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As nossas Ilhas Selvagens disputadas no Jogo Geoestratégico
PREÂMBULO À OBRA ________________________________________________
Recentemente as Ilhas Selvagens foram palco de uma disputa internacional entre dois países europeus, Portugal e Espanha. De acordo com a Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar os países costeiros têm o direito de declarar uma Zona Económica Exclusiva (ZEE). No presente caso Portugal declara uma ZEE a nível europeu e uma Zona Econômica Exclusiva (ZEE) a nível brasileiro, significando com tal acção o direito de espaço marítimo para além das suas águas marítimas. Por princípio a área da ZEE é delimitada por “uma
linha situada a 200 milhas marítimas da costa, mas pode ter uma extensão maior de acordo com a da plataforma continental. A ZEE separa as águas nacionais das águas internacionais.” ZEE (Zona Económica Exclusiva) de acordo com a Convenção das Na-
ções Unidas sobre o Direito do Mar.
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A disputa internacional a que se assistiu em 2013 entre Portugal e Espanha sobre se as Ilhas Selvagens eram
Ilhas ou Rochedos, (tema do capítulo II do presente livro, sob o título “Ilhas ou Rochedos”, onde publicamos os respectivos fac-símiles) tem a ver com o facto de a Espanha desejar que se faça a delimitação da Zona Económica Exclusiva, das 200 milhas náuticas, ignorando as Selvagens, classificando-as como meros Rochedos:
“Os rochedos que, por si próprios, não se prestam à habitação humana ou a vida económica não devem ter zona económica exclusiva nem plataforma continental” (Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar , Parte VIII, artigo 121), enquanto Portugal defende a classificação de Ilhas como forma de alargar a sua superfície marítima. Esta disputa entre a classificação de Ilhas ou Rochedos mais não é do que actos de soberania de dois países que ambicionam ter o controlo da área de superfície do arquipélago em questão pela sua localização estratégica em termos geopolíticos, pela abundância de riquezas naturais como a pesca e o petróleo e, sobretudo, pela sua área marítima que pode vir a constituir uma extensa Zona Económica Exclusiva. Inclusivamente, ao longo dos anos vários episódios aconteceram entre ambos os países com trocas de tiros, levando as autoridades por-
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tuguesas a apreender barcos espanhóis que pescavam ilegalmente na zona. Portugal, já desde o século XIX com o vice-almirante Ernesto de Vasconcelos e início do século XX pela acção do Alm. Gago Coutinho, chamou a atenção para a necessidade das Ilhas Selvagens terem um posto de presença, referência de afirmação da soberania portuguesa, pois na altura Espanha ameaçava tomar posse das mesmas. Daí que tenhamos incluído nesta obra dois capítulos pertinentes sobre o assunto: o capítulo I sob o título
O Arquipélago das Selvagens da autoria do também geógrafo e engenheiro hidrógrafo Ernesto de Vasconcelos que para o efeito faz uma resenha histórica sobre o tema e o Capítulo II, o então Relatório Secreto datado de 1929, escrito pelo punho do Almirante Gago Coutinho. Após este relatório de 1929 Portugal marca o seu ponto na área apenas em 1977 com a colocação de um farol na Ilha da Selvagem Grande e a presença permanente de duas pessoas e dois guardas semi-permanentes do Parque Natural da Madeira na Ilha Selvagem Pequena, para além de alguns biólogos que esporadicamente aí se deslocam para investigar a fauna e a flora, sendo também visitada pelo pessoal da Armada Portuguesa ao serviço da Direcção de Faróis.
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Extensão da Zona Económica Exclusiva de Portugal.
Portugal’s Exclusive Economic Zone Possible extensions in the Continental Shelf Areas where research for possible extensions in the Continental Shelf will continue
Em termos geográficos, o arquipélago Selvagens, de origem vulcânica, é um sub-arquipélago da Ilha da Madeira, parte integrante da freguesia da Sé – concelho do Funchal – e localiza-se no oceano Atlântico a:
165 km a norte das Canárias (arquipélago espanhol);
250 km a sul da cidade do Funchal (capital da Ilha da Madeira, arquipélago de Portugal); ± de 250 km a oeste da costa africana;
±de 1000 km a sudoeste do continente europeu. O arquipélago consiste em dois grupos: a Ilha Selvagem Grande e a Ilha Selvagem, distando entre si 15 km. A nordeste situa-se a Ilha Selvagem Grande e três pequenas ilhotas: Palheiro da Terra, Palheiro do Mar e Sinho; a sudoeste a Ilha Selvagem Pequena e o Ilhéu de Fora, entre numerosos ilhéus mais pequenos como o
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Alto, o Comprido, o Redondo, o Pequeno, o Grande, Ilhéu do Sul e um pequeno grupo dos Ilhéus do Norte. No capítulo III, o contributo do Oficial Piloto Aviador João J. Brandão Ferreira sob o título A Espanha, As
Selvagens, Olivença, e etc. é relevante para um melhor esclarecimento das relações geoestratégicas de Portugal e Espanha dentro do quadro europeu e mundial. A acção de Espanha dentro da conjuntura política europeia e, sobretudo peninsular, pede uma reflexão sobre os propósitos que a movem no quadro geopolítico actual, que o autor não deixa de referir quando diz e cito: “Se
por tudo isto ou por outras razões, o facto é que o Governo Espanhol foi mexer em várias feridas geopolíticas sem, aparentemente, lhes medir as consequências, sobretudo pelas contradições em que se emaranharam”. Por fim, o último e não menos importante artigo de Rainer Daehnhardt sob o título Pensamentos Soltos Es-
poletados pelas Ilhas Selvagens (capítulo IV) é uma reflexão que o autor faz sobre o tema que analisamos das Ilhas Selvagens no contexto histórico dos documentos antigos. A forma como devemos olhar os mapas e os demais elementos que temos em mãos, o que nos dizem, ou omitem, tirando ilações que nos permitam chegar a conclusões é tarefa árdua quando confrontados pelas incorrecções de traduções, de tipografia, etc. A dificuldade do estudo mais detalhado dos documenApeiron Edições
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tos antigos esbarra em conhecimentos apenas detidos por poucos, que com o tempo caíram no esquecimento – seja por razões de conveniência geopolítica ou outra de um país. A este propósito Rainer Daehnhardt diz que “Visto basearmos os nossos pensamentos no pressuposto
dos factos serem verdadeiros, todas as nossas complicadas construções cerebrais acabam por ruir, como um baralho de cartas, quando se descobre que algum dos factos base, afinal, não corresponde à verdade. De pequenos erros surgem interpretações erradas, que, uma vez traduzidas e retransmitidas, podem levar a conclusões bastante distantes dos conhecimentos que inicialmente se desejaram retransmitir.” Dulce L. Abalada
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CAPÍTULO I ________________________________________________ O ARQUIPÉLAGO DAS SELVAGENS1
por Ernesto de Vasconcelos2 – 1917 – Portugal possui entre os seus territórios algumas pequenas ilhas em que necessita afirmar por meios materiais a sua soberania. Um deles é o que constitui a ilha de Angediva, ao sul do território português de Goa, quase em frente do porto britânico de Caruar, na costa de Canará, e que é quase inteiramente desabitada, tendo apenas ruínas de uma fortaleza e de alguns edifícios; mas que bem poderia converter-se em uma colónia penal sujeita ao governo do Estado da Índia. Outro território naquelas condições é o formado pelo pequeno grupo das chamadas Ilhas Selvagens, entre o Arquipélago das Canárias e o da Madeira, onde se torna 1
in http://arquivohistoricomadeira.blogspot.pt/, artigo extraído em Fo-
lhas d’Ouro, gentilmente collaborado por excriptores e artistas portu-
guezes: (album litterario e artístico), Porto, Carlos de Vasconcelos, 1862-1945, ed. lit.; Jorge, Ricardo, 1858-1939, ed. lit., Lisboa: Typ. dos Caminhos de Ferro do Estado, 1917, págs. 331 - 337. 2
Ernesto Júlio de Carvalho e Vasconcelos (Almeirim, 17 de setembro de 1852-Lisboa, 15 de novembro de 1930). Foi um militar da Armada Portuguesa, onde atingiu o posto de vice-almirante, engenheiro hidrógrafo, explorador e geógrafo, presidente e secretário perpétuo da Sociedade de Geografia de Lisboa.
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