora da Inglaterra, especialmente em França, onde ampliou o seu horizonte cultural, entrou em contato com movimentos filosóficos diversos, em especial com o racionalismo. Tornou-se mais consciente do seu empirismo, que procurou completar com elementos racionalistas (o que, entretanto, representa um desvio na linha do desenvolvimento do empirismo, procedente de Bacon até Hume). As fontes principais do pensamento de Locke são: o nominalismo escolástico, cujo centro famoso era Oxford; o empirismo inglês da época; o racionalismo cartesiano e a filosofia de Malebranche. O PENSAMENTO Locke julga, como Bacon, que o fim da filosofia é prático. Entretanto - diversamente de Bacon, que julgava fim da filosofia o conhecimento da natureza para dominála (fim econômico) - Locke pensa que o fim da filosofia é essencialmente moral; quer dizer: a filosofia deve proporcionar uma norma racional para a vida do homem. E, como os seus predecessores empiristas, ele sente, antes de mais nada, a necessidade de instituir uma investigação sobre o conhecimento humano, elaborar uma gnosiologia, para achar um critério de verdade. Podemos dizer que a sua filosofia se limita a este problema gnosiológico, para logo passar a uma filosofia moral (e política, pedagógica, religiosa), sem uma adequada e intermédia metafísica. Locke não parte, realisticamente, do ser, e sim, fenomenisticamente, do pensamento. No nosso pensamento acham-se apenas ideias (no sentido genérico das representações): qual é a sua origem e o seu valor? Locke exclui absolutamente as ideias e os princípios que deles se formam, derivam da experiência; antes da experiência o espírito é como uma folha em branco, uma tabula rasa. No entanto, a experiência é dúplice: externa e interna. A primeira realiza-se através da sensação, e nos proporciona a representação dos objetos (chamados) externos: cores, sons, odores, sabores, extensão, forma, movimento, etc. A
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segunda realiza-se através da reflexão, que nos proporciona a representação das próprias operações exercidas pelo espírito sobre os objetos da sensação, como: conhecer, crer, lembrar, duvidar, querer, etc. Nas ideias proporcionadas pela sensibilidade externa, Locke distingue as qualidades primárias, absolutamente objetivas, e as qualidades secundárias, subjetivas (objetivas apenas em sua causa). As ideias ou representações dividem-se em ideias simples e ideias complexas, que são uma combinação das primeiras. Perante as ideias simples - que constituem o material primitivo e fundamental do conhecimento - o espírito é puramente passivo; pelo contrário, é ele ativo na formação das ideias complexas. Entre estas últimas, a mais importante é a substância: que nada mais seria que uma coleção constante de ideias simples, referida pelo espírito a um misterioso substrato unificador. O espírito é também ativo nas sínteses que são as ideias de relação, e nas análises que são as ideias gerais. Às ideias de ralação pertencem as relações temporais e espaciais e de ideias simples dos complexos a que pertencem e da universalização da ideia assim isolada, obtendo-se, desse modo, a ideia abstrata (por exemplo, a brancura). Locke é, mais ou menos, nominalista: existem, propriamente, só indivíduos com uma essência individual, e as ideias gerais não passam de nomes, que designam caracteres comuns a muitos indivíduos. Entretanto, os nomes que designam uma ideia abstrata, isto é, uma propriedade semelhante em muitas coisas, têm um valor e um escopo práticos: auxiliar os homens a se conduzirem na vida. Dado o nominalismo de Locke, compreende-se como, para ele, é impossível a ciência verdadeira da natureza, considerada como conhecimento das leis universais e necessárias. Locke julga também inaplicável à natureza a matemática - reconhecendo-lhe embora o caráter de verdadeira ciência - isto é, não acredita na físicomatemática, à maneira de Galileu. Entretanto, mesmo que a ciência da natureza não nos desse senão a probabilidade, a opinião, seria útil enquanto prática. Até aqui foram analisados e descritos os conteúdos de consciência. É mister agora propor a questão do seu valor lógico. Costuma-se dizer que as ideias são "verdadeiras ou falsas"; melhor seria chamá-las "justas ou erradas", porque, propriamente, "a verdade e a falsidade pertencem às proposições", em que se afirma ou se nega uma relação entre duas ideias. E esta relação, afirmada ou negada, pode ser precisamente falsa ou verdadeira. O conhecimento da relação positiva ou negativa entre as ideias é, segundo Locke, de dois tipos: intuitivo e demonstrativo. No primeiro caso a relação é colhida intuitiva, imediata e evidentemente. Por exemplo: 3 = 2 + 1. No segundo caso a relação é colhida mediatamente, recorrendo às ideias intermediárias, ao raciocínio. Por exemplo: a existência de Deus demonstrada pela nossa existência e pelo princípio de causalidade. Naturalmente, a demonstração é inferior à intuição. IDEIAS METAFÍSICAS
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Estamos, porém, ainda fechados no mundo subjetivo, fenomênico; de fato, tratou-se, até agora, de relações positivas ou negativas, concordes ou desacordes com as ideias. Podemos nós sair desse mundo subjetivo e atingir o mundo objetivo, isto é, podemos conhecê-lo imediatamente ou mediatamente na sua existência e na sua natureza? Locke afirma-o, sem mostrar, entretanto, como este conhecimento do mundo externo possa concordar com a sua geral (fenomenista) concepção e definição do conhecimento. É a sólita posição de um fenomenismo ainda não plenamente consciente de si mesmo. Corta as relações com o ser e vai para o fenomenismo absoluto, mas tem ainda saudade desse ser do qual se isolou. Em todo caso, Locke acredita poder atingir, antes de tudo, o nosso ser, depois o de Deus, e, finalmente, o das coisas. O nosso ser seria intuitivamente percebido através da reflexão. A existência de Deus seria racionalmente demonstrada mediante o princípio de causa, partindo do conhecimento imediato de uma outra existência (a nossa). A existência das coisas, alfim, seria sentida invencivelmente, porque nos sentimos passivos em nossas sensações, que deveriam ser causadas por seres externos a nós. Entretanto, pelo que diz respeito ao nosso ser, é mister ter presente que nós não conhecemos intuitivamente a substância da alma, e sim as suas atividades. Pelo que diz respeito a Deus, a prova da sua existência vale, se vale absolutamente o princípio de causa - o que Locke não demonstrou. Enfim, pelo que diz respeito às coisas externas, mesmo admitida a prova aduzida por Locke segundo a confissão do próprio filósofo - tal prova vale apenas pelo que concerne à existência das coisas, e não pelo que concerne à natureza delas. De fato, segundo a filosofia de Locke, não sabemos se as ideias da natureza das coisas correspondem à realidade das coisas. MORAL E POLÍTICA Locke não admite, naturalmente, ideias e princípios inatos nem sequer no campo da moral. A sua moral, todavia, é muito mais intelectualista do que empirista, pois ele lhe reconhece o caráter de verdadeira ciência, universal e necessária. Entretanto, não basta ter construído uma moral em abstrato, embora racional. É preciso torná-la praticamente eficaz, isto é, faz-se mister uma obrigação moral, que se imponha à nossa vontade. Ora, visto que é natural, no homem, a tendência para o próprio bem-estar, é natural que ele seja atingido pelas penas, pelas sanções, que precisamente lhe impedem tal realização. Que parte tem a liberdade da vontade em tudo isto? Locke nega, propriamente, o livre arbítrio, porquanto nós nos inclinamos necessariamente para um bem determinado e devemos desejar o bem maior. Quanto à política, Locke deriva a lei civil da lei natural, racional, moral, em virtude da qual todos os homens como seres racionais - são livres e iguais, têm direito à vida e à propriedade; e, entretanto na vida política, não podem renunciar a estes direitos, sem renunciar à própria dignidade, à natureza humana. Locke admite um
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originário estado de natureza antes do estado civilizado. Não, porém, no sentido brutal e egoísta de inimizade universal, como dizia Hobbes; mas em um sentido moral, em virtude do qual cada um sente o dever racional de respeitar nos outros a mesma personalidade que nele se encontra. Também Locke admite a passagem do estado de natureza ao estado civilizado, porquanto, no primeiro, falta a certeza e a regularidade da defesa e da punição, que existe no segundo, graças à autoridade do superior. Entretanto, estipulando este contrato social, os indivíduos não renunciam a todos os direitos, porquanto os direitos que constituem a natureza humana (vida, liberdade, bens), são inalienáveis; mas renunciam unicamente ao direito de defesa e de fazer justiça, para conseguir que os direitos inalienáveis sejam melhor garantidos. Antes, se o estado violasse esses direitos inalienáveis, os indivíduos teriam o direito e o dever de a ele resistir e de se revoltar contra o poder usurpador. A doutrina política de Locke, contida no seu Tratado sobre o Governo Civil, é a expressão teórica do constitucionalismo liberal inglês, em contraste com a doutrina do absolutismo naturalista de Hobbes. (http://www.mundociencia.com.br/filosofia/locke.htm)
A CONCEPÇÃO LIBERAL DO ESTADO Assim como Hobbes, o filósofo inglês Locke também refletiu sobre a origem do poder político e sobre sua necessidade para congregar os homens, que, em seu estado de natureza, vivam isolados. No entanto, enquanto Hobbes imagina um estado de natureza marcado pela violência e pela “guerra de todos contra todos”, Locke faz uma reflexão mais moderada e se refere ao estado de natureza como uma condição na qual, pela falta de uma normatização geral, cada qual seria juiz da sua própria causa, o que levaria ao surgimento de problemas nas relações entre os homens. Para evitar esses problemas, é que o Estado teria sido criado. O Estado teria a função de garantir a segurança dos indivíduos e seus direitos naturais, como a liberdade e a propriedade. Nas palavras de Locke: Se o homem no estado de natureza é tão livre, conforme dissemos, se é senhor absoluto da sua própria pessoa e posses, igual ao maior e a ninguém sujeito, por que abrirá ele mão dessa liberdade, por que abandonará o seu império e sujeitar-se-á ao domínio e controle de qualquer outro poder? Ao que é óbvio responder que, embora no estado de natureza tenha tal direito, a fruição do mesmo é muito incerta e está constantemente exposta à invasão de terceiros porque, sendo todos reis tanto quanto ele, todo homem igual a ele, na maior parte pouco observadores da equidade e da justiça, a fruição da propriedade que possui neste estado é muito insegura, muito arriscada. Estas circunstâncias obrigam-no a abandonar uma condição que, embora livre, está cheia de temores e perigos constantes, e não é sem razão que procura de boa vontade juntar-se em sociedade com outros que estão já
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unidos, ou pretendem unir-se, para a mútua conservação da vida, da liberdade e dos bens a que chamo de “propriedade”. LOCKE, John. Segundo tratado sobre o governo, p. 88.
Diferentemente de Hobbes, portanto, Locke concebe a sociedade política como um meio de assegurar os direitos naturais e não como o resultado de uma transferência dos direitos dos indivíduos para o governante. E assim nasce a concepção de Estado liberal, segundo a qual o Estado deve regular as relações entre os homens, atuar como juiz nos conflitos sociais. Mas deve fazer isso garantindo as liberdades e direitos individuais, tanto no que se refere ao pensamento e expressão quanto à propriedade e atividade econômica. (COTRIM, Gilberto. Fundamentos da Filosofia. São Paulo: Editora Saraiva, 2002. pp. 303-304)
FIQUE LIGADO NO ENEM! • Para Locke, o entendimento é como uma “tabula rasa” que vai sendo, paulatinamente preenchida pelos conteúdos recolhidos mediante os sentidos. Todo conteúdo presente na mente deriva da experiência, e, desse modo, não podemos afirmar que existe algo na mente que não tenha sido objeto de uma experiência. • Locke entende por ideia qualquer coisa que esteja presente na consciência, seja de natureza sensível ou de natureza reflexiva. Das ideias simples, a mente avança em direção às ideias cada vez mais complexas chegando às ideias gerais ou universais que já não mais correspondem a realidades ou a essências existentes, mas são nomes que instituímos por convenção para organizar nossos pensamentos e discursos. • Locke identifica a liberdade com o direito de todos os homens para reger racionalmente suas vidas e reconhecendo naturalmente a autonomia dos demais membros de sua espécie. Assim as ações de um indivíduo não podem implicar no prejuízo de outros. • Através do seu trabalho o homem se apropria de parte da natureza separando o que desde então passa a lhe pertencer em particular daquilo que é um bem comum à humanidade. Portanto, a propriedade privada de parte dos recursos naturais, matérias primas, meios de produção e produtos finais é uma justa consequência do trabalho, pois quem investiu algo de si à natureza transformou o produto desse esforço em parte de si mesmo. • É com Locke que nasce a concepção de Estado liberal, segundo a qual o Estado deve regular as relações entre os homens e atuar como juiz nos conflitos sociais. Mas deve fazer isso garantindo as liberdades e direitos individuais, tanto no que se refere ao pensamento e expressão quanto à propriedade e atividade econômica.
Exercícios 1. (ENEM 2014) Todo homem de bom juízo, depois que tiver realizado sua viagem, reconhecerá que é um milagre manifesto ter podido escapar de todos os perigos que se
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apresentam em sua peregrinação; tanto mais que há tantos outros acidentes que diariamente pode, aí ocorrer que seria coisa pavorosa àqueles que aí navegam querer pô-los todos diante dos olhos quando querem empreender suas viagens. J. P. T. Histoire de plusieurs voyages aventureux. 1600. In: DELUMEU, J. História do medo no Ocidente: 1300-1800. São Paulo: Cia. das Letras, 2009 (adaptado).
Esse relato, associado ao imaginário das viagens marítimas da época moderna, expressa um sentimento de a) gosto pela aventura. b) fascínio pelo fantástico. c) temor do desconhecido. d) interesse pela natureza. e) purgação dos pecados. 2. (ENEM 2015) A natureza fez os homens tão iguais, quanto às faculdades do corpo e do espírito, que, embora por vezes se encontre um homem manifestamente mais forte de corpo, ou de espírito mais vivo do que outro, mesmo assim, quando se considera tudo isto em conjunto, a diferença entre um e outro homem não é suficientemente considerável para que um deles possa com base nela reclamar algum benefício a que outro não possa igualmente aspirar. HOBBES, T. Leviatã. São Paulo: Martins Fontes, 2003.
Para Hobbes, antes da constituição da sociedade civil, quando dois homens desejavam o mesmo objeto, eles a) entravam em conflito b) recorriam aos clérigos. c) consultavam os anciãos. d) apelavam aos governantes. e) exerciam a solidariedade. 3. (ENEM 2014) É o caráter radical do que se procura que exige a radicalização do próprio processo de busca. Se todo o espaço for ocupado pela dúvida, qualquer certeza que aparecer a partir daí terá sido de alguma forma gerada pela própria dúvida, e não será seguramente nenhuma daquelas que foram anteriormente varridas por essa mesma dúvida. SILVA, F. L. Descartes: a metafísica da modernidade. São Paulo: Moderna, 2001 (adaptado)
Apesar de questionar os conceitos da tradição, a dúvida radical da filosofia cartesiana tem caráter positivo por contribuir para o (a) a) dissolução do saber científico b) recuperação dos antigos juízos. c) exaltação do pensamento clássico. d) surgimento do conhecimento inabalável. e) fortalecimento dos preconceitos religiosos.
vez em minha vida, desfazer-me de todas as opiniões a que até então dera crédito, e começar tudo novamente a fim de estabelecer um saber firme e inabalável. DESCARTES, R. Meditações concernentes à Primeira Filosofia. São Paulo: Abril Cultural, 1973 (adaptado)
TEXTO II É o caráter radical do que se procura que exige a radicalização do próprio processo de busca. Se todo o espaço for ocupado pela dúvida, qualquer certeza que aparecer a partir daí terá sido de alguma forma gerada pela própria dúvida, e não será seguramente nenhuma daquelas que foram anteriormente varridas por essa mesma dúvida. SILVA, F.I. Descartes, a metafísica da modernidade. São Paulo: Moderna, 2001 (adaptado)
A exposição e a análise do projeto cartesiano indicam que, para viabilizar a reconstrução radical do conhecimento, deve-se: a) retomar o método da tradição para edificar a ciência com legitimidade. b) questionar de forma ampla e profunda as antigas ideias e concepções. c) investigar os conteúdos da consciência dos homens menos esclarecidos. d) buscar uma via para eliminar da memória saberes antigos e ultrapassados. e) encontrar ideias e pensamentos evidentes que dispensam ser questionados. 5. (ENEM 2014) A filosofia encontra-se escrita neste grande livro que continuamente se abre perante nossos olhos (isto é, o universo), que não se pode compreender antes de entender a língua e conhecer os caracteres com os quais está escrito. Ele está escrito em língua matemática, os caracteres são triângulos, circunferências e outras figuras geométricas, sem cujos meios é impossível entender humanamente as palavras; sem eles, vagamos perdidos dentro de um obscuro labirinto. GALILEI, G. O ensaiador. Os pensadores. São Paulo: Abril Cultural, 1978.
No contexto da Revolução Científica do século XVII, assumir a posição de Galileu significava defender a a) continuidade do vínculo entre ciência e fé dominante na Idade Média. b) necessidade de o estudo linguístico ser acompanhado do exame matemático. c) oposição da nova física quantitativa aos pressupostos da filosofia escolástica. d) importância da independência da investigação científica pretendida pela igreja. e) inadequação da matemática para elaborar uma explicação racional da natureza.
4. (ENEM 2013) TEXTO I Há já algum tempo eu me apercebi de que, desde meus primeiros anos, recebera muitas falsas opiniões como verdadeiras, e de aquilo que depois eu fundei em princípios tão mal assegurados não podia ser senão mui duvidoso e incerto. Era necessário tentar seriamente, uma
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6. (ENEM 2013) Os produtos e seu consumo constituem a meta declarada do empreendimento tecnológico. Essa meta foi proposta pela primeira vez no início da Modernidade, como expectativa de que o homem poderia dominar a natureza. No entanto, essa expectativa, convertida em programa anunciado por pensadores como
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Descartes e Bacon e impulsionado pelo Iluminismo, não surgiu “de um prazer de poder”, “de um mero imperialismo humano”, mas da aspiração de libertar o homem e de enriquecer sua vida, física e culturalmente. CUPANI, A. A tecnologia como problema filosófico de três enfoques. Scientiae Studia. São Paulo, v.2 n. 4, 2004 (adaptado).
Autores da filosofia moderna, notadamente Descartes e Bacon, e o projeto iluminista concebem a ciência como uma forma de saber que almeja libertar o homem das intempéries da natureza. Nesse contexto, a investigação científica consiste em: a) expor a essência da verdade e resolver definitivamente as disputas teóricas ainda existentes. b) oferecer a última palavra acerca das coisas que existem e ocupar o lugar que outrora foi da filosofia. c) ser a expressão da razão e servir de modelo para outras áreas do saber que almejam o progresso. d) explicitar as leis gerais que permitem interpretar a natureza e eliminar os discursos éticos e religiosos. e) explicar a dinâmica presente entre os fenômenos naturais e impor limites aos debates acadêmicos. GABARITO 1 C
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UNIDADE 16 FILOSOFIA ILUMINISTA Esse período também crê nos poderes da razão, chamada de As Luzes (por isso, o nome Iluminismo). O Iluminismo afirma que: Pela razão, o homem pode conquistar a liberdade e a felicidade social e política (a filosofia da Ilustração foi decisiva para as ideias da Revolução Francesa de 1789); A razão é capaz de evolução e progresso, e o homem é um ser perfectível. A perfectibilidade consiste em liberarse dos preconceitos religiosos, sociais e morais, em libertar-se da superstição e do medo, graças ao conhecimento, às ciências, às artes e à moral; O aperfeiçoamento da razão se realiza pelo progresso das civilizações, que vão das mais atrasadas (também chamadas de “primitivas” ou “selvagens”) às mais adiantadas e perfeitas (as da Europa ocidental); Há diferença entre Natureza e civilização, isto é, a Natureza é o reino das relações necessárias de causa e efeito ou das leis naturais universais e imutáveis, enquanto a civilização é o reino da liberdade e da finalidade proposta pela vontade livre dos próprios homens, em seu aperfeiçoamento moral, técnico e político. Nesse período há grande interesse pelas ciências que se relacionam com a ideia de evolução e por isso, a biologias terá um lugar central no pensamento ilustrado, pertencendo ao campo da filosofia da vida. Data também desse período o interesse pela compreensão das bases econômicas da vida social e
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política, surgindo uma reflexão sobre a origem e a forma da riqueza das nações, com uma controvérsia sobre a importância maior ou menor da agricultura e do comércio, controvérsia que se exprime em duas correntes do pensamento econômico: a corrente fisiocrata (a agricultura é a fonte principal das riquezas) e a mercantilista (o comércio é a fonte principal da riqueza das nações). DAS TREVAS PARA A LUZ Inicialmente, as ideias do Iluminismo foram disseminadas por filósofos e economistas que se diziam propagadores da luz e do conhecimento. Julgavam que a via para se adquirir o conhecimento era através da razão, e para isso, o estimula ao questionamento sobre a origem ou a ordem das coisas que se fazia presente em suas discussões; utilizavam-se da pesquisa e da investigação para entender, na natureza, a sociedade, a economia, a política e o próprio ser humano - o antropocentrismo, ou seja, o avanço da ciência e da razão. Considerado como uma doutrina filosófica, o Iluminismo marcou a passagem da Idade Moderna para a Idade Contemporânea. Teve seu inicio na Inglaterra, no século 17 e seu auge na França, no século 18. A doutrina teve como "pai" o filósofo John Locke, além de René Descartes, pai do racionalismo, que possibilitou acontecer esse movimento. Podemos resumir o Iluminismo em uma única frase, pode-se dizer que ele é, segundo Kant, a "saída do ser humano do estado de não emancipação em que ele próprio se colocou. Essa não emancipação é a incapacidade de fazer uso da razão sem recorrer a outros". A partir dessas máximas, o Iluminismo precedeu e possibilitou a Revolução Francesa e suas consequências influenciaram também a história dos Estados Unidos e até mesmo do Brasil, além de influenciar a sociedade até hoje, afinal, todos os cidadãos que vivem em uma democracia são livres, iguais e tem o direito de adquirir uma propriedade. Os princípios iluministas eram o racionalismo (duvidando-se de tudo é que se chega à verdade absoluta), individualismo (cada um deve ser responsável pela sua evolução) e a liberdade religiosa (eram contra a religião, mas não contra Deus - consequência da Reforma Protestante). Esses princípios refletem hoje em nossa sociedade, onde as pessoas não têm mais tanto afinco com as religiões. Esse movimento intelectual defendia o uso da razão (luz) contra o antigo regime (trevas) e pregava maior liberdade econômica e política. Defendiam a liberdade da escolha e a igualdade perante a lei, até mesmo religiosa. Opunham-se às ideias do absolutismo e de todas as suas características que privilegiava a nobreza e o clero, além de críticos fervorosos do mercantilismo, da Igreja católica e de seus métodos, respeitando, porém a crença em Deus. Por meio dessa liberdade, a proposta do Iluminismo se estendia também ao direito a educação para todos, assim com essa visão mais solidária, e menos separatista, encontraram facilmente a adesão, das suas ideias na população, principalmente porque o povo se sentia aprisionado e limitado. Essa vertente acaba por atingir e
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intimidar alguns reis absolutistas que, com medo de perderem o governo, passaram a aceitar algumas ideias do movimento. Esses eram chamados Déspotas Esclarecidos (tentavam conciliar o Iluminismo com o absolutismo). O movimento causado pelo Iluminismo promoveu mudanças políticas, econômicas e sociais, baseadas nos ideais de liberdade, igualdade e fraternidade. Principalmente por ter apoio da burguesia, pois os pensadores e os burgueses tinham interesses comuns. O Iluminismo sintetiza diversas tradições filosóficas, correntes intelectuais e atitudes religiosas. Considerado uma atitude geral de pensamento e de ação, os iluministas admitiam que os seres humanos estão em condição e possuem o poder de tornar este mundo melhor - mediante introspecção, livre exercício das capacidades humanas e do engajamento político-social. Um dos mais conhecidos expoentes do pensamento iluminista, Immanuel Kant, em um texto escrito precisamente como resposta à questão sobre o que é o Iluminismo, descreveu: "O Iluminismo representa a saída dos seres humanos de uma tutelagem que estes mesmos se impuseram a si. Tutelados são aqueles que se encontram incapazes de fazer uso da própria razão independentemente da direção de outrem. Ése culpado da própria tutelagem quando esta resulta não de uma deficiência do entendimento mas da falta de resolução e coragem para se fazer uso do entendimento independentemente da direção de outrem. Sapere aude! Tem coragem para fazer uso da tua própria razão! - esse é o lema do Iluminismo". http://filosofia.uol.com.br/filosofia/ideologia-sabedoria/49/artigo3268431.asp
UNIDADE 17 MONTESQUIEU Montesquieu viveu em um período de transição, sofrendo, por isso, influência dos contratualistas, mas não seguiu a mesma metodologia. Leu os clássicos, principalmente Aristóteles e Maquiavel, mas não os segue de todo. Se encontra entre o racionalismo, quer dizer, se utiliza da dedução para chegar a algumas conclusões, mas procura associá-lo ao historicismo, ou seja, a observação da evolução real pela qual passou a história. É determinista em alguns momentos, o que significa apresentar uma relação “necessária” de causa e efeito particular, mas estabelece critérios universais de caráter formal (morais e filosóficos). Em outras palavras tudo o que acontecia e que era de seu conhecimento, todas as descobertas científicas e os relatos históricos, acabaram por repercutir em suas obras. Montesquieu dedicou toda uma vida (especificamente, 20 anos para escrever, mas toda ela para elaborar) à criação do Espírito das Leis (1748). Em sua obra percebe-se a preocupação com os princípios, as causas gerais, a “mola propulsora”, ou melhor, o espírito que move os homens e as relações entre eles. O ponto fundamental desse espírito, onde ele se reflete, é nas leis.
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ESTADO DE NATUREZA É por isso que ele talvez inicie sua obra pela definição e compreensão das leis. Como foi dito anteriormente, devido à influência dos contratualistas, ele se vê obrigado a considerar os homens e as leis existentes antes do estabelecimento das sociedades. Na verdade, ele, como bom historiador e leitor de Aristóteles, não acredita realmente que tenha havido homens que não vivessem agrupados, mas apenas que podemos tentar conceber, pela razão, o que é o homem, sem levar em conta a influência da coletividade que ele vive.
Barão de Montesquieu (1689-1755)
Nesse estado hipotético, todos seriam iguais em condições, mas não fisicamente. Os homens seriam dotados de razão (contudo, possuiriam mais a faculdade de conhecer do que conhecimento propriamente dito, pois este seria cumulativo) e perceberiam antes de tudo suas principais condições – a fraqueza e o medo. Apesar de serem iguais, de todos possuírem essas mesmas condições, ninguém se sente igual, todos se sentem inferiores. Mas é devido a essa percepção que ninguém ataca ninguém (como sugeriria Hobbes, a quem ele rebate explicitamente). Nasce daí a primeira das leis de natureza – a busca pela paz. Montesquieu identifica quatro leis naturais decorrentes desse estado de natureza. A primeira já foi citada: 1) é a busca pela paz (temor + sentimento de inferioridade = paz); as demais leis naturais são: 2) fraqueza + necessidades = busca por alimentos; 3) medo + aproximação = busca pelo sexo oposto; e, consequentemente, 4) busca do outro + conhecimentos = desejo de viver em sociedade (referência direta à concepção de Aristóteles). O que ele pretende com a descrição desse estado de natureza é explicar duas coisas: a) que todos os seres do mundo (inclusive Deus) são governados por leis (naturais ou positivas que sejam); e que b) haverá sempre o estabelecimento de leis quando houver uma relação entre dois seres. Com essas duas afirmativas, Montesquieu contribui com Maquiavel para romper de fato com a influência divina, pois para ele, então, desde que o homem passou a viver com outros homens, passou também a existir uma relação causal, logo, o mundo não é governado por uma “cega fatalidade”, nem pela Providência.
Filosofia
A SOCIEDADE POLÍTICA Após o estado de natureza, quando as leis naturais surgiram, percebeu-se que para assegurar o respeito a essas leis, os homens foram obrigados a darem-se outras leis - as leis positivas - promulgadas em todas as sociedades pela autoridade à qual incube manter a coesão do grupo (de acordo com a especificidade de cada um dos grupos). Esse é o motivo do estabelecimento da sociedade política, formalizar um tipo de organização social adequada a cada grupo, mas com o intuito geral de manter a coesão, ou melhor, a “estabilidade” dos diferentes povos. Dessa maneira, o que Montesquieu pretende é buscar um conceito geral de princípios e naturezas (em outras palavras, de causas e efeitos) que fundamentem a organização de uma sociedade estável. Para isso ele faz uma análise histórica de todas as formas de organização social, isto é, de todas as formas de governo e as suas respectivas leis. Antes de falar dos diversos modos de organização social, vale ressaltar as causas que Montesquieu aponta para diferenciar as leis que sustem essas organizações, a saber: a) as causas “físicas” ou “naturais” (clima, solo); b) as causas “econômico-sociais” (estabelecendo as seguintes relações - os povos selvagens eram caçadores; os bárbaros, pastores; os civis, primeiro agricultores e, depois, comerciantes); e, por fim c) as causas “espirituais” (como a religião). Montesquieu completa que todas essas causas representam os princípios e natureza das coisas e a lei é uma relação entre esses princípios e naturezas. O ESPÍRITO DAS LEIS E O ESPÍRITO GERAL “Toda lei representa um elemento da realidade física, social ou moral” o espírito das leis é a relação dessas causas com as leis. Já por Espírito Geral ele entende a resultante de todas essas relações com todo um conjunto de causas, sendo estas as constituidoras do Espírito Geral de cada nação - “governo, religião, tradições, costumes e maneiras, assim como o clima”. TEORIA DAS FORMAS OU TIPOS DE GOVERNO Agora, pode-se compreender, então, “as relações das leis com a natureza e o princípio de cada governo”. A natureza é a estrutura particular do governo, enquanto o princípio é o que o faz agir, é o seu elemento dinâmico (o que move). Assim Montesquieu supera as tradições que o antecederam e influenciaram mostrando que sua distinção dos tipos de governo é, ao mesmo tempo, uma distinção das organizações (fim, objetivo, mola - princípio) e das estruturas sociais (“quem” e “como” governa - natureza). Portanto, segundo Montesquieu, tem-se: a) República Democrática natureza: conjunto de cidadãos exercendo o poder soberano.
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princípio: interesse geral associado à virtude política (chegando a um não privatismo). b) República Aristocrática natureza: certo número de cidadãos exercendo o poder soberano. princípio: moderação na desigualdade (a fim de limitar privilégios). c) Monarquia natureza: uma pessoa exercendo o poder soberano, de acordo com as disposições das leis fixas e estabelecidas. princípio: honra (baseada na desigualdade de mérito e privilégios), o espírito de corpo e a prerrogativa (“cada um se dirige ao bem comum, julgando buscar seus interesses particulares”). d) Despotismo natureza: uma pessoa exercendo o poder acima de quaisquer leis. princípio: o medo, o temor. Logo, o que distingue a monarquia e o despotismo? As leis. Para se compreender então a distinção de estrutura entre essas duas formas de governo é preciso ter em mente que a Monarquia pressupõe a existência de poderes intermediários e um depósito de leis. Os poderes intermediários são três elementos que representam as três forças sociais que limitam o poder real - a nobreza, o clero e as cidades (ou o “povo”). Cada qual deve ter sua representação no novo corpo intermediário - o Parlamento. O Parlamento é, na verdade, o Depósito das leis, local onde as três forças sociais se encontram e se confrontam defendendo seus respectivos interesses, dando origem ao que ele chama de “pesos e contrapesos”, de contraforças. Dessa forma, é o Parlamento que sustenta o Estado monárquico e o que pode torná-lo moderado. TEORIA DA LIBERDADE POLÍTICA Só os governos moderados, vai dizer Montesquieu, é que permitem o desenvolvimento e a garantia da liberdade política, fundada na distinção e relação entre os diferentes poderes. - Liberdade: Mas o que Montesquieu entende por liberdade? É fazer aquilo que se quer? Não. A liberdade (política, pois se trata aqui da sociedade política, organizada) é o poder das leis - é o poder fazer aquilo que a lei permite, garantindo a segurança aos cidadãos temerosos por natureza frente aos demais. A liberdade está em impedir que um cidadão (ou um grupo) abuse do poder sobre os outros, impedindo que os indivíduos vivam livremente respeitando as leis, como acontece no despotismo. - Mecanismo: Para que essa liberdade seja garantida é necessário que o “poder detenha o poder”, isto é, que o poder não esteja unido nas mãos de um ou de poucos cidadãos, mas distribuídos e separados, em diferentes mãos. Contudo, o que podemos dizer que seria “separar” o poder para ele? É definir diferentes funções, quais sejam:
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a) fazer leis; b) executar as resoluções públicas; e c) julgar os crimes ou as desavenças dos particulares. E o que seria distribuir o poder? É dar a cada força social - para o povo, nobreza e monarca - uma dessas funções. GOVERNO MISTO Influenciado pelos clássicos e por John Locke, eis que Montesquieu elabora o que ele entende como sendo a estrutura da organização social que melhor alcança e mantém a “estabilidade” – uma espécie de “Governo Misto” composto por um Poder Legislativo, Executivo e outro Judiciário. Assim temos: O PODER LEGISLATIVO - Representado pelo Parlamento. Este é composto por duas esferas e tem por função criar leis. Dessa maneira, o mecanismo de controle que o protege dos outros poderes é o direito de estatuir – criar e modificar leis. Defesa e recursos. - O Povo: o povo não age por si mesmo, mas por seus representantes. Montesquieu coloca que, por meio do sufrágio universal e o voto por circunscrição ou distrito eleitoral, deveriam ser eleitos os representantes do povo para constituírem o que na Inglaterra seria a Câmara dos Comuns. - A Nobreza: a nobreza tem interesses que devem se defendidos também, mas respeitando a natureza dessa força social - hereditária, Montesquieu separa a Câmara dos Lordes para que ela possa discutir seus propósitos. Como é ela que detém o dinheiro é um direito dela julgar sobre esse tema (matéria de finanças, orçamento). O PODER EXECUTIVO - Atende à necessidade de decisões momentâneas e imediatas. Para tal é melhor um agindo do que muitos. - O Monarca: Esse é o monarca - uma figura inviolável, sendo os seus ministros os responsáveis. (Esse ponto, mais tarde, foi alvo de muitas críticas). O PODER JUDICIÁRIO - É um poder nulo, “os juízes (são) ... a boca que profere as palavras da lei”. http://monitoriacienciapolitica.blogspot.com.br/2009/08/montesquieu. html
A DIVISÃO DE PODERES Ao refletir sobre a possibilidade de abuso do poder nas monarquias, Montesquieu propôs que se estabelecesse a divisão do poder político em três poderes: executivo (que executa as normas e decisões relativas à administração pública), legislativo (que elabora e aprova as leis) e judiciário (que aplica as leis e distribui a proteção jurisdicional pedida aos juízes). Em sua obra O espírito das leis (1748), Montesquieu assim escreve sobre a questão dos poderes: Quando os poderes legislativo e executivo ficam reunidos num pessoa ou instituição do Estado, a liberdade desaparece (...) Não haverá também liberdade se o poder judiciário se unisse ao executivo, o juiz poderia ter a força de um opressor. E tudo estaria
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perdido se uma mesma pessoa ou instituição do Estado exercesse os três poderes: o de fazer as leis, o de ordenar a sua execução e o de julgar os conflitos entre os cidadãos. MONTESQUIEU. O espírito das leis, p. 168.
Embora já houvesse na época uma divisão de poderes próxima da que é proposta por Montesquieu, é significativa na sua obra a ênfase atribuída à necessidade de separação desses poderes, que devem ser exercidos por pessoas diferentes, e à necessidade de equilíbrio entre eles. (COTRIM, Gilberto. Fundamentos da Filosofia. São Paulo: Editora Saraiva, 2002. pp. 304-305)
FIQUE LIGADO NO ENEM! • Montesquieu identifica quatro leis ou combinações de carências e satisfação de necessidades que regem o comportamento do homem em estado de natureza: a busca pela paz, a busca por alimentos, a busca pelo sexo oposto a busca pelo saber de outros. • Após o estado de natureza para assegurar o respeito a essas leis, os homens foram obrigados a darem-se outras leis as leis positivas - promulgadas em todas as sociedades pela autoridade à qual incube manter a coesão do grupo. Esse é o motivo do estabelecimento da sociedade política, formalizar um tipo de organização social adequada a cada grupo, mas com o intuito geral de manter a coesão, ou melhor, a “estabilidade” dos diferentes povos. • Montesquieu diferencia quatro tipos de governo: República Democrática, República Aristocrática, Monarquia e Despotismo. Cada um destes tipos de governo apresenta leis que resultam da combinação de princípios e naturezas de cada tipo de organização social. • A natureza de um governo é aquilo que o faz ser tal, ao passo que seu princípio é aquilo que o faz agir. Em outras palavras, a natureza é a estrutura particular do governo, enquanto o princípio é o que o faz agir, é o seu elemento dinâmico (o que move). • Para Montesquieu tanto as monarquias quanto as repúblicas corriam no risco de degenerar no despotismo, a menos que fossem reguladas por uma constituição capaz de prevenir tal destino separando os poderes dentro do governo. A separação de poderes garantiria que nenhuma das instituições administrativas pudesse assumir todo o poder, já que cada uma delas conseguiria restringir qualquer abuso de poder das outras. • Montesquieu propôs que se estabelecesse a divisão do poder político em três poderes: executivo (que executa as normas e decisões relativas à administração pública), legislativo (que elabora e aprova as leis) e judiciário (que aplica as leis e distribui a proteção jurisdicional pedida aos juízes).
UNIDADE 18 VOLTAIRE
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Voltaire foi um intelectual francês que viveu durante o iluminismo, período caracterizado pelo questionamento intenso sobre o mundo e sobre como as pessoas vivem nele. Os filósofos e escritores europeus voltaram sua atenção para as autoridades reconhecidas, tais como a Igreja e Estado, a fim de questionar sua validade e suas ideias, ao mesmo tempo em que buscavam novas perspectivas. Até o século XVII, os europeus tinham aceitado irrestritamente as explicações da igreja sobre o que, por que e como as coisas existiam, mas tanto os cientistas quantos os filósofos já apresentavam abordagens diferentes para estabelecer a verdade. Em 1960, o filósofo John Locke argumentou que nenhuma ideia era inata – todas as ideias nasciam exclusivamente da experiência. Seu argumento ganhou peso adicional por causa do cientista Isaac Newton, cujos experimentos forneceram novas formas de descobrir verdades sobre o mundo. Foi contra esse pano de fundo de rebelião contra as tradições que Voltaire declarou que a certeza é absurda.
Voltaire (1694-1778)
Voltaire refuta a ideia de certeza de duas maneiras. Primeiro, ele mostrou que, à exceção de algumas poucas verdades necessárias da matemática e da lógica, quase todo fato e teoria na história foi revisto em algum momento. Então, o que parece ser “fato” é realmente pouco mais do que uma hipótese de trabalho. Segundo, ele concordou com Locke de que não existem ideias inatas, e mostrou que as ideias que temos a impressão de conhecer como verdadeiras desde o nascimento podem ser apenas culturais, já que elas variam de nação para nação. DÚVIDA REVOLUCIONÁRIA Voltaire não chegou a afirmar que não existem verdades absolutas, mas não via meios de alcançá-las. Por essa razão, enunciou que a dúvida é o único ponto de vista lógico. Supondo que o desacordo sem fim é, por consequência, inevitável. Voltaire enfatizou a importância de desenvolver um sistema, como a ciência, para estabelecer o acordo. Ao afirmar que a certeza é mais agradável do que a dúvida (“A dúvida não é uma condição agradável, mas a certeza é absurda”), Voltaire insinua o quanto é mais fácil simplesmente aceitar as declarações oficiais – como as da monarquia ou da Igreja – do que desafiá-las e pensar por si mesmo. Mas Voltaire acreditava que é de vital importância duvidar de todo “fato” e desafiar toda autoridade. Ele defendeu a limitação do poder do governo, mas a liberdade de expressão não pode ser censurada,
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afirmando que a ciência e a educação levam ao progresso material e moral. Esses eram ideais fundamentais tanto do iluminismo quanto da Revolução Francesa, deflagrada 11 anos depois da morte de Voltaire. (VARIOS. O Livro da Filosofia. São Paulo: Editora Globo, 2011. pp. 146-147)
DEFESA DO DEÍSMO CONTRA O ATEÍSMO E O TEÍSMO Há dicionários segundo os quais o voltairianismo define-se como “atitude de incredulidade irônica em relação às religiões”. Todavia, para Voltaire, Deus existe ou não existe? Pois bem, na opinião de Voltaire não há qualquer dúvida de que Deus existe. Para ele, como para Newton, Deus é o grande engenheiro ou mecânico que idealizou, criou e regulou o sistema do mundo. O relógio é uma prova insofismável de que existe o relojoeiro. E Deus, na opinião de Voltaire, existe porque existe a ordem do mundo. Em suma, a existência de Deus é atestada pelas “simples e sublimes leis em virtude das quais os mundos celestes correm no abismo dos espaços”. No Tratado de Metafísica, Voltaire escreve que “depois de sermos tão arrastados de dúvida em dúvida, de conclusão em conclusão, [...] podemos considerar esta proposição: Deus existe, como a coisa mais verossímil que os homens podem pensar [...] e a proposição contrária como uma das mais absurdas”. A ordem do universo não pode ter derivado do acaso, “antes de mais nada porque no universo há seres inteligentes e vós não conseguiríeis provar se é possível que apenas o movimento produza a inteligência e, enfim, porque, segundo a vossa própria confissão, pode-se apostar um contra o infinito que uma causa inteligente anima o universo. Quando estamos sozinhos diante do infinito, nos sentimos muito pobres. Quando estamos diante de uma bela máquina, dizemos que há um mecânico e que esse mecânico deve ter um gênio excepcional. Ora, o mundo é certamente uma admirável máquina: portanto, existe uma inteligência admirável, onde quer que ela esteja. Tal argumento é velho, mas não é dos mais medíocres”. Deus existe. Mas também existe o mal. Como conciliar a presença maciça do mal com a existência de Deus? A resposta de Voltaire é que Deus criou a ordem do universo físico, mas que a história é uma questão dos homens. E esse é o núcleo doutrinário do deísmo. O deísta é alguém que sabe que Deus existe. Mas como escreve Voltaire no Dicionário Filosófico, “o deísta ignora como Deus pune, favorece e perdoa, porque não é tão temerário a ponto de iludir-se que conhece como Deus age”. Além disso, o deísta “se abstém de aderir a algumas das seitas particulares, que são todas intimamente contraditórias. Sua religião é a mais antiga e a mais difundida, porque a simples adoração de um Deus precedeu todos os sistemas deste mundo. Ele fala uma língua que todos os povos podem entender, ainda que, quanto ao resto, não se entendam em absoluto entre si. Seus irmãos estão espalhados pelo mundo, de Pequim a Caiena. Todos os sábios são seus irmãos. Ele considera que a religião não
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consiste nas doutrinas de um metafísica ininteligível, nem em vãos instrumentos, mas na adoração e na justiça. Fazer o bem, eis o seu culto; estar submetido a Deus, eis a sua doutrina. Ele socorre o indigente e defende o oprimido”. Voltaire, portanto é deísta. E justamente em nome do deísmo ele rejeita o ateísmo: “Certos geômetras não filósofos rejeitaram as causas finais; mas os verdadeiros filósofos as admitem e, para retomar a expressão do conhecido escritor, enquanto um catequista anuncia Deus às crianças, Newton o demonstra aos sábios”. Além disso, observa Voltaire, “o ateísmo é um monstro muito perigoso naqueles que governam e o é também nas pessoas de estudo, mesmo que sua vida seja inocente, porque do seu estudo ele pode chegar àqueles que estão nas praças. E se não é tão funesto quanto o fatalismo, entretanto é quase sempre fatal para a virtude. Mas devemos lembrar de acrescentar que existem hoje menos ateus do que já existiram, desde quando os filósofos reconheceram que não existe nenhum ser vegetal sem o seu germe, nenhum germe sem uma finalidade etc., e que o trigo não nasce da podridão”. Voltaire, portanto, é contrário ao ateísmo. E é contrário ao ateísmo pelo fato de que ele é deísta. E, para o deísta, a existência de Deus não é artigo de fé, e sim resultado da razão. A existência de Deus, portanto, é um dado de razão. A fé, ao contrário, é apenas superstição. Por isso, com suas crenças, seus ritos e liturgias, as religiões positivas são quase completamente acúmulos de superstições. Não é de admirar que uma seita considere supersticiosa outra seita e todas as outras religiões: “Com efeito, os muçulmanos acusam de superstição todas as sociedades cristãs e são por elas acusados. Quem julgará esse grande processo? Quem sabe a razão? Todavia, toda seita pretende ter a razão do seu lado. A decisão será portanto pela força, na expectativa de que a razão penetre em um número de cabeças bastante grande a ponto de conseguir desarmar a força”. Depois de fazer longas relações de superstições, Voltaire concluiu: “Menos superstições, menos fanatismo; menos fanatismo, menos desventuras”. A CRÍTICA AO OTIMISMO DOS FILÓSOFOS Conforme já acenamos acima, segundo Voltaire negar o mal é absurdo. O mal existe: os horrores da maldade humana e as penas das catástrofes naturais não são invenções dos poetas. São fatos nus e crus que se chocam com força decisiva contra o otimismo dos filósofos, contra a ideia do “melhor dos mundos possíveis”. Já no Poema sobre o desastre de Lisboa, Voltaire perguntava-se o porquê do sofrimento inocente, a razão da “desordem eterna” e do “caos de desventuras” que nos cabe ver neste “melhor dos mundos possíveis”. E dizia que se é verdade que “tudo um dia ficará bem” constitui a nossa esperança, entretanto é ilusão sustentar que “tudo está bem hoje em dia”. Entretanto, é com Cândido ou o otimismo, verdadeira obra-prima da literatura e da filosofia iluminista, que Voltaire procura despedaçar aquela filosofia otimista que trata de justificar tudo, proibindo assim compreender
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alguma coisa. O Cândido é um relato tragicômico. A tragédia está no mal, nas guerras, nas opressões, na intolerância, na superstição cega, nas doenças, nas arbitrariedades, na estupidez, nas roubalheiras e nas catástrofes naturais (como o terremoto de Lisboa) com que Cândido e seu mestre Pangloss (contrafigura de Leibniz) se defrontam. É a comédia está nas justificações insensatas que Pangloss e também Cândido, seu aluno, procuram dar às desventuras humanas. Que tipo de mestre é Pangloss? “Pangloss ensinava a metafísicoteológicosmológicoidiotologia. Demonstrava admiravelmente que não há efeitos sem causas e que, neste melhor dos mundos possíveis, o castelo do senhor barão era o mais belo dos castelos e que sua senhora era a melhor baronesa possível. Dizia: está provado que as coisas não podem ser de outro modo: com efeito, como tudo é feito para um fim, tudo existe necessariamente para o melhor fim. Observai que os narizes são feitos para que neles repousem os óculos e, com efeito, nós temos óculos; notai que as pernas são evidentemente conformadas para vestirem calças e, com efeito, nós temos calças. Da mesma forma, as pedras foram criadas para serem lapidadas e delas serem feitos castelos e, com efeito, meu senhor tem um belíssimo castelo; o mais poderoso barão da província deve ser o melhor alojado. E, como os porcos foram criados para serem comidos, nós comemos porcos o ano inteiro. Consequentemente, aqueles que afirmaram que tudo vai bem disseram uma asneira: é preciso dizer que tudo vai da melhor maneira possível”. E, de modo verdadeiramente eficaz, Voltaire, de forma elíptica, elabora um conto que, com ironia levada aos extremos limites, mostra como o contrário é em larga medida verdadeiro. O mundo “como vai” é muito frequentemente a antítese de como “deveria ir” segundo o otimismo. E o que acontece aos protagonistas e o modo em que o interpretam resultam na prova irrefutável, bem orquestrada com vários jogos narrativos, paródias pungentes e sátiras sarcásticas. Mas Voltaire não critica apenas a interpretação abstrata deste nosso mundo como “o melhor dos mundos possíveis”, mas, ao contrário, critica em contraponto todas as maldades que caracterizam o mundo como efetivamente vai. Mas o que se pode fazer então, para sair dos males do mundo? Voltaire o diz como conclusão do relato com duas afirmações significativas: “trabalhemos sem discutir, pois é o único modo de tornar suportável a vida”; e sobretudo: “é preciso cultivar nossa horta”. Esse “cultivar nossa horta” não é fuga dos compromissos da vida, mas o modo mais digno para vivêla e para mudar a realidade naquilo que nos é possível. Nem tudo é mal e nem tudo é bem. O mundo, porém, está cheio de problemas. Cabe a cada de nós não eludir os nossos problemas, e sim enfrentá-los, fazendo aquilo que for possível para resolvê-los. Nosso mundo não é o pior dos mundos possíveis, mas também não é o melhor. “É preciso cultivar nossa horta”, isto é, precisamos enfrentar os nossos problemas, para que
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este mundo possa melhorar gradualmente ou, pelo menos, não se torne pior. OS FUNDAMENTOS DA TOLERÂNCIA E exatamente para que este mundo se tornasse mais civilizado e a vida mais suportável, Voltaire travou durante toda a sua vida a batalha pela tolerância. Para ele, a tolerância encontra seu fundamento teórico no fato de que, conforme demonstraram homens como Gassendi e Locke, apenas com as nossas próprias forças nós não podemos saber nada dos segredos do Criador. Não sabemos quem é Deus, nem o que é a alma e muitas outras coisas. Mas há quem se arrogue o direito divino da onisciência – e daí a intolerância. No verbete “tolerância”, do Dicionário filosófico, podemos ler: “O que é a tolerância? É o apanágio da humanidade. Nós todos estamos prenhes de fraqueza e de erros: perdoemo-nos reciprocamente nossas bobagens, essa é a primeira lei da natureza”. Nosso conhecimento é limitado e nós todos estamos sujeitos ao erro, nisso reside a razão da tolerância recíproca: “Em todas as outras ciências nós estamos sujeitos ao erro. Qual teólogo, tomista ou escotista, ousaria então sustentar seriamente que está a absolutamente seguro da sua posição?” No entanto, as religiões estão armadas umas contra as outras e, no interior das religiões, as seitas geralmente são terríveis no combate recíproco. Entretanto, diz Voltaire, está claro que “nós devemos nos tolerar mutuamente, porque somos todos fracos, incoerentes, sujeitos à inconstância e ao erro. Será que um junco dobrado pelo vento contra a lama deverá dizer ao junco dobrado em sentido contrário, que ele, miserável, deve dobrar-se como está se dobrando o primeiro, sob pena de denunciá-lo para fazê-lo ser arrancado e queimado?” A intolerância se entrelaça com a tirania. E “o tirano é aquele soberano que não conhece outras leis além de seus caprichos, que se apropria dos haveres de seus súditos, e depois os recruta para que tomem os bens dos vizinhos”. Mas, voltando à intolerância mais especificamente religiosa, o que Voltaire sustenta é que a Igreja cristã quase sempre esteve estraçalhada pelas seitas. Pois bem, afirma Voltaire, “uma tão horrível discórdia, que dura há tantos séculos, é uma claríssima lição de que devemos perdoar uns aos outros nossos erros: a discórdia é a grande peste do gênero humano e a tolerância é o seu único remédio”. (REALE, Giovanni. e ANTISERI, Dario. História da Filosofia. De Spinoza a Kant. São Paulo: Paulus, 2004. pp. 257-260)
UNIDADE 19 JEAN-JAQUES ROUSSEAU Rousseau era, em grande parte, produto do período final do século XVIII, conhecido como iluminismo, e
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personificação da filosofia continental europeia da época. Quando jovem, tentou fazer seu nome tanto como músico quanto como compositor, mas em 1740 conheceu Denis Diderot e Jean d’Alembert, organizadores da nova Encyclopédie, e interessou-se pela filosofia. O ambiente político na França da época estava agitado. Os pensadores iluministas franceses e ingleses tinham começado a questionar o status quo, minando a autoridade da Igreja e da aristocracia e defendendo uma reforma social – tal como Voltaire continuamente desafiava a censura autoritária do establishment. Como era de se esperar nesse contexto, a principal área de interesse de Rousseau tornouse a filosofia política. Seu pensamento foi influenciado não apenas por seus contemporâneos franceses, mas também por obras dos filósofos ingleses – e, em particular, a ideia de um contrato social, como proposto por Thomas Hobbes e aperfeiçoado por John Locke. Como eles, Rousseau considerou a ideia de humanidade num “estado natural” hipotético, comparando-a com a maneira como as pessoas realmente viviam em sociedade civil. Mas ele assumiu uma perspectiva tão radicalmente própria desse estado natural (e do modo como ele é transformado pela sociedade) que poderia ser considerada uma forma de pensamento “contrailuminista”. Sua abordagem continha em si as sementes do próximo grande movimento, o romantismo. CIÊNCIA E ARTE CORROMPEM Hobbes tinha imaginado a vida em estado natural como “solitária, pobre, repugnante, brutal e curta”. Em sua visão, o ser humano é instintivamente interessado e dedicado apenas a si mesmo, e a civilização seria necessária para colocar restrições nesses instintos. De sua parte, Rousseau considerava a natureza humana bem mais gentil e via a sociedade civil como uma força muito menos benevolente.
Jean-Jacques Rousseau (1712-1778)
A ideia de que a sociedade pode ser uma influencia nociva ocorreu a Rousseau pela primeira vez quando ele escreveu um ensaio para um concurso organizado pela Academia de Dijon, respondendo à questão: “O restabelecimento das ciências e das artes contribuiu para aperfeiçoar os costumes?”. A resposta que se esperava de pensadores da época, e especialmente de um músico como Rousseau, era um entusiástico sim. Mas Rousseau sustentou o oposto. Seu Discurso sobre as ciências e as artes, que ganhou o primeiro prêmio, apresentava de maneira controversa a ideia de que as artes e as ciências
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corrompem e corroem a moral. Ele argumentou que, longe de desenvolver mentes e vidas, as artes e as ciências diminuem a virtude e a felicidade humana. A DESIGUALDADE DAS LEIS Tendo rompido com o pensamento estabelecido com seu texto, aclamado publicamente, Rousseau levou a ideia um passo além num segundo ensaio, Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre os homens. O tema condizia com o espírito da época, ecoando os apelos por reforma social de escritores como Voltaire – mas em sua análise novamente Rousseau contrariou o pensamento tradicional. O estado da natureza egoísta, selvagem e injusta retratado por Hobbes é, para Rousseau, uma descrição não do “homem natural”, mas “do homem civilizado”. Ele argumentou que a sociedade civil é que induz esse estado selvagem. O estado natural da humanidade, ele frisou, é inocente, feliz e independente: o homem nasce livre. A SOCIEDADE CORROMPE O estado de natureza que Rousseau descreveu é um idílio pastoril, no qual as pessoas em seu estado natural são fundamentalmente boas. (Em diversas línguas, a ideia do homem natural de Rousseau foi erroneamente interpretada como o “bom selvagem”, devido à tradução do francês sauvage, que significa “natural”, não selvagem.) As pessoas seriam dotadas de virtudes inatas e, mais importante, com atributos de compaixão e empatia. Mas, uma vez que esse estado de inocência é destruído e o poder da razão começa a distinguir a humanidade do resto da natureza, as pessoas são apartadas de suas virtudes naturais. A imposição da sociedade civil sobre o estado de natureza, portanto, resulta em um afastamento da virtude em direção ao vício – e da felicidade idílica em relação à miséria. Rousseau via a queda do estado de natureza e o estabelecimento da sociedade civil como algo lamentável mas inevitável, porque isso resultou da faculdade racional humana. Segundo Rousseau, o processo começou na primeira vez em que um homem circundou um pedaço de terra para si, introduzindo a noção de propriedade. Conforme grupos de pessoas começaram a viver lado a lado dessa forma, formaram sociedades que só podiam se manter por meio de um sistema de leis. Mas Rousseau afirmou que toda sociedade perde contato com as virtudes naturais da humanidade, inclusive a compaixão, e impõe leis injustas, feita para proteger a propriedade e infligidas aos pobres pelos ricos. O deslocamento de um estado natural para um estado civilizado, portanto, ocasionaria um deslocamento não apenas da virtude para o vício, salientou Rousseau, mas também da inocência e da liberdade para a injustiça e a escravização. Embora naturalmente virtuosa, a humanidade é corrompida pela sociedade. E embora o homem nasça livre, as leis impostas pela sociedade condenam-no a uma vida “acorrentada”.
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O CONTRATO SOCIAL O segundo Discurso de Rousseau causou ainda mais polêmica do que o primeiro, mas proporcionou-lhe maior reputação e até seguidores. Seu retrato do estado de natureza como desejável e não brutal constituiu uma base vital do emergente movimento literário romântico A palavra de ordem de Rousseau (“de volta à natureza”) e sua análise pessimista sobre a sociedade moderna, cheia de desigualdades e injustiças, afinou-se com a crescente inquietação social da década de 1750, especialmente na França. Não contente em apenas apresentar o problema, Rousseau tratou de oferecer uma solução, no que parece ser sua obra mais influente, O contrato social. Rousseau abriu sua obra com uma declaração desafiadora – “O homem nasce livre e por toda parte está acorrentado” – considerada uma convocação para uma mudança radical e que foi adotada como slogan da Revolução Francesa, 27 anos depois. Lançado seu desafio, Rousseau então explicou sua concepção de sociedade civil alternativa, governada não por aristocratas, monarquia e igreja, mas por todos os cidadãos, que participariam da formulação das leis. Moldado nas clássicas ideias republicanas de democracia, Rousseau imaginou o corpo de cidadãos operando como uma unidade, prescrevendo leis de acordo com a volonté générale, ou vontade geral. As leis proviriam de todos e se aplicariam a todos – todos sendo considerados iguais. Em contraste ao contrato social imaginado por Locke, concebido para proteger os direitos e a propriedade dos indivíduos, Rousseau defendeu a cessão de poder legislativo ao povo como um todo, para o benefício de todos e administrado pela vontade geral. Ele acreditava que a liberdade de participar do processo legislativo levaria a uma eliminação da desigualdade e da injustiça e promoveria um sentimento de participação na sociedade – o que levaria ao trio liberte, égalité, fraternité (liberdade, igualdade, fraternidade), que tornou-se o mote da nova república francesa. OS MALES DA EDUCAÇÃO Em outra obra escrita no mesmo ano, intitulada Emílio, ou Da Educação, Rousseau expandiu seu tema, explicando que a educação era responsável por corromper o estado de natureza e perpetuar os males da sociedade moderna. Em outros livros e ensaios, ele se concentrou nos efeitos adversos tanto da religião quanto do ateísmo. No centro de todas as suas obras está a ideia de que a razão ameaça a inocência humana e, sucessivamente, a liberdade e a felicidade. Em vez da educação do intelecto, ele propõe uma educação dos sentidos e sugere que a fé religiosa seja guiada pelo coração, não pela cabeça. INFLUÊNCIA POLÍTICA A maioria dos textos de Rousseau foi imediatamente proibida na França, proporcionando-lhe mais notoriedade e um número maior de seguidores. Por volta da época de sua morte, em 1778, a revolução na França e em outros lugares era iminente. Sua ideia de um contrato social no
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qual a vontade geral do corpo de cidadãos controlaria o processo legislativo ofereceu aos revolucionários uma alternativa viável ao sistema corrupto reinante. Mas a filosofia de Rousseau estava em desacordo com o pensamento corrente, e sua insistência de que um estado de natureza era superior à civilização levou-o a indisporse com colegas reformistas, como Voltaire e Hume. A influência política de Rousseau foi sentida mais fortemente durante o período de revolução logo depois da sua morte, mas sua influência na filosofia (e na filosofia política em particular) teve maior alcance no século XIX. Georg Hegel integrou as ideias de contrato social de Rousseau a seu próprio sistema filosófico. Mais tarde, e de maneira mais notável, Karl Marx ficou impressionado com algumas das obras de Rousseau sobre desigualdade e injustiça. Diferentemente de Robespierre – um dos líderes da Revolução Francesa, que ajustara a filosofia de Rousseau a seus próprios fins durante o Terror –, Marx compreendeu-a com precisão, desenvolvendo a análise de Rousseau sobre a sociedade capitalista e os meios de de substitui-la. O Manifesto comunista de Marx termina com um aceno a Rousseau, ao conclamar os proletários que “não têm nada a perder, exceto seus grilhões”. (VARIOS. O Livro da Filosofia.São Paulo: Editora Globo, 2011. pp. 156159)
ROUSSEAU E O CONTRATO SOCIAL Jean Jacques Rousseau foi um importante intelectual do século XVIII para se pensar na constituição de um Estado como organizador da sociedade civil assim como se conhece hoje. Para Rousseau, o homem nasceria bom, mas a sociedade o corromperia. Da mesma forma, o homem nasceria livre, mas por toda parte se encontraria acorrentado por fatores como sua própria vaidade, fruto da corrupção do coração. O indivíduo se tornaria escravo de suas necessidades e daqueles que o rodeiam, o que em certo sentido refere-se a uma preocupação constante com o mundo das aparências, do orgulho, da busca por reconhecimento e status. Mesmo assim, acreditava que seria possível se pensar numa sociedade ideal, tendo assim sua ideologia refletida na concepção da Revolução Francesa ao final do século XVIII. A questão que se colocava era a seguinte: como preservar a liberdade natural do homem e ao mesmo tempo garantir a segurança e o bem-estar da vida em sociedade? Segundo Rousseau, isso seria possível através de um contrato social, por meio do qual prevaleceria a soberania da sociedade, a soberania política da vontade coletiva. Rousseau percebeu que a busca pelo bem-estar seria o único móvel das ações humanas e, da mesma, em determinados momentos o interesse comum poderia fazer o indivíduo contar com a assistência de seus semelhantes. Por outro lado, em outros momentos, a concorrência faria com que todos desconfiassem de todos. Dessa forma, nesse contrato social seria preciso definir a questão da igualdade entre todos, do comprometimento entre todos. Se por um lado a vontade individual diria respeito à vontade particular, a vontade do cidadão (daquele que
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vive em sociedade e tem consciência disso) deveria ser coletiva, deveria haver um interesse no bem comum. Este pensador acreditava que seria preciso instituir a justiça e a paz para submeter igualmente o poderoso e o fraco, buscando a concórdia eterna entre as pessoas que viviam em sociedade. Um ponto fundamental em sua obra está na afirmação de que a propriedade privada seria a origem da desigualdade entre os homens, sendo que alguns teriam usurpado outros. A origem da propriedade privada estaria ligada à formação da sociedade civil. O homem começa a ter uma preocupação com a aparência. Na vida em sociedade, ser e parecer tornam-se duas coisas distintas. Por isso, para Rousseau, o caos teria vindo pela desigualdade, pela destruição da piedade natural e da justiça, tornando os homens maus, o que colocaria a sociedade em estado de guerra. Na formação da sociedade civil, toda a piedade cai por terra, sendo que “desde o momento em que um homem teve necessidade do auxílio do outro, desde que se percebeu que seria útil a um só indivíduo contar com provisões para dois, desapareceu a igualdade, a propriedade se introduziu, o trabalho se tornou necessário” (WEFFORT, 2001, p. 207). Daí a importância do contrato social, pois os homens, depois de terem perdido sua liberdade natural (quando o coração ainda não havia corrompido, existindo uma piedade natural), necessitariam ganhar em troca a liberdade civil, sendo tal contrato um mecanismo para isso. O povo seria ao mesmo tempo parte ativa e passiva deste contrato, isto é, agente do processo de elaboração das leis e de cumprimento destas, compreendendo que obedecer a lei que se escreve para si mesmo seria um ato de liberdade. Dessa maneira, tratar-se-ia de um pacto legítimo pautado na alienação total da vontade particular como condição de igualdade entre todos. Logo, a soberania do povo seria condição para sua libertação. Assim, soberano seria o povo e não o rei (este apenas funcionário do povo), fato que colocaria Rousseau numa posição contrária ao Poder Absolutista vigente na Europa de seu tempo. Ele fala da validade do papel do Estado, mas passa a apontar também possíveis riscos da sua instituição. O pensador avaliava que da mesma forma como um indivíduo poderia tentar fazer prevalecer sua vontade sobre a vontade coletiva, assim também o Estado poderia subjugar a vontade geral. Dessa forma, se o Estado tinha sua importância, ele não seria soberano por si só, mas suas ações deveriam ser dadas em nome da soberania do povo, fato que sugere uma valorização da democracia no pensamento de Rousseau. (http://www.brasilescola.com/sociologia/rousseau-contrato-social.htm)
A VONTADE GERAL COMO ÚNICO FUNDAMENTO LEGÍTIMO Em sua obra Discurso sobre a origem da desigualdade entre os homens, o filósofo de origem suíça Jean-Jacques Rousseau glorifica os valores da vida natural e ataca a corrupção, a avareza e os vícios da sociedade civilizada. Exalta a liberdade que o homem selvagem teria desfrutado
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na pureza do seu estado natural, contrapon-do-o à falsidade e ao artificialismo da vida civilizada. Na sua célebre obra Do contrato social, procurou investigar qual a condição necessária para que o poder político seja legítimo, isto é, se existe uma justificativa válida para que os homens, originalmente livres, submetam sua liberdade ao poder político do Estado. O homem nasceu livre e, não obstante, está acorrentado em toda parte. Julga-se senhor dos demais seres sem deixar de der tão escravo como eles. Como se tem realizado esta mutação? Ignoro-o. Que pode legitimá-la? Creio poder responder a esta questão. ROUSSEAU, Jean Jacques. Do contrato social, p. 37.
Rousseau defende a tese de que o único fundamento legítimo do poder político é o pacto social pelo qual cada cidadão, como membro de um povo, concorda em submeter sua vontade particular à vontade geral. Isso significa que, cada homem, como cidadão, somente deve obediência ao poder político se esse poder representar a vontade geral do povo ao qual pertence. O compromisso de cada cidadão é para com o seu povo. E somente o povo é a fonte legítima da soberania do Estado. Essencialmente Rousseau define o pacto social nos seguintes termos: “Cada um de nós põe sua pessoa e poder sob uma suprema direção da vontade geral, e recebe ainda cada membro como parte indivisível do todo”. Assim, cada cidadão passa a assumir obrigações em relação à comunidade política, sem estar submetido à vontade particular de uma única pessoa. Unindo-se a todos, cada cidadão só deve obedecer às leis – que, por sua vez, devem exprimir a vontade geral. Desse modo, respeitar as leis é o mesmo que obedecer à vontade geral e, ao mesmo tempo, é respeitar a si mesmo, sua própria vontade como cidadão, cujo interesse deve ser o bem comum.
ricos e pobres surge a necessidade de criação de um Estado como produto de um contrato social. • Em contraste ao contrato social imaginado por Locke, concebido para proteger os direitos e a propriedade dos indivíduos, Rousseau defendeu a cessão de poder legislativo ao povo como um todo, para o benefício de todos e administrado pela vontade geral. • Rousseau defende a tese de que o único fundamento legítimo do poder político é o pacto social pelo qual cada cidadão, como membro de um povo, concorda em submeter sua vontade particular à vontade geral. Desse modo, respeitar as leis é o mesmo que obedecer à vontade geral e, ao mesmo tempo, é respeitar a si mesmo, sua própria vontade como cidadão, cujo interesse deve ser o bem comum.
UNIDADE 20 DAVID HUME Hume interroga o que é o “EU”, o “espírito”. E questiona como esse “eu” pode ser considerado substância (aquilo que é estável, imutável, sempre idêntico a si mesmo), se o que se percebe desse “eu” são apenas impressões e ideias em constante variação. Portanto, “espírito”, “mente”, “eu”, como substância, não existem. Segundo Abrão (2004) é com a destruição dessa última hipótese de substância, que Hume chega ao extremo do programa empirista.
(COTRIM, Gilberto. Fundamentos da Filosofia. São Paulo: Editora Saraiva, 2002. pp. 305-306)
FIQUE LIGADO NO ENEM! • • Para Rousseau, o homem nasceria bom, mas a sociedade o corromperia. Da mesma forma, o homem nasceria livre, mas por toda parte se encontraria acorrentado por fatores como sua própria vaidade, fruto da corrupção do coração. O indivíduo se tornaria escravo de suas necessidades e daqueles que o rodeiam. • Os seres humanos, no seu estado natural, são seres solitários, que se movem, apenas, por seu instinto de conservação e que têm como características o amor de si, a compaixão, a liberdade e a perfectibilidade. Esse estado originário é destruído quando o poder da razão começa a distinguir a humanidade do resto da natureza. • O aparecimento da propriedade privada torna-se um marco da sociedade civilizada quando o homem além de se transformar em senhor da natureza também se coloca como senhor de outros homens. Com a negação da natureza humana e a instabilidade social por causa da divisão hierárquica entre
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Davis Hume (1711-1776)
Figueiredo (2002) declara que Hume (1711-1776) e Berkeley (1685-1753) dedicaram-se a destroçar a amena superfície das representações do senso comum, revelando por detrás delas os segredos da experiência privada. As representações do mundo, com a sua aparente estabilidade e objetividade, são apenas os produtos de experiências subjetivas e hábitos bem estabelecidos. Eles por assim dizer, desvendam a ‘fábrica psicológica do mundo’: “associações arbitrárias, mas regulares entre ideias sensoriais, ou impressões, geram o mundo supostamente objetivo e autônomo, ou melhor, nossa experiência e conhecimento dele.” (Figueiredo, 2002, pág. 110). Hume criou seu sistema filosófico com base no princípio de que toda a compreensão humana tem origem na experiência. Para dessecar a experiência humana, ele primeiro tentou descobrir os elementos básicos da mente,
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análogos aos átomos, na física. Concluiu então que esses elementos básicos eram dois: impressões e ideias. As impressões são as sensações básicas, os dados não processados da experiência. As “ideias” são cópias vagas das impressões. Portanto as ideias derivam das impressões que se vivencia. E não há ideias inatas. Abrão (2004) destaca que para Hume, embora não exista o eu no sentido metafísico, há, no entanto, a natureza humana. Essa “natureza humana”, que não é substância, refere-se às maneiras pelas quais as ideias são natural e espontaneamente associadas pela mente. O que importa, nessa medida, é investigar tais modos de associação de ideias. Hume pergunta sobre “qual a natureza” de todos os raciocínios humanos sobre os fatos. E qual o fundamento de todas as conclusões derivadas da experiência. Hume conclui que todos os fatos são exteriores entre si. Neles, não há nada de interior e intrínseco que os relacione necessariamente uns aos outros. A relação de causalidade é uma crença baseada no hábito. Hume indica que os homens associam ideias e acreditam nessa associação por força do hábito ou costume. E este não é a repetição de experiências semelhantes por parte de um único indivíduo, mas de muitos. Há um aspecto coletivo do costume. Por isso, mesmo quando se tem um prazer individual, mas que os outros reprovam porque contraria o costume, o sujeito passa a duvidar desse prazer íntimo e exclusivo. Para Hume, a questão do poder político desloca-se rapidamente. O governo deve saber manter o costume, que é a base da crença de que os valores da justiça e da virtude de uma sociedade se associe ao prazer de seus membros. O problema do governo, para Hume, não é de legitimidade e de representatividade, mas de credibilidade. Os preceitos da conduta humana não se deduzem de um suposto Bem em si, mas se referem apenas às paixões humanas, sempre variáveis, que buscam o prazer e rejeitam o desprazer. Mas isso não significa que os valores morais sejam inteiramente relativos; os valores podem variar de pessoa para pessoa, de sociedade, de época, mas algo permanece sem grandes alterações: exatamente a natureza humana. (Abrão, 2004) O ASSOCIACIONISMO DE HUME A tradição britânica é fortemente empirista, baseando-se na ideia de que o conhecimento é construído a partir das experiências vividas. E esse conhecimento é tecido pelas associações de ideias (associacionismo). O empirismo britânico tem suas raízes no pensamento científico indutivo de Francis Bacon e nas teorias sociais de Thomas Hobbes, contemporâneo de Bacon e Descartes. O associacionismo é um dos princípios fundamentais do empirismo britânico, que tem como principais representantes Locke (1632-1704) e Hume (1711-1776). De acordo com eles o associacionismo de ideias é o mecanismo fundador dos compostos psíquicos, que consistem unicamente na ligação de elementos simples. (Araújo, 2005) John Locke e George Berkeley, embora tenham abordado a questão da associação de ideias, nenhum examinou atentamente o fenômeno – de como as
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experiências sensoriais simples se aliam para criar formas complexas de conhecimento. Para Hume não há, na mente humana, nada que não tenha se originado da percepção. Esta se subdivide em duas espécies. As mais vivas são impressões, que aparecem na mente “quando ouvimos, vemos, sentimos, amamos, odiamos, desejamos ou queremos”. As mais fracas são ideias (ou pensamentos), que são cópias de impressões e, por isso, menos vivas. As ideias abstratas, como as de substância são as mais pálidas cópias de impressões, confundem-se com outras ideias e, frequentemente, as palavras que as designam não significam nada. Elas não podem servir de ponto de partida para o conhecimento e a certeza. (Abrão, 2004) Para Hume o conhecimento só pode ser resultado da associação de ideias e essa associação não se faz a esmo. Até mesmo no maior dos devaneios uma ideia se liga a outra obedecendo a alguns princípios. Como objetos da razão as associações de ideias classificam-se em relações de ideias e relações de fato. As primeiras correspondem às ciências matemáticas, cujas ideias, imediatamente perceptíveis, são claras e distintas. Suas proposições são demonstráveis pela simples operação de pensamento e não dependem de algo existente em alguma parte do universo. As relações de fato correspondem a todas as associações por causalidade. Nesse caso o que conta não é o encadeamento lógico de ideias, mas a experiência. Causa e efeito são eventos distintos e não há nenhum termo intermediário que os una em uma relação necessária. Para Hume a certeza só pode ser uma crença, pois está apoiada no hábito, na repetição de experiências semelhantes. Segundo Abrão (2004) o ceticismo torna-se inevitável. O conhecimento científico que sempre pretendeu guiar-se pela razão pela evidência da intuição e da demonstração para estabelecer relações de causa e efeito, tem bases nãoracionais, como a crença e o hábito. Mas mesmo assim, para Hume, a certeza persiste, mesmo que agora se saiba que ela não tem bases racionais. Figueiredo (2002) comenta que a investigação de Hume põe em questão o status do conhecimento, mas não a objetividade do mundo. Em compensação ele investe contra a própria identidade individual do sujeito, que é então reduzida a condição de um fenômeno imaginário, fruto da regularidade das impressões e do costume. “Em Hume, portanto, a exploração dos processos privados do sujeito destrói a crença na sua representação pública, a identidade do indivíduo e a sua presumível invisibilidade.” (Figueiredo, 2002, pág. 110). (https://psicologado.com/psicologia-geral/historia-da-psicologia/davidhume)
O MÉTODO DE HUME Hume quis ser o Newton da psicologia. O subtítulo de seu Tratado da Natureza Humana é, nesse sentido, bastante esclarecedor: "Uma tentativa de introdução do método de raciocínio experimental nas ciências morais”. A análise psicológica do entendimento operada por Hume parece, à primeira vista, muito próxima da de Locke. Ele parte do princípio de que todas as nossas "ideias" são
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cópias das nossas "impressões", isto é, dos dados empíricos: impressões de sensação, mas, também, impressões de reflexão (emoções e paixões). Não é este o ponto de vista tradicional do empirismo que vê na experiência a fonte de todo saber? Na realidade, o método de Hume pode ser apresentado de maneira mais moderna. Sua filosofia coloca, sob o nome de "impressões", aquilo que Bergson mais tarde denominará os dados imediatos da consciência e que os fenomenologistas denominarão a intuição originária ou o vivido. Ao falar de fenomenologia contemporânea, Gaston Berger escrevia: "É preciso ir dos conceitos vazios, pelos quais uma ideia é apenas visada, à intuição direta e concreta da ideia, exatamente como Hume nos ensina a retornar das ideias para as impressões". Para Hume, ir da ideia à impressão consiste em apenas perguntar qual é o conteúdo da consciência que se oculta sob as palavras . Fala-se de substância, de princípios, de causas e efeitos etc. Que existe verdadeiramente no pensamento quando se discorre sobre isso? As quais impressões vividas correspondem todas essas palavras? Aquilo que Hume chama de impressão e que ele caracteriza pelos termos "vividness", "liveliness" é o pensamento atual, vivo, que se precisa redescobrir sob as palavras (no empirismo de Hume, diz Laporte, há que ver "antes o ódio ao verbalismo do que o preconceito do sensualismo"). A ANÁLISE DA IDEIA DE CAUSA Aos olhos de Hume, a noção de causalidade é muito enigmática porque, em nome desse princípio de causalidade, a todo momento afirmamos mais do que vemos, não cessamos de ultrapassar a experiência imediata. Por exemplo, em nome do princípio de causalidade (as mesmas causas produzem os mesmos efeitos ou o aquecimento da água é causa da ebulição), afirmo que a água que acabo de pôr no fogo vai ferver; prevejo a ebulição dessa água, portanto, tiro "de um objeto uma conclusão que o ultrapassa". Todo raciocínio experimental, pelo qual do presente se conclui o futuro (a água vai ferver, a barra de metal vai se dilatar, amanhã fará dia etc.), repousa nesse princípio de causalidade. De onde me vem esse princípio? A qual impressão corresponde essa ideia? A "investigação" filosófica vai se apresentar aqui como uma pesquisa em todas as direções: "Nós devemos proceder como essas pessoas que, ao procurarem um objeto que lhes está oculto e quando não o encontram no lugar que esperavam, vasculham todos os lugares vizinhos sem visão nem propósitos determinados, na esperança de que sua boa sorte irá orientá-las no sentido do objeto de suas buscas". Vejamos para onde nos conduzirá essa busca filosófica. Hume não encontrará, em nenhum setor da experiência, uma impressão concreta de causalidade que torne legítima essa ideia de causa que pretendemos ter: a) Consideremos, de início, a experiência externa: vejo que o movimento de uma bola de bilhar é seguido do movimento de outra bola com que a primeira se chocou, assim como vejo que o aquecimento é seguido da ebulição: vejo, então, que o fenômeno A é seguido do
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fenômeno B . Mas o que não vejo é o porquê dessa sucessão. É certo que posso repetir a experiência e que, cada vez em que a repito, o fenômeno B se segue ao fenômeno A . Mas isto não esclarece nada. A repetição constante de um enigma não é o mesmo que sua solução. Vejo bem que, entre os fenômenos A e B , há uma conjunção constante, mas não vejo conexão necessária. Constato que A se mostra e que, depois, B aparece. Mas não constato que B aparece porque A se mostra. A experiência externa apenas me fornece o e depois, não me dá a origem do porquê. b) Examinemos agora essa experiência, simultaneamente interna e externa, que faço a todo momento em que sinto o poder da minha consciência sobre meu corpo. Não terei aqui a chave do princípio de causalidade. Se quero levantar o braço, levanto-o. Não é evidente que minha vontade é a causa do movimento de meu corpo? Mas, se refletirmos bem, essa experiência não é menos clara do que a precedente. Constato duas coisas: inicialmente, que quero levantar o braço, em seguida, que ele se levanta. Não sei absolutamente por meio de que engrenagem neuromuscular complexa se opera o movimento de meu braço. Um paralítico, como eu, quer levantar o braço e, para surpresa sua, constata que nenhum movimento se segue ao seu desejo. E eu, cuja língua ou cujos dedos se movem segundo minha vontade, não tenho o menor poder sobre meu coração ou sobre meu fígado. Lembramo-nos como a sucessão de meu querer e de meus movimentos espantava Malebranche a tal ponto que ele via em minha vontade apenas uma ocasião a partir da qual Deus produzia o movimento de meu corpo. Aos olhos de Hume, filósofo do século XVIII, essa hipótese é extravagante, mas ele retém a análise psicológica do grande filósofo francês. Ainda aqui, constato com surpresa que quero efetuar certos movimentos e depois que esses movimentos se realizam. Mas não constato o porquê, não tenho experiência de uma conexão necessária. Permanece enigmática a ação da alma sobre o corpo: "Se tivéssemos o poder de afastar as montanhas ou controlar os planetas, esse poder não seria mais extraordinário". c) Que dizer enfim da experiência puramente interior da sucessão de minhas próprias ideias? Devo admitir que minha reflexão atenta é causa das ideias que me ocorrem? Mas, de saída, segundo os casos ou os momentos, as ideias ocorrem ou não. Pela manhã, elas ocorrem melhor do que à tarde (em alguns) e melhor antes da refeição do que após. Ainda aqui constato a existência de uma sucessão entre meu esforço de atenção e minhas ideias, mas não vejo conexão necessária entre os dois fatos. Por conseguinte, a conclusão se impõe. Não existe nenhuma impressão autêntica da causalidade. O que acontece é que eu acredito na causalidade e Hume explica essa crença, partindo do hábito e da associação das ideias. Por que será que espero ver a água ferver quando a aqueço? É porque, responde Hume, aquecimento e ebulição sempre estiveram associados em minha experiência e essa associação determinou um hábito em mim. Coloco a água no fogo e afirmo, em virtude de poderoso hábito: vai ferver. Se estabeleço "uma conclusão
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que projeta no futuro os casos passados de que tive experiência", é porque a imaginação, irresistivelmente arrastada pelo peso do costume, resvala de um evento dado àquele que comumente o acompanha. Aparento antecipar a experiência quando, na verdade, cedo a uma tendência criada pelo hábito. Por conseguinte, a necessidade causal não existe realmente nas coisas. "A necessidade é algo que existe no espírito, não nos objetos." O CETICISMO DE HUME O empirismo de Hume surge então como um ceticismo; explicar psicologicamente a crença no princípio de causalidade é recusar todo valor a esse princípio. De fato, não existe, na ideia de causalidade, senão o peso do meu hábito e da minha expectativa. Espero invencivelmente a ebulição da água que coloquei no fogo. Mas essa expectativa não tem fundamento racional. Em suma, poderia ocorrer - sem contradição - que essa água aquecida se transformasse em gelo! "Qualquer coisa, diz Hume, pode produzir qualquer coisa." No domínio das proposições lógicas, A não pode ser não - A. Mas nas "matters of fact", tudo pode acontecer. Aquele rei de Sião, que condenara à morte o embaixador norueguês em sua corte (porque este último zombara dele ao afirmar que em seu país, no inverno, os rios se tornavam tão duros que se podia fazer deslizar trenós sobre os mesmos!!), errara muito ao negar um fato contrário à sua experiência. O princípio de causalidade, inteiramente explicado por uma ilusão psicológica, não tem o menor valor de verdade. Pascal, que já esboçara essa análise psicológica da indução, dizia em fórmula surpreendente: "Quem reduz o costume a seu princípio, anula-o". O ceticismo de Hume, portanto, surge-nos, dirá Hegel mais tarde, como um ceticismo absoluto. Para Hegel, ao ceticismo antigo, que duvida sobretudo dos sentidos para preparar a conversão do espírito ao mundo das verdades eternas, opõe-se um ceticismo moderno - de que Hume seria o corifeu - que nega apenas as afirmações da metafísica e fundamenta, solidamente, as verdades da ciência experimental. Na realidade, o ceticismo de Hume, ao abolir o princípio de causalidade, lança a suspeita em toda ciência experimental. Em todos os princípios do conhecimento ele descobre as ilusões da imaginação e do hábito. Até a unidade do eu - que se nos apresenta ingenuamente como uma evidência - é ilusória para ele. Segundo Hume, é também a imaginação que identifica o eu com o que ele possui ou, como dizemos, o ser e o ter. Em última instância, eu tenho reputação e mesmo lembranças, ideias e sonhos do mesmo modo que tenho esta roupa ou esta casa. É simplesmente a imaginação, hábil em mascarar a descontinuidade de todas as coisas, que facilmente desliza de um estado psíquico a outro e constrói o mito da personalidade, coleção de haveres heteróclitos que é dado como um ser. Pois, ou eu sou meus "estados" e minhas "qualidades" e não sou eu mesmo, ou então sou eu mesmo e nada mais. Só que Hume é o primeiro a reconhecer que seu ceticismo, por mais absoluto que seja, é artificial. Hume,
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como todo mundo, quando coloca a água no fogo, está persuadido de que ela vai ferver. Quando reflete como filósofo, em seu gabinete, ele é cético. Quando mergulha na vida corrente, suas "conclusões filosóficas parecem desvanecer-se como os fantasmas da noite ao nascer do dia". Se, diz ele curiosamente, "após três ou quatro horas de diversão, eu quisesse retornar às minhas especulações, estas me pareceriam tão frias, tão forçadas e ridículas que não poderia encontrar coragem e retomá-las por pouco que fosse". A crença no princípio de causalidade, absurda no plano da reflexão, é natural, instintiva. A teoria de Hume, por conseguinte, é simultaneamente um dogmatismo instintivo e um ceticismo reflexivo. Ceticismo e dogmatismo não se apresentam nele segundo os domínios do saber, mas segundo os níveis do pensamento. Ninguém mais do que ele separou filosofia e vida. Ele filosofa ceticamente segundo uma reflexão rigorosa e dissolvente. Podemos então qualificar, de certo modo, como "humorístico" o ceticismo desse filósofo inglês que, por outro lado, ousou dizer que convinha a um cavalheiro pensar como os whigs... e votar como os tories. http://www.mundodosfilosofos.com.br/hume.htm
FIQUE LIGADO NO ENEM! • Para Hume não há, na mente humana, nada que não tenha se originado da percepção. Esta se subdivide em duas espécies. As mais vivas são impressões e as mais fracas são ideias (ou pensamentos), que são cópias de impressões e, por isso, menos vivas. • As ideias abstratas são as mais pálidas cópias de impressões, confundem-se com outras ideias e, frequentemente, as palavras que as designam não significam nada. Elas não podem servir de ponto de partida para o conhecimento e a certeza. • “Hume nos ensina a retornar das ideias para as impressões". Para Hume, ir da ideia à impressão consiste em apenas perguntar qual é o conteúdo da consciência que se oculta sob as palavras. • O ceticismo de Hume, ao abolir o princípio de causalidade, lança a suspeita em toda ciência experimental. Em todos os princípios do conhecimento ele descobre as ilusões da imaginação e do hábito. • Segundo Hume a relação de causalidade é uma crença baseada no hábito. Os homens associam ideias e acreditam nessa associação por força do hábito ou costume.
UNIDADE 21 ADAM SMITH O escritor escocês Adam Smith é, com frequência, considerado o mais importante economista que o mundo já conheceu. Os conceitos de barganha e interesse próprio que ele explorou e a possibilidade de diferentes tipos de acordos e interesses – como o “interesse comum” – têm
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apelo recorrente para os filósofos. Seus textos também são importantes porque dão uma forma mais geral e abstrata à ideia de sociedade “comercial”, desenvolvida por seu amigo David Hume.
Adam Smith (1723-1790)
Como seu contemporâneo suíço Jean-Jacques Rousseau. Smith admitia que os motivos dos seres humanos são em parte benevolentes e em parte por interesse próprio, mas que este último é o traço mais forte, configurando-se então uma baliza melhor para o comportamento humano. Ele acreditava que isso se confirma pela observação social, e, de modo geral, sua abordagem não deixa de ser empírica. Num de seus famosos debates sobre a psicologia da barganha, ele sustentou que o movimento inicial mais comum na barganha é um lado instigar o outro: “a melhor maneira de conseguir o que você quer é me dar o que eu quero”. Em outras palavras, “dirigimo-nos não à humanidade [do outro], mas ao seu amor-próprio”. Smith afirmava que a troca de objetos úteis é uma característica distintamente humana. Ele notou que cães nunca são observados trocando ossos, e que, se um animal deseja obter algo, a única maneira pela qual pode conseguir isso é “conquistando o favor daqueles cujos préstimos ele necessita”. Os humanos podem também depender desse tipo de “adulação ou atenção servil”, mas não podem recorrer a isso quando precisam de ajuda porque a vida exige “cooperação e assistência de um grande número de pessoas”. Por exemplo, para alguém permanecer confortável numa pousada por uma noite, mobilizam-se muitas pessoas para cozinhar e servir a comida, arrumar o quarto, e assim por diante. Pessoas cujos serviços não dependem somente de boa vontade. Por essa razão, “o homem é um animal que realiza barganhas”, e a barganha é realizada ao se propor um trato que atenda ao interesse próprio de ambas as partes. A DIVISÃO DO TRABALHO Em sua explanação sobre o surgimento das economias de mercado, Smith argumentou que nossa capacidade de fazer barganhas colocou fim à antiga exigência universal de que toda pessoa, ou pelo menos toda família, fosse economicamente autosuficiente. A barganha tornou possível que nós nos concentrássemos em produzir cada vez menos bens, até finalmente produzir um único bem, ou oferecer um único serviço, trocando-o pelo que quer que precisássemos. O processo foi modificado radicalmente pela invenção do dinheiro, que aboliu a
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necessidade da permuta. A partir de então, na visão de Smith, somente os incapazes de trabalhar tinham de depender da caridade. Todo o resto poderia ir ao mercado trocar seu trabalho (ou o dinheiro ganho por meio do trabalho) por produtos do trabalho de outras pessoas. A eliminação da necessidade de autossuficiência produtiva levou ao surgimento de pessoas com um conjunto particular de habilidades (tais como o padeiro ou o carpinteiro), e depois ao que Smith chamou de “divisão do trabalho” entre as pessoas. Esse é o termo de Smith para a especialização, por meio da qual um indivíduo não apenas busca um tipo único de trabalho, mas realiza uma tarefa particular em um trabalho que é compartilhado por várias pessoas. Smith ilustrou a importância da especialização no inicio da obra-prima A riqueza das nações, mostrando como a produção de um simples alfinete de metal é radicalmente transformada com a adoção do sistema fabril. Um homem trabalhando sozinho encontraria dificuldade para produzir vinte alfinetes perfeitos em um dia. Já um grupo de dez homens, encarregados de diferentes tarefas (esticar o arame, endireitá-lo, cortá-lo, afiá-lo para uni-lo a uma cabeça), era capaz, na época de Smith de produzir mais de 48 mil alfinetes por dia. Smith estava impressionado com os grandes saltos na produtividade do trabalho durante a Revolução Industrial, devido a trabalhadores dotados de equipamento muito melhor e, muitas vezes, a máquinas substituindo homens. O trabalhador não especializado não podia sobreviver em tal sistema, e até os filósofos começaram a se especializar nos vários ramos de sua área, como lógica, ética, epistemologia e metafísica. O MERCADO LIVRE Com a divisão de trabalho aumenta a produtividade e torna possível que todos se candidatem a algum tipo de tarefa. Smith argumentou que ela pode levar à riqueza universal numa sociedade bem ordenada. De fato, ele dizia que, em condições de perfeita liberdade, o mercado pode levar a um estado de perfeita igualdade – em que todo mundo é livre para buscar seus próprios interesses, desde que estejam de acordo com as leis da justiça. Por igualdade Smith não se referia à equidade de oportunidade, mas à igualdade de condição. Em outras palavras, seu objetivo era a criação de uma sociedade não dividida pela competição, mas unida pela barganha baseada no mútuo interesse próprio. A questão de Smith, portanto, não é que as pessoas devam ter liberdade só porque a merecem. Seu argumento é que a sociedade como um todo se beneficia quando os indivíduos perseguem seus próprios interesses. A “mão invisível” do mercado, com suas leis de oferta e demanda, regularia a quantidade de bens disponíveis e os avaliaria de maneira muito mais eficiente do que qualquer governo. Em tal sociedade, um governo pode limitar-se a desempenhar apenas funções essenciais – tais como garantir a defesa, a justiça criminal e a educação –, e consequentemente as taxas e os impostos podem ser reduzidos. Assim como a barganha floresce dentro de limites racionais, pode florescer também além deles,
Filosofia
levando ao comércio internacional – fenômeno que se espalhava por todo o mundo na época de Smith. Smith reconheceu que havia problemas com a noção de um mercado livre, em particular com o problema da remuneração por serviços, cada vez mais comum. Também admitiu que, embora a divisão de trabalho trouxesse enormes benefícios econômicos, o trabalho repetitivo não apenas é entediante para o trabalhador como pode destruir um ser humano – e, por essa razão, propôs que os governos deveriam restringir a extensão do uso da linha de produção. Contudo quando da primeira publicação de A riqueza das nações, sua doutrina de comércio livre e desregulamentado foi vista como revolucionária, não apenas pelo ataque aos privilégios comerciais e agrícolas a aos monopólios existentes, mas também por causa do argumento de que a riqueza de uma nação não depende de reservas em ouro, mas de seu trabalho – uma visão que contrariava todo o pensamento econômico da Europa da época. A reputação “revolucionária” de Smith foi favorecida durante o longo debate sobre a natureza da sociedade que ocorreu após a Revolução Francesa de 1789, inspirando o historiador vitoriano H. T. Burke a descrever A riqueza das nações como “provavelmente o mais importante livro já escrito”.
IMMANUEL KANT A CIÊNCIA E A METAFÍSICA O método de Immanuel Kant é a "crítica", isto é, a análise reflexiva. Consiste em remontar do conhecimento às condições que o tornam eventualmente legítimo. Em nenhum momento Kant duvida da verdade da física de Newton, assim como do valor das regras morais que sua mãe e seus mestres lhe haviam ensinado. Não estão, todos os bons espíritos, de acordo quanto à verdade das leis de Newton? Do mesmo modo todos concordam que é preciso ser justo, que a coragem vale mais do que do que a covardia, que não se deve mentir, etc... As verdades da ciência newtoniana, assim como as verdades morais, são necessárias (não podem não ser) e universais (valem para todos os homens e em todos os tempos). Mas, sobre que se fundam tais verdades? Em que condições são elas racionalmente justificadas? Em compensação, as verdades da metafísica são objeto de incessantes discussões. Os maiores pensadores estão em desacordo quanto às proposições da metafísica. Por que esse fracasso?
O LEGADO DE SMITH Os críticos argumentaram que Smith estava errado ao supor que o “interesse geral” e o “interesse do consumidor” são o mesmo e que o mercado livre é benéfico para todos. A verdade é que, embora fosse solidário com as vítimas da pobreza, Smith nunca teve êxito completo em contrabalançar os interesses dos produtores e dos consumidores dentro de seu modelo social, ou em incorporar nele o trabalho doméstico (desempenhado principalmente por mulheres), que ajudava a manter a sociedade funcionando de maneira eficaz. Por essas razões, e com a ascensão do socialismo no século XIX, a reputação de Smith declinou, mas o interesse renovado na economia de livre mercado no final do século XX viu um renascimento de suas ideias. De fato, apenas hoje em dia podemos apreciar completamente sua alegação mais visionária – a de que um mercado é mais do que um lugar. O mercado é um conceito e, como tal, pode existir em qualquer lugar – e não apenas físico, como a praça de uma cidade. Isso prenunciava o tipo de mercado “virtual” que só se tornou possível com o advento da tecnologia das telecomunicações. Os mercados financeiros atuais e o comércio on-line atestam a grande visão de Smith. (VARIOS. O Livro da Filosofia. São Paulo: Editora Globo, 2011. pp. 160-163)
UNIDADE 22
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Immanuel Kant (1724-1804)
Os juízos rigorosamente verdadeiros, isto é, necessários e universais, são a priori, isto é independentes dos azares da experiência, sempre particular e contigente. À primeira vista, parece evidente que esses juízos a priori são juízos analíticos. Juízo analítico é aquele cujo predicado está contido no sujeito. Um triângulo é uma figura de três ângulos: basta-me analisar a própria definição desse termo para dizê-lo. Em compensação, os juízos sintéticos, aqueles cujo atributo enriquece o sujeito (por exemplo: esta régua é verde), são naturalmente a posteriori; só sei que a régua é verde porque a vi. Eis um conhecimento sintético a posteirori que nada tem de necessário (pois sei que a régua poderia não ser verde) nem de universal (pois todas as réguas não são verdes). Entretanto, também existem (este enigma é o ponto de partida de Kant) juízos que são, ao mesmo tempo, sintéticos e a priori! Por exemplo:a soma dos ângulos de um triângulo equivale a dois retos. Eis um juízo sintético (o valor dessa soma de ângulos acrescenta algo à idéia de triângulo) que, no entanto, é a priori. De fato eu não tenho necessidade de uma constatação experimental para conhecer essa propriedade. Tomo conhecimento dela sem ter necessidade de medir os ângulos com um transferidor. Faço-o por intermédio de uma demonstração rigorosa. Também em física, eu digo que o aquecimento da água é a causa necessária de sua ebulição (se não houvesse aí senão
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uma constatação empírica, como acreditou Hume, toda ciência, enquanto verdade necessária e universal, estaria anulada). Como se explica que tais juízos sintéticos e a priori sejam possíveis? Eu demonstro o valor da soma dos ângulos do triângulo fazendo uma construção no espaço. Mas por que a demonstração se opera tão bem em minha folha de papel quanto no quadro negro... ou quanto no solo em que Sócrates traçava figuras geométricas para um escravo? É porque o espaço, assim como o tempo, é um quadro que faz parte da própria estrutura de meu espírito. O espaço e o tempo são quadros a priori, necessários e universais de minha percepção (o que Kant mostra na primeira parte da Crítica da Razão Pura, denominada Estética transcendental. Estética significa teoria da percepção, enquanto transcendental significa a priori, isto é, simultaneamente anterior à experiência e condição da experiência). O espaço e o tempo não são, para mim, aquisições da experiência. São quadros a priori de meu espírito, nos quais a experiência vem se depositar. Eis por que as construções espaciais do geômetra, por mais sintéticas que sejam, são a priori, necessárias e universais. Mas o caso da física é mais complexo. Aqui, eu falo não só do quadro a priori da experiência, mas, ainda, dos próprios fenômenos que nela ocorrem. Para dizer que o calor faz ferver a água, é preciso que eu constate. Como, então, os juízos do físico podem ser a priori, necessários e universais? É porque, responde Kant, as regras, as categorias, pelas quais unificamos os fenômenos esparsos na experiência, são exigências a priori do nosso espírito. Os fenômenos, eles próprios, são dados a posteriori, mas o espírito possui, antes de toda experiência concreta, uma exigência de unificação dos fenômenos entre si, uma exigência de explicação por meio de causas e efeitos. Essas categorias são necessárias e universais. O próprio Hume, ao pretender que o hábito é a causa de nossa crença na causalidade, não emprega necessariamente a categoria a priori de causa na crítica que nos oferece? "Todas as intuições sensíveis estão submetidas às categorias como às únicas condições sob as quais a diversidade da intuição pode unificar-se em uma consciência". Assim sendo, a experiência nos fornece a matéria de nosso conhecimento, mas é nosso espírito que, por um lado, dispõe a experiência em seu quadro espacio-temporal (o que Kant mostrará na Estética transcendental) e, por outro, imprime-lhe ordem e coerência por intermédio de suas categorias (o que Kant mostra na Analítica transcendental). Aquilo a que denominamos experiência não é algo que o espírito, tal como cera mole, receberia passivamente. É o próprio espírito que, graças às suas estruturas a priori, constrói a ordem do universo. Tudo o que nos aparece bem relacionado na natureza, foi relacionado pelo espírito humano. É a isto que Kant chama de sua revolução copernicana. Não é o Sol, dissera Copérnico, que gira em torno da Terra, mas é esta que gira em torno daquele. O conhecimento, diz Kant, não é o reflexo do objeto exterior. É o próprio espírito humano que constrói - com os dados do conhecimento sensível - o objeto do seu saber.
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Na terceira parte de sua Crítica da Razão Pura, na dialética transcendental, Kant se interroga sobre o valor do conhecimento metafísico. As análises precedentes, ao fundamentar solidamente o conhecimento, limitam o seu alcance. O que é fundamentado é o conhecimento científico, que se limita a por em ordem, graças às categorias, os materiais que lhe são fornecidos pela intuição sensível. No entanto, diz Immanuel Kant, é por isso que não conhecemos o fundo das coisas. Só conhecemos o mundo refratado através dos quadros subjetivos do espaço e do tempo. Só conhecemos os fenômenos e não as coisas em si ou noumenos. As únicas intuições de que dispomos são as intuições sensíveis. Sem as categorias, as intuições sensíveis seriam "cegas", isto é, desordenadas e confusas, mas sem as intuições sensíveis concretas as categorias seriam "vazias", isto é, não teriam nada para unificar. Pretender como Platão, Descartes ou Spinoza que a razão humana tem intuições fora e acima do mundo sensível, é passar por "visionário" e se iludir com quimeras: "A pomba ligeira, que em seu vôo livre fende os ares de cuja resistência se ressente, poderia imaginar que voaria ainda melhor no vácuo. Foi assim que Platão se aventurou nas asas das idéias, nos espaços vazios da razão pura. Não se apercebia que, apesar de todos os seus esforços, não abria nenhum caminho, uma vez que não tinha ponto de apoio em que pudesse aplicar suas forças". Entretanto, a razão não deixa de construir sistemas metafísicos porque sua vocação própria é buscar unificar incessantemente, mesmo além de toda experiência possível. Ela inventa o mito de uma "alma-substância" porque supõe realizada a unificação completa dos meus estados d'alma no tempo e o mito de um Deus criador porque busca um fundamento do mundo que seja a unificação total do que se passa neste mundo... Mas privada de qualquer ponto de apoio na experiência, a razão, como louca, perde-se nas antinomias, demonstrando, contrária e favoravelmente, tanto a tese quanto a antítese (por exemplo: o universo tem um começo? Sim pois o infinito para trás é impossível, daí a necessidade de um ponto de partida. Não, pois eu sempre posso me perguntar: que havia antes do começo do universo?). Enquanto o cientista faz um uso legítimo da causalidade, que ele emprega para unificar fenômenos dados na experiência (aquecimento e ebulição), o metafísico abusa da causalidade na medida em que se afasta deliberadamente da experiência concreta (quando imagino um Deus como causa do mundo, afasto-me da experiência, pois so o mundo é objeto de minha experiência). O princípio da causalidade, convite à descoberta, não deve servir de permissão para inventar. (http://www.mundodosfilosofos.com.br/kant.htm)
A FILOSOFIA MORAL DE KANT As três principais obras de Kant sobre questões éticas, que para ele pertencem a outra dimensão de nossa racionalidade, à razão prática e não à razão teórica, são: Fundamentos da metafísica dos costumes (1785), Crítica da razão prática (1788), que tratam da ética no sentido
Filosofia
puro, e Metafísica dos costumes (1797), que consiste numa tentativa de aplicação dos princípios éticos. Pretende considerar, portanto, o homem não como sujeito do conhecimento, mas como agente livre e racional. É no domínio da razão prática, na visão de Kant, que somos livres, isto é, que se pões a questão da liberdade e da moralidade, enquanto no domínio da razão teórica do conhecimento, somos limitados por nossa própria estrutura cognitiva. Segundo essa concepção, a ética é, no entanto, estritamente racional, bem como universal, no sentido de que não está restrita a preceitos de caráter pessoal ou subjetivos, nem a hábitos e práticas culturais ou sociais. Os princípios éticos são derivados da racionalidade humana. A moralidade trata assim do uso prático e livre da razão. Os princípios da razão prática são leis universais que definem nossos deveres. Portanto, os princípios morais resultam da razão prática e se aplicam a todos os indivíduos em qualquer circunstância. Pode-se considerar assim a ética kantiana como uma ética do dever, ou seja, uma ética prescritiva. No mundo dos fenômenos, da realidade natural, tudo depende de uma determinação causal. Ora, se o homem é parte da natureza e as ações humanas ocorrem no mundo natural, então suas ações seguem uma determinação causal e o homem não é livre nem responsável por seus atos. Porém, o homem é essencialmente um ser racional e por isso se distingue da ordem natural, não estando no campo do agir moral, submetido às leis causais, mas sim aos princípios morais derivados da sua razão, ao dever, portanto. É este o sentido da liberdade humana no plano moral. A moral é assim independente do mundo da natureza. No campo do conhecimento, Kant parte da existência da ciência para investigar suas condições de possibilidade, no campo da ética, parte da existência da consciência moral para estabelecer seus princípios. O objetivo fundamental de Kant é, portanto, estabelecer os princípios a priori, ou seja, universais e imutáveis, da moral. Seu foco é o agente moral, suas intenções e motivos. O dever consiste na obediência a uma lei que se impõe universalmente a todos os seres racionais. Eis o sentido do imperativo categórico (ou absoluto): “Age de tal forma que sua ação possa ser considerada como norma universal.” Toda ação exige a antecipação de um fim, o ser humano deve agir como se (als ob) este fim fosse realizável. Daí a acusação de “formalismo ético” frequentemente lançada contra Kant, já que este princípio não estabelece o que se deve fazer, mas apenas um critério geral para o agir ético, sendo este precisamente o seu objetivo. Os imperativos hipotéticos, por sua vez, têm um caráter prático, estabelecendo uma regra para a realização de um fim, como: “Se você quiser ter credibilidade, cumpra suas promessas” (sobre esta distinção, ver Fundamentação da metafísica dos costumes, seç. II). Segundo Kant, a noção de busca da felicidade, que fundamenta, por exemplo, as éticas do período helenístico, como a estoica e a epicurista, é insuficiente como fundamento da moral, porque o conceito de felicidade é variável, dependendo de fatores subjetivos, psicológicos, ao passo que a lei moral é invariante, universal; por isso seu fundamento é o dever.
ENEM
Na concepção kantiana, a razão prática pressupõe uma crença em Deus, na liberdade e na imortalidade da alma, que funcionam como ideais ou princípios regulativos. A crença em Deus é o que possibilita o supremo bem, recompensar a virtude com a felicidade. A imortalidade da alma é necessária, já que neste mundo virtude e felicidade não coincidem, e a liberdade é um pressuposto do imperativo categórico, libertando-nos de nossas inclinações e desejos, uma vez que o dever supõe o poder fazer algo. Na terceira crítica, a Crítica do juízo (ou Da faculdade de julgar, 1790), Kant pretende analisar os juízos de gosto, fundamento da estética (no sentido de arte), e os juízos teleológicos (de finalidade). Porém, na realidade, seu objetivo principal é superar a dicotomia anterior entre razão teórica (ou cognitiva) e prática (a moral), considerando a faculdade do juízo como uma faculdade intermediária. Kant examina nessa obra a ideia da natureza como dotada de um propósito ou finalidade. A beleza, na medida em que tem um sentido estético, e definida como “uma finalidade sem fim”. Porém, Kant considera que o juízo estético, ou seja, o juízo do gosto, não pode ser simplesmente subjetivo, devendo ser, em princípio, dotado de objetividade e universalidade. Como é possível, entretanto, a objetividade e universalidade de um juízo estético? Como conciliar o sentimento de beleza com o caráter conceitual de um juízo? Segundo a Crítica do juízo, o juízo estético tem como objeto algo de particular, considerado em si mesmo, sem nenhum interesse específico por parte do sujeito além da consideração do próprio particular. É esta ausência de interesse que garante sua objetividade e universalidade. Foi grande a influência da filosofia kantiana. O período que se segue à sua morte na Alemanha foi conhecido pela história da filosofia como idealismo alemão póskantiano, devido ao desenvolvimento de sua filosofia por pensadores como Fichte e Schelling, em um sentido essencialmente idealista. A Crítica do juízo exerceu uma forte influência sobre a estética do romantismo alemão. Hegel criticou a concepção kantiana de consciência e subjetividade, procurando, no entanto, levar adiante seu projeto de uma filosofia crítica. A Crítica da razão pura foi talvez sua obra mas influente ao longo do séc. XIX e início do séc. XX, pelo modelo de uma teoria de conhecimento que propõe, por sua formulação da questão da possibilidade da fundamentação da ciência e pela demarcação entre o conhecimento e a metafísica, pontos estes que serão desenvolvidos sobretudo pelos neokantianos da escola de Marburgo, dentre os quais se destacou Ernst Cassirer (1874-1945). (MARCONDES, Danilo. Iniciação à História da Filosofia. Dos présocráticos a Wittgenstein. Rio de Janeiro: Zahar, 2007. pp 217-219)
FIQUE LIGADO NO ENEM! • Segundo Kant, o conhecimento é o resultado de uma síntese entre o sujeito que conhece e o objeto conhecido. É impossível conhecermos as coisas em si mesmas. Só
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Ciências Humanas e suas Tecnologias conhecemos as coisas tal como as percebemos. O conhecimento então, não seria dado nem pelo sujeito nem pelo objeto, mas pela relação que se estabelece entre esses dois referenciais. Ao conhecermos a realidade do mundo, participamos de sua construção mental. • Kant distingue duas formas básicas do ato de conhecer: 1) O conhecimento puro (a priori, universal e necessário) que nasce de uma operação racional e que não depende dos sentidos, ou seja, é anterior à experiência e 2) O conhecimento empírico (a posteriori, particular e contingente) que se refere aos dados fornecidos pelos sentidos, então é posterior à experiência. • Também classifica os juízos em dois tipos: 1) o juízo analítico, que é derivado do conhecimento puro ou a priori e confirma as teorias e 2) o juízo sintético que é derivado do conhecimento empírico ou a posteriori que é capaz de fornecer novas informações. • Kant define o esclarecimento como “a superação da menoridade intelectual do homem”. A menoridade existe quando os homens não pensam por si próprios, sendo conduzidos por outros pela imposição de determinadas visões de mundo. • Um dever moral é uma exigência incondicional ou “categórica” ao nosso comportamento. Só um imperativo que realmente tenha uma aplicação universal pode ser moral. Nossa atitude deve ser sempre agir como desejaríamos que todos os outros agissem.
Exercícios 1. (ENEM 2013) Para que não haja abuso, é preciso organizar as coisas de maneira que o poder seja contido pelo poder. Tudo estaria perdido se o mesmo homem ou o mesmo corpo dos principais, ou dos nobres, ou do povo, exercesse esses três poderes: o de fazer leis, o de executar as resoluções públicas e o de julgar os crimes ou as divergências dos indivíduos. Assim, criam-se os poderes Legislativo, Executivo e Judiciário, atuando de forma independente para efetivação da liberdade, sendo que esta não existe se uma mesma pessoa ou grupo exercer os referidos poderes concomitantemente. MONTESQUIEU, B. Do espírito das leis, São Paulo. Abril Cultural, 1979 (adaptado)
A divisão e a independência entre os poderes são condições necessárias para que possa haver liberdade em um Estado. Isso pode ocorrer apenas sob um modelo político em que haja: a) exercício de tutela sobre atividades jurídicas e políticas. b) consagração do poder político pela autoridade religiosa. c) concentração do poder nas mãos de elites técnicocientíficas. d) estabelecimento de limites aos atores públicos e às instituições do governo. e) reunião das funções de legislar, julgar e executar nas mãos de um governante eleito.
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2. (ENEM 2012) É verdade que nas democracias o povo parece fazer o que quer, mas a liberdade política não consiste nisso. Deve-se ter sempre presente em mente o que é independência e o que é liberdade. A liberdade é o direito de fazer tudo o que as leis permitem; se um cidadão pudesse fazer tudo o que elas proíbem, não teria mais liberdade, porque os outros também teriam tal poder. MONTESQUIEU. Do Espírito das Leis. São Paulo: Editora Nova Cultural, 1997 (adaptado)
A característica de democracia ressaltada por Montesquieu diz respeito: a) ao status de cidadania que o indivíduo adquire ao tomar as decisões por si mesmo. b) ao condicionamento da liberdade dos cidadãos à conformidade às leis. c) à possibilidade de o cidadão participar no poder e, nesse caso, livre da submissão às leis. d) ao livre-arbítrio do cidadão em relação àquilo que é proibido, desde que ciente das consequências. e) ao direito do cidadão exercer sua vontade de acordo com seus valores pessoais.
3. (ENEM 2015) Todo o poder criativo da mente se reduz a nada mais do que a faculdade de compor, transpor, aumentar ou diminuir os materiais que nos fornecem os sentidos e a experiência. Quando pensamos em uma montanha de ouro, não fazemos mais do que juntar duas ideias consistentes, ouro e montanha, que já conhecíamos. Podemos conceber um cavalo virtuoso, porque somos capazes de conceber a virtude a partir de nossos próprios sentimentos, e podemos unir a isso a figura e a forma de um cavalo, animal que nos é familiar. HUME, D. Investigação sobre o entendimento humano. São Paulo: Abril Cultural, 1995.
Hume estabelece um vínculo entre pensamento e impressão ao considerar que a) os conteúdos das ideias no intelecto têm origem na sensação. b) o espírito é capaz de classificar os dados da percepção sensível. c) as ideias fracas resultam de experiências sensoriais determinadas pelo acaso. d) os sentimentos ordenam como os pensamentos devem ser processados na memória. e) as ideias têm como fonte específica o sentimento cujos dados são colhidos na empiria. 4. (ENEM 2012) TEXTO I Experimentei algumas vezes que os sentidos eram enganosos, e é de prudência nunca se fiar inteiramente em quem já nos enganou uma vez. DESCARTES, R. Meditações Metafísicas. São Paulo: Abril Cultural, 1979.
Filosofia
TEXTO II Sempre que alimentarmos alguma suspeita de que uma ideia esteja sendo empregada sem nenhum significado, precisaremos apenas indagar: de que impressão deriva esta suposta ideia? E se for impossível atribuir-lhe qualquer impressão sensorial, isso servirá para confirmar nossa suspeita. HUME, D. Uma investigação sobre o entendimento. São Paulo: Unesp, 2004 (adaptado).
Nos textos, ambos os autores se posicionam sobre a natureza do conhecimento humano. A comparação dos excertos permite assumir que Descartes e Hume: a) defendem os sentidos como critério originário para considerar um conhecimento legítimo. b) entendem que é desnecessário suspeitar do significado de uma ideia na reflexão filosófica e crítica. c) são legítimos representantes do criticismo quanto à gênese do conhecimento. d) concordam que conhecimento humano é impossível em relação às ideias e aos sentidos. e) atribuem diferentes lugares ao papel dos sentidos no processo de obtenção do conhecimento. 5. (ENEM 2013) Até hoje admitia-se que nosso conhecimento se devia regular pelos objetos; porém, todas as tentativas para descobrir, mediante conceitos, algo que ampliasse nosso conhecimento malogravam-se com esse pressuposto. Tentemos, pois, uma vez, experimentar se não se resolverão melhor as tarefas da metafísica, admitindo que os objetos se deveriam regular pelo nosso conhecimento. KANT, I. Crítica da razão pura. Lisboa: Calouste-Guibenkian, 1994 (adaptado)
O trecho em questão é uma referência ao que ficou conhecido como revolução copernicana da filosofia. Nele, confrontam-se duas posições filosóficas que: a)
assumem pontos de vista opostos acerca da natureza do conhecimento. b) defendem que o conhecimento é impossível, restando-nos somente o ceticismo. c) revela a relação de interdependência entre os dados da experiência e a reflexão filosófica. d) apostam, no que diz respeito às tarefas da filosofia, na primazia das ideias em relação aos objetos. e) refutam-se mutuamente quanto à natureza do nosso conhecimento e são ambas recusadas por Kant. 6. (ENEM 2012) Esclarecimento é a saída do homem de sua menoridade, da qual ele próprio é culpado. A menoridade é a incapacidade de fazer uso de seu entendimento sem a direção de outro indivíduo. O homem é o próprio culpado dessa menoridade se a causa dela não se encontra na falta de entendimento, mas na falta de decisão e coragem de servir-se de si mesmo sem a direção de outrem. Tem coragem de fazer uso de teu próprio entendimento, tal é o lema do esclarecimento. A preguiça e a covardia são as causas pelas quais uma tão grande
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parte dos homens, depois que a natureza de há muito os libertou de uma condição estranha, continuem, no entanto, de bom grado menores durante toda a vida. KANT, I. Resposta à pergunta: o que é esclarecimento? Petrópolis: Vozes, 1985 (adaptado)
Kant destaca no texto o conceito de Esclarecimento, fundamental para a compreensão do contexto filosófico da Modernidade. Esclarecimento, no sentido empregado por Kant, representa: a) a reivindicação de autonomia da capacidade racional como expressão da maioridade. b) o exercício da racionalidade como pressuposto menor diante das verdades eternas. c) a imposição de verdades matemáticas, como caráter objetivo, de forma heterônoma. d) a compreensão de verdades religiosas que libertam o homem da falta de entendimento. e) a emancipação da subjetividade humana de ideologias produzidas pela própria razão. GABARITO 1 D
2 B
3 A
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UNIDADE 23 FILOSOFIA CONTEMPORANEA Esse período, por ser o mais próximo de nós, parece ser o mais complexo e o mais difícil de definir pois os problemas e as diferentes respostas dadas a eles parecem impossibilitar uma visão de conjunto. Em outras palavras, não temos distância suficiente para perceber os traços mais gerais e marcantes deste período da Filosofia. Apesar disso, é possível assinalar quais têm sido as principais questões e os principais temas que interessaram à Filosofia neste século e meio. HISTÓRIA E PROGRESSO O século XIX é, na Filosofia, o grande século da descoberta da História ou da historicidade do homem, da sociedade, das ciências e das artes. É particularmente com o filósofo alemão Hegel que se afirma que a História é o modo de ser da razão e da verdade, o modo de ser dos seres humanos e que, portanto, somos seres históricos. No século passado, essa concepção levou à ideia de progresso, isto é, de que os seres humanos, as sociedades, as ciências, as artes e as técnicas melhoram com o passar do tempo, acumulam conhecimento e práticas, aperfeiçoando-se cada vez mais, de modo que o presente é melhor e superior, se comparado ao passado, e o futuro será melhor e superior, se comparado ao presente. No entanto, no século XX, a mesma afirmação da historicidade dos seres humanos, da razão e da sociedade levou à ideia de que a História é descontínua e não progressiva, com cada sociedade tendo sua História
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própria em vez de ser apenas uma etapa numa História universal das civilizações. A ideia de progresso passa a ser criticada porque serve como desculpa para legitimar colonialismos e imperialismos (os mais “adiantados” teriam o direito de dominar os mais “atrasados”). Passa a ser criticada também a ideia de progresso das ciências e das técnicas, mostrando-se que, em cada época histórica e para cada sociedade, os conhecimentos e as práticas possuem sentido e valor próprios, e que tal sentido e tal valor desaparecem numa época seguinte ou são diferentes numa outra sociedade, não havendo, portanto, transformação contínua, acumulativa e progressiva. O passado foi o passado, o presente é o presente e o futuro será o futuro. AS CIÊNCIAS E AS TÉCNICAS No século XIX, entusiasmada com as ciências e as técnicas, bem como com a Segunda Revolução Industrial, a Filosofia afirmava a confiança plena e total no saber científico e na tecnologia para dominar e controlar a Natureza, a sociedade e os indivíduos. Acreditava-se que a sociologia, por exemplo, nos ofereceria um saber seguro e definitivo sobre o modo de funcionamento das sociedades e que os seres humanos poderiam organizar racionalmente o social, evitando revoluções, revoltas e desigualdades. Acreditava-se, também, que a psicologia ensinaria como é e como funciona a psique humana, quais as causas dos comportamentos e os meios de controlá-los, quais as causas das emoções e os meios de controlá-las, de tal modo que seria possível livrar-nos das angústias, do medo, da loucura, assim como seria possível uma pedagogia baseada nos conhecimentos científicos e que permitiria não só adaptar perfeitamente acrianças às exigências da sociedade, como também educá-las segundo suas vocações e potencialidades psicológicas. No entanto, no século XX, a Filosofia passou a desconfiar do otimismo científico-tecnológico do século anterior em virtude de vários acontecimentos: as duas guerras mundiais, o bombardeio de Hiroshima e Nagasaki, os campos de concentração nazistas, as guerras da Coréia, do Vietnã, do Oriente Médio, do Afeganistão, as invasões comunistas da Hungria e da Tchecoslováquia, as ditaduras sangrentas da América Latina, a devastação de mares, florestas e terras, a poluição do ar, os perigos cancerígenos de alimentos e remédios, o aumento de distúrbios e sofrimentos mentais, etc. Uma escola alemã de Filosofia, a Escola de Frankfurt, elaborou uma concepção conhecida como Teoria Crítica, na qual distingue duas formas de razão: a razão instrumental e da razão crítica. A razão instrumental é a razão técnico-científica, que faz das ciências e das técnicas não um meio de liberação dos seres humanos, mas um meio de intimidação, medo, terror e desespero. Ao contrário, a razão crítica é aquela que analisa e interpreta os limites e os perigos do pensamento instrumental e afirma que as mudanças sociais, políticas e culturais só se realizam verdadeiramente se tiverem como finalidade a
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emancipação do gênero humano e não as ideias de controle e domínio técnico-científico sobre a Natureza, a sociedade e a cultura. AS UTOPIAS REVOLUCIONÁRIAS No século XIX, em decorrência do otimismo trazido pelas ideias de progresso, desenvolvimento técnicocientífico, poderio humano para construir uma vida justa e feliz, a Filosofia apostou nas utopias revolucionárias – anarquismo, socialismo, comunismo –, que criariam, graças à ação política consciente dos explorados e oprimidos, uma sociedade nova, justa e feliz. No entanto, no século XX, com o surgimento das chamadas sociedades totalitárias – fascismo, nazismo, stalinismo – e com o aumento do poder das sociedades autoritárias ou ditatoriais, a Filosofia também passou a desconfiar do otimismo revolucionário e das utopias e a indagar se os seres humanos, os explorados e dominados serão capazes de criar e manter uma sociedade nova, justa e feliz. O crescimento das chamadas burocracias – que dominam as organizações estatais, empresariais, políticopartidárias, escolares, hospitalares – levou a Filosofia a indagar como os seres humanos poderiam derrubar esse imenso poderio que os governa secretamente, que eles desconhecem e que determina suas vidas cotidianas, desde o nascimento até a morte. A MAIORIDADE DA RAZÃO No século XIX, o otimismo filosófico levava a Filosofia a afirmar que, enfim, os seres humanos haviam alcançado a maioridade racional, e que a razão se desenvolvia plenamente para que o conhecimento completo da realidade e das ações humanas fosse atingido. No entanto, Marx, no final do século XIX, e Freud, No inicio do século XX, puseram em questão esse otimismo racionalista. Marx e Freud, cada qual em seu campo de investigação e cada qual voltado para diferentes aspectos da ação humana – Marx, voltado para a economia e a política; Freud, voltado para as perturbações e os sofrimentos psíquicos -, fizeram descobertas que, até o final de nosso século, continuam impondo questões filosóficas. Marx descobriu que temos a ilusão de estarmos pensando e agindo com nossa própria cabeça e por nossa própria vontade, racional e livremente, de acordo com nosso entendimento e nossa liberdade, porque desconhecemos um poder invisível que nos força a pensar como pensamos e agir como agimos. A esse poder – que é social – ele deu o nome de ideologia. Freud, por sua vez, mostrou que os seres humanos têm a ilusão de que tudo quanto pensam, fazem, sentem e desejam, tudo quanto dizem ou calam estaria sob o controle de nossa consciência porque desconhecemos a existência de uma força invisível, de um poder – que é psíquico e social – que atua sobre nossa consciência sem que ela o saiba. A esse poder que domina e controla
Filosofia
invisível e profundamente nossa vida consciente, ele deu o nome de inconsciente. Diante dessas duas descobertas, a Filosofia se viu forçada a reabrir a discussão sobre o que é e o que pode a consciência reflexiva ou o sujeito do conhecimento, sobre o que são e o que podem as aparências e as ilusões. Ao mesmo tempo, a Filosofia teve que reabrir as discussões éticas e morais: O homem é realmente livre ou é inteiramente condicionado pela sua situação psíquica e histórica? Se for inteiramente condicionado, então a História e a cultura são causalidades necessárias como a Natureza? Ou seria mais correto indagar: Como os seres humanos conquistam a liberdade em meio a todos os condicionamentos psíquicos, históricos, econômicos, culturais em que vivem?
profunda das coisas, a essência do próprio Ser. Ela é não só um modo de pensar as coisas, mas o próprio modo de ser das coisas: "O racional é real e o real é racional". Podemos, portanto, considerar Hegel como o filósofo idealista por excelência, uma vez que, para ele, o fundo do Ser (longe de ser uma coisa em si inacessível) é, em definitivo, Ideia, Espírito. Sua filosofia representa, ao mesmo tempo, com relação à crítica kantiana do conhecimento, um retorno à ontologia. É o ser em sua totalidade que é significativo e cada acontecimento particular no mundo só tem sentido finalmente em função do Absoluto do qual não é mais do que um aspecto ou um momento.
O FIM DA FILOSOFIA? No século XIX, o otimismo positivista ou cientificista levou a Filosofia a supor que, no futuro, só haveria ciências, e que todos os conhecimentos e todas as explicações seriam dados por elas. Assim, a própria Filosofia poderia desaparecer, não tendo motivo para existir. No entanto, no século XX, a Filosofia passou a mostrar que as ciências não possuem princípios totalmente certos, seguros e rigorosos para as investigações, que os resultados podem ser duvidosos e precários, e que, frequentemente, uma ciência desconhece até onde pode ir e quando está entrando no campo de investigação de uma outra. Com isso, a Filosofia voltou a afirmar seu papel de compreensão e interpretação crítica das ciências, discutindo a validade de seus princípios, procedimentos de pesquisa, resultados, de suas formas de exposição dos dados e das conclusões, etc. Foram preocupações com a falta de rigor das ciências que levaram o filósofo alemão Husserl a propor que a Filosofia fosse o estudo e o conhecimento rigoroso da possibilidade do próprio conhecimento científico, examinando os fundamentos, os métodos e os resultados das ciências. Foram também as preocupações como essas que levaram filósofos como Bertrand Russel e Quine a estudar a linguagem científica, a discutir os problemas lógicos das ciências e a mostrar os paradoxos e os limites do conhecimento científico. (CHAUI, Marilena. Convite à Filosofia. São Paulo: Editora Ática, 2003. PP. 50-54)
UNIDADE 24 WILHELM FRIEDRICH HEGEL Como a filosofia de Spinoza, a de Hegel é uma filosofia da inteligibilidade total, da imanência absoluta. A razão aqui não é apenas, como em Kant, o entendimento humano, o conjunto dos princípios e das regras segundo as quais pensamos o mundo. Ela é igualmente a realidade
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Wilhelm Friedrich Hegel (1770-1831)
Hegel porém se distingue de Spinoza e surge para nós como um filósofo essencialmente moderno, pois, para ele, o mundo que manifesta a Ideia não é uma natureza semelhante a si mesma em todos os tempos, que dizia que a leitura dos jornais era "sua prece matinal cotidiana", como todos os seus contemporâneos, muito meditou sobre a Revolução Francesa, e esta lhe mostra que as estruturas sociais, assim como os pensamentos dos homens, podem ser modificadas, subvertidas no decurso da história. O que há de original em seu idealismo é que, para Hegel, a ideia se manifesta como processo histórico: "A história universal nada mais é do que a manifestação da razão". As principais obras de Hegel são: A Fenomenologia do Espírito; A Lógica; A Enciclopédia das Ciências Filosóficas; A Filosofia do Direito. Foi um gênio poderoso; sua cultura foi vastíssima, bem como a sua capacidade sistemática, tanto assim que se pode considerar o Aristóteles e o Tomás de Aquino do pensamento contemporâneo. No entanto, frequentemente deforma os fatos para enquadrá-los no esquema lógico do seu sistema racionalista-dialético, bem como altera este por interesses práticos e políticos. É preciso compreender também que a história é um progresso. O vir- a-ser de muitas peripécias não é senão a história do Espírito universal que se desenvolve e se realiza por etapas sucessivas para atingir, no final, a plena posse, a plena consciência de si mesmo. "O absoluto, diz Hegel, só no final será o que ele é na realidade". O panteísmo de Spinoza identificava Deus com a natureza: Deus sive natura. O panteísmo hegeliano identifica Deus com a História. Deus não é o que é - ao menos só é parcial e muito provisoriamente o que atualmente é - Deus é o que se realizará na História. (Neste sentido, ainda há algo de hegeliano na filosofia de
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Teilhard de Chardin). Por conseguinte, a história, para Hegel, é uma odisseia do Espírito Universal", em suma, se nos permitem o jogo de palavras, uma "teodisseia". Consideremos a história da terra. De início só existem minerais, depois, vegetais e, em seguida, animais. Não temos a impressão de que seres cada vez mais complexos, cada vez mais organizados, cada vez mais autônomos surgem no Universo? O Espírito, de início adormecido, dissimulado e como que estranho a si mesmo, "alienado" no universo, surge cada vez mais manifestamente como ordem, como liberdade, logo como consciência. Esse progresso do Espírito continua e se concluirá através da história dos homens. Cada povo cada civilização, de certo modo, tem por missão realizar uma etapa desse progresso do Espírito. O Espírito humano é de início uma consciência confusa, um espírito puramente subjetivo, é a sensação imediata. Depois, ele consegue encarnar-se, objetivar-se sob a forma de civilizações, de instituições organizadas. Tal é o espírito objetivo que se realiza naquilo que Hegel chama de "o mundo da cultura". Enfim, o Espírito se descobre mais claramente na consciência artística e na consciência religiosa para finalmente apreender-se na Filosofia (notadamente na filosofia de Hegel, que pretende totalizar sob sua alçada todas as outras filosofias) como Saber Absoluto. Desse modo, a filosofia é o saber de todos os saberes: a sabedoria suprema que, no final, totaliza todas as obras da cultura (é só no crepúsculo, diz Hegel, que o pássaro de Minerva levanta vôo). Compreendemos bem, em todo caso, que, nessa filosofia puramente imanentista, Deus só se realiza na história. Em outras palavras, a forma de civilização que triunfa a cada etapa da história é aquela que, naquele momento, melhor exprime o Espírito. Após ter saudado em Napoleão "o espírito universal a cavalo", Hegel verá no estado prussiano de seu tempo a expressão mais perfeita do Espírito Absoluto. Por conseguinte, Hegel é daqueles que acham que a força não "oprime" o direito (essa fórmula, abusivamente atribuída a Bismarck, nada significa), mas que o exprime, que aquele que é vitorioso na História é, simultaneamente, o mais dotado de valor e que a virtude, como ele diz, "exprime o curso do mundo". Segundo as normas da lógica clássica, essa identificação da Razão com o Devir histórico é absolutamente paradoxal. De fato, a lógica clássica considera que uma proposição fica demonstrada quando é reduzida, identificada a uma proposição já admitida. A lógica vai do idêntico ao idêntico. A história, ao contrário, é o domínio do mutável. O acontecimento de hoje é diferente do de ontem. Ele o contradiz. Aplicar a razão à história, por conseguinte, seria mostrar que a mudança é aparente, que no fundo tudo permanece idêntico. Aplicar a razão à história seria negar a história, recusar o tempo. Ora, contrariando tudo isso, o racionalismo de Hegel coloca o devir, a história, em primeiro plano. Como isso é possível? É possível porque Hegel concebe um processo racional original - o processo dialético - no qual a contradição não mais é o que deve ser evitado a qualquer preço, mas, ao contrário, se transforma no próprio motor do pensamento, ao mesmo tempo em que é o motor da história, já que esta
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última não é senão o Pensamento que se realiza. Repudiando o princípio da contradição de Aristóteles e de Leibnitz, em virtude do qual uma coisa não pode ser e, ao mesmo tempo, não ser, Hegel põe a contradição no próprio núcleo do pensamento e das coisas simultaneamente. O pensamento não é mais estático, ele procede por meio de contradições superadas, da tese à antítese e, daí, à síntese, como num diálogo em que a verdade surge a partir da discussão e das contradições. Uma proposição (tese) não pode se pôr sem se opor a outra (antítese) em que a primeira é negada, transformada em outra que não ela mesma ("alienada"). A primeira proposição encontrar-se-á finalmente transformada e enriquecida numa nova fórmula que era, entre as duas precedentes, uma ligação, uma "mediação" (síntese). A DIALÉTICA A dialética para Hegel é o procedimento superior do pensamento é, ao mesmo tempo, repetimo-la, "a marcha e o ritmo das próprias coisas". Vejamos, por exemplo, como o conceito fundamental de ser se enriquece dialeticamente. Como é que o ser, essa noção simultaneamente a mais abstrata e a mais real, a mais vazia e a mais compreensiva (essa noção em que o velho Parmênides se fechava: o ser é, nada mais podemos dizer), transforma-se em outra coisa? É em virtude da contradição que esse conceito envolve. O conceito de ser é o mais geral, mas também o mais pobre. Ser, sem qualquer qualidade ou determinação - é, em última análise, não ser absolutamente nada, é não ser! O ser, puro e simples, equivale ao não-ser (eis a antítese). É fácil ver que essa contradição se resolve no vir-a-ser (posto que vira-ser é não mais ser o que se era). Os dois contrários que engendram o devir (síntese), aí se reencontram fundidos, reconciliados. Vejamos um exemplo muito célebre da dialética hegeliana que será um dos pontos de partida da reflexão de Karl Marx. Trata-se de um episódio dialético tirado da Fenomenologia do Espírito, o do senhor e o escravo. Dois homens lutam entre si. Um deles é pleno de coragem. Aceita arriscar sua vida no combate, mostrando assim que é um homem livre, superior à sua vida. O outro, que não ousa arriscar a vida, é vencido. O vencedor não mata o prisioneiro, ao contrário, conserva-o cuidadosamente como testemunha e espelho de sua vitória. Tal é o escravo, o "servus", aquele que, ao pé da letra, foi conservado. a) O senhor obriga o escravo, ao passo que ele próprio goza os prazeres da vida. O senhor não cultiva seu jardim, não faz cozer seus alimentos, não acende seu fogo: ele tem o escravo para isso. O senhor não conhece mais os rigores do mundo material, uma vez que interpôs um escravo entre ele e o mundo. O senhor, porque lê o reconhecimento de sua superioridade no olhar submisso de seu escravo, é livre, ao passo que este último se vê despojado dos frutos de seu trabalho, numa situação de submissão absoluta. b) Entretanto, essa situação vai se transformar dialeticamente porque a posição do senhor abriga uma
Filosofia
contradição interna: o senhor só o é em função da existência do escravo, que condiciona a sua. O senhor só o é porque é reconhecido como tal pela consciência do escravo e também porque vive do trabalho desse escravo. Nesse sentido, ele é uma espécie de escravo de seu escravo. c) De fato, o escravo, que era mais ainda o escravo da vida do que o escravo de seu senhor (foi por medo de morrer que se submeteu), vai encontrar uma nova forma de liberdade. Colocado numa situação infeliz em que só conhece provações, aprende a se afastar de todos os eventos exteriores, a libertar-se de tudo o que o oprime, desenvolvendo uma consciência pessoal. Mas, sobretudo, o escravo incessantemente ocupado com o trabalho, aprende a vencer a natureza ao utilizar as leis da matéria e recupera uma certa forma de liberdade (o domínio da natureza) por intermédio de seu trabalho. Por uma conversão dialética exemplar, o trabalho servil devolvelhe a liberdade. Desse modo, o escravo, transformado pelas provações e pelo próprio trabalho, ensina a seu senhor a verdadeira liberdade que é o domínio de si mesmo. Assim, a liberdade estoica se apresenta a Hegel como a reconciliação entre o domínio e a servidão. Hegel parte, fundamentalmente, da síntese a priori de Kant, em que o espírito é constituído substancialmente como sendo o construtor da realidade e toda a sua atividade é reduzida ao âmbito da experiência, porquanto é da íntima natureza da síntese a priori não poder, de modo nenhum, transcender a experiência, de sorte que Hegel se achava fatalmente impelido a um monismo imanentista, que devia necessariamente tornarse panlogista, dialético. Assim, deviam se achar na realidade única da experiência as características divinas do antigo Deus transcendente, destruído por Kant. Hegel devia, portanto, chegar ao panteísmo imanentista, que Schopenhauer, o grande crítico do idealismo racionalista e otimista, declarará nada mais ser que ateísmo imanentista. No entanto, para poder elevar a realidade da experiência à ordem da realidade absoluta, divina, Hegel se achava obrigado a mostrar a racionalidade absoluta da realidade da experiência, a qual, sendo o mundo da experiência limitado e deficiente, por causa do assim chamado mal metafísico, físico e moral, não podia, por certo, ser concebida mediante o ser (da filosofia aristotélica), idêntico a si mesmo e excluindo o seu oposto, e onde a limitação, a negação, o mal, não podem, de modo nenhum, gerar naturalmente valores positivos de bem verdadeiro. Mas essa racionalidade absoluta da realidade da experiência devia ser concebida mediante o vir-a-ser absoluto (de Heráclito), onde um elemento gera o seu oposto, e a negação e o mal são condições de positividade e de bem. Apresentava-se, portanto, a necessidade da invenção de uma nova lógica, para poder racionalizar o elemento potencial e negativo da experiência, isto é, tudo que há no mundo de arracional e de irracional. E por isso Hegel inventou a dialética dos opostos, cuja característica fundamental é a negação, em que a positividade se realiza através da negatividade, do ritmo famoso de tese, antítese e síntese. Essa dialética dos opostos
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resolve e compõe em si mesma o elemento positivo da tese e da antítese. Isto é, todo elemento da realidade, estabelecendo-se a si mesmo absolutamente (tese) e não esgotando o Absoluto de que é um momento, demanda o seu oposto (antítese), que nega e o qual integra, em uma realidade mais rica (síntese), para daqui começar de novo o processo dialético. A nova lógica hegeliana difere da antiga, não somente pela negação do princípio de identidade e de contradição - como eram concebidos na lógica antiga - mas também porquanto a nova lógica é considerada como sendo a própria lei do ser. Quer dizer, coincide com a ontologia, em que o próprio objeto já não é mais o ser, mas o devir absoluto. Dispensa-se acrescentar como, a experiência sendo a realidade absoluta, e sendo também vir-a-ser, a história em geral se valoriza na filosofia; igualmente não é preciso salientar como o conceito concreto, isto é, o particular conexo historicamente com o todo, toma o lugar do conceito abstrato, que representa o elemento universal e comum dos particulares. Estamos, logo, perante um panlogismo, não estático, como o de Spinoza, e sim dinâmico, em que - através do idealismo absoluto - o monismo, que Hegel considerava panteísmo, é levado às suas extremas consequências metafísicas imanentistas. Podemos resumir assim: 1.° - A lógica tradicional afirma que o ser é idêntico a si mesmo e exclui o seu oposto (princípio de identidade e de contradição); ao passo que a lógica hegeliana sustenta que a realidade é essencialmente mudança, devir, passagem de um elemento ao seu oposto; 2.° - A lógica tradicional afirma que o conceito é universal abstrato, enquanto apreende o ser imutável, realmente, ainda que não totalmente; ao passo que a lógica hegeliana sustenta que o conceito é universal concreto, isto é, conexão histórica do particular com a totalidade do real, onde tudo é essencialmente conexo com tudo; 3.° - A lógica tradicional distingue substancialmente a filosofia, cujo objeto é o universal e o imutável, da história, cujo objeto é o particular e o mutável; ao passo que a lógica hegeliana assimila a filosofia com a história, enquanto o ser é vir-a-ser; 4.° - A lógica tradicional distingue-se da ontologia, enquanto o nosso pensamento, se apreende o ser, não o esgota totalmente - como faz o pensamento de Deus; ao passo que a lógica hegeliana coincide com a ontologia, porquanto a realidade é o desenvolvimento dialético do próprio "logos" divino, que no espírito humano adquire plena consciência de si mesmo. Visto que a realidade é o vir-a-ser dialético da Ideia, a autoconsciência racional de Deus, Hegel julgou dever deduzir a priori o desenvolvimento lógico da ideia, e demonstrar a necessidade racional da história natural e humana, segundo a conhecida tríade de tese, antítese e síntese, não só nos aspectos gerais, nos momentos essenciais, mas em toda particularidade da história. E, com efeito, a realidade deveria transformar-se rigorosamente na racionalidade em um sistema coerente de pensamento idealista e imanentista.
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Não é mister dizer que essa história dialética nada mais é que a história empírica, arbitrariamente potenciada segundo a não menos arbitrária lógica hegeliana, em uma possível assimilação do devir empírico do desenvolvimento lógico - ainda que entendido dialeticamente, dinamicamente. Tal história dialética deveria, enfim, terminar com o advento da filosofia hegeliana, em que a Ideia teria acabado a sua odisseia, adquirindo consciência de si mesma, isto é, da sua divindade, no espírito humano, como absoluto. Mas, desse modo, viria a ser negada a própria essência da filosofia hegeliana, para a qual o ser, isto é, o pensamento, nada mais é que o infinito vir-a-ser dialético. http://www.mundodosfilosofos.com.br/hegel.htm
FIQUE LIGADO NO ENEM! • Segundo Hegel a natureza está em constante processo de desenvolvimento, e este se dá na história, concebida, por sua vez, como etapas do desenvolvimento do espírito (Geist), cuja meta é atingir o autoconhecimento ou a consciência de si. Geist é a existência própria, a essência última do ser. O processo histórico deve ser interpretado como o desenvolvimento em direção à sua forma absoluta. • O curso realidade apresenta momentos que se contradizem entre si, sem, no entanto, perderem a unidade do processo, que leva a um crescente desenvolvimento que progride através do conflito e da superação das contradições. A esse processo Hegel denominou dialética. • Hegel mostra como a mesma lógica da oposição “tese” e “antítese” e o surgimento posterior de uma “síntese”, aplica-se também ao desenvolvimento da história e da filosofia. Em outras palavras, a tese (os valores predominantes em um povo) é sempre acompanhada por uma antítese (valores que representam a negação da consciência vigente). O confronto deriva na síntese, ou seja, na superação de uma forma de civilização por outra. • Nesse movimento dialético de tese-antítese-síntese , a civilização posterior, ao mesmo tempo em que supera a anterior, preserva o que nela era essencial ao espírito, tornando-o mais pleno. Dessa forma, cada civilização histórica seria mais racional do que suas antecessoras. • Para Hegel o fim da história corresponde necessariamente à libertação humana e isso só poderá acontecer quando a vontade do indivíduo for absorvida na vontade do coletivo e reconhecida pela razão como partilhada por todos. Então ela não será mais algo do qual cada um dos indivíduos se sinta alienado, pelo contrário cada um deles reconhecerá o dever social como sendo do seu próprio e particular interesse.
UNIDADE 25 KARL MARX
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A CRÍTICA DE MARX AO IDEALISMO HEGELIANO O conceito de objeto pode ser mais bem analisado por meio de investigação de sua etimologia: objeto é composto por Ob (contra mim) e jeto (lançar), ou seja, a coisa apreendida, e nos esclarece a relação de interpretação do sujeito com o objeto, para Hegel. O mundo não tem uma essência em si, e podemos incluir neste mundo a história. O objeto - seja ele filosófico, pertencente ao mundo das ideias, ou material pertencente ao mundo natural existe apenas em relação ao sujeito. O último, lança sobre si algo que não lhe pertence a fim de compreendê-lo. O mundo, portanto, tem a forma que o homem dá a ele. O homem também se põe como objeto de si, na tentativa de que a consciência veja a si mesma: a autoconsciência. Aqui, outro conceito com aparência inocente nos revela alguns caminhos da filosofia de Hegel: a especulação, que vem de espelho. O homem olha a si mesmo, através da história, na tentativa de encontrar diferenças, de estabelecer mudanças. A História, para Hegel é a ciência da consciência histórica. Para Hegel, o homem é um "ser espirituoso", e a dialética, um método de descoberta das contradições. Este consiste em relacionar sujeito e objeto, colocá-los em oposição, em conflito. A relação, portanto, não existe enquanto diversidade, ela necessariamente deve encerrar uma oposição e, por fim, uma contradição. É o conflito que constitui a consciência. A relação entre escravo e senhor exemplifica essas três etapas. O senhor só é senhor em relação ao seu escravo, e nesse sentido, depende do escravo para exercer a sua autoridade. O escravo, da mesma maneira, só é escravo na relação com seu senhor, dependendo dele para ser subjugado. Mas escravo e senhor não são apenas diferentes por um ser escravo e o outro, senhor. Eles estão numa relação de oposição: um manda, o outro obedece. À primeira vista, a relação entre os dois se encerra neste ponto: o senhor dá ordens, o escravo obedece; o senhor possui a terra, o escravo nela trabalha; o senhor é livre, o escravo vive preso aos seus grilhões. Mas essa relação de diversidade, que se fundamenta numa oposição, revela suas inerentes contradições: o senhor depende do escravo e este depende do senhor. O senhor precisa da vida do escravo para que a sua própria se mantenha: enquanto o escravo trabalha, o senhor descansa. Caso o escravo se rebele, o senhor passará fome e morrerá. O escravo não é apenas escravo, mas principalmente senhor de seu próprio senhor. E o senhor, aparentemente dominante na relação, mostra seu alicerce de dependência, e, portanto, revela ser não apenas senhor, mas escravo de seu próprio escravo. A crítica de Marx sobre a dialética hegeliana concentrase no caráter lógico, que não alcança a natureza, a realidade. Para Marx, essa dialética permanece na consciência, alcança o objeto apenas no pensamento, enquanto pensamento.
Filosofia
Karl Marx (1818-1883)
Marx, ultrapassando a crítica à religião feita por Hegel, preocupa-se com a crítica à própria Filosofia Alemã: "Nenhum destes filósofos se lembrou de perguntar qual seria a relação entre a Filosofia Alemã e a realidade alemã, a relação entre a sua crítica e o seu próprio meio material." Marx se opõe à Hegel nesse sentido, tendo-o como um idealista; não existe, para Marx, um espírito universal motor da história humana, que reaparece de tempos em tempos, em diferentes povos. Na Ideologia Alemã, existe a síntese do que viria a ser o materialismo histórico. A consciência não é aqui um ente abstrato, universal (quase metafísico), mas particular, historicamente produzido por meio das relações de trabalho. Contra o idealismo hegeliano, que realiza uma reflexão sobre a razão, Marx coloca a questão de sobrevivência do homem. O "ser" do homem é seu processo de vida material, real - é o ser social que determina a forma de consciência, não o contrário. "Não é a consciência que determina a vida, mas sim a vida que determina a consciência." Para Hegel o homem distingue-se do animal por ter consciência - atividade além do pensar, pois um animal pensa, mas não pensa que está pensando. Para Marx o homem é o único ser que trabalha. A História é uma ciência para Marx, dividida entre história da natureza e história dos homens; histórias essas que caminham juntas e se condicionam, visto que o homem transforma a natureza por meio do trabalho, produzindo seus meios de vida. O primeiro ato histórico do homem, portanto, é manter-se vivo. Para isso, ele produz sua vida material, produz os meios capazes de satisfazer suas próprias necessidades. Meios esses que produzem outras necessidades e assim por diante. A base da história são os interesses materiais, e nestes, encontramos os antagonismos de produção, oriundos da divisão do trabalho. A luta de classes será o motor da história, para Marx, a história escrita, o relato do vencedor. A sociedade se organiza a partir da relação de dominação que um segmento exerce sobre o outro quando detém os meios de produção. A relação entre senhor e escravo, em sua dialética, nos leva a descobrir como se configuram os meios de sobrevivência de certa sociedade, em tempo e lugares reais. De acordo com Marx, a libertação do homem não se realiza por meio da autoconsciência do espírito universal: "Não é possível levar a cabo uma libertação real sem ser no mundo real e através de meios reais". A crítica à
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ideologia alemã é ácida: "A libertação é um fato histórico e não um fato intelectual, e é provocado por condições históricas, pelo progresso da indústria, do comércio, da agricultura...; estas provocam depois, em virtude dos seus diferentes estágios de desenvolvimento, esses absurdos: a substância, o sujeito, a consciência de si e a crítica pura, assim como os absurdos religiosos e teológicos, que são novamente eliminados quando já estão suficientemente desenvolvidos." Para Marx, a própria filosofia alemã de seu tempo era resultado do desenvolvimento (precário) de suas forças produtivas. Contra todos esses conceitos dominantes na filosofia de seu tempo, Marx, para chegar à "consciência", nos conduz por quatro momentos históricos do homem: a produção da vida material para manter- se vivo; a produção de novas necessidades; a produção da família, ou seja, a reprodução de si mesmo; e a cooperação entre os homens, em determinado modo, para a produção da vida. A consciência aparece como percepção das relações sociais e das outras coisas situadas fora do indivíduo - e não como consciência pura. "A minha consciência é a minha relação com o que me rodeia". O Ocidente viu seu último grande sistema filosófico encerrar-se sob a denominação de Hegelianismo. Sua principal influência pode ser vista não apenas na formação do Marxismo, como também na Fenomenologia, e na formação da teoria e da práxis do Existencialismo. É por essas e outras razões que o filósofo alemão segue como uma referência fundamental para vários campos do conhecimento. http://filosofia.uol.com.br/filosofia/ideologiasabedoria/39/artigo273508-5.asp
FIQUE LIGADO NO ENEM! • Marx se opõe à Hegel tendo-o como um idealista; não existe, para Marx, um espírito universal motor da história humana. A crítica de Marx sobre a dialética hegeliana concentra-se no caráter lógico, que não alcança a natureza, a realidade. Para Marx, a filosofia deve possuir o caráter de transformação, da prática; trata-se da filosofia da práxis. • A existência material do homem é que determina o pensamento, em vez de o pensamento determinar a existência do homem. Primeiro o homem tem que produzir suas condições materiais e concretas de vida, através do trabalho, que são os bens necessários para a sua existência e para sua sobrevivência, e só depois disso o homem poderá filosofar. • O materialismo histórico de Marx parte do princípio de que se o homem está constantemente trabalhando e produzindo os objetos necessários para o sustento da sua vida, cada mudança nessa maneira de produção, faz com que mude a maneira de se viver também. • A desigualdade de propriedade determina a diferença de classes e a dominação de uma classe social por outra. Esses pares de classes sociais antagônicas, mas complementares, mantêm uma oposição de valores e interesses que se manifesta na luta de classes que, por sua vez, se constitui no motor da história. • Se o motor da história é a luta de classes, o fim da divisão entre os homens em classes representaria o fim da história.
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Ciências Humanas e suas Tecnologias Para isso, o proletariado deveria derrubar as bases econômicas em que se fundamenta a existência das classes realizando uma revolução e destituindo a burguesia do poder.
UNIDADE 26 FRIEDRICH NIETZSCHE O DIONISÍACO E O SOCRÁTICO Nietzsche enriqueceu a filosofia moderna com meios de expressão: o aforismo e o poema. Isso trouxe como consequência uma nova concepção da filosofia e do filósofo: não se trata mais de procurar o ideal de um conhecimento verdadeiro, mas sim de interpretar e avaliar. A interpretação procuraria fixar o sentido de um fenômeno, sempre parcial e fragmentário; a avaliação tentaria determinar o valor hierárquico desses sentidos, totalizando os fragmentos, sem, no entanto, atenuar ou suprimir a pluralidade. Assim, o aforismo nietzschiano é, simultaneamente, a arte de interpretar e a coisa a ser interpretada, e o poema constitui a arte de avaliar e a própria coisa a ser avaliada. O intérprete seria uma espécie de fisiologista e de médico, aquele que considera os fenômenos como sintomas e fala por aforismos; o avaliador seria o artista que considera e cria perspectivas, falando pelo poema. Reunindo as duas capacidades, o filósofo do futuro deveria ser artista e médico-legislador, ao mesmo tempo. Para Nietzsche, um tipo de filósofo encontra-se entre os pré-socráticos, nos quais existe unidade entre o pensamento e a vida, esta "estimulando" o pensamento, e o pensamento "afirmando" a vida. Mas o desenvolvimento da filosofia teria trazido consigo a progressiva degeneração dessa característica, e, em lugar de uma vida ativa e de um pensamento afirmativo, a filosofia ter-se-ia proposto como tarefa "julgar a vida", opondo a ela valores pretensamente superiores, mediando-a por eles, impondo-lhes limites, condenando-a. Em lugar do filósofo-legislador, isto é, crítico de todos os valores estabelecidos e criador de novos, surgiu o filósofo metafísico. Essa degeneração, afirma Nietzsche, apareceu claramente com Sócrates, quando se estabeleceu a distinção entre dois mundos, pela oposição entre essencial e aparente, verdadeiro e falso, inteligível e sensível. Sócrates "inventou" a metafísica, diz Nietzsche, fazendo da vida aquilo que deve ser julgado, medido, limitado, em nome de valores "superiores" como o Divino, o Verdadeiro, o Belo, o Bem. Com Sócrates, teria surgido um tipo de filósofo voluntário e sutilmente "submisso", inaugurando a época da razão e do homem teórico, que se opôs ao sentido místico de toda a tradição da época da tragédia.
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Friedrich Nietzsche (1844-1900)
Para Nietzsche, a grande tragédia grega apresenta como característica o saber místico da unidade da vida e da morte e, nesse sentido, constitui uma "chave" que abre o caminho essencial do mundo. Mas Sócrates interpretou a arte trágica como algo irracional, algo que apresenta efeitos sem causas e causas sem efeitos, tudo de maneira tão confusa que deveria ser ignorada. Por isso Sócrates colocou a tragédia na categoria das artes aduladoras que representam o agradável e não o útil e pedia a seus discípulos que se abstivessem dessas emoções "indignas de filósofos". Segundo Sócrates, a arte da tragédia desvia o homem do caminho da verdade: "uma obra só é bela se obedecer à razão", formula que, segundo Nietzsche, corresponde ao aforismo "só o homem que concebe o bem é virtuoso". Esse bem ideal concebido por Sócrates existiria em um mundo supra-sensível, no "verdadeiro mundo", inacessível ao conhecimento dos sentidos, os quais só revelariam o aparente e irreal. Com tal concepção, criou-se, segundo Nietzsche, uma verdadeira oposição dialética entre Sócrates e Dioniso: "enquanto em todos os homens produtivos o instinto é uma força afirmativa e criadora, e a consciência uma força crítica e negativa, em Sócrates o instinto torna-se crítico e a consciência criadora". Assim, Sócrates, o "homem teórico", foi o único verdadeiro contrário do homem trágico e com ele teve início uma verdadeira mutação no entendimento do Ser. Com ele, o homem se afastou cada vez mais desse conhecimento, na medida em que abandonou o fenômeno do trágico, verdadeira natureza da realidade, segundo Nietzsche. Perdendo-se a sabedoria instintiva da arte trágica, restou a Sócrates apenas um aspecto da vida do espírito, o aspecto lógico-racional; faltou-lhe a visão mística, possuído que foi pelo instinto irrefreado de tudo transformar em pensamento abstrato, lógico, racional. Penetrar a própria razão das coisas, distinguindo o verdadeiro do aparente e do erro era, para Sócrates, a única atividade digna do homem. Para Nietzsche, porém, esse tipo de conhecimento não tarda a encontrar seus limites: "esta sublime ilusão metafísica de um pensamento puramente racional associa-se ao conhecimento como um instinto e o conduz incessantemente a seus limites onde este se transforma em arte". Por essa razão, Nietzsche combateu a metafísica, retirando do mundo supra-sensível todo e qualquer valor eficiente, e entendendo as ideias não mais como "verdades" ou "falsidades", mas como "sinais". A única
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existência, para Nietzsche, é a aparência e seu reverso não é mais o Ser; o homem está destinado à multiplicidade, e a única coisa permitida é sua interpretação. O VOO DA ÁGUIA, A ASCENSÃO DA MONTANHA A crítica nietzschiana à metafísica tem um sentido ontológico e um sentido moral: o combate à teoria das ideias socrático-platônicas é, ao mesmo tempo, uma luta acirrada contra o cristianismo. Segundo Nietzsche, o cristianismo concebe o mundo terrestre como um vale de lágrimas, em oposição ao mundo da felicidade eterna do além. Essa concepção constitui uma metafísica que, à luz das ideias do outro mundo, autêntico e verdadeiro, entende o terrestre, o sensível, o corpo, como o provisório, o inautêntico e o aparente. Trata-se, portanto, diz Nietzsche, de "um platonismo para o povo", de uma vulgarização da metafísica, que é preciso desmistificar. O cristianismo, continua Nietzsche, é a forma acabada da perversão dos instintos que caracteriza o platonismo, repousando em dogmas e crenças que permitem à consciência fraca e escava escapar à vida, à dor e à luta, e impondo a resignação e a renúncia como virtudes. São os escravos e os vencidos da vida que inventaram o além para compensar a miséria; inventaram falsos valores para se consolar da impossibilidade de participação nos valores dos senhores e dos fortes; forjaram o mito da salvação da alma porque não possuíam o corpo; criaram a ficção do pecado porque não podiam participar das alegrias terrestres e da plena satisfação dos instintos da vida. "Este ódio de tudo que é humano", diz Nietzsche, "de tudo que é 'animal' e mais ainda de tudo que é 'matéria', este temor dos sentidos... este horror da felicidade e da beleza; este desejo de fugir de tudo que é aparência, mudança, dever, morte, esforço, desejo mesmo, tudo isso significa... vontade de aniquilamento, hostilidade à vida, recusa em se admitir as condições fundamentais da própria vida". Nietzsche propôs a si mesmo a tarefa de recuperar a vida e transmutar todos os valores do cristianismo: "munido de uma tocha cuja luz não treme, levo uma claridade intensa aos subterrâneos do ideal". A imagem da tocha simboliza, no pensamento de Nietzsche, o método filológico, por ele concebido como um método crítico e que se constitui no nível da patologia, pois procura "fazer falar aquilo que gostaria de permanecer mudo". Nietzsche traz à tona, por exemplo, um significado esquecido da palavra "bom". Em latim, bonus significa também o "guerreiro", significado este que foi sepultado pelo cristianismo. Assim como esse, outros significados precisariam ser recuperados; com isso se poderia constituir uma genealogia da moral que explicaria as etapas das noções de "bem" e de "mal". Para Nietzsche essas etapas são o ressentimento ("é tua culpa se sou fraco e infeliz"); a consciência da culpa (momento em que as formas negativas se interiorizam, dizem-se culpadas e voltam-se contra si mesmas); e o ideal ascético (momento de sublimação do sofrimento e de negação da vida). A partir daqui, a vontade de potência torna-se vontade de nada e a vida transforma-se em fraqueza e
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mutilação, triunfando o negativo e a reação contra a ação. Quando esse niilismo triunfa, diz Nietzsche, a vontade de potência deixa de querer significar "criar" para querer dizer "dominar"; essa é a maneira como o escravo a concebe. Assim, na fórmula "tu és mau, logo eu sou bom", Nietzsche vê o triunfo da moral dos fracos que negam a vida, eu negam a "afirmação"; neles tudo é invertido: os fracos passam a se chamar fortes, a baixeza transforma-se em nobreza. A "profundidade da consciência" que busca o Bem e a Verdade, diz Nietzsche, implica resignação, hipocrisia e máscara, e o intérprete-filólogo, ao percorrer os signos para denunciá-las, deve ser um escavador dos submundos a fim de mostrar que a "profundidade da interioridade" é coisa diferente do que ela mesma pretende ser. Do ponto de vista do intérprete que desça até os basfonds da consciência, o Bem é a vontade do mais forte, do "guerreiro", do arauto de um apelo perpétuo à verdadeira ultrapassagem dos valores estabelecidos, do superhomem, entendida esta expressão no sentido de um ser humano que transpõe os limites do humano, é o além-dohomem. Assim, o voo da águia, a ascensão da montanha e todas as imagens de verticalidade que se encontram em Assim falou Zaratustra representam a inversão da profundidade e a descoberta de que ela não passa de um jogo de superfície. A etimologia nietzschiana mostra que não existe um "sentido original", pois as próprias palavras não passam de interpretações, antes mesmo de serem signos, e se elas só significam porque são "interpretações essenciais". As palavras, segundo Nietzsche, sempre foram inventadas pelas classes superiores e, assim, não indicam um significado, mas impõem uma interpretação. O trabalho do etimologista, portanto, deve centralizar-se no problema de saber o que existe para ser interpretado, na medida em que tudo é máscara, interpretação, avaliação. Fazer isso é "aliviar o que vive, dançar, criar". Zaratustra, o intérprete por excelência, é como Dioniso. OS LIMITES DO HUMANO: O ALÉM-DO-HOMEM Em Ecce Homo, Nietzsche assimila Zaratustra a Dioniso, concebendo o primeiro como o triunfo da afirmação da vontade de potência e o segundo como símbolo do mundo como vontade, como um deus artista, totalmente irresponsável, amoral e superior ao lógico. Por outro lado, a arte trágica é concebida por Nietzsche como oposta à decadência e enraizada na antinomia entre a vontade de potência, aberta para o futuro, e o "eterno retorno", que faz do futuro numa repetição; esta, no entanto, não significa uma volta do mesmo nem uma volta ao mesmo; o eterno retorno nietzschiano é essencialmente seletivo. Em dois momentos de Assim falou Zaratustra (Zaratustra doente e Zaratustra convalescente), o eterno retorno causa ao personagemtítulo, primeiramente, uma repulsa e um medo intoleráveis que desaparecem por ocasião de sua cura, pois o que o tornava doente era a idéia de que o eterno retorno estava ligado, apesar de tudo, a um ciclo, e que ele faria tudo voltar, mesmo o homem, o "homem pequeno". O grande desgosto do homem, diz Zaratustra, aí está o que me
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sufocou e que me tinha entrado na garganta e também o que me tinha profetizado o adivinho: tudo é igual. E o eterno retorno, mesmo do mais pequeno, aí está a causa de meu cansaço e de toda a existência. Dessa forma, se Zaratustra se cura é porque compreende que o eterno retorno abrange o desigual e a seleção. Para Dioniso, o sofrimento, a morte e o declínio são apenas a outra face da alegria, da ressurreição e da volta. Por isso, "os homens não têm de fugir à vida como os pessimistas", diz Nietzsche, "mas, como alegres convivas de um banquete que desejam suas taças novamente cheias, dirão à vida: uma vez mais". Para Nietzsche, portanto, o verdadeiro oposto a Dioniso não é mais Sócrates, mas o Crucificado. Em outros termos, a verdadeira oposição é a que contrapõe, de um lado, o testemunho contra a vida e o empreendimento de vingança que consiste em negar a vida; de outro, a afirmação do devir e do múltiplo, mesmo na dilaceração dos membros dispersos de Dioniso. Com essa concepção, Nietzsche responde ao pessimismo de Schopenhauer: em lugar do desespero de uma vida para a qual tudo se tornou vão, o homem descobre no eterno retorno a plenitude de uma existência ritmada pela alternância da criação e da destruição, da alegria e do sofrimento, do bem e do mal. O eterno retorno, e apenas ele, oferece, diz Nietzsche, uma "saída fora da mentira de dois mil anos", e a transmutação dos valores traz consigo o novo homem que se situa além do próprio homem. Esse super-homem nietzschiano não é um ser, cuja vontade "deseje dominar". Se se interpreta vontade de potência, diz Nietzsche, como desejo de dominar, faz-se dela algo dependente dos valores estabelecidos. Com isso, desconhece-se a natureza da vontade de potência como princípio plástico de todas as avaliações e como força criadora de novos valores. Vontade de potência, diz Nietzsche, significa "criar", "dar" e "avaliar". Nesse sentido, a vontade de potência do super-homem nietzschiano o situa muito além do bem e do mal e o faz desprender-se de todos os produtos de uma cultura decadente. A moral do além-do-homem, que vive esse constante perigo e fazendo de sua vida uma permanente luta, é a moral oposta à do escravo e à do rebanho. Oposta, portanto, à moral da compaixão, da piedade, da doçura feminina e cristã. Assim, para Nietzsche, bondade, objetividade, humildade, piedade, amor ao próximo, constituem valores inferiores, impondo-se sua substituição pela virtù dos renascentistas italianos, pelo orgulho, pelo risco, pela personalidade criadora, pelo amor ao distante. O forte é aquele em que a transmutação dos valores faz triunfar o afirmativo na vontade de potência. O negativo subsiste nela apenas como agressividade própria à afirmação, como a crítica total que acompanha a criação; assim, Zaratustra, o profeta do além-do-homem, é a pura afirmação, que leva a negação a seu último grau, fazendo dela uma ação, uma instância a serviço daquele que cria, que afirma. Compreende-se, assim, porque Nietzsche desacredita das doutrinas igualitárias, que lhe parecem "imorais", pois impossibilitam que se pense a diferença entre os valores dos "senhores e dos escravos". Nietzsche recusa o
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socialismo, mas em Vontade de Potência exorta os operários a reagirem "como soldados". UMA FILOSOFIA CONFISCADA Apoiado na crítica nietzschiana aos valores da moral cristã, em sua teoria da vontade de potência e no seu elogio do super-homem, desenvolveu-se um pensamento nacionalista e racista, de tal forma que se passou a ver no autor de Assim Falou Zaratustra um percursor do nazismo. A principal responsável por essa deformação foi sua irmã Elisabeth, que, ao assegurar a difusão de seu pensamento, organizando o Nietzsche-Archiv, em Weimar, tentou colocá-lo a serviço do nacionalsocialismo. Elisabeth, depois do suicídio do marido, que fracassara em um projeto colonial no Paraguai, reuniu arbitrariamente notas e rascunhos do irmão, fazendo publicar Vontade de Potência como a última e a mais representativa das obras de Nietzsche, retendo até 1908, Ecce Homo, escrita em 1888. Esta obra constitui uma interpretação, feita por Nietzsche, de sua própria filosofia, que não se coaduna com o nacionalismo e o racismo germânicos. Ambos foram combatidos pelo filósofo, desde sua participação na guerra franco-prussiana (1870-1871). Por ocasião desse conflito, Nietzsche alistou-se no exército alemão, mas seu ardor patriótico logo se dissolveu, pois, para ele, a vitória da Alemanha sobre a França teria como consequência "um poder altamente perigoso para a cultura". Nessa época, aplaudia as palavras de seu colega em Basiléia, Jacob Burckhardt (1818-1897), que insistia junto a seus alunos para que não tomassem o triunfo militar e a expansão de um Estado como indício de verdadeira grandeza. Em Para Além de Bem e Mal, Nietzsche revela o desejo de uma Europa unida para enfrentar o nacionalismo ("essa neurose") que ameaçava subverter a cultura europeia. Por outro lado, quando confiou ao "louro" a tarefa de "virilizar a Europa", Nietzsche levou até a caricatura seu desprezo pelos alemães, homens "que introduziram no lugar da cultura a loucura política e nacional... que só sabem obedecer pesadamente, disciplinados como uma cifre oculta em um número". No mesmo sentido, Nietzsche caracterizou os heróis wagnerianos como germanos que não passam de "obediência e longas pernas". E acabou rompendo definitivamente com Wagner, por causa do nacionalismo e anti-semitismo do autor de Tristão e Isolda: "Wagner condescende a tudo que desprezo, até o anti-semitismo". Para compreender corretamente as ideias políticas de Nietzsche, é necessário, portanto, purificá-lo de todos os desvios posteriores que foram cometidos em seu nome. Nietzsche foi ao mesmo tempo um antidemocrático e um antitotalitário. "A democracia é a forma histórica de decadência do Estado", afirmou Nietzsche, entendendo por decadência tudo aquilo que escraviza o pensamento, sobretudo um Estado que pensa em si em lugar de pensar na cultura. Em Considerações Extemporâneas essa tese é reforçada: "estamos sofrendo as consequências das doutrinas pregadas ultimamente por todos os lados,
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segundo as quais o estado é o mais alto fim do homem, e, assim, não há mais elevado fim do que servi-lo. Considero tal fato não um retrocesso ao paganismo mas um retrocesso à estupidez". Por outro lado, Nietzsche não aceitava as considerações de que a origem do Estado seja o contrato ou a convenção; essas teorias seriam apenas "fantásticas"; para ele, ao contrário, o Estado tem uma origem "terrível", sendo criação da violência e da conquista e, como consequência, seus alicerces encontram-se na máxima que diz: "o poder dá o primeiro direito e não há direito que no fundo não seja arrogância, usurpação e violência". O Estado, diz Nietzsche, está sempre interessado na formação de cidadãos obedientes e tem, portanto, tendência a impedir o desenvolvimento da cultura livre, tornando-a estática e estereotipada. Ao contrário disso, o Estado deveria ser apenas um meio para a realização da cultura e para fazer nascer o além-do-homem. ASSIM FALOU ZARATUSTRA Em Ecce Homo, Nietzsche intitulou seus capítulos: "Por que sou tão finalista?", "Por que sou tão sábio?", "Por que sou tão inteligente?", "Por que escrevo livros tão bons?". Isso levou muitos a considerarem sua obra como anormal e desqualificada pela loucura. Essa opinião, no entanto, revela um superficial entendimento de seu pensamento. Para entendê-lo corretamente, é necessário colocar-se dentro do próprio núcleo de sua concepção da filosofia: Nietzsche inverteu o sentido tradicional da filosofia, fazendo dela um discurso ao nível da patologia e considerando a doença "um ponto de vista" sobre a saúde e vice-versa. Para ele, nem a saúde, nem a doença são entidades; a fisiologia e a patologia são uma única coisa; as oposições entre bem e mal, verdadeiro e falso, doença e saúde são apenas jogos de superfície. Há uma continuidade, diz Nietzsche, entre a doença e a saúde e a diferença entre as duas é apenas de grau, sendo a doença um desvio interior à própria vida; assim, não há fato patológico. A loucura não passa de uma máscara que esconde alguma coisa, esconde um saber fatal e "demasiado certo". A técnica utilizada pelas classes sacerdotais para a cura da loucura é a "meditação ascética", que consiste em enfraquecer os instintos e expulsar as paixões; com isso, a vontade de potência, a sensualidade e o livre florescimento do eu são considerados "manifestações diabólicas". Mas, para Nietzsche, aniquilar as paixões é uma "triste loucura", cuja decifração cabe à filosofia, pois é a loucura que torna mais plano o caminho para as ideias novas, rompendo os costumes e as superstições veneradas e constituindo uma verdadeira subversão dos valores. Para Nietzsche, os homens do passado estiveram mais próximos da ideia de que onde existe loucura há um grão de gênio e de sabedoria, alguma coisa de divino: "Pela loucura os maiores feitos foram espalhados foram espalhados pela Grécia". Em suma, aos "filósofos além de bem e mal", aos emissários dos novos valores e da nova moral não resta outro recurso, diz Nietzsche, a não ser o de proclamar as novas leis e quebrar o jugo da
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moralidade, sob o travestimento da loucura. É dentro dessa perspectiva, portanto, que se deve compreender a presença da loucura na obra de Nietzsche. Sua crise final apenas marcou o momento em que a "doença" saiu de sua obra e interrompeu seu prosseguimento. As últimos cartas de Nietzsche são o testemunho desse momento extremo e, como tal, pertencem ao conjunto de sua obra e de seu pensamento. A filosofia foi, para ele, a arte de deslocar as perspectivas, da saúde à doença, e a loucura deveria cumprir a tarefa de fazer a crítica escondida da decadência dos valores e aniquilamento: "Na verdade, a doença pode ser útil a um homem ou a uma tarefa, ainda que para outros signifique doença... Não fui um doente nem mesmo por ocasião da maior enfermidade". http://www.mundodosfilosofos.com.br/nietzsche.htm
FIQUE LIGADO NO ENEM! • Nietzsche formula uma crítica aguda e radical aos valores tradicionais da cultura ocidental, que considera decadentes, ao conservadorismo e à visão de mundo burguesa, ao cristianismo, enfim, a toda uma forma de vida que considera contrária à criatividade e à espontaneidade da natureza humana. • Para ele, esse apego deve-se à forte influência que a antiga tradição grega e a judaico-cristã exercem sobre o pensamento filosófico clássico. Os valores do passado não podem ser admitidos como parâmetros para avaliar a conduta do homem contemporâneo. A tarefa da filosofia deveria ser assim a de libertar o homem dessa tradição, anunciando uma nova era, uma nova forma de pensar e agir, através da “transmutação de todos os valores”. • Na sua concepção, o cristianismo é perigoso porque admite como válida a moral do fraco e preconiza o amor cristão. Recusa na doutrina cristã o seu efeito de submeter os homens à vontade de Deus e de igualar todos eles, acreditando que, de fato, não existe uma diferença valorativa entre um homem e outro. • O ser humano livre, ousado, criativo, que valoriza, sobretudo, a vida, deve novamente ocupar seu papel de líder e simplesmente se entregar ao mais puro e verdadeiro dos ímpetos: a vontade de poder. Poder que será usado não só para as conquistas políticas, mas também, e principalmente, para a edificação da própria cultura, uma vez que somente este homem pode, com legitimidade, engendrar novos valores. • Nietzsche expressa que Deus está morto, e que agora o homem terá que assumir a responsabilidade pela sua própria vida. Não devemos alimentar a esperança de uma outra vida que não esta vivida aqui e agora, presente neste mundo. • Surge disso uma nova forma de estabelecer os valores. O bom agora seria tudo aquilo que ajuda na afirmação da vida. Dessa forma, passamos a nos envolver com tudo o que significa comprometimento com o eu. E, justamente por estar comprometido com o eu, é que todo homem deve, permanentemente, ousar, reavaliar suas crenças e valores, procurando sempre a autorrealização.
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UNIDADE 27 JEAN PAUL SARTRE "O Ser e o Nada" tornou-se a obra fundamental da teoria existencialista. Nele está contida praticamente toda a filosofia de Jean-Paul Sartre. Porém, Sartre apresentou o seu existencialismo de uma forma muito mais clara e breve em "O Existencialismo é um Humanismo", uma conferência dada em Paris em 1945. Seus seguidores, no entanto, alegam que, nesse ensaio, sua abordagem do assunto é popular e superficial, e não se pode confiar nela como uma exposição do seu pensamento. Mas é importante lembrar que Sartre não é o fundador do existencialismo.O pensador cristão dinamarquês Kierkegaard (1813-1855) é geralmente considerado como o primeiro existencialista moderno. EXISTENCIALISMO Existir no sentido etimológico, é "sair de". "Por exemplo, - diz Sartre em "A Nausea" -, eu me sinto triste; mas tomar consciência de meu desgosto é colocá-lo como um objeto a distancia de mim. Pois o eu que diz 'estou triste' não é mais, de modo algum, o eu que está triste. Assim o homem está por sua consciência, sempre além de si mesmo. Eis o sentido do 'ex-istencialismo'." As filosofias existencialistas aparecem sob diversas formas, sendo que a divisão mais radical é entre o ponto de vista religioso e o ateu. Sartre é o fundador e principal pensador dessa última corrente. O NADA. A influência do idealista G. W. F. Hegel em Sartre torna-se aparente quando o filósofo tenta interpretar tudo pelo método dialético, isto é, através de uma tensão de opostos. A dialética do "ser-um-com-o-outro" do homem é central: ver e ser visto corresponde a dominar e a ser dominado. Ser e não ser, como em "O Ser e o Nada" é outro exemplo dessa influência hegeliana, em que o confronto é entre a consciência e o seu objeto.
revela algo, apresenta algo, está voltado e direcionado para algo fora dela mesma, daí dizer-se que a consciência é intencional. Ela não existe sem estar voltada, sem estar representando, criando a presença de um objeto. Os objetos da consciência são reais, ainda que alguns sejam ideais, eles existem como fenômenos, - como imagens -, e porque existem Sarte os considera "seres em si", completos, acabados, de fato existentes. Porém, há também um conhecimento ou consciência de que se é consciente, isto é, uma consciência da consciência. Então, diz Sartre, a consciência é um ser "para si". Sem seu objeto, a consciência é um nada, um não-ser, pois que somente existe na relação de si mesma com o "ser em si". Ela procura o "ser em si" para fundar a si mesma, o que significa que ela destrói o "ser em si", transformando-o no seu próprio nada. "O ser e o nada", título de seu livro, refere-se a esses dois tipos de ser: o "ser em si" (fenômeno) e o "ser para si" (consciência). Esta concepção do nada como algo que existe, que é a consciência, é importante para Sartre. É preciso notar aqui que é esta constante separação daquilo que somos, que Sartre chama o "nada", que obriga a realidade humana a se fazer ao invés de ser. A realidade humana é nada precisamente no que ela não é, mas está a se fazer incessantemente: O "nada", em Sartre, não é uma constatação niilista. E, em suma, a categoria do ideal, dos objetos ideais.. É importante encontrar um lugar para o "nada", poder dar existência ao "nada", a fim de fazer real a possibilidade da negativa. "A capacidade de conceber a negativa constitui a liberdade de imaginar outras possibilidades"... O poder de negar é a possibilidade de escolher, é o princípio da liberdade do pensamento (de imaginar possibilidades) e da liberdade de ação (o tentar realizá-las). Pode-se, no entanto, criticar o postulado de Sartre de que a consciência pode fazer juízos negativos, como algo sem sentido. Os seus críticos apontam que um juízo negativo pode ser expresso em uma sentença negativa. "Pedro não está aqui" é tão verdade quanto "Pedro está fora daqui". O juízo é sempre afirmativo. Mas Sartre pretende "a existência objetiva de um não-ser", do "Nada". É claro, porém, que a intencionalidade vem primeiro e, depois que se manifesta, alguma coisa foi escolhida, sem que nada seja previamente negado. É um paradoxo que a escolha dependa primeiro de negar determinadas possibilidades. Negar primeiro já é colocar a intencionalidade na negação. O HOMEM
Jean Paul Sartre (1905-1980)
Como de resto todos os fenomenologistas, Sartre tem como ponto de partida o caráter intencional da consciência. Todo modo de consciência representa algo,
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Como seres conscientes estamos sempre querendo preencher o "nada" que é a essência do nosso ser consciente; queremos nos transformar em coisas em vez de permanecer perpetuamente num estado em que as possibilidades estão sempre irrealizadas. É o principal postulado do existencialismo sartreano que não há afirmações gerais verdadeiras sobre o que os homens devem ser. Sartre leva esse indeterminismo às suas mais radicais consequências; nega que haja uma
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natureza humana: não há nenhuma coisa como uma natureza humana que seja comum a todos os seres humanos; nenhuma coisa como uma essência específica que defina o que seja ser humano existe!. Por exemplo, para Aristóteles, e os filósofos gregos, a essência de ser humano era ser racional. Mas para Sartre, a pessoa deve produzir sua própria essência, porque nenhum Deus criou seres humanos de acordo com um conceito, um projeto divino definido. - você é o que você faz de você mesmo. Quando diz "a existência do homem precede sua essência", ou "no homem, a existência precede a essência", ele quer dizer que o homem se apresentou no mundo sem qualquer projeto concebido previamente por um Criador. Não havendo tal essência, todos são iguais e igualmente livres para se fazerem. "Nojento", como salienta em "A Náusea" é exatamente aquele que esquece isso e se investe de certa "superioridade essencial". Mas não existe "ladrão ou marginal em essência", assim como não há "gente honesta em essência". Transformar o outro em coisa inferior, para se colocar numa essência superior, é negar simultaneamente a sua liberdade e a própria. Enquanto o olhar de alguém objetiva o outro em coisa essencialmente inferior, o outro, por sua vez, olha e constitui esse alguém num carrasco e ele terá vergonha desse seu olhar. É no universo dos nojentos e dos covardes que vale a dolorosa constatação de "Entre quatro paredes": "o inferno são os outros". Assim, não há uma natureza humana, visto que não há Deus para a conceber: o homem não é mais do que aquilo que ele faz de si mesmo. Tal é o primeiro principio do existencialismo ateu. Mas Sartre salienta que aquilo que vulgarmente entendemos por querer, é uma decisão consciente que, para a maior parte de nós, é posterior ao que alguém já fez de si mesmo. LIBERDADE No entender de Sartre, estamos "condenados à liberdade"; não há limite para nossa liberdade, exceto o de que "não somos livres para deixarmos de sermos livres." Porque não há nenhum Deus e portanto não há qualquer plano divino que determine o que deve acontecer, não há nenhum determinismo. O homem é livre. Nada o força a fazer o que faz. "Nós estamos sozinhos, sem desculpas." O homem não pode desculpar sua ação dizendo que está forçado por circunstâncias ou movido pela paixão ou determinado de alguma maneira a fazer o que faz. A ANGÚSTIA Seguindo a Kierkegaard, Sartre usa o termo "angústia" para descrever essa consciência da própria liberdade. Nós estamos livres porque nós não podemos confiar em um Deus ou na sociedade para justificar nossa ação ou para nos dizer o que e quem nós somos. Nós estamos condenados porque sem diretrizes absolutas, nós devemos sofrer a agonia de nossa tomada de decisão e a angustia de suas consequências. A angustia é, então, a consciência da própria liberdade... A angústia é a consciência dessa liberdade de escolha, a consciência da imprevisibilidade
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última do próprio comportamento... Uma pessoa à beira de um penhasco perigoso tem medo de cair, e sente angustia ao pensar que nada o impede de se jogar lá embaixo, de se lançar no abismo.. O pensamento mais angustioso de todos é quando, num dado momento, nós não sabemos como nós iremos nos comportar no momento seguinte. Sartre descreve a vida humana como "uma consciência infeliz". O homem está sempre tentando alcançar um estado em que não restariam possibilidades irrealizadas, no qual diria: "eu não tinha outra escolha, situação em que seria um objeto em vez de um ser consciente, com opções e liberdade. Mas, argumenta, "Não podemos chegar a um estado em que não restem possibilidades irrealizadas", ou aí estaríamos determinados, sem escolha possível e portanto sem liberdade. Não há fuga possível da angústia da liberdade; fugir à responsabilidade é em si mesmo uma escolha. A "MÁ FÉ". Às vezes nós escapamos da ansiedade fingindo que nós não estamos livres, como quando nós fingimos que nossos genes ou nosso ambiente são a causa de como nós agimos. Nós nos permitimos ser auto-enganados ou mentir para nós mesmos, especialmente quando isto toma a forma de responsabilizar as circunstâncias por nosso fado e de não lançar mão da liberdade para realizar a nós mesmos na ação. Quando nós fingimos, nós agimos de má fé. A má fé é a tentativa de fugir da angústia fingindo que não somos livres. Tentamos nos convencer que as nossas atitudes e ações são determinadas pela nossa personalidade, por nossa situação, ou por qualquer outra coisa fora de nós mesmos". Porém, diz Sartre, o que é aprendido, ou os propósitos, as experiências passadas, não determinam o comportamento atual.. Segundo ele, "nenhum motivo ou resolução passada determina o que fazemos agora". "Cada momento requer uma escolha nova ou renovada". Negar a liberdade é, a seus olhos, uma tomada de posição covarde, a fim de fugir da angústia da escolha, e achar o repouso e a segurança na confortável ilusão de ser uma essência acabada. Sartre diz que, porque não existe Deus, o homem não foi criado para nenhum propósito particular, essência alguma. Dizer que estamos obrigados por nossa natureza, nosso papel na vida, a agir de certo modo constitui "má fé". A PSICANÁLISE EXISTENCIAL. Sartre rejeita enfaticamente a ideia de causas inconscientes dos fatos psíquicos; para ele tudo que está na mente é consciente. Rompeu com a psicanálise por esta retirar a responsabilidade do indivíduo ao invocar a ação de uma força subconsciente e estados mentais inconscientes, que, para Sartre, não existem. Sustenta que a consciência é necessariamente transparente para si mesma. Todos os aspectos de nossas vidas mentais são intencionais, escolhidos, e de nossa responsabilidade, o
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que é incompatível com o total determinismo psíquico postulado por Freud. Teríamos de atribuir a repressão inconsciente a alguma instância dentro da mente (a "censura") que distingue entre o que será reprimido e o que pode ficar consciente, de forma que essa censura tem de estar a par da ideia reprimida a fim de não estar a par dela. Portanto, o inconsciente não é verdadeiramente inconsciente. Em algum nível eu estou consciente, e escolho, o que vou e o que não vou permitir vir claramente à minha consciência. Por isso não posso usar "o inconsciente" como uma desculpa para meu comportamento. Mesmo que eu não possa admitir para mim mesmo, eu estou consciente e escolhendo. Mesmo na decepção que sofro, eu sei que sou eu aquele que me decepciona, e o assim chamado "Censor" de Freud deve estar consciente para saber o que reprimir. Aqueles que usam o inconsciente como desculpa do comportamento acreditam que nossos instintos, nossas inclinações e nossos complexos constituem uma realidade que simplesmente é; que não é verdadeira nem falsa em si mesma mas simplesmente real. Somos responsáveis por nossas emoções, visto que há maneiras que escolhemos para reagir frente ao mundo. Somos também responsáveis pelos traços duradouros da nossa própria personalidade. Não podemos dizer "sou tímido", como se isto fosse um fato imutável, uma vez que nossa timidez representa a forma como agimos, e que podemos escolher agir diferentemente. Nossos atos nos definem. Na vida, o homem se compromete, desenha seu próprio retrato e não há mais nada senão esse retrato. Nossas ilusões e imaginação a nosso respeito, sobre o que poderíamos ter sido, são decepções auto-infligidas. Permanentemente estamos a nos fazer do modo que somos. Uma pessoa "corajosa" é simplesmente alguém que geralmente age com bravura. Cada ato contribui para nos definir como somos, e em qualquer momento podemos começar a agir de modo diferente e desenhar um retrato diferente de nós mesmos. Há sempre uma possibilidade de mudança, de começar a fazer um tipo diferente de escolha. Temos o poder de nos transformar indefinidamente.. O instrumento proposto por Sartre para que possamos conseguir um auto-conhecimento genuíno é a Análise Existencial. Ele chama "Psicanálise Existencial" a "Uma psicanálise que busca não as causas do comportamento de uma pessoa, mas o seu sentido" (O que o comportamento exprime como escolha). A função desta psicanálise não é procurar as causas inconscientes do comportamento de uma pessoa, mas o significado desse comportamento. A realidade humana identifica-se e se define pelos fins que busca e não por pretensas "causas" no passado. Nenhuma "essência" determinada de mim mesmo orienta a priori meu comportamento. Porém, há o que Sartre chama "Projeto Original". Como uma pessoa é essencialmente uma unidade, e não apenas um amontoado de desejos ou hábitos sem relação, deve haver para cada uma delas uma escolha fundamental por um papel ou script de vida, o "projeto original", o qual dá o significado de qualquer aspecto específico de seu comportamento.
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SOCIALISMO Sartre rompeu com o socialismo e a psicanálise considerando o quanto o Existencialismo se opõe à teoria psicanalítica. A submissão ao inconsciente significaria cerceamento da liberdade. O mesmo diz do socialismo. Depois de renunciar ele mesmo ao comunismo, denunciou que o planejamento social implica restrição ou perda total da liberdade. Os existencialistas acreditam na capacidade de todo indivíduo de escolher as suas atitudes, objetivos, valores e formas de vida e seu postulado de liberdade representa obstáculo intransponível ao conformismo requerido pelo planejamento socialista e sua negação da individualidade em favor do social e coletivo. Posteriormente Sartre adotou uma forma de marxismo que ele considerava como a "filosofia inescapável do nosso tempo", que só precisava ser refertilizada pelo existencialismo. Esta mudança de ponto de vista encontrase na sua "Crítica da Razão Dialética", volume I, de 1960. DEUS Sartre é um existencialista ateu. Segundo Sartre, o homem está abandonado; Deus não existe e, para Sartre, a não-existência de Deus tem implicações extremadas. Aliás, alguns dos problemas principais que se levantam do abandono parecem também levantar-se meramente do fato de nós não podermos saber se Deus existe. Se Deus realmente existe, nós "não estamos abandonados". O problema do abandono levanta-se meramente do fato de nós não podermos saber se Deus existe. Sua existência em tais condições equivale, para Sartre, em uma nãoexistência efetiva, que tem implicações drásticas. Primeiro, porque não há Deus, não há nenhum criador do homem e nem tal coisa como um concepção divina do homem de acordo com a qual o homem foi criado. Segundo, diz ele, louvando-se em Dostoiévski (na fala de Ivan Karamazov, na famosa novela daquele escritor russo): Se Deus não existe, então tudo é permitido. Terceiro, "Não há um sentido ou propósito último inerente à vida humana; a vida é absurda". Isto significa que o indivíduo, foi jogado de fato na existência sem nenhuma razão real para ser. "Simplesmente descobrimos que existimos e temos então de decidir o que fazer de nós mesmos.". Resta como o único valor para o existencialismo ateu a liberdade. Afirma que não pode haver uma justificativa objetiva para qualquer outro valor. Porque não há nenhum Deus, não há nenhum padrão objetivo dos valores. Com o desaparecimento dele desaparece também toda possibilidade de encontrar valores. Não pode então haver qualquer bem a priori porque se nós não sabemos se Deus existe, então nós não sabemos se há alguma razão final porque as coisas acontecem da maneira que acontecem; não há nenhuma razão final porque qualquer coisa tenha acontecido ou porque as coisas são da maneira que elas são e não de alguma outra maneira e nós não sabemos se aqueles valores que acreditamos que estão baseados em
Filosofia
Deus têm realmente validade objetiva. Consequentemente, porque um mundo sem Deus não tem valores objetivos, nós devemos estabelecer ou inventar, a partir da liberdade, nossos próprios valores particulares. Na verdade, mesmo se nós soubéssemos que Deus existe e aceitássemos que os valores devessem basear-se em Deus, nós ainda poderíamos não saber que valores estariam baseados em Deus, nós poderíamos ainda assim não saber quais seriam os critérios e os padrões absolutos do certo e do errado. E mesmo se nós sabemos quais são os padrões do certo e do errado (critérios), exatamente o que significam ainda seria matéria da interpretação subjetiva. E assim o dilema humano que resultaria poderia ser muitíssimo o mesmo como se não houvesse Deus. ÉTICA Sartre acredita na capacidade de todo indivíduo de escolher as suas atitudes, objetivos, valores e formas de vida. É uma ilusão a crença de que os valores existem objetivamente no mundo, em vez de serem criados apenas pela escolha humana. Recomenda honestidade, ou seja, que façamos nossas escolhas individuais com plena consciência de que são autenticamente nossas e nada as determina por nós. Parece assim que Sartre, a partir das próprias premissas, teria que elogiar o homem que escolhe devotar a vida à exterminação dos judeus, contanto que ele escolha isso com plena consciência do que está fazendo. Porém, paradoxalmente, a "sinceridade" que iria contrapor-se à má fé, não é inteiramente possível. O ideal de sinceridade completa parece condenado ao fracasso por dois motivos. Primeiro, uma vez que não podemos ser simplesmente objetos observados e corretamente descritos, não podemos ser considerados, nem por nós mesmos, como honestos. Segundo, por que se é sincero no mal. Assim sendo, o único valor fundamental e universal para o existencialismo é a liberdade. Diz Sartre "Não pode haver uma justificativa objetiva para qualquer outro valor". A única recomendação positiva que Sartre pode fazer é que deveríamos evitar a má fé e procurar fazer escolhas autênticas. http://www.cobra.pages.nom.br/fcp-sartre-II.html
FIQUE LIGADO NO ENEM! • Conforme Sartre se Deus não existe, não há natureza humana, um ser do homem que se manifesta em todos os indivíduos da espécie. O homem inicialmente não é nada, sendo então um projeto que faz a si mesmo em sua existência. Em uma só expressão: a existência precede a essência. • Assim, não existindo um conteúdo substancial da consciência humana, os homens são totalmente vazios de ser e, por conseguinte, repletos de possibilidades. Desprovidos de uma natureza que determine suas condutas cotidianas e seus valores morais, os indivíduos elaboram seu ser nas ações com as quais protagonizam o curso das suas vidas. • Segundo Sartre “o homem está condenado a ser livre”, porque, ainda que não tenha sido criado por Deus, não foi ele quem criou a si mesmo; e livre porque, uma vez que está no
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mundo, é responsável por tudo aquilo que fizer. O homem precisa assumir essa liberdade vivendo autenticamente seu projeto de vida recusando os papéis sociais que lhe são impostos pelas normas convencionais da sociedade. • Sartre acredita que na realização do seu ser através das suas escolhas, os indivíduos não pensam somente em si próprios, mas pensam também em todos os homens, pois, quando um indivíduo escolhe com responsabilidade o que é melhor para si, estabelece um parâmetro daquilo que considera pertinente para os demais seres humanos.
Exercícios 1. (ENEM 2010/1) A política foi, inicialmente, a arte de impedir as pessoas de se ocuparem do que lhes diz respeito. Posteriormente, passou a ser a arte de compelir as pessoas a decidirem sobre aquilo de que nada entendem. VALÉRY, P. Cadernos. Apud BENEVIDES, M. V. M. A cidadania ativa. São Paulo: Ática, 1996.
Nessa definição o autor entende que entende que a história da política está dividida em dois momentos principais: um primeiro, marcado pelo autoritarismo excludente, e um segundo, caracterizado por uma democracia incompleta. Considerando o texto, qual é o elemento comum a esses dois momentos da história política? a) A distribuição equilibrada do poder. b) O impedimento da participação popular. c) O controle das decisões por uma minoria. d) A valorização das opiniões mais competentes. e) A sistematização dos processos decisórios. 2. (ENEM 2010/1) A lei não nasce da natureza, junto das fontes frequentadas pelos primeiros pastores; a lei nasce das batalhas reais, das vitórias, dos massacres, das conquistas que têm sua data e seus heróis de horror: a lei nasce das cidades incendiadas, das terras devastadas; ela nasce com os famosos inocentes que agonizam no dia que está amanhecendo. FOUCAULT, M. Aula de 14 de janeiro de 1976. In: Em defesa da sociedade. São Paulo: Martins Fontes, 1999.
O filósofo Michel Foucault (séc. XX) inova ao pensar a política e a lei em relação ao poder e à organização social. Com base na reflexão de Foucault, a finalidade das leis na organização das sociedades modernas é: a) combater ações violentas na guerra entre as nações. b) coagir e servir para refrear a agressividade humana. c) criar limites entre a guerra e a paz praticadas entre os indivíduos de uma mesma nação. d) estabelecer princípios éticos que regulamentam as ações bélicas entre países inimigos. e) organizar as relações de poder na sociedade e entre os Estados. 3. (ENEM 2010/1)
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Isso justifica o caráter vagaroso da redemocratização e da redistribuição da renda. Mas não é assim. A sociedade é muito mais avançada que o sistema político. Ele se mantém porque consegue convencer a sociedade de que é a expressão dela, de seu conservadorismo. NOBRE, M. Dos ismos que não rimam. Disponível em: www.unicamp.br. Acesso em: 28 mar. 2014 (adaptado) QUINO. Toda Mafalda. São Paulo: Martins Fontes, 1991.
Democracia: “regime político no qual a soberania é exercida pelo povo, pertence ao conjunto dos cidadãos.” JAPIASSÚ, H.; MARCONDES, D. Dicionário Básico de Filosofia. Rio de Janeiro: Zahar, 2006.
Uma suposta “vacina” contra o despotismo, em um contexto democrático, tem por objetivo: a) impedir a contratação de familiares para o serviço público. b) reduzir a ação das instituições constitucionais. c) combater a distribuição equilibrada de poder. d) evitar a escolha de governantes autoritários. e) restringir a atuação do Parlamento. 4. (ENEM 2011) TEXTO I A ação democrática consiste em todos tomarem parte do processo decisório sobre aquilo que terá consequência na vida de toda coletividade. GALLO, S. et al. Ética e Cidadania. Caminhos da Filosofia. Campinas: Papirus, 1997 (adaptado)
TEXTO II É necessário que haja liberdade de expressão, fiscalização sobre órgãos fundamentais e acesso por parte da população às informações trazidas a público pela imprensa. Disponível em: HTTP://www.observatoriodaimprensa.com.br. Acesso em: 24 abr. 2010.
Partindo da perspectiva de democracia apresentada no Texto I, os meios de comunicação, de acordo com o Texto II, assumem um papel relevante na sociedade por: a) orientarem os cidadãos na compra dos bens necessários à sua sobrevivência e bem-estar. b) fornecerem informações que fomentam o debate político na esfera pública. c) apresentarem aos cidadãos a versão oficial dos fatos. d) propiciarem o entretenimento, aspecto relevante para conscientização política. e) promoverem a unidade cultural, por meio das transmissões esportivas. 5. (ENEM 2014) Existe uma cultura política que domina o sistema e é fundamental para entender o conservadorismo brasileiro. Há um argumento, partilhado pela direita e pela esquerda, de que a sociedade brasileira é conservadora. Isso legitimou o conservadorismo do sistema político: existiriam limites pra transformar o país, porque a sociedade é conservadora, não aceita mudanças bruscas.
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A característica do sistema político brasileiro, ressaltada no texto, obtém sua legitimidade da a) dispersão regional do poder econômico. b) polarização acentuada da disputa partidária. c) orientação radical dos movimentos populares d) condução eficiente das ações administrativas. e) sustentação ideológica das desigualdades existentes. GABARITO 1 C
2 E
3 D
4 B
5 E
UNIDADE 27 LUDWIG WITTGENSTEIN A FILOSOFIA ANALÍTICA DE WITTGENSTEIN A filosofia da linguagem é um ramo da filosofia contemporânea surgida do final do século XIX ao início do século XX, cujos principais representantes são Frege, Russell, Moore e Wittgenstein. Todos esses filósofos acreditavam na ideia de que a filosofia era puramente a análise e a arte de filosofar e, consequentemente, a arte de analisar o significado dos enunciados e, sendo assim, a análise da própria linguagem. O objetivo geral da filosofia analítica era contribuir para o entendimento de tais enunciados e para o esclarecimento das ideias e do pensamento humanos. Como já mencionamos anteriormente a contribuição de Russel nesta fase inicial da filosofia analítica foi de suma importância e se materializou com a publicação de sua teoria a respeito das descrições definidas, onde, por meio da análise de fases, provocou furor na comunidade de filósofos da época. Entretanto, não cometeremos a injustiça de atribuir apenas a ele o novo ramo da filosofia, nem tampouco a Wittgenstein que de longe foi o mais importante e profundo de todos que, ao lado de Moore e Frege, foram os responsáveis pela denominada "virada linguística". Com os trabalhos desses filósofos, o mundo tinha uma nova maneira de pensar e fazer filosofia, a denominada filosofia analítica que inicialmente recebeu o nome de filosofia continental. Outrossim, é de bom alvitre que se anote que a filosofia analítica, já à época de seu surgimento, comportava duas correntes, a saber: o empirismo lógico e a filosofia da linguagem, propriamente dita. À primeira corrente filiou-se Frege e depois Russel,
Filosofia
num segundo momento. À segunda corrente filiou-se Moore e Wittgenstein. Este, aprofundou seus estudos, desenvolvendo e revolucionando a filosofia analítica a partir do significado da linguagem, o que lhe rendeu um lugar de destaque, como um dos mais importantes filósofos do século XX. O PRIMEIRO WITTGENSTEIN A comunidade filosófica internacional e a própria facticidade das obras de Wittgenstein, dividem-no em dois, indo o primeiro de 1921 a 1929 e o segundo de 1930 em diante. Do primeiro Wittgenstein destaca-se, as influências advindas do empirismo lógico e do neopositivismo, cujos principais representantes foram Frege, Moore e Russell. Num segundo momento destacam-se as influências exercidas por Wittgenstein, após a publicação de Tractatus Logico-Philosophicus, junto a Russell e outros filósofos, além da marcante influência ao Círculo de Viena, do qual nunca foi membro.
Ludwig Wittgenstein (1889-1951)
Outro ponto de destaque no primeiro Wittgenstein é a concepção do filósofo de que seria capaz de resolver os problemas da filosofia, tanto que ao publicar Tractatus e diante das primeiras críticas favoráveis, Wittgenstein realmente acreditava que tinha resolvido os problemas da filosofia no mundo, tendo esta concepção durado todo o primeiro período, até meados de 1929. Acreditava Wittgenstein que grande parte dos problemas da filosofia tinha sua origem no uso incorreto da linguagem, conforme veremos mais adiante, quando trataremos de forma mais detalhada sobre o Tractatus Logico-Philosophicus. O SEGUNDO WITTGENSTEIN O período denominado de "Segundo Wittgenstein" tem início em 1930, quando o filósofo começou a desenvolver sua segundo grande obra, as Investigações Filosóficas. Destaca-se nesse período a influência da filosofia analítica, agora mais consubstancializada, e das escolas de Cambridge e de Oxford. A exemplo de Russell que ao longo de sua vida contrapôs-se às próprias ideias do início dos seus estudos, Wittgenstein, nas Investigações Filosóficas, se contrapôs ao Tractatus e à ideia de uma linguagem logicamente perfeita refutando, assim, a crença de ter resolvido de vez os problemas da filosofia. Nesse sentido, Wittgenstein entra no campo prático da
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linguagem, no seu uso diário, abrindo assim a possibilidade de pensar uma linguagem de estrutura ontológica, buscando uma maior proximidade com o mundo fático. Para o filósofo, não há possibilidade de determinação no campo prático do significado das palavras sem levar em consideração o contexto onde as palavras se inserem. Observa-se nas Investigações Filosóficas que Wittgenstein reconhece que se trata de um grande equívoco considerar no Tratactus a linguagem como um instrumento secundário de comunicação, onde a principal função é representar as coisas existentes no mundo, esta é, pois, a Teoria da Figuração da Linguagem. Assim, verifica-se que o cerne da segunda grande obra de Wittgenstein é o reconhecimento de que a principal característica da linguagem humana é o poder de transcender, exercendo uma função de maior relevância que simplesmente representar o mundo, conforme verificaremos mais adiante. O LEGADO WITTGENSTEIN Ao tomarmos contato com as duas principais obras de Wittgenstein, percebemos que não é possível falarmos de apenas um legado, mas de uma série de idéias que se tornaram célebres no mundo da filosofia no século XX. Destarte, com a devida atenção às principais ideias de Wittgenstein, destacaremos aqui os "jogos de linguagem", onde a linguagem deixa vista como algo morto, inoperante e sem atividade. Ao romper com este conceito do passado, o autor nos apresenta uma ideia nova de linguagem, onde ela é dinâmica, volátil no tempo e adequável a nichos diferentes. Um exemplo disso é a linguagem dos ripes da década de 70, que era "paz e amor". A tradicional ideia de que aprender um novo idioma é dar nomes a coisas não encontra amparo em Wittgenstein, onde a denominação de objetos é apenas um ato isolado, secundário em todo o processo de aprendizagem. Por fim, além dos jogos de linguagem, temos ainda a ideia de "formas de vida", onde para ilustrar sua ideia, o filósofo nos ensina que junto com determinada linguagem se aprende também uma nova forma de vida. CARACTERES DO TRATADO LÓGICO-FILOSÓFICO O Tratactus Logico-Philosophicus é uma obra, antes de tudo, pragmática. Primeiramente porque coloca diante de nós duas maneiras de ver e saber filosofia, rompendo, assim, com a filosofia até então aceita pelo mundo, a mesma de Sócrates, Platão, Aristóteles... Publicada em 1921, a obra de Ludwig Wittgenstein, composta por aforismos e corolários numerados de 1 a 7, rompe com o tradicionalismo dos filósofos desde Sócrates até aqueles do século XIX, como mencionamos em linhas passadas. O objetivo de Wittgenstein é percebido logo no início da obra, que é o de romper com a tradicional forma de se vê o mundo [23], não o aceitando mais como um mero agregado de coisas sem nexo e, assim, sem sentido, não sendo possível, pois, serem pensadas de forma independente uma das outras. O principal problema da forma antiga, segundo Wittgenstein, é que aquela visão
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retrógada não era capaz de explicar a relação existente entre as coisas. Para tanto, o autor aduz que "o que é o caso, o fato, é a existência de estados de coisas" (Tractatus, 2). Segundo o filósofo, "O estado de coisas é uma ligação de objetos"(Tractatus, 2.01). Um dos principais pontos de interesse científico de Tractatus é a afirmação de Wittgenstein quanto à unidade das coisas. Para o filósofo, as coisas não possuem significado relevante, ou melhor, não possuem sentido se não estiverem relacionadas, unidas. Se não se pode pensar em algo fora do espaço tempo, também não podemos pensar numa coisa se esta não estiver ligada à outra para que justifique sua existência. Segundo Wittgenstein, litteris: Assim como não podemos de modo algum pensar em objetos espaciais fora do espaço, em objetos temporais fora do tempo, também não podemos pensar em nenhum objeto fora da possibilidade de sua ligação com outros. (Tractatus, 2.0121). Como se percebe nesse aforismo, Wittgenstein aduz que o significado de uma coisa está ligado diretamente à existência dela junto à outras coisas, pois somente assim essa coisa aparecerá e poderá ser pensada. Nesse sentido, segundo Wittgenstein,cada coisa está como que num espaço de possíveis estados de coisas. Esse espaço, posso concebê-lo vazio, mas não a coisa sem o espaço. (Tractatus, 2.013). Partindo dessas premissas lógicas, Wittgenstein relaciona os objetos no estado de coisas às palavras. Assim, as palavras, para terem sentido têm de estar junto à outras para formar as frases. Essas sim, possuem o condão de serem verdadeiras ou falsas e, sendo assim, podemos dizer que ela faz parte da estrutura do mundo e, nesse sentido, temos a linguagem como estrutura do mundo e oriunda da conexão entre os objetos e as palavras. A esse fenômeno, Wittgenstein chama de figuração do mundo. Segundo ele, a forma de afiguração é a possibilidade de que as coisas estejam uma para as outras tal como os elementos da figuração. (Tractatus, 2.151). Sendo assim, a figuração é um fato. (Tractatus, 2.141). E esta figuração consiste em estarem seus elementos uns para os outros de uma determinada maneira. (Tractatus, 2.14). Ainda acerca da conexão, Wittgenstein alerta para o fato de que deve haver uma identidade lógica entre as palavras, ou seja, relação lógica entre a estrutura das coisas e a estrutura do pensamento, tem-se, assim a forma lógica que é uma espécie de conditio sine qua non da possibilidade da afiguração. Segundo ele, O que toda figuração, qualquer que seja sua forma, deve ter com comum com a realidade para poder de algum modo – correta ou falsamente – afigurá-la é a forma lógica, isto é, a forma da realidade. (Tractatus, 2.18). Assim, completa o autor, se a forma de afiguração é a forma lógica, a figuração chama-se figuração lógica. (Tractatus, 2.181). A forma lógica é pois, a nosso ver, o grande "pulo do gato" da filosofia de Wittgenstein, pois com ela, ele tenta provar que o pensamento e o mundo tem a mesma forma lógica. Para o filósofo, para podermos representar a forma lógica, deveríamos poder-nos instalar, com a proposição, fora da lógica, quer dizer, fora do mundo. (Tractatus, 4.12).
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Por fim, temos ainda na obra de Wittgenstein, a pretensão do filósofo de esclarecer o pensamento por meio de uma forma lógica, ou seja, por meio da figuração lógica. Segundo ele, a forma lógica não se explica, se mostra. E o que pode ser mostrado não pode ser dito. (Tractatus, 4.1212). Nessa esteira, vimos um Wittgenstein "confuso" em algumas ideias, externando, como ele mesmo aduz, um contrasenso de suas posições. Ao defender que não se deve fazer especulação sobre a totalidade do mundo e da linguagem, vimos que ele se mostra contrário à metafísica, por exemplo, defendendo que a filosofia deveria se ocupar de esclarecer a linguagem e ajudar a construção de proposições claras e aceitáveis. Para ele, em Tractatus, 4.112), litteris: O fim da filosofia é o esclarecimento lógico dos pensamentos. A filosofia não é uma teoria, mas uma atividade. Uma obra filosófica consiste essencialmente em elucidações. O resultado da filosofia não são "proposições filosóficas", mas é tornar proposições claras. Cumpre à filosofia tornar claros e delimitar precisamente os pensamentos, antes como que turvos e indistintos. O contrasenso de Wittgenstein consiste, por exemplo, no fato de ao mesmo tempo em que combate a metafísica, a utiliza também, como no caso do aforismo 3.02 do Tractatus: O pensamento contém a possibilidade da situação que ele pensa. O que é pensável é também possível. Nota-se aqui a utilização de proposição metafísica para expor uma ideia, a exemplo de tantos outros aforismos ao longo da obra, como os de nº 1 e seguintes. Wittgenstein, em um natural instinto de defesa, aduz que, (Tractatus, 6.53) litteris: O método correto da filosofia seria propriamente este: nada dizer, senão o que se pode dizer; portanto, proposições da ciência natural – portanto, algo que nada tem a ver com filosofia; e então, sempre que alguém pretendesse dizer algo de metafísico, mostrarlhe que não conferiu significado a certos sinais em suas proposições. Esse método seria, para ele, insatisfatório – não teria a sensação de que lhe estivéssemos ensinando filosofia; mas esse seria o único rigorosamente correto. Por fim, numa sacada inteligente, o genial filósofo encerra o Tractatus com os seguintes dizeres, (Tractatus, 6.54) litteris: Minhas proposições elucidam dessa maneira: quem me entende acaba por reconhecê-las como contrasensos, após ter escalado através delas – por elas – para além delas. (Deve, por assim dizer, jogar fora a escada após ter subido por ela.) Deve sobrepujar essas proposições, e então verá o mundo corretamente. Sobre aquilo de que não se pode falar, deve-se calar. CARACTERES DAS INVESTIGAÇÕES FILOSÓFICAS
Filosofia
Nesta obra publicada depois de sua morte, Wittgenstein continua a tratar da linguagem, a exemplo do Tractatus, no entanto, temos nas Investigações Filosóficas um caráter eminentemente antropocêntrico. Tem-se também uma praticidade maior diante da linguagem, com exploração mais intensa daquilo que é factível e um abandono natural da metafísica, onde o autor, apesar de se opor, a utilizava para, de uma forma lógica, tentar explicar fenômenos que são ocultados pelo mau uso da linguagem. Temos ainda nas Investigações, em meio à tendência de facticidade mencionada, a preocupação de Wittgenstein com uma maior funcionalidade da linguagem, defendendo, assim, a existência de um número x de significados linguísticos e que muitos deles são aplicáveis, na vida das pessoas, no seu convívio social. Nesse contexto, é que ao longo de sua obra, Wittgenstein defende a existência de jogos de linguagem para explicar outros fenômenos, como as formas de vida. Ainda no prefácio de Investigações Filosóficas Wittgenstein dá a mão à palmatória e faz duras críticas ao Tractatus. As críticas são pertinentes, mas devem ser vistas apenas como avanço e mudança de postura do autor das Investigações. Exemplo disso é a importância da comunicação da linguagem. No Tractatus, Wittgenstein pregava que as palavras, enquanto isoladas, não transmitiam mensagem, pois não passavam de nomes isolados. No entanto, nas Investigações, Wittgenstein as vê como ações humanas e defende que a linguagem, numa concepção funcional, se torna uma maneira de ação. Com isto, Wittgenstein abandona a idéia da substancialidade da significação explorada no Tractatus. Um exemplo do que acabamos de dizer é o caso de duas pessoas que se encontram cortando uma árvore. É comum que concomitante à queda da árvore, um dos lenhadores, instintivamente, grite: "MADEEEEEIRA". Note-se que mesmo sozinha, a palavra madeira transmitiu algo de muita importância, dentro daquele contexto, ao outro lenhador ou a quem estivesse por perto, qual seja: CUIDADO! A ÁRVORE ESTÁ CAINDO!, ou então: CUIDADO COM A ÁRVORE! Esta é, pois, a nova posição de Wittgenstein adotada deste do Tractatus, onde defendia que as palavras sozinhas não representavam nada, carecendo, assim, de outras palavras para terem lógica, ou seja, precisavam estar presentes numa frase e, esta, num contexto. Agora, nas Investigações, Wittgenstein defende que as palavras transmitem um dinamismo, uma ação, mesmo que isoladas, dependendo apenas de se determinar a qual jogo de linguagem elas pertencem. Segundo Wittgenstein, existem diferentes jogos de linguagem e eles não se submetem a nenhuma estrutura lógica, mas ao contexto em que são aplicados, ou seja, em qual forma de vida. Conforme se verifica no exemplo acima, o antropocentrismo se faz presente de maneira marcante nas preocupações de Wittgenstein nas Investigações. Assim, o comportamento social e a natureza da mente humana, fatores que supedaneiam as condutas humanas, são o carro chefe de boa parte das ideias do Segundo Wittgenstein, com isso, ele enterra de
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uma vez por todas a ideia de que as palavras servem apenas para denominação de objetos e, talvez por isso ele aduza que, litteris: Nós damos nomes às coisas e por isso podemos discursar sobre elas, e no discurso fazer referências a elas. – Como se com o fato de dar nomes fosse dado o que faremos em seguida. Como se houvesse apenas uma coisa que se chamasse: "Falar das Coisas". Enquanto que com nossas frases fazemos as coisas mais diversas. Pensemos apenas nas exclamações, com suas funções tão diferentes. Água! Fora! Ai! Socorro! Lindo! Não! Em seguida, pergunta o filósofo: você ainda está inclinado a chamar essas palavras de "denominações de objetos"? Como se verifica nessa passagem de Investigações, o próprio filósofo ironiza a idéia do Wittgenstein do Tractatus. Devemos observar ainda que nas Investigações, Wittgenstein utiliza a argumentação num modelo mais sofisticado do nominalismo. A partir daí, saindo de uma espécie de metafísica, transcende a uma análise linguística caracterizada pelas formas de vida onde incorpora à filosofia da linguagem a filosofia da mente. Nesse contexto, destacamos dois modelos de argumentações utilizados por Wittgenstein, a saber: O Argumento da Linguagem Privada e a Prioridade da Terceira Pessoa. Pela primeira ele defende a existência de um privilégio peculiar, conforme anota Roger Scruton [26], litteris: Há um privilégio "peculiar" ou "imediatidade" envolvidos no conhecimento das nossas próprias experiências atuais. Em certo sentido, é absurdo sugerir que tenho de ou poderia descobrir estar equivocado a respeito delas no curso normal das coisas. Isso tem resultado no que podemos chamar de "ilusão da primeira pessoa". Posso ter mais certeza de meus estados mentais que dos seus. Isso só ocorre porque observo diretamente meus estados mentais e, os seus, indiretamente. Quando vejo você sentir dor, vejo o comportamento físico, suas causas, determinado estado complexo de um organismo. Mas isso não é a dor que você sente, apenas algo que a acompanha de modo contigente. A própria dor está oculta por sua expressão, só podendo ser diretamente observada por aquele que a sofre. Sobre a segunda posição argumentativa, Scruton [27] disserta que, litteris: Como alguns fenomenologistas, tais como MerleauPonty e Sartre, Wittgenstein argumentou que percebemos e compreendemos o comportamento humano de maneira diferente daquela pela qual
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percebemos e compreendemos o mundo natural. Explicamos o comportamento humano apresentando razões e não causas. Dirigimo-nos ao nosso futuro tomando decisões e não fazendo predições. Compreendemos o passado e o presente da humanidade por meio de nossos objetivos, emoções e atividade, e não mediante teorias preditivas. Por fim, é de se anotar que a prioridade dada à terceira pessoa traz duas consequências diretas, sendo a primeira o fato de que considerada isoladamente, a investigação iniciada pela primeira pessoa não leva a lugar algum. A segunda é que não há diferença entre ser e parecer quando se contempla as próprias sensações. Como aduz Structon [28], "o colapso do ser e parecer é um caso "degenerado". Assim sendo posso saber que, se esse colapso é possível, é porque há outras pessoas no mundo além de mim e porque tenho em comum com elas uma natureza e uma forma de vida".
trazemos, apenas preliminarmente, o questionamento do método científico, secundados por Karl Popper. A primeira ilustração que merece ser trazida é quanto ao significado da palavra lei. Segundo Popper, é fundamental distinguir os sentidos científico e social, pois enquanto na ciência ela apenas expressa uma ocorrência, na sociedade ela promove uma conduta a ser seguida. Em outras palavras, uma lei científica não determina que algo aconteça, mas apenas descreve o que acontece, ao passo que a lei social não descreve o que acontece, mas, sim, determina o que deve acontecer segundo circunstâncias específicas. Em suma, enquanto a primeira não pode ser contrariada, a segunda prevê exatamente essa possibilidade.
http://solonruda.jusbrasil.com.br/artigos/130648938/caracteres-dafilosofia-analitica-de-ludwig-wittgenstein
FIQUE LIGADO NO ENEM! • Na primeira fase do seu pensamento, Wittgenstein afirma que a preocupação central da filosofia deve ser a análise da linguagem, de seu alcance e de seus limites. • A linguagem é vista como possuidora de uma estrutura lógica que reflete a estrutura lógica do real e cabe ao filósofo estabelecer as condições dessa relação, determinando assim a possibilidade do significado. • Através da análise de linguagem poderemos entender melhor nossa forma de ver a realidade das nossas experiências. • Na sua segunda fase, Wittgenstein reconhece uma multiplicidade de usos que fazemos das palavras e expressões, sem que haja nenhuma essência definidora da linguagem enquanto tal. A análise da linguagem e a atividade filosófica devem, então, levar em consideração esses usos, as formas de vida a que pertencem e os contextos de comunicação em que se inserem.
UNIDADE 29 KARL POPPER KARL POPPER, A QUESTÃO CIENTÍFICO E SEUS CRITÉRIOS
DO
MÉTODO
Uma das questões que mais afligem ao ser humano, sem dúvida, diz respeito à definição da verdade e, pois, à validade da ciência. É impendente a discussão desse tema, sobretudo num momento em que a razão tem se mostrado insuficiente para solucionar os problemas existenciais humanos, há quase um século. Assim,
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Karl Popper (1902-1994)
A tarefa do cientista é delimitar as leis científicas e, para isso, deve adotar um método. Desde Francis Bacon, a Ciência tem seguido o princípio de que para descrever uma lei da natureza é preciso testar reiteradamente, colher e registrar os resultados, aguardar que isso se repita com vários outros pesquisadores para, então, ser considerada válida. Isto é, uma lei científica é válida quando a comunidade científica, fundada em experiências particulares, colhe resultados semelhantes ou pretensamente iguais repetidas vezes. Esse é o método da indução, conforme explica Popper. Costuma-se chamar de “indutiva” a uma inferência se ela passa de enunciados particulares, ou experimentos, aos enunciados universais, tais como as hipóteses ou “teorias”. Evidentemente, lembra Popper, jamais poderemos passar de enunciados singulares para universais com a certeza da verdade. Nesse sentido, aliás, ressaltamos, David Hume já alertara muito antes. E esse, pois, continua sendo o mesmo problema da indução, e é sobre o que Popper se debruçará. Para começar a solucionar o problema, os defensores da indução entendem ser necessário estabelecer um Princípio de Indução, o qual possa garantir o processo. Para Popper, isso é impossível ou mesmo supérfluo, posto que esse Princípio não garante nada, vez que se funda no mesmo método, inconsistente logicamente. É que um Princípio de Indução válido deveria ser universal e o homem parte sempre do singular, o que não lhe permite chegar, logicamente, ao universal. Para tentar resolver esse problema, Popper estabeleceu o que ele mesmo denomina método dedutivo de
Filosofia
teste. Inicialmente, distingue a psicologia do conhecimento, que trata dos fatos empíricos, da lógica do conhecimento, atinente às relações lógicas propriamente ditas. Na elaboração de uma teoria, há dois momentos: o primeiro, de sua enunciação, e o segundo, de sua provação. Não interessa, segundo Popper, como o cientista chegou àquele enunciado, mas, sim, como justificá-lo. Isto é, é preciso eliminar o psicologismo empírico, pois refazer os passos do cientista não justifica uma teoria, apenas indica os caminhos que o inspiraram a concebê-la. Para justificá-la, é necessário testá-la logicamente, e esse teste é dedutivo, pois parte de um enunciado que se pretende seja uma lei universal. Nesse sentido, Popper concorda com Bergson e Einstein, afirmando que não há uma lógica na descoberta científica. Para testar uma teoria, Popper segue quatro passos, ou espécies de provas. 1º Testes internos: buscam a coerência das conclusões extraídas a partir do enunciado. 2º Testes da forma: consiste nos testes para se saber se a teoria é, de fato, uma teoria empírica ou científica ou meramente tautologia. 3º Testes de inovação: verificação se a teoria realmente é nova ou já está compreendida por outras existentes no sistema. 4º Testes empíricos: verificação da aplicabilidade das conclusões extraídas da teoria nova. Estes são os principais dos testes, pois a teoria pode passar incólume nos três passos anteriores e ser falseada pela aplicação empírica de suas conclusões, caso em que a teoria não será considerada válida. Evidentemente, a sustentação de uma teoria é sempre provisória, posto que suas conclusões estarão sempre sendo testadas empiricamente. Enquanto a teoria se sustentar, nenhum progresso terá havido. Ao contrário, quando uma prova falsear a teoria vigente, então a ciência evoluirá. Nesse sentido é que se deve, pois, sempre buscar falsear a teoria e não confirmá-la, também porque a tentativa de confirmação seria infinita, no tempo e no espaço. Dessa forma, Popper afirma que uma teoria será mais válida quanto mais for falseável, ou seja, quanto mais possibilidades de ser falseada existirem e, mesmo assim, ela continuar respondendo aos problemas científicos. Mas Popper, ao derrubar o método indutivo, criou também um outro problema, qual seja, a necessidade de um novo critério de demarcação entre o que é Ciência e o que não é, pois até então o método indutivo era próprio da Ciência e a distinguia da metafísica, esta última, sabidamente especulativa. Para Popper, entretanto, esse problema já existia, pois Kant já havia comprometido o critério da demarcação vigente. Assim, vale notar, um enunciado que não traga limitações temporais, espaciais e subjetivas terá uma probabilidade de acerto altíssima, a maior até, mas terá, em contrapartida, um teor informativo baixíssimo, quase zero. Em outras palavras, não se delimita, tão somente pela indução, o que é e o que não é ciência, porquanto qualquer pessoa, a mais leiga, pode elaborar um enunciado desse tipo. Logo, o que demarca a
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Ciência da não-ciência é a falseabilidade, como diz Popper: O critério de demarcação inerente à lógica indutiva, isto é, o dogma positivista do significado, é equivalente ao requisito de que todos os enunciados da ciência empírica (ou todos os enunciados “significativos”) são suscetíveis de serem finalmente decididos, com relação à sua verdade e falsidade; diremos que eles devem ser decidíveis de modo conclusivo. Isto significa que sua forma deve ser tal que deve ser logicamente possível tanto verificá-los como falseá-los. Enfim, impende ressaltar que, para Popper, é necessário o enunciado poder ser testado empiricamente, não pela sua verificabilidade, mas pela sua falseabilidade. Dessa forma, fica, pensamos, claramente derrubado, mais uma vez, o mito da verdade científica, sobretudo pela insuficiência de seus métodos, o que deve nos levar à reflexão acerca das soluções científicas tão propaladas e não perder de vista que elas são sempre provisórias. http://www.paradigmas.com.br/index.php/revista/edicoes-11-a20/edicao-11/208 -karl-popper-a-questao-do-metodo-cientifico-e-seus-criterios
EPISTEMOLOGIA DE POPPER Buscar-se-á propor um breve resumo sobre os principais conceitos em Popper, através dos itens abaixo: Uma teoria científica somente pode ser refutada por meio da observação e da experimentação. A falsidade de um enunciado universal pode ser deduzido de enunciados singulares. O falsacionismo sempre considera a subordinação da observação à teoria. Anterior à Popper, considerava-se que tudo nas ciências era vindo da experimentação, de acordo com Popper, as experiências servem tão somente para comprovar ou refutar as teorias, que são livres especulações. Quando uma teoria não mais dá conta de uma observação, ela deve ser abandonada. A forma pela qual a ciência progride é corrigindo teorias erradas. Jamais se pode dizer que uma teoria é melhor do que outra, mas apenas a melhor disponível em um dado momento. Qualquer teoria, por melhor que seja, será sempre provisória, pois poderá ser refutada por observações ou experimentações futuras. Quanto mais falseável for uma teoria, ou seja, quanto mais embasamentos oferecer para ser testada, melhor será então considerada. Uma teoria muito boa reside no fato de ser sumamente falseável, mas resistir ao falseamento quando testada. A aceitação de uma teoria científica é sempre provisória, mas a sua refutação é na maioria das vezes definitiva. Popper estabelece um critério de demarcação para o conhecimento científico e para o não-científico: o primeiro pode estar equivocado, o segundo não.
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Ciências Humanas e suas Tecnologias A limitação do falsacionismo reside no fato de que todos os enunciados observacionais são falíveis. Em alguns casos dado enunciado singular está equivocado, e não uma teoria mais geral. Existe, de acordo com Popper, uma realidade geral, mas qualquer teoria que se estabeleça será sempre uma aproximação desta realidade. O pensamento de Popper vai, pela primeira vez, de encontro ao Indutivismo. Após ele, outros começam a discutir o que é de fato a ciência. http://www.infoescola.com/ciencias/epistemologia-de-popper/
FIQUE LIGADO NO ENEM! • Popper formulou a noção de falseabilidade como critério fundamental para a caracterização das teorias científicas diante do problema da impossibilidade de verificação definitiva das hipóteses através do método indutivo. • A possibilidade de falseabilidade ou refutação de uma hipótese científica é o que permite a sua correção, o desenvolvimento das teorias e o progresso da ciência. • Desse modo o conhecimento deve ser assumido como essencialmente conjetural e nenhuma teoria poderá ser jamais fundamentada de maneira conclusiva. Portanto as certezas científicas definitivas são impossíveis.
UNIDADE 30 THOMAS KUHN O CONCEITO DE “PARADIGMA” Juntamente com Imre Lakatos, Paul K. Feyerabend e Larry Laudan, Thomas S. Kuhn integra a luta de conhecidos epistemólogos pós-popperianos qu desenvolveram suas epistemologias em contato sempre estreito com a história da ciência.
Thomas Kuhn (1922-1996)
Em 1963 Kuhn publicou o livro A estrutura das revoluções científicas, sustentando que a comunidade científica se constitui através da aceitação de teorias que Kuhn chama de paradigmas. “Com esse termo – escreve ele -, quero indicar conquistas científicas universalmente reconhecidas, que por certo período fornecem um modelo
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de problemas e soluções aceitáveis aos que praticam certo campo de pesquisas”. Na realidade, Kuhn utiliza o termo paradigma em mais de um sentido. Entretanto, ele próprio explica que a função do paradigma é hoje cumprida pelos manuais científicos, por meio dos quais o jovem estudante é iniciado na comunidade científica; antigamente isso era realizado pelos clássicos da ciência, como a Física de Aristóteles, o Almagesto de Ptolomeu, os Principia e a Ótica de Newton, a Eletricidade de Franklin, a Química de Lavoisier ou a Geologia de Lyell. Por essa razão a astronomia ptolemaica (ou a copernicana), a dinâmica aristotélica (ou a newtoniana) são todas paradigmáticas, a exemplo do fixismo de Lineu, da teoria da evolução de Darwin ou da teoria da relatividade de Einstein. “CIÊNCIA NORMAL” E “CIÊNCIA EXTRAORDINÁRIA” Assim como uma comunidade religiosa pode ser reconhecida pelos dogmas específicos em que acredita, ou como um partido político agrega seus membros em torno de valores e finalidades específicos, da mesma forma é um teoria paradigmática a que institui uma comunidade científica, a qual, por força e no interior dos temas paradigmáticos, realiza o que Kuhn chama de ciência normal. A ciência normal é “a tentativa esforçada e devotada de forçar a natureza dentro dos quadros conceituais fornecidos pela educação profissional”. Significa “a pesquisa estavelmente baseada em um ou mais resultados alcançados pela ciência do passado, aos quais uma comunidade científica particular, por certo período de tempo, reconhece a capacidade de construir o fundamento de sua práxis ulterior”. Essa práxis ulterior – a ciência normal – consiste em tentar realizar as promessas do paradigma, determinando os fatos relevantes (para o paradigma), confrontando (por exemplo, mediante medidas sempre mais exatas) os fatos com a teoria, articulando os conceitos da própria teoria, ampliando os campos de aplicação da teoria. Fazer ciência normal, portanto, significa resolver quebra-cabeças, isto é, problemas definidos pelo paradigma, que emergem do paradigma ou que se inserem no paradigma, razão por que o insucesso da solução de uma quebra-cabeças não é visto como insucesso do paradigma, mas muito mais como insucesso do pesquisador, que não soube resolver uma questão para a qual o paradigma diz (e promete) que existe solução. Essa é situação análoga à do jogador de xadrez que, quando não soube resolver um problema e perde, acha que isso aconteceu porque ele não é capaz, e não porque as regras do xadrez não funcionam. A ciência normal, portanto, é cumulativa (constroem-se instrumentos mais potentes, efetuam-se medidas mais exatas, precisam-se os conceitos da teoria, amplia-se a teoria a novos campos etc.) e o cientista normal não procura a novidade. No entanto, a novidade deve aparecer necessariamente, pela razão de que a articulação teórica e empírica do paradigma aumenta o conteúdo informativo da teoria e, portanto, a expõe ao risco do desmentido (com efeito, quanto mais se diz, mais se está arriscado a errar; quem não diz nada, não erra nunca; se fala pouco, arrisca-
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se a cometer poucos erros). Tudo isso explica as anomalias que, em dado momento, a comunidade científica tem de enfrentar e que, resistindo aos reiterados assaltos paradigmáticos, determinam a crise do paradigma. Com a crise do paradigma inicia-se o período de ciência extraordinária: o paradigma é submetido a um processo de desfocamento, os dogmas são postos em dúvida e, consequentemente, suavizam-se as normas que governam a pesquisa normal. Em suma, postos diante de anomalias, os cientistas perdem a confiança na teoria que antes haviam abraçado. A perda de um sólido ponto de partida se expressa pelo recurso à discussão filosófica sobre os fundamentos e a metodologia. Esses são os sintomas da crise, que cessa quando, do cadinho daquele período de pesquisa desconjuntada que é a ciência extraordinária, um novo paradigma consegue emergir, e sobre ele se articulará novamente a ciência normal, que, por seu turno, depois de um período de tempo talvez bastante longo, levará a novas anomalias, e assim por diante. AS REVOLUÇÕES CIENTÍFICAS Kuhn descreve a passagem a um novo paradigma (da astronomia ptolemaica à copernicana, por exemplo) como uma reorientação gestáltica: quando abraça um novo paradigma. Por exemplo, a comunidade científica manipula o mesmo número de dados que antes, mas inserindo-os em relações diferentes de antes. Além disso, a passagem de um paradigma a outro, para Kuhn, é o que constitui uma revolução científica. Mas – é esse é um dos problemas mais candentes suscitados por Kuhn – como ocorre a passagem de um paradigma para outro? Essa passagem realiza-se por motivos racionais ou não? Pois bem, Kuhn afirma que “paradigmas sucessivos nos dizem coisas diferentes sobre os objetos que povoam o universo e sobre o comportamento de tais objetos”. E “precisamente por se tratar de uma passagem entre incomensuráveis, a passagem de um paradigma para outro, oposto, não se pode realizar com um passo cada vez, nem imposto pela lógica ou por uma experiência neutra. Como a reorientação gestáltica, ela deve se dar toda de uma vez (ainda que não em um só instante), ou então não se realizará de modo nenhum”. Assim, talvez Max Planch tenha razão quando, em sua Autobiografia, fez questão de observar com tristeza que “uma nova verdade científica não triunfa convencendo seus opositores e fazendo-lhes ver a luz, e sim muito mais porque seus opositores acabam por morrer, e cresce uma nova geração a ela habituada”. A “PASSAGEM” DE UM PARADIGMA A OUTRO Na realidade, Kuhn afirma que “a transferência da confiança de um paradigma para outro é uma experiência de conversão que não pode ser imposta pela força”. Mas então por que, e em que bases, se verifica essa experiência de conversão? “Os cientistas em particular abraçam um novo paradigma por todo tipo de razões e, habitualmente, por várias razões ao mesmo tempo.
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Algumas dessas razões – como, por exemplo, o culto ao sol, que contribuiu para converter Kepler ao copernicanismo – encontram-se completamente fora da esfera da ciência. Outras razões podem depender de idiossincrasias autobiográficas e pessoais. Até a nacionalidade ou a reputação anterior do inovador e de seus mestres pode, por vezes, desempenhar papel importante [...]. Provavelmente, a pretensão mais importante posta pelos defensores de um novo paradigma seja a de estar em condições de resolver os problemas que levaram o velho paradigma à crise. Quando pode ser posta legitimamente, essa pretensão constitui frequentemente a argumentação a favor mais eficaz”. Além disso, deve-se considerar que, por vezes, a aceitação de um novo paradigma não se deve ao fato de que ele resolve os problemas que o velho paradigma não consegue resolver, e sim a promessas que dizem respeito a outros campos. E existem até razões estéticas que introduzem um cientista ou um grupo de cientistas a aceitar um paradigma. Entretanto, afirma Kuhn, “nos debates sobre os paradigmas não se discutem realmente suas respectivas capacidades para resolver os problemas, ainda que, com razão, normalmente sejam utilizados termos que a eles se refiram. O ponto em discussão, ao contrário, consiste em decidir que paradigma deve guiar a pesquisa no futuro, em torno de problemas que, muitas vezes, nenhum dos dois competidores pode ainda pretender seja capaz de resolver completamente. É preciso decidir entre formas alternativas de desenvolver a atividade científica e, dadas as circunstancias, essa decisão deve-se basear mais nas promessas futuras do que nas conquistas passadas. Quem abraça um novo paradigma desde o início, amiúde o faz a despeito das provas fornecidas pela solução dos problemas. Ou seja, ele deve ter confiança de que o novo paradigma, no futuro, conseguirá resolver muitos dos vastos problemas que tem à sua frente, sabendo somente que o velho paradigma não conseguiu resolver alguns. Uma decisão desse tipo pode ser tomada apenas com base na fé”. Assim, para que um paradigma possa triunfar, deve primeiro conquistar (às vezes, com base em considerações pessoais ou em considerações estéticas inarticuladas) “alguns defensores, que o desenvolverão até um ponto em que muitas argumentações sólidas poderão ser produzidas e multiplicadas. Mas, quando existem, essas argumentações sólidas poderão ser produzidas e multiplicadas. Mas, quando existem, essas argumentações também não são individualmente decisivas. Visto que os cientistas são homens racionais, uma ou outra argumentação acabará por persuadir muitos deles. Não existe, porém, nenhuma argumentação em particular que possa persuadir a todos. Não existe, porém, nenhuma argumentação em particular que possa ou deva persuadir a todos. O que se verifica não e tanto uma única conversão de grupo, e sim muito mais um progressivo deslocamento da distribuição da confiança dos especialistas. O DESENVOLVIMENTO CIÊNCIA
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Pergunta-se, porém: a passagem de um paradigma para outro implica em progresso? O problema é complexo. Entretanto, “somente durante os períodos de ciência ‘normal’ é que o progresso parece evidente e seguro”, ao passo que “durante os períodos de revolução, quando as doutrinas fundamentais de um campo estão mais uma vez em discussão, surgem repetidamente dúvidas sobre a possibilidade de continuação do progresso, se for adotado este ou aquele dos paradigmas que se confrontam”. Naturalmente, quando um paradigma se afirma, seus defensores o encaram como progresso. Mas Kuhn pergunta: progresso em que direção? Com efeito, diz ele, o processo que vemos na evolução da ciência é um processo de evolução a partir de estágios primitivos, o que não significa, porém, que tal processo leve a pesquisa sempre para mais perto da verdade ou em direção a algo. “Seria necessário existir tal objetivo? – pergunta-se ele –. Não é possível explicar a existência da ciência como o seu sucesso em termos de evolução a partir do estudo do conhecimento possuído pela comunidade em cada dado período de tempo? Adiantará verdadeiramente alguma coisa imaginar que exista uma explicação da natureza completa, objetiva e verdadeira, e que a medida apropriada da conquista científica é a medida em que ela se aproxima desse objetivo final? Se aprendemos a substituir a evolução na direção daquilo que queremos conhecer pela evolução a partir daquilo que conhecemos, grande número de inquietantes problemas pode se dissolver no curso desse processo”. Assim como na evolução biológica, também na evolução da ciência nos encontramos diante de um processo que se desenvolve constantemente a partir de estágios primitivos, mas que não tende a nenhum objetivo. (REALE, Giovanni. e ANTISERI, Dario. História da Filosofia. De Freud à atualidade. São Paulo: Paulus, 2006. pp. 162-165)
FIQUE LIGADO NO ENEM! • Kuhn explica a evolução da ciência pelo jogo das relações sociais no interior no meio científico: a ciência progride quando os cientistas são treinados numa tradição intelectual comum e a utilizam para resolver problemas que ela suscita. • Um período de “ciência normal” dedicado à resolução de problemas, obediente a um paradigma aceito e defendido pela comunidade científica só poderá ser abalado por uma revolução (período de “ciência extraordinária” que legitime um novo paradigma, uma vez assumido este acontecerá um novo período de “ciência normal”. • A perda de confiança no paradigma consolidado se reconhece com o aparecimento da discussão filosófica sobre os fundamentos e a metodologia.
Exercícios 1. (ENEM 2015) Apesar de seu disfarce de iniciativa e otimismo, o homem moderno está esmagado por um profundo sentimento de impotência que o faz olhar
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fixamente e, como que paralisado, para as catástrofes que se avizinham. Por isso, desde já, saliente-se a necessidade de uma permanente atitude crítica, o único modo pelo qual o homem realizará sua vocação natural de integrar-se, superando a atitude do simples ajustamento ou acomodação, apreendendo temas e tarefas de sua época. FREIRE, P. Educação como prática da liberdade. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2011.
Paulo Freire defende que a superação das dificuldades e a apreensão da realidade atual será obtida pelo(a) a) desenvolvimento do pensamento autônomo. b) obtenção de qualificação profissional. c) resgate de valores tradicionais. d) realização de desejos pessoais. e) aumento da renda familiar. 2. (ENEM 2014) Panayiotis Zavos “quebrou” o último tabu da clonagem humana – transferiu embriões para o útero de mulheres que os gerariam. Esse procedimento é crime em inúmeros países. Aparentemente, o médico possuía um laboratório secreto, no qual fazia seus experimentos. “Não tenho nenhuma dúvida de que uma criança clonada irá aparecer em breve. Posso não ser eu o médico que irá criá-la, mas vai acontecer”, declarou Zavos. “Se nos esforçarmos, podemos ter um bebê clonado daqui a um ano, ou dois, mas não sei se é o caso. Não sofremos pressão para entregar um bebê clonado ao mundo. Sofremos pressão para entregar um bebê clonado saudável ao mundo.” CONNOR, S. Disponível em: www.independent.co.uk. Acesso em: 14 ago. 2012 (adaptado)
A clonagem humana é um importante assunto de reflexão no campo da bioética que, entre outras questões, dedica-se a a) legitimar o predomínio da espécie humana sobre as demais espécies animais do planeta. b) relativizar, no caso da clonagem humana, o uso dos valores de certo e errado, de bem e de mal. c) refletir sobre as relações entre o conhecimento da vida e os valores éticos do homem. d) legalizar, pelo uso das técnicas de clonagem, os processos de reprodução humana e animal. e) fundamentar técnica e economicamente a pesquisas sobre células-tronco para uso em seres humanos. 3. (ENEM 2010/1) Na ética contemporânea, o sujeito não é mais um sujeito substancial, soberano e absolutamente livre, nem um sujeito empírico puramente natural. Ele é simultaneamente os dois, na medida em que é um sujeito histórico-social. Assim, a ética adquire um dimensionamento político, uma vez que a ação do sujeito não pode mais ser vista e avaliada fora da relação social coletiva. Desse modo, a ética se entrelaça, necessariamente, com a política, entendida esta como a área de avaliação dos valores que atravessam as relações sociais e que interliga os indivíduos entre si. SEVERINO, A. J. Filosofia. São Paulo: Cortez, 1992 (adaptado)
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O texto, ao evocar a dimensão histórica do processo de formação da ética na sociedade contemporânea, ressalta: a) os conteúdos éticos decorrentes das ideologias político-partidárias. b) o valor da ação humana derivada de preceitos metafísicos. c) a sistematização de valores desassociados da cultura. d) o sentido coletivo e político das ações humanas individuais. e) o julgamento da ação ética pelos políticos eleitos democraticamente.
4. (ENEM 2010/2) A ética exige um governo que amplie a igualdade entre os cidadãos. Essa é a base da pátria. Sem ela, muitos indivíduos não se sentem "em casa", experimentam-se como estrangeiros em seu próprio lugar de nascimento. SILVA, R. R. Ética, defesa nacional, cooperação dos povos. OLIVEIRA, E. R. (Org.) Segurança & Defesa Nacional: Da competição à cooperação regional. São Paulo: Fundação Memorial da América Latina, 2007 (adaptado).
Os pressupostos éticos são essenciais para a estruturação política e integração de indivíduos em uma sociedade. De acordo com o texto, a ética corresponde a: a) valores e costumes partilhados pela maioria da sociedade. b) preceitos normativos impostos pela coação das leis jurídicas. c) normas determinadas pelo governo, diferentes das leis estrangeiras. d) transferência dos valores praticados em casa para a esfera social. e) proibição da interferência de estrangeiros em nossa pátria.
c)
parâmetro para assegurar o exercício político primando pelos interesses e ação privada dos cidadãos. d) aceitação de valores universais implícitos numa sociedade que busca dimensionar sua vinculação a outras sociedades. e) instrumento de garantia da cidadania, porque através dela os cidadãos passam a pensar e agir de acordo com valores coletivos. 6. (ENEM 2011) O brasileiro tem noção clara dos comportamentos éticos e morais adequados, mas vive sob o espectro da corrupção, revela pesquisa. Se o país fosse resultado dos padrões morais que as pessoas dizem aprovar, pareceria mais com a Escandinávia do que com Bruzundanga (corrompida nação fictícia de Lima Barreto). FRAGA, P. Ninguém é inocente. Folha de S. Paulo. 4 out. 2009 (adaptado)
O distanciamento entre “reconhecer” e “cumprir” efetivamente o que é moral constitui uma ambiguidade inerente ao humano, porque as normas morais são: a) decorrentes da vontade divina e, por esse motivo, utópicas. b) parâmetros idealizados, cujo cumprimento é destituído de obrigação. c) amplas e vão além da capacidade de o indivíduo conseguir cumpri-las integralmente. d) criadas pelo homem, que concede a si mesmo a lei à qual deve se submeter. e) cumpridas por aqueles que se dedicam inteiramente a observar as normas jurídicas. GABARITO 1 A
2 C
3 D
4 A
5 E
6 D
5. (ENEM 2010/1) A ética precisa ser compreendida como um empreendimento coletivo a ser constantemente retomado e rediscutido, porque é produto da relação interpessoal e social. A ética supõe ainda que cada grupo social se organize sentindo-se responsável por todos e que crie condições para o exercício de um pensar e agir autônomos. A relação entre ética e política é também uma questão de educação e luta pela soberania dos povos. É necessária uma ética renovada, que se construa a partir da natureza dos valores sociais para organizar também uma nova prática política. CORDI et al. Para filosofar. São Paulo: Scipione, 2007 (adaptado)
O Século XX teve de repensar a ética para enfrentar novos problemas oriundos de diferentes crises sociais, conflitos ideológicos e contradições da realidade. Sob esse enfoque e a partir do texto, a ética pode ser compreendida como: a) mecanismo de criação de direitos humanos, porque é da natureza do homem ser ético e virtuoso. b) meio para resolver os conflitos sociais no cenário da globalização, pois a partir do entendimento do que é efetivamente a ética, a política internacional se realiza.
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