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Cidades em transformação





Cidade, patrimônio e legado

Jorge Wilhem Arquiteto e urbanista, é autor de numerosos projetos arquitetônicos e urbanísticos. Foi consultor do Ministério dos Esportes para os Jogos Olímpicos de 2016 e liderou o Consórcio que elaborou os estudos urbanísticos para as estações do Trem de Alta Velocidade. Ocupou duas vezes o cargo de Secretário Municipal do Planejamento de São Paulo, além de Secretário de Estado de Planejamento e do Meio Ambiente. Liderou a elaboração do atual Plano Diretor Estratégico e dos 31 Planos das sub-prefeituras de São Paulo. Foi responsável pela montagem e articulação da Conferência Habitat2 da ONU (Istambul, 1996). Autor de dez livros sobre vida urbana e São Paulo.


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No interior do tema transformações urbanas e sua relação com o patrimônio cultural, três conceitos, interligados, constituem uma resposta possível aos desafios que a cidade do Rio de Janeiro enfrenta, ao preparar-se para o megaevento dos Jogos Olímpicos de 2016 — a cidade, o patrimônio e o legado. Duas frases me parecem, então, oportunas. Primeiramente, a do filósofo Soren Kierkegaard (1813-1855), que nos lembra quão necessário é conhecer nosso passado a fim de compreender a vida, mas, por outro lado, a necessidade de olhar para a frente, para o que não existe, a fim de realmente viver. E a de Albert Einstein (1879-1955), em que ele valoriza a imaginação, mais importante que o raciocínio, pois ela abre as perspectivas para este. Ambas as frases valorizam a elaboração de projetos, de propostas para o nosso futuro.

Cidade Fomos habituados a considerar cidades como repositórios e testemunho de um passado, por vezes muito remoto; é certamente o caso das cidades europeias, embora muitas guerras e destruições as tenham feito reviver, em épocas sucessivas. Mas, como país do chamado Continente Novo, as Américas, não podemos esquecer o fenômeno das cidades novas, das urbs e civitas criadas artificialmente e que, por conseguinte, não apresentam por ora um tempo passado, com seus testemunhos construídos. É importante sempre lembrar que o Brasil não conheceu a Idade Média, tão importante para a história das cidades europeias, e que, ao contrário destas, nossas cidades não são o resultado do ritmo de vida de aldeias. As cidades brasileiras já nasceram urbanas, já nasceram como cidades, mesmo quando pequenas e chamadas de vila.

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1 Igreja São Francisco da Prainha,

ao pé do Morro da Conceição, na região portuária. Construída em 1969 e reconstruída em 1738 [p. 48] 2 Paisagem vista do alto

da Rua Alice, em Laranjeiras. Ao fundo, o Pão de Açúcar e ao centro, as palmeiras que marcam o eixo da Rua Paissandú bico de pena, 1942


O espaço continental do território afastava as grandes propriedades e plantios coloniais dos portos, onde se constituíram as primeiras vilas e cidades brasileiras. Por outro lado, também convém lembrar que as cidades com passado deixaram um testemunho apenas parcial de seu tempo: só o que foi construído com materiais “nobres”, isto é, resistentes às intempéries, se manteve de pé. Pouco conhecemos das habitações do povo, do camponês, do escravo — fabricadas com palha, madeira, argila, restando-nos, contudo, os palácios dos governantes e aqueles que eram simbólicos, catedrais, palácios institucionais, prisões, etc.

Patrimônio A antropóloga Margareth Mead dizia que “cultura é tudo o que o povo já não pode esquecer”. Há, portanto, elementos materiais como também imateriais, ambos representando nosso patrimônio cultural. Para o debate em pauta, adquirem importância maior os testemunhos construídos, refletindo cenários de referência para nossa memória e testemunhando não apenas hábitos, costumes, estilos de vida, mas também tecnologias construtivas e relações sociais no trabalho. Esse conjunto de significados pode, para um historiador, representar a vida social em um passado determinado. Mas, para um urbanista, dedicado a projetar o que não existe, a planejar transformações urbanas, esse cenário de referência também pode constituir um ponto de partida, uma inspiração em contexto novo.

Legado O presente debate não é meramente teórico, mas sim se refere à realização de um evento particular nesta cidade: os Jogos de 2016. Eventos como jogos desportivos, exposições mundiais, feiras comerciais, efemérides nacionais produzem transformações e, possivelmente, geram legados positivos e não aflições novas. Esses eventos resultam em ganhos ou perdas econômicas, mesmo quando seu objetivo central for de outra natureza. Em primeiro lugar, em um mundo globalizado em que tanto se viaja, um evento dá-se no contexto de uma atividade econômica definida: o turismo. A implantação de um evento, por outro lado, exige equipamentos específicos (estádios e outros campos esportivos ou espaços expositivos), que podem ser permanentes ou temporários. É igualmente importante, mormente em países emergentes, aproveitar eventos para acelerar a implantação de infraestruturas ausentes ou deficientes, servindo de pretexto para melhorar a qualidade urbana de uma cidade. É nesse contexto que um evento pode recolher testemunhos do passado (ou mesmo costumes culturais imateriais), a fim de lhes dar, em novo contexto, uma outra função social, tornando-se assim o legado daquele evento. Isso exige uma estratégia urbanística, já que um legado de evento tem que ser projetado. Ele não nasce simplesmente da distribuição dos termos de referência de licitações. Nós temos que saber o que queremos fazer com o evento, temos que saber como se constrói o legado.

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Principalmente em cidades que têm um patrimônio substancial, como é o caso do Rio de Janeiro, há que saber, de antemão, como utilizar o patrimônio, para ele ser revitalizado, recontextualizado, para que passe a ser não apenas um cenário do passado, mas para também ter vida no século XXI. Esta abordagem é a do urbanista, que quer sempre conhecer o passado, mas que está realmente trabalhando com o futuro, com aquilo que ainda não existe.

Jogos Olímpicos e legado Na postulação de São Paulo para os Jogos Olímpicos de 2012, que não foi exitosa, nós tinhamos a total clareza de que queríamos dar uma grande acelerada na questão do transporte público. Toda a distribuição, todo o projeto, toda a postulação estava construída para maximizar o legado no transporte público. Não consideramos ter problemas muito sérios de outra natureza. No caso do Rio de Janeiro, que vai sediar os Jogos Olímpicos de 2016, tive a oportunidade de prestar uma consultoria ao Ministério dos Esportes, ainda na fase de sua candidatura. Aproveitei a experiência da anterior postulação de São Paulo, mas o COB — Comitê Olímpico Brasileiro — já havia iniciado o planejamento, distribuindo a maior parte dos equipamentos na Barra da Tijuca. Apontamos, na época: (a) a necessidade de dobrar o número de quartos para hospedar, dos 22 mil existentes para os 45 mil exigidos; (b) a conveniência de dar um salto quantitativo e qualitativo nos transportes públicos; (c) a conveniência de aproveitar projetos preexistentes; (d) a conveniência de dar novo conteúdo às edificações que constituem patrimônio urbano e que se encontram nas áreas em que ocorreriam os Jogos; e, finalmente, como resultante: (e) criar um novo polo turístico na região portuária e do Maracanã (e parte de São Cristóvão). Nossa equipe, na ocasião, identificou um número enorme de projetos, cerca de 140, elaborados pela Prefeitura, Estado e União, para as regiões onde se pretendia realizar as competições. Saneamento, uso do solo, transporte, edificações, aspectos culturais. Fizemos uma seleção para incluir em alguns desses projetos as áreas mais carentes, tentando aproveitar o evento para implantá-los.

Um novo polo turístico Na verdade, o Rio de Janeiro tem vivido de um turismo fácil. Sol, praia e sua gente. Isso é quase suficiente para atrair turistas de todo mundo. Mas acontece que, hoje em dia, o turismo é uma atividade extremamente diversificada. Turismo de negócios, turismo cultural, turismo de compras. Os motivos para viajar e conhecer, hoje, são múltiplos. E, como sabemos, o mundo encolheu, ficou menor. E o turismo, pela diversificação, passou a ser uma atividade que cria riquezas muito importantes. O turismo, no Rio de Janeiro, no entanto, não pode se limitar a “sol e praia” nem apenas à contemplação passiva da exuberante paisagem carioca. Essas características

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Proposta final do COB, distribuindo os jogos em quatro áreas

II CENTRO

DEODORO H

H VM

I

BARRA

VA

H

II IBC

PRAIAS

VO

I

H

complexos

COI

equipamentos

I, II fases BARRA / JACAREPAGUÁ

Parque olímpico: ginástica, basquete, parque aquático, velódromo, treinamento de atletas, hóquei Rio Centro: handball, ginástica, badminton, tênis de mesa, esgrima Centro de tênis

VO Vila Olímpica COI Hotel do COI IBC IBC / IMC H Hotéis

FLAMENGO / PRAIA / LAGOA

Lagoa R.F.: remo e canoagem Copacabana: vôlei de praia, triatlo e maratona aquática Parque do Flamengo: ciclismo Marina da Glória: vela

H Hotéis

PIER / LEOPOLDINA / MARACANÃ / JH

Maracanã: cerimônias, polo aquático, futebol e vôlei Centro de Lutas: boxe, judô, peso, taekwondo, lutas João Havelange: futebol e atletismo

VA Vila dos Árbitros

DEODORO

tiro, arqueria, equitação e pentatlo mountain bike, ciclismo BMX canoagem (slalon)

H Hotéis

VM Vila da Mídia H Hotéis

Projeto de Reabilitação do Porto: centro cultural e comercial

fonte: Acervo Escritório Jorge Wilheim

continuarão a existir e a ser valorizadas; mas, para atender a essas novas e dinâmicas motivações de turismo, a cidade ainda não está suficientemente preparada, embora tenham construído para tal fim o Riocentro. Uma das carências identificadas era o número de quartos de hospedagem, o que poderia significar uma oportunidade. Pois, para atrair e convencer empreendedores imobiliários e hoteleiros, assim como bandeiras hoteleiras e financiadores, a cidade teria que decidir onde e de que modo criar um polo turístico de 20 mil habitações novas. Em lugar de seguir a tendência de continuar a localizá-las a serviço do turismo “sol e praia”, o que determinaria a busca de praias — portanto a extensão da Barra para o sul —, propomos a criação desse novo polo na região central do Rio, em sua zona portuária, na direção de São Cristóvão e Maracanã, aproveitando edificações e espaços hoje sem outro uso, dando assim novo conteúdo ao riquíssimo patrimônio existente.

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Principais equipamentos preexistentes na zona central do Rio e grandes projetos resultantes da consolidação dos selecionados

grandes projetos

equipamentos urbanos

Projeto Trem de Alta Velocidade (ANTT)

[1] Aeroporto Santos Dumont

[6] Cidade do Samba

Projeto Maracanã (Governo do Estado)

[2] Terminal Garagem Menezes Cortes S.A.

[7] Sambódromo

Projeto Cidade Nova (Prefeitura)

[3] Central do Brasil

[8] Maracanã

Projeto Porto do Rio (Prefeitura)

[4] Rodoviária Novo Rio

[9] Feira de São Cristovão

[5] Barcas – Praça XV

[10] Centro de Convenções (projeto)

fonte: Acervo Escritório Jorge Wilheim

Analisando os projetos já elaborados pelo poder público para essa área central, procedemos à sua integração e atualização, consolidando os seguintes: implementação do sistema binário do porto; ligação norte-sul (Rodrigues Alves-Presidente Vargas); ligação sul (eixo viário ao sul do Morro do Pinto); novos acessos ao Porto do Caju; ampliação da rede cicloviária do Aterro até a zona portuária; VLT na região central, revisão da Lei de Uso e Ocupação do Solo na área portuária; plano de ordenamento territorial do Caju; cais da Gamboa (Praça Mauá e Av. Rodrigues Alves); ruas Sacadura Cabral e do Livramento; morros da Conceição, da Saúde, da Gamboa, do Livramento e do Pinto; reurbanização das áreas públicas no Caju. Com a implantação desse novo polo turístico, as empresas privadas estariam suficientemente seguras de lá realizarem investimentos. A decisão da Prefeitura, já tomada, de lá implantar o Museu do Amanhã e outros equipamentos culturais, inclusive nos morros da região, assegura igualmente os investidores, havendo boa perspectiva de que lá se construirão as acomodações de hospedagem e lazer requeridas e ainda faltantes na cidade.

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O novo polo turístico abrangeria as próprias entradas da cidade — o aeroporto do Galeão, o Santos Dumont, o cais das barcas, a rodoviária, o terminal do Trem da Alta Velocidade (o TAV, vindo de São Paulo), a Central do Brasil. Tudo isso está nessa região à leste do Maracanã, uma região com equipamentos urbanos já existentes e foco de diversos projetos, como a modernização do Maracanã, o TAV, o Projeto do Porto e outros. Especial atenção tivemos para os morros centrais, situados no centro da cidade, aqueles que permaneceram e que são ocupados por uma pequena classe média. O acesso a esses morros é fácil e é possível visualizar ali uma revitalização urbana de interesse turístico, porque têm charme (como o Morro da Conceição e o da Gamboa), podendo gerar uma atratividade muito grande para os visitantes, inclusive para hospedagem — e não estou falando apenas de Jogos Olímpicos. Mas, em 2010, propusemos um elemento a mais, capaz de dar caráter, identidade e conforto ao novo polo turístico: a implantação de uma linha de VLT — Veículo Leve sobre Trilhos, o antigo bonde, circulando pelos diversos pontos de interesse turístico desse polo. O percurso do VLT turístico daria a oportunidade da fruição de inúmeros testemunhos do passado, integrantes do cenário de séculos anteriores, e que hoje serão revitalizados em novo contexto — o legado como ponto de partida. Exemplificamos, a seguir, na sequência das estações sugeridas:

ABrANGÊNCIA DAS NOVAS ESTAÇÕES Região central e litoral: Museu de Arte Moderna, Aeroporto Santos Dumont, Museu Histórico Nacional, Praça Quinze e Avenida Presidente Vargas Região portuária: Píer Mauá e Museu do Amanhã, Barão de Tefé, novos píeres de cruzeiros, Cidade do Samba, Gamboa, Estação Rodoviária Região Quinta da Boa Vista-Maracanã: Gasômetro, Feira de São Cristóvão, Quinta da Boa Vista, estádio e complexo do Maracanã, Estação de São Cristóvão, Batalhão, Barão de Mauá (estação TAV) Região Cidade Nova: Cidade Nova e Prefeitura, Hospital Escola São Francisco de Assis, Sambódromo, Edifício “Balança mas não cai” Região Central e Lapa: Central do Brasil, Campo de Santana, Inválidos, Catedral Metropolitana, Arcos da Lapa e Passeio Público

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O fato é que tivemos a miopia (e no mundo inteiro, também) de abandonar o bonde, que é um meio mais humano, mais do que o metrô, mais do que os monotrilhos. Ele se liga muito à calçada e ao pedestre. É claro que, no caso do Rio, vamos ter as linhas de ônibus em faixa própria, que é o mínimo que se admite fazer. Embora o transporte público tenha a vantagem de carregar muito mais pessoas, sempre teremos no Brasil uma grande dificuldade de deixar o automóvel em casa. Pirandello dizia que o automóvel é invenção do diabo, e é mesmo — ele age através da sedução. A única forma de resolver o problema do trânsito é o que disse um prefeito de Paris, respondendo a um jornalista que o entrevistava. “Pelo desespero dos motoristas”. A próxima crise, em São Paulo, por exemplo, será a de não haver onde estacionar. Essa crise de estacionamento é que vai dar uma cutucada no setor público e também na sociedade, e talvez o bonde, o ônibus, o metrô, o trem passem a ser considerados como uma boa solução. As propostas da nossa equipe, então, na preparação da candidatura do Rio a sede dos Jogos Olímpicos de 2016, não tiveram a recepção que esperávamos, uma vez que a maior parte dos eventos olímpicos já estava prevista, pelo COI, para se realizar na Barra. Mas, de qualquer jeito, o fato é que nós ganhamos a postulação e todo mundo ficou muito feliz. Mais adiante, a Prefeitura e o atual prefeito perceberam a importância da criação do novo polo. E tudo indica que o Rio de Janeiro vai construir um legado importante, no qual, muitas peças do patrimônio urbanístico (como o Morro da Conceição e outros) e do patrimônio edificado terão seu uso transformado e ressignificado. Em resumo, para aprofundar o tema das transformações urbanas e da revitalização do patrimônio cultural, no caso do evento Jogos Olímpicos de 2016 no Rio de Janeiro, não podemos nos afastar dos seguintes pontos:

• De forma sucinta, eventos aceleram soluções já necessárias e demandas reprimidas. • O legado é constituído por equipamentos específicos e pelo patrimônio; • Testemunhos arquitetônicos devem ser recontextualizados, para garantir sua preservação por meio de um uso adequado;

• Cenários de referência constituem paisagem urbana, seja no contexto original, seja no novo contexto;

• O legado deve ser projetado, intencionalmente, e apresentará, no futuro, diversos cenários representativos de contextos diversos. O cenário de referência constitui um aprendizado sobre o passado, ajudando-nos na reflexão, mas é também a semente e a provocação para uma recontextualização, para um novo uso desse patrimônio, que, se não é usado e não é tombado, é derrubado. É nesse sentido que afirmo: o legado se projeta e se constrói. E essa construção é, necessariamente, uma construção coletiva. Neste século XXI, vivemos um período de grande transformação social e cultural, que os historiadores do século XXII talvez venham a considerar como de renascimento. Se tudo der certo; e pode dar errado. O dinamismo das metrópoles, mesmo em suas áreas mais pobres, e sobretudo nelas, é absolutamente extraordinário, como observei, recentemente, na zona leste de São Paulo. Essa efervescência da mudança, sobre a qual não temos nem tempo de refletir, já está acontecendo, já está nos ultrapassando.

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Atual proposta para o circuito do VLT VILA DO JUÍZO

NOVO CAIS

CIDADE DO SAMBA

FEIRA DE SÃO CRISTÓVÃO

BARÃO DE TEFÉ

C

B

GAMBOA

GASÔMETRO

E

A PÇA P. FERREIRA TAV M T

TM

M

M

CENTRAL

SAMBÓDROMO M

CAMPO DE SANTANA

HOSPITAL F. DE ASSIS

COMPLEXO MARACANÃ

PRESIDENTE VARGAS M

M

T

QUINTA

PIER MAUÁ

D

RODOVIÁRIA

PRAÇA XV MUSEU HISTÓRICO

TIRADENTES

M

CATEDRAL INVÁLIDOS LAPA

M

SANTOS DUMONT MAM

M PASSEIO M M

equipamentos olímpicos

proposta de vlt VLT (veículo leve sobre trilhos)

Ampliação da Vila Olímpica da Gamboa

Viário principal

Estações VLT

Vila do Juízo / Conjunto de flats

Ciclovia existente

Estação de metrô

Complexo turístico – armazéns 1 a 6

Ciclovia projetada

Nova estação de metrô (Cidade Nova)

Complexo hoteleiro portuário

Ciclovia proposta

Estação de trem

Restauro do Morro da Conceição

Trem de Alta Velocidade (TAV) fonte: Acervo Escritório Jorge Wilheim

A vida acadêmica ficou lá pra trás nesta altura, porque não consegue acompanhar, com as estatísticas e estudos, a rapidez com a qual é criada uma cultura nova. E nós mesmos temos dificuldade de imaginar como será essa cultura nova. Diante dessa aceleração, duas coisas são importantes. Primeiro, a humildade de acompanhar e pensar, e, em segundo, pensar grande. Nesse sentido, o Rio consegue, mais do que São Paulo, pensar grande. Talvez por inspiração do Stefan Zweig — “a natureza virando cidade e a cidade virando natureza”. Há um pouco disso no aspecto telúrico da cultura carioca. E é preciso pensar grande, porque temos que pensar no futuro, e o futuro não é pequeno. Precisamos estar à altura dele, à altura desse dinamismo. Não se pode pensar só o pequeno, resolver só os problemas do consumo individual e não perceber nem a existência dos bens culturais. Existe um acanhamento em São Paulo, se o comparamos com o Rio. E não é um acanhamento em tudo. Afinal, existe muita criatividade em São Paulo, também. Diante desse momento de rapidez, fluidez, liquidez (diria Zygmunt Bauman) das transformações sociais, que acontece sobre o território e, também, da transformação dos conceitos e critérios que nos têm servido para acompanhar e atuar na realidade, devemos ficar atentos e não ter medo de criar e improvisar.

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Patrimônio cultural como indutor da renovação do centro do Rio


Patrimônio cultural como indutor da renovação do centro do Rio

Hugo Barreto Com uma longa trajetória no campo da televisão educativa, Hugo Barreto é secretário geral da Fundação Roberto Marinho (FRM), desde 2001, tendo sido responsável por um dos maiores programas de inclusão educacional do Brasil, o Telecurso, pelo Canal Futura e pela criação e implantação dos Museu da Língua Portuguesa e do Futebol, ambos em São Paulo. Atualmente, na FRM, coordena equipe envolvida na concepção e realização de três novos museus no Rio de Janeiro: o novo Museu da Imagem e do Som, o Museu de Arte do Rio e o Museu do Amanhã, os dois últimos na região portuária da cidade.

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“O Rio de Janeiro é uma natureza que se tornou cidade e é uma cidade que se dá a impressão de natureza.” 1 A frase acima, do escritor austríaco Stephan Zweig, foi utilizada como epígrafe de um dos capítulos do dossiê de candidatura do Rio de Janeiro a Patrimônio da Humanidade, na categoria Paisagem Cultural — título conquistado pela cidade no ano de 2012. Tomo-a de empréstimo para explorar a dimensão simbólica dos novos empreendimentos culturais e urbanos que o Rio vem ganhando e que pretendem transformar seus contornos sociais e econômicos pelas próximas décadas. Desde 2008, a Fundação Roberto Marinho vem desenvolvendo, em parceria com a Prefeitura do Rio, Governo do Estado, Governo Federal, instituições do terceiro setor e empresas privadas, três novos equipamentos culturais que devem se tornar ícones arquitetônicos da cidade — que experimentou uma estagnação em termos de novas construções simbólicas desde a década de 1960 — e influir diretamente na vida dos cidadãos que aqui residem. Ao pensar nesses projetos, entendemos que a cidade é um espaço multifacetado, formado por um processo temporal complexo e que está mudando a cada instante. Nela, fragmentos de espaços e hábitos convivem. Esses fragmentos são carregados de mensagens, de memórias, de texturas, de sabores, símbolos e signos que mostram reflexos sobre a sociedade que a criou. Portanto, a cidade não pode ser pensada apenas pelos elementos visíveis, como prédios, ruas e avenidas, mas principalmente a partir das questões referentes às atividades humanas, sua interação, sua diversidade e complexidade. A área do Porto do Rio, por exemplo, agrega os diferentes tempos da história da cidade e do país. Seus monumentos, entre eles o Mosteiro de São Bento (um representante do nosso barroco), o observatório do Valongo e a Pedra do Sal (onde havia comércio de escravos), guardam parte da memória cultural brasileira. Afinal, a região do Porto é a origem, a raiz do samba — que nasce exatamente ali e fica registrado não apenas em pedra e cal, mas também na dimensão simbólica da cultura. São vestígios de diferentes épocas concentradas, camadas sobrepostas da história, no mesmo local, que podem ser observados por meio de registros do início da consolidação de seu núcleo urbano. Também no Porto encontramos reflexos negativos de uma intervenção como o Elevado da Perimetral, cuja construção aconteceu num momento em que o país vivia um regime antidemocrático, durante o qual decisões autocráticas como esta eram impostas ao país. Com exceção da própria atividade portuária, o elevado provoca um vazio naquele espaço, uma desertificação da vida social. Entendo que somente a infraestrutura e a logística não transformam uma região em algo vivo e relevante para a sociedade em todas as suas dimensões. O projeto Porto Maravilha, possível em um momento no qual o Rio vive uma era de integração de políticas públicas dos diferentes governos, é uma proposta de agregar a área portuária à área central, à vida social e cultural da nossa comunidade, buscando construir uma nova imagem urbana, em substituição à antiga percepção de decadência. É neste espaço que surge o Museu de Arte do Rio, inaugurado em março de 2013.

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1 Vista do prédio onde funciona

a Escola do Olhar, na Praça Mauá, projeto dos arquitetos Thiago Bernardes, Paulo e Bernardo Jacobsen [p. 60]

Juntamente com o Museu do Amanhã, o MAR deve funcionar como âncora cultural do programa de revitalização da área portuária do Rio — que continua funcionando como porto, diferentemente do que acontece em outras cidades, onde esse tipo de operação, por decisões de logística daquelas comunidades, foi transferido para outros locais. A Fundação Roberto Marinho atua há mais de trinta anos na área de patrimônio

2 Vista panorâmica do conjunto

Escola do Olhar e Museu de Arte do Rio – MAR

no Brasil. Inicialmente, nos anos 1970 e 1980, fizemos campanhas na TV de preservação da memória nacional. Depois, passamos a atuar na preservação do patrimônio edificado, mais propriamente na restauração desse patrimônio, e trabalhamos muito tempo em importantes sítios históricos brasileiros. Surgiu então a indagação sobre a continuação desse trabalho, num momento em que a sociedade se tornava mais complexa. Nossa atuação era muito vinculada a um patrimônio edificado da herança cultural portuguesa, branca e católica. Mas aprendemos que naquele patrimônio faltava algo que agregasse a cultura brasileira do Brasil contemporâneo e miscigenado. Surgiu, então, em diálogo com o Iphan, instituição com a qual sempre trabalhamos, uma nova perspectiva de revitalização do patrimônio, dentro de uma dimensão de inserção, no patrimônio a ser restaurado, de um valor ligado à identidade do país. O primeiro fruto dessa nova visão foi um projeto no Museu Imperial de Petrópolis, instituição federal do Rio de Janeiro que carrega em seu acervo o mobiliário e o vestuário ligados à família imperial, assim como uma série de documentos. Com o objetivo de criar um pernoite para o turista, a partir de um diálogo com o trade turístico da região, a Fundação Roberto Marinho criou o espetáculo de som e luz nos jardins na frente do Palácio. Petrópolis vive o problema de ser muito próxima do Rio de Janeiro, o que provoca uma redução da rede

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Zweig, Stefan. Brasil, país do futuro.

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hoteleira. Ao criarmos uma atividade cultural noturna de quarta a sábado na cidade,

3 Vista externa do estádio

contribuímos também para a revitalização da rede hoteleira. E, mais que isso, demos

Pacaembu, que abriga o Museu do Futebol

também uma nova dimensão ao acervo, ao projetar nas janelas do museu a história da família imperial, tornando o seu conteúdo mais vivo e atraente para os visitantes. Em seguida a esse projeto, fomos convidados pelo Governo de São Paulo e pela Prefeitura da capital a pensar um projeto de revitalização para a Estação da Luz — uma estação de trem construída no final do século XIX pelos ingleses, que tinha ali seus escritórios administrativos. Era um espaço sem uso e sem destinação, situado em um equipamento tombado nas instâncias federal, estadual e municipal. A Fundação propôs uma vertente na qual se deveria agregar um valor ao prédio que conectasse a sociedade a essa história edificada de São Paulo. Daí surgiu a ideia de construção do Museu da Língua Portuguesa, que, mais do que um equipamento acadêmico, é um

museu de lazer e de cultura, que nos aproxima da nossa própria cultura pela via da língua — afinal, vivemos, sentimos, sonhamos e nos comunicamos em português. O projeto do Museu da Língua Portuguesa foi desenvolvido por dois importantes arquitetos brasileiros, Paulo Mendes da Rocha e seu filho Pedro Mendes da Rocha. Nossa ambição era requalificar o espaço e dar a ele uma dimensão pública. Hoje, o equipamento recebe por ano mais de 500 mil visitantes e está entre os três mais visitados de São Paulo e, consequentemente, do Brasil. Entre os parceiros fundamentais do projeto estava o BNDES, que possui um programa para valorizar o patrimônio brasileiro edificado. E, dentro de determinados pré-requisitos, foi muito interessante o debate com o banco sobre que tipo de patrimônio é cabível de ser objeto de sua atenção. Outros parceiros que buscamos foram os Correios, que “transportam” a nossa língua escrita, a Portugal Telecom, a língua falada, e a IBM, muito interessada em uso de novas tecnologias em educação.

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4 Maquete virtual do Museu

da Imagem e do Som


Também em São Paulo, realizamos o Museu do Futebol, dentro do estádio de futebol do Pacaembu. O futebol, introduzido no país no final do século passado por Charles Miller, um descendente de ingleses, branco e aristocrático, tinha regras que, até 1926, impediam trabalhadores braçais de participar dos clubes profissionais — o Vasco da Gama, no Rio de Janeiro, rompe essa barreira colocando seus operários para jogar no time. A partir da década de 1930, o esporte começa a se popularizar no Brasil. Duas décadas depois, no momento em que o Brasil está construindo um projeto de nação, em que o presidente Getúlio Vargas cria o modelo de industrialização e o país se moderniza, inclusive nas artes, o fenômeno do futebol como paixão nacional começa a se delinear. O Museu do Futebol conta essa narrativa social de construção do Brasil moderno tendo como pretexto o futebol. O arquiteto Mauro Munhoz implementou o museu no avesso da arquibancada, revelando as entranhas de um estádio de futebol e dando um forte caráter simbólico ao espaço. Pesquisas realizadas com os visitantes mostram que eles o consideram um “museu de história”. Atualmente, a Fundação Roberto Marinho trabalha na perspectiva de introduzir, na região portuária da cidade e também na Avenida Atlântica, em Copacabana, com o Museu da Imagem e do Som, museus que funcionem como catalisadores do processo

de revitalização urbana. As revitalizações de áreas urbanas nas cidades são associadas, em inúmeros casos, a novos ícones arquitetônicos, que acabam por se inserir no imaginário social daquela coletividade como uma espécie de novas catedrais do século XXI.

No passado as pessoas viajavam para alguns lugares a fim de visitar uma grande

catedral, e hoje elas visitam os lugares pela simples fruição de estar naquele espaço requalificado pela arquitetura e pela criação humana. No Rio de Janeiro, os últimos ícones arquitetônicos remontam à década de 1960. A cidade, que recebeu a influência de vários estilos, como colonial, barroco, rococó, art déco, eclético e modernista, de certa maneira viu esvaziada a sua influência cultural e econômica desde que a capital do país foi transferida para Brasília. Do nosso ponto de vista, projetos como o Museu do Amanhã e o Museu de Arte do Rio vão contribuir para a retomada do desejo arquitetônico na cidade, se inscrevendo no imaginário e na história do Rio de Janeiro como marcos de uma era em que os cariocas recuperaram o orgulho pela cidade, por conta do seu reerguimento econômico, social e cultural. A escolha dos arquitetos que fizeram os projetos do MAR, do Museu do Amanhã e do MIS contribuiu diretamente para explorar a perspectiva do campo simbólico em cada um dos equipamentos. No Museu de Arte do Rio, os arquitetos Thiago Bernardes, Paulo e Bernardo Jacobsen criaram uma metáfora do recorte da superfície do mar “aplicada” ao topo do complexo. Uma cobertura “fluida”, que liga dois prédios de estilos diferentes, um eclético e outro com traços modernistas. Esta conexão preserva a identidade e a linguagem arquitetônica de cada um. O museu vai se dedicar a promover uma leitura transversal da história da cidade, a olhar para o seu tecido social, sua vida simbólica, seus conflitos, contradições, desafios e expectativas. Suas exposições vão unir as dimensões histórica e contemporânea da arte, por meio de mostras temporárias. O MAR surge também com a missão de inscrever a arte no ensino público

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através da Escola do Olhar, uma escola experimental que está sendo implantada em parceria com a Secretaria Municipal de Educação. O programa prevê a visitação de 150 mil alunos da rede pública por ano ao equipamento cultural, dentro de um planejamento pedagógico, com visitas programáticas ao museu e atividades que se relacionam com o conteúdo curricular. O curador é Paulo Herkenhoff, renomado crítico de arte brasileiro, ex-curador do MoMA, de Nova York, do MAM-RJ e da Bienal de SP. No olhar do arquiteto espanhol Santiago Calatrava, o Museu do Amanhã também tem inspiração nas formas da natureza brasileira — neste caso, as bromélias do Jardim Botânico do Rio de Janeiro. O edifício tem a ambição de ser um novo cartão-postal da cidade. É um prédio verde, com uma cobertura que capta energia solar e um sistema de climatização resfriado pela água do fundo da Baía de Guanabara. A ideia do Museu do Amanhã é ser um museu de ciência e tecnologia, mas com uma inovação brasileira — a de inscrever-se numa nova geração de museus: sem ser a geração dos museus de história natural, que tratam dos vestígios da vida no planeta, nem a dos museus que tratam das evidências do presente sob o ponto de vista científico, por reproduções de experiências em laboratórios. O Museu do Amanhã, como o próprio título diz, deseja especular sobre as perspectivas éticas, sociais, culturais e ambientais da permanência da vida no nosso planeta e as escolhas que os homens precisam fazer para alcançar esse objetivo. Construído na chamada era do Antropoceno, na qual a soma das atividades dos homens resulta numa força geológica capaz de provocar transformações profundas no planeta, o Museu do Amanhã apresentará uma coleção de possibilidades de futuros que podemos construir. É um museu que pretende instigar no visitante uma reflexão não somente do ponto de vista ambiental, mas também social, cultural e filosófico, sobre estas diferentes dimensões de se pensar o amanhã. O Museu da Imagem e do Som, em Copacabana, será instalado à beira-mar, em plena Avenida Atlântica, e pretende ser o museu da identidade carioca. Sua concepção arquitetônica, do escritório americano Diller Scofidio + Renfro, também explora várias dimensões simbólicas da vida e da alma carioca, entre elas o passeio pelo Calçadão, o encontro nas esquinas e a democracia das areias praianas. O projeto propõe um prédio que, numa representação gráfica, é uma reprodução do famoso Calçadão do bairro, dobrado e transformado num boulevard vertical. A ideia é que o museu se transforme num novo ponto de encontro para os próprios cariocas e turistas, brasileiros e estrangeiros. E também democratize a vista do mar de Copacabana, hoje restrita a quem frequenta os apartamentos e hotéis da orla. Uma avaliação do atual momento brasileiro nos permite ver a revitalização do Rio de Janeiro de uma perspectiva bastante otimista em relação ao uso que a população fará desses novos equipamentos culturais. Como consequência das políticas públicas implementadas no país, 25 milhões de brasileiros saíram da linha da pobreza e passaram a integrar a chamada classe média. A representação atual da estratificação socioeconômica já não é uma pirâmide, com a elite no topo e a grande massa da população no lugar mais baixo. Hoje, a nova classe média é a faixa mais larga da representação visual do país. Recentemente, numa ampla pesquisa encomendada pela Rede Globo, descobrimos

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Patrimônio cultural como indutor da renovação do centro do Rio


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5 Maquete virtual do Museu

do Amanhã, na Praça Mauá, projeto arquiteto Santiago Calatrava

que, num contingente de cem milhões de brasileiros, há cerca de trinta milhões de pessoas ávidas por consumo de bens culturais de baixo custo e que procuram experiências vinculadas à sua realidade, à sua comunidade e aos seus valores familiares. Pudemos perceber esse desejo quando o MAR foi aberto à visitação, em uma terça-feira, com entrada gratuita. Nesse dia, 3.471 pessoas acorreram ao museu, muitas delas da vizinhança e muitas vindas de outros bairros do Rio. Uma família, entrevistada durante a visita, era o retrato dessa nova classe que ascende: a avó, empregada doméstica e moradora de Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense; a mãe, uma dona de casa moradora de Duque de Caxias, que disse se informar dos programas culturais gratuitos pela internet; e as duas filhas, meninas de dez e quatro anos, que já frequentam museus e pontos turísticos na cidade. Nessa perspectiva, museu é um bem de consumo cultural barato e muitas vezes gratuito para a população. Ao espelharem a natureza e a cultura do Rio em suas formas, além de se inspirar em seu tecido social, hereditário e cultural, o Museu do Amanhã, o Museu de Arte do Rio e o Museu da Imagem e do Som pretendem se inserir de forma harmoniosa na paisagem cultural do Rio de Janeiro, tombada, em junho de 2012, como Patrimônio da Humanidade. Uma paisagem que agrega de forma encantadora, como observou o escritor austríaco Stefan Zweig, a natureza e os artefatos do homem, em um processo de ressignificação único e exemplar. No Rio, essa combinação é virtuosa, até nas imperfeições de suas curvas sinuosas, nos encontros entre os morros ocupados e os prédios de luxo, entre o passado colonial e o presente pósmodernista, entre o presente e o devir, que nunca nos pareceu tão promissor.

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BNDES investe em renovação

urbana e preservação do patrimônio cultural

Rodolfo Torres Economista, com mestrado e doutorado pelo Instituto de Economia da UFRJ. No BNDES, desde 2004, atua nas áreas de Infraestrutura, Mercado de Capitais e Estruturação de Projetos. Atualmente, ocupa a chefia do Departamento de Mobilidade e Desenvolvimento Urbano da Área de Infraestrutura Social.

Luciane Gorgulho Chefe do Departamento de Cultura, Entretenimento e Turismo do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), criado em 2006 para o desenvolvimento e operação de novas ações e instrumentos financeiros para o setor da Economia da Cultura, incluindo o desenvolvimento e operação de novas linhas de financiamento e investimento ao setor. Antes trabalhou na Finep, onde foi chefe do Departamento de Desenvolvimento de Novas Operações e superintendente da área de Empresas Emergentes. É economista pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, com mestrado em Economia Industrial e MBA executivo pela mesma instituição.

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O processo de urbanização e a necessidade de requalificação urbana O processo de urbanização atual faz que o crescimento das cidades não seja acompanhado pelo crescimento de oferta de serviços públicos. A população, atraída pelas oportunidades da cidade, acaba por não encontrar condições adequadas de habitação, educação, saúde, saneamento e mobilidade urbana. Segundo dados da PNAD 2009, nos 58,6 milhões de domicílios particulares permanentes, ainda há um longo caminho a ser percorrido para se alcançar a universalização dos serviços públicos. Em 2009, 49,5 milhões de domicílios (84,5%) possuíam abastecimento de água por rede geral, 51,9 milhões (88,6%) eram atendidos pela coleta de lixo e 34,6 milhões (59%) contavam com rede coletora ou fossa séptica ligada à rede coletora de esgoto. Além disso, o deficit habitacional estimado em 2008, segundo a Fundação João Pinheiro, corresponde a 5,546 milhões de domicílios, dos quais 4,629 milhões, ou 83,5%, estão localizados nas áreas urbanas. Por outro lado, existem hoje quase cinco milhões de domicílios urbanos vagos. Em Recife e no Rio de Janeiro, os imóveis vagos chegam a 18% do total de domicílios da área urbana. Só na cidade de São Paulo, são 400 mil domicílios urbanos vagos, a maioria situada em áreas consolidadas e centrais1. Muitas dessas áreas são centros históricos que sofreram processo de degradação e abandono pela dinâmica do crescimento das cidades em direção a novas áreas, expandindo os limites metropolitanos. Todas as questões acima descritas se intensificaram cada vez mais com a globalização, a partir de meados dos anos 1980, introduzindo novas demandas e desafios para as cidades. Para responder a essas novas demandas, a cidade pós-moderna quer a restauração de um tecido urbano mais antigo e a sua reabilitação para novos usos, quer a criação de novos espaços que exprimam as visões tradicionais com todo o avanço que as tecnologias e materiais permitem2.

(...) a cidade pós-moderna quer a restauração de um tecido urbano mais antigo e a sua reabilitação para novos usos, quer a criação de novos espaços que exprimam as visões tradicionais com todo o avanço que as tecnologias e materiais permitem.

Nesse sentido, e de acordo com Maricato (2001, 126), a reabilitação ou requalificação urbana surge como uma possível solução para os problemas das cidades atuais e pode ser definida como uma ação que preserva o ambiente construído existente o máximo possível, tanto em relação a seus usos quanto a seus habitantes. Considerando essas definições, a política brasileira tenta recuperar áreas consolidadas com diferentes programas, tais como organização e regularização de favelas, recuperação e prevenção em áreas de risco, urbanização e regularização de assentamentos informais, melhoria e ampliação de construções vernáculas, recuperação de áreas de preservação ocupadas e remodelagem de cortiços, e requalificação urbana de áreas centrais degradadas3. A maioria dessas áreas urbanas degradadas abrange diversas edificações de interesse histórico e cultural. Em consequência, a maior parte das intervenções de requalificação urbana tem que ser trabalhada junto com ações de preservação e recuperação do patrimônio histórico.

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BNDES investe em renovação urbana e preservação do patrimônio cultural

1 Pedra do Sal, na zona

portuária do Rio de Janeiro [p. 68]


O patrimônio cultural como âncora do desenvolvimento econômico A herança cultural arquitetônica e urbana que permeia os cenários das cidades brasileiras é, atualmente, um dos grandes estímulos para o seu desenvolvimento econômico-cultural. É este desenvolvimento que vem, ano a ano, consolidando-se cada vez mais e tornando-se responsável por grande parcela dos movimentos de revitalização que se observam no panorama nacional. A realidade econômica e social e a consequente situação desfavorável do estado de conservação dos imóveis inseridos nos centros e cidades históricas são geradas por processos de transformação observados há várias décadas, decorrentes de movimentos migratórios induzidos pelas mudanças econômicas nas sociedades modernas. Isso tem suscitado maior atenção dos setores privados e públicos na promoção de ações de preservação. Ressalte-se que essa decadência muitas das vezes foi fruto de períodos de estagnação econômica de áreas manufatureiras, como as áreas industriais e portuárias, que foram abandonadas e tiveram que se reestruturar para abrigarem novas atividades, assim como devido à mudança de hábitos de parte da população que foi morar em bairros cada vez mais afastados dos centros das cidades. Assim sendo, os projetos de revitalização que estão sendo implementados nas áreas tradicionais das cidades de grande porte e nas pequenas cidades históricas têm contribuído para a preservação do patrimônio arquitetônico e urbano. A meta de alcançar o desenvolvimento local, com o aumento do turismo cultural, e atingir o desenvolvimento de atividades econômicas, geradoras de emprego e renda, deve ser planejada com eficácia. É neste escopo que se insere o interesse de atuação do BNDES em apoiar os projetos que busquem a revitalização de áreas históricas importantes nas cidades brasileiras. Assim, as operações de restauração do patrimônio histórico poderão alicerçar projetos relacionados a programas de revitalização (urbana, turística, econômica, etc.) que tragam benefícios efetivos à população e, inclusive, abram oportunidades às cidades históricas brasileiras. A restituição da função social do patrimônio e sua reintegração à vida cotidiana das cidades, em todos os seus aspectos, induzem a um processo de revitalização de caráter permanente.

1 Ministério das Cidades, 2005: 09. 2 HARVEY, 2005: 70. 3 DANTAS, 2008, apud MARICATO, 2001: 121.

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As origens da atuação do BNDES na preservação do patrimônio Desde 1997, o BNDES passou a apoiar ações de preservação do patrimônio histórico brasileiro, inicialmente por meio dos benefícios fiscais decorrentes da Lei nº 8.313/91 — Lei Rouanet — e, a partir de 2010, também com recursos próprios não reembolsáveis do Fundo Cultural. O precário estado de conservação desse patrimônio, sua riqueza, sua diversidade e a extrema necessidade de sua preservação motivaram o BNDES

a focar suas ações na área da cultura, na preservação do patrimônio histórico e

arqueológico do País. Nestes quinze anos de trabalho, foram destinados mais de trezentos milhões de reais para aplicação na preservação do patrimônio histórico em todo o Brasil, entre museus, igrejas, teatros, fortes, universidades e centros culturais, num total de 186 projetos. A estratégia inicialmente adotada foi enfatizar e priorizar projetos isolados de monumentos tombados pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – Iphan. Esperava-se, assim, que a ação do BNDES contemplasse a recuperação dos monumentos históricos de maior relevância para o país. Esses restauros eventualmente contribuíam para dinamizar e revitalizar a região em que se localizavam essas edificações, mas, naquele momento, não existia uma ótica de desenvolvimento urbano integrado. O que importava era recuperar o patrimônio arquitetônico e histórico desvalorizado e, por vezes, extremamente degradado.

O PAC Cidades Históricas 4 O PAC Cidades Históricas é um programa ousado, que almeja lançar as bases para uma ação perene de revitalização do conjunto das cidades históricas no Brasil. O programa, lançado em outubro de 2009 e inspirado nas experiências do Programa Monumenta (BID), se diferencia dos programas anteriores por caracterizar-se como uma política transversal, que envolve os ministérios das Cidades, Educação e Turismo e para o qual foram estruturados Planos de Ação para cada um dos cerca de duzentos municípios históricos brasileiros, com participação do poder público e também da sociedade civil. Muito mais do que garantir apenas a recuperação dos monumentos, o PAC Cidades Históricas (PACCH) estimulou — e, para isso, inclusive promoveu a capacitação dos agentes municipais — a formulação de planos de ação consistentes para enfrentar os problemas estruturais que afetam as áreas históricas, promovendo o desenvolvimento local a partir das potencialidades do patrimônio cultural, com atuação integrada do poder público, do setor privado e da sociedade civil, de forma a fortalecer a ação de planejamento. O PAC Cidades Históricas pretende posicionar o patrimônio cultural como eixo indutor e estruturante, com o objetivo de contribuir para o ordenamento e o planejamento do crescimento urbano. A partir da reabilitação de imóveis e da requalificação de espaços urbanos, serão planejadas ações de saneamento ambiental, transporte público e implantação de habitações sociais, intervindo em processos que, frequentemente, aceleram a deterioração

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BNDES investe em renovação urbana e preservação do patrimônio cultural


do patrimônio cultural. Assim, pretende-se alterar os processos de esvaziamento populacional dos centros históricos, revertendo o quadro de subutilização imobiliária e de má infraestrutura urbana instalada. O PAC Cidades Históricas tem como uma de suas diretrizes a participação da comunidade em todas as

O PAC Cidades Históricas pretende posicionar o patrimônio cultural como eixo indutor e estruturante, com o objetivo de contribuir para o ordenamento e o planejamento do crescimento urbano.

etapas de planejamento, desenvolvimento e execução do Programa, por meio da identificação dos principais atores sociais envolvidos na dinamização dos espaços urbanos. Por isso, um dos primeiros passos realizados no decorrer do Programa foi identificar esses atores sociais. O Programa visa também superar a atuação ainda fragmentada entre as esferas do poder público e a sociedade, de forma a construir um planejamento mais inte-

grado das cidades e centros históricos e visando a otimizar os recursos financeiros e as ações. O intuito é estabelecer formas de desenvolvimento local aliadas à conservação e à restauração do patrimônio cultural, reposicionando o setor cultural como assunto estratégico dos governos. Todas as suas ações são pactuadas com os governos estaduais e municipais por meio dos Planos de Ação5. A abrangência de ação do PAC Cidades Históricas é bem maior do que as cidades eleitas pelo Programa Monumenta, pois sua territorização abarca todas as cidades históricas brasileiras protegidas ou em processo de proteção, nove cidades Patrimônio Mundial da Humanidade, todas as capitais, todas as cidades sedes da Copa 2014, quarenta municípios dos 65 Destinos Indutores do Desenvolvimento Turístico Regional, sendo que, desse universo, 18 cidades fazem parte dos Projetos de Revitalização e Integração da Bacia do Rio São Francisco. Sua implementação baseia-se no financiamento e subsídios advindos do Iphan para recuperação de imóveis privados nas cidades selecionadas; contratação direta de projetos estratégicos pelo Iphan; execução direta de ações de reabilitação e recuperação de imóveis pelo Iphan; inclusão de linhas de financiamento da agenda social do Governo Federal (saneamento, habitação, mobilidade urbana, segurança, turismo e fomento às cadeias produtivas locais); contrapartidas dos estados e municípios; e parcerias com concessionárias de serviços públicos, setor privado e sociedade civil. As estratégias e ações passíveis de execução pelo Programa podem ser subdivididas em seis grupos. São elas: requalificação urbanística; infraestrutura urbana e social; financiamento para imóveis privados; recuperação de monumentos e imóveis públicos; fomento às cadeias produtivas locais; e promoção do patrimônio cultural.

4 Dados internos do Programa PAC Cidades Históricas/Iphan. Site: http://www.iphan.gov.br 5 O Plano de Ação deverá definir objetivos, ações e metas pactuados com os governos locais para orientar

a atuação integrada e intersetorial em suas diferentes instâncias.

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Em que pese às dificuldades enfrentadas pelo PAC Cidades Históricas em seu momento inicial, seu arcabouço conceitual e sua estratégia mostraram-se aderentes aos conceitos que vinham sendo discutidos internamente no BNDES e foram uma grande motivação para as mudanças no regulamento e na estratégia de ação no setor de preservação do patrimônio.

A nova abordagem do BNDES Ao longo de quinze anos de atuação no patrimônio histórico, com a experiência acumulada, o BNDES buscou, paulatinamente, aproximar suas ações no campo do patrimônio histórico de sua atividade-fim, o desenvolvimento econômico brasileiro. Nesse processo, diversos projetos exitosos — como os de Barcelona e Quito — serviram como referência metodológica, comprovando o imenso potencial de geração de riqueza existente no patrimônio. A partir do lançamento do PAC Cidades Históricas, foi aberta a possibilidade de se construir uma abordagem absolutamente nova, não simplesmente “preservacionista”, mas com viés de desenvolvimento. A parceria entre o BNDES e o Iphan — vigente desde 1997 — foi aprofundada. Cabe contextualizar que, em 2006, o BNDES tomou uma decisão estratégica: incorporar a economia da cultura à estrutura operacional da Instituição, alçando esse setor ao status de uma das atividades econômicas financiadas pelo Banco dentro de sua missão operacional e não entendidas como ações de patrocínio. Foram criados, então, instrumentos financeiros que dessem conta das necessidades específicas de todo o setor da cultura. Desta forma, o poder criativo da sociedade, visto como ativo intangível que transforma produtos, serviços, processos e dinâmicas sociais, econômicas e urbanas, passou a assumir lugar de destaque, como um importante recurso econômico capaz de elevar a economia criativa a eixo de desenvolvimento de regiões e países. A economia da cultura, formada pelo campo das artes e do patrimônio, é o núcleo irradiador da economia criativa. É nesse núcleo que é gerado o conteúdo cultural que irá alimentar a indústria e dinamizar a economia. Neste sentido, a economia da cultura passa a ser vista como setor estratégico do ponto de vista econômico e social, já que agrupa diversas atividades capazes de gerar empregos e renda e de propiciar a inclusão social das minorias.

(...) a utilização de recursos próprios do BNDES permitiu ampliar a abrangência e o conteúdo dos projetos de patrimônio, podendo abarcar ações integradas ao turismo, à revitalização urbana do entorno do bem público, à gestão do bem público (...)

Destaque-se que, no caso de patrimônio histórico, a utilização de recursos próprios do BNDES permitiu ampliar a abrangência e o conteúdo dos projetos de patrimônio, podendo abarcar ações integradas ao turismo, à revitalização urbana do entorno do bem público, à gestão do bem público, bem como à geração de emprego e renda a partir do patrimônio histórico, assim como ações estruturantes para o setor, tais como a educação patrimonial,

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a formação de mão de obra, etc. O objetivo, cabe frisar, passa a ser, mais do que apenas recuperar o patrimônio, estimular e facilitar o usufruto do bem restaurado, promover sua melhor utilização pela sociedade e maior dinamismo econômico local, tornando o patrimônio histórico uma âncora para o desenvolvimento institucional, econômico, turístico e urbano da localidade onde se encontra. Com essas mudanças, o escopo da ação do BNDES passou a ser não somente o restauro de monumentos isolados, mas a recuperação coordenada do conjunto arquitetônico das cidades e centros históricos. Inaugurou-se a partir dessa compreensão uma linha de ação destinada ao apoio a projetos integrados de revitalização de cidades históricas, centros históricos ou outros perímetros selecionados pelo BNDES, que visem a sua dinamização econômica a partir de ações de preservação do patrimônio cultural. Em tais situações, importa mais o conceito da paisagem cultural e do conjunto integrado do que o do tombamento individual de cada monumento. Adicionalmente, devem-se buscar, nesses casos, investimentos complementares, que visem à recuperação do entorno e a ações relativas à preservação do patrimônio num conceito mais amplo, como, por exemplo, ações de educação patrimonial e capacitação de mão de obra local. Devem-se buscar ainda ações que busquem o desenvolvimento econômico associado ao patrimônio, podendo abranger iniciativas voltadas para o estímulo a atividades econômicas derivadas do patrimônio, como, por exemplo, o artesanato cultural ou atividades culturais correlatas. Ao entender que preservar o patrimônio é muito mais do que apenas restaurar imóveis e obras de arte, o BNDES passa a apoiar e estimular ações de capacitação e qualificação profissional. As técnicas de restauro são complexas e exigem mão de obra altamente especializada, e por isso há carência de profissionais nessa área. Assim, apoiar de forma efetiva o patrimônio histórico passa também por formar esses profissionais, preferencialmente em situações reais de obra. Cada restauro que se executa torna-se uma oportunidade real para se capacitar mão de obra para o setor. Ao contrário, cada projeto que se realiza sem a preocupação de capacitar esses profissionais é uma oportunidade que se perde. Portanto, é desejável que o BNDES mantenha uma postura proativa nessa área, estimulando a inserção dos projetos por ele apoiados num contexto mais amplo de formação profissional. As iniciativas de educação patrimonial têm também um caráter muito mais amplo do que a obra em si. Só se valoriza o que se conhece e se admira, por isso o trabalho de educação patrimonial busca levar a comunidade a um processo ativo de conhecimento, apropriação e valorização de sua herança cultural, capacitando-a para um melhor usufruto dos bens patrimoniais. Torna-se também uma oportunidade de conhecimento sobre as técnicas construtivas utilizadas em cada época, os materiais, os artistas e a própria história do lugar ao qual pertencem. Um bem tombado não pode ser visto como algo isolado. Ele é um elemento dentro de um contexto, que tanto pode ter uma abordagem arquitetônica quanto histórica, artística, econômica, política, sociológica ou inúmeras outras. Assim, o apoio do BNDES

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não deve restringir-se apenas aos aspectos materiais, artísticos ou arquitetônicos, mas também permitir que sejam desenvolvidas ações diversas voltadas tanto para as populações locais quanto para os visitantes. Os projetos culturais correlatos, por sua vez, representam desdobramentos específicos das várias ações na área de patrimônio. Eles têm um papel importantíssimo na divulgação do patrimônio, podendo ainda estar focados na documentação dos trabalhos realizados, no resgate de informações, na difusão de saberes ou mesmo na disseminação da cultura em todas as suas formas.

Instrumentos de apoio do BNDES O apoio do BNDES a projetos relacionados à preservação do Patrimônio Histórico e Cultural brasileiro se dá de forma não reembolsável, seja por meio da utilização dos limites de incentivo fiscal previstos pela Lei Rouanet, seja com fundos estatutários próprios (Fundo Cultural). O BNDES dispõe, ainda, de outros meios de apoio financeiro à implantação, pelo setor público (municípios e estados), de ações que acarretam — direta ou indiretamente — valorização do patrimônio histórico e cultural. Por intermédio do PMAT — Programa de Modernização da Administração Tributária (linha de financiamento reembolsável voltada à modernização da administração municipal), o BNDES pode potencializar a atuação dos municípios na gestão do patrimônio histórico e cultural, por meio do financiamento a ações de desenvolvimento institucional, como, por exemplo, treinamento e capacitação de servidores, atualização e modernização de cadastros multifinalitários, aquisição de equipamentos de TI (Tecnologia da Informação). Outra linha reembolsável voltada ao setor público, o PMI (Projetos Multissetoriais Integrados), é a única do BNDES que financia exclusivamente programas de urbanização em áreas especiais de interesse social, apoiando inclusive a implantação de projetos integrados de revitalização de cidades/centros históricos, pelo financiamento à elaboração de estudos e projetos e à execução de obras civis, tais como sistemas de abastecimento de água, esgotamento sanitário, resíduos sólidos e drenagem urbana; pavimentação quando associada às obras de urbanização, saneamento ambiental, transporte coletivo e mobilidade urbana; edificações para educação, saúde, assistência social, esportes, cultura, lazer, uso comunitário e serviços públicos; e urbanização de áreas comuns e de lazer — iluminação, calçadas, praças e paisagismo — e de serviços técnicos especializados, como monitoramento e avaliação de projetos e programas de capacitação profissional/educação ambiental para a população beneficiada. Um caso emblemático de articulação entre a linha PMI e a valorização do patrimônio histórico e cultural é o apoio do BNDES ao Programa de Requalificação Urbanística e Inclusão Social da Comunidade do Pilar, o qual procura promover — além de melhorias urbanísticas locais — a requalificação do centro histórico do Recife/PE.

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2 Requalificação do Centro

Histórico de Recife (PE) fonte: arquivo BNDES

Adicionalmente, através da linha BNDES Estados, o Banco pode apoiar a implantação de programas estaduais de desenvolvimento integrado, compostos por um conjunto de investimentos de caráter multissetorial, integrado e sustentável, definidos a partir de um planejamento estratégico de longo prazo. Assim, ações relacionadas à valorização do patrimônio histórico e cultural também podem ser financiadas no âmbito dessa linha, desde que inseridas em planos e programas estaduais dessa natureza. É o caso do apoio à restauração da Ponte Hercílio Luz, patrimônio histórico, artístico e arquitetônico do Brasil, reconhecido pelo Ministério da Cultura em 1997. O projeto, dentro de um contexto de busca de soluções de mobilidade para a Grande Florianópolis, seria outro exemplo de integração entre a preservação do patrimônio e o planejamento e desenvolvimento urbano. Nos últimos anos, o BNDES tem buscado articular o apoio ao patrimônio histórico com a ótica do desenvolvimento integrado. O foco no restauro e na preservação dos monumentos tombados se insere agora na questão do desenvolvimento urbano, integrado em todos os seus aspectos, econômico, social e também de infraestrutura, com efeitos mais abrangentes e duradouros.

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Perspectivas futuras A revitalização de áreas centrais históricas depende da construção e da renovação de uma imagem urbana para essas cidades, em substituição à antiga imagem enraizada de centros históricos decadentes e degradados. É vital a construção de confiança no processo a ser instaurado, o que depende de ações integradas, contínuas, constantes, monitoradas pelos poderes públicos e com envolvimento da sociedade civil. Torna-se relevante ressaltar que as estratégias de atuação dependem também de um catalisador da revitalização, dinâmico e de forte apelo, capaz de tornar-se um diferencial e um gancho inicial no processo de desenvolvimento e revitalização. Com a nova abordagem adotada para projetos de preservação do patrimônio cultural — que prevê a possibilidade de apoiar projetos integrados de revitalização e não apenas projetos isolados de preservação —, o BNDES poderá viabilizar uma participação muito mais efetiva no PAC Cidades Históricas. Assim, pretende-se amplificar os efeitos do apoio do BNDES aos projetos. Mais do que atuar unicamente como provedor de recursos, o Banco pretende induzir e incentivar a mobilização dos governos municipais, estaduais e sociedade civil, exercitando o poder convocatório da instituição, de forma a obter resultados estruturantes e sustentáveis. Cabe acrescentar, em relação às perspectivas futuras para o BNDES, que novas possibilidades de atuação em urbanização estão sendo analisadas, por meio do apoio a grandes projetos urbanos e à requalificação de áreas urbanas degradadas. Diante dessas novas formas de atuar, o BNDES poderia contemplar tanto a requalificação e a recontextualização urbana dos municípios quanto a valorização do patrimônio histórico nacional. O Departamento de Mobilidade e Desenvolvimento Urbano da Área de Infraestrutura Social — AS/DEURB — busca também o desenvolvimento de alternativas operacionais, definidas com base em instrumentos urbanísticos e financeiros, como as Operações Urbanas Consorciadas, o Solo Criado, a Outorga Onerosa do Direito de Construir, os Cepacs, que são títulos utilizados para financiar operações urbanas consorciadas que recuperem áreas degradadas das cidades, e as parcerias público-privadas (PPPs). Além disso, tem tido cada vez mais relevância o uso das tecnologias de sustentabilidade socioambiental nos projetos apoiados pelo BNDES, que, por sua vez, também poderão recorrer a linhas de financiamento específicas. Projetos como o Porto Maravilha6, de revitalização da região portuária do Rio de Janeiro, são bons exemplos de requalificação urbana integrada à valorização do patrimônio histórico local, onde os usos da área são recriados e, ao mesmo tempo, a identidade cultural e urbana da região é fortalecida.

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3 Vista aérea

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Referências bibliográficas CARDOSO, Viviane Souza Valle; GOLDENSTEIN, Marcelo; MENDES, Eduardo da Fonseca; GORGULHO, Luciane. A preservação do patrimônio cultural como âncora do desenvolvimento econômico. Rio de Janeiro: BNDES, 2012. DANTAS, Adriana Barbosa. Brownfield Redevelopment in Rio de Janeiro: Housing vs. Public Participation in the Manguinhos Area. Dissertação de Mestrado. Berlim: TU-Berlin, 2008. HARVEY, David. Condição pós-moderna: uma pesquisa sobre as origens da mudança cultural. 14. ed. São Paulo: Edições Loyola, 2005. MINISTÉRIO DAS CIDADES. Reabilitação de Centros Urbanos. Brasília: Ministério das Cidades, 2005. PORTA, Paula. Política de preservação do patrimônio cultural no Brasil. Diretrizes, linhas de ação e resultados. Brasília: Iphan, Ministério da Cultura, 2012.

6 Case tratado no simpósio Transformações Urbanas e Patrimônio Cultural, patrocinado pelo BNDES.

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Porto Maravilha: permanências e mudanças

Jorge Arraes Engenheiro civil, especializou-se em Engenharia Sanitária e Ambiental, Planejamento Ambiental e Política da Urbanização. Coordenou projetos do Departamento de Pesquisas do Banco Nacional da Habitação (BNH), gerenciou a área de Saneamento e Desenvolvimento Urbano, na Caixa Econômica Federal, onde, nos anos 1990, ocupou o cargo de Superintendente Nacional de Parcerias e assumiu a Diretoria de Parcerias e Apoio ao Desenvolvimento Urbano. Foi Diretor Imobiliário da Fundação dos Economiários Federais (FUNCEF), foi Presidente da Companhia de Desenvolvimento Urbano da Região do Porto do Rio de Janeiro (CDURP), responsável pela implantação do projeto Porto Maravilha. Hoje é Subsecretário de Projetos Estratégicos e Concessões de Serviços Públicos e Parcerias Público-Privadas na Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro.

Alberto Silva Possui pós-graduação em Sociologia Urbana (UERJ) e em Planejamento Urbano e Regional (UFRJ). Foi Director do programa Action Aid International, em Moçambique, entidade dedicada a prestar assistência técnica e financiamento das políticas públicas e estratégias de financiamento de programas de desenvolvimento. Foi Assessor Especial do Presidente da CDURP, entidade responsável pela estratégia, design e coordenação de componentes de desenvolvimento social e patrimônio cultural do Projeto Porto Maravilha. Atualmente, ocupa o cargo de Presidente da CDURP.

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A região portuária do Rio de Janeiro é singular na localização, na relevância histórica e como espaço natural de expansão do centro da cidade. Os principais acessos rodoviários e de conexão entre as zonas Sul, Norte, Oeste e Região Metropolitana passam por ali. A proximidade com os dois principais aeroportos e pontos turísticos do Rio reforça o caráter estratégico desses 5 milhões de metros quadrados. Por abrigar o principal porto do Brasil desde o período colonial até o início da República, a região testemunhou fatos que marcam muito do que somos hoje como brasileiros. Ruas e edifícios contam e representam momentos importantes da construção da identidade nacional. O encontro de culturas indígenas, europeias e africanas produziu boa parte de nossa riqueza material e cultural, assim como as profundas desigualdades sociais que ainda marcam a sociedade brasileira. A reinvenção daquele espaço urbano se dá em um momento em que o país e a cidade vivenciam um processo de crescimento econômico e redução das desigualdades. A revitalização surge como oportunidade de reafirmar e reforçar o papel dinâmico do centro da cidade a partir da atração de novos empreendimentos residenciais e comerciais para adensar a região, enquanto retoma a valorização de sua memória e identidade. Baseada em parâmetros de sustentabilidade ambiental para a requalificação urbana, a região portuária se transforma e assume a condição de referência de espaço urbano voltado principalmente para o bem-estar das pessoas.

Breve histórico A evolução da região portuária está intimamente ligada ao papel da cidade do Rio de Janeiro nos cenários nacional e internacional. Na primeira fase do período colonial, ela tinha função secundária no comércio da cidade. Com a transferência do mercado de escravos para o Valongo, torna-se centro dinâmico da economia da cidade e do país. Esta importância se mantém até a decadência do setor industrial na cidade, que coincide com a mudança da base tecnológica de operação do porto, transferindo as principais atividades para o cais do Caju. Para atender às demandas de operação portuária, a região, literalmente, cresceu. Do século XVII ao XIX, a linha de mar foi alterada aos poucos pela construção de diversos trapiches, cais e estaleiros. No início do século XX, grande aterro conferiu à região o tamanho atual. Aproximadamente 1,2 milhão de metros quadrados de avanço sobre o mar para servir de área de suporte para as operações do Porto do Rio. A intervenção, paralela à abertura da Avenida Central (atual Avenida Rio Branco), era parte de um conjunto de ações que tinha o objetivo de modernizar a cidade do Rio de Janeiro. A Avenida Central, então chamada de Mar-a-Mar, tinha em um dos extremos a Praça Mauá, ponto de desembarque de passageiros, e na outra ponta abrigava a Praça Floriano, rodeada por prédios como a Biblioteca Nacional, o Teatro Municipal, o Palácio Monroe (que abrigava o Senado Federal, já demolido), o Palácio Pedro Ernesto (atual Câmara Municipal) e o antigo edifício do Supremo Tribunal Federal (STF).

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Porto Maravilha: permanências e mudanças


Se a Avenida Central ligava a região portuária ao centro financeiro, cultural e administrativo da cidade, nos anos 1940, a abertura da Avenida Presidente Vargas separou o Centro em duas partes. Nos anos 1970, com a inauguração do Elevado da Perimetral, o isolamento da região foi acentuado, acelerando o processo de degradação e abandono. Ao longo da segunda metade do século passado, o Rio de Janeiro, por um lado, vivenciou um longo processo de desindustrialização e esvaziamento econômico. Nesse período, a cidade cresceu rumo à Zona Sul e depois à Barra da Tijuca, em concorrência com o centro histórico. Sobretudo a expansão para a Barra teve como orientação um estilo de ocupação baseado em grandes condomínios e shoppings, criando novos padrões de sociabilidade, que, no entanto, não substituíram as marcas culturais do carioca. O “modelo Barra” não se mostrou capaz de substituir o centro histórico em seu papel nem de superar problemas de mobilidade urbana da cidade. Ao contrário. Do ponto de vista do tempo de deslocamento, a Barra está cada vez mais distante. A expansão urbana do Rio foi marcada também pela favelização e pelo alargamento do perímetro urbano, com a construção de grandes conjuntos habitacionais para a população de baixa renda na periferia. O agravamento da violência urbana — relacionada às profundas desigualdades sociais que marcam o país — gerou o que passou a ser chamado de “cidade partida”, acirrando a separação entre o “asfalto” (a cidade formal) e o “morro” (as favelas) e a periferia. Com o início do processo de pacificação das favelas no Rio, abriu-se oportunidade de superar essas dicotomias. Depois de anos de estagnação, o Rio vive momento de aquecimento. O processo de pacificação das comunidades dominadas pelo tráfico de drogas gerou impacto positivo significativo sobre o mercado imobiliário em várias partes da cidade. O contexto de crescimento econômico, somado a um calendário privilegiado de meia década sediando os principais eventos mundiais, acentua a demanda por residências, hotéis e escritórios. Há que acrescentar que isso se dá em momento de debate sobre expansão urbana, marcado pela busca de uma cidade sustentável, integrada e voltada às pessoas. Desde meados dos anos 80 do século passado, há intenção de revitalizar a zona portuária. Em 1987, foi criada a Área de Proteção do Ambiente Cultural (Apac), que preserva os bairros da Saúde, Gamboa e Santo Cristo, em projeto que ficou conhecido como Sagas (reunindo as iniciais de cada bairro). Em 2000, o Morro da Providência, primeira favela do Brasil, foi declarado Área Especial de Interesse Social (AEIS). Estudos para a revitalização da região portuária esbarraram em questões técnicas, fundiárias e, principalmente, financeiras. Em 2009 foram retomados, e os aspectos técnicos se adequaram a um padrão viável do ponto de vista urbanístico, ambiental e financeiro. Uma modelagem institucional e financeira inédita, que tem como eixo o instrumento da Operação Urbana Consorciada, permitiu criar condições efetivas para a revitalização da região, consolidando projeto esperado pela cidade há décadas. Este instrumento de política urbana, ainda pouco utilizado no país, foi introdu1 Poço de serviço do túnel

do Binário na Praça Mauá foto Clarice Tenório Barretto [p. 80]

zido pelo Estatuto das Cidades, com o objetivo de estimular a recuperação de áreas urbanas degradadas e otimizar sua utilização, incentivando um movimento de intensificação dos espaços já incorporados à cidade.

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Ao revitalizar a região portuária, o que se pretende é promover um reencontro da cidade com ela mesma. É devolver o seu centro, agora como um lugar vivo em que as pessoas podem morar, trabalhar, ocupar os espaços públicos e se divertir sem grandes deslocamentos. A proposta é criar mais áreas em que se percorrem trechos a pé, por meios não motorizados ou não poluidores. E assim estabelecer esse padrão como referência de espaço urbano para, consequentemente, impactar positivamente a mobilidade, a segurança, enfim, a qualidade de vida das pessoas. Este modelo busca uma cidade includente, ao transformar o próprio processo de transformação em oportunidade para as pessoas, sobretudo as que hoje vivem na região, aumentarem sua renda e acessarem bens e serviços que a cidade oferece em outros bairros. Ou seja, para que os que vivem nessa região possam ampliar o exercício do direito à cidade.

Uma estratégia inovadora de transformação A Operação Urbana Consorciada da Região do Porto do Rio de Janeiro, conhecida como Porto Maravilha, representa uma mudança estrutural e de longo prazo no tecido urbano do centro da cidade. Para conduzir esse processo de transformação, foi montada uma modelagem institucional e financeira inédita, de modo a permitir estabilidade institucional e a qualidade desejada em termos de desenvolvimento urbano, econômico e social. Essa modelagem visa também a possibilitar ao Município captar parte dos ganhos com a valorização da região. De acordo com a Lei Complementar 101/2009, a Operação Urbana Consorciada Porto Maravilha tem por finalidade promover a reestruturação urbana da Área de Especial Interesse Urbanístico (AEIU) da região portuária, por meio da ampliação, articulação e requalificação dos espaços livres de uso público. O processo só encontra sentido e fundamento se atingir o objetivo de proporcionar melhor qualidade de vida aos seus atuais e futuros moradores e garantir a sustentabilidade ambiental e socioeconômica da região.

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2 Ao longo dos séculos XII a XIX,

a linha de mar foi alterada aos poucos com aterros e pela construção de diversos trapiches, cais e estaleiros

Para gerir a Operação Urbana foi criada a Companhia de Desenvolvimento Urbano da Região do Porto do Rio de Janeiro (CDURP), uma empresa de economia mista, cujo acionista principal é o Município do Rio de Janeiro. Em consonância com os objetivos da Operação Urbana Porto Maravilha, a requalificação urbana envolve a reconstrução de toda a infraestrutura urbana da região e também a sua manutenção e a prestação de serviços públicos por meio de contrato de uma parceria público-privada por um prazo de quinze anos. Para realizar as transações com o mercado imobiliário, a Companhia criou o Fundo de Investimento Imobiliário da Região Portuária (FIIRP), que tem como ativos os Cepacs e os terrenos. Outro elemento da modelagem é a criação, por lei, de incentivos fiscais como parte da modelagem, incentivos fiscais que preveem reduções e isenções de tributos municipais são oferecidos aos empreendimentos consolidados nos primeiros anos da operação. Os processos de aprovação de projetos ganharam agilidade na prefeitura.

Recursos que vêm do ar Uma Operação Urbana Consorciada, instrumento de política urbana instituído pelo Estatuto das Cidades (Lei Federal 10.257/2001), consiste basicamente na delimitação, por lei municipal, de uma Área de Especial Interesse Urbanístico (AEIU). A lei redefine os parâmetros urbanísticos e de uso do solo da área e autoriza o aumento de potencial adicional de construção. Para utilizar o potencial adicional de construção, o interessado deve pagar uma contrapartida financeira ao Município, adquirindo Certificados de Potencial Adicional de Construção (Cepacs). Por sua vez o Município deve aplicar os recursos advindos da venda dos Cepacs num plano de requalificação da área, o qual é aprovado pela mesma lei. Os Cepacs são títulos mobiliários emitidos pelo Município. São regulados pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e lastreados pelo direito de construir a quantidade de área definida na lei municipal que cria a operação.

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Conforme as normas da CVM, o Município deve prestar contas àquele órgão da aplicação dos recursos arrecadados, sob pena de devolução dos recursos, caso a aplicação não esteja em conformidade com o plano de requalificação previsto na lei de criação da Operação Urbana. No caso do Porto Maravilha, cabe à CDURP garantir que os recursos sejam utilizados de modo adequado. A quantidade e a distribuição de metros quadrados de potencial adicional de construção na AEIU são definidas pela lei de criação da Operação Urbana. Do mesmo modo, a lei define a equivalência entre Cepacs e metros quadrados. Esta equivalência pode variar em função do uso (finalidade do empreendimento a ser construído) e das características da AEIU, o que, de fato, constitui uma ferramenta de indução do tipo de ocupação da área objeto da Operação Urbana. No Porto Maravilha, a quantidade de metros quadrados por Cepac varia entre os diferentes setores da AEIU. Além disso, um Cepac equivale a uma quantidade maior de metros quadrados para empreendimentos residenciais e hoteleiros. Esta variação pode chegar a 50% em determinados setores. Desse modo, a lei pretende induzir a distribuição dos tipos de empreendimento e estimular a produção de residências e, consequentemente, o aumento do número de moradores da região. Com base nos critérios de equivalência estabelecidos, é definida uma quantidade de Cepacs a serem emitidos. O valor unitário do Cepac é estabelecido com base em um Estudo de Viabilidade Econômica. No caso do Porto Maravilha, a Lei 101/2009 definiu uma AEIU com 5 milhões de metros quadrados, dos quais 3,8 milhões, aproximadamente, compõem a Área de Proteção do Ambiente Cultural dos bairros da Saúde, Gamboa e Santo Cristo — APAC

Sagas (Lei 971/1987, regulamentada pelo Decreto 7.351/1988), onde não houve

aumento de potencial construtivo. Os 1,2 milhão restantes correspondem, em sua maior parte, à porção aterrada para servir de retroárea do porto do Rio de Janeiro, e que já não cumpre essa função, e foi acrescida de aproximadamente 4 milhões de metros quadrados de potencial de construção. Apesar de o aumento de potencial construtivo ser autorizado somente em parte da região, toda ela, inclusive morros como o da Providência, será beneficiada pela requalificação urbana. A área foi declarada de uso misto, com exceção de atividades poluidoras, e foi subdividida em doze setores, nove dos quais tiveram seu potencial de construção aumentado. Para a venda desse potencial adicional de construção, a lei autorizou a emissão de 6,4 milhões de Cepacs. Na Operação Urbana Porto Maravilha, um Cepac pode ser utilizado em qualquer setor e para qualquer finalidade, De acordo com as normas da CVM, a oferta primária dos Cepacs ao mercado deve ser feita em leilões públicos, em balcão organizado. No entanto, os Cepacs podem ser negociados livremente no mercado secundário, até o momento de sua vinculação a um empreendimento dentro da AEIU. Em junho de 2011, a CDURP, por meio do Fundo de Investimento Imobiliário da Região Portuária, fez a oferta pública dos Cepacs em leilão, em lote único e indivisível, ao preço unitário de R$ 545,001, representando um valor global de 3,5 bilhões de reais.

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De acordo com as regras do leilão, o FIIRR assume o compromisso de vender, pelo mesmo valor de aquisição, para o vencedor da oferta, num prazo de três anos, terrenos com potencial para consumir 60% do estoque de Cepacs. Estima-se o valor desse estoque de terrenos em R$500 mil. Em contrapartida, o vencedor da oferta assume as despesas da operação urbana, conforme cronograma de desembolso, estipulada em 8 bilhões de reais, a serem pagos num prazo de quinze anos, com previsão de reajuste pelo IPCA. Em suma, o vencedor do leilão recebe o estoque de Cepacs e a opção de compra de terrenos que consumam 60% do estoque. Em contrapartida, tem quinze anos para operar com esses ativos e gerar uma valorização que permita, primeiro, pagar as despesas da operação e, segundo, recuperar e remunerar seu investimento. De acordo com os Estudos de Viabilidade Econômica realizados pela CDURP, 25% do estoque de Cepacs seriam consumidos pelos terrenos privados da região. A CDURP se compromete ainda a atuar para disponibilização de terrenos com potencial para consumir os 15% restantes. O vencedor do leilão foi o Fundo de Investimento Imobiliário Porto Maravilha, que pertence ao Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) gerido pela Caixa Econômica Federal. Este fundo tem como opções vender Cepacs no mercado secundário, vender terrenos, vender os dois ativos em operações casadas e ainda utilizá-los para se associar a empreendimentos na região. De fato, essa descrição aponta aspectos ambiciosos. Para fazer face a essa visão, a implementação do Porto Maravilha se baseia em três componentes estratégicos: requalificação urbana, desenvolvimento imobiliário e desenvolvimento socioeconômico.

Requalificação para um ambiente urbano saudável para as pessoas Em uma solução inovadora, a requalificação é objeto de contrato entre a CDURP e a Concessionária Porto Novo. O modelo escolhido para reger a operação é o de parceria público-privada na modalidade concessão administrativa, com duração prevista de quinze anos. A requalificação urbana envolve a construção de novas redes de infraestrutura e padrão de urbanização próprio, estruturação do sistema viário, além da qualificação e ampliação da prestação de serviços urbanos. O quadro na página seguinte apresenta um resumo das principais obras e serviços da operação. As novas redes e sistemas de abastecimento de água, esgoto, drenagem, gás natural, energia elétrica, telecomunicações e iluminação pública foram dimensionadas, a longo prazo, tanto para o adensamento de população como para mudanças climáticas. Com a ampliação de calçadas e adoção de vias exclusivas para pedestres, os padrões de urbanização favorecem, pela ordem, a mobilidade a pé, não motora e via transporte público não poluente. Serviços de coleta seletiva e gestão inteligente de trânsito, dentre outros, garantem melhora significativa da qualidade de vida no lugar.

1 Valor estipulado pelo estudo de viabilidade econômica da operação urbana, realizado em 2010.

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Componentes da concessão admisnistrativa

Principais serviços

Conservação e manutenção do sistema viário;

• Conservação e manutenção de áreas verdes e praças; •

Manutenção e reparo de iluminação pública e calçadas;

Execução de serviços de limpeza urbana;

Implantação de coleta seletiva de lixo;

Manutenção da rede de drenagem e de galerias universais;

Manutenção da sinalização de trânsito;

Instalação e conservação de bicicletários;

Manutenção e conservação de pontos e monumentos turísticos, históricos e geográficos;

Atendimento ao cidadão.

Principais obras

Construção de 4 km de túneis;

Reurbanização de 70 km de vias e 650.000 m² de calçadas;

Reconstrução de 700 km de redes de infraestrutura urbana (água, esgoto, drenagem, elétrica, gás natural, telecomunicações e iluminação pública);

Implantação de 17 km de ciclovias;

Plantio de 15 mil árvores;

Demolição do Elevado da Perimetral (4 km);

Construção de três novas estações de tratamento de esgoto em tempo seco.

Desenvolvimento imobiliário com inovação e preservação O potencial adicional de construção se aplica sobre os terrenos. Dos cerca de 1,2 milhão de metros quadrados que tiveram o aumento de potencial de construção, cerca de 75% são terras da União, de órgãos federais como a Cia. Docas do Rio de Janeiro e a extinta Rede Ferroviária Federal, do Estado do Rio de Janeiro e do Município. Uma parte desses imóveis está sendo adquirida pelo Município e integralizada como capital na CDURP e outra esta sendo comprada diretamente pela companhia com recursos da operação. Dos 5 milhões de metros quadrados da Área de Especial Interesse Urbanístico (AEIU) do Porto Maravilha, aproximadamente 3,8 milhões compõem a Área de Proteção do Ambiente Cultural (APAC) dos bairros Saúde, Gamboa e Santo Cristo. Registros descrevem que o Sagas emoldura, pelo menos, 1.500 imóveis de valor histórico e arquitetônico. A grande maioria privados e subaproveitados. Muitos deles em ruínas.

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Subsetores e número máximo de pavimentos permitidos em cada área passível de acréscimo de potencial construtivo

pavimentos 02

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06

30

50 fonte: CDURP/Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro

Esses imóveis, de tamanhos variados, são excelentes para residências, escritórios, hostels, hotéis-boutique e empreendimentos culturais. Esse estoque, uma vez recuperado, complementa a revitalização, aumentando oportunidades para o mercado imobiliário. Da área restante de 1,2 milhão de metros quadrados, 75% são ocupados por imóveis de órgãos e empresas estatais. Sobre esta parte da AEIU foram acrescidos pouco mais de quatro milhões de metros quadrados de potencial de construção. O potencial adicionado varia entre setores em função dos parâmetros definidos na Lei Complementar 101/2009. A medida orienta processo de transformação que integra as duas partes da AEIU, combinando aspectos físicos e estéticos da nova paisagem urbana e, sobretudo, processos sociais, culturais e econômicos em desenvolvimento na região. A região portuária conserva espaço e qualidades para abrigar grande parte das demandas por hotéis, residências e escritórios da cidade. E o Porto Maravilha surge como resposta a esse contexto, como oportunidade ímpar de construir uma nova urbe, onde

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o passado constitui e valoriza o futuro. A Lei 101/2009 declara a área como de uso misto, estabelece padrões de ocupação com afastamento e recuos que favorecem a iluminação e a ventilação natural, além de regras de sustentabilidade para novas edificações. O FIIPM já negociou 25% do estoque de Cepacs e outros 25% estão em fase adiantada. Empreendimentos representativos como o Porto Olímpico, com cerca de 1.300 unidades residenciais, confirmam a premissa de estimular o adensamento populacional da região. Hotéis e torres comerciais já estão em construção ou em fase final de licenciamento. O setor imobiliário enxerga esses processos como oportunidade para inovação de seus produtos em termos estéticos e tecnológicos. Há aqui desafio para arquitetos e empreendedores: o de desenvolver projetos que contribuam para a visão de cidade que desejamos construir. Ao mesmo tempo que deve haver espaço para a criatividade, em cada projeto, é preciso guardar coerência com a exuberante e valiosa paisagem da região e sua identidade. Manter presente essa perspectiva da Operação Urbana é uma das principais tarefas da prefeitura e da CDURP em particular.

Valorização do patrimônio: o passado como elemento do novo A área do Porto Maravilha contém 76 bens tombados pelos órgãos de tutela federal, estadual e municipal. A maior parte estava esquecida e degradada. A LC 101/2009 determina que pelo menos 3% dos valores arrecadados com a venda dos Cepacs sejam destinados à valorização do patrimônio material e imaterial da área. Por meio do programa Porto Maravilha Cultural, imóveis como o Palacete D. João VI, na Praça Mauá, o Centro Cultural José Bonifácio e os Galpões da Marítima, na Gamboa, estão sendo recuperados. Mais que isso, ganharão novos usos ou terão programação cultural qualificada. A igreja de São Francisco da Prainha, em uma das subidas do Morro da Conceição, é objeto de outra licitação para restauro. Sua primeira edificação foi em 1696. Para os moradores e para a cidade, a decisão do programa de selecionar esse prédio histórico representa a recuperação de uma construção de extrema importância no Rio de Janeiro. Lugares esquecidos, como o Cais do Valongo e o da Imperatriz, foram literalmente desenterrados e transformados em monumentos, em consequência da primeira fase das obras. Outros, como o Jardim Suspenso do Valongo, restaurados, voltam a servir à cidade como área de lazer e visitação pública. O apoio às manifestações culturais da região reforça ainda mais a dimensão do patrimônio imaterial, que é, segundo registros históricos, berço do samba. O trabalho de arqueologia urbana, mais que obrigação formal e técnica, vem possibilitando releitura ainda mais profunda da região, ao revelar as “camadas” históricas do processo de construção da cidade. Ao trazer à luz esse valioso acervo, o Porto Maravilha contribui para a ampliação da agenda cultural da cidade e popularização do conhecimento. A região, antes isolada, agora é, cada vez mais, um polo potencial de atração de turistas e moradores.

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Porto Maravilha: permanências e mudanças


imóveis tombados AEIU do Porto do Rio

INEPAC

Sagas – APAC

IPHAN

Providência – AEIS

Município – RJ

fonte: CDURP/Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro

Inclusão social: a cidade para todos Segundo o censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 2010, pouco mais de trinta mil pessoas viviam na região portuária. A maioria delas há várias gerações. Projeções indicam que o processo de transformação tem como uma de suas consequências a valorização imobiliária da região. No entendimento de alguns, constitui ameaça à permanência dos atuais moradores. No entanto, na estratégia de implantação do Porto Maravilha, as mudanças em curso representam grandes oportunidades para essa população, nas melhorias urbanísticas e nos serviços públicos. O foco estratégico é no aumento do capital social dos atuais moradores, de modo que não se vejam seduzidos pela realização de ganhos imediatos com a venda de seu patrimônio.

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As obras de requalificação urbana geram milhares de oportunidades de emprego e também de negócios, assim como construções de novos empreendimentos privados. Esta fase, à qual estamos chamando de Economia das Obras, é intensiva e temporária. Ao mesmo tempo, o novo tecido econômico da região já começa a se constituir, abrindo oportunidades de longo prazo para geração de emprego e renda. A introdução de novos padrões de serviços públicos e as atividades que vão ocupar os empreendimentos imobiliários, como hotéis e escritórios, representam uma grande demanda por emprego e o surgimento e/ou fortalecimento de cadeias produtivas. Aliado a esses fatores, há também o enorme potencial cultural e turístico e de entretenimento da região. A criação de cursos de formação profissional de nível básico e médio nos setores de construção civil, turismo, hotelaria e comércio, com prioridade de vagas para moradores da região, é peça-chave da estratégia e tem contribuído para aumentar o número de moradores da região trabalhando nas obras e nos serviços. A produção de habitação para baixa e média renda na área do Sagas contribui para o adensamento da região e também estimula os proprietários de imóveis preservados a recuperá-los e dar-lhes novos usos, intensificando a revitalização da região como um todo. Os pequenos e microempresários da região também são merecedores de atenção especial. O apoio para a qualificação da gestão e dos produtos oferecidos e a mediação para o acesso a crédito e aos novos mercados são ações já em curso para esse setor, que tem grande potencial na nova economia em formação, como importante gerador de empregos e renda. Este conjunto de ações forma uma estratégia para que os moradores da região, sobretudo os jovens, sejam inseridos no processo e possam melhorar sua renda e continuar vivendo ali, ao lado dos novos moradores. Considerando as características da população da região, formada por grande número de afrodescendentes, esse processo se insere nos esforços do país para a redução das suas desigualdades. Para os moradores da região em particular.

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Porto Maravilha: permanências e mudanças

3 O Jardim Suspenso do Valongo

foi restaurado e volta a servir à cidade como área de lazer e visitação pública 4 Cais da Imperatriz e Cais do

Valongo, vestígios arqueológicos encontrados na primeira fase das obras 5 Passeio público entre

a Praça Mauá e o Armazém 8 – espaço para circulação de pedestres, bicicletas e VLTs [maquete eletrônica]


Considerações finais O Porto Maravilha é um processo de transformação centrado nas pessoas. O desenvolvimento imobiliário tem relação com a valorização do patrimônio material e imaterial da região. Esse acervo, uma vez recuperado e valorizado, gerará aumento significativo no grau de atratividade, pelas externalidades que representa para os novos empreendimentos. Além disso, fomenta várias oportunidades de negócios e empregos. Esses dois elementos são tomados como indutores do processo de inclusão social. A integração de moradores, seja como trabalhadores, seja como pequenos e microempreendedores, na nova dinâmica econômica da região, reforça o sentido de pertencimento ao lugar. Construir uma modelagem financeira e institucional inédita, utilizar recursos modernos para requalificação urbana, estimular o desenvolvimento de tecnologias sustentáveis de construção e operação dos edifícios, tudo isso faz sentido para que as pessoas tenham melhor qualidade de vida e se reconheçam como parte de um lugar com identidade e memória. Muito do “ser carioca” tem suas raízes na região portuária e, apesar de décadas de abandono, permanece lá e começa a ser revalorizado. Com isso, aquela região já se apresenta como excelente opção para morar, trabalhar e se divertir. Está tudo lá.

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A revitalização da Praça Tiradentes

Washington Fajardo Arquiteto e urbanista, atual presidente do Instituto Rio Patrimônio da Humanidade da Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro. Foi pesquisador bolsista do PROURB/UFRJ — pesquisa “Projetos Urbanos e Estruturação do Espaço” — e professor-substituto das disciplinas de Projeto Arquitetônico e Projeto Urbano da FAU/UFRJ. É autor e co-autor de diversos trabalhos premiados em concursos nacionais e internacionais, destacando-se: Requalificação do Complexo do Ver-oPeso, em Belém do Pará, Reconversão do Gasômetro do Rio e Planejamento Urbano da periferia leste da cidade de Santo Domingo, na República Dominicana. co-autores deste artigo: Aline Romeu Xavier, Felipe Cristiano Reigada e Paula Oliveira Camargo.

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No capítulo “Quickness” do livro Six Memos for the Next Millenium, de Italo Calvino, o autor mostra a necessidade de a literatura adotar métodos aparentemente antagônicos para alcançar concisão, e assim ser efetiva e honesta com o leitor, sem deixar de maravilhá-lo. Calvino discorre fabulosamente sobre o papel das divindades greco-romanas Mercúrio e Vulcano. A primeira, representando a comunicação, o comércio, a mobilidade, é falha no caráter, pois tem no interlocutor, no “consumidor”, a realização da sua existência. Se é veloz, por outro lado é inconsistente. Já Vulcano representa o labor, a criação de ferramentas, a elaboração artesanal de verdades singulares, mas é também lento, casmurro. A velocidade de raciocínio, de assimilação, não pode prescindir de conteúdo, estando nessa articulação a chave da comunicação que queira viver nos tempos futuros. Assim como os conhecimentos e as práticas artesanais podem ganhar velocidade e assimilação. As cidades, em especial os centros históricos, necessitam ser revistos e reordenados em propostas novas, de modo a dar-lhes legitimidade em tempos velozes. Assim como a literatura, não há experiência humana real sem as cidades. Sem cidades efetivas. As obras de reurbanização da Praça Tiradentes constituíram a ação mais representativa do Projeto de Revitalização da Praça Tiradentes e Arredores, fruto do convênio entre a Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro, o Ministério da Cultura e o Banco Interamericano de Desenvolvimento, através do Programa Monumenta. Os serviços foram iniciados em março de 2010 e a sua inauguração se deu em agosto de 2011. A Praça Tiradentes foi entregue à população da Cidade do Rio de Janeiro totalmente reurbanizada, provida de nova iluminação e com a sua ambiência recuperada por ações-chave, como a transferência dos terminais de onze linhas de ônibus que antes ocupavam todo o entorno da praça e a remoção das grades que a cercavam. A praça ganhou mais área e estacionamentos converteram-se em áreas pietonais. O projeto apresentou solução para a retirada das grades, por se tratar de iniciativa de grande relevância para aumentar a permeabilidade do espaço. Além disso, a grade existente, instalada em obras executadas na década de 1990, constituía um elemento construtivo cujas dimensões interferiam na leitura do conjunto escultórico. A retirada das grades resgatou o papel autêntico do espaço urbano que a Praça Tiradentes representa, fortalecendo as relações da praça com as atividades do seu entorno. Como resultado, temos hoje uma praça apropriada pela população, que circula livremente ou contempla, à sombra, a vitalidade que renasce no seu entorno. Entretanto, a abordagem exclusivamente física não é suficiente. Um lugar adormecido e degradado por mais de duas décadas necessitava de elementos que pudessem lhe conferir vitalidade real e torná-lo pertinente ao momento especial da cidade do Rio de Janeiro. A vacância de um imóvel pertencente ao município, recém-restaurado, casa onde viveu quando criança Bidu Sayão (cantora lírica brasileira de amplo prestígio internacional, 1902-1999), revelou-se a oportunidade de dedicar um espaço ao design, campo que estávamos incorporando à atuação da então Subsecretaria de Patrimônio Cultural, Intervenção Urbana, Arquitetura e Design, hoje o IRPH — Instituto Rio Patrimônio da Humanidade.

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A revitalização da Praça Tiradentes


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1 Praça Tiradentes, tendo ao

fundo, estátua equestre do líder da Inconfidência Mineira, construída na França, em 1861, pelo escultor Luis Rochet e inaugurada em 1862 [p. 94] 2 Praça Tiradentes: espaço

de descanso e convivência, devolvido ao uso público, após a renovação

O nome do órgão, extenso, invocava, panfletariamente, a necessidade e a urgência de conectar o mundo do patrimônio cultural a novos mundos, como os da produção arquitetônica contemporânea, da intervenção urbana, do urbanismo tático e do design, de modo a valorar todos. Falar de design em um órgão dedicado ao Patrimônio Cultural é um desafio. O design é uma disciplina essencial da cultura brasileira e, em especial, da carioca. Na cidade do Rio de Janeiro estão fundações importantes da história do design brasileiro, como a instituição da primeira escola de nível superior do país, a ESDI — Escola Superior de Desenho Industrial, e a presença decisiva do designer Aloísio Magalhães à frente do Iphan — Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. Para além de conceber produtos e peças gráficas, o design faz parte da cultura de um povo, estando intimamente ligado ao ambiente em que se desenvolve uma certa sociedade e à sua história. Assim, o design invade uma área anteriormente dominada por expressões tradicionalmente artísticas, como teatro, literatura e artes visuais. Mas, ao tratar de patrimônio, estamos tratando apenas da nossa herança e de um olhar para o passado? Ou podemos pensar no patrimônio como um instrumento que, ao lembrar-nos das nossas origens e da nossa história, funcione como uma alavanca para a construção do futuro, um catalisador de ideias e ações que olhem para a frente tendo, nesse passado presente, a âncora de um processo evolutivo? A partir dessa visão, começa nossa história, que está se construindo. Ora, se o patrimônio não é apenas aquilo que é edificado, não se restringe à arquitetura colonial e à configuração urbana de uma época, mas abrange todo um arcabouço de saberes e tradições que vão além daquilo que se pode tocar, daquilo que é material, as relações entre esse patrimônio construído e aquilo que constitui e que é constituído pela nossa cultura ficam muito mais complexas. Desta forma, podemos afirmar que o design que se produz no Brasil é fruto da forma como se vive no Brasil, considerando, ainda, as particularidades de cada região. O design é, assim, um elemento da nossa cultura como tantos outros, e assim também deve ser tratado.

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É importante frisar que não pretendemos, aqui, tirar a importância de questões econômicas ligadas ao design. Sim, estratégias de design têm o potencial de alavancar as vendas de determinada marca ou produto. Sim, um bom design pode alcançar um excelente valor de mercado. Sim, uma boa comunicação é essencial para empreendimentos de qualquer natureza. E não há dúvidas de que o bom design pode ter um impacto determinante na economia de uma cidade, de uma região, de um país. Mas o design tem, também, o poder de integrar. O poder de, por meio do pensamento sistêmico que lhe é particular, criar conexões que sem ele não seriam possíveis. Buscamos, assim, uma compreensão do que o campo do design significa na cidade do Rio de Janeiro. Como poderíamos potencializar a via de mão dupla da integração entre a cidade e os profissionais de design, e entre esses profissionais e a cidade, entre a cidade e o mundo. Global x local, local x global, GLOCAL-LOBAL. Cidades como o Rio, Nova York, Londres têm um quê de caos que as tornam dinâmicas. São cidades que têm atrativos, sejam naturais, culturais, urbanos, ou todos esses em conjunto. Mas são também cidades em que se percebe a possibilidade de mudança. A possibilidade de se progredir individualmente ou em grupo, a possibilidade de transformação. Perceber essas possibilidades e

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trabalhar para que se tornem potenciais reais de transformação urbana é um dos nossos desafios. A partir do momento em que aliamos estratégias de design a ações de requalificação urbana, contando com o nosso rico patrimônio histórico edificado, a partir do momento em que nos inserimos em nossa cultura e buscamos, ao valorizá-la, ocupar e melhorar regiões degradadas, podemos contribuir decisivamente para essas transformações. A implantação do Centro Carioca de Design (CCD) na Praça Tiradentes faz parte dessa iniciativa. Assim, a Praça Tiradentes vem sendo trabalhada como um espaço de acontecimento de economia criativa no Rio de Janeiro. Na região, além do CCD, estão o Centro de Arte Helio Oiticica, a Galeria Gentil Carioca, o Real Gabinete Português de Leitura, a Estudantina, o Teatro Carlos Gomes, o Teatro João Caetano, o Centro Cultural Carioca, entre outros tantos ícones da cultura carioca. Após a inauguração do CCD, já vimos a abertura de escritórios de jovens designers, de novos restaurantes e casas de show, a abertura de novos hotéis e a remodelação de outros. A Praça Tiradentes é um espaço em transformação, e o Centro Carioca de Design tem participação decisiva nesse processo.

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A revitalização da Praça Tiradentes

3 Sobrado restaurado que

abriga o Studio-X e o CCD, na Praça Tiradentes


A premissa de que esse fenômeno é global ficou evidente quando iniciamos a estabelecer parcerias com entidades similares e soubemos da iniciativa da rede de laboratórios sobre a cidade, o Studio-X da GSAPP, da Universidade de Columbia de NYC, em instalar-se no Brasil. Por ocasião de evento no MoMA sobre design brasileiro, pudemos expor o momento especial da cidade do Rio de Janeiro e as tratativas para instalação do laboratório na cidade se iniciaram. Em 2011, consolidou-se a parceria com o Studio-X, que hoje divide com o CCD o sobrado do número 48 da Praça Tiradentes, para discussão do futuro das cidades. Deste modo, efetiva-se a atuação do espaço como um centro de referência de investigação sobre o papel do design e das cidades, em esfera local e global. Assim, espera-se poder dar andamento ao desenvolvimento da Praça Tiradentes como lugar singular. Estar numa casa preservada, historicamente relevante, com uma atividade contemporânea e que fomenta a criatividade, é um passo em direção a essa visão de patrimônio com olhos para o futuro. Temos no patrimônio um bem que pode e deve ser entendido, além da contemplação histórica, como uma possibilidade de termos ancorado no nosso passado aquilo que desejamos para o futuro das nossas cidades e das nossas instituições.

Programa Vazios Urbanos A revitalização da Praça Tiradentes se insere, com caráter de prioridade, no Programa Vazios Urbanos, que vem sendo formatado, interligando ações de requalificação urbana à recuperação do patrimônio edificado, tanto público quanto privado. Para tal, visa à ampliação e modernização das ações de fiscalização, ao mesmo tempo que reforça as condições de apoio técnico e financeiro aos usuários dos imóveis protegidos, sejam proprietários ou inquilinos, visando a sua recuperação e conservação posterior. Foi criada nova legislação, com a publicação do Decreto Municipal 35.646, de 16/05/2012, que estabelece as diretrizes para outorga de uso a terceiros de próprios municipais sem destinação pública específica e em mau estado de conservação e do Decreto Municipal 35.648, de 16/05/2012, que dispõe sobre o procedimento de arrecadação dos imóveis urbanos abandonados, de modo a possibilitar que edificações particulares que apresentarem sinais de abandono e dívida de IPTU possam ser arrecadados pelo Município. Dessa forma, vem sendo possível avançar nessas ações, promovendo, entre outras coisas, o inventário e a catalogação de imóveis próprios municipais protegidos que estejam vazios, subutilizados ou mal utilizados, provendo a população de informações sobre eles, tais como estado de conservação, área e volumetria, custos aproximados de restauração e potencial construtivo permitido, bem como auxiliando a Secretaria Municipal de Urbanismo na identificação de imóveis particulares abandonados e em mau estado de conservação. O recorte definido pelo programa buscou alcançar as áreas mais representativas, porém desassistidas, do Centro Histórico, isto é, os locais onde se concentram as edificações de menor porte, como a Praça da Cruz Vermelha e a Saara, além da Lapa e da Praça Tiradentes.

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A escolha da área para intervenção do Programa Vazios Urbanos levou em consideração a região histórica mais importante da cidade, baseada na delimitação do núcleo histórico, pelo Decreto 29.411/2008, e no valioso trabalho da arquiteta Rachel Sisson, ex-diretora da Divisão do Patrimônio Histórico e Artístico do INEPAC, intitulado “Os Três Centros do Rio”, publicado em 1983 na Revista Municipal de Engenharia e reeditado recentemente pela Prefeitura (2008) em edição ilustrada. Sisson percebeu que o Rio de Janeiro, como capital da Colônia, do Império e da República, teve três importantes centralidades — áreas de concentração de marcos urbanos, caracterizadas pelas atividades, importância dos usos públicos e edificações referenciais e também como encruzilhadas de caminhos —, cujos núcleos assim foram distinguidos: 1 Núcleo colonial: atual Praça Quinze de Novembro, antigo Terreiro do Carmo,

Largo do Carmo, Terreiro da Polé, Praça dos Governadores, Largo do Paço; 2 Núcleo Imperial: atual Campo de Santana (Praça da República);

Campo da Cidade, Campo de São Domingos, Campo da Aclamação; 3 Núcleo Republicano: Praça Floriano (Cinelândia); antigo Campo da Ajuda,

Largo da Ajuda e Largo da Mãe do Bispo, Praça Ferreira Viana. O centro histórico da cidade, a partir das suas três centralidades, foi escolhido para este plano piloto. Foi considerada, ainda, a atual conjuntura, na qual o projeto Porto Maravilha figura como um novo vetor para o desenvolvimento urbano, promovendo um movimento de retorno de investimentos e políticas públicas para o Centro Histórico — ainda em confrontação com o movimento de expansão urbana, mas já se revelando como significativa mudança no planejamento e nas prioridades territoriais. A efetivação da tão estudada e planejada recuperação da região portuária, cujo objetivo prioritário é o incremento populacional na região com menor densidade demográfica do Rio, é suportada por um conjunto de incentivos que têm na aquisição de potencial construtivo, conforme previsto no Estatuto das Cidades, o principal alicerce econômico da operação urbana. Cabe destacar que, segundo dados do IBGE, em 2000 eram 22 mil habitantes na área central, em 2010, 28 mil habitantes e a meta é que se chegue a cem mil habitantes até 2020.

A efetivação da tão estudada e planejada recuperação da região portuária, cujo objetivo prioritário é o incremento populacional na região com menor densidade demográfica do Rio, é suportada por um conjunto de incentivos

Tal grau de incremento, entretanto, é circunscrito à delimitação da área da Operação Urbana Consorciada Porto Maravilha, sujeitando o Núcleo Histórico à vizinhança e ao testemunho desta ação. No âmbito original da Secretaria Municipal de Cultura, houve o desenvolvimento do programa Lapa Legal, abrangendo a região conhecida como Lapa e arredores, indo da Glória até quase a Cidade Nova (depois convertendo-se em bairro, conforme a Lei 5.407/2012) e foi priorizada, na conclusão do Programa Monumenta, a obra de urbanização da Praça Tiradentes. Ambas as iniciativas tomaram corpo em desenvolvimento paralelo ao processo de implementação do Porto Maravilha.

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A revitalização da Praça Tiradentes


Subsetores e número máximo de pavimentos permitidos em cada área passível de acréscimo de potencial construtivo

pavimentos 02

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20

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50 fonte: CDURP/Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro

No contexto apresentado, o IRPH procurou integrar urbanisticamente essas diversas ações, de modo a criar um contínuo espacial revitalizado e sinérgico, a partir do seu conhecimento das conexões históricas existentes entre os espaços públicos, principais e estruturais na constituição do Centro Histórico verdadeiramente recuperado: a Praça Jornal do Commercio, a Praça Tiradentes e a Praça dos Arcos da Lapa (Praça Cardeal Câmara). Esse alinhamento de políticas e ações de caráter revitalizador permitiu consolidar uma axialidade norte-sul importante, estendendo benefícios e consolidando uma “imagem” da formação de uma nova vitalidade urbana do Porto até a Glória. Tal esforço de integração requereu, e requer continuamente, a obtenção de dados e informações fundiárias, de diagnóstico e leitura urbana e do estabelecimento de projetos integrados, essenciais para o enfrentamento da degradação da região.

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Novo padrão imobiliário no Rio de Janeiro

Ana Carmem Alvarenga Arquiteta e urbanista, tem MBA em Administração e Marketing pela UFRJ. Trabalhou por 16 anos na Brascan Residential Properties — hoje Brookfield Incorporações — como Superintendente de Desenvolvimento Imobiliário de Projetos Residenciais e Comerciais. Sua carreira teve início, em 1987, na Real Engenharia, onde foi responsável pelas atividades de construção. Desde 2007, lidera o escritório da Tishman Speyer no Rio de Janeiro, empreendendo edifícios corporativos triple A, com certificação ambiental.

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Desde 2007, o mercado imobiliário do Rio de Janeiro vem evoluindo a ponto de se tornar um dos melhores cases de investimento do mundo. Com uma falta crônica de áreas de qualidade para novos desenvolvimentos e o forte crescimento de setores econômicos, como petróleo e gás e produtos de consumo, os valores para empreendimentos classe A subiram na média de 10% ao ano, entre 2007 e 2011, com o metro quadrado indo de R$100,00 a R$145,00 ao mês. Com essa valorização, no mesmo período foram registrados quase 550 mil metros quadrados de novas unidades construídas e entregues, com um índice de pré-locações acima de 90%. Isto representa um aumento de quase 50% no estoque de espaços classe A na cidade, e há previsão de que esse número dobre na próxima década. Diante de todo esse desenvolvimento liderado pelo setor privado, o mercado imobiliário está viabilizando a regeneração e a expansão da cidade. Considerando-se que as projeções para o crescimento mundial estão abaixo da média e que a confiança dos investidores nos mercados maduros ainda não foi restabelecida, também se observa um aumento cada vez maior do fluxo de capitais internacionais que se dirigem ao Brasil. O mercado imobiliário da cidade do Rio de Janeiro, que passa por um momento de grande transformação e desenvolvimento, tira proveito deste momento. Investimentos em segurança pública e infraestrutura preparam a cidade para eventos internacionais, como a Copa do Mundo de 2014 e as Olimpíadas de 2016. Tais eventos, somados ao avanço de setores da economia como os de energia, óleo e gás, proporcionarão o contínuo aumento do potencial de desenvolvimento e de expansão da cidade, além de reverter o esvaziamento econômico e a degradação de importantes áreas. Neste cenário, em que a vacância de empreendimentos comerciais gira em torno de 6,6%, e em face da revitalização do centro da cidade com obras de retrofit e da reurbanização provocada pelo projeto Porto Maravilha, o Rio de Janeiro se vê convertido em um importante polo de atração de investimentos, contrastando com outros mercados que ainda sofrem com a crise mundial. Os incentivos fiscais e a adoção de princípios de sustentabilidade motivam o setor a desenvolver empreendimentos qualificados na cidade e, especialmente, na zona portuária. Esta região está pronta para se transformar em referência de urbanização e desenvolvimento para o país e o mundo, dotada de todas as características que a colocarão no foco dos planos públicos e privados pelos próximos anos.

Entradas e desafios Essa nova tendência de crescimento no setor imobiliário não é ilimitada. Com um índice de desemprego de 5,6% no país, a escassez de mão de obra para construção civil no Rio de Janeiro já representava um verdadeiro desafio nos últimos três ou quatro anos, bem antes de começarem as obras gigantes dos Jogos Olímpicos de 2016. O aumento dos salários do setor, com reajustes na casa dos 9% registrados em meados de 2013, tende a afetar a viabilidade de outras formas de construção menos intensas no

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uso de trabalho humano. Esse novo paradigma está trazendo inovação e tecnologia pouco conhecida no Brasil, incluindo estruturas metálicas, concreto e outras peças pré-fabricadas, gerando uma maior mecanização do dia a dia da obra. Juntamente com as novas tecnologias, grandes empresas multinacionais do setor de construção estão entrando no mercado local, uma mudança que acarretará maior concorrência e eficiência para o setor. Outro empecilho ao crescimento de empreendimentos comerciais de grande porte é a escassez de financiamento, algo que tradicionalmente existia apenas para o setor residencial e para unidades comerciais pré-vendidas, os chamados office suites. Um prédio corporativo classe A, com infraestrutura completa e lajes eficientes acima de mil metros quadrados, exige para sua construção até cinco vezes mais investimento que os office suites; mas ao fim se dá a compensação pelo elevado valor de aluguel alcançado. O nicho desse tipo de produto está dominado por poucos investidores e incorporadores multinacionais com fundos captados no exterior, onde as opções de investimentos atraentes hoje são poucas. Porém, com os juros no patamar atual, essa realidade também está para mudar com a entrada mais agressiva do crédito bancário, e deve fomentar ainda mais o desenvolvimento da cidade, abrindo o mercado para incorporadores menores.

A Tishman Speyer no Brasil e no mundo Pioneira no mercado de empreendimentos corporativos, a Tishman Speyer é uma empresa privada com raízes em uma empresa familiar fundada em 1898 em Nova York. Ela é reconhecida como uma das líderes mundiais no desenvolvimento e operação de imóveis sustentáveis de primeira classe. O longo histórico da companhia em fornecer consistentemente valor excepcional para seus investidores e inquilinos a coloca na vanguarda da indústria imobiliária global. O compromisso de encontrar as melhores soluções para os desafios enfrentados atualmente faz da empresa líder na indústria mundial de projetos ambientalmente sustentáveis, bem como no resgate do patrimônio arquitetônico das cidades onde atua. A Tishman Speyer é uma empresa líder no desenvolvimento de imóveis corporativos em todo o mundo, com uma vasta experiência e expertise de sua equipe global de profissionais especializados nos diversos aspectos do mercado imobiliário, o que a levou a atingir um volume significativo de propriedades. Desde 1978, a empresa adquiriu, desenvolveu e operou mais de 353 projetos, totalizando mais de 11,6 milhões de metros quadrados e mais de 92 mil unidades residenciais, e possui uma carteira de ativos de mais de 61,3 bilhões de dólares em valor total nos Estados Unidos, Europa, América Latina e Ásia. Entre seus investidores estão fundos de pensão, fundos sobe1 Edifício Galeria, Rio de Janeiro.

Retrofit finalizado em 2011, sobre projeto original de Joseph Gire, de 1921 [p. 104]

ranos e famílias detentoras de grandes patrimônios. Alguns deles investem com a Companhia há décadas, alocando recursos em vários mercados e criando uma plataforma de base sólida para a longevidade do seu modelo de negócios, sempre com foco no valor de longo prazo.

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Entre os ativos da empresa estão o Chrysler Center e o Rockefeller Center em Nova York, o Messeturm em Frankfurt, o Sony Center em Berlim e a Torre Norte em São Paulo. Mais recentemente, a empresa desenvolveu outros ícones do mercado de escritórios corporativos, como o Ventura Corporate Towers, o Edifício Galeria e o Virtus Corporate Offices, todos no Rio de Janeiro. Todos esses projetos agregaram grande valor às suas cidades, criando espaços públicos de alta qualidade, resgatando patrimônio cultural relevante e fomentando outros investimentos. O êxito alcançado com esses empreendimentos é constatado pelo número expressivo de empresas que optaram por empreendimentos da Tishman Speyer como sede, entre elas algumas das mais exigentes e bem-sucedidas do mundo. Mas o sucesso pode ser medido também pelo impacto positivo no entorno dos projetos, além da real contribuição desses empreendimentos, que impulsionam a requalificação das regiões em que estão inseridos.

See it first™ A capacidade de agregar valor da Tishman Speyer é atribuída principalmente à sua expertise em identificar oportunidades onde outros veem dificuldades. E a entrada da companhia no mercado brasileiro, em 1995, não foi diferente. Como operadores imobiliários com especialistas próprios em todos os campos do mercado imobiliário, desde a concepção e a construção até a locação e a administração predial, a empresa é capaz de potencializar qualquer ativo, criando valor tanto para seus investidores quanto para as comunidades que recebem seus projetos. Como resultado, a companhia é pioneira em criar ícones arquitetônicos onde as pessoas trabalham e vivem, e em transformar as áreas em que aloca seus desenvolvimentos, elevando o padrão de qualidade e

A capacidade de agregar valor da Tishman Speyer é atribuída principalmente à sua expertise em identificar oportunidades onde outros veem dificuldades. E a entrada da companhia no mercado brasileiro, em 1995, não foi diferente.

eficiência por meio da implementação das melhores práticas globais. A vocação de empreender iniciativas ousadas e, o mais importante, o compromisso inabalável com a excelência para com os parceiros, investidores e inquilinos são os valores fundamentais da Tishman Speyer, como expresso em sua premissa: See it first™ (“Veja primeiro”).

Inovação e sustentabilidade Com foco em inovação e eficiência, a Tishman Speyer está criando uma plataforma de desenvolvimento sustentável que a torna uma líder global nessa área. Até hoje a empresa já desenvolveu mais de quatro milhões de metros quadrados certificados como LEED, HQE e BREEAM em todo o mundo, com um adicional de mais de um milhão de metros quadrados que deverão ser certificados até o final de 2013. No Brasil,

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é membro fundador do Conselho Green Building e desenvolveu os primeiros edifícios de escritórios com certificação LEED Gold, em São Paulo — o Rochaverá — e no Rio de Janeiro — o Ventura Corporate Towers. Como desenvolvedora e gestora de edifícios cuja durabilidade alcançará muitas gerações, a empresa tem como valor que a construção e a gestão desses edifícios devem proteger e melhorar o ambiente físico. Isto implica não só a proteção do meio ambiente atual, mas também o controle de poluentes e a utilização sustentável de recursos e, efetivamente, o impacto de longo prazo em cada local. Essa mentalidade tem levado a empresa a desenvolver espaços urbanos de qualidade internacional paralelamente aos projetos, que vão muito além de equipamentos de alta tecnologia e fachadas de vidro. A Tishman Speyer adota uma abordagem completa do conceito de sustentabilidade, em que o aumento da densidade e da construção de infraestrutura incentiva outras pessoas a ter estilos de vida mais enriquecedores e sustentáveis. Ao construir áreas mais amplas, eficientes e saudáveis, a empresa transfere para os inquilinos dos edifícios esses valores sustentáveis, o que contribui para o aumento de sua taxa de retorno e fortalece seu relacionamento com os clientes em todo o mundo. Com uma abordagem de longo prazo, os custos adicionais do desenvolvimento de prédios sustentáveis mais que compensam.

Soluções inovadoras para melhorar a experiência urbana Os valores corporativos de integridade, inovação, iniciativa e sustentabilidade têm impulsionado a Tishman Speyer a implementar uma estratégia comercial centrada na renovação urbana e no desenvolvimento de espaços públicos e privados icônicos, adaptados aos mais diferentes lugares. Embora a empresa tenha iniciado seus empreendimentos em mercados mais tradicionais, como Estados Unidos e Europa, a Tishman Speyer se aventurou cada vez mais longe de sua base nos últimos anos, em busca de oportunidades em novos mercados, incluindo operações em muitas cidades e capitais norte-americanas e europeias, assim como em economias emergentes como Brasil, China, Índia e Turquia. A implementação das melhores práticas da companhia em design, desenvolvimento e administração predial cria valor máximo para os investidores e inquilinos.

Lições sobre a importância do design e da construção Os casos apresentados abaixo ilustram a experiência da Tishman Speyer no desenvolvimento de edifícios icônicos em mercados urbanos, com foco em design de alta qualidade. A importância do processo de design é fundamental para o sucesso de qualquer empreendimento, uma vez que centros comerciais bem projetados e dotados de lojas e de uma ambiência acolhedora resultam em aluguéis mais altos do que aqueles sem essas características. O exemplo do Rockefeller Center é particularmente brilhante neste sentido. O complexo de edifícios dita os aluguéis no mercado de escritórios de alto padrão desde a sua construção, há mais de 80 anos. Isto só é possível por causa da enorme variedade de lojas e restaurantes existentes no complexo, bem como dos

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amplos espaços abertos ao público. O Rockefeller Center recebe concertos, exposições

2 Rockefeller Center, Nova York

de carros e de flores, além de possuir áreas para esportes e abrigar até mesmo feiras

Projeto de Raymond Hood, 1930-1939

livres. Os atrativos e as programações dos espaços públicos trazem visitantes para dentro do complexo, criando oportunidades de negócios que o colocam entre os centros comerciais mais rentáveis do mundo. De forma similar, o Sony Center, em Berlim, confirma que o uso misto estimula mais vida em qualquer empreendimento e gera receita mesmo após o horário comercial. Com muitas opções para refeições, os trabalhadores do complexo não precisam aventurar-se longe de seu local de trabalho para o almoço. Isso aumenta o movimento no complexo, ao mesmo tempo que aumenta a produtividade do trabalhador. É o mesmo caso do Centro Empresarial Nações Unidas, em São Paulo, que, aos 14 anos de existência, está renovando contratos de arrendamento a uma taxa semelhante aos mais novos edifícios de escritórios da cidade. Embora seja vital o valor que serviços agregados e acesso a transporte de massa conferem a uma propriedade — e ambos são componentes da busca pela sustentabilidade —, a proposição de valor de tecnologias sustentáveis é mais difícil de verificar. A tecnologia “verde” que vai para a construção de um edifício de escritórios com certificação LEED Gold faz caírem entre 5% e 10% os custos de construção em geral, mas não está claro se os inquilinos estão dispostos a pagar mais por essas características, ainda que a energia e outros custos operacionais sejam mais baixos do que seriam de outra forma. No entanto,

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3 Sony Center, Berlim

Projeto original de Helmut Jahn, 2000


esta realidade está mudando rapidamente, e para um grupo crescente de inquilinos que buscam escritórios mais sofisticados e sustentáveis tais características não são mais uma opção, e sim uma exigência. E como o mercado de vendas de espaços corporativos tornase cada vez mais institucional, muitos investidores globais têm mandatos para investir somente em propriedades certificadas. A se confirmar essa tendência, a Tishman Speyer acredita que a certificação se tornará um padrão de mercado. Outra estratégia-chave para manter o valor de um empreendimento classe A é o foco na manutenção e na administração do prédio após a entrega. A Tishman Speyer presta esse serviço apenas nos prédios que desenvolve. Dessa maneira, a empresa garante a continuidade do padrão de qualidade dos empreendimentos. A fim de melhor compreender essas estratégias, e como elas vão influenciar o mercado local de escritórios do Rio de Janeiro, é útil entender como elas funcionaram em outras cidades em que foram postas em prática com sucesso. Para sustentar esta posição, três projetos marcantes são descritos a seguir.

Rockefeller Center, Nova York, Estados Unidos da América O Rockefeller Center é um dos conjuntos de edifícios comerciais mais reconhecidos do mundo e um importante endereço comercial e social na cidade de Nova York. Desenvolvido na década de 1920 pela família Rockefeller, o empreendimento colaborou para a consolidação de Nova York como um importante centro de negócios no mundo, com empresas internacionais aproveitando a nova tecnologia de telecomunicações global disponível no edifício, entre outras inovações do projeto. Mas, em meados dos anos 1990, o complexo vinha sofrendo uma gestão inadequada e falta de reparos, perdendo o seu lugar no mercado de escritórios para produtos mais modernos. Foi nesse momento, em 1996, que a Tishman Speyer adquiriu o complexo e imediatamente assumiu a sua gestão, embarcando em um ambicioso plano de desenvolvimento para devolver o antigo status do ativo. Por meio de um minucioso processo de renovação, que incluiu a atualização de todos os equipamentos mecânicos e que substituiu janelas e sistemas de aquecimento e ar condicionado ­— o que possibilitou uma expressiva redução no consumo de energia —, o ativo foi reposicionado como uma propriedade comercial de classe internacional, um marco histórico deslumbrante, totalmente restaurado como um complexo de escritórios e varejo conhecido em todo o mundo. O complexo inclui o Radio City Music Hall, a casa de leilões Christie’s, uma pista de patinação no gelo mundialmente famosa, os estúdios de transmissão da rede NBC e mais de duzentas lojas e locais de refeições. Funciona também como uma das principais atrações turísticas de Nova York, com o Top of the Rock, um deck de observação que recebe anualmente mais de dois milhões de visitantes. E, o mais importante, tornou-se um espaço público icônico, que impulsionou uma remodelação semelhante em sua área circundante e em toda a região. Ainda hoje, a Tishman Speyer continua a agregar valor ao complexo por iniciativas sustentáveis em curso, como coleta de água para reaproveitamento, instalação de painéis solares e outras medidas de eficiência.

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Sony Center, Berlim, Alemanha Com o fim da Guerra Fria e o colapso da União Soviética, Berlim começou a difícil tarefa de recompor uma cidade que tinha sido fisicamente dividida por mais de quarenta anos. Ao longo dessa divisão, em Potsdamer Platz, o governo municipal elaborou um plano para promover o crescimento por meio do zoneamento do distrito para o desenvolvimento comercial e residencial de grande porte. Em 1994, a Tishman Speyer foi selecionada pela Sony, dentre vários grupos internacionais, para ser seu colaborador e parceiro em um grande projeto no que viria a se tornar o centro comercial de Berlim. O projeto de uso misto é composto por oito edifícios de identidades distintas e de tamanhos variados. A empresa supervisionou e gerenciou todos os aspectos do projeto, reduzindo os custos e aumentando a eficiência dos edifícios para criar espaços corporativos de classe internacional. O Sony Center foi integrado com sucesso ao sistema ferroviário, ao metrô e às autoestradas da região, para acomodar o desenvolvimento e promover alternativas ao uso de automóveis. O empreendimento tornou-se uma brilhante representação do progresso da Alemanha desde sua reunificação. O projeto ganhou vários prêmios por seu conceito e design, e permanece como um excelente estudo de caso de desenvolvimento orientado para regiões de trânsito denso com espaços públicos de alta qualidade.

Centro Empresarial Nações Unidas (CENU), São Paulo, Brasil Em meados dos anos 1990, após décadas de instabilidade econômica e falta de investimento, São Paulo sofria de uma escassez crítica de espaços corporativos classe A. Como primeiro empreendimento da Tishman Speyer no Brasil, a torre de escritórios de 36 andares conhecida como Torre Norte foi o edifício mais tecnologicamente avançado do mercado durante quase uma década, após ter sido entregue, em 1999. O edifício foi projetado com padrões internacionais de arquitetura e tecnologia, pré-requisito para atrair empresas multinacionais, e estabeleceu o primeiro espaço de escritórios de alto padrão no Brasil. O empreendimento elevou definitivamente o padrão para novas construções de edifícios corporativos no país. O pioneirismo em oferecer andares corporativos

O pioneirismo em oferecer andares corporativos abertos e flexíveis, conceito bastante popular no exterior, resultou na pré-locação de 70% da área locável antes da conclusão de sua construção.

abertos e flexíveis, conceito bastante popular no exterior, resultou na pré-locação de 70% da área locável antes da conclusão de sua construção. A torre conta com inquilinos de porte como Microsoft, Hewlett Packard, Maersk, Nokia, Monsanto, Booz Allen, MasterCard e Computer Associates. A Tishman Speyer continua a gerir a Torre Norte, onde também está localizada a sede brasileira da empresa. No momento, a Companhia está desenvolvendo a última torre do complexo, a Tower Bridge, que estende o pioneirismo da eficiência e da inovação tecnológica implementadas desde o início do projeto, com certificação LEED Gold.

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Operações no Rio de Janeiro 4 Centro Empresarial

Nações Unidas, São Paulo. Projeto dos arquitetos Alberto Botti e Marc Rubin, 1995

A decisão estratégica da Tishman Speyer de entrar no mercado do Rio de Janeiro foi feita com base na necessidade do mercado de desenvolver edifícios corporativos de qualidade. Como a segunda maior cidade do Brasil, o Rio de Janeiro é um destino natural para os usuários de espaços corporativos. Com excelente perfil demográfico, a cidade é dotada de uma rara beleza natural, que atrai as companhias que aqui desejam instalar-se. Sede de importantes empresas públicas e privadas brasileiras, como Eletrobrás, Petrobras, Oi e Vale do Rio Doce, bem como de grandes multinacionais como L’Oreal, Coca-Cola e Schlumberger, o Rio de Janeiro apresenta um crescimento e uma atratividade para investimentos acima da média do resto do Brasil, na medida em que os sucessivos governos continuam a fomentar o maior período de estabilidade econômica da história recente. No Rio de Janeiro do início dos anos 2000, quando a Tishman Speyer estava estudando sua entrada no mercado, os terrenos utilizáveis para executar as estratégias discutidas nas páginas anteriores deste artigo eram raros. A disponibilidade de terrenos para absorver o crescimento é fator fundamental para o sucesso de qualquer cidade. A falta de terrenos faz que os preços inevitavelmente subam e as empresas, sem espaço para crescer, tendem a migrar para outros mercados, em que há oferta de terrenos, e, portanto, os preços sejam mais acessíveis.

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Ventura Corporate Towers Em meio a esse desafio, a Tishman Speyer viu uma grande oportunidade. Com a demanda por escritórios começando a aumentar em face da queda do estoque de espaços corporativos em edifícios já antigos e em condições pouco adequadas, a empresa encontrou o clima perfeito para entregar o maior, melhor e mais sustentável complexo corporativo da cidade. A aquisição da área de dez mil metros quadrados na Av. República do Chile, um local anteriormente mais intimamente associado à Lapa do que ao Centro, marcou o início do desenvolvimento do Ventura Corporate Towers. O projeto ofereceu tecnologia e serviços de alta qualidade, com andares abertos e design moderno, em uma estratégia que a empresa já provara ser um sucesso com o projeto CENU, em São Paulo. Mas, diferentemente do projeto CENU, o Ventura foi concebido com foco na sustentabilidade ambiental, um conceito novo para o mercado à época. O projeto foi o primeiro no Rio de Janeiro a alcançar a certificação LEED Gold do Green Building Council dos Estados Unidos da América e foi arrendado principalmente por empresas como Petrobras, BNDES, British Gas e GE, elevando o padrão do mercado, e contribuiu com importante estudo de caso da Tishman Speyer em sua área de negócios no Brasil até o momento. O desenvolvimento de um complexo de escritórios classe A de 170 mil metros quadrados, em uma localização tão privilegiada no novo Centro, é um feito que não pode ser facilmente repetido. E, sem terrenos disponíveis para desenvolvimento imediato, iniciou-se a busca por uma oportunidade de retrofit no Centro do Rio. O que a Companhia encontrou foi uma oportunidade no centro histórico da cidade.

Edifício Galeria O antigo edifício da Companhia de Seguros SulAmérica, na Rua do Ouvidor, está localizado nas estreitas ruas de paralelepípedos do centro do Rio de Janeiro. Assim que a SulAmérica decidiu-se por deslocar sua sede para um novo prédio na Cidade Nova, a Tishman Speyer percebeu que o mercado de escritórios estava prestes a mudar. Bilhões de reais em investimentos públicos e privados no mercado de óleo e gás em ascensão criaram, inevitavelmente, milhares de novos empregos a exigir a expansão de área de trabalho. Mas, sem terrenos para construir novos prédios de escritórios comerciais, a opção de reformar o estoque antigo existente tornou-se mais e mais atraente. Em 2007, a empresa negociou a compra da antiga sede da seguradora e embarcou em seu primeiro retrofit no Brasil. Rebatizado Edifício Galeria, o projeto prometia não apenas ser um desafio extraordinário de engenharia e de restauração, mas também difundir a renovação urbana na área circundante, como no caso do Rockefeller Center, que teve recuperada a sua fachada original e foi readequado às exigências de qualidade atuais por um minucioso processo de renovação. O Edifício Galeria também teve um profundo impacto sobre a revitalização do Centro, com sua arquitetura restaurada como um símbolo da grandeza histórica de uma época da cidade. A beleza da fachada clássica restaurada tem incentivado outros

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Novo padrão imobiliário no Rio de Janeiro


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5 Port Corporate Tower,

Rio de Janeiro

proprietários a realizar reformas similares. A criação de uma galeria no térreo do edifício ajudou a estabelecer ainda mais a área como um destino de compras. Os inquilinos que ocupam o prédio, muitos do setor de logística, são novos clientes para o comércio e os serviços cada vez mais sofisticados da região, criando um ciclo positivo de desenvolvimento e crescimento do emprego em todos os níveis. A influência sobre a área circundante pode ser vista de várias formas: novos projetos de modernização por todo lado, novas lojas, novos restaurantes e novos inquilinos que se deslocam pela área, enfim, um novo sentido de que o Centro está voltando à vida. O sucesso do projeto pode ser medido não só pelo seu alto retorno para os investidores, mas também pela melhoria da qualidade do cenário urbano histórico em torno do Edifício Galeria.

Port Corporate Tower Continuando a sua tradição como pioneira no mercado, a Tishman Speyer iniciou a construção do primeiro projeto aprovado no Porto Maravilha, com entrega prevista para o início de 2014. O projeto, conhecido como Port Corporate Tower, está localizado entre as avenidas Brasil e Rio de Janeiro, e é uma história clássica de renovação urbana e de revitalização. Um antigo moinho abandonado fazia do local um símbolo do declínio industrial da região, até ser adquirido pela empresa em 2010. A fábrica foi demolida e o que está surgindo em seu lugar é uma torre de escritórios classe A, com certificação LEED Gold, de aproximadamente 35 mil metros quadrados de área locável. Ela contará com paisagismo amplo e espaços verdes, com tecnologia de ponta e fachada de vidro de alto desempenho técnico e acústico para reduzir o uso de energia, além de todos os requisitos de sustentabilidade.

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Em termos de estratégia de sustentabilidade, o Port Corporate é um “projeto orientado para o trânsito”. O BRT Transbrasil (Bus Rapid Transit), a ser concluído até o final de 2015, terá uma estação próxima ao projeto, dando aos inquilinos fácil acesso a todos os pontos ao longo do sistema. Isso vai agregar um valor significativo ao empreendimento e, à medida que o entorno da Av. Francisco Bicalho for sendo desenvolvido, toda a região circundante irá se fundir e formar um bairro de uso misto singular, em que os ocupantes e os visitantes estarão em posição privilegiada, de frente para o mar e com os melhores acessos para qualquer parte da cidade.

Pátio da Marítima A Tishman Speyer também desenvolve uma área de 24 mil metros quadrados confrontante com a orla, conhecida como Pátio da Marítima. O projeto está sendo elaborado como uma pedra fundamental para o crescimento comercial do Porto Maravilha, sendo composto de 125 mil metros quadrados de área locável e com uma área significativa ao nível do solo destinada a lojas e restaurantes. O projeto, ligeiramente maior que o Sony Center, terá um conceito similar, com ligação à infraestrutura da área e a amplos serviços públicos. Projetado pela Foster+Partners, empresa de arquitetura mundialmente conhecida, o projeto vai estabelecer um novo marco de qualidade e sustentabilidade na cidade e acelerar o processo de renovação urbana na região.

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Porto Maravilha, a revolução dos transportes e o futuro do Rio de Janeiro Assim como a Tishman Speyer transformou o mercado de escritórios classe A do Rio de Janeiro pelo seu compromisso com a alta qualidade dos seus projetos e incentivou a revitalização do centro do Rio por meio de recuperação de um marco arquitetônico, a empresa está atualmente concentrando sua energia e seus recursos na área que será o coração da cidade: o Porto Maravilha, a antiga zona portuária, agora em processo de requalificação. O Porto Maravilha é um projeto ambicioso, que, juntamente com a expansão e integração de sistemas de transporte de massa em toda a cidade, irá reverter a carência crônica de espaços de escritórios de qualidade no Rio, além de gerar um novo bairro de uso misto, em que a cultura, os negócios e o lazer vão se reunir em um ambiente urbano de elevada qualidade. A área será totalmente integrada ao trânsito de massa da cidade, incluindo o novo sistema Bus Rapid Transit (BRT) e a Rede de Veículo Leve sobre

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Novo padrão imobiliário no Rio de Janeiro

6 Projeto de Norman Foster

no antigo Pátio da Marítima


Trilhos (VLT), que interligarão todos os principais meios de transporte do Centro. Esse sistema irá mudar a maneira como os cariocas se locomovem pela cidade, além de influenciar profundamente suas escolhas de moradia e trabalho.

Investimentos seguem a infraestrutura Com infraestrutura urbana de alta qualidade, o Porto Maravilha será muito mais do que uma extensão do núcleo central existente da cidade. Assim como os grandes projetos de renovação urbana em Barcelona, Nova York, Buenos Aires e em muitas outras capitais ao redor do mundo mudaram o fluxo de investimento imobiliário em suas respectivas cidades por longos períodos de tempo, o Porto Maravilha será o foco dos melhores desenvolvimentos imobiliários da cidade pelos próximos 15 ou 20 anos. Até 2020, o atual Centro terá sido substituído pela zona portuária como o maior mercado de espaços corporativos classe A da cidade, com mais de um milhão de metros quadrados em espaços rentáveis de escritórios. A partir de então, as avenidas Rio Branco e Presidente Vargas permanecerão sendo endereços importantes, mas terão sido totalmente suplantadas em espaços de qualidade ao longo do Binário, nova via de tráfego que cortará a região, e pela Avenida Francisco Bicalho.

O futuro do Rio de Janeiro Graças aos abrangentes projetos de infraestrutura atualmente sendo implantados, o Rio de Janeiro tem perspectivas de um futuro brilhante para a construção de imóveis comerciais e residenciais. Com os projetos de grande escala desenvolvidos no Porto Maravilha, a área mais próxima à Baía de Guanabara e ao longo da Francisco Bicalho irá se estabelecer como a nova zona empresarial central, com ampla estrutura cultural e de serviços, que irá aumentar o interesse de desenvolvedores residenciais. Uma vez que as instalações olímpicas dotarão o Porto Maravilha de um bom estoque residencial inicial, os projetos que se seguem deverão completar o sonho dos urbanistas, dando origem a um moderno e atraente bairro. Mas este novo paradigma não está livre de polêmicas e de questões não resolvidas. O que acontecerá às áreas adjacentes ao Porto Maravilha e às áreas que terão fácil acesso à região a partir de pontos tão distantes quanto Jacarepaguá e Recreio? Qual será o impacto dessa mudança fundamental nos padrões de desenvolvimento do restante da cidade? Será que o Porto Maravilha irá atrair as pessoas para o Centro, levando a novas oportunidades de desenvolvimento residencial para transformar também este segmento de demanda na área? Só o tempo vai dar respostas para estas e outras perguntas, mas não deve haver nenhuma dúvida sobre a revolucionária mudança de paradigma em curso na cidade. E se as tendências em outras cidades que passaram por semelhantes esforços de revitalização se provarem verdadeiras aqui, o futuro para o Rio é muito promissor.

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Sebrae no Porto: apoiando os pequenos negócios

Cézar Vasquez Mestre em Engenharia de Produção pelo Instituto de Pós-Graduação e Pesquisa de Engenharia (COPPE), com graduação na mesma área, pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e MBA Executivo em Finanças pelo Instituto Brasileiro de Mercados de Capitais (IBMEC). Com vasta experiência no apoio às micro e pequenas empresas, é atualmente diretor-superintendente do Sebrae/RJ. Foi secretário-adjunto de Administração Estratégica da Prefeitura de Vitória, vice-presidente do Centro de Processamento de Dados do Estado do Rio de Janeiro (PRODERJ) e secretário-adjunto do SEBRAE/ES.

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Após décadas de abandono e degradação, a região portuária vive um momento histórico de retomada do seu significado. Entre os fatores que têm impulsionado esse movimento positivo, estão a maior visibilidade da região, os grandes investimentos previstos para os próximos anos, o desenvolvimento imobiliário comercial, a melhoria da mobilidade urbana e a redução da violência, assim como o surgimento de equipamentos culturais importantes e mobilizadores. Tais impulsos acabam gerando uma atmosfera de otimismo, em que a visão de uma região próspera e mais integrada à cidade ganha força no imaginário das pessoas. Entre a expectativa e a realidade, quais as reais oportunidades para os pequenos negócios? E como o SEBRAE pode contribuir para essa mudança virtuosa de patamar?

Perfil dos pequenos negócios no Porto em transformação Os dados da região surpreendem. A taxa de desemprego revela a precariedade da inserção dos moradores da região no mundo do trabalho. Enquanto na capital a taxa é de 7,7%, no Porto alcança 10,4%. No entorno, a menor taxa de desemprego está no Centro (5,8%), enquanto a maior se encontra no Estácio e no Catumbi (8,3%). Por outro lado, com relação à forma de inserção no mercado de trabalho, o percentual de empregados com carteira assinada é superior à média da cidade e às regiões do entorno. A área possui os menores percentuais de trabalhadores por conta própria (15,4%), enquanto na cidade do Rio de Janeiro esse percentual é de 19,4%. A renda média de um trabalhador por conta própria é R$903 no Porto e R$2.189 na cidade. Com mais chance de emprego com carteira assinada, é menor a intenção de empreender. A taxa de sucesso de empreendedorismo, medida pelo percentual de empregadores entre os empreendedores (conta própria mais empregadores), é de 1,4%, devido ao baixo percentual de empregadores na área, muito inferior à cidade do Rio de Janeiro (10,8%).

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Sebrae no Porto: apoiando os pequenos negócios

1 Gráfica Marly, um dos negócios

mais tradicionais da região portuária – conta com o apoio do Projeto SEBRAE no Porto [p. 120] 2 O tradicional Restaurante 28,

apoiado pelo Projeto SEBRAE no Porto 3 Atendimento do SEBRAE, sob

medida para empreendedores


Em relação ao porte, as microempresas representam 71% do total de estabelecimentos nos bairros portuários, proporção inferior à média da cidade (78%) e do entorno (74%). Somando as micro e as pequenas empresas, são 93% do total de estabelecimentos da área do Porto, inferior à média da cidade (96%). A presença relativa da indústria é maior nos bairros portuários (12% dos estabelecimentos) do que no entorno ou na média da cidade (ambos com 5%). Na Gamboa, o percentual de empresas do setor industrial (22%) é maior do que nos outros bairros da área do Porto. No total dos bairros portuários, 56% são empresas de serviços e 27% são do comércio, seguindo a tendência do estado do Rio de Janeiro. No entorno, as empresas se concentram, também, no setor de serviços, com exceção de São Cristóvão, que possui 41% de empresas comerciais e 37% do setor de serviços. Em termos de empregos gerados, a região segue a tendência do estado, como apontamos acima. Nos bairros portuários, a maior parte do emprego formal está concentrada nas médias e grandes empresas de serviços (56%). Apenas 29% dos empregos estão nas MPE.

As ações do SEBRAE no Porto Nosso primeiro olhar sobre a região portuária aprofundou nossos conhecimentos sobre o território. Entendemos cada bairro e as características de seus moradores, empresários e população flutuante. Decidimos olhar atrás do balcão e conhecer a história, as dificuldades, a maneira de conduzir os negócios locais. E descobrimos que as empresas locais apresentam indicadores de gestão que refletem o ambiente degradado em que estão inseridas. Outro passo importante foi compreender a importância das empresas-âncoras. Para o SEBRAE, o conceito de âncora não se aplica somente às grandes empresas e equipamentos públicos. Ampliamos o olhar para todos os empreendimentos que promovem a região, atraindo pessoas e conferindo singularidade ao território. Ao mesmo tempo, contribuem para o desenvolvimento de outros pequenos negócios ao seu redor, constituindo verdadeiros núcleos de entretenimento, cultura, lazer, sociabilidade e consumo. Neste sentido, acreditamos que chapelarias, restaurantes tradicionais ou comércios reconhecidos na região possam se tornar “pequenos negócios-âncoras. Grande parte dessa rede de novas descobertas e experiências pode ser proporcionada pelos pequenos negócios. Por outro lado, as empresas de grande porte cumprem um papel importante como âncoras. É evidente a complementaridade entre os grandes investimentos e os pequenos negócios. A dinâmica da transformação urbana em curso apresenta muitas oportunidades para os pequenos negócios nos três importantes vetores de encadeamento produtivo: as obras, os eventos e os novos empreendimentos. Por fim, buscamos experiências nacionais e internacionais que pudessem apontar boas práticas em projetos de apoio aos negócios locais, durante um processo de transformação urbana e imobiliária.

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Dinâmica da transformação econômica

2011

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2014

2015

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Economia das obras Economia dos eventos Economia dos novos empreendimentos

fonte: SEBRAE-RJ

Observamos muitos lugares e projetos. Aprendemos com as trajetórias de Baltimore, PortVell-22@Barcelona, Puerto Madero, Docklands, Sidney, Soho, Williamsburg e Tribecca. Nosso recorte analítico priorizou as estratégias de financiamento, a programação de usos e a comunicação para os pequenos negócios. Percebemos que esses projetos têm em comum uma articulação com os espaços urbanos das cidades em que estão inseridos. A conexão entre os equipamentos e o território atrai a boemia, mas também empresas de serviços, tecnologia, conhecimento, cultura e comércio. O espaço precisa ser útil e atrativo à população local e, na mesma medida, convidativo ao turista. Diante destas constatações, que projetos estamos dispostos a construir? Que elementos são estratégicos nessa parceria? Quais as questões estruturantes para o horizonte da parceria e que merecem nossa atenção? Iniciamos em 2012 um conjunto de levantamentos, diagnósticos e ações de atendimento aos empreendedores locais. [ver quadro na página ao lado] Para a execução das ações, estabelecemos uma parceria estratégica com a CDURP – Companhia de Desenvolvimento Urbano da Região Portuária, com o objetivo de reter, fortalecer e atrair empresas. Com foco na articulação dos negócios do Porto com o restante da cidade, a parceria busca formular estratégias antecipatórias para as oportunidades de negócio.

Tendências para o desenvolvimento da região portuária e medidas estruturantes para o apoio aos pequenos negócios O aumento dos investimentos internacionais e nacionais evidencia muitas oportunidades para engajamento dos pequenos negócios nas externalidades positivas da transformação urbana em curso. Os novos empreendimentos comerciais e residenciais que estão sendo comercializados, em conjunto com os novos equipamentos culturais, ajudam a mitigar a rejeição

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Sebrae no Porto: apoiando os pequenos negócios

2017 +


do carioca a utilizar a região como área de lazer e entretenimento. Um exemplo é o MAR – Museu de Arte do Rio. Em breve a mobilidade urbana permitirá a integração com

outros polos de cultura e entretenimento da cidade e o adensamento populacional. Mas é preciso ainda mais para garantir a integração socioeconômica dos pequenos negócios no processo de transformação urbana e imobiliária na região portuária do Rio de Janeiro. Como possibilitar que as mudanças sejam também oportunidades para os pequenos negócios? A dinamização da economia local precisa ser conciliada com a transformação urbana em curso. E o impacto socioeconômico dessa estratégia depende da construção de uma agenda integrada: sociedade civil, governos e empresas.

programa sebrae no porto

Inteligência | contribuir para a reabilitação econômica de áreas degradadas e vazios urbanos a partir dos pequenos negócios •

Identificação dos negócios (quantos são, como estão e quais os principais problemas percebidos pelos empreendedores)

Análise dos aspectos gerenciais e mercadológicos (diagnóstico empresarial)

Masterplan para pequenos negócios

Metodologia para atuação do SEBRAE em territórios de baixa taxa de sucesso empreendedor, impactados por processos de transformação urbana e imobiliária

Atendimento de alto impacto | mais de 10 mil empreendedores beneficiados desde 2012

Atendimento individual (consultorias e plantão)

Atendimento coletivo (capacitação)

Requalificação dos negócios tradicionais: comércios, gráficas, bares e restaurantes

Monitoramento da evolução dos negócios – Agentes de Desenvolvimento Econômico

Estratégias para acesso a mercados e crédito

Encadeamento produtivo (turismo, economia criativa, construção civil e serviços)

Branding e marketing territorial

fonte: SEBRAE-RJ

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Porto do Rio de Janeiro 1565

1870

1910

1960

Estácio de Sá funda a cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro.

Crescimento da população da área portuária, com a chegada de trabalhadores, incluindo numerosos escravos e ex-escravos, que procuraram manter-se próximos ao local de trabalho – como carregadores, estivadores e carroceiros –, somando-se a esses um grande contingente de marinheiros e de imigrantes europeus.

Inaugurado um conjunto imponente de edificações ao longo da Avenida Central, de estilo eclético e neoclássico: Theatro Municipal, Academia e Museu de Belas-Artes, Biblioteca Nacional, Clube Naval e o Palácio Monroe, adjacentes à Praça Marechal Floriano (Cinelândia).

A capital é tranferida para Brasília, e a cidade do Rio de Janeiro convertese no estado da Guanabara. Construção do primeiro trecho da Perimetral, interligando as avenidas General Justo e Presidente Vargas. A obra foi retomada em 1968 e levou uma década para ficar pronta. Em 1998, foi demolido trecho do elevado na Praça XV, substituído por mergulhão, liberando o entorno do Paço Imperial (1743) e o acesso ao Chafariz do Mestre Valentim (1789), para fruição pública.

1555-1567 A cidade é ameaçada pelas invasões francesas e pelo estabelecimento da França Antártica.

1710 Invasão francesa ao Rio de Janeiro, comandada por Duclerc.

1713 Fortaleza da Conceição é construída nos terreno da Mitra, para auxiliar na defesa da cidade.

1763 Transferida a capital do Brasil colonial, da cidade de Salvador para a cidade do Rio de Janeiro, permanecendo capital do Brasil Império.

1779 Construção do Cais do Valongo, onde desembarcaram cerca de 500 mil escravos africanos. Em 1831, esse cais foi desativado.

1808 Desembarca no Rio de Janeiro a família real, acompanhada da corte de Portugal. Na época, a população da cidade era de 50.144 habitantes, dos quais 18.000 escravos. Os usos e costumes trazidos da metrópole promovem o início de um processo de reorganização da vida urbana, para acomodar a corte, dando início também à estratificação socioespacial.

1843 Inauguração do Cais da Imperatriz, erguido sobre a área do Cais do Valongo, para receber a imperatriz Teresa Cristina, que chegaria ao Brasil para o casamento com o D. Pedro II.

1871 Construção, pela Companhia Docas D. Pedro II, do cais corrido com 810 metros de extensão e cinco píeres perpendiculares, linha férrea e armazéns, ao longo da Praia de São Cristovão, entre o Arsenal da Marinha e o Morro de Santo Cristo.

1889 Com a proclamação da República, a cidade do Rio de Janeiro, então município-neutro, passa a ser Distrito Federal.

1897 Surge no Morro da Favela (Morro da Providência) um assentamento de barracos de madeira erguido pelos soldados desmobilizados da Guerra dos Canudos e da Guerra do Paraguai, formando a primeira favela da cidade.

1902-1906 Iniciado o plano urbanístico de remodelação do centro do Rio de Janeiro, pelo governo Rodrigues Alves/Pereira Passos, priorizando ações de índole higienista, com obras de saneamento ambiental e controle sanitário. Iniciada a modernização do porto, com a construção das docas e armazéns e a abertura da Cidade Nova, com desobstrução do Canal do Mangue.

1904 Abertura da nova Avenida Central (atual Avenida Rio Branco).

1867 Fundação da Companhia Docas D. Pedro II.

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Sebrae no Porto: apoiando os pequenos negócios

1911 Aterros da orla da Gamboa e Praia de São Cristovão, para a retificação do cais portuário, com 3.500 metros de extensão, ao longo da Avenida Rodrigues Alves, com novos armazéns e circulação de bondes elétricos pela Avenida Francisco Bicalho, margeando o Canal do Mangue.

1929 Inaugurado o edifício A Noite, na Praça Mauá. Construído entre 1927 e 1929, era na época o mais alto aranha-céu da América Latina, com 22 andares e 102 metros e a primeira estrutura de concreto armado do país.

1940-41 Iniciadas as obras de prolongamento da antiga Avenida do Mangue até a Candelária, que prosseguem até a inauguração da Avenida Presidente Vargas, nos anos 1950, o que permite uma ligação viária expressa entre o porto, a Avenida Rio Branco e a Zona Norte da cidade. Para tal, foi necessário acabar com a Praça Onze, berço do samba carioca, e desapropriar e demolir mais de 600 prédios e igrejas no centro da cidade.

1943 Inaugurado o prédio da estação ferroviária D. Pedro II (Central do Brasil), que, juntamente com o Palácio Duque de Caxias, sede do Comando Militar do Leste, inaugurado em 1941, irá demarcar os novos limites territoriais da região do porto.

1963 Realizado plebiscito, em que o Estado do Rio de Janeiro opta por permanecer com um só município, assim se afirmando como a única cidade-estado na história brasileira, auferindo, simultaneamente, recursos estaduais e municipais. Com isso, é compensado, em parte, o impacto da perda de receita dos recursos federais a que tinha direito quando era capital, possibilitando o financiamento das inúmeras obras públicas realizadas nesse período.

1965 Inaugurado o Parque do Flamengo, mediante aterro da enseada do Flamengo e Botafogo com o material do desmonte do Morro de Santo Antônio. Com cerca de 1,2 milhões de metros quadrados, o parque, com suas oito pistas expressas, torna-se parte do novo sistema de mobilidade, articulado com a Perimetral e o Túnel Rebouças.

1970 Construção do viaduto São Sebastião e do Gasômetro e conclusão da obra do elevado da Avenida da Perimetral – autopistas de alta velocidade que segmentam e isolam os bairros da área portuária.

1974 Inaugurada a Ponte Rio-Niterói, com 13,3 quilometros de extensão sobre a Baía de Guanabara, obra que começara em 1968.


1975

2009

2011

2013

Realizada a fusão dos estados da Guanabara e do Rio de Janeiro, tornando-se a cidade do Rio de Janeiro capital do novo estado do Rio de Janeiro.

Prefeitura cria a Área de Especial Interesse Urbanístico (AEIU), abrangendo o perímetro do projeto Porto Maravilha, onde institui a Operação Urbana Consorciada da Região do Porto do Rio de Janeiro (OUC), prevendo um conjunto de intervenções a serem capitaneadas pelo Município, com a participação de proprietários, moradores, usuários e investidores, com o objetivo de alcançar transformações urbanísticas estruturais, melhorias sociais e valorização ambiental da região. Criada a Companhia de Desenvolvimento Urbano da Região do Porto do Rio de Janeiro (CDURP), incumbida da gestão do projeto Porto Maravilha. Adotado o mecanismo de captação de recursos privados para o financiamento das obras de infraestrutura necessárias – Certificados de Potencial Adicional Construtivo (Cepacs).

A Caixa Econômica Federal (Caixa) adquire em leilão público, organizado pela Prefeitura e a Comissão de Valores Mobiliários (CVM), a totalidade das Cepacs, utilizando recursos do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS). O Cais do Valongo é localizado durante as escavações vinculadas às obras de reurbanização do Porto Maravilha, e o sítio arqueológico, agora preservado, é aberto à visitação pública. Complementando o conjunto, o Jardim Suspenso do Valongo é restaurado e seu entorno requalificado. Em dezembro, a Caixa fecha o primeiro negócio com venda de Cepacs, na construção de prédio corporativo com 120 mil m2, projeto da Tishman Speyer.

Inaugurado o Museu de Arte do Rio (MAR), ocupando o antigo palacete D. João VI, e a Escola do Olhar, no antigo Hospital da Polícia Civil, localizados na Praça Mauá. Projeto de retrofit, de autoria dos arquitetos Jacobsen e Bernardes. Inaugurado o Centro de Cultura Municipal José Bonifácio de Memória, Pesquisa e Documentação da Cultura AfroBrasileira, instalado num prédio neoclássico, construído como escola, no Segundo Reinado, em 1877. Iniciada a obra de restauro e conservação da igreja de São Francisco da Prainha, construída em 1696, fechada desde 2004, por problemas estruturais. Aberta a Avenida do Binário, que inclui um túnel por baixo do Morro da Saúde, na Gamboa, nas imediações da futura sede do Banco Central, e o túnel do Binário, medindo 1.450 metros, escavado sob o maciço dos morros da Conceição e do Livramento, ligando a Linha Vermelha com a Rodoviária e a Praça Mauá. Derrubada, em novembro, a primeira parte do elevado da Perimetral – cerca de 1km - e iniciada a construção da via expressa (parte túnel, parte de superfície).

1979 Inaugurado o primeiro trecho do metrô do Rio de Janeiro.

1983 A Associação Comercial do Rio de Janeiro e a Associação dos Dirigentes do Mercado Imobiliário (ADEMI) lançam proposta da revitalização comercial da área do Porto – o projeto RioPort -, iniciativa descartada diante dos obstáculos político-institucionais, insuperáveis na época.

1992 Inaugurada a Linha Vermelha, precedendo a Conferência Internacional de Meio Ambiente da ONU (ECO-92) – uma via expressa elevada, ligando a Baixada Fluminense e o Aeroporto Internacional do Galeão ao Centro e à Zona Sul da cidade.

2005 Inaugurada a Cidade do Samba, na Gamboa, e erguidos galpões no antigo Pátio da Estação Marítima da Rede Ferroviária Federal, com oficinas de confecção e montagem de carros alegóricos, pelas escolas de samba do Grupo Especial.

2006 Prefeitura da cidade e governo federal acordam o Termo de Cooperação Técnica, para dar início ao Programa de Revitalização da Área Portuária.

2010 Contratado o Consórcio Porto Novo, concessionária constituída pelas empresas Oldebrecht, Carioca Engenharia e OAS, responsável, por 15 anos, pelas obras de melhorias de infraestrutura urbana e de novos equipamentos e mobiliário urbano, operação e manutenção do Porto Maravilha.

2012 Iniciadas as obras do Museu do Amanhã, no píer da Praça Mauá, pela Prefeitura e pela Fundação Roberto Marinho, projeto do arquiteto Santiago Calatrava. Primeiros empreendimentos imobiliários de torres corporativas, hotelaria e prédios comerciais são lançados pela Odebrecht (Porto Atlântico), Tishman Speyer (Port Corporate Tower, no antigo Pátio da Marítima), MRP (Trump Towers Rio). Realizado concurso público para o projeto arquitetônico do conjunto Porto Olímpico, destinado a abrigar árbitros e mídia não credenciada, durante a realização dos Jogos Olímpicos de 2016, no Rio de Janeiro.

2013-2015 Em andamento a implantação de via expressa com 2.570 metros de extensão, passando pela Avenida Rodrigues Alves. Trecho a ser remodelado entre Praça Mauá e Armazém 8, transformado em passeio público arborizado, com ciclovia, áreas de convivência e passagem do VLT. Trecho entre Armazém 8 e Rodoviária seguirá como via expressa de superficie. Túnel da via expressa ligará Armazém 8 à Praça XV.

2007 Protesto público (“Chega de Abandono”) foi organizado para exigir a recuperação do Palacete D. João VI, localizado na Praça Mauá, na época em estado flagrante de deterioração.

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Puerto Madero: as razões o sucesso e os riscos da segmentação urbana

Miguel Jurado Arquiteto formado na Universidade de Buenos Aires, Professor do Atelier de Projetos de Arquitetura, na Faculdade de Arquitetura da Universidade de Palermo. Membro do comitê organizador da Bienal Internacional de Arquitetura de Buenos Aires. Editor adjunto do ARQ, Diário de Arquitetura, suplemento semanal especializado do diário Clarín. Editor da DNI, periódico sobre desenho gráfico e industrial. Jornalista e crítico de arquitetura, colunista no diário Clarín. Assessor da Subsecretaria de Desenvolvimento Urbano e Habitação do jornal La Nación. Especialista em temas urbanos.

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Puerto Madero é o mais bem-sucedido empreendimento urbano da Argentina dos últimos 80 anos, o único que chegou a ver a luz em tempo recorde. Mas é impossível explicá-lo sem observar as circunstâncias físicas, históricas e políticas que o geraram, assim como a vontade de uma cidade de desenvolver sua relação com o Rio da Prata, além de suas limitações e incoerências. Puerto Madero é uma realidade que superou as expectativas de sua criação. O maior empreendimento urbano da moderna Buenos Aires nasceu de uma falha, viveu muito tempo no esquecimento e enfrentou críticas e ceticismo. Apenas 23 anos se passaram desde 15 de novembro de 1989, quando o poder executivo da Argentina criou a Corporação Antigo Puerto Madero Sociedade Anônima, com a finalidade de impulsionar o desenvolvimento dos quase 170 hectares que abrangiam um porto antigo, com mais de 70 anos de inatividade. Hoje, quase todo o empreendimento está urbanizado e até as previsões mais otimistas foram superadas. No entanto, este sucesso, que parece único, esconde algumas sombras que ameaçam o futuro de toda a cidade.

Uma história de fracasso Com 140 mil metros quadrados de depósitos de arquitetura inglesa, quatro barragens enfileiradas, silos e guindastes originais do século passado, Puerto Madero foi uma das maiores construções desse tipo no mundo e símbolo da fase agroexportadora da Argentina. Desde sua fundação, a cidade de Buenos Aires teve problemas para que grandes navios pudessem descarregar em suas margens o que transportavam. A falta de profundidade do Rio da Prata impedia que os navios se aproximassem da costa, devendo permanecer à distância e descarregar seus passageiros e mercadorias em outras embarcações menores. Assim nasceu, em 1882, Puerto Madero, quando o governo nacional contratou o comerciante Eduardo Madero para se encarregar da construção de um novo porto, que resolvesse esses problemas. O projeto de Madero (realizado pelos engenheiros ingleses Hawkshaw, Son & Hayter) foi escolhido por muitas razões, entre as quais suas virtudes técnicas foram as menos importantes. Prevaleceu o fato de que Madero contava com financiamento internacional para seu projeto e não era um detalhe menor ser o vice-presidente Francisco Madero seu tio. Com esses brasões de armas, a iniciativa de Madero venceu a proposta do engenheiro Huergo, pressionando por um tipo de porto mais moderno na foz do Rio Riachuelo, com bacias abertas para o rio, que poderiam crescer quase indefinidamente e permitir a ancoragem de barcos de grande porte. O projeto de Madero era mais complexo e oneroso, propunha encher toda a costa de Buenos Aires, da Rua Córdoba até a foz do Riachuelo. Ali se encontravam cerca de quatro diques, um atrás do outro, com dois diques ligados ao Rio da Prata nos extremos norte e sul. A conexão com a cidade se realizava por quatro pontes rotativas. Sua construção começou em 1887 e dois anos mais tarde a Doca do Sul foi inaugurada. Seguiram-se os diques 1 e 2 em 1890 e o Dique 3 em 1892. O Dique 4 e o Cais Norte foram concluídos em 1897. Enquanto os diques eram construídos e se aterrava

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1 Torres Mulieris

[p. 128] 2 Puerto Madero em atividade

o terreno, levantaram-se armazéns para estocagem de mercadorias, quatro em cada barragem, o que é hoje conhecido como cais, porque os ingleses escreveram em suas fachadas o nome da barragem a que pertenciam. Esses galpões são hoje o que caracteriza o empreendimento urbano e sua existência é quase um milagre, porque na década de 70 vários planos consideravam a possibilidade de demoli-los, para construir um viaduto. Em 1900, começaram a construir mais depósitos do lado leste dos diques. Primeiro construíram-se elevadores de grãos feitos de chapas de ferro e, em seguida, novos armazéns de concreto armado. Ao mesmo tempo, empresas exportadoras de grãos e produtos agrícolas foram construindo seus próprios silos e galpões de armazenamento. Não mais do que dez anos após a conclusão, Puerto Madero tornou-se completamente obsoleto, devido ao aumento do tamanho dos navios. O governo teve que lidar com a construção de um novo porto, dessa vez seguindo as ideias de Huergo. O Porto Novo foi inaugurado em 1919, ainda está ativo hoje e leva o nome do engenheiro. Sem uso, o antigo Puerto Madero entrou em declínio e tornou-se uma das áreas mais deterioradas de Buenos Aires, um enorme terreno baldio com instalações abandonadas, que bloqueou definitivamente o relacionamento de Buenos Aires com o Rio da Prata.

As circunstâncias que envolveram o projeto Com a frase “Eu sou eu e minha circunstância”, de Meditações de Dom Quixote (1914), o pensador espanhol Ortega y Gasset afirmava que tudo que está ao redor do homem, tudo que o rodeia, não só o imediato, mas o remoto; não só o físico, mas o histórico e o espiritual, é parte indissociável da pessoa e a define. Parafraseando esse filósofo do século XX, poderíamos dizer que as cidades são as cidades e suas circunstâncias.

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Por extensão, a urbanização de Puerto Madero é Puerto Madero e as circunstâncias que lhe permitiram materializar-se. A história moderna de Puerto Madero começa em 15 de novembro de 1989, quando o Ministério de Obras e Serviços Públicos, o Ministério do Interior e a Prefeitura da Cidade de Buenos Aires assinaram o ato de constituição de uma sociedade anônima chamada Corporação Antigo Puerto Madero Sociedade Anônima. Seu objetivo: a urbanização da área. Os governos da nação e da cidade participaram como parceiros igualitários. A área tinha sobreposição de jurisdições: a Administração Geral de Portos, a Rede de Ferrovias Argentinas e a Administração Nacional de Grãos governaram a área. O contrato transferiu a maioria dos hectares prometidos à Corporação Antigo Puerto Madero Sociedade Anônima, enquanto a Prefeitura de Buenos Aires ficou responsável por regular o desenvolvimento urbano para o setor. Antes mesmo de a iniciativa tornar-se uma política de Estado, o decano da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de Buenos Aires, Juan Manuel Borthagaray, tinha assinado um acordo com a Universidade de Lausanne para estudar a reabilitação de Puerto Madero. Por outro lado, a Administração dos Portos, autoridade que até então governava a área do antigo porto inativo, havia contratado uma consultoria alemã para desenvolver um plano mestre. Ou seja, a ideia de incorporar a área ao tecido da cidade existente já era uma ideia dos acadêmicos e autoridades desde que se instaurou a democracia na Argentina. A questão era como fazê-lo, como conseguir um acordo entre um conjunto de interesses com tantos participantes e com tantas contradições. A localização de Puerto Madero foi a chave para o sucesso do empreendimento e, além disso, ofereceu uma oportunidade única do ponto de vista urbano. Separado por apenas cem metros do microcentro de Buenos Aires, a conversão do antigo porto estenderia um efeito positivo aos setores marginais do bairro que concentra o maior poder comercial, administrativo e simbólico da Argentina. Mas as circunstâncias que colocavam à prova a possibilidade de concretizar Puerto Madero eram legais e políticas. Para superar os aspectos jurídicos, ajudou muito a Lei de Reforma do Estado, sancionada

Separado por apenas cem metros do microcentro de Buenos Aires, a conversão do antigo porto estenderia um efeito positivo aos setores marginais do bairro (...)

como um instrumento de extrema emergência da economia, após os episódios hiperinflacionários na década de 1980 e início dos anos 90. Nesse momento, depois de uma breve tentativa populista, o governo de Carlos Menem tinha aderido a um liberalismo furioso e estava disposto a desmantelar o Estado. Não só foram privatizadas empresas grandes de serviços, mas também foram vendidas empresas ícones, como Aerolíneas Argentinas e YPF. E foram desativadas todas as empresas estatais que davam prejuízo. Nesse contexto, o projeto urbano agarrou-se à Lei de Reforma do Estado, que autorizava o poder executivo a dispor dos bens do Estado. Para urbanizar Puerto Madero, foi decidido que o quadro jurídico mais adequado era criar uma sociedade anônima.

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Questões-chave da gestão As perguntas que geraram a formação da Corporação eram de natureza diferente. Havia uma resistência natural ao novo, nunca, nos tempos modernos, se havia encarado um projeto urbano de proporções semelhantes. Havia também importantes questões financeiras e econômicas a serem respondidas. A corporação tinha o formato jurídico de uma empresa e estava aberta à participação de capital privado no futuro. Mas era marcante que essa empresa tivesse sido formada com um capital de oito mil dólares, apesar da grande quantidade de terrenos que faziam parte do seu patrimônio. Esta circunstância permitia que qualquer iniciativa privada tomasse o controle da empresa com um capital mínimo. Isso não aconteceu porque a empresa nunca se abriu ao investimento de terceiros. Visto todo o desenvolvimento em perspectiva, podemos dizer que o aspecto mais importante que deve enfrentar qualquer empreendimento urbano reside em sustentar o conflito político que ele gera. Em uma sociedade muito segmentada, como a argentina, na qual as posições de poder mostram maior capacidade de impugnação do que de liderança, uma grande operação, como a que Puerto Madero exigia, prejudica interesses de uma infinidade de participantes, sem gerar, de imediato, alianças significativas. Nesses casos, o problema é que, em geral, diante do conflito, a política desarma a iniciativa. As circunstâncias de Puerto Madero eram diferentes naquele momento. O prefeito de Buenos Aires fora nomeado pelo Poder Executivo, não escolhido pelo voto dos cidadãos, e a vontade presidencial orientada a mobilizar o maior número de recursos privados. Foi assim que Carlos Grosso, o prefeito naquela época, sustentou a iniciativa mediante conflito, até que os interesses de todas as partes envolvidas retornaram à ordem. O pedido, de imediato, da opinião pública era que Puerto Madero gerasse áreas verdes, em uma cidade que as tem em quantidade, mas mal-distribuídas. Os propulsores da urbanização sabiam que era irracional que toda a área de Puerto Madero se tornasse um espaço público, o que não resolveria a distribuição de espaços verdes urbanos e jogaria fora uma oportunidade única para requalificar o centro da cidade. Na verdade, desde o início, a iniciativa oferecia muitos espaços públicos; mais do que em metros, em uma variedade de lugares que, no final, enriqueceram o centro da cidade. As primeiras ideias sobre de que maneira se poderia desenvolver Puerto Madero partiram do princípio de evitar a repetição da experiência mal-sucedida, às margens da cidade de Buenos Aires, que foi a Costa Salguero: um ambiente desportivo que, na prática, foi a privatização da costa. No entanto, em um primeiro momento, um possível futuro para Puerto Madero era tornar-se uma espécie de Costa Salguero, uma privatização sem planejamento urbano. Por outro lado, na Administração dos Portos, considerava-se que qualquer evolução no que era o seu território não teria que respeitar os regulamentos municipais, já que se tratava de território nacional. Outro antecedente de peso que afetou a tomada de decisão foi o projeto para o Ensanche Central (Expansão Central), que havia se desenvolvido por volta de 1980, durante o governo militar da última ditadura. Esta iniciativa pretendia criar uma “cidade governamental e administrativa” separada de Buenos Aires, em uma ilha ligada por uma ponte menor.

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Com esse propósito, por vários anos, realizou-se um preenchimento na borda leste de Puerto Madero, bloqueando a relação da Costanera Sul (uma antiga e bela alameda

no início do século XX

do início do século XX) com o rio. O projeto foi abandonado e nos terrenos preenchidos

4 Uma das docas de tijolos

cresceram espécies da flora nativa e reproduziu-se parte da fauna que era caracterís-

com as gruas, como elementos decorativos

tica dos bancos do Prata. A chamada Reserva Ecológica é hoje um terreno de 350 hectares, considerado por ativistas ambientais quase um santuário natural. O fracasso da Expansão Central, além de questões políticas, foi ter sido concebido como uma grande obra pública. Isso significava o risco de empreender uma obra faraônica, com a opinião pública contrária, julgando que era um investimento enorme que beneficiaria a poucos. Nesse contexto, a estratégia principal apresentada às autoridades da Corporação Antigo Puerto Madero Sociedade Anônima era demonstrar que o projeto não precisaria de financiamento público, mas que poderia autofinancianciar-se e também fornecer recursos para a cidade. Toda a infraestrutura necessária a Puerto Madero teve que ser financiada com a venda da terra, único recurso da Corporação. Mas, para gerar movimento econômico na cidade, a oportunidade estratégica era atrair investimentos privados no Centro.

O problema do centro No início dos anos 1990, a subdivisão de terrenos do Centro portenho tornava impossível construir grandes edifícios de última geração. A única maneira de fazer isso foi pelo conglomerado de terrenos: devido à origem colonial espanhola de Buenos Aires, isso implicava unir vários terrenos estreitos, com meros 8,66 metros de frente.

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3 Foto histórica da Orla Sul

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Além disso, devido à dispersão dos bens imobiliários em Buenos Aires, essa operação exigia negociar com vários proprietários. Puerto Madero estava situado no lado leste do centro de Buenos Aires, colado aos bairros históricos da cidade. Foi uma oportunidade única para construir uma área de edifícios de última geração em um momento em que o recém-adotado neoliberalismo prometia um excelente clima para negócios. Mas o problema era convencer os investidores a voltar a investir no centro, num momento em que a lógica era fugir com os investimentos para a periferia da cidade, em que começava a se desenvolver o conceito de escritórios baixos, rodeados por áreas verdes. As torres no centro começaram a ser vistas como uma coisa do passado. Convencidos de que o projeto devia ter uma forma urbana tradicional e regras que, por um lado, garantissem o investimento (ou seja: rentabilidade) e um cativante tecido urbano, por outro lado, o primeiro passo dado pela Corporação foi contratar especialistas para projetar essa parte da cidade. Em 1991, um projeto encomendado a profissionais catalães foi concluído. A iniciativa propôs e manteve a reciclagem de 15 galpões de pedra no lado oeste do porto, para atividades comerciais, recreativas e culturais. Ali estava prevista a instalação de hotéis, restaurantes e cafés. Os quatro espelhos de água dos diques foram mantidos. Três deles eram destinados às marinas de esportes, com capacidade para mais de duas mil amarrações. O Dique 3 era reservado para ancoragem de navios históricos da Marinha argentina, que serviriam como museus e atração turística. O projeto previa uma faixa de uso terciário que corria ao longo dos diques, em seu lado leste, em frente aos armazéns construídos. Ali se poderiam construir torres de até 60 metros de altura, para escritórios, lojas e serviços. Paralela a esse setor,

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estabeleceu-se uma área de forma triangular com a base no lado sul do porto, na qual se poderiam desenvolver edifícios residenciais de capacidade média e altura baixa. Na extremidade mais próxima ao rio, os catalães imaginaram usos residenciais de alta densidade com edificação compacta e duas torres gêmeas de até 80 metros de altura. Em cada lote foi permitida uma capacidade máxima de edificação, para não superpovoar a área com edifícios de grande porte. Considerava-se que ambas as áreas residenciais poderiam acomodar cerca de 50 mil pessoas. No que diz respeito às áreas verdes, o projeto estabelecia que o passeio marítimo do sul poderia ser ampliado em até 160 metros, que seriam restaurados como tal, se fosse decidido formar um canal entre ele e a Reserva Ecológica, uma vez que, naquela época, essas duas áreas foram unidas por preenhimentos realizados durante o tempo em que permaneceu em vigor o pro-

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jeto Expansão Central. As críticas dos especialistas não tardaram a chegar. A principal oposição se referia à alta densidade que sugeriam os catalães e à falta de seleção pública de projetos preliminares. Uma oposição feroz levou à rejeição do projeto inicial e à redução à metade de metros quadrados edificáveis. Nesse contexto, a principal transferência de conhecimento produzida pela intervenção catalã foi sua experiência internacional. Os especialistas estrangeiros sistematizaram e analisaram outros casos de desenvolvimento urbano de portos similares ou totalmento opostos à experiência argentina. Na Argentina, por exemplo, as experiências norte-americanas eram muito pouco conhecidas; a análise do Battery Park, em Manhattan, projetado pelo arquiteto argentino César Pelli, foi muito importante para que as autoridades de Puerto Madero soubessem o que tinha que ser feito ou não. O estudo de Canary Wharf em Londres, por exemplo, permitiu gerar um relatório do que poderia falhar em um desenvolvimento desse tipo.

Política de alianças e projeto final Com o projeto dos catalães como “primeira viabilidade”, as negociações que foram estabelecidas com a Sociedade Central de Arquitetos para fazer uma seleção adquiriram uma conotação mais racional. Pela primeira vez, a associação profissional concordou com uma competição preliminar para identificar três vencedores e com a proposta de que os membros das equipes vencedoras se tornariam parte de uma agência de projeto, juntamente com os especialistas da Corporação. Essa foi a primeira aliança que o projeto de Puerto Madero conseguiu concretizar. A Sociedade Central de Arquitetos é uma instituição de prestígio, que sempre

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5 Puerto Madero visto

da Reserva Ecológica


promoveu concursos de arquitetura como uma ferramenta para orientar investimentos públicos. Depois de sua forte oposição à maneira como se queria desenvolver Puerto Madero e das críticas ao plano desenvolvido pelos profissionais catalães, sob a batuta de Jordi Borja (político e geógrafo catalão que teve participação ativa nas políticas urbanas de Barcelona), o acordo foi uma vitória para cimentar o consenso. As críticas tinham se concentrado na alta densidade proposta pelo projeto catalão e na falta de transparência para a concessão de sua realização. Contudo, ao concordar com a estratégia da Sociedade Central, pavimentavam-se as possibilidades do concurso. Nas negociações, a Corporação conseguiu separar do concurso a faixa que incluía os galpões de pedra no lado oeste do Porto. Seus administradores estavam convencidos de que convocar uma seleção nacional de projetos e atrasar o início do trabalho complicaria a credibilidade da iniciativa inteira. As autoridades da Corporação sabiam que as possibilidades do projeto residiam na rapidez com que se demonstrassem seus benefícios. E acreditavam que interromper todo o empreendimento para realizar o concurso daria razão aos incrédulos. O Concurso Nacional de Ideias para Puerto Madero foi organizado pela Prefeitura da cidade de Buenos Aires e pela Sociedade Central de Arquitetos. Participaram mais de cem escritórios de arquitetura do país. A Corporação Antigo Puerto Madero, como cliente, assinou o acordo que resultou no Concurso Nacional de Puerto Madero. Assim, obteve o apoio de entidades profissionais para a urbanização de Puerto Madero e a reciclagem de velhos depósitos de grãos. As bases do concurso determinaram a reconversão da área, para resgatá-la de seu abandono, de forma a contribuir para equilibrar os deficits urbanos do centro da cidade. Foi definida uma ocupação máxima de um milhão e meio de metros quadrados, a mais baixa já projetada em planos urbanos (metade dos quais previstos no projeto catalão), além de grandes áreas de espaços verdes e de livre acesso ao rio, uma aspiração que na verdade nunca se concretizou. Não seria uma simples expansão do centro, mas também levaria ao uso residencial, ao terciário e ao crescimento do comércio. A presença dos espelhos de água, os diques e os espaços verdes determinaram o planejamento de atividades recreativas, culturais e desportivas. Estabeleceu-se a necessidade de preservar os armazéns, devido ao importante valor patrimonial. O plano consistia basicamente de uma faixa de edifícios localizados entre as docas e os grandes parques que dão para o rio. As avenidas, desenhadas em correspondência com os eixos de acesso à área, ligavam toda a zona ao resto da cidade. Na margem dos espelhos d’água, o projeto propunha um edifício baixo com uma variedade de usos, que contribuiria com equipamentos e vida ao passeio público. Estabelecia a construção de praças abertas para a linha do píer, em correspondência com cada um dos diques. Os edifícios existentes, sujeitos a preservação por seu valor patrimonial, se incorporavam ao novo traçado, podendo ser reciclados dentro de sua estrutura. As torres planejadas no novo projeto enquadravam o eixo da Avenida de Mayo e estabeleciam o limite da nova frente urbana sobre o rio.

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Título do mapa

reserva ecológica

dique 4

dique 3

dique 2

dique 1

título legenda

1 2 3

Plaza de Mayo Casa Rosada (sede do Governo Nacional) Plaza Cristóbal Colón

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Dársena Norte Puente de la Mujer Dársena Sur

fonte: Corporación Antiguo Puerto Madero

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Parque Mujeres Argentinas Parque Micaela Bastidas Isla Demarchi

bl bm bn

Costanera Sur Laguna de los Coipos Río de la Plata


Como criar valor Apesar de hoje parecer inacreditável, o fato é que, no início, o projeto de Puerto Madero enfrentou críticas implacáveis, e muitos esforços para dar credibilidade às possibilidades urbanas do porto antigo foram frustrantes. Por exemplo, para o aniversário de 400 anos da descoberta da América, foi organizada uma megaamostra chamada “América 92”. A ideia era que as pessoas visitassem Puerto Madero, para que os empresários começassem a pensar que talvez houvesse ali uma oportunidade de negócio. E para que a opinião pública não continuasse cética nem se opusesse tão fortemente. Nesse contexto, Puerto Madero teve de enfrentar um desafio extra: dar valor a 170 hectares marginais de Buenos Aires que não tinham preço determinado. Além disso, a Corporação Antigo Puerto Madero deveria obter recursos para construir a infraestrutura urbana, exigindo o lado leste dos diques. Experiências estrangeiras, como a reciclagem do Porto de Barcelona, na Espanha, aconselhavam a aumentar o prestígio da área para valorizar os terrenos, mesmo fora da área do empreendimento. Em meados de 1991, foram adjudicados oito edifícios do lado oeste dos diques 3 e 4, localizados no extremo norte, entre as avenidas Belgrano e Córdoba. A estratégia baseou-se em vender primeiro os galpões mais atraentes, que ficavam a poucos passos do centro da cidade. O resultado foi avassalador: a doca da esquina da Avenida Córdoba e Alicia Moreau de Justo foi vendida por cerca de US$6 milhões. Mas os preços caíram em até 50% no eixo norte-sul, nas imediações da Rua Peron. Para aumentar o valor da zona sul, a Corporação decidiu conceder os galpões do Dique 2 à Universidade Católica, para que construísse seu centro universitário. O preço foi de cerca de US$2 milhões por doca. Ao mesmo tempo, organizaram-se eventos culturais para trazer o público para as novas áreas. Em pouco tempo, um lugar quase proibido começou a ser conhecido e comentado pela população. O desafio final foi a venda de lotes no lado leste, quando ainda não existiam nem ruas. O concurso foi organizado com base num sistema de projeto e preços, em que o destino das construções recebeu uma classificação extra. Isto permitiu manipular a localização de cada edifício para beneficiar o desenvolvimento harmonioso da região. Que a venda de docas foi um negócio bem-sucedido não é novidade. A área despontou em 1993 como centro gastronômico e, embora nos últimos meses de 1999 tenha deixado de ser um grande negócio — devido à abertura de mais de cinquenta restaurantes, o que levou à saturação do mercado —, ressurgiu com força em 2000, superou a crise de 2001 e foi se consolidando na última década. Assim como, no início da década de 90, poucos confiavam no sucesso imobiliário de Puerto Madero, pouco a pouco a realidade foi convencendo a todos. No início, foram vendidas docas a menos de US$1 mil o metro quadrado, e logo passaram a valer o dobro ou o triplo. Em 1999, já haviam sido vendidos 150 dos 170 hectares do empreendimento. Os galpões em frente às docas, de 20 mil metros quadrados cobertos, foram vendidos a um preço médio de 2,5 milhões de pesos. Além do setor imobiliário, que movimentou bilhões de dólares, Puerto Madero se tornou o principal centro de atração de investimentos e turismo.

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Entre 2002 e 2010, o preço médio do metro quadrado em Puerto Madero passou de US$1,300 a US$4,200, de acordo com uma pesquisa realizada pela consultoria Reporte Inmobiliario. O melhor exemplo é o complexo lançado no Dique 3, formado pelo Alvear Hotel & Residences e pela Alvear Tower, onde o m2 já custa 7.000 dólares. Nos demais edifícios de luxo que estão sendo construídos ou recém-terminados, como Madero Harbour, Zencity, ArtMaría, El Aleph, Lumière, Torre Renoir e St. Regis, o valor médio parte de, aproximadamente, US$4,700 o m2.

6 Faena Hotel + Universe,

projeto de Philippe Stark sobre um edifício histórico 7 Vista aérea do

Parque Micaela Bastidas 8 Vista da Torre Repsol YPF,

desde os diques 9 Museu Colección Fortabat

As razões para o sucesso A continuidade foi a circunstância mais positiva que beneficiou o desenvolvimento de Puerto Madero, pois, além das qualidades do projeto, o fato de que a tendência não foi interrompida foi chave para o sucesso de uma iniciativa que exigiria, naturalmente, muito tempo. Mas, enquanto as autoridades impulsionavam Puerto Madero, também realizavam outras políticas urbanas que não tiveram a mesma continuidade, como a transferência de propriedade da terra para os habitantes de favelas, ou a reforma dos clássicos cortiços de Buenos Aires, ou a renovação patrimonial dos edifícios da Avenida de Mayo. Qual a razão para o sucesso de uma iniciativa e não de outras? Pode-se dizer que os empresários e moradores da cidade não reinvidicaram suficientemente a recuperação do patrimônio da Avenida de Mayo. Ou que o movimento dos habitantes das moradias era fraco dentro do eleitorado da capital, para defender um plano que os beneficiasse. Esses dois casos, em contraste com o que aconteceu em Puerto Madero, mostram que a ligação entre determinadas políticas e um setor social que as reivindique como suas e esteja disposto a defendê-las é a chave para o sucesso.

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O que salvou Puerto Madero foram os investidores mais ricos da cidade, que viram o empreendimento como seu e não desistiram a cada mudança de administração. 8

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O que salvou Puerto Madero foram os investidores mais ricos da cidade, que viram o empreendimento como seu e não desistiram a cada mudança de administração. É claro que a construção de um projeto não depende apenas do Estado para definir suas políticas e seus orçamentos: deve estabelecer acordos com as partes interessadas, que levem essas políticas a fundo e as reinvindiquem perante vários governos. Por que não crescem tão vigorosamente outros empreendimentos urbanos em Buenos Aires? A experiência de Puerto Madero encorajou a criação de outros empreendimentos como o Projeto Retiro ou a Corporação Sul, mas a diferença entre eles é o modelo de gestão. Mesmo com um estoque de terrenos, não há um organismo autônomo que lidere o projeto. A Corporação Antigo Puerto Madero tornou-se uma ferramenta eficaz, porque o Estado transferiu terras em um único ato administrativo, a sociedade desenvolveu-as e o projeto deu frutos. Todos com uma lógica comercial. Sem o Estado, nada disto teria sido possível: para realizar leilão de terras públicas, cada transferência de domínio teria requerido vinte assinaturas de diferentes funcionários e autoridades, o que na prática é impossível.

Os riscos da cidade segmentada Puerto Madero é um exemplo de sucesso de desenvolvimento urbano no contexto de uma globalização econômica e cultural sem precedentes. Nessa força reside sua principal fraqueza. Aos olhos de um habitante de Buenos Aires e de um estrangeiro, essa nova parte da cidade tem todos os ingredientes que a tornam fascinante: patrimônio imobiliário de um passado idealizado, edifícios modernos e sofisticados, grandes espaços verdes, calçadas e ruas largas, amplas e limpas. Se a esse contexto físico se somam a pequena quantidade de moradores e seu estrato do segmento mais alto da pirâmide socioeconômica, a mistura dá uma exclusividade que se repete em todas as partes. A fraca ligação desse desenvolvimento com o resto da cidade (conectado por quatro pontes viárias e uma de pedestres) enfatizou seu isolamento social e simbólico. O risco que Puerto Madero representa para o desenvolvimento de Buenos Aires está em tornar-se o extremo de uma segregação cultural e socioeconômica já vista em outra parte do conglomerado urbano de Buenos Aires. Historicamente, a cidade do Pampa argentino, especialmente Buenos Aires, ofereceu uma escala de inclusão que permitiu compartilhar seu espaço físico com diferentes classes sociais. O sonho da grande classe média argentina repousava sobre o mito da “igualdade de oportunidades” como uma ferramenta de mobilidade social. Neste contexto, a educação pública, a praça e a rua funcionavam como equalizadores sociais, equalizadores da diferença cultural e econômica. Puerto Madero oferece um retrato fascinante, uma solução ilusória que exclui os conflitos urbanos para se oferecer como uma utopia, mas o perigo é supor que Puerto Madero seja a maneira de resolver os desafios da cidade do século XXI, uma missão para a qual esse tipo de planejamento está longe de funcionar.

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Referências bibliográficas Diccionario de Arquitectura en la Argentina. AGEA, 2004. MONGIN, Oliver. La condición urbana. Editorial Paidos, 2006. SASSEN, Saskia. La ciudad global. Universidad de Buenos Aires, 1999. Grandes proyectos urbanos. Editorial Café de las Ciudades, 2012. Puerto Madero, inician el reciclaje. El Cronista, 3.6.1992. El polémico proyecto de Puerto Madero. El Cronista, 17.10.1990. Puerto Madero otra vez levanta olas. La Nación, 10.10.1992. Puerto Madero: A 100 años de la inauguración del Dique. La Razón, 3.4.1992. Qué hay tras la urbanización portuaria. La Prensa, 23.5.1990. El polémico proyecto de Puerto Madero. El Cronista, 17.10.1990. Puerto Madero recuperará una zona ahora descapitalizada. El Cronista, 4.12.1989. Viviendas desocupadas en Puerto Madero. BAE, 25.07.2009. Poner en marcha el proyecto de Puerto Madero. El Cronista, 21.11.1989. Demolerán galpones de Puerto Madero. La Nación, 4.7.1990. Nuevo Madero. Clarín, 21.8.2008. Ya no quedan terrenos en Puerto Madero. Ambito Financiero, 16.11.2006. Pusieron en venta los últimos metros cuadrados de Puerto Madero. Perfil, 25.9.2011. Puerto Madero, el barrio más nuevo. Clarín, 7.8.2006. Demoran la privatización de Puerto Madero. Clarín, 2.6.1997. La zona que más seduce a los inversores extranjeros. El Cronista, 11.7.2005. Los desarrolladores pelean los últimos terrenos. El Cronista, 11.7.2005. Radiografía de un barrio exclusivo. Clarín, Suplemento de Arquitectura, 22.12.2009. Entrevista a Alfredo Garay, gestor de la iniciativa de Puerto Madero y director de la Corporación antiguo Puerto Madero S.A. Puerto Madero, quedan 4.000 m2 sin dueño. Perfil, 11.10.2008. Puerto Madero, llegó la crisis. Clarín, 27.6.2009. Puerto Madero tiene menos habitantes de lo esperado. Clarín, 12.5.2002. Se duplicó la construcción en Puerto Madero. Clarín, 23.1.2006. Estudian cómo extender Puerto Madero. Clarín, 1.12.2002. Franca oposición de los arquitectos. Comunicado de la Sociedad Central de Arquitectos, 19.9.1990.

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Lições aprendidas com a implantação do Puerto Madero


Lições aprendidas com a implantação do Puerto Madero

Alfredo Garay Formado na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Nacional de Buenos Aires, e Mestre em Urbanismo e Ordenamento Territorial na Universidade Livre de Bruxelas, foi Secretário de Urbanismo e Habitação da Província de BsAs, Subsecretário de Planejamento do Governo da Cidade Autônoma de BsAs e membro do Diretório da Corporação Antiguo Puerto Madero S.A. Pelo BID, está formulando linhas estratégicas para a área metropolitana de BsAs e, junto ao Instituto Lincoln, desenvolve pesquisa sobre a experiência de Puerto Madero. Atualmente, é vice-presidente da Fundação Metropolitana.

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Da experiência de Puerto Madero pudemos aprender importantes lições em relação às modalidades de gestão, envolvidas com esse tipo de operação urbana. Primeiro, cumpre aprofundar a análise daqueles aspectos que diferenciam a gestão público-privada, que foi a que empreendemos, da gestão de uma empresa estritamente privada. Interessa-nos analisar as razões que levaram o Estado a intervir, desse modo, na evolução do mercado imobiliário, verificando até que ponto essa forma particular de intervenção pode ser entendida como uma defesa do interesse público. Remeto aqui aos resultados de uma pesquisa que desenvolvi em 2011, solicitada pelo Lincoln Institute of Land Policy, interessado ​​em estudar os efeitos de grandes projetos urbanos. O caso de Puerto Madero mostra que a implementação de projetos urbanos pode ser uma ferramenta útil para corrigir desequilíbrios, ineficiências ou efeitos indesejáveis ​​do comportamento do mercado. Tal experiência nos adverte sobre a conveniência da intervenção do poder público como organizador das ações de investidores privados e para assegurar o cumprimento das

O caso de Puerto Madero mostra que a implementação de projetos urbanos pode ser uma ferramenta útil para corrigir desequilíbrios, ineficiências ou efeitos indesejáveis ​​ do comportamento do mercado.

regras que foram acordadas. A viabilidade e a conveniência de estimular a participação simultânea de investidores de diferentes portes constituem-se em uma oportunidade para reforçar a independência do Estado, sob a pressão de grandes investidores. É preciso também assinalar a importância da liderança de políticos, para assegurar a continuidade dessas decisões por períodos prolongados, demonstrando a possibilidade de associar diferentes classes (ou jurisdições) do Estado em um projeto comum, superando as contradições e os confrontos que, muitas vezes, impedem a realização desse tipo de projetos. A experiência Puerto Madero demonstra, também, a conveniência de se levar em conta o valor dos terrenos públicos, o que aumenta a capacidade de ação do Estado, para desencadear um processo de transformação de maior profundidade. A ideia de que um projeto pode ser o detonador de outros processos está, neste caso, confirmada. No entanto, cabe ressaltar que os processos desencadeados podem incluir efeitos negativos. A valorização excessiva dos terrenos é capaz, por exemplo, de induzir a processos de exclusão ou substituição da população (gentrificação), distorcendo o cotidiano de uma cidade democrática. É importante que o projeto, desde a sua concepção, considere esses riscos e implemente medidas para corrigi-los. A partir dessa perspectiva, pode-se concluir que a implementação desses projetos traz grandes melhorias para o funcionamento de uma cidade, mas que esses benefícios não podem ser contabilizados apenas em termos de receita. É importante explicar a rentabilidade social de um projeto, em que medida contribui para a melhoria da qualidade ambiental e urbana da área de intervenção e de seu entorno. A análise do caso consolida o interesse em mobilizar ativos do Estado, para estimular a atividade econômica e o mercado de trabalho, mostrando que é possível produzir terrenos, ao incorporar áreas verdes e promover a melhoria da qualidade do espaço público.

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Lições aprendidas com a implantação do Puerto Madero


Do ponto de vista do desenvolvimento da disciplina (planejamento urbano), esta experiência permitiu o uso de novas ferramentas para superar as limitações dos instrumentos tradicionais (obras públicas, códigos, créditos fiscais, etc.). Pode-se concluir que o exemplo ilustra que, para resolver problemas complexos, faz-se necessário implementar propostas complexas, novas formas de vinculação da sociedade e do Estado, que permitam às políticas públicas tomar a iniciativa, propor e organizar linhas de trabalho e promover a realização de intervenções cuja proporção não poderia nunca ser alcançada, se dependesse exclusivamente de recursos próprios.

Características do projeto Frequentemente visitantes da cidade de Buenos Aires, que levamos para conhecer o local, nos perguntam como foi possível a realização de uma intervenção dessa envergadura em um país emergente, com um projeto que durante os vinte anos de seu desenvolvimento passou por profundas crises (econômicas e institucionais). Também é surpreendente por se tratar de um empreendimento que articula de modo especial o interesse público e o investimento privado, construindo uma empresa estatal, numa época em que as políticas públicas tendem a privatizar empresas estatais. O projeto de Puerto Madero foi concebido no final dos anos 80, como parte de uma estratégia destinada a reverter o processo de deterioração em que se encontrava o centro da cidade. As experiências de outras cidades da América Latina (São Paulo, Santiago, México e Bogotá) alertavam sobre o deslocamento dos usos centrais para uma nova centralidade. Na maioria dos casos, o deslocamento da centralidade desencadeou processos de deterioração difíceis de reverter: a desvalorização de certas áreas e a substituição de atividades de prestígio por outras de menor valor, a transformação de edifícios antigos em habitações de condições precárias e a diminuição do controle social sobre o espaço público. Para corrigir essa tendência, era necessário demonstrar a possibilidade de se reciclar áreas e edifícios, para atender novas funções e criar projetos em que fosse possível a coexistência entre um patrimônio pretérito valioso e o novo, em um espaço onde ambos pudessem ser melhorados. A partir dessa perspectiva, enunciada pelo prefeito da cidade no programa de governo sustentado durante sua campanha eleitoral, implementamos simultaneamente vários trabalhos no centro da cidade. Essas linhas de trabalho foram dedicadas à valorização do centro patrimonial antigo (edifícios, espaços públicos), à revisão das normas de proteção e à implementação de políticas sociais (habitação, emprego), para estimular a permanência dos atuais habitantes da área central da cidade. Uma quarta linha de trabalho propôs recuperar os prédios do antigo porto, oferecendo uma área onde se pudessem construir edifícios de última geração, sem implicar a demolição de edifícios existentes. Tratava-se de incorporar uma nova peça urbana, 1 legenda da foto de abertura

[p. 140]

como expansão do centro tradicional, destacando a infraestrutura de transporte rodoviário e convergindo para o centro antigo.

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Puerto Madero em relação ao centro da cidade Puerto Madero Microcentro Centro

fonte: Subsecretaria de Planejamento, Ministério do Desenvolvimento Urbano, Governo da Cidade de Buenos Aires

Com base nesses critérios foram propostos cinco objetivos:

• Fortalecimento da centralidade e compensação das consequências do surgimento de novos centros;

• • • •

Valorização da infraestrutura de transporte existente (metrô); Repovoamento do centro com novos residentes (uso misto); Recuperação da relação com o Rio de La Plata e a relação com a costa; Aumento das áreas verdes no setor central.

O terreno de Puerto Madero tem 160 hectares e está localizado em uma área adjacente à administração do setor financeiro da capital (a duzentos metros da Casa de Governo). Faz-se importante considerar que constitui o núcleo central de um conjunto de 46 municípios, com uma população de 13 milhões de habitantes (33% da população da Argentina), onde se produz 46% do produto nacional bruto. Apesar de sua localização, é uma região extremamente valiosa, tendo estado, no entanto, logísticamente negligenciada e abandonada por mais de 70 anos, o que induziu à deterioração, especialmente em torno do centro da cidade. O terreno pertencia à Administração Geral de Portos (AGP), uma agência federal que, ao longo do tempo, disputou com a cidade a soberania legal sobre a área. É importante observar essa primeira circunstância, que tem sido recorrente na maioria

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Lições aprendidas com a implantação do Puerto Madero


dos projetos desenvolvidos nos waterfronts, como no caso de Battery Park (Nova York), Londres, Barcelona, Marselha ​​ e Gênova, onde a autoridade portuária foi a protagonista da urbanização, e em alguns casos, como em Londres, chegou a aplicar regulamentos urbanísticos opostos ao planejamento estabelecido pela prefeitura da cidade. No final dos anos 80, a atividade portuária também atravessou uma profunda crise. Os portos estatais haviam perdido dinâmica e competitividade, mergulhados em profundos processos de descapitalização. Além do mais, o antigo porto havia perdido a operacionalidade e foi usado como uma área de apoio, onde se desenvolviam atividades complementares. O conflito de interesses entre o Município e a Autoridade Portuária foi assumido pelo Governo Nacional, por meio de um decreto presidencial1 que transferiu a posse da terra para uma Sociedade que associava interesses da nação com os da cidade. Operacionalmente, o projeto foi implementado a partir da criação de uma Sociedade Anônima, a Corporación Antiguo Puerto Madero (CAPM), propriedade, em partes iguais, do Estado Nacional e da Municipalidade de Buenos Aires, colocando sob a responsabilidade de um diretório de seis membros a urbanização dos 170 hectares. A conformação dos ativos da Sociedade determinou que o Governo cedesse o terreno (avaliado em US$60 milhões), em troca de 50% das ações dela, e a Prefeitura da Cidade entraria com seu Plano Mestre, reponsabilizando-se pelo “conhecimento especializado” da operação e a capacidade de valorização do terreno, segundo o que permitia a normativa urbana. Note-se que, para desenvolver esse projeto, não era necessária uma mudança na norma, porque ele se ajustava a todas as restrições legais estabelecidas. A iniciativa tinha sido da Municipalidade, que apresentou ao presidente da República uma proposta com os parâmetros básicos que definiam a viabilidade do projeto. Evidentemente, aquela síntese não poderia cobrir todas as complexidades envolvidas na proposta. Podemos ainda considerar que, para iniciar uma operação desse tipo, uma hipótese forte pode ser suficiente, sabendo-se que ela experimentará todo tipo de ajustes, ao longo do processo de implementação. Podemos, portanto, observar, como primeiro passo, a clareza do conceito, com o que se dá início a uma operação que deve conseguir expressar a vontade dos participantes. O conceito e a expressão concisa do que o projeto pretende alcançar deve ser, também, flexível o suficiente para incorporar os pontos de vista e interesses dos novos participantes, que podem ir somando-se à proposta. O seu desenvolvimento tem de prestar contas para o conjunto de possibilidades e limitações dessa iniciativa, incluindo a sua rentabilidade, os efeitos urbanos e o impacto político, o que significa que aqueles que têm poder de decisão analisarão o conteúdo da proposta a partir de lógicas diferentes.

1 No contexto de uma profunda crise econômica, a Câmara dos Deputados aprovou duas leis (de emergência

econômica e de reforma do Estado), que autorizavam o Executivo a dispôr de uma parte das propriedades privadas do Estado (aquelas declaradas desnecessárias) para financiar o seu deficit.

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Para os potenciais investidores, dominará a análise feita em termos de rentabilidade. Para os moradores (e a opinião pública, em geral), prevalecerá a relação dos benefícios para a cidade e sua contribuição para a melhoria das condições de vida de seus habitantes. Os chefes de governo e outros representantes políticos analisarão se a iniciativa soluciona alguns dos problemas que os preocupam, avaliarão os conflitos que sua implementação possa desencadear, medirão as relações de poder pela pressão aplicada e avaliarão se, em decorrência dessa transformação, irão melhorar sua credibilidade junto à opinião pública. Todos os prefeitos esperam ser lembrados por alguma grande ação, mas raramente têm a oportunidade de realizar algo memorável. Seu desafio será relacionado à sua audácia, sua intuição ou experiência, à sagacidade pela qual avalie os custos e benefícios, mas, principalmente, à intensidade com que outros participantes (decisores políticos, empresários ou vizinhos) apoiem ou se oponham à sua iniciativa. Por todas estas considerações, o desenvolvimento da primeira proposta é de importância central. Deve estar explicado, claramente, o conceito da intervenção, devem estar analisados os números que a justifiquem (benefícios econômicos e sociais) e deve-se, também, propor uma imagem, facilmente compreensível para a sociedade, que explique e represente o tipo de empreendimento que vai acontecer naquele local. Voltando a Puerto Madero, a notícia da criação da Corporação encontrou uma sociedade que nunca tinha visto o desenvolvimento de uma operação dessa natureza nem com tamanha dimensão. Considerando que seria uma enorme obra pública, a maioria se mostrava descrente de que o Estado fosse capaz de gerir uma intervenção assim.

O que acontecia naquela época, o que aconteceu depois Fazendo jus à história, é importante lembrar que o projeto foi criado em um momento de crise e que o seu principal interesse era impulsionar a indústria da construção, como geradora de empregos. Ao final dos anos 80, no contexto da hiperinflação, foram construídos na cidade menos de 1,5 milhões de metros quadrados por ano (quando a média, nos “bons anos”, tinha sido o dobro). Diversos autores relacionam essas transformações com o processo de globalização e a implantação do capital financeiro, buscando áreas de oportunidade. Observando o desenvolvimento do projeto, podemos constatar que houve, de fato, uma ligação entre os dois processos, o que permitiu a alguns operadores locais canalizarem recursos do mercado financeiro internacional (baixa taxa de juros), para investir em projetos imobiliários (taxas muito altas). As políticas econômicas implementadas durante essa década (conversibilidade) estimularam esse tipo de transação que, na medida em que avançava o alinhamento do país, dentro do consenso de Washington, estabeleceram um quadro inicial que delineou as condições às quais o projeto deveria ser ajustado. Este processo deslocou a hegemonia das empresas de construção no mercado imobiliário, para dar lugar a um novo tipo de negócio (desenvolvimento imobiliário), relacionado à atividade financeira.

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Lições aprendidas com a implantação do Puerto Madero


É interessante notar que, após a crise de 2002, no contexto de outras condições bastante diferentes, onde o Estado retomou as rédeas do rumo econômico, a indústria da construção civil retomou um bom nível de atividade, favorecendo a construção da maior parte dos metros quadrados previstos pelo projeto. Podemos notar que, a médio e longo prazo (20 anos), que é o tempo que leva a implementação desse tipo de projeto, a produção da cidade se adaptou às condições impostas. No entanto, neste caso, constatamos que, durante a primeira fase, efetuou-se a venda da maior parte da terra e, na segunda, a construção da maior parte dos metros quadrados. A partir dessa perspectiva, seria absurdo negar que o caso de Puerto Madero foi marcado pelo efeito das políticas neoliberais implementadas na Argentina na década de 90, o que não quer dizer que as características do contexto invalidem a possibilidade de utilizar esses mesmos instrumentos, no contexto de outras condições macroeconômicas. Ao analisar as cidades latino-americanas, é difícil demonstrar que a globalização se expressa de maneira uniforme. Na maioria das nossas cidades, têm-se incentivado o desenvolvimento suburbano e a transferência das atividades centrais para novos centros. Para alguns autores, a reabilitação de alguns centros e o consequente processo de gentrificação também são uma expressão dessas tendências globais. Contemplados a partir dos interesses de uma cidade, os processos de deterioração das áreas centrais têm graves consequências para o seu desenvolvimento. O enfraquecimento da centralidade leva à deterioração física e social desses ambientes, representando uma perda de patrimônio histórico da cidade e das condições de vida daqueles que a habitam. Isso significa uma perda real de utilidade das infraestruturas construídas, com muito esforço, pela cidade, e também uma perda no imaginário coletivo da cidade, com impacto negativo na identidade e na autoestima. Igualmente se verificou que a reabilitação dos centros históricos (Quito, Montevidéu, Santiago) não tem sido, geralmente, o resultado da ação do mercado, mas sim a implementação de políticas governamentais que precisam ser mantidas por longos períodos e que, apesar de seus esforços, enfrentam dificuldades para reverter esses processos de descapitalização. A experiência internacional mostra que a manutenção de funções hierárquicas em um antigo centro cria melhores condições para o desenvolvimento da estrutura urbana, do meio ambiente e da vida cotidiana de seus habitantes. Também se verificou que a consolidação da centralidade induz a processos socialmente mais inclusivos e economicamente mais eficientes. A partir desta perspectiva, cabe avaliar se as políticas públicas podem influenciar o comportamento dessas tendências, utilizando instrumentos ou estabelecendo mecanismos que revertam os processos de expansão das periferias e de deterioração dos centros urbanos. Embora possa ser verdade que as tendências macroeconômicas favorecem o desenvolvimento dessas novas tendências, também é verdade que é preferível para a cidade manter o funcionamento dos antigos centros e que, nessa opção, é lógico que os governos estruturem a política urbana, promovendo a sua recuperação.

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A comparação do tipo de urbanização de Puerto Madero com outros grandes empreendimentos privados desenvolvidos na mesma época na periferia urbana de Buenos Aires (Nordelta, Abril ou Santa María del Plata) indicam até que ponto as modalidades de gestão e regulamentos afetam os resultados. Isso não impede que se reproduzam as assimetrias que caracterizam as sociedades capitalistas, mas é bastante evidente que o tecido urbano que reproduz as características dos antigos centros (espaços públicos abertos, diversidade de usuários e funções) é o mais propício para manter os padrões de convivência que aspiramos alcançar, no contexto de uma sociedade democrática. Caracterizar este quadro geral é importante, porque existem vários autores que, ao analisar o caso, pedem que o projeto urbano responda a todas as dimensões problemáticas da sociedade. A autonomia relativa que assume um projeto sobre mudanças nas condições de contexto é uma condição fundamental para analisar a eficácia dessas ferramentas e sua capacidade de serem replicadas em outros contextos. Este projeto tem a particularidade de ter sido feito por uma empresa pública, num momento em que a maioria das políticas estaduais desmoronava, de ter financiado o seu desenvolvimento, sem afetar recursos orçamentários ou comprometer créditos. Neste caso, o Estado manteve o controle acionário até o final, desenvolvendo a totalidade das obras com as quais havia se comprometido e apresenta condições de transferir os lucros para as duas jurisdições que formam a empresa.

Modelo de gestão No início da operação, a hipótese de trabalho assumida por seus líderes era criar uma empresa estatal, para garantir o cumprimento dos objetivos políticos e urbanísticos do projeto. Entre os objetivos de curto prazo, destacava-se a necessidade de pôr em marcha o sistema de produção que reverteria a recessão econômica que tinha paralisado os últimos anos do governo do presidente Alfonsín (1983-1989). Esta abordagem buscou reverter o fracasso recorrente de planos e projetos que não saíam do papel, por não terem utilizado as ferramentas adequadas para garantir sua execução. Ao comparar experiências, reforçou-se a hipótese da Corporação como produtora e comercializadora de terras, o que, apesar de delinear bem claramente seu campo de atuação, tornava-o muito mais específico. Partindo desse pressuposto, os gerentes do projeto foram capazes de definir por onde começar a vender as terras, priorizar áreas que não eram as de melhor localização, promover o desenvolvimento de partes mais atraentes do programa (aquelas com maior demanda) nas propriedades, que induzissem o melhoramento de áreas deterioradas (a zona sul do projeto), e definir prazos para a realização das construções, evitando que investidores especuladores se aproximassem das terras que manteriam desocupadas. Como produtora de terrenos urbanos, a Corporação assumiu o compromisso de construir infraestrutura em tempo hábil, com base em cuidadoso cronograma de fluxo de caixa, para garantir o financiamento das obras. Deveria conseguir conquistar a

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Lições aprendidas com a implantação do Puerto Madero


credibilidade de futuros investidores, para que confiassem no fato de que a Corporação investiria os adiantamentos das primeiras vendas, para financiar a construção de infraestrutura. O desenvolvimento de estudos de viabilidade não tratou, portanto, de investigar se haveria ou não na cidade demanda por apartamentos ou escritórios, mas sim se havia construtoras potenciais dispostas a comprar uma propriedade, onde construiriam um edifício (com diferentes finalidades). A realidade mostrou que os edifícios construídos na época responderam a finalidades muito precisas, que, de acordo com o seu tamanho, eram edificados por empresas que tendiam a se especializar em um determinado tipo de produto. Depois de identificar quais eram esses produtos potenciais e quais os parâmetros que os empresários tinham em mente quando escolheram um local, a CAPM reconheceu a necessidade de repensar o primeiro Plano Diretor, em busca de uma geometria versátil, que permitisse que uma mesma propriedade pudesse atender às necessidades de diferentes produtos. A nova proposta também deveria oferecer parcelas mais adequadas, cujo valor fosse acessível a pequenos empresários, ampliando o número de potenciais parceiros, sem comprometer os objetivos econômicos do projeto2. A experiência da cidade observou que, até então, não tinham sido desenvolvidos empreendimentos com um investimento superior a 30 mil metros quadrados. Por outro lado, foram construídas torres de escritórios, com alguma frequência (duas por ano, de acordo com pesquisa de mercado), supostamente edifícios em torno de 10.000 m2, e que a maior parte das construções (edifícios residenciais dentro da área urbana) tinha entre três e cinco mil metros quadrados. Não era, portanto, provável que um único grupo econômico grande desenvolvesse todo o projeto. Nem que muitos estivessem dispostos a compartilhar diferentes partes de um único empreendimento. Tudo indicava que era mais racional contar com o dinamismo dos empresários de menor porte e assim deixar que um incorporador de imóveis geral (neste caso, o Estado) assumisse o papel de distribuidor das cartas do jogo, designando aos diferentes “jogadores”, de acordo com a sua dimensão, um lugar para desenvolver seus produtos. Embora, teoricamente, fique claro que a soma desses pequenos investimentos tenha sido mais eficaz, era difícil, naquela época, constituir um projeto liderado pelo Estado, quando o discurso geral dos anos 90 era de descrédito em relação aos órgãos públicos e favorável à transferência de funções para o setor privado. Para a prefeitura da cidade, a ideia era realizar uma estratégia com tendência a revitalizar o centro da cidade mediante uma intervenção urbana. A questão era o quão flexível a proposta poderia ser, para unir os pontos de vista do Governo Nacional e de

2 No contexto de uma profunda crise econômica, a Câmara dos Deputados aprovou duas leis (de emergência

econômica e de reforma do Estado), que autorizavam o Executivo a dispôr de uma parte das propriedades privadas do Estado (aquelas declaradas desnecessárias) para financiar o seu deficit.

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outros parceiros, cuja participação passaria a ser fundamental para a viabilização do projeto. Era necessário garantir que um número significativo de empresários aceitasse a ideia de concentrar os investimentos nesse lugar, no contexto de uma empresa pública que permitisse a realização de objetivos políticos e sociais. Este objetivo também deveria ser alcançado sem afetar os recursos do Estado.

Quanto ao desenvolvimento do programa e a sua evolução (custos e benefícios) Em várias ocasiões, a empresa ferroviária consultou-me, interessada na melhoria de alguns terrenos de sua propriedade. Sua hipótese é que a venda dessas terras pudesse financiar a modernização da rede que está em funcionamento. A partir dessa abordagem, o Estado intervém no desenvolvimento de um projeto urbanístico, para maximizar suas chances de recuperação. A mesma abordagem, em alguns casos, leva as políticas municipais a priorizarem seu caráter fiscal e as possibilidades de captação das valorizações de um projeto. Do nosso ponto de vista, os projetos urbanos têm como objetivo melhorar a cidade, resolver alguns problemas que causam desconforto, recuperar as áreas degradadas e devolvê-las, melhoradas, ao uso e proveito do público. Entendemos que os casos que buscam a obtenção da maximização de ganhos negligenciam as questões ambiental, social e política do projeto, perdem em qualidade e complicam a sua implementação e, muitas vezes, têm efeitos negativos sobre o comportamento subsequente da cidade. A natureza pública do ator social que toma a iniciativa não pode fugir ao seu compromisso com os objetivos sociais do projeto e, neste contexto, inclui a discussão sobre o que pode ser (ou não) um bom bairro, no momento da formulação do programa. Ao analisar as características de um bom bairro, dentro da ampla gama de experiências oferecidas pela cidade construída, surge uma série de padrões de concepção do projeto que devem estar sempre presentes no momento do desenvolvimento do conceito da parte operacional. A obtenção de condições para a realização de um projeto tem, necessariamente, que ponderar os encargos e os benefícios que a sociedade (por meio do sistema de regulamentos estatais) pode exigir do gestor. Em muitos países (Espanha, Colômbia), regulamentos de planejamento urbano estipulam esses compromissos. Em outros, a questão é o produto de uma negociação entre os setores público e privado. A formulação do programa e a atribuição de parâmetros urbanísticos é um ponto importante dessa negociação, e é neste quadro que se estabelecem os limites entre a rentabilidade e a razoabilidade de um projeto. Desde sua fase inicial, a operação de Puerto Madero se ajustou aos regulamentos vigentes. As propriedades que compõem a área do projeto foram zoneadas como área de expansão administrativa. A regra estabeleceu um lote mínimo de 2.500 m2 e a construção de edifícios com um perímetro livre de construtibilidade de seis vezes a superfície do terreno. Os edifícios poderiam ter um gabarito de até dez metros de altura

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Lições aprendidas com a implantação do Puerto Madero


(e a ocupação não poderia ultrapassar 30% do terreno). No que diz respeito aos usos permitidos, elas correspondiam ao mesmo determinado para o centro da cidade (C1)3. Pode-se concluir que a morfologia proposta pela legislação era de uma floresta de torres, assentadas em uma área de lotes autônomos. Felizmente, a elaboração do distrito U11 (assim chamado) estabeleceu, em um momento posterior, que o desenho urbano do setor deveria ser abordado de uma forma abrangente, abrindo a possibilidade de rever a morfologia proposta, de ajustar esses parâmetros e redefinir as normas urbanísticas, com um projeto que promova um tipo de tecido mais urbano, quer dizer, mais adequado ao desenvolvimento da vida social. Ressaltamos que o projeto original (proposta apresentada ao presidente da República) teve dois desenvolvimentos posteriores. Um, com a cooperação da cidade de Barcelona (projeto 2) e outro como resultado de um concurso público, realizado pela Sociedade Central de Arquitetos (SCA). Tratamos aqui de analisar a evolução experimentada pelo programa original, ou seja, a quantidade de metros quadrados, o destino dessas construções e o compromisso dos encargos e benefícios que ele teve de oferecer durante o processo de negociação com as partes interessadas, o que equivale a analisar a rentabilidade da operação. O quadro 1 [p. 152] compara os valores correspondentes às diferentes fases do projeto com o resultado final. Na verdade, pode-se afirmar que o projeto não exigiu modificações das normas que incrementam a rentabilidade da terra nem se constituiu em uma exceção, mas sim foi ajustado às condições vigentes. O projeto original também não modificou os usos nem aumentou a construtibilidade. Acrescente-se que, na definição dos parâmetros morfológicos, o texto das normas exigiu que sua aplicação se desse em conformidade com um plano geral aprovado pelo Conselho. Notemos, porém, que, na discussão com outros participantes, a construtibilidade original foi reduzida pela metade, aumentando-se a área destinada a espaços verdes e ajustando-se a dimensão de terras convertidas em estradas. [quadro 2, p. 152] A adoção, anos mais tarde, de uma portaria específica (Ordenanza 51.675, de 8 de julho de 1997) atendeu ao requisito de ajustar a morfologia definida pelo plano diretor desenvolvido pelos vencedores do Concurso Nacional de Ideias. Essa legislação determinou a quantidade de metros urbanizáveis, a quantidade de metros quadrados edificáveis, especificou normas populacionais mais rigorosas do que as originais e especificou os parâmetros gerais da regra original, bloco por bloco. O programa indicativo que serviu de base para o concurso de ideias dimensionou um programa experimental de certas necessidades que esse projeto urbanístico deveria atender, incluindo os equipamentos necessários, de acordo com a escala e a localização. Com o Diario del Lunes, podemos verificar que a comissão encarregada de sua elaboração

3 Vale a pena notar que o uso da palavra “conselho” deu origem a um conflito entre aqueles que interpretaram

que o responsável pela aprovação era o Conselho de Planejamento Urbano (órgão de aplicação da legislação urbana) ou o Conselho Deliberativo (órgão legislativo da cidade).

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[quadro 1] Comparativo bases do concurso de ideias e demais propostas Projeto original

Projeto 2

Bases concurso

Resultado final

Total

170 ha

Diques (espelho d’água)

39 ha

Área cais

19 ha

Área ferrovias

14 ha

6 ha

40.5 ha

Vias principais Área Madero Oeste

92 ha

88.2 ha

93.84 ha

90 ha

Área terreno comercializável

45.4 ha

45.73ha

46.85 ha

46.9 ha

Ruas e calçadas

29.3 ha

31.5ha

24.56 ha

15.1 ha

Área Madero Este

Áreas verdes

11.3 ha

10.97ha

18.84 ha

28 ha

m2 edificáveis

3.381 550 m2

3.033.505 m2

1.395.752 m2

1.500.000m2 †

FOT – Média global

3.67

3.43

1.48

2.90

FOT – Área comercializável

7.44

6.66

2.97

5.55

† fonte: Alfredo Garay

A área efetivamente construída, incluindo escadas, circulação, estacionamento, e outras áreas de uso comum, não contabilizadas pelo FOT (Fator Ocupação Total), alcançam 2.615.801m2. [FOT = área máxima]

[quadro 2] Programa final em porcentagens Total

170 ha

100%

Espelhos d’água

39 ha

21%

Madero Oeste

44 ha

Vias principais e ferrovias

19 ha

11%

Ruas e calçadas de pedestres

6 ha

4%

Área comercializável

19 ha

11%

Ruas e calçadas de pedestres

16 ha

9%

Áreas verdes

28 ha

16%

Área comercializável

46 ha

27%

Madero Este

90 ha

fonte: Alfredo Garay

[quadro 3] Evolução do programa Projeto original

Bases do concurso

Resultado final

nº de unidades habitacionais

12.530

35.074

1794

10.937

Habitantes (moradores)

50.120

140.299

2178

21.800

Empregos administrativos ‡

26.296

59.722

27.216

25.000

‡ fonte: Alfredo Garay

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Projeto catalão

Lições aprendidas com a implantação do Puerto Madero

As bases definiram 32m2 por posto de trabalho e 132m2 por unidade habitacional (4 pessoas). Para a construção da tabela se homogeneizou esses critérios.


avaliou que o desenvolvimento de usos administrativos limitaria o crescimento dos programas residenciais, considerando-se uma população de apenas 2.178 habitantes. A realidade atual constata um número de moradores dez vezes maior do que o esperado no concurso e nos adverte sobre a falta de equipamentos públicos (educação, saúde, etc.) cobertos pela oferta disponível no raio central da cidade. [quadro 3, p. 152]

Estrutura das despesas As avaliações desenvolvidas nas primeiras propostas indicavam a viabilidade do projeto, incluindo a ideia de que uma boa gestão do fluxo de caixa permitiria que o Estado não desembolsasse fundos para complementar o estoque de terras. Não se tratava de uma questão menor, pois agregava um nível de dificuldade significativo para o desenvolvimento da fase inicial (momento em que a Corporação não dispunha de qualquer recurso), mas acrescentava uma ampla margem de legitimidade à iniciativa. No contexto de crise em que a questão foi levantada, era impossível dizer que seria investido neste projeto recurso necessário para a satisfação das necessidades mais urgentes. Desse modo, na primeira fase, a Corporação se manteve com os recursos advindos de algumas atividades portuárias, como a recuperação de resíduos (sucata) e do aluguel de espaços em sua propriedade (por exemplo, aluguel de espaços para as filmagens de Highlander). A fase de discussão pública do projeto (que foi muito intensa) terminou com a chamada para o concurso de ideias. Foi acordado que o concurso se limitaria à proposta para o setor de Madero Este, tendo em vista que, no lado oeste (que inclui as 16 docas), havia consenso sobre o tipo de intervenção que se poderia realizar.

[gráfico 1] Receitas e despesas acumuladas em US$

$ 350.000.000 Receitas

$ 300.000.000 Despesas

$ 250.000.000 $ 200.000.000 $ 150.000.000 $ 100.000.000

$ 50.000.000 $0 1991

1992

1993

1994

1995

1996

1997

1998

1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010

2011

fonte: Alfredo Garay

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A consolidação desse primeiro acordo, proposto pelas organizações de defesa do patrimônio, definiu o tratamento a ser dado aos edifícios de tijolos antigos, viabilizando uma fase (1990-93) durante a qual foi promovida a remodelação dos dezesseis edifícios, o que permitiu à CAPM obter os seus primeiros recursos e realizar os primeiros investimentos. Neste cenário, delineou-se um mecanismo de licitação de dois envelopes. O conteúdo do primeiro permitia controlar a qualidade dos projetos, estudar os antecedentes das empresas e verificar a racionalidade do investimento, antes da abertura do segundo envelope, no qual os licitantes especificavam o valor que pagariam por cada edifício. Compromissos importantes também foram estabelecidos para os vencedores, que pagariam multas pesadas se atrasassem o cronograma de obras e se não cumprissem as restrições referentes à proteção do patrimônio e à qualidade do espaço urbano (cartazes, banners, etc.). Apesar das dúvidas da maioria dos operadores urbanos, essas primeiras vendas foram um sucesso, pagaram-se pelos edifícios preços muito maiores do que o esperado, foi promovida a abertura do quebra-mar ao público e a inauguração dos primeiros edifícios remodelados resultou em um passeio que rapidamente se tornou moda, como a grande novidade da cidade. Uma vez realizado o concurso e aprovado o plano mestre, Puerto Madero consagrou-se como uma operação de prestígio e os funcionários4 passaram a se orgulhar de estarem vinculados aos seus resultados. Os empresários manifestavam interesse nas novas frações, consolidando um fluxo de novos investidores internacionais. A Corporação, que cresceu em termos de pessoal e de logística, continuou a vender a terra, respeitando os procedimentos de licitação originais. Após a fase da venda das docas, cruzar ao outro lado dos diques tornou-se mais difícil. Não foi fácil encontrar empresários dispostos a serem os pioneiros dessas novas terras, o que, de fato, só ocorre entre 1993 e 1996, significando uma interrupção nas vendas. [ver gráfico 2] Foram mantidos os mecanismos de comercialização para várias licitações, até que, em 1997, um novo diretório considerou desnecessário exigir projeto e garantia do prazo de execução de cada empreendimento. A venda de terras seguiu procedimentos mais simples, o que resultou em uma queda na qualidade dos projetos, que, apesar de continuarem sob a direção de arquitetos locais, ficaram à mercê das condições impostas pelos investidores. Ao analisar o gráfico, observamos que, durante a primeira fase (1989-92), se dá a comercialização de edifícios coloridos e se desenvolvem as primeiras obras de urbanização. Há uma segunda fase (1993-95), em que se verifica uma grande dificuldade para que o projeto seja implantado na margem oposta. Pode ser definida, como ponto de inflexão, a sanção de regras específicas para o empreendimento. Uma terceira etapa (1996-2000), no contexto da conversibilidade, foi caracterizada por uma aceleração das vendas. Nesta fase, igualmente, houve uma queda nos níveis de exigência (projeto, viabilidade, antecedentes) nos processos de licitação e do

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Lições aprendidas com a implantação do Puerto Madero


[gráfico 2] Fluxo de caixa em US$

$ 90.000.000 Receitas

$ 80.000.000 $ 70.000.000

Despesas

$ 60.000.000 $ 50.000.000 $ 40.000.000 $ 30.000.000 $ 20.000.000 $ 10.000.000 $0 1991

1992

1993

1994

1995

1996

1997

1998

1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010

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fonte: Alfredo Garay

tamanho das unidades territoriais vendidas5 (lotes por atacado). Mudou, também, o tipo de parceiro, sendo, a princípio, grupos de empresas pioneiras (alto risco) e, na nova fase, grandes investidores, que operam com produtos consagrados. Não se observou, no entanto, um aumento no valor da terra, mantendo-se em US$150 a incidência de valor do metro quadrado de terra sobre o valor do metro quadrado construído6. Neste contexto, é significativo o balanço do ano de 1999, em que o fundo atinge US$90 milhões, terminando de vender quase todos os terrenos disponíveis. Pode-se dizer que, para enfrentar a crise de 2001, a empresa estava líquida, com um saldo de crédito significativo para financiar as obras que tinha como compromisso empreender. Aqui cabe a observação de que, quando se vende muito rápido, provavelmente vende-se muito mal, e que, nesse momento, a diretoria da empresa deve rever seus objetivos e suas metas, levantar os valores de vendas ou distribuí-las retendo a propriedade da terra. A tempo, registre-se que, nas últimas vendas realizadas pela Corporação (2010 e 2011), a incidência de valor do metro quadrado pago ultrapassou US$1,200/m2.

4 Já haviam sido substituídos o prefeito e uma camada de funcionarios, que tiveram que assumir

os custos de todos os conflitos que se desenvolveram durante a primeira fase do projeto. 5 Se no início não se vendia mais de dois galpões a um mesmo investidor (com exceção da Universidade

Católica), na nova etapa se vendiam setores inteiros do projeto (quarteirões, condomínios verticais). 6 É justo assinalar que esses valores de incidência são mantidos mais ou menos estáveis ao longo

desse período por toda a cidade.

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[gráfico 3] Despesas em obras, outros gastos e total em US$

$ 90.000.000 Receitas

$ 80.000.000 $ 70.000.000

Despesas

$ 60.000.000 $ 50.000.000 $ 40.000.000 $ 30.000.000 $ 20.000.000 $ 10.000.000 $0 1991

1992

1993

1994

1995

1996

1997

1998

1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010

fonte: Alfredo Garay

Se analisarmos a estrutura das despesas, podemos constatar que a maior parte das obras foi realizada entre 1997 e 2004. Considerando que, em 2001-02, a Argentina passou por uma crise profunda, pode-se pensar que as obras serviram de tábua de salvação e que as empresas construtoras que apostaram em ser contratadas desse projeto conseguiram sobreviver, enquanto outras empresas enfrentaram a falência. [ver gráfico 3]

Também se destaca o desenvolvimento de outras despesas, o que significa que os gastos com consultoria, gerentes de projeto e custos administrativos experimentaram um crescimento notável durante os anos que antecederam as grandes vendas. Depois da crise, os custos diminuíram a valores constantes, mostrando os efeitos da desvalorização sobre a estrutura dos custos. Destaca-se, porém, como um forte fator de falência a demora na transferência à Prefeitura da cidade das áreas já desenvolvidas e em assumir o controle dos custos de manutenção como uma despesa fixa da Corporação. A evolução dos valores das vendas, após a crise de 2002, representa um grande eixo de reflexão, uma das grandes lições a serem aprendidas com este projeto. Os valores foram de 150 a 300, depois a 600 e, agora, superam US$1,000/m2 de incidência. A diferença é que esse aumento de renda não favorece à Corporação, mas aos compradores de lotes atacadistas, que, diante de um enfraquecimento dos compromissos de execução (devido à crise), colocaram as parcelas na “engorda”. A experiência mostra que a aceleração das vendas nos últimos anos da década de 1990 foi um erro, como também a venda de grandes lotes e a permissão para que grandes empresas adquirissem muitas parcelas (atacadistas), posicionando-se como donos de um bem cada vez mais escasso, e, portanto, mais valioso (renda de monopólio).

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Lições aprendidas com a implantação do Puerto Madero

2011


[gráfico 4] Estrutura das despesas em US$

$ 90.000.000 Receitas

$ 80.000.000 $ 70.000.000

Despesas

$ 60.000.000 $ 50.000.000 $ 40.000.000 $ 30.000.000 $ 20.000.000 $ 10.000.000 $0 1991

1992

1993

1994

1995

1996

1997

1998

1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010

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fonte: Alfredo Garay

Um aspecto importante desta mesma observação está relacionado com o tipo de produto imobiliário que é desenvolvido em grandes lotes, como no caso da construção de um conjunto de blocos, ou torres de condomínios verticais, que se desenvolvem com a mesma lógica de um condomínio fechado. Edifícios de uma quadra, com perímetro cercado, são o oposto da recuperação de rua proposta pelo plano. Também se menciona um volume de trabalho impossível de realizar para uma pequena ou média empresa, o que limita o leque dos que que terão oportunidade para desenvolver seus projetos, dado o tipo de produto que está sendo oferecido e o perfil social dos futuros compradores. Parcelar no menor tamanho possível, mantendo-se a relação com a escala que possa absorver as Pymes7, é a terceira lição dessa experiência.

Avaliação econômica da operação Resta analisar os números da operação, para verificar se os resultados foram favoráveis do ponto de vista econômico. Se olharmos para os grandes números da operação, o investimento inicial foi o terreno (US$60 milhões). Comparando a terra vendida aos ganhos, o valor da incidência global gira em torno de US$150/m2. Ao observar o gráfico, vemos que a maior parte do terreno foi vendida antes do ano 2000 e, naquela época, a incidência de valor do metro quadrado correspondia aos valores normais de mercado.

7 Abreviatura de Pequeñas y Medianas Empresas (Pequenas e médias empresas).

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[gráfico 5] Resultado dos balanços da Corporação / gastos em obras e outros gastos por rubro

$ 90.000.000 Receitas

$ 80.000.000 $ 70.000.000

Despesas

$ 60.000.000 $ 50.000.000 $ 40.000.000 $ 30.000.000 $ 20.000.000 $ 10.000.000 $0 1991

1992

1993

1994

1995

1996

1997

1998

1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010

fonte: Alfredo Garay

O investimento total na construção foi de cerca de US$113 milhões, o que inclui infraestrutura, vias públicas, parques e avenidas e, em particular, um elemento de alto custo, as cinco pontes. [ver gráfico 4, p. 157] O gasto com pessoal é de cerca de 19,33%, dos quais 13,22 correspondem ao quadro permanente de pessoal da empresa. O custo da estrutura dirigencial, composta por seis diretores e três curadores, custou cerca de US$12 milhões, ou seja, cerca de 5% da arrecadação. A administração tem um custo de US$22,7 milhões, ou seja, 9,2% do volume de negócios; a manutenção e a segurança, 39,5 milhões, representando 16% do volume de negócios. Os vinte anos de gastos com manutenção e segurança contabilizam US$40 milhões. O custo desse serviço, em 2008, foi de US$2,55 milhões e estava sob a administração da Corporação (Convênio CBA). A despesa anual de pessoal alcançava os US$960,000 e US$110,000 em taxas de serviço. Em 2011, os salários chegaram a US$1,3 milhões, o que representa um aumento de 35% em dólares. [ver gráfico 5] Finalmente, destaca-se o impacto da estrutura tributária, que implicou o gasto de cerca de 20% do volume de negócios, sendo especialmente significativo o valor do imposto (IVA) que a Corporação não pôde recuperar. A empresa transferiu cerca de 20 milhões de dólares, a uma taxa de um milhão por ano, para financiar o Estado Nacional. [ver gráfico 6]

O gráfico 7, na página ao lado, ilustra o resultado das contas anuais da Corporação. Nele é possível verificar que a empresa optou por capitalizar-se antes de enfrentar a realização das grandes obras.

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Lições aprendidas com a implantação do Puerto Madero

2011


[gráfico 6] Resultado anual dos balanços da Corporação em US$

$ 90.000.000 Receitas

$ 80.000.000 $ 70.000.000

Despesas

$ 60.000.000 $ 50.000.000 $ 40.000.000 $ 30.000.000 $ 20.000.000 $ 10.000.000 $0 1991

1992

1993

1994

1995

1996

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1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010

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fonte: Alfredo Garay

[gráfico 7] Resultado anual dos balanços da Corporação em US$

$ 90.000.000 Receitas

$ 80.000.000 $ 70.000.000

Despesas

$ 60.000.000 $ 50.000.000 $ 40.000.000 $ 30.000.000 $ 20.000.000 $ 10.000.000 $0 1991

1992

1993

1994

1995

1996

1997

1998

1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010

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fonte: Alfredo Garay

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Considerando-se que ainda existam alguns terrenos à venda, os 230 milhões obtidos até agora representam uma rentabilidade muito modesta. Para uma taxa interna de retorno (TIR) de 14%, o terreno deveria ter sido vendido 25% mais caro8, o que teria sido fácil de alcançar, atrasando-se as vendas e capitalizando o valor que emerge do próprio empreendimento. Se considerarmos quais teriam sido as variáveis ​​de ajuste que um investidor privado teria que fazer para melhorar a rentabilidade do projeto (para verificar a TIR com os valores da época), teria que aumentar a porcentagem da terra comercializável, aumentar a metragem da área edificável, baixar os padrões de urbanização, retardar as vendas, evadir impostos e não realizar obras fora do perímetro de sua propriedade. Analisando os números, podemos duvidar ainda que existisse no mercado local um investidor dessa envergadura e, no pressuposto de um investidor internacional, devemos perguntar se ele aceitaria esse nível de tomada de risco no contexto da sociedade argentina. Se observarmos, por exemplo, o caso de Donald Trump (para citar alguns dos investidores que, em algum momento, demonstraram interesse em desenvolver todo o empreendimento), em relação ao projeto Millennium, no Panamá, teremos uma ideia clara do que seria esse setor da cidade, se os projetos tivessem sido concebidos com base em outras hipóteses. Certamente, ele iria subdividir o terreno em dois ou três conjuntos fechados, mantendo espaços abertos dentro do perímetro de cada condomínio. Teria estabelecido controles nas pontes, oferecendo uma ilha de segurança e segregação. As lojas se concentrariam em um shopping center e cada edifício teria se apropriado da correspondente porção de terra com vista para a água. Nesse contexto, cabe perguntar: se não era um investimento tão bem-sucedido, por que pode interessar ao Estado o desenvolvimento dessa operação? Quais são os lucros que o Estado pode esperar obter com essa urbanização? É claro que o Estado cumpre, às vezes, um papel de destaque no desenvolvimento das nossas cidades, encarregando-se de ações cujas dimensões ou ganhos são impossíveis de serem assumidos por investidores individuais. Isto pode significar uma transferência de recursos do Estado (subsídio), que os investidores irão certamente capitalizar em sua taxa de lucro, mas também um custo a ser assumido pelo Estado para reforçar a sua capacidade de regulamentação e arbitragem sobre o que irá acontecer em uma determinada área. Ao analisar a experiência internacional, a maioria dos grandes projetos urbanos se apoiou em um forte financiamento do Estado, que, além de fornecer o terreno, investiu na construção de grandes infraestruturas que melhoraram a acessibilidade do local (caso Docklands) ou no desenvolvimento de infraestrutura interna. Apelaram, também, para financiamentos e ainda estão, em sua maioria, fortemente endividados. No caso de Puerto Madero, isso não aconteceu: o custo das obras de urbanização surgiu de seu próprio fluxo de caixa, não houve qualquer endividamento e reúne dividendos para enfrentar uma eventual linha de fundo da empresa, com suas respectivas transferências às entidades acionistas (da nação e da cidade).

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Lições aprendidas com a implantação do Puerto Madero


Preço da venda da terra em Puerto Madero

reserva ecológica

dique 4

dique 3

dique 2

dique 1

entre US$ 1 – 5 milhões

entre US$ 10 – 13 milhões

não vendida ou permuta

áreas de água

entre US$ 5 – 10 milhões

entre US$ 21 – 25 milhões

parcelas originais

áreas verde

fonte: Alfredo Garay

8 Podem-se construir cenários de balanço de caixa, com um aumento de vendas de 10%, 15%, 20% e 25%,

aumentando apenas nos anos em que houve vendas. Com um investimento de US$60.000.000 e um residual de vendas US$70.000.000, a TIR será de 7,56% com um aumento de 10%, de 9,78% com um aumento de 15%, de 11,94 com 20% e 14,01 com 25%, o que seria o valor adequado.

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Financiamento Como observamos no início desta análise, Puerto Madero tinha o dever de se autofinanciar. Isto significa que os diretórios tiveram de estar muito atentos à administração, alinhando o fluxo de receitas e despesas, no âmbito de uma sequência programada. Considerando-se que o autofinanciamento da operação era importante, isso não deixou de ser uma limitação. Acarretou, por exemplo, que os parques fossem construídos depois de vender as unidades de fachada, quando é óbvio que, com os parques em funcionamento, os prédios teriam tido maior valor. Se a operação tivesse recorrido a qualquer fonte multilateral de financiamento (BID, Banco Mundial, etc.), teria melhorado seu desempenho geral.

Situação atual Atualmente, a Corporação trabalha com esses pressupostos, sua economia equilibra as despesas operacionais com os rendimentos auferidos por suas concessões (estacionamento, direitos de TV, etc.). Nos últimos dois anos, vendeu propriedades no valor de US$20 milhões. A conclusão das duas operações em que, atualmente, trabalha deixará um lucro limpo de mais de US$50 milhões. Claramente, sob esse tipo de gestão, as operações mais rentáveis ​​estão concentradas no final da urbanização. Essa constatação levou os atuais responsáveis pela Sociedade a avaliar a possibilidade de parar de vender terras, para se tornarem parceiros na construção. Deve-se notar que, nessa fase, o valor dos imóveis cresceu de forma exagerada, na medida em que, depois da crise de 2001, a população identificou o investimento imobiliário como um investimento seguro. Com essas observações, poderíamos repetir a pergunta. Considerando que o desenvolvimento dessa operação levou a empresa a gastar 40% do seu rendimento nas obras, 28% em administração, 7% em impostos e 14% em segurança e manutenção, deixando uma disponibilidade de 12,5% e terrenos para vender por cerca de US$50 milhões, se um empresário lhes propusesse oferecer a terra (60 milhões), investir nas obras necessárias o dobro (113 milhões) de seu valor e gerenciar juntos o desenvolvimento, aceitariam ou não esse negócio?

Estrutura social Pode-se considerar que o bairro está em pleno processo de assentamento e a tendência indica um crescimento significativo da população. Certamente, o fato notável é o crescimento preponderante da função residencial sobre a administrativa, o que indica uma consolidação do setor como um bairro para morar, revertendo as disposições da norma original, que identificou o setor como uma área puramente administrativa. A urbanização é apresentada, hoje, como uma área privilegiada. O valor dos imóveis é equivalente ao dos bairros mais elegantes da cidade. É difícil, contudo, avaliar se esses

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Lições aprendidas com a implantação do Puerto Madero


valores expressam os efeitos da novidade (um modismo) e se eles podem sustentar-se ao longo do tempo. No decorrer dos anos, observamos que as características da vizinhança evoluem, à medida que a urbanização acontece. A homogeneidade de uma área VIP tende a mudar, à medida que os construtores perdem a hegemonia dentro de cada um dos consórcios. Basta notar que, no discurso dos incorporadores de imóveis, alto status, exclusividade e segurança têm sido os atributos apresentados nas suas estratégias de vendas, atraindo com essas conotações o olhar do resto dos habitantes da cidade. Por sua vez, o novo bairro vem transformando essa imagem, a partir da necessidade de responder a questões específicas da vida cotidiana. Se, em um primeiro momento, predominaram os restaurantes e bares da moda, atualmente predomina a busca por locais para o desenvolvimento de pequenos negócios e prestação de serviços, de acordo com as necessidades dos novos moradores e a presença de um público mais amplo, formado pelas pessoas que trabalham em escritórios e por visitantes que, por diferentes razões, transitam pela área. Atualmente, vive ali uma população estável de 16.896 habitantes e há um volume diário de cerca de 60 mil (população flutuante). Com base em estudos contratados pela CAPM S.A.,

é calculado um fluxo diário de 70 mil pessoas, das quais metade será em-

pregada em escritórios. Espera-se que a ocupação estática gere uma circulação de 200 mil viagens por dia, várias das quais poderiam ser viagens dentro de Puerto Madero, calculando um total de 100 mil viagens, por sentido, por dia.9 Com base nestas cifras, pode-se estimar que por Puerto Madero passem entre 20 e 40 mil pessoas, números que podem aumentar nos fins de semana para 70 mil visitantes, distribuídos ao longo do dia. Por ocasião de eventos maiores, podem concentrar-se nesses espaços até 100 mil pessoas, definindo-se o limite de capacidade de 550 mil pessoas, caso improvável, ​​porque não há concentrações desta magnitude na história da cidade.

Em relação ao centro e aos outros objetivos (rio, verde, espaço público) É claro que a questão da centralidade prevaleceu no cerne da recuperação do antigo porto. A proposta de recuperar áreas desvalorizadas, habilitando-as para outros usos, esperando que o novo setor se integrasse ao cotidiano do centro da cidade tradicional, exigia incentivar a localização das instalações que definem a sua validade. Enquanto o concurso de ideias identificou o predomínio da função administrativa, a realidade marcou o domínio da função residencial, fortalecendo o objetivo de repovoar a área central com um público que, de acordo com as tendências do mercado, teria sido a clientela natural de condomínios fechados. Assim, o centro da cidade

9 Segundo os estudos de influxo desenvolvido por Kohn Pedersen Fox & Arup & Partners, Ricci e colaboradores,

em 1903, e os estudos para o dimensionamento da infraestrutura, desenvolvidos pelo Latinoconsult.

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abriu uma nova tendência de localização de classe média alta, que opta por viver em um bairro com um mix de usos (administrativo, comercial, residencial), em cujas ruas o público pode se mover livremente e onde, nos fins de semana, os parques e praças estão cheios de moradores de diferentes bairros da cidade. É claro que a política urbana deve tomar cuidado para que, neste setor, não ocorram os padrões de exclusão que caracterizam os condomínios fechados, sendo de responsabilidade da prefeitura da cidade promover e facilitar a utilização desses espaços de lazer por todos os cidadãos. Cabe questionar se, à medida que o projeto vai sendo consolidado, terminará por fortalecer o caráter elitista dessa parte da cidade ou se, em vez disso, a gradual integração às atividades do centro da cidade aumentará a diversidade social de seus usuários. Por enquanto, o bairro oferece condições para o desenvolvimento de comércio e serviços produzidos pela economia informal, gerando a presença de um público mais diversificado. Um exemplo desse fenômeno é a evolução experimentada pela gastronomia no lado leste do Dique 4. A presença de jovens profissionais levou à transformação de restaurantes caros em uma concentração de locais de fast food que atendem a essa nova demanda, daqueles que preferem comer no seu local de trabalho ou em espaços públicos.

Cabe questionar se, à medida que o projeto vai sendo consolidado, terminará por fortalecer o caráter elitista dessa parte da cidade ou se, em vez disso, a gradual integração às atividades do centro da cidade aumentará a diversidade social de seus usuários.

Um exemplo de como Puerto Madero se incorpora ao sistema do centro da cidade é a TV preferindo apresentar a Ponte da Mulher como um ícone da nossa sociedade, enquanto as festas do time campeão ou os desfiles do Bicentenário ocorrem no Obelisco e o protesto social continua acontecendo na Plaza de Mayo ou em frente ao Congresso. A partir dessa perspectiva, é interessante pensar que o centro pode oferecer um repertório de lugares variados, cujas qualidades o tornam adequado para o desenvolvimento de eventos diversos. A Plaza San Martín, a Avenida de Mayo, a caminhada pela Florida, a feira de San Telmo, a Reserva Ecológica e as docas de Puerto Madero... poderíamos continuar citando, reconhecendo cada peça do sistema que forma o centro de Buenos Aires. A ideia de uma peça redesenhada, restaurada, reinserida, com outra função, dentro desse sistema de centros é, provavelmente, a que mais se aproxima da operação de urbanismo que veio com o velho porto. Não se trata de concentrar num único local tudo o que deve acontecer no centro, porque, nesse caso, seria deslocar o centro e, em outras partes, se desencadearia um processo de deterioração (como no caso dos novos centros). O resultado esperado dessa intervenção é que, nesse lugar, se desenvolvam algumas dessas características, agregando qualidade e complexidade ao centro antigo.

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Lições aprendidas com a implantação do Puerto Madero


Contribuição para a proteção do patrimônio e a geração de um espaço contemporâneo Algumas intervenções sobre a estrutura da cidade trazem para a comunidade melhoria da qualidade do espaço público, do patrimônio construído ou da paisagem, tornandose espaço de representação social, do qual toda a sociedade se beneficia. No caso de Puerto Madero, esses conteúdos são claros, já que se trata de um lugar que estava abandonado e acarretava a deterioração das áreas circundantes. Como apontado, esse lugar passou a ser o principal destino turístico da cidade, um ícone nas telas dos principais noticiários da televisão, existindo até mesmo uma câmera que mostra o que está acontecendo durante as 24 horas do dia. Vale ressaltar que o plano mestre tomou cuidado especial para proteger a imagem dos quatro espelhos de água, preservar a capacidade dos antigos celeiros, incluindo alguns elementos de valor paisagístico, como os antigos silos ou os guindastes portuários. A ideia de legado que aparece nesta formulação propõe, como critério de avaliação para os benefícios sociais de um projeto desse tipo, o valor da preservação, da valorização ou até mesmo da ressignificação de um espaço. Alguns autores chegam a atribuir um valor econômico à preservação, à proteção, reinvidicando, inclusive, a não utilização como valor de existência, que é o valor estabelecido para assegurar que um bem de capital — também chamado valor patrimonial — não desapareça. Em geral, se vive em espaços urbanos legados ou moldados por outras gerações, e o caso de Puerto Madero não é exceção. A maioria das opiniões indica que, como efeito da reabilitação, esses espaços antigos, com seus novos usos, reincorporam-se ao mercado e observa-se, até mesmo, que podem adquirir maior valor, condição que se reflete como um aumento no preço do metro quadrado. A este respeito, o caso dos edifícios das Docas é significativo, porque o preço de venda dos edifícios remodelados (US$2,000) foi fixado acima do preço padrão, por metro quadrado, nas melhores localizações da cidade, refletindo que o caráter patrimonial dos edifícios, ou o caráter que o lugar renovado vai adquirindo, determina o aumento do valor. A consolidação dessa tendência no imaginário da sociedade leva o processo de valorização ainda mais longe. A evolução posterior a essas vendas iniciais demonstra que os lofts se consolidaram como um produto imobiliário e são vendidos a um preço que varia entre US$3,500 e US$4,000 o metro quadrado, quase o dobro do seu valor inicial. Neste ponto, podemos considerar que proteger o caráter de bem público das áreas patrimoniais pode produzir benefícios externos que favorecem os proprietários, especialmente aqueles que vivem na área, aqueles que compram e remodelam as propriedades vizinhas e, em geral, toda a cidade, na medida em que a valorização contribui para a manutenção de um legado que faz parte do patrimônio de uma cidade. É claro que o contrário, ou seja, permitir que uma parte importante da cidade se deteriore, envolve um custo social significativo, que empobrece o todo.

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Com a mesma lógica poderia ser considerado que a não utilização de terrenos urbanos centrais abandonados envolve um custo passivo igual à renda mensal possível de ser obtida por vários meios. Demonstrada a existência de uma renda potencial que é desperdiçada, muda-se o foco da discussão e o problema passa a ser encontrar o instrumento mais apropriado para captá-la.

Contribuição para a melhoria do ambiente (biodiversidade e qualidade ambiental) e da paisagem A mesma ideia de legado pode ser aplicada à questão ambiental e à valorização de certos atributos da natureza e da paisagem circundante. Nesse caso específico, mostra-se a relação entre a cidade e o rio, bem como a contribuição do setor da Reserva Ecológica, para melhorar a coexistência de dois ambientes. O projeto teve como objetivo melhorar a relação com o rio, vendo-o como paisagem, mas também como um campo de interação entre dois ambientes (o da cidade e o do rio). Vinte anos após essa discussão, descobrimos que a reserva tem ajudado a preservar os valores ambientais da cidade. Permitir que o ambiente recomponha suas características em um meio artificial (como a área de preenchimento) permite o desenvolvimento da biodiversidade na área, onde se contabilizam mais de 500 espécies, a maioria das quais transcende os limites dessa área natural. Essa reestruturação se manifesta como um aumento da biodiversidade, pela presença de um maior número de aves no centro da cidade ou tartarugas de água doce nas barragens. A reserva constitui-se um local de passeio, com enorme afluxo de um público que aprecia a oportunidade de ir para um ambiente especial: a perspectiva distante dos arranha-céus apresenta uma visão contraditória e atraente, o que levanta outras formas de relação entre a natureza e a cidade. Esse cenário rompe com certo imaginário, que sustenta o negócio de condomínios fechados. A experiência de uma grande área de propriedade comum, onde é possível reconstruir o relacionamento diário com o meio ambiente, transcende o modelo que propõe um jardim artificial, de domínio privado, de acesso exclusivo a um setor social. A renovação da antiga costa sul e a recuperação dos parques Micaela Bastidas, Mujeres Argentinas e Eva Perón e sua articulação com os espelhos d água, são uma contribuição inestimável para a qualidade ambiental do centro da cidade.

Em relação à recuperação econômica Se analisarmos os resultados do projeto do ponto de vista da sua contribuição para o processo de produção, pode-se afirmar que um investimento do Estado, de 60 milhões, provocou um investimento imobiliário privado de mais de US$2,260 milhões, cujo valor atual, a preços de mercado, excede a US$6 bilhões. O projeto desenvolveu obras de infraestrutura de US$113,450 milhões e o Estado não teve de lidar com o seu orçamento, uma vez que foram utilizados os recursos gerados pela Corporação.

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Lições aprendidas com a implantação do Puerto Madero


O Estado recebeu de empresas de construção civil em torno de US$237 milhões em Imposto sobre Valor Agregado (IVA), pelo que as empresas que desenvolveram os trabalhos de urbanização pagaram cerca de US$12 milhões10. Por sua vez, a Corporação declarou, em seus balanços, o pagamento de US$ 19.86 milhões, na forma de impostos11, nos quais estão incluídos US$5,7 de lucro bruto, recebido pela Prefeitura da cidade. Considerando que, até 2010, foram concluídos 51% da área edificável, os proprietários de imóveis pagaram anualmente à cidade US$12,376.864 em impostos municipais (ABL). Uma vez terminadas todas as obras de construção, a contribuição chegará a US$24,25 milhões. Isso representa 50% do valor inicial do terreno, 10% das receitas da venda por ano. Pode-se concluir que, em geral, o projeto tem contribuído fiscalmente para a Nação com mais de US$600 milhões, e para a Prefeitura da cidade, com US$339 milhões. O orçamento do Prefeitura da cidade, no momento em que se iniciou o projeto, era de cerca de US$3 milhões por ano12. Desse total, correspondiam ao setor de obras públicas 19% (US$570 milhões), 17% para a Secretaria de Obras Públicas e 2% para a Secretaria de Planejamento. Considerando a quantidade de recursos destinados a manutenção e serviços, o valor do orçamento anual para novas obras era afetado em apenas 17%, equivalentes a cerca de 96,9 milhões ao ano. Se considerarmos que o investimento total em obras de infraestrutura e tratamento do espaço público foi de US$113 milhões em 20 anos, poderemos concluir que a urbanização já investiu o equivalente ao orçamento de um ano em obras públicas. Neste caso, os benefícios que o setor público absorve não se limitam a captar os ganhos decorrentes da venda de terrenos. Ao Estado interessa o processo econômico, que é acionado a partir da transformação do terreno em um novo bairro da cidade. O modelo de gestão também permitiu conduzir esse processo e sua evolução e captar uma parte dos recursos gerados (IVA, renda, impostos, investimento público, etc.). Segundo a UOCRA13, existem na cidade 34 mil trabalhadores da construção civil ativos, nos anos com bom nível de atividade, um número que cai a 60% nos anos ruins. As obras particulares em Puerto Madero construíram até o momento 1.5 milhão de metros quadrados, com custos de pessoal em torno de US$450 milhões, ou seja, 90 mil meses/homem que, distribuídos de forma homogênea em 20 anos, equivale a 3.750 postos de trabalho (a um salário médio de US$ 500 por mês/homem).

10 Não foi possível identificar a coleta em conceito de Imposto sobre o Lucro, que depende da gestão

de cada empresa, mas se pode presumir que ronda os U$S 158 milhões. 11 12 de IVA, 2,7% de ganhos e 5,7% renda bruta. 12 Hoje é mais do que o dobro. 13 Unión Obrera de la Construcción de la República Argentina. 14 Buenos Aires conta entre três a cinco milhões de turistas por ano.

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Puerto Madero investiu em obras públicas (incluindo parques, cais, infraestrutura e estradas) US$113 milhões. Considerando-se que 33% desse montante foi destinado a salários, significa 75.333 meses/homem, ou seja, 313 postos de trabalho durante 20 anos. Até 2006, o setor apresentou cerca de 26.777 cargos administrativos e estima-se que, em 2010, havia 45.281 empregos, no comércio e em serviços. O projeto também tem contribuído para o desenvolvimento do turismo na cidade , existindo até o momento três hotéis (Hilton, Sofitel e Faena), e mais três em 14

construção, cerca de 40 restaurantes, um centro de salas de cinema e um supermercado. Em suma, os impostos que o Estado recebe pela produção desse setor econômico da cidade ultrapassa amplamente o montante de capital investido.

Situação atual e perspectivas O caso de Puerto Madero é uma experiência única na cultura urbanística da cidade. Desenvolve procedimentos diferentes daqueles experimentados em outras intervenções importantes (Avenida de Mayo, Bosques de Palermo, a Ciudad Frente al Rio, Catalinas Norte y Sur, Park Almirante Brown). Essa experiência teve um impacto sobre a percepção que a população tem do fenômeno urbano e da escala e da modalidade que podem adquirir as intervenções. Os arquitetos têm sido particularmente sensíveis a essa experiência, e pode-se considerar que, depois dela, produziu-se um crescimento do capital social envolvido com a transformação da cidade. Sua maior contribuição é ter sido realizada, quebrando o ciclo de incapacidades e frustrações que nos condenava a viver em uma realidade travada. Outra contribuição é ter aberto uma porta que permitiu o desenvolvimento de diversas iniciativas que, como nova realidade, apresentam o frescor dos conteúdos do nosso tempo. Concordo, entretanto, com o olhar de muitos colegas, intelectuais e vizinhos, que não gostaram da realidade que lhes foi apresentada, como quem vê as fotos da revista Caras, percebendo a frivolidade e o mau gosto que se manifestam nos setores de maior poder aquisitivo. De fato, deixam dúvidas estéticas alguns dos objetos arquitetônicos concebidos, bem como a pouca originalidade apresentada por essas construções. A reflexão sobre o produto dá conta do empobrecimento da criatividade introduzida pelos incorporadores de imóveis, quando preferem as obras de arquitetos consagrados aos concursos. Eles também expressam a tendência dos nossos empresários em copiar o que descobrem em Miami. Os turistas que visitam a cidade, em geral, elogiam essa intervenção, e especialistas do mundo todo estão se perguntando como isso pôde ser alcançado em um país como a Argentina. Quanto ao futuro da Corporação, dois caminhos se abrem claramente: que disponha de novas terras para urbanizar, valorizando tudo que foi aprendido na prática diária desses anos; e que, supondo-se que a operação tenha chegado ao fim, faça uma avaliação e se dissolva.

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Lições aprendidas com a implantação do Puerto Madero


Puerto Madero 1871

1929

1991

2002

A partir de sua independência, a República Argentina começa a receber afluxo significativo de imigração européia, o porto de Buenos Aires passa por diversas obras de infraestrutura para se adequar às necessidades de crescimento econômico do país.

Várias propostas para a recuperação da antiga área portuária passaram a ser discutidas. Formula-se a idéia de afirmação da frente costeira, como elemento emblemático de Buenos Aires, reforçada com a proposta da prolongamento do eixo da Avenida de Mayo, por meio de um braço que adentrava o rio até uma de suas ilhas artificiais.

O Conselho Deliberativo da Cidade de Buenos Aires aprova o rezoneamento das docas, para sua reciclagem e transformação em área de proteção patrimonial. Vendem-se oito docas das barragens 3 e 4.

O Estado considera a possibilidade de estender o projeto Puerto Madero para o Norte e o Sul.

1992

Começa o retrofit do Faena Hotel + Universe, no antigo Edifício Porteño, um edifícação histórica, em Puerto Madero Leste, fundado em 1902, como um silo para armazenar grãos.

1878 Com o apoio do governo, o comerciante Eduardo Madero inicia a construção parcial da proposta de modificação da “boca” do Riachuelo e o aprofundamento do canal de navegação.

1881 Eduardo Madero viaja a Londres e recebe apoio técnico e recursos dos ingleses, para dar início, em 1878, ao desenvolvimento do projeto de ampliação do porto.

1897 As obras, incluindo os armazéns e os quatro diques, são concluídas, a despeito de dificuldades financeiras e dos inúmeros empréstimos contraídos para a realização do projeto.

1900 O Puerto Madero recebe 30 mil barcos.

1915 O Porto armazena 300 mil toneladas de grãos.

1920 Com o avanço da tecnologia de transporte de navegação e o aumento de calado dos navios, o Puerto Madero se tornou obsoleto, prematuramente, embora uma parte do Porto tenha sido mantida viva, enquanto acesso da cidade à sua orla fluvial e ilhas artificiais.

1926 O “Puerto Nuevo”, localizado ao norte da cidade é inaugurado, para se adequar aos novos tempos, pondo o fim da função portuária do Puerto Madero.

1971 Desenvolvido o Plano de Renovação da Zona Sul de Buenos Aires, com o intuito de revitalizar as antigas áreas industriais, que vinha apresentando sinais de decadência. Ressurge, então, a proposta de uma amplo parque com atividades recreativas e culturais na região da atual Reserva Ecológica.

1981 Plano de Ampliação da Área Central foi encomendado a um consórcio de arquitetos, considerando a construção de edifícios residenciais e de escritórios na região do antigo Puerto Madero. Apesar de retomada a idéia da criação de um parque metropolitano, nem o plano, nem o parque foram executados. O espaço entre o porto e o Rio da Prata foi retomado pela natureza – ilhas flutuantes com plantas e animais, junto com entulho depositado no aterro ao longo do rio, conformaram uma área ecológica urbana.

1985 A Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (UBA) e a Secretaria de Estado de Transporte firmaram um convênio para estudar a recuperação e desenvolvimento do Puerto Madero, no trecho da Costanera Sur até o aterro sobre o rio. A proposta considera a implementação em etapas, através da criação de uma organização privada, voltada para a gestão financeira e preservação do patrimônio local.

1989 Através de um decreto do poder executivo, cria-se a Corporación Antiguo Puerto Madero S.A.

Realiza-se o concurso de idéias para o plano diretor. As docas dos diques 2 e 3 são vendidas em junho.

1997 Licitação dos lotes do lado leste dos diques. Puerto Madero adquire o status de um bairro da cidade de Buenos Aires.

1998 Começa a construção do edifício Telecom, no Dique 4, com projeto do escritório norte-americano KPF.

1999 São inaugurados o Hotel Hilton e escritórios no lado leste. Liberam-se ruas e avenidas e arborizam-se 20 hectares de avenidas.

2000 A Costa Sul recebe novo equipamento urbano, com mobiliário para o projeto de áreas verdes. Tem início a construção das Torres do Farol, um complexo de duas torres interligadas, que, na época, eram os edifícios mais altos na Argentina (185 m). A Torre Repsol-YPF, se equipararia a elas em altura, em 2008, e finalmente, em 2005 e 2009, seriam ultrapassadas pelas vizinhas Torres Mulieris (161,4 m).

2001 Inaugura-se a Ponte da Mulher, para pedestres, que atravessa a Represa 3. Seu design, do arquiteto espanhol Santiago Calatrava, tem três seções: duas seções fixas de 25 e 33 metros e outra central móvel, que se abre para a passagem de navios, de até 102 metros.

2004

2005 Começa a construção do edifício da Repsol-YPF, com projeto do arquiteto argentino César Pelli, com 185 metros de altura.

2009 Inaugura-se o Museu Coleção Fortabat, um edifício ultramoderno, desenhado por Rafael Viñoly, que contém uma das mais importantes coleções privadas de arte latino-americana. Inaugura-se o edifício Malecón, com projeto do escritório internacional HOK. É inaugurado o edifício Los Molinos, luxuoso empreendimento de Faena Properties, que recupera dois antigos moinhos de armazenagem de trigo, de 1906. Suas unidades foram vendidas, em média, por US$ 4.500 o m2. Trata-se do quarto empreendimento do Faena Art District, também integrado pelos edifícios La Porteña, La Porteña II e El Porteño, onde está localizado o Faena Hotel + Universe.

2012 É inaugurado o El Aleph, condomínio residencial de luxo pertencente ao Faena Art District, em Puerto Madero, Buenos Aires, o primeiro projeto do inglês Norman Foster, na Argentina.

2013 No Dique 1, é inaugurado o Madero Walk Eventos, o primeiro salão flutuante na América Latina.

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Cidade do Cabo: a hist贸ria bem-sucedida do Victoria & Alfred Waterfront


Cidade do Cabo: a história bem-sucedida do Victoria & Alfred Waterfront

Fernando Cavallieri Formado em Ciências Sociais pela UFRJ, é assessor especial da Presidência do Instituto Municipal de Urbanismo Pereira Passos (IPP) e, também, editor do Armazém de Dados, portal de informações estatísticas e geográficas, da Prefeitura Cidade do Rio de Janeiro, onde trabalha desde 1981. Membro do Conselho de Habitação da cidade, representou o Instituto na revisão do Plano Diretor, tendo participado da coordenação do Programa Favela-Bairro. É autor de inúmeros artigos sobre administração municipal, planejamento urbano e habitação social.

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A Cidade do Cabo, com cerca de três milhões e 400 mil habitantes, está situada na Península do Cabo, entre a Table Mountain e o Oceano Atlântico, no Sudeste da África do Sul. Mescla de culturas europeias, africanas e asiáticas, a cidade reflete uma história de contrastes, desigualdades e pobreza, típicos de um país em que a política da segregação racial esteve vigente até poucos anos atrás. Os números oficiais do governo local indicam que cerca de 40% dos seus domicílios estão situados abaixo da linha de pobreza (2005), 12% dos quais localizados em assentamentos informais; há uma significativa taxa de desemprego de 17% (2007) e baixa escolaridade de quase metade da população. No entanto, a cidade contribui com 11% (2007) para a formação do PIB nacional, taxa que pode ser considerada alta, uma vez que a sua população representa apenas 7% do total de habitantes da África do Sul1. Os estudos econômicos disponíveis, embora desatualizados, evidenciam que, seguindo a tendência global, o setor de serviços da economia local vem crescendo rapidamente. Comunicações e finanças e seguros destacaram-se com espetaculares taxas anuais de crescimento de 16% e 11%, entre 1995 e 2006, acompanhadas pelo menor incremento ou até mesmo decréscimo de setores tradicionais, como construção e mineração. Além do perfil terciário de sua economia, a Cidade do Cabo é um importante destino turístico mundial, o principal do país e um dos maiores do continente africano. Dados da prefeitura indicavam que, em 2007, cerca de um milhão e 700 mil estrangeiros e, em 2006, 5 milhões e meio de sul-africanos lá estiveram. Para se ter uma ideia comparativa, o Ministério do Turismo apurou que todo o estado do Rio de Janeiro, principal destino brasileiro de turistas estrangeiros, recebeu em 2007 apenas 773 mil visitantes (EMBRATUR, 2008). Por que todas essas informações estatísticas? A razão é que, no interior dos limites dessa potência turística internacional, bem próximo à sua área central de negócios, está a atração mais visitada em toda a nação sul-africana: o complexo portuário-comercial-hoteleiro conhecido como Victoria & Alfred Waterfront. O desenvolvimento desse megaempreendimento, sua história e a forma de funcionamento praticamente se confundem com a revitalização urbana da área portuária da Cidade do Cabo, objeto do presente artigo.

Breve histórico2 Cape Town, uma das primeiras cidades portuárias do Novo Mundo, recuperou sua relação com o mar e, na esteira das profundas mudanças ocorridas na sociedade sul-africana pós-apartheid, tornou-se uma cidade internacional. A transformação da sua frente marítima e dos espaços a ela associados desempenhou papel fundamental nesse processo. No dizer de Bruttomesso (2000)3, é ela a cidade-símbolo do encontro de dois grandes “oceanos”, uma metáfora para definir um dos lugares privilegiados do diálogo histórico entre as culturas, tradições e economias da Velha Europa e do Novo Mundo. A história e o desenvolvimento da Cidade do Cabo sempre estiveram associados ao mar. E o seu porto sempre se caracterizou pela condição estratégica — um ponto

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geográfico continental único — e de interesse econômico, desde a época em que os mercantilistas europeus do século XV empreendiam viagens em busca de especiarias, de metais preciosos e de vender mercadorias manufaturadas. Sua história começa em 1488, quando o navegante português Bartolomeu Dias sai de Portugal, com o intuito de descobrir uma rota marítima para o Oriente. Com uma frota de três embarcações, navegou para o sul junto à costa ocidental africana e, depois de várias tentativas e percalços, dobrou o temível Cabo das Tormentas, realizando o que os portugueses da época chamavam de “a volta do mar”. Anos depois, Vasco da Gama contornaria o mesmo ponto, agora batizado de Cabo da Boa Esperança, e alcançaria seu objetivo, desvendando o caminho marítimo para a Índia e suas cobiçadas especiarias. Desde então, aquela costa no extremo sul da África, onde se localizaria, 150 anos depois, o embrião da Cidade do Cabo, passou a integrar a rota oriental usada pelos portugueses para se abastecer das importantes mercadorias asiáticas. Na segunda metade do século XVII, a poderosa Companhia Holandesa das Índias Orientais cria na Baía Table uma base de apoio para seus navios, ponto de partida para o estabelecimento de uma próspera colônia na região. A colônia cresce e os holandeses fazem várias tentativas infrutíferas de transformar a baía num porto mais seguro, o que só vai começar a acontecer em 1860, quando a colônia, cedida aos britânicos mais de 40 anos antes, recebe a primeira pedra do cais. Antes de ser uma colônia britânica, a África do Sul foi explorada pela Companhia Holandesa das Índias Orientais, portanto por meio de um modelo de colonialismo privado. Isso fez que os colonos holandeses, abandonados à sua própria sorte, desenvolvessem forte individualismo, em que os ideais de possuir a maior quantidade de terra possível e de se autogovernar, sem prestar contas a ninguém, fossem alcançados. Esse mundo, com mistura de influências inglesas e locais, vai desembocar na nação africâner, entendida como a cultura dos descendentes calvinistas, principalmente holandeses, que se estabelecem na África do Sul. Sua economia baseia-se na agricultura e na utilização extensiva da mão de obra escrava. Negros comprados no mercado da Cidade do Cabo ou obtidos nas guerras com tribos africanas formam a força de trabalho dos bôeres (fazendeiros em holandês), que penetram no território, sempre em busca de terras férteis. Com a conquista inglesa, cujo parlamento havia abolido a escravidão em 1836, esse predomínio dos bôeres é fortemente ameaçado. Os descendentes dos holandeses 1 Arquitetura vitoriana

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retiram-se ainda mais para o interior, promovendo a Grande Marcha para Oeste e ocupando um vasto território equivalente à metade do atual país sul-africano.

1 Dados extraídos do site oficial da cidade, http://www.capetown.gov.za/en/stats/. 2 A partir desse tópico, o presente texto é um resumo, revisto e atualizado, do trabalho que o Autor escreveu

para integrar o livro, organizado por Verena Andreatta, que analisa o projeto de revitalização portuária do Rio de Janeiro, vis-à-vis outros seis projetos internacionais. (CAVALLIERI, 2010). 3 Rinio Bruttomesso apresentou essa definição em Aquapolis, revista italiana especializada em estudos sobre

cities on water, que dedicou, em 2000, um número inteiro ao caso de revitalização do porto da Cidade do Cabo.

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Ao se chocar com os interesses ingleses nas jazidas de diamantes e ouro, descobertas a partir de 1870, sucedem-se entre 1899 e 1902 violentas batalhas, conhecidas como a Guerra dos Boêres. Vitoriosa, a Inglaterra cria um país unificado, que, na verdade, representa um compromisso entre britânicos e bôeres. Mas os “africanos que haviam lutado e morrido em ambos os lados da guerra não tiveram voz na convenção branca que decidiu o futuro da terra natal deles” (Senhores coloniais, 1993). Os negros, quatros vezes mais numerosos que os brancos, não podiam possuir terra em 87% da União, e o que lhes sobrou era terra agrícola deficiente, sem cidades importantes ou instalações industriais. O que se passa a partir daí é bem conhecido e significa um dos momentos mais tristes da história contemporânea da humanidade: o regime oficialmente racista, brutal e segregador, que perdurou no país até 1994. Na aguda observação do jornalista polonês Kapuscinski (1998), um regime que enalteceu o mais vil dos instintos humanos: a repulsa a outra raça. Em 1994, quando ocorrem as primeiras eleições multirraciais, há uma virada histórica, com a escolha para a presidência da República do maior líder negro do país e figura emblemática mundial, o ex-prisioneiro do regime racista Nelson Mandela. Desde então, democratizada e readmitida na comunidade internacional, a África do Sul vem obtendo sucessos, tornando-se um dos principais países emergentes do mundo. Em 2010, sediou a Copa do Mundo de Futebol, o maior evento esportivo do planeta, prova de sua plena aceitação no concerto das nações contemporâneas. Um ano depois, passou a integrar, também, o prestigiado bloco político-econômico internacional conhecido como BRICS,

formado por Brasil, Rússia, Índia, China (o S final da sigla corresponde a South

Africa). A exemplo de seus correligionários do BRICS, vem experimentando notáveis progressos sociais e econômicos, mas ainda enfrenta enormes desafios no campo do desenvolvimento humano e da inclusão social de suas populações de origem não europeia.

A cidade e o porto Em 1859, aprova-se o projeto para construção de um porto na parte mais protegida da baía da Cidade do Cabo. Onze anos depois, conclui-se a primeira instalação portuária da cidade, a Doca Alfred, mais tarde seguida da Doca Victoria. Em princípios do século passado, o porto funcionava integralmente com duas docas, que completavam, assim, o ambiente do “velho porto”. Com o objetivo de criar um novo portão de entrada da África, ancorado num distrito de negócios, nos anos 1940 é construído um novo porto. Surge a Doca Duncan, a um quilômetro de distância, paralela ao porto original e concluída em 1945. Nesse novo contexto, a conexão direta entre a cidade e o mar desaparece, mas a região ganha grande impulso comercial, passando a integrar o circuito portuário mundial. A partir dos anos 1970, experimenta-se em todo o mundo a transformação dos sistemas operacionais portuários, que implica transportar as mercadorias em contêineres e não mais abrigá-las por longo tempo em grandes armazéns. Adaptada às novas tecnologias, é criada uma nova doca, e o velho porto se vê esvaziado e em processo de degradação.

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Para tanto, contribuíram o isolamento da economia africana e a reabertura do Canal de Suez, que enfraquecem ainda mais a função da Cidade do Cabo no sistema intercontinental de transportes marítimos. O porto da Cidade do Cabo passou por um processo evolutivo similar ao de várias outras cidades do mundo. Começa como porto-empório, chega a moderno porto comercial e industrial e se torna obsoleto e degradado, em decorrência das mudanças impostas pelos novos sistemas de transporte marítimo e de cargas. A história mostra que os dirigentes locais estavam atentos para esse esvaziamento e para experiências de revitalização das frentes marítimas de outras grandes cidades portuárias, como São Francisco, Baltimore, Vancouver, Barcelona e Hong-Kong. O passo decisivo para reverter a situação foi a criação, em 1988, de uma companhia privada específica para comandar o processo de revitalização da antiga área portuária, convertendo-a em uma zona de uso misto, com finalidade prioritária de turismo e comércio, mas mantendo funções de porto comercial atuante. Para que ocorresse essa mudança na cidade, contribuiu a edição de um plano nacional intitulado National Physical Development Plan — NPDP (Plano Nacional de Desenvolvimento Físico), com o objetivo de promover a descentralização industrial e evitar os impactos ambientais sobre o território e a população. Com efeito, as regiões do país ricas em minérios, como ouro, carvão e urânio, tinham concentrado as atividades capitalistas mais dinâmicas e suas consequências problemáticas, como superpopulação, insuficiência da infraestrutura, poluição, criminalidade e crescimento urbano descontrolado. O plano estabelecia diretrizes para o desenvolvimento e destacava a importância das zonas costeiras para o crescimento econômico. Além da cidade de Durban, foram identificadas, como centros de desenvolvimento urbano e industrial, as áreas metropolitanas históricas da Cidade do Cabo e de Port Elizabeth. A implementação do plano trouxe a produção de riquezas, com destaque para a criação de novas indústrias e novos postos de trabalho, fazendo que as condições regionais e locais de habitação, mobilidade e infraestrutura melhorassem. Apesar dos bons resultados obtidos em termos macroeconômicos, em nível local a separação entre a cidade e o mar era vista pela população da Cidade do Cabo como um aspecto negativo. Vários planos e estudos foram elaborados pela prefeitura para restabelecer esse contato, mas apenas o projeto do que veio a ser o V&A Waterfront foi coroado de sucesso. Em 1985, foi criado um grupo de trabalho, com técnicos locais e do governo central, para examinar o potencial de uso das áreas portuárias pelo grande público. A proposta do grupo indicava que as históricas áreas em torno das docas Victoria & Alfred fossem reestruturadas, para dar origem a uma área de usos mistos residenciais, comerciais e de turismo, mantendo a continuação da operação portuária. As recomendações do grupo de trabalho (Comitê Burggraaf ) foram totalmente aceitas pelo governo central, incluindo a de que os terrenos portuários deveriam ser doados ao poder público, para que a execução do projeto de revitalização pudesse se realizar com grande liberdade

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e autonomia. Encaminhou-se também a criação de uma empresa para administrar o programa de revitalização — a Victoria & Alfred Waterfront (Pty) Ltd. — V&AW. Após cerca de um ano, o governo da Cidade do Cabo aprovou o projeto urbano desenvolvido pela V&AW e as obras se iniciaram em fins de 1989, com a instalação de novas infraestuturas de serviços públicos. Um dos principais executivos da V&AW, Pieter Van Zyl (Van Zyl 2005), comentou o processo de recuperação do porto com as seguintes palavras: “Isso foi uma vitória para os cidadãos da Cidade do Cabo, que lutaram vigorosamente, de finais de 1970 a inícios de 1980, para reverter o isolamento da cidade da sua frente marítima, resultante de aterros e da construção de autoestradas e ferrovias”. (Tradução do autor) O plano elaborado pelo Comitê Burggraaf adotou um conceito estratégico central, que possibilitou fossem implementadas ações para manter o porto vivo, com trabalhos de pesca, movimentos de guindastes, caminhões, rebocadores e serviços de reforma de navios, em pleno funcionamento (FABRICIUS, 2000). Os aspectos mais relevantes dessa decisão foram:

• • • • • •

continuação da maior parte das atividades portuárias, sobretudo da pesca; ativação do uso do cais molhado ou seco; manutenção da sede da polícia portuária; manutenção do serviço nacional de resgate marítimo; conservação das instalações para os pilotos de barcos; reposicionamento das embarcações como parte das atrações da frente marítima. Conseguiu-se fazer que trabalho e lazer coexistissem, criando uma situação de ativi-

dade incessante, nas duas esferas, num processo de retroalimentação do ponto de vista do uso e da ocupação urbana. Outro aspecto ousado resultou na transferência para o local (prevista no Plano) de prédios históricos em estilo vitoriano que existiam em outras partes da cidade. Alguns desses belos exemplares arquitetônicos foram desmontados e transladados, com o objetivo de criar um “novo” e bonito bairro dentro do waterfront. A deliberada mistura de usos, com a implantação de moradias, escritórios, restaurantes, hotéis e cinemas, foi idealizada no sentido de assegurar a sustentabilidade do empreendimento, mantendo a área viva, dinâmica e diversificada, com funcionamento tanto durante o dia quanto à noite.

Evolução do projeto A V&AW estipulou que, além do plano de desenvolvimento para toda a área de 123 hectares, um projeto-piloto deveria ser iniciado no Pierhead Precinct, setor portuário principal, formado por um conjunto de prédios históricos. A escolha do local do projeto-piloto visava, por meio de uma intervenção rápida e bem-sucedida, a ampliar a confiança da população e dos investidores, funcionando como ação catalisadora das demais iniciativas e demonstrando a necessidade de uma firme e moderna estrutura de gestão.

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Estratégias, metas e processo

A companhia estruturada para administrar o empreendimento, buscando criar um lugar especial na cidade, realizou um planejamento estratégico, orientado, entre outras, pelas seguintes diretrizes: •

Coordenar o desenvolvimento da área, maximizando o valor das terras para seus sócios;

• Delimitar usos apropriados e variados para o espaço da frente marítima, integran do-o plenamente à cidade; • Estabelecer as relações de negócios necessárias com autoridades, investidores e consultores, para assegurar o sucesso do empreendimento; • Desenvolver a imagem, a paisagem marítima e a atividade do trabalho portuário; • Criar um lugar de qualidade, para que a população e visitantes pudessem se divertir, trabalhar e viver. Baseado em tais diretrizes, definiu-se um processo de trabalho que alcançasse seis objetivos específicos, para dotar o novo espaço de: • Ambiente diversificado e rico; • Atividades de turismo e lazer; • Lançamentos imobiliários residenciais; •

Base viável de negócios;

• Conservação e fortalecimento dos elementos de significado cultural; • Melhoria do acesso público à orla marítima.

O projeto-piloto foi concluído em 1990, com a reforma de instalações históricas e antigas residências, em processo de deterioração. Num espaço emoldurado pelos muros de granito do cais e pelos ancoradouros de madeira, surgiram restaurantes, bares, butiques, hotel, teatro, mercado público e museu marítimo, substituindo lojas e oficinas decadentes. Não menos importante foi a adoção de novos padrões de segurança pública e limpeza, no cais e nas águas. Outras seis fases, previamente definidas, se sucederam, abrangendo, em resumo:

• Construção do centro de entretenimento e lojas especializadas do Victoria Wharf; • Conversão da antiga Breakwater Prison no campus da Faculdade de Negócios da Universidade da Cidade do Cabo;

• Inauguração de importantes edificações comerciais, cinema, hotel e aquário, assim como a transformação da área de tanques de petróleo em doca para pequenos barcos;

• Ampliação do Shopping Victoria Wharf, lançamento de um hotel cinco estrelas com 120 quartos e de outro da mesma categoria, com 330 quartos;

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• Construção de um condomínio residencial de luxo e redefinição da área da Torre do Relógio. Iniciada em 2000, a primeira etapa desse lançamento imobiliário extremamente bem-sucedido foi concluída em 2004, com a entrega de 231 apartamentos dos 518 planejados;

• Construção da marina V&A, com mais de 500 apartamentos e 200 pontos de amarção para barcos, inauguração de um luxuoso resort urbano, com 131 quartos, nova ampliação do Victoria Wharf Shopping Center, além da implantação de 1.250 vagas de estacionamento. O mapa apresentado em partes, a seguir, é distribuído gratuitamente aos visitantes do Waterfront. Concebido para funcionar como um guia, ilustra muito bem a riqueza de atividades existentes e a tão propalada combinação de setores produtivos com áreas de lazer e moradia. Às margens da Doca Victoria, situam-se o heliporto, indústria de pesca, vários cais, píeres e ancoradouros, o hotel Table Bay, cinco estrelas, com 329 quartos, bancos e o Shopping Victoria Wharf. Na parte inferior do mapa, vê-se o Red Shed Craft Workshop, com 17 ateliês e lojas de artesanato e objetos feitos à mão, em geral africanos. A parte externa dessa área é coberta por vias de circulação e estacionamentos, e à direita, embaixo, encontra-se a Praça do Mercado (Market Square), por onde passam os quatro caminhos policromáticos que servem para os passeios de pedestres, sugeridos pelo guia. Aí também se localiza o anfiteatro, onde acontecem espetáculos de artes cênicas e musicais ao vivo e ao ar livre. A segunda parte do Waterfront, selecionada para ilustrar sua pluralidade de atrações, tem como coração pulsante a linda Torre do Relógio, ligada por um pontilhão ao Pierhead, onde se deu o projeto-piloto de revitalização. Na área do velho relógio, todo restaurado, coexistem atividades portuárias tradicionais da indústria pesqueira e modernas, como vendas a varejo e escritórios. Lá se localiza o terminal de embarque para a Ilha Robben, onde Nelson Mandela foi prisioneiro durante 18 anos, no velho regime racista da África do Sul. Do lado do Pierhead, convivem o Shopping Alfred, o Hotel V&A, construído em 1904 como armazém e convertido em hotel quatro estrelas em 1990. Ainda nessa área, banhada pelas águas da Doca Alfred, localiza-se a Praça Nobel, onde se homenageiam os quatro sul-africanos que ganharam o Prêmio Nobel da Paz. No canto inferior direito, vê-se um syncrolift, onde os barcos são elevados para consertos e reformas. Possivelmente a área mais rica do porto, a V&A Waterfront Marina reúne uma tradicional marina com mais de quinhentos apartamentos com equipamentos de luxo, todos à beira d’água, duzentos berços para barcos e os luxuosos hotéis The One and Only e Cape Grace, com um total de 251 quartos. À esquerda, numa saudável mistura de usos, situam-se hotéis de menor categoria, mercado de artesanato, o dique seco Robinson, oficinas de barcos, o aquário Two Oceans e a Faculdade de Negócios, antiga prisão de Breakwater.

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Cidade do Cabo: a história bem-sucedida do Victoria & Alfred Waterfront


A Doca Victoria e o Victoria Warf Shopping Centre

A Torre do Relógio e o Pierhead

A Marina

fonte: V&A Waterfront Vistor’s Guide (folder). Cape Town, 2010

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Planejamento sólido, gestão flexível e atenção às demandas A companhia V&AW funciona como operador do empreendimento, cujos sócios proprietários são fundos de pensão estatais. Suas funções incluem locação imobiliária, segurança, limpeza, manutenção, marketing e administração. Os arrendatários dos espaços comerciais assinam contratos de leasing, de curto ou longo prazo. Os controladores asseguram que cada investimento agregue valor e que haja um contínuo crescimento do investimento global. Na visão de Van Zyl (2000), um dos executivos da companhia, alguns fatores foram fundamentais para permitir uma gestão positiva do empreendimento, que tem redundado em sucesso do ponto de vista dos “donos do negócio”. No seu entendimento, a manutenção da propriedade como uma unidade sob o controle de um único proprietário é muito importante, pois evita conflitos que poderiam ocorrer se ela tivesse sido fracionada. Em segundo lugar, o analista destaca a adoção de um cuidadoso monitoramento do desenvolvimento do empreendimento, de forma que as novas iniciativas acompanhem a demanda do mercado. Ou seja, o ritmo da implementação do projeto não é definido pelo plano orçamentário do investimento, mas pelos ditames do mercado, interpretados segundo as regras e a visão geral do plano de execução. O conceito predominante no planejamento do negócio permite tal flexibilidade nos direitos de uso do espaço, facilitando aos gestores alterar os planos de execução de acordo com as demandas de mercado. Apesar da evolução do planejamento inicial, a sua necessidade continua guiando o desenvolvimento do projeto, de tal forma que se tem evitado o oportunismo financeiro que poderia superpor-se à racionalidade do empreendimento. O estilo de gestão da V&AW segue a lógica de um planejamento cuidadoso, porém flexível, fugindo da instabilidade dos investidores do capital financeiro. Tal persistência de visão e coerência de ação é que têm sido responsáveis pelo espetacular sucesso financeiro do projeto.

Em síntese As avaliações feitas por dois importantes executivos da companhia administradora (Van Zyl e Thompson, 2000) sumarizam os fatores de sucesso da revitalização da área portuária da Cidade do Cabo. Vale a pena transcrever aqui parte das conclusões do trabalho de Cavallieri (2010), pois alguns desses fatores, sublinhados pelos citados gestores do empreendimento, representam pontos-chave de sucesso, que podem ser replicados em projetos de revitalização da mesma natureza:

• A atuação de uma equipe multidisciplinar e de especialistas em projetos adotou um processo holístico de desenho e execução, estruturado por um sistema de gerenciamento de projetos (Package of Plans);

• Trabalhou-se com acionistas que entendessem o funcionamento do investimento de capital e tivessem uma visão de longo prazo;

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Cidade do Cabo: a história bem-sucedida do Victoria & Alfred Waterfront


• Houve um forte apoio de planejamento, por parte do governo municipal, vital durante os críticos primeiros cinco anos;

• Os planejadores aprenderam com outros exemplos pioneiros de revitalização de waterfronts no mundo inteiro, desenvolvendo estratégias próprias para atender às características específicas da Cidade do Cabo;

• Manteve-se o ambiente de trabalho do porto, com suas atividades normais e prédios históricos característicos;

• O waterfront da Cidade do Cabo foi pensado para ser um “lugar de verdade” e não um parque temático;

• O crescimento aleatório foi evitado e concentrou-se a ação inicial no Pierhead Precinct, como âncora para a futura expansão do projeto. A partir daí, o crescimento se deu da maneira mais integrada possível;

• Houve uma cuidadosa mistura da atuação dos negociantes-arrendatários e de outros tipos de atividades, baseadas em um programa contínuo de eventos e promoções especiais, que sustentaram crescimento e sucesso financeiro;

• O padrão de conservação e limpeza dos ambientes é de alto nível. Finalmente, na visão dos citados executivos, a atenção prioritária do projeto foi dirigida aos moradores e não apenas aos turistas. Mantém-se essa prioridade como um dos objetivos-chave, porque, embora os turistas sejam muito importantes para o empreendimento, estabeleceu-se como missão principal fazer do waterfront um lugar muito especial para os cidadãos da Cidade do Cabo.

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Victoria & Alfred 1652 Estabelecimento, pela Companhia Holandesa das Índias Orientais, de um entreposto para abastecer a frota de barcos em rota às suas colônias na Ásia.

1726-1794 Holandeses erguem um sistema de fortificações ao longo da costa, para proteger-se de invasores. As fortificações Chavonnes Battery e Amsterdam Battery estão situadas dentro do V&A Waterfront e os seus restos arqueológicos, incorporados ao Waterfront, fazem parte da paisagem histórico-cultural.

1814 Ingleses adquirem dos holandeses o povoado do Cabo.

1858 Violentos vendavais de inverno destroem mais de 30 navios; como consequência, a LLoyds de Londres recusa-se a cobrir com seguro os barcos que invernavam no porto de Table Bay, da Cidade do Cabo. 2 Antiga Orla do

V&A Waterfront

1859 Sir George Grey, governador da Cidade do Cabo, e o governo imperial da Grã Bretanha aprovam a construção do primeiro atracadouro portuário da cidade.

1860 Inaugurada a linha férrea para a ligação Wellington – Cidade do Cabo, que induz a expansão da cidade. Obras de aterro consolidam e ampliam o espaço da cidade, avançando sobre o mar.

1870 O Alfred Basin, primeiro da série de atracadouros construídos para abrigar navios, revelou-se insuficiente para atracar a crescente frota de transatlânticos, cada vez com maior tonelagem. Navios a vapor passaram a substituir veleiros, enquanto a descoberta de ouro e diamantes deu um forte ímpeto para a ocupação do hinterland da África do Sul.


1905

1988-1989

1996-1997

2011

A segunda bacia e docas Victoria é inaugurada e permanece operando até meados dos anos 1930, servindo como principal portal de entrada à África do Sul.

A cidade acolhe integralmente as recomendações contidas no relatório do Comitê Burggraaf. É logo formada a companhia Victoria & Alfred Waterfront Company (V&AW), uma subsidiária da Transnet Limited, corporação estatal de transportes da África do Sul. A nova companhia é responsável pela execução dos estudos, formulação de estratégias, planos e projetos, coordenação das atividades de reurbanização da área, programadas em seis fases ou etapas de execução, bem como pela sua operação e manutenção.

Fase 4: Construção do Cape Grace Hotel, de cinco estrelas, no West Key, expansão do Victoria Wharf Shopping Center e do Table Bay Hotel (330 apartamentos), localizado no Quay 6.

Dubai World vende o V&A Waterfront para o consórcio formado pela gigante Predial Growthpoint e a Public Investment Corporation, pelo preço de R9.7 bilhões.

1937 O parlamento da África do Sul aprova o projeto de construção de um novo porto de águas profundas, situado ao sul do Victoria & Alfred, para navios de maior porte e calado. Uma área equivalente a 230 hectares é aterrada, para formar o Cape Town Foreshore, de uso exclusivo para atividades portuárias, mas que passa a bloquear o acesso de moradores da cidade ao mar. Esta situação se agrava mais ainda na década de 1960, quando são construídos um ramal ferroviário, viadutos e autopistas expressas, ao longo da orla portuária.

1940 Doravante a Cidade do Cabo perde a primazia de porto marítimo de entrada à África do Sul, devido ao vertiginoso crescimento do transporte aéreo.

1984 Os ministérios de Transporte, Meio Ambiente e Turismo formam o comitê Burggraaf, com o objetivo de estudar as alternativas viáveis para recuperação econômica da antiga área portuária abandonada e buscar uma solução para acesso da cidade à orla marítima.

1990 Fase 1: Obras de readaptação e reúso das antigas instalações portuárias –armazéns e silos, no setor do Pierhead, dão início ao processo de renovação, recebendo estabelecimentos comerciais, incluindo restaurantes, tavernas, galerias de arte e espaços para produção e comercialização de artesanato, e ao tratamento paisagístico.

1992 Fase 2: Execução de importantes obras no desembarcadouro Victoria (Victoria Wharf): um shopping center com 26.500 m2, que deu impulso para tornar o V&A destino comercial e de entretenimento; a conversão, pela Universidade de Cape Town, do antigo presídio de Breakwater em nova escola de pós-graduação em administração de empresas (MBA); o retrofit do Breakwater Lodge, com 330 apartamentos, servindo tanto aos estudantes da universidade como para suprir a demanda de mercado por quartos de hotel.

1994-1995 Fase 3: Conclusão dos projetos do Two Oceans Aquarium; do teatro IMAX, do pavilhão da BMW, com o salão de automóveis, e das obras de proteção costeira do Granger Bay.

2002-2004 Fase 5: Aprovação das seguintes iniciativas pelo Conselho da Cidade do Cabo: a) V&A Marina Residencial, com 550 unidades de alta qualidade e 150 novos ancoradouros para veleiros; b) Construção de um prédio de uso misto no setor do Clockwater Precinct, em torno do qual se desenvolvem as atividades da indústria pesqueira, com escritórios comerciais e o terminal de barcos, servindo a Robben Island, onde o expresidente Nelson Mandela e outros líderes cumpriram penas de prisão durante o regime de apartheid. Esta ilha foi transformada em museu e centro de turismo cultural, hoje é patrimônio protegido e figura na lista de sítios de Patrimônio da Humanidade (UNESCO). No Clockwater Precinct, foi erguido um prédio corporativo sede da Board of Executors, cujo térreo incorpora as ruínas históricas da fortaleza de Chavonnes Battery, construída pelos holandeses em 1726.

2003-2006 Fase 6: Concluído o segundo setor do V&A Marina residencial; o hotel V&A Waterfront; o Hotel One & Only, da Kerzner International, com 150 quartos de luxo; uma estrutura corporativa-sede BP, com 8.500 m2; a expansão do Victoria Wharf Shopping Center, um edifício garagem com 1.250 vagas; duas estruturas com total de 10 mil m2 de lajes corporativas, e o anexo do V&A Waterfront Hotel.

2010 Durante o período de quatro semanas, de 11 de junho a 11 de julho, da realização dos jogos da Copa do Mundo, cerca de 3 milhões de pessoas visitaram o V&A Waterfront, em média 115 mil pessoas por dia.

2012 Construção e reforma do Food Court (restaurantes). A renovação desse complexo foi acompanhada por uma série de outras iniciativas dentro do V&A Waterfront, incluindo novos prédios comerciais erguidos no entorno do distrito do Clock Tower. Com destaque ao prédio de escritórios chamado N˚1 Silo, inaugurado em 2013, que recebeu a marca de 6 estrelas em seu certificado de edificação verde, a primeira a ser laureada com esta pontuação na África do Sul e também na Província de West Cape.

2012 A Direção de Imigração do Western Cape decretou que navios de cruzeiro não podem atracar no Píer 2 do V&A Waterfront. A partir dessa data, todos os navios de passageiros passam a atracar no E-Beth & Duncan Dock.

2013 Resultados do estudo de impacto econômico, conduzido pela empresa Economic Information System (EIS), coordenado por Barry Standish, apontam que o V&A Waterfront é um significativo polo econômico, tendo contribuído com mais de R198 bilhões para a economia da África do Sul, nos últimos 10 anos. De acordo com este estudo, em termos nominais, a sua contribuição ao PIB cresceu de R10.4 bilhões, em 2002, para R28.9 bilhões, em 2012. Isso equivale a 11% de crescimento médio anual do PIB, durante a última década, sendo 1,5 vezes acima do índice médio de inflação.


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Da pequena escala ao grande alcance: a renovação da zona portuária da Cidade do Cabo

Laurine Platzky Nascida na Africa do Sul, é geógrafa e socióloga de formação, com doutorado em planejamento urbano e regional pela Universidade de Cape Town. Desenvolveu projetos, envolvendo estratégias econômicas junto a populações rurais, dentro do Programa de Reconstrução e Desenvolvimento, ligado ao gabinete da Presidência da Africa do Sul, durante o mandato de Nelson Mandela. Foi responsável, desde 2006, pelo Programa de Desenvolvimento Econômico e de Turismo da Província de West Cape, tendo coordenado, no Western Cape, o programa de preparativos da FIFA, para a Copa do Mundo de 2010.

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Quase um quarto de século depois de iniciar-se a construção da orla do Porto de Victoria e Alfred — V&A, como é conhecido —, em novembro de 1988, ele ainda é o ponto de atração da África do Sul mais visitado, com 23 milhões de visitantes por ano. Situado no canto noroeste do porto da Cidade do Cabo, à beira do centro comercial da cidade (CBD – Central Business District), no pé da Table Mountain, o V&A é uma obra urbana moderna e integrada, que abriga atualmente 450 unidades de varejo, mais de 80 restaurantes, 10 hotéis, 550 unidades residenciais e espaços públicos, num porto ainda em funcionamento. Trata-se de uma combinação original de localização muito atraente, boa infraestrutura física, espaços públicos aconchegantes, empresas rentáveis, num ambiente limpo e seguro, que atrai estrangeiros e sul-africanos de todos os cantos do país, de diversas categorias demográficas. O V&A foi projetado na década de 80, nos últimos dias do apartheid, que foi traumatizante para a África do Sul. O movimento popular em prol de um futuro democrático teve êxito ao fazer enorme pressão sobre o National Party, partido dominante (só de brancos), para a reforma e, depois, ao negociar a transferência do poder para uma ampla coligação política sem bases raciais. Movimentos políticos no exílio, com seus líderes presos, mobilizaram crescente pressão internacional sobre o regime do apartheid, enquanto as sanções econômicas não ajudavam o regime de minoria. Portanto, num momento de comoção política interna, expectativas crescentes e prevaricação internacional com respeito ao regime da minoria branca, o principal objetivo da Orla V&A, consubstanciado nos seus estatutos acordados com o governo municipal da Cidade do Cabo, era corajoso e visionário: transformar a orla num lugar muito especial para todos os cidadãos da Cidade do Cabo. Somente em meados de 1980 foi abolida a legislação que proibia brancos e negros de se misturarem. Muitos desacreditaram do projeto do V&A, por acharem-no pouco realista e por não o considerarem um investimento rentável. Em sua condição de primeiro presidente da Companhia Orla V&A, o professor Brian Kantor disse: “Francamente, eles achavam que estávamos sonhando”. (Birkby, p. iv) Além de questionar o preceito do apartheid de que pessoas de “raças” diferentes não deveriam misturar-se, a visão de transformar um porto de cabotagem ativo, inclusive com um porto de pesca, numa atração muito desejável para os habitantes da Cidade do Cabo era realmente uma grande novidade. Os visitantes do V&A poderiam vir fazer compras, frequentar os restaurantes e bares e divertir-se num ambiente de saudável mistura social. Com efeito, outros exemplos de orlas portuárias que, na época, surgiam pelo mundo haviam transformado docas desativadas ou portos subutilizados, frequentemente transformando-os em verdadeiros parques de diversão, alguns com um centro comercial anexo. Em 1988, depois de quase uma década de complicadas negociações entre os proprietários, os atuais e antigos operadores do porto, a Prefeitura da Cidade do Cabo, o Governo Nacional e representantes de uma ampla gama de interessados da sociedade civil, foram assinados os estatutos acordados entre a Companhia da Orla V&A e a prefeitura. O propósito do V&A era simplesmente “tornar a orla um lugar muito especial para todos os cidadãos da Cidade do Cabo”. “Começando pequeno de um modo grandioso”, relatou a GPA Architects em novembro de 1990 (Birkby, p. 22)

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Fatores críticos do sucesso do V&A O primeiro e mais importante fator da história do V&A foi a liderança. Desde o início, um prefeito de visão, com uma equipe profissional e inovadora dedicada à tarefa, juntamente com apoio técnico altamente competente das autoridades do porto, uniram a perspectiva ampla a detalhes necessários, para assegurar um projeto com êxito. Birkby (1998) lista os nomes dos protagonistas mais dinâmicos, que se recusaram a aceitar um “não” como resposta às suas investidas, que dirigiram os debates e conquistaram consenso. Um dos mais importantes protagonistas foi David Jack, arquiteto e designer urbanista, antigo chefe de planejamento da Prefeitura Municipal, que liderou a Companhia V&A desde 1989. Um homem reservado e razoável, com uma grande visão, muita habilidade técnica, experiência em ambos os setores, público e privado, David Jack tornou-se, uma década mais tarde, um destacado membro da diretoria da Companhia para Convenções Internacionais da Cidade do Cabo (Board of the Cape Town International Convention Company – CTICC) e agora é consultor internacional. Parceria, também, foi um fator importante para a conclusão desse complexo projeto, que envolveu o Governo Municipal da Cidade do Cabo, o Governo Nacional (sobretudo o Departamento de Transportes), a administração portuária, as estradas de ferro, as companhias petrolíferas (Central de Depósito de Tanques Petrolíferos), o setor privado, no início estivadores, companhias de pesca, pescadores e, mais tarde, empreendedores imobiliários, banqueiros, varejistas, hoteleiros, donos de restaurantes, urbanistas, arquitetos, engenheiros e inspetores de quantidade. É uma arte coordenar essa ampla gama de partes interessadas, envolvendo-as suficientemente para tornar o projeto uma realidade, mas não além dos seus mandatos, de tal forma que focassem somente na sua parte do empreendimento. A formulação e a manutenção dessa parceria requerem enorme visão, habilidade de trabalhar com pessoas, paciência e persistência. Da mesma forma, a atenção aos detalhes foi necessária ao longo de todo o processo. Manejar uma variada plêiade de partes interessadas, proprietários de terras, investidores e equipes técnicas, para não mencionar órgãos reguladores, requer habilidade e competência em gestão de projetos. A noção de um pacote de planos foi desenvolvida com base no argumento de que seria necessária uma hierarquia de planos, para levar a cabo este projeto, para assegurar consistência entre o projeto e os detalhamentos, como os desenhos para a restauração do legado histórico. Esta abordagem por pacote de planos, desenvolvida pelo V&A,

ainda hoje é usada na Cidade do Cabo. Birkby (1998) resume os vários planos que

foram elaborados e como se relacionavam entre si: zonas de desenvolvimento (tanto espacial como em fases temporais), limpeza da poluição — particularmente o antigo canteiro de armazenamento de petróleo em tanques de depósito, convertido numa marina residencial, — milhares de planos e desenhos do legado, para assegurar har1 V&A Waterfront atual,

ao fundo o World Cup Stadium [p. 176]

monização dos edifícios e espaços novos e velhos, planos de transporte de veículos motorizados e circulação de pedestres, assim como conectividade com o resto da cidade.

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2

Todos os participantes foram envolvidos, de alguma maneira, no desenvolvimento dos conceitos e nos debates, a fim de que o V&A se tornasse um lugar bom para as pessoas e, também, comercialmente rentável. A qualidade foi e continua sendo um fator crucial de sucesso. Até o final da década de 1980, na África do Sul, havia pouca ênfase na “qualidade” do ambiente construído. Alguns poucos arquitetos e designers urbanos, que haviam estudado no exterior, começaram a ensinar a importância de qualidade de design nas escolas de planejamento de design e de arquitetura. Alguns edifícios do período pós-1960 poderiam ser considerados como de notável qualidade. Poderia dizer-se, portanto, que foi a ênfase na qualidade visível no V&A que levou à atenção ao paisagismo, rotas de pedestres, iluminação, equipamentos urbanos como bancos, escadas, balaústres, etc., incluindo o legado histórico e a conservação, até a escala do planejamento das estradas e a segurança. O acabamento dos edifícios e espaços públicos no V&A foi trabalhado com cuidado artesanal. O papel do design foi também fundamental. O conceito de design está estreitamente associado à noção de qualidade, que envolve a combinação consciente de elementos que resultam num ambiente de edificação esteticamente agradável. O design de novos edifícios, o redesenho de edifícios e espaços antigos, de fácil conectividade, de escala humana, que reflete o passado e conecta com o futuro, são todos elementos do trabalho necessário para projetar e concluir o V&A. Mais recentemente, a importância do design “verde” tem se tornado central e, novamente, o V&A abriu caminho, propiciando, por exemplo, a inauguração, em 2005, de um edifício de cinco estrelas verdes, sede regional para o Sul da África da companhia BP (British Petroleum), que se autodesignou de “além do petróleo”. (www.solutionstation.co.za)

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2 Enseada e marina,

configuração atual. Ao fundo, vê-se a Table Mountain


A inovação foi e continua sendo outro fator essencial para o sucesso do V&A . A companhia abriu caminho para muitos projetos subsequentes na Cidade do Cabo, criando um Comitê de Exame de Design1, representando as partes interessadas. Este foi o fórum em que arquitetos e especialistas em design lançavam suas ideias e testavam seus conceitos. Foi também o lugar onde os investidores — muitos bem conservadores —, junto com o Fundo de Pensão Transnet, conjugavam realidade com viabilidade financeira dos projetos. Eles trabalhavam com uma visão comum, frequentemente discordando sobre detalhes, mas sempre negociando acordos para o projeto, garantindo que o V&A viesse a ser um lugar onde as pessoas se divertissem, ao mesmo tempo preenchendo os requisitos comerciais dos investidores. Foi essencial o equilíbrio entre requisitos comerciais e um ambiente amigável. Uma atenção cuidadosa e um financiamento generoso foram concedidos à construção, restauração, ambiente e alinhamento. Os edifícios e espaços tinham que ser convidativos e proporcionar uma sensação de conforto. Espaços públicos, como o anfiteatro e os cais, foram desenhados e aperfeiçoados para caminhadas, convívio e interação entre jovens e idosos, ao longo das lojas de varejo e dos edifícios expressamente apropriados para escritórios comerciais. Como afirmou David Jack, “edifícios apropriados — apropriados à sua localização, apropriados ao clima da Cidade do Cabo… e usamos a tecnologia apropriada. O que é apropriado ao extremo Sul da África, com esse clima tão diferente do resto do continente?” (Birkby, 1998:85) Isto acrescenta à autêntica sensação do V&A como uma local de lazer e trabalho confortável e relaxante. Escala é outro importante aspecto do sucesso do V&A. Não muito grande nem muito impactante e com muitos ângulos de vistas diferentes do mar, de novos e antigos edifícios, diferentes texturas, indo dos pavimentos de concreto ao convés de madeira, praças de areia e calçadas de pedras. O V&A acomoda, principalmente, edifícios antigos de dois ou três andares, com alguns dos mais modernos, como o Hotel Table Bay, mais alto e visível à distância. Cuidadosamente espaçados, de forma a não imprensar os pedestres e não competir com a majestade da Table Mountain, as últimas propostas estão agora começando a lidar com o enorme silo de grãos atrás da zona da Clock Tower (Torre do Relógio). A questão crucial de parcelamento está relacionada com a escala. Desde o início, visualizava-se um enorme projeto a ser implementado ao longo de trinta anos. Começando de forma pequena e modesta, acumulando uma experiência intensa, eles adquiriram credibilidade com visitantes e investidores. Asseguraram que o V&A seria um lugar divertido para todos os seus visitantes. Levaram em conta

1 A autora já esteve envolvida em duas comissões de exame de design. A primeira para o design

do centro da Cidade do Cabo com vistas a convenções internacionais, entre 1999 e 2003, e o segundo, para o Estádio da Cidade do Cabo, de 2007 a 2010, preparação da Copa Mundial da FIFA, em 2010. Em ambos os casos, o debate caloroso foi temperado por realidade financeira, necessidades de acesso e confiabilidade, dentro do amplo contexto natural e urbano.

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os comentários construtivos e lidaram com o ceticismo e o pessimismo dos primeiros anos do projeto. Responderam à demanda, mas sempre dentro da visão do design e a um ritmo financeiramente viável para os investidores da época. A cada visita de estrangeiros à Cidade do Cabo, eles notam o progresso, não grandioso, mas em escala humana, o que enriquece a Cidade do Cabo, como um destino turístico. O V&A gerou uma nova tendência para lojas de varejo. Começando no Hemisfério Norte, onde os invernos severos impedem as pessoas de saírem às compras com conforto no tradicional comércio do centro das cidades, os grandes parques comerciais (shopping malls) suburbanos surgiram na África do Sul, na década de 1970. Por exemplo, a construção, no início da mesma década, de um centro comercial subterrâneo, sob a intercessão de duas ruas do centro comercial (CBD, Central Business District) da Cidade do Cabo: a Adderley e a Strand, provocou debates entre designers. “Com o nosso clima temperado, por que alargar as estradas, pôr mais carros nelas e enterrar as pessoas nas vísceras da terra?” perguntou Roelof Uytenbogaart, arquiteto e professor de Planejamento e Design da Universidade da Cidade do Cabo. O componente de varejo do V&A, no início da década de 1990, começou a questionar o modelo enclausurado e abriu lojas orientadas para o interior, no modelo do antigo centro comercial, mas leves e bem arejadas, com uma sensação provocada pela brisa do mar. Segurança e tranquilidade: Havia outra razão para a implantação desses centros comerciais, além de simplesmente copiar o que se fazia no Hemisfério Norte: a crescente insegurança na África do Sul, durante a etapa final do apartheid. Não era mais possível que, para a sua segurança, os brancos abastados contassem com amenidades de lazer e “áreas especiais” para diferentes grupos raciais. Não demoraria muito para que a lei não mais impedisse que qualquer pessoa com recursos, independentemente de raça, morasse ao lado de sua casa. A elite começou a se sentir menos ameaçada pelos negros das classes média e alta e optou por condomínios fechados e casas em campos de golfe, onde o acesso poderia ser limitado aos moradores, seus convidados e empregados, sendo, desta forma, cerceado o acesso das pessoas comuns. Igualmente, com a separação das funções, os empresários começaram a sair do centro das cidades, em busca dos “parques de imóveis de escritórios comerciais” nos subúrbios. Segurança e tranquilidade eram vistos como os fatores que impulsionaram essa tendência, até que iniciativas inovadoras, tais como os Distritos de Melhoria dos Centros de Cidades, foram estabelecidos no centro comercial (CBD) da Cidade do Cabo. Gerido pela Parceria da Cidade do Cabo2, que incluía os setores público e privado, empreendeu-se um intenso trabalho para limpar o centro da cidade, dar assistência social aos moradores de rua, aumentar o policiamento nas vias e tornar as pessoas mais conscientes quanto ao problema de segurança e tranquilidade. Este foi um fator importante para reduzir a deterioração do centro comercial da Cidade do Cabo. Entretanto, o V&A já havia começado a incorporar aquele espaço isolado com lojas de varejo. No início, o V&A proporcionava nítida segurança, para quem quisesse fazer compras ou sair para se divertir em altas horas da noite. Inicialmente, os visitantes do V&A

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eram, na maioria, brancos de classe média. Gradualmente, a frequência passou

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a ser mais variada — outros moradores da Cidade do Cabo passaram a apreciar o que o V&A tinha a oferecer. Mesmo aqueles que não tinham recursos para ir a um restaurante caro faziam das compras no V&A um programa de lazer e diversão, por exemplo, levando as crianças para tomar sorvete. Hoje, os visitantes do V&A representam toda a gama demográfica da Cidade do Cabo e de seus visitantes internacionais. Desde o princípio, o V&A adotou a política de tolerância zero ao crime, à desordem e à sujeira. Agentes de segurança privada circulam pela orla, impedindo a presença de crianças de rua, vendedores ambulantes e mendigos.3 Serviços de limpeza pública trabalham continuamente e a área está sempre impecável. Na atualidade, já se notam os sinais de uso e desgaste, e ocasionalmente se encontra um mendigo, alguns vendedores ambulantes e menos agentes de segurança privada, como no caso do Centro Comercial da Cidade do Cabo (CBD), O financiamento do V&A, desde o início e até hoje, é um fator importante, que exige uma profunda expertise. Basicamente, os planejadores no início descobriram que grandes financiadores institucionais seriam necessários. Como o porto era de propriedade do Estado e operado por ele, havia interesse no projeto por parte do Fundo de Pensão Transnet, responsável pelo investimento das poupanças e contribuições previdenciárias dos trabalhadores dos portos e das ferrovias de todo o país. O Fundo investiu um bilhão de rands no V&A, com pleno conhecimento da sua viabilidade a longo prazo, do custo real do projeto e do fluxo das receitas estimadas. No início das parcerias público-privadas, o V&A era visto como um ativo que estava se valorizando. A maior parte dos projetos privados trazia seu próprio financiamento, mas havia exceções, tais como o aquário, cujas despesas de funcionamento foram, em parte, providas pela empreiteira que o construiu. Veio do Fundo de Pensão o financiamento dos componentes que não deveriam gerar receitas, tais como a restauração da antiga Torre do Relógio (Clock Tower) ou a conversão do velho canteiro de depósito de tanques petroleiros em novas marinas cercadas de unidades residenciais. As receitas geradas pelos projetos comerciais privados vinham de uma porcentagem do faturamento do negócio e do aluguel de escritórios. Dessa forma, as áreas comuns, inclusive estradas, rede de água e obras de paisagismo, foram financiados mediante subsídios cruzados, a partir dos ativos que geravam receitas. O modelo funciona com uma parcela proporcional do faturamento em vez do lucro, que reverte para a Companhia V&A e é empregado na renovação de projetos ou criação de novos, manutenção e consertos — um dispositivo semelhante ao utilizado por governos municipais, que administram as finanças de uma cidade, usando receitas tributárias de áreas de moradores mais abastados para subsidiar bairros mais pobres.

2 CTP: www.capetownpartnership.co.za 3 Assistentes sociais encaminham, mensalmente, cerca de 35 sem-teto e 3 mil desocupados,

para fora da área do empreendimento.

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3

Em setembro de 2006, a Companhia V&A foi vendida pela Transnet por sete bilhões de rands para magnatas, com financiamento de Dubai. Com a venda, houve importantes mudanças, como nova gerência e uma visão mais comercial para o V&A. Em seguida os habitantes da Cidade do Cabo começaram a tomar conhecimento dos grandiosos planos, ao estilo de Dubai, para a sua venerada orla. Essas propostas, que geraram muita controvérsia, foram debatidas pela mídia. Elas envolviam planos para ilhas artificiais afastadas da costa (offshore), entre o V&A e a Ilha de Robben. Objeto de muita resistência dos moradores da Cidade do Cabo, esses projetos não teriam mesmo podido ser realizados, devido ao mar bravo na costa, com ondas de mais de cinco metros, comuns no inverno. Portanto, nem chegaram à etapa dos estudos de impacto ambiental (EIAs), que legalmente teriam sido necessários. Como consequência da recessão global (e, possivelmente, devido à relutância da Cidade do Cabo de aceder a projetos de desenvolvimento extravagantes), os proprietários estrangeiros do V&A, a Companhia London and Regional Properties e a Companhia Dubai World, puseram de novo à venda a área imobiliária mais cara da África do Sul. Em dezembro de 2010, a V&A foi readquirida por sul-africanos — a Companhia

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3 Clock Tower, na V&A Waterfront

no início do século XX


de Investimento Público (PIC), o Fundo de Pensão dos Funcionários Públicos (GEPF) e a companhia Growth Point Properties Ltd., com financiamento do Banco ABSA, por dez bilhões de rands. Dessa vez, a diretoria geral (CEO) e a maior parte do pessoal da V&A continuou sendo de moradores locais. O V&A, novamente, expandiu-se, com melhorias na praça de alimentação do Wharf Mall e mediante o redesenho da zona em que está situado o antigo silo de grãos. Sempre inovadores e sensíveis à escala da Cidade do Cabo, arquitetos locais, designers e urbanistas estão debatendo e concebendo uma sensacional área nova que se conectará com o Duncan Dock e com o resto da cidade, através do Distrito do Centro Comercial (CBD). Este desenvolvimento adicional será “vigilante, competitivo, nunca complacente”, de acordo com Derrick van der Merwe, antigo diretor geral do V&A. O impacto econômico do V&A tem sido importante, por exemplo, na criação de empregos: até julho de 1997, 6.730 postos de trabalho haviam sido criados e, em setembro de 2012, havia um total de 16 mil postos de trabalho no V&A. Produto imobiliário é outro fator crítico do sucesso. A equipe original aprendeu com os projetos de desenvolvimento de orlas, ao redor do mundo. Os seus membros estudaram cuidadosamente seus sucessos e desafios e prestaram atenção às suas experiências. Um bom exemplo desse processo de aprendizagem é que a sua intenção inicial tinha sido desenvolver unidades residenciais por cima das lojas de varejo, mas, numa visita a Nova Jersey (EUA), foram advertidos pelos planejadores do Port Liberté, onde moradores de áreas de uso misto, ao contrário de suas expectativas, se decepcionaram com o ruído e a falta de privacidade (Birkby, p. 22). Essa precaução foi levada a sério quando os planejadores do V&A tiveram que prever unidades residenciais para moradores afluentes, a fim de preencher os requisitos comerciais do projeto. O plano original para unidades residenciais foi repensado e as moradias realocadas em área próxima às lojas de varejo e áreas de lazer, mas com certa separação, construídas na antiga zona dos depósitos de tanques petroleiros, separadas por canais para assegurar privacidade. Uma curta caminhada traz os moradores para o centro da vida dos espaços públicos do V&A. Os produtos imobiliários são de caráter misto e oferecem oportunidades variadas. Não somente os grandes empresários, como grandes supermercados, cadeias de roupas e de hotelaria, estão representados nos setores de varejo e de alojamento, mas também as pequenas e médias empresas receberam o seu devido lugar. Ao longo dos anos, aqueles que vendiam suas mercadorias em carrocinhas no shopping mall, passaram a ocupar suas próprias lojas formais. Há comerciantes singularmente “locais”, assim como marcas globais, que são reconhecidas pelos turistas estrangeiros e que, no final da década de 1990, se tornaram particularmente bem aceitas pela classe média negra emergente da África do Sul. No que tange ao aspecto social, os produtos imobiliários foram cuidadosamente pensados. O aquário mencionado anteriormente foi um exemplo inicial de um projeto que contribuiria muito para a comunidade e para o conhecimento científico, sem ser, necessariamente, um grande gerador de receitas. Outro exemplo foi a criação

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da Nobel Square (Praça dos Nobels), para prestar homenagem aos quatro laureados com o Prêmio Nobel da Paz: antigos presidentes da República Nelson Mandela e F.W. de Klerk, o antigo presidente do African National Congress (ANC), Albert Luthuli e o arcebispo emérito Desmond Tutu. Lindamente esculpidas, mas com simplicidade, as quatro estátuas alinham-se próximas umas das outras, contra o fundo da Alfred Bassin (Bacia de Alfred) e da Table Mountain. Historicamente, as barcas da Ilha de Robben ancoravam na Victoria Basin (Porto2), muito antes dos planos de desenvolvimento de 1988 se iniciarem. Dos dias em que a Ilha de Robben era um colônia de leprosos até a sua infame notoriedade como prisão política do apartheid, as barcas transportavam, ida e volta, os leprosos, prisioneiros, agentes penitenciários e seus familiares. No dia 1º de dezembro de 2001, Nelson Mandela inaugurou o Museu Robben Island, no imponente Mandela Gateway (Portal de Mandela), na zona da Clock Tower. O arejado edifício contém objetos (memorabilia) que relembram a vida dos prisioneiros políticos e um auditório, onde são passados filmes sobre suas vidas. Antes de ser a sede da Copa FIFA de Futebol de 2010, um filme intitulado Mais do que um simples jogo4 foi produzido. Este filme mostrava prisioneiros jogando futebol na ilha e a sua estreia foi recebida com grande aclamação. A equipe de futebol dos prisioneiros, na ocasião, foi até reconhecida pela FIFA. Turistas e provedores de serviços para a ilha são agora transportados, diariamente, do Gateway. Estúdios cinematográficos foram implantados no final da década de 1990 na zona do V&A, acima dos canteiros de depósitos de tanques petroleiros. A sua localização próxima de instalações técnicas e de variados locais abertos espetaculares, assim como o setor criativo dentro e ao redor do Green Point, enriqueceram a combinação de talento e variedade de demanda no V&A. Há inúmeros locais apropriados para filmagens de longa-metragem, assim como comerciais. A variedade de edifícios e espaços do V&A, as vistas do mar e a população diversa da Cidade do Cabo, como fonte de figurantes para as filmagens, representam um local ideal para sessões de fotografias e filmagens. Cenas do filme Blood Diamond, com o ator Leonardo di Caprio no papel principal, foram filmadas no V&A, com a Table Mountain claramente visível ao fundo. Ele é um dos muitos atores de cinema que frequentam o V&A. A combinação de produtos imobiliários, como hotéis, restaurantes e lojas, foi objeto de cuidadosa consideração. Como mencionado, famílias fazem de idas ao supermercado programas de lazer familiar. Para atender a membros do outro extremo da escala social, muitas lojas de design foram abertas ao longo dos anos. No meio, encontram-se inúmeras lojas de roupas, produtos de beleza, joalherias e artigos esportivos, com um foco especial em roupas para crianças e obras de artesanato. Há, também, duas grandes áreas dedicadas ao artesanato sul-africano. O primeiro hotel a ser inaugurado no V&A foi o Victoria and Alfred Hotel, no North Quay, junto ao Alfred Basin. Era um pequeno hotel com apenas 68 quartos, integrado à primeira fase do projeto central. O parque comercial Alfred Mall serviu de residência para designers e lojas de propriedade familiar. Por muitos anos, esse hotel, de propriedade familiar, tinha o mais elevado índice de ocupação da Cidade do Cabo.

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No outro extremo do conjunto e da Victoria Basin, encontra-se o Table Bay Hotel, de cinco estrelas, inaugurado em 1997. Construído no grandioso estilo de engenheiros vitorianos, é um enorme edifício com 329 quartos (Birkby, p. 55). Ele foi financiado pelo Fundo de Pensão Transnet e pelo Grupo Internacional de Hotéis Sun. Em 1996, foi inaugurado o menor, mais elegante e mais discreto Hotel Cape Grace, também de cinco estrelas e preferido dos Clintons (ex-presidente dos EUA). Situado num cais particular na Alfred Basin, o Cape Grace está rodeado de água em três dos seus lados, com excelente vista da Table Mountain. Está localizado ao lado do Robinson Dry Dock, construído em 1882 e ainda em operação. Ao lado do hotel estão ancorados iates de todas as partes do mundo. O hotel construído mais recentemente, e inaugurado em 2010, antes da Copa do Mundo (Federation World Cup — FWC), é o Hotel One and Only (O Único), de seis estrelas. Está situado acima do depósito de tanques, ao lado da área residencial. Este hotel ultraluxuoso tornou-se o favorito de inúmeros atores de cinema, apresentadores e animadores, e celebridades (VIPs). Além dos dez hotéis existentes dentro do V&A, vários outros, de três e quatro estrelas, foram construídos na periferia, servindo tanto aos hóspedes em viagens de férias como em viagens de negócios. Outros 37 hotéis estão a uma curta caminhada do V&A ou a dez minutos de carro. O projeto residencial de cerca de 660 unidades, com penthouses construídas acima dos edifícios de apartamentos, com três ou quatro andares, tem excelentes vistas da montanha e do mar. Construídos ao longo dos canais, têm preços elevados, o mais caro até agora sendo de 150 milhões de rands por uma só unidade. Muitos foram comprados com fins de investimento e são de propriedade de estrangeiros, que passam apenas umas duas semanas por ano na Cidade do Cabo, aproveitando o verão durante o longo e cinzento inverno europeu. Um dos objetivos do projeto V&A foi reconectar a cidade com o mar, pois ao longo dos anos a relação histórica entre o ambiente construído e o mar foi bloqueada por urbanização e desenvolvimento inapropriados. As docas tiveram que ser isoladas com cercas e foi introduzido um uso da terra que não levava à interação humana, com exceção das operações portuárias. Na década de 1960, a obsessão pelo automóvel particular resultou na construção de estradas de concreto entre o mar e o centro comercial da Cidade do Cabo. O futuro dessas estradas tem sido discutido por 30 anos, enquanto algumas delas ainda estão suspensas no ar, sem terem sido concluídas na ocasião. Foi nesse contexto que os planejadores do V&A se dedicaram ao design para reconectar a cidade com o mar. Eles se ligaram com a textura da cidade, por meio de conexões para pedestres e transportes públicos. No início, a caminhada era muito hostil, ao longo de grandes espaços com muita ventania. Entretanto, mais recentemente, com o aumento da vegetação plantada e passeios projetados, as conexões via pedestre se humanizaram tanto para os visitantes como para os trabalhadores das docas.

4 www.morethanjustagame.co.za

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Zonas de transição entre partes da cidade e o V&A foram cuidadosamente projetadas. Há áreas de acesso, tais como a conexão da Estrada N2 e o Hospital Somerset, perto do porto de Granger Bay, para pequenas embarcações. Perto dali, se encontra a Escola de Hotelaria e Hospitalidade da Universidade de Tecnologia de Cape Península (CPUT), em frente ao campo de golfe Metropolitano. Atividades acadêmicas não foram esquecidas pelo V&A. Desde 1992, o Graduate School of Business, University of Cape Town (Departamento de Pós-Graduação em Administração de Empresas da Universidade do Cabo), um dos melhores da África, foi instalado na antiga prisão de Portswood Ridge, localizada em terras alugadas por 75 anos por uma companhia criada pela Universidade. A conversão da antiga prisão foi projetada pelo famoso arquiteto Revel Fox, já falecido, natural da Cidade do Cabo. A Escola de Administração de Empresas precisava de acomodações para seus estudantes e construiu-se no terreno ao lado o Breakwater Lodge, para alojar alunos em 215 quartos. O alojamento é operado pelo grupo Protea de Hotéis e oferece a visitantes e turistas acomodações a um preço razoável, durante o período de férias dos estudantes. Futuros projetos deverão incluir um novo terminal oceânico, pois navios de cruzeiro trarão turistas, que não querem incomodar-se com limites de bagagem próprios das companhias aéreas e poderão, facilmente, adquirir dois milhões de girafas de madeira e outras lembranças da África do Sul. Esses visitantes contribuem de forma importante para as receitas do V&A, gastas nas lojas de varejo e no setor turístico da Cidade do Cabo e da Província de West Cape. Ultimamente, devido a restrições mais rigorosas dos portos, fixou-se um limite do número de navios de cruzeiro, que podem ancorar no V&A ou perto dele. Não obstante, o protesto das autoridades de turismo e de outros interessados, os navios de cruzeiro foram relegados a pontos de ancoragem mais afastados do Duncan Docks, tornando-se mais difícil o acesso a pé dos turistas ao V&A. Essas restrições estão sendo atualmente consideradas pela direção do Porto e pelo

Departamento do Interior do Governo nacional, que controlam os portos de entrada na África do Sul. O V&A é um importante local para eventos, muitos dos quais contribuem para a inclusão social na cidade. Os principais são os festejos de réveillon (passagem do ano), com fogos de artifício, as corridas de lanchas e barcos, como, por exemplo, a Corrida Oceânica da Volvo, a Corrida de Volta ao Mundo de Clipper e a Corrida do Cabo ao Rio (da Cidade do Cabo ao Rio de Janeiro), que se realiza a cada quatro anos (a próxima está prevista para 2014). São realizados festivais de cerveja e de jazz, e percursos ou corridas pela África frequentemente terminam com celebrações e festejos no V&A. Tais eventos trazem visitantes, envolvem bebidas e alimentação oferecidas pelas concessionárias do V&A,

além de gerar receitas de estacionamento e transportes variados.

Atualmente, o Town´s Royal Cape Yatch Club da Cidade do Cabo está localizado a alguma distância entre o ancoramento dos navios de cruzeiro e a enseada dos canteiros de depósitos de tanques na Duncan Dock. A sua realocação para um ponto mais próximo ao V&A está sendo considerada pela equipe de planejamento a longo prazo do Porto da Cidade do Cabo. Esses planos consideram a parte ocidental do porto a mais

192

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4

4 Imagem do passado, tanques

de petróleo e brownfields 5 Vista aérea da orla atual,

Table Mountain ao fundo

5

dedicada ao lazer, com mais e melhores acessos públicos, enquanto que o lado oriental armazenaria contêineres, tendo entre eles barcos pesqueiros e de pequena carga. O Cape Town International Convention Centre (CTICC) (Centro de Convenções Internacionais da Cidade do Cabo) está estreitamente conectado com o V&A e foi concebido para trazer mais visitantes de negócios à Cidade do Cabo e potencializar os nossos recursos naturais e culturais. O CTICC foi inaugurado em 2003 e liga-se ao V&A por passarelas de pedestres, canais com táxis aquáticos e ônibus públicos, e contribuiu muito para o tráfego de pedestres do V&A. Uma das grandes atrações da realização de eventos na Cidade do Cabo é a proximidade de excelentes acomodações e do Aeroporto Internacional, que fica a 15 minutos de carro. Mais recentemente, o Cape Town Stadium (Estádio da Cidade do Cabo) foi construído para sediar as semifinais da Copa Mundial da FIFA de 2010. Depois de muito debate sobre a sua localização, foi decidido que o lugar ideal seria o Green Point Common, que fica próximo ao V&A. Até a construção do estádio, em 2007, o Green Point Common era uma zona dedicada a esportes e atividades recreativas que tinha sido negligenciada, pois era usada por poucos moradores da cidade e ainda sem manutenção adequada. Convenientemente localizado a somente 2,2 km da estação ferroviária central e próximo à convergência das estradas N1 and N2, o Cape Town Stadium está bem conectado com o V&A. Construir o estádio perto do V&A, no Green Point Common, foi uma medida deliberada para ajudar a integrar uma cidade racialmente dividida, pois traria pessoas dos bairros mais pobres, por meio do transporte público ao longo da Fan Walk, a um local onde todos celebrariam seus times, assistiriam aos jogos e desfrutariam os eventos. O estádio está a uma distância percorrível a pé de hotéis com um total de 17.000 quartos, e do V&A, o que ajuda a reduzir as emissões de carbono geradas pelo transporte motorizado.

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A Copa do Mundo da FIFA de 2010 viu os fãs dos diversos times, no V&A e ao longo da Fan Walk, celebrarem as suas vitórias ou afogarem as suas mágoas, dependendo do desempenho de suas equipes, antes e depois das partidas. Não obstante o V&A ter sido planejado muito antes da escolha da África do Sul como sede da Copa de 2010, foi durante o período de candidatura da Cidade do Cabo como sede dos Jogos Olímpicos de 2004 (perdida para Atenas) que o V&A teve um papel destacado no apoio à cidade. As fotografias tiradas em junho e julho de 2010 muito dizem da experiência do impacto da Copa do Mundo no V&A: enormes multidões antes e depois das partidas. Em qualquer um dos oito dias de jogos na Cidade do Cabo, multidões de fãs com bilhetes para o próximo estádio preparavam-se para a partida. Eles pintavam suas caras, embrulhavam-se nas bandeiras de seus países. Frequentemente ajudados por copiosas quantidades de bons vinhos e cervejas sul-africanas, festejavam durante dias e noites seguidos. Memórias foram construídas e eles enviavam mensagens de twitter e de e-mail para seus amigos e famílias. Levaram para casa recordações de diversão, de boas-vindas e da capacidade de um país africano de sediar, com sucesso, um megaevento. Mas não somente aqueles que tinham bilhetes vieram e celebraram a pouca distância do Estádio da Cidade do Cabo. Milhares mais caminharam da Estação Central Ferroviária pelos 2,2 km ao longo da Fan Walk, até o Estádio. No momento de maior movimento — dia 6 de julho de 2010 —, estima-se que 150 mil torcedores caminharam pela Fan Walk, em direção a um estádio que só podia acomodar 68 mil pessoas. Isto quer dizer que milhares de torcedores se juntaram às celebrações somente caminhando pela Fan Walk. A maioria terminou no V&A, para assistir às partidas nos telões de TV dos bares e restaurantes. Depois, muitos dos fãs que saíam do Estádio iam para o V&A, para celebrar ou lamentar o resultado. Em resumo, este é um destino muito apreciado pelos moradores da Cidade do Cabo e pelos visitan-

O que se destaca do V&A, além do seu design e adaptação às condições locais, com o cenário da Table Mountain ao fundo e a conexão com a Ilha de Robben, é um testemunho vivo e ascendente da visão, liderança, capacidade técnica e habilidade financeira dos que o idealizaram e construíram.

tes estrangeiros, tanto para lazer como para negócios. O que se destaca do V&A, além do seu design e adaptação às condições locais, com o cenário da Table Mountain ao fundo e a conexão com a Ilha de Robben, é um testemunho vivo e ascendente da visão, liderança, capacidade técnica e habilidade financeira dos que o idealizaram e construíram.

A vez do Rio de Janeiro A Cidade do Cabo não é muito diferente do Rio de Janeiro, com sua população de diversas origens, ricos e pobres, com história rica e complexa, com influências colonial e moderna, especialmente refletidas no ambiente construído. Vindo de carro do Aeroporto Internacional do Galeão, passando pelo centro, se veem docas e fábricas abandonadas; passando pelo Flamengo e por Botafogo, se avista a Urca do outro lado da Baía;

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passando por Copacabana, é possível identificar edifícios que clamam por restauração. Uma rica história e um belo ambiente construído, sendo desperdiçados. Atravessando a Barra da Tijuca, de carro, se passa por uma região de ocupação recente, que lembra ao mesmo tempo Las Vegas e Orlando (nos EUA), com seus shopping malls, hipermercados, lanchonetes, enormes edifícios com fachadas de vidro. Estradas com tráfego em movimento e pouco transporte público à vista. É inevitável um questionamento: por que se optou por construir algo assim, numa periferia distante, deixando o patrimônio do centro da cidade sucumbir numa agonia lenta, com seus preciosos edifícios antigos se deteriorando e ruindo, justo ali onde a vida é mais vibrante e interessante? O nosso V&A, na África do Sul, é uma parte ínfima do que ficou depois da demolição de partes vitorianas da Cidade do Cabo, com modernos blocos de concreto (muito poucos deles com ares retrô) e, lamentavelmente, a destruição de uma parte vibrante de nossa cidade, conhecida como District 6, durante o regime do apartheid. Naquele distrito, mais de 60 mil pessoas perderam suas casas, demolidas pelo governo nas décadas de 70 e 80. Juntamente com a remoção forçada dos negros, houve, também, a destruição de edifícios clássicos, não muito distintos daqueles do centro do Rio. Isto foi uma deliberada destruição do passado. Hoje, o que vemos é uma área desolada nas encostas da Table Mountain, à leste do centro comercial da cidade. Os megaeventos constituem-se em excelente oportunidade para as cidades exibirem seu patrimônio urbano, apresentarem seus planos e convidarem investidores. São uma ocasião propícia para empresários imobiliários e financeiros, mas também uma importante contribuição para o futuro das cidades e de seus habitantes. Recursos existentes, tais como fundos de pensão, podem ser utilizados para o redesenvolvimento urbano, embora não seja tão automático e direto como o desenvolvimento verde. É mais complexo, com mais atores, com interesses diferentes, escalas temporais diferentes, prioridades diferentes, mas todos com visões grandiosas, com boas parcerias entre funcionários públicos dedicados, com realismo, atenção aos detalhes, inovação financeira e flexibilidade. Um novo futuro poderia ser alcançado no caso do Rio de Janeiro, com o legado da Copa do Mundo de 2014 e dos Jogos Olímpicos de 2016 — para além dos eventos esportivos e das emoções vividas. Recuperar, qualificar e desenvolver aquelas partes antigas da cidade do Rio poderia constituir um legado de grande durabilidade, “gravado em pedra”, como se diz em inglês.

Referências bibliográficas Guia do patrimônio cultural carioca: Bens tombados. Rio de Janeiro: Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro, 2008. BIRKBY, Rory. The making of Cape Town’s Victoria and Alfred Waterfront: the Inside Story of its Planning, Design and Creation. Cape Town: V&A Waterfront (Pty) Ltd., 1998.

BP Head Office. Architect and Builder, August/September 2005. www.solutionstation.co.za www.waterfront.co.za

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Avaliação dos impactos econômicos do Victoria & Alfred Waterfront A implementação do projeto foi iniciada em 1988/89, no período

1

Contribuição macroeconômica

derradeiro do regime minoritário do apartheid. A África do Sul ainda vivia isolada do resto do mundo e se encontrava em recessão econô-

1.1 Evolução do Produto Interno Bruto (PIB) – 2002 a 2012

mica. Desde o seu início, o projeto não contava com subsídios munici-

• Em termos reais, de 2002 a 2012, a contribuição para o PIB foi

pais ou apoio financeiro do Governo. O objetivo estratégico traçado

de R28.9 bilhões, no final de 2012. Em 2012, a maior contribui-

era desenvolver um projeto comercialmente viável, para assegurar

ção para a formação do PIB foi da locação de imóveis, corres-

a sua autossustentação, dado que, nas circunstâncias da época,

pondendo a R25.8 bilhões.

somente contaria com financiamento doméstico e apoio da popu-

• Em relação ao país, como um todo, a avaliação estimou que o

lação da cidade. Embora a conservação do meio ambiente urbano e

projeto V&A Waterfront contribuiu com um total de R198 bi-

paisagístico — aspecto-chave do plano adotado —, tenha sido con-

lhões, para a economia, desde 2002.

siderada, equivocadamente, por muitos, como uma tarefa custosa e idealizada, o desenvolvimento do projeto foi conduzido de forma autossuficiente, logrando levantar capital nos mercados financeiros

1.2 Evolução do Produto Bruto da Região (PBR) – 2002 a 2012

• O total da contribuição ao PBR da Província de Western Cape

e comerciais. Cerca de US$143 milhões foram investidos até o ano

aumentou de R8.99 bilhões, em 2002, para R25.49 bilhões

de 2002, dos quais cerca de US$90 milhões pelo Fundo de Pensão

em 2012.

Transnet e cerca de US$25 milhões pelos investidores privados em projetos comerciais, enquanto o segmento residencial captou cerca de US$28 milhões. Futuros investimentos em novos projetos com horizonte de cinco anos foram estimados em US$160 milhões.1

1.3 Arrecadação fiscal 3 – 2002 a 2012

• O total dos tributos diretos arrecadados foi de R19 milhões, em 2002, e de R483 milhões em 2008.

Avaliação feita em setembro de 2013, sobre o impacto do projeto

• Em 2012, o total de tributos diretos arrecadados foi de R299

de renovação portuária de V&A Waterfront na economia da Cidade

milhões, com parciais de R53.9 milhões, em tributos munici-

do Cabo, revelou resultados surpreendentes, resumidos a seguir. A avaliação considerou quatro aspectos principais:

pais e taxas, e R245.0 milhões em impostos corporativos.

• A arrecadação de tributos indiretos aumentou de R904 milhões, em 2002, para R2,5 bilhões, em 2012.

1 a contribuição macroeconômica durante a década anterior, de 2002 a 2012, e a projeção de futuras contribuições, de 2013 a 2023; 2 o desenvolvimento empresarial;

• O total de impostos arrecadados, diretos e indiretos, elevou-se de R924 milhões, em 2002, para R2,811 bilhões, em 2012.

• Durante os onze anos, o tributo cumulativo arrecadado alcançou R18,925 bilhões.

3 o crescimento do turismo na região; 4 a valorização imobiliária e as suas implicações na arrecadação fiscal da Cidade do Cabo.2

1.4 Projeção do Produto Interno Bruto (PIB) para 2013

• Contribuições reais ao PIB, em valores de 2012, projetados de R1.36 bilhão, em 2013, para R14.76 bilhões, estimados para 2023.

• Foi estimado que novos empreendimentos poderiam contribuir com o valor de R188 bilhões ao PIB nominal até o ano 2023. 1.5 Projeção do Emprego Direto e Indireto para 2013

• O total de empregos diretos irá evoluir de 1.161, em 2013, para 7.013, em 2023, atribuídos 6.780 destes ao setor empreendedor (inquilinos).

• O total de empregos indiretos aumentará de 663, em 2013, para 8.695, no ano de 2023. Novamente, a rotatividade dos 1 “The Making of Cape Town’s Victoria & Alfred Waterfront – the inside story of its planning, design and creation”, Rory Birkby. Página 82. Publicado por Victoria & Alfred Waterfront (PTY) Ltd., Cape Town. 1998 2 Fonte: “The Economic Contribution of the V&A Waterfront”, EIS, Cape Town, SA, 2013. Câmbio da moeda: 1 Rand (R) = 0.10 US$ 3 Nesta categoria estão incluídos imposto de renda, imposto sobre serviços, impostos corporativos e tributos indiretos.

inquilinos é que sustentará 8.562 desses empregos indiretos.

• A expectativa do crescimento total de empregos em Western Cape passará de 1.824, em 2013, para 15.708, em 2023.

• A geração de emprego total no país crescerá de 3.160, em 2013, para 20. 898, até o final de 2023.


e mobilidade complementar de ciclovias e trilhas; (f) atrações

1.6 Rendimentos – 2002 a 2012

• A contribuição indireta à renda domiciliar aumentou de R2.69

disponíveis aos visitantes no entorno ou acessíveis através do V&A Waterfront, como a Robben Island, Two Oceans Aquarium,

bilhões, em 2002, para R7.23 bilhões, em 2012.

• Durante os onze anos, estima-se que V&A Waterfront acres-

com base a partir da qual é possível programar outros itinerários de visitas; (g) variedade de atividades de esporte e lazer

centará R50.066 milhões à renda domiciliar indireta.

• É esperado o aumento da contribuição real ao PIB (em valores de 2012) de R1.36 bilhão, em 2013, para R14.76 bilhões, em 2023.

• A contribuição nominal cumulativa de novos empreendimen-

para todas as faixas de idade.

4 Valorização imobiliária (2002-2012)

tos poderá superar R188 bilhões do PIB até 2023.

2 Desenvolvimento de Empreendedorismo

Resultados da avaliação indicam que durante os onze anos, no raio de 1,5 km do V&A Waterfront, as propriedades tiveram a seguinte valorização, por tipo de propriedade e localização:

1 R123.056 milhões – propriedades residenciais;

Uma das metas principais do V&A Waterfront é fomentar desenvolvimento de empreendedorismo, o start-up de pequenas

2 R1.14 bilhão – propriedades comerciais;

e médias empresas, pela promoção de de artesanato e serviços,

3 R3.6 bilhões – propriedades localizadas no V&A Waterfront.

transformando-as em negócios sustentáveis. Em sua maioria,

4 No agregado, o V&A Waterfront adicionou R2.8 bilhões ao

os empreendedores são originários de comunidades carentes

valor das propriedades situadas dentro do perímetro de 1,5

e, de maneira geral, possuem baixo níveis de instrução formal.

km. Isto equivale a 23% acima do valor que teriam, caso V&A

Equiparam-se em quantidade os empreendedores que somente

Waterfront não existisse. A valorização dessas propriedades

comercializam os produtos e os que produzem e vendem os mes-

condiciona o potencial de arrecadação de tributos e impostos pelas autoridades da Cidade do Cabo.

mos. Os empreendimentos se distribuem em três localidades no Craft Market, que contêm 94 boxes, e no Waterfront, com

5 A estimativa dos incrementos anuais gerados pelas proprieda-

144 bancadas no setor denominado Enterprise Development, e

des localizadas dentro do perímetro de 1,5 km do Waterfront são de R37.92 milhões para o segmento de propriedades resi-

31 bancadas no Red Shed.

denciais, de R79.64 milhões para propriedades comerciais e de

3 Crescimento do setor de turismo

R127.65 milhões para as propriedades dentro do Waterfront.

• O número de visitantes estrangeiros à África do Sul aumen-

Resumo da Avaliação

O projeto do Waterfront foi catalisador da revitalização da

tou consideravelmente de 2004 a 2008, antes de declinar em 2009. De cerca de 1,75 milhão de visitantes, em 2007, passou a 1,4 milhão de visitantes, em 2011. A recessão econômica norte-americana e da Europa afetou o setor de turismo e o comercial, medida pela retração de aproximadamente 30% nas despesas reais de consumo diário.

orla, e abriu aos moradores e visitantes da Cidade do Cabo o acesso à orla marítima e seus usos.

• V&A passou a ser uma atração aos visitantes locais e de outras províncias, bem como a turistas estrangeiros.

• A despesa média realizada pelos visitantes estrangeiros acompa-

• Atualmente, o Waterfront contribui cabalmente para a eco-

nhou a mesma tendência geral, gastos diários de R956 registra-

nomia local e nacional refletidas no PIB, ao aumentar a renda

dos em 2008 continuaram a declinar ao nível de R667, em 2011.

• A indústria de turismo em V&A resiste mais aos impactos das crises econômicas do que a província como um todo. A despeito

familiar e a arrecadação de tributos, tendo, ao mesmo tempo, gerado milhares de empregos permanentes e temporários.

• Centenas de empreendedores se beneficiam diretamente da

dessa capacidade de resiliência a flutuações, o Waterfront não

iniciativa enterprise development, com seus produtos e servi-

está imune à redução do nível de consumo registrada, tanto

ços localizados em Red Shed e Craft Market. Milhares de em-

pelos visitantes nacionais como pelos estrangeiros.

• Os principais fatores que contribuem para o sucesso do turismo de V&A Waterfront são: (a) a sua centralidade; (b) ampla variedade de opções de alojamento dentro da área de segu-

preendedores lucraram indiretamente, com a valorização de suas propriedades, tendo a Cidade do Cabo também se beneficiado desse grande potencial de renda tributável.

• O Waterfront se consolidou e passou a depender menos de tu-

rança do V&A Waterfront; (c) ampla oportunidade para com-

rismo, embora a indústria de turismo continue se beneficiando

pras no comércio local; (d) ampla variedade de bons restauran-

e crescendo graças à atração que este exerce.

tes e bares; (e) transporte de ônibus, táxis, veículos de aluguel


198


PlaNYC: uma pauta para o século XXI

Lance Jay Brown Arquiteto, urbanista, urban designer, educador e escritor. É coordenador do Comprehensive Design Program na Spitzer School of Architecture, tendo sido eleito o próximo Presidente do Instituto Americano de Arquitetos de Nova York (AIA-NY). Foi laureado, com prêmios na categoria de arquitetura-não-tradicional, e medalha Topaz, pela excelência em ensino de arquitetura em Nova York. É autor, entre outros, dos livros: Learning from Lower Manhattan e Urban Design for an Urban Century: Placemaking for People. Neste ano de 2012, publicou, como editor e co-autor, o livro Beyond Zuccotti Park: Freedom of Assembly and the Occupation of Public Spaces.

199


Este ensaio baseia-se numa interpretação do PlaNYC 2011 e do PlaNYC, Relatório de Avanço 2012. O PlaNYC foi lançado primeiramente pelo prefeito Bloomberg, de Nova York, em 2007, como um plano de sustentabilidade abrangente de trinta anos. O plano é atualizado a cada cinco anos, a fim de avaliar o seu avanço.1 O PlaNYC 2011 divide-se em dez partes: Habitação e bairros, Parques e áreas de uso público, Brownfields, Cursos d’água, Abastecimento de água, Transporte urbano, Energia, Resíduos sólidos e Mudanças climáticas. Em cada parte discutem-se problemas, seguidos de soluções e propostas de iniciativas, juntamente com maneiras de alcançar seus objetivos.

Introdução Este ensaio segue, em geral, a estrutura do PlaNYC, que foi originalmente lançado em 2007, atualizado em 2011 e incrementado com trechos extraídos do Relatório de Desempenho de 2012. O ensaio que se segue pretende realçar alguns tópicos e também contém informação e estudos de casos relacionados, igualmente importantes, de outras fontes citadas e referenciadas na bibliografia do texto e nas notas de rodapé. A fim de estabelecer o contexto geográfico em geral, destaca-se que a cidade de Nova York localiza-se numa das nove megarregiões dos Estados Unidos, de acordo com a definição da Regional Plan Association (Associação de Planejamento Regional). A megarregião do Noroeste define-se pelo corredor Boston-Washington, com Nova York situada a meio caminho entre essas duas grandes cidades. Em 22 de abril de 2007 — na data em que se celebra o moderno movimento ambiental conhecido como o Dia da Terra —, o prefeito Michael Bloomberg anunciou uma nova e importante iniciativa para a cidade de Nova York: PlaNYC: uma Nova York mais grandiosa e mais verde (PlaNYC: A Greener, Greater New York). Este plano, descrito numa publicação coletiva, contém objetivos de desenvolvimento para o modo como Nova York, em 2030, deve se apresentar e o que deve transmitir às pessoas. Um dos aspectos mais básicos, mas também mais importantes do PlaNYC é que, por lei e para total transparência, ele deve ser republicado a cada quatro anos, e cada ano um Relatório de Desempenho deve ser lançado. Portanto, em termos de criação de uma nova experiência urbana, o PlaNYC funciona como um catalisador do progresso de Nova York, para que seus resultados intermediários possam ser seguidos e monitorados pelo público. Esta não é, contudo, a primeira tentativa. Em 1966, respondendo a reclamações de que havia abdicado de suas responsabilidades de planejamento urbano, Nova York reagiu com o seu próprio Lower Manhattan Plan: the 1966 Vision for Downtown New York (Plano para Lower Manhattan: A visão de 1966 para o Centro de Nova York). Esse plano focalizava problemas dos aterros sanitários, de grandes quarteirões e do World Trade Center. Mais tarde, em 1969, um plano mais abrangente — The Plan for New York (O Plano para Nova York) — foi publicado. Consistia de seis volumes, cada um dedicado a um borrough (distrito) específico: Manhattan, Brooklyn, Bronx, Staten Island e Queens.

200

PlaNYC: uma pauta para o século XXI

1 Via Verde 0707 Courtyard View

[p. 198]


[gráfico 1] Nº de internações e atendimentos evitados anualmente caso as metas do PlaNYC sejam atingidas

900 800

850 760

700 600 580

500 400 280

300

220

200 100 0 Mortes prematuras (30 anos e acima)

Atendimento hospitalar de eventos respiratórias (20 anos e acima)

Atendimento hospitalar de eventos cardiovasculares (40 anos e acima)

Atendimento no CTI de crise asmática (adultos)

Atendimento no CTI de crise asmática (crianças)

fonte: NYC Dept.of Health and Mental Hygiene

Cheio de fotos em preto e branco, mapas e tabelas em cores, The Plan for New York abordava, principalmente, problemas sociais da atualidade — emprego, educação, saúde e lazer, entre outros. Em contraste com planos anteriores para Nova York, que focavam problemas da atualidade, o PlaNYC foi elaborado para tratar de problemas futuros de NYC, o que distingue esta iniciativa das anteriores. “Uma população crescente, infraestrutura antiga, economia em evolução e um clima em mudança” representam desafios para o sucesso e a qualidade de vida de Nova York. Nova York reconhece que suas ações determinarão o futuro, principalmente pela forma como lida com tais transformações e responde a elas. Como assinalado na edição atualizada do PlaNYC, a população da cidade continua a crescer e estima-se que, em 2030, nove milhões de pessoas habitarão Nova York, um aumento de quase um milhão em relação à sua população atual. Mais habitantes significam maior uso da infraestrutura da cidade, que se desgasta a cada passo e a cada vagão lotado do metrô. Entretanto, é por essa mesma razão que Nova York sempre esteve no epicentro do talento global e do comércio. A cidade avança economicamente porque os cidadãos criam um ambiente que atrai empreendedores talentosos.

1 Ademais, baseia-se também em breves planos anuais de progresso. Tanto o PlaNYC como seus relatórios

de desempenho podem ser acessados pela internet — www.nytelecom.vo.llnwd.net/o15/agencies/planyc2030/ pdf/planyc_2011_planyc_full_report.pdf — ou pelo Google — PlaNYC Full Report.

201


[gráfico 2] População da cidade de Nova York – em milhões

Em 2030, mais um milhão de novos moradores habitarão Nova York

9

2030

8.75 2020

8.5 2010

8.25 2006

8

7.75

7.5

7.25 1960

1970

1980

1990

2000

2010

2020

2030

fonte: Lance Jay Brown

Para que essa situação persista, Nova York deve criar um ambiente para negócios que suporte uma infraestrutura funcional e eficaz, que se estabilize juntamente com o nosso mundo em mudança. A maneira como Nova York lida com a sua população, sua infraestrutura e sua economia não pode ser alterada sem levar em conta a intensidade das mudanças climáticas. Cercada de água, Nova York corre um alto risco devido às temperaturas ascendentes, elevação do nível do mar e tempestades cada vez mais severas. Em 2007, o governo local de Nova York estabeleceu o objetivo de reduzir as suas emissões de gases de efeito estufa (GEE) em mais de 30% até 2030, em comparação com os níveis de 2005. Várias iniciativas, como edifícios com uso eficiente de energia e abastecimento de energia limpa, já contribuem de forma importante para o cumprimento dessa meta. Embora tenhamos incrementado as emissões de CO2 em 0.1 toneladas métricas per capita desde 2007, em virtude da densidade da população de Nova York e da extensa rede de transporte público intensamente utilizada, os nova-iorquinos emitem muito menos carbono per capita do que habitantes de cidades comparáveis.

202

PlaNYC: uma pauta para o século XXI


Habitação O PlaNYC elencou dez objetivos que requerem a participação e o engajamento tanto de nosso governo municipal como de todos os cidadãos, para que Nova York se torne uma cidade mais grandiosa e mais verde. O primeiro objetivo é “criar habitações para mais de um milhão de habitantes adicionais e, ao mesmo tempo, torná-las, e aos bairros, mais acessíveis financeiramente e mais sustentáveis”. O objetivo é financiar e facilitar a aquisição de novas residências e estimular bairros sustentáveis. Em 2003, o prefeito Bloomberg lançou o New Housing Marketplace Plan (Plano do Mercado Habitacional), com o propósito de construir ou de reformar 165 mil unidades habitacionais econômicas num prazo de dez anos. Para promover a criação de novas habitações, a cidade recorrerá ao rezoneamento como instrumento básico. “Novas unidades habitacionais deverão não somente ser acessíveis aos mais carentes, mas também sustentáveis; portanto, NYC deverá promover o uso habitacional, adensando bairros melhor servidos por transporte coletivo e limitar o crescimento habitacional nas áreas dependentes de transporte individual”. Para isso, Nova York deverá buscar em toda a cidade áreas disponíveis para acomodar potencialmente novo crescimento e determinar onde as novas áreas imobiliárias habitacionais seriam mais apropriadas. Hunter’s Point South é um bom exemplo de terrenos subutilizados, que estão sendo usados para habitações destinadas à camada social de renda média. Esse novo bairro — que outrora foi um amplo terreno baldio situado na orla marítima de Queens — “terá aproximadamente cinco mil novas unidades habitacionais e antecipa-se que será um catalisador de cerca de US$2 bilhões em investimentos privados, criando mais de 4.600 empregos”. Ainda mais exitoso é o Via Verde — uma área imobiliária residencial para as classes de renda baixa-média — numa região considerada uma das piores zonas do South Bronx. O Via Verde foi o vencedor do concurso do New Housing New York Legacy, uma parceria público-privada. Tive o privilégio de participar da cerimônia de inauguração desse projeto, em junho de 2011, e fiquei impressionado com as “características verdes” deste projeto, que não impôs encargos financeiros aos seus moradores. Com 202 unidades a preços acessíveis, o design do Via Verde enfatiza tanto a estética como os serviços que promovem estilos de vida saudáveis, como, programação esportiva, abundante iluminação natural e um jardim/horta comunitário. O condomínio está construído em torno de um jardim que começa no nível da rua, com uma esplanada e uma praça, sobe em espiral por meio de uma série de jardins nas coberturas dos prédios, e termina num grande terraço suspenso. Os jar-­ dins/hortas serão usados para o cultivo de frutas, legumes e verduras, simultaneamente captando águas pluviais e reforçando o isolamento térmico das habitações. Estima-se que o prédio seja 30% mais eficiente no uso de energia do que os prédios tradicionais, sendo que foram utilizados na sua construção mais de 20% de materiais reciclados, e se reciclou mais do que 80% dos resíduos de materiais de sua demolição e sua construção.

203


2

O governo municipal de Nova York tem consciência das necessidades e demandas, a longo prazo, de habitações, relacionadas com o aumento de quase um milhão de habitantes de Nova York até 2030. “Coordenando e financiando a criação de unidades residenciais novas e acessíveis, enquanto lida com as necessidades de sustentabilidade de nossos bairros”, NYC pode criar oportunidades habitacionais para todos os grupos socioeconômicos.

Parques e espaços de uso público Com respeito a espaços de uso público, o segundo objetivo do PlaNYC é assegurar que todos os habitantes de Nova York residam a, no máximo, dez minutos a pé de um parque, um parque que ofereça atividades ao ar livre, proteja a natureza e restitua o domínio público. Um número significativo de habitantes da cidade já atendem à essa condição, o que indica um avanço considerável desde 2007, quando apenas.70% dos habitantes da cidade estavam a dez minutos a pé de um parque. Essa proporção subiu para 76%. Uma linha férrea industrial da década de 1930, que tinha sido abandonada, foi recentemente convertida num parque público. Esta obra foi originalmente parte de um vasto projeto de infraestrutura, mediante parceria público-privada, conhecido como West Side Improvement Project, que terminou com o tráfico de cargas suspenso a uma altura de 30 pés, removendo trens perigosos das ruas do maior distrito industrial de Manhattan. Desde 1980, nenhum trem transita na High Line e a área se tornou predominantemente residencial. Em 1999 criou-se um grupo sem fim lucrativo chamado Friends of the High Line (Amigos da High Line). Juntamente com o governo municipal

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PlaNYC: uma pauta para o século XXI

2 Prédios com pestanas sobre

janelas, terraços escalonados e cobertura com hortas e jardins resultam na redução de 30% do consumo de energia


de Nova York, o Friends of the High Line trabalhou para preservar e manter a estrutura como um parque público elevado. Em 2002 o projeto adquiriu apoio em razão de um concurso internacional de design, e em 2005 uma equipe de arquitetos paisagistas integrada por James Corner Field Operations e Diller Scofidio + Renfro, concebeu e detalhou a paisagem pública da High Line. A High Line se estende por quase vinte quarteirões, da Rua Gansevoort até a Rua 30, e proporciona uma área de parque para inúmeros moradores de Nova York e turistas que visitam o local e dele usufruem.2 Ademais, em 2007, o governo municipal identificou 290 pátios de escolas subutilizados, em áreas com carência de parques. “Ao mesmo tempo em que os bairros não dispunham de espaços de lazer, pátios de escolas vazias ficavam desativados durante o verão ou nos fins de semana, e nos finais de tarde. Portanto, “foi lançado o Programa Schoolyards to Playgrounds (De Pátios Escolares a Parques), para renovar esses espaços e abri-los para a comunidade durante o período de férias e quando as escolas não estivessem em aulas. O fator importante neste caso foi que, durante a etapa de design, este programa do PlaNYC incorporou uma ampla participação de jovens, pais e professores de cada escola. Como resultado, cada pátio se adapta às necessidades tanto das escolas como das comunidades. Os moradores de Nova York estão se tornando cada vez mais conscientes dos múltiplos benefícios da arborização urbana. “Em 2007, em colaboração com o New York Restoration Project (Projeto de Restauração de Nova York), o governo municipal lançou a campanha Million Trees NYC (Um milhão de Árvores para Nova York), uma ambiciosa campanha para plantar um milhão de árvores pelas ruas da cidade”. Até hoje, mais de 600 mil árvores foram plantadas com êxito.3 Além de melhorar a estética das ruas de Nova York, já foi iniciado o redesenho do sistema de ruas para criar espaços públicos de funções diversificadas. Transformar ruas de corredores utilitários para veículos em excelentes locais para as pessoas significa melhorar a experiência cotidiana de milhões de usuários. O governo municipal está construindo esplanadas em áreas do Estado para criar espaços públicos de usos múltiplos. Por meio do Programa NYC Plaza, em parceria com fundos de fundações privadas e a sociedade civil, as ruas com tráfego intenso foram selecionadas para se transformarem em exitosas áreas livres de bairros. “Antes de 2008, o cruzamento que circunda o prédio Flatiron era um labirinto de ruas e avenidas com tráfego em até seis direções, com poucos lugares para os pedestres pararem. Essa interseção simplesmente não servia nem aos veículos nem às pessoas. Hoje, uma esplanada triangular de 41.700 pés quadrados4 de espaço público foi incorporada às ruas da área de Flatiron, melhorando a segurança dos pedestres e o fluxo do tráfego.

2 Para mais detalhes sobre a origem e os impactos deste projeto, veja o “artigo High Line and it’s Transformational Impact on Manhattan’s West Side Development”, de Shawn T. Amsler, apresentado neste livro. 3 Veja: http://www.milliontreesnyc.org/html/home/home.shtml 4 Equivale a 3.874 m2

205


Em resumo, “em virtude dessa iniciativa de espaço público aberto, aproximadamente 76,5% dos habitantes de Nova York agora vivem a dez minutos a pé de um parque, representando um aumento de 240.815 pessoas, somente no ano de 2011. A cidade e as fundações privadas, por meio do Programa Schoolyards to Playgrounds, converteram 214 pátios escolares subutilizados, desde o seu lançamento, em 2007, sendo que sete novos parques foram inaugurados no verão e no outono de 2012.”5

Brownfields A demanda acumulada de Nova York por áreas de uso público ainda cresce e a disponibilidade de terrenos mantém-se inalterada. Portanto, Nova York deverá converter o uso do espaço disponível de forma mais eficiente, mediante o saneamento dos terrenos baldios e abandonados, que frequentemente são condenados devido à contaminação ambiental. Desde 2007, Nova York vem desenvolvendo programas tais como o NYC Brownfield Cleanup Program (Programa de Limpeza dos Brownfields), para acelerar o saneamento dos brownfields (terrenos baldios e contaminados) e formular medidas para transformar terrenos antes indesejáveis em pontos de investimentos competitivos, que a longo prazo contribuam para a revitalização dos bairros, evitando assim a exposição dos moradores aos elementos tóxicos. Na década dos 50, a área adjacente a Brooklyn Bridge (Ponte de Brooklyn) era utilizada como docas do porto de navegação, e os terrenos à beira do rio, no Brooklyn, eram usados como entrepostos e silos de armazenagem. Entretanto, devido às mudanças na tecnologia de comércio exterior, uma boa parte da orla do rio foi abandonada. Em 2002, o prefeito Bloomberg e a Brooklyn Bridge Park Development Corporation (Corporação para o Desenvolvimento do Parque da Ponte de Brooklyn), um grupo comunitário, acordaram um plano para criar, desenvolver e operar o Brooklyn Bridge Park numa área de 85 acres da orla leste do Rio Hudson. A orla do rio foi transformada, pelo arquiteto paisagista Michael Van Valkenburgh, de um brownfield em áreas e parques com prédios comerciais, parques de lazer, habitats naturais e atividades de recreação, graças ao comprometimento com o programa dos brownfields e à consciência comunitária sempre crescente. Um recente concurso de propostas para a orla do Rio Hudson buscou outros meios de conversão de terrenos para novos usos.

Cursos d’água Nova York está cercada de água e, por esta razão, a cidade precisa melhorar a qualidade de seus cursos d’água, para aumentar as oportunidades de recreação e para a restauração desses ecossistemas. Desde sua fundação, como cidade de indústria e comércio, NYC tem alterado dramática e definitivamente o seu meio ambiente. Dejetos urbanos com frequência são vertidos diretamente em suas águas, provocando problemas de saúde oriundos de contaminação ambiental. Entretanto, durante o século XX, muito mudou, quando a cidade

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PlaNYC: uma pauta para o século XXI


se esforçou para mitigar os impactos e prejuízos acumulados. Ainda assim, a despeito desses importantes avanços, Nova York continua a enfrentar desafios para manter a qualidade de seus cursos d’água. Embora as estações de tratamento estejam equipadas para lidar com os enormes volumes de água usados pela cidade, a água tratada ainda apresenta níveis elevados de nutrientes e elementos tóxicos como nitrogênio. Embora esses elementos não representem um risco sanitário para a população, podem afetar a qualidade da água, ao exaurir o oxigênio que os peixes e outras espécies marinhas necessitam para sobreviver. A fim de reduzir as descargas de nitrogênio, o governo municipal planeja aperfeiçoar as estações de tratamento, fazendo investimentos em “infraestruturas para tratamento de águas servidas”, na melhoria das instalações existentes na construção de novas instalações e estações de bombeamento, que reduzam o impacto do Combined Sewer Overflows (CSOs, abreviação em ingles) — transbordamentos simultâneos na rede de esgotos. Em geral alguns dos cursos d’água da cidade ficam severamente afetadas devido aos sedimentos contaminados que ainda vazam poluentes depositados várias décadas atrás. Entretanto, trabalhando com parceiros estaduais e federais, Nova York garantirá que as águas mais contaminadas sejam saneadas. Apesar das perdas importantes de zonas úmidas e pantanosas e de riachos, Nova York ainda abriga várias áreas naturais críticas, que precisam ser protegidas. Em 2005, estabeleceu-se a Wetlands Transfer Task Force (Força Tarefa para Transferência de Áreas Úmidas e Pantanosas), a fim de avaliar a disponibilidade de terrenos públicos que continham áreas úmidas e pantanosas. Ademais, as áreas de proteção continuarão a expandir-se por meio de planos urbanos como o Waterfront Revitalization Program (Plano de Revitalização da Orla Marítima), que estabelece políticas para o “exame de todas as medidas a critério dos governos municipal, estadual e federal”. Estes avanços permitirão que milhões de habitantes de Nova York tenham acesso a áreas de lazer bloqueadas por muitas décadas. “Eles também revitalizarão os ecossistemas aquáticos. O compromisso com a melhoria dos cursos d’águas é um componente crítico do desenvolvimento ambiental”.

Abastecimento de água “A cada dia, mais de um bilhão de galões de água percorrem centenas de milhas do norte do estado de Nova York até a cidade por via de aquedutos. A água potável de Nova York está entre as melhores do mundo, acima dos rigorosos padrões de qualidade de água preconizados pelos governos federal e estadual. Em termos per capita/dia, os habitantes de Nova York consomem menos água hoje do que há 50 anos. Evidentemente, os nova-iorquinos nem sempre trataram o seu abastecimento de água de modo tão eficiente.

5 Fonte: Prefeito Bloomberg, declaração feita a Coletiva de Imprensa, 18 de junho de 2012.

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Altos níveis de consumo de água, durante os anos 70 até o início dos anos 90, sobrecarregaram o sistema de abastecimento e deixaram os níveis dos reservatórios muito baixos durante os períodos de estiagem. Em 1994, quando os reservatórios estavam em níveis baixos, o governo municipal deu um passo à frente e intensificou os seus esforços de conservação de água, lançando o maior programa do mundo de substituição de sistemas de vasos sanitários, chuveiro e torneiras por dispositivos de baixo fluxo. Isso reduziu o consumo médio em 70 milhões de galões por dia e o uso de água em 37%, nos prédios de apartamentos que participaram do programa. Entretanto, os aquedutos de Nova York vazam continuamente, causando uma perda de água desnecessária. A fim de proteger a alta qualidade da água e a confiabilidade do sistema de abastecimento, Nova York “investirá aproximadamente US$7 bilhões” em um túnel de bypass que permitirá à cidade reparar os aquedutos com vazamentos e manter ininterrupta a capacidade de abastecimento de água da cidade. Além disso, há sempre a esperança no desenvolvimento de novas maneiras de modernizar a rede de distribuição dentro da cidade e de melhorar a eficiência do sistema. O esforço coordenado é necessário e “cada iniciativa é essencial e requererá um comprometimento sustentável de recursos públicos e de comunicação, de tal forma que os habitantes de Nova York tenham maior consciência do que é preciso para ter um abastecimento de um bilhão ou mais de litros de água potável limpa e saborosa todos os dias”.

Transportes Costuma-se dizer que “sistemas de transporte definem o crescimento e a prosperidade de uma cidade”. Nova York tem um dos sistemas de transportes urbanos com a melhor conectividade do mundo. Os seus habitantes podem chegar ao trabalho por meios de transporte diferentes e integrados: metrô, ônibus, barcas, automóvel, bicicleta ou simplesmente caminhando. Entretanto, a cidade precisa ampliar as opções de transporte, a fim de assegurar a confiabilidade e a alta qualidade da rede. Em virtude do financiamento de investimento aprovado em 2010 para a Metropolitan Transportation Authority’s (MTA) (Agencia de Transporte Metropolitano), a cidade começou a melhorar e expandir as linhas do metrô, reparar estradas e pontes e até abrir um novo túnel para o metrô. Uma nova política de mudanças parciais tem acelerado os reparos e melhorias, sem interromper a prestação dos serviços de transporte continuamente em regime de 24 horas, todos os dias da semana. A cidade continuará a manter e a melhorar as condições físicas do seu sistema de transporte, mas também deve pensar em maneiras de reduzir o congestionamento e proporcionar um maior leque de modalidades alternativas de transporte urbano, de tal forma que seja economicamente mais eficiente e ambientalmente mais sustentável. O congestionamento na circulação veicular custa à região de Nova York mais de US$13 bilhões por ano, em perda de produto e de produtividade econômicos, além de contribuir para a baixa qualidade do ar. Em 2007, Nova York experimentou um

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sistema de Congestion Pricing (Taxa do Congestionamento), cobrança que não deu certo. Uma das principais causas de congestionamento do tráfego nas ruas dos bairros é a circulação de automóveis em busca de um lugar para estacionar no meio-fio ou de estacionamento paralelo, quando não encontram vagas. Para atacar o problema de outra forma, a Prefeitura lançou o Park Smart (Estacionamento Inteligente), um programa que estimula a rotação dos espaços de estacionamento, cobrando taxas mais elevadas durante as horas de maior demanda. Ademais, Nova York testou com sucesso novas modalidades de transporte urbano, como dois Select Bus Service (SBS) (Serviço de Ônibus Seletivo), “vias de ônibus expressos que transportam os passageiros de forma rápida ao longo de rotas que antes eram as mais lentas da cidade”6. Os passageiros pagam suas tarifas antes de embarcar no ônibus, que tem acesso exclusivo às vias rápidas, para evitar o trânsito, e com semáforos inteligentes, que permanecem mais tempo na posição verde ou são acionados assim que um ônibus expresso se aproxima. Por mais de uma década, Nova York está implantando uma rede de vias verdes, que se estende por toda a cidade, ciclovias e ao longo das ruas e rotas designadas para ciclovias. Segundo enquetes com ciclistas, o uso de bicicletas aumentou em 102%, em comparação com 2007, e em 289%, em comparação com 2001. Uma média de vinte mil ciclistas usam as ruas de Nova York todos os dias, comparado com nove mil em 2001. Esses esforços não somente conseguem atrair um número rapidamente crescente de ciclistas, mas também têm êxito na tentativa de tornar as ruas mais seguras para todos os usuários: motoristas, pedestres, passageiros de ônibus e ciclistas. É mais do que somente uma forma diferente de chegar ao trabalho. Aproximadamente 54% de todas as viagens urbanas que os nova-iorquinos fazem são de menos de duas milhas. O novo Programa Bike Share (Compartilhamento de Bicicletas), recentemente lançada, tornará as viagens curtas baratas, fáceis, eficientes e rápidas. O Programa Bike Share também alavanca o sistema de transportes de massa da cidade, ampliando o alcance de mobilidade para áreas de difícil acesso. Sustentável, conveniente e seguro, ele beneficiará o indivíduo e a comunidade.

Energia Embora os nova-iorquinos consumam relativamente menos energia do que os habitantes do resto do país, o governo municipal ainda espera reduzir o consumo de energia e tornar os sistemas energéticos mais limpos e confiáveis. Nova York adotará três estratégias gerais para reduzir o consumo de energia e aumentar sua eficiência: 1) “implementar e fazer cumprir as políticas já adotadas, 2) ampliar o alcance a novos setores, e 3) promover as novas melhores práticas”. Em dezembro de 2009, a Prefeitura aprovou

6 Similar ao sistema de ônibus articulado adotado em BRTs de Curitiba e Rio de Janeiro.

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quatro leis, conhecidas conjuntamente como Greener, Greater Building Plan ou GGBP (Projetos de Construção mais Verdes e mais Grandiosos) que requerem melhorias de eficiência e transparência energética nos grandes prédios. Especificamente, essas leis estabelecem benchmarks (indicadores referenciais), auditorias energéticas, retro adaptação dos sistemas, melhorias da iluminação e medidores individuais para moradores dos prédios de aluguel. Essas leis transformaram a construção civil, tornando a eficiência energética uma prática comum. Até o presente, 75% dos maiores edifícios da cidade, que consomem 45% da nossa energia, estão aderindo as regras desse programa, o que vale dizer que 1,6 bilhões de pés quadrados7 de área imobiliária eventualmente se tornarão rigorosamente econômicos em energia. Isto traduz-se em importantes reduções de emissão da gases de efeito estufa (GEE). No país, como um todo, a capacidade instalada de geração de energia renovável mais do que dobrou nos últimos quatro anos. Infelizmente a densidade de edificações em Nova York torna mais difícil desenvolver projetos de energia renovável em larga escala. Entretanto, a cidade apresenta algumas importantes oportunidades que atraem investimentos privados e integram energia renovável no nosso conjunto de fontes de abastecimento de energia. Nova York já começou a planejar e a desenvolver fontes alternativas incluindo energia solar, eólica, hidráulica e de biogás. Um bom exemplo de uma significativa comunidade que avança em eficiência energética é a Universidade de Nova York (NYU). Com mais de 40 mil alunos e 16 mil professores e pessoal administrativo, a NYU é considerada uma grande consumidora de energia. Então, quando a NYU aceitou o desafio do prefeito, em 2007, de reduzir suas emissões de gases de efeito estufa em 30% até 2017, os níveis da NYU correspondiam a 0,30% do total para a cidade. A principal fonte dessas emissões é o consumo de energia em seus edifícios, o que se tornou a meta da sua Estratégia Energética. Em somente quatro anos, a NYU alcançou e superou a meta do desafio do prefeito. Com a incorporação da nova planta de cogeração de energia, além de outras medidas de eficiência energética, o total de redução no consumo é de mais de 40%. Ao todo, a NYU reduziu sua pegada energética em aproximadamente 20% nos últimos quatro anos.

Qualidade do ar “Nas duas últimas décadas, a qualidade do ar em Nova York melhorou consideravelmente, devido à elevação dos padrões estabelecidos na regulamentação das agencias a nível federal, estadual e municipal”. Entretanto, ainda não alcança os padrões federais para emissões que afetam a camada de ozônio e partículas em suspensão (PM 2.5). Muitas das comunidades de Nova York apresentam níveis de poluição substancialmente superiores àquele que é a média para a cidade como um todo, o que causa altos índices de asma e outras enfermidades agravadas pela poluição do ar. Não obstante todas essas medidas recentes, Nova York ainda enfrenta enormes desafios com relação ao alcance de suas metas de redução da poluição do ar.

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Evidentemente o plano é alcançar os níveis de pureza do ar comparáveis a qualquer grande cidade dos Estados Unidos. Mas, como outras cidades também tomam medidas para melhorar o ar, os esforços de Nova York deverão ser ainda mais eficazes para manter-se competitiva. Isto quer dizer que a cidade deve continuamente reavaliar o seu objetivo e fixar um benchmark em relação a outras cidades. A cidade pode e deve se esforçar agressivamente para reduzir emissões de automóveis, caminhões e ônibus, promovendo a eficiência do uso de combustíveis mais limpos e motores mais eficientes e modernos. A cidade vai propor ao governo federal legislação que permita explicitamente

O impacto do conjunto de medidas e estratégias do setor vai acelerar as melhorias da qualidade do ar de tal forma que um dia todos os novaiorquinos poderão respirar um ar mais puro. Entretanto, a qualidade do ar de Nova York com certeza depende da qualidade do ar regional e nacional.

aos governos estadual e municipal oferecer incentivos para veículos de uso eficiente de combustível. “A eletricidade e os combustíveis usados como fontes de energia e para aquecer os edifícios contribuem com a quarta parte de todas emissões de partículas em suspensão. Entre as principais medidas que Nova York tomará se incluem a adoção de normas para reduzir a poluição causada pelos óleos de aquecimento mais sujos usados nos edifícios e a redução do risco da qualidade do ar no interior dos edifícios, devido ao uso de certos materiais de construção. A cidade também se beneficiará do

Plano de Parques e Espaços de Uso Público, que está plantando mais de um milhão de árvores por toda a cidade e criando zonas para pedestres separadas das áreas de pior tráfego. O Plano de Transportes melhorará a gestão do congestionamento de tráfego e facilitará o fluxo de transporte de cargas, que afeta consideravelmente a qualidade do ar. O impacto do conjunto de medidas e estratégias do setor vai acelerar as melhorias da qualidade do ar de tal forma que um dia todos os nova-iorquinos poderão respirar um ar mais puro. Entretanto, a qualidade do ar de Nova York com certeza depende da qualidade do ar regional e nacional.

Resíduos sólidos “A cada ano, Nova York gera mais de 14 milhões de toneladas de resíduos e materiais recicláveis provenientes de residências, empresas, escolas, ruas e canteiros de obra. A coleta desses resíduos nos cinco boroughs (distritos) requer uma frota de dois mil caminhões do governo municipal e quatro mil contratados”. A gestão dos resíduos sólidos é complexa e tem um enorme impacto ambiental, nas comunidades e na economia. Em 2006, a fim de criar um sistema mais equânime, autoridades do executivo municipal coordenaram com o legislativo municipal organizações dedicadas

7 Equivalente a 148.65 milhões de m2.

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à proteção ambiental e grupos comunitários para desenvolver um novo Plano de Gestão de Resíduos Sólidos (SWMP). O plano traça uma trajetória estratégica em direção à equidade distrital. Ele minimiza os impactos do sistema sobre bairros sobrecarregados, assegurando que os resíduos coletados pelos serviços municipais de um distrito não sejam depositados em outro distrito. O SWMP também reduz o congestionamento do tráfego, o ruído e a poluição do ar, maximizando o uso de transporte de resíduos por meio de transporte ferroviário e barcaças fluviais, que o transporta para fora da cidade. “Desde 2006, Nova York tem avançado consideravelmente: cerca de 30% dos resíduos coletados pelo serviço municipal agora são transportados para fora da cidade por transporte ferroviário, e dois entrepostos marítimos estão sendo construídos. Ademais, uma planta de reciclagem de larga escala em Brooklyn deverá ser inaugurada em 2013”. A cidade deve tentar reduzir os seus resíduos, simplesmente deixando de criá-los. Deve também “promover oportunidades de prevenção de geração de resíduos, mediante o aumento da reciclagem dos materiais pelos seus consumidores”. Embora os nova-iorquinos atualmente reciclem aproximadamente metade dos resíduos gerados na cidade, inclusive os materiais descartados da demolição e da construção civil, entulho, resíduos comerciais e residenciais, um volume ainda maior pode ser desviado do fluxo de lixo. A cidade espera incentivar a reciclagem e torná-la mais eficaz e mais acessível. A fim de reduzir o volume de resíduos orgânicos que Nova York manda para aterros sanitários, a cidade vai aumentar as oportunidades para compostagem pelas comunidades e incentivar operações de recuperação de alimentos comerciais. O progresso tecnológico poderá também permitir aos nova-iorquinos procurar métodos alternativos de descarte de lixo, pela conversão eficiente e segura dos dejetos em fontes de energia limpa. O governo municipal reconhece que, para reduzir o lixo gerado pela cidade, deve sensibilizar os nova-iorquinos para que mudem seu comportamento. “Por meio de uma série de campanhas de informação pública do Green NYC (Nova York Verde), o governo municipal educa e ‘empodera’ o público para reduzir, reusar e reciclar os resíduos”. O desvio de 75% de resíduos dos aterros sanitários exigirá uma combinação de medidas. A cidade deverá reduzir o volume de lixo produzido, estimular tecnologias para recuperar recursos do lixo, incentivar novos mercados para materiais recuperados, aumentar a reciclagem, em casa e nas empresas e no comércio, e melhorar a infraestrutura para a gestão dos resíduos. Se essas medidas tiverem êxito, a cidade pode reduzir drasticamente o impacto do lixo sobre os habitantes contribuintes, o meio ambiente e as nossas comunidades. Recentemente o gabinete do prefeito anunciou que foi iniciada a construção de um centro de reciclagem que reduzirá em mais de 260 mil milhas por ano o volume de transporte de caminhão entre os pontos de coleta e os pontos de depósito do lixo. “A nova Usina Sims de Reciclagem Municipal (Sims Municipal Recycling Facility), localizada no Parque Sunset, no Brooklyn, servirá como o principal centro de processamento para todo metal, vidro e plástico reciclável da cidade”.

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PlaNYC: uma pauta para o século XXI


Mudanças climáticas “Sabe-se que as cidades estão na frente como as causadoras e as mais afetadas pelas mudanças climáticas”. Nova York é mais impactada por temperaturas ascendentes do que o resto da região noroeste dos EUA, porque a infraestrutura urbana absorve e retém o calor. Uma grande parte das metas do PlaNYC é em resposta a esse fenômeno, conhecido como “efeito ilha” de calor urbano, que poderá aumentar a temperatura de Nova York em 3-5 graus Fahrenheit e elevar os níveis oceânicos em mais de sessenta centímetros até a metade deste século. A cidade pode atenuar as contribuições locais às mudanças climáticas, reduzindo a emissão de gases de efeito estufa (GEE), que hoje representa, aproximadamente, 1/6 de 1% das emissões globais anualmente. Alcançar, em 2030, a meta de 30% de redução do GEE em relação aos de 2005 exigirá um esforço considerável nos próximos anos. Finalmente, a cidade de Nova York definiu uma série de iniciativas relacionadas para aumentar sua resiliência e encarar fenômenos climáticos, principalmente: 1 No plano de Habitação e Bairros, a cidade está redirecionando o seu desenvolvi-

mento para áreas bem-servidas de transporte e malha urbana, reduzindo a dependência de automóveis. Nova York está proporcionando aos proprietários de residências e às empresas de desenvolvimento imobiliário informação sobre como reduzir o consumo de energia. A cidade está também incorporando padrões de eficiência energética nas especificações para o financiamento municipal de projetos de renovação de conjuntos habitacionais e de novas construções. 2 No plano de Parques e Espaços Públicos, a cidade está plantando um milhão de

árvores e criando uma rede de corredores verdes. Arborizar a cidade e torná-la mais verde reduzirá as emissões de GEE, ajudará a amenizar o “efeito ilha” de calor urbano e expandirá a gestão de águas pluviais. 3 No plano para Cursos d’água (Waterways), a cidade está incrementando a sua capa-

cidade de captar e reservar águas pluviais. O plano da Infraestrutura Verde (Green Infrastructure) prevê investimentos de capital em estações de tratamento de águas usadas, sistemas de esgoto, assim como modificações nos códigos e padrões, que permitirão lidar melhor com as chuvas torrenciais. Nova York está também protegendo as zonas úmidas e pantanosas, assim como criando novas áreas para servir de barreiras para tempestades ao longo da orla marítima. 4 No plano de Transportes Urbanos, o governo municipal proporciona aos nova-ior-

quinos mais opções sustentáveis de transporte urbano. Estes incluem expansão da rede de ônibus, metrô, transporte ferroviário em horários de trabalho, expansão do serviço de barcas e aumento de disponibilidade de bicicletas, assim como maior segurança para cicilistas e pedestres e maior conveniência. Todas essas medidas reduzirão a emissão de GEE relacionada com o transporte urbano. 5 Mediante o plano de Qualidade do Ar, a cidade está aderindo ao uso de combus-

tíveis menos poluentes e mais eficientes, e reduzindo emissões dos táxis, vans e carros de aluguel.

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3

6 No plano de Energia, Nova York “está reduzindo o consumo de energia dos edifí-

cios e investindo em infraestrutura energética para diminuir a dependência dos nova-iorquinos em combustíveis fósseis. O governo municipal também continuará a dar um bom exemplo, modificando seus procedimentos operacionais, investindo em retrofit/conversões e melhorias.” Por meio desses e de outros esforços, Nova York, até 2017, reduzirá em mais de 30% as emissões de GEE de operações municipais em relação aos níveis do ano fiscal de 2006. 7 No plano de Resíduos Sólidos, a cidade está reduzindo o volume de lixo que é

despejado em aterros sanitários, onde se decompõe, emitindo metano, um nocivo GEE.

Nova York está também tornando mais eficiente a gestão dos resíduos sólidos.

Estima-se que, juntas, essas medidas reduzirão a emissão de GEE em 2%.

Conclusão Este ensaio enfocou o processo de planejamento adotado durante a gestão do prefeito Bloomberg, em parceria com organizações da sociedade civil e do setor privado e o terceiro setor da cidade de Nova York. Entre as principais lições a serem extraídas, está a de que, para alcançar o crescimento urbano com resultados sustentáveis e ao mesmo tempo reduzir os níveis dos GEE, deve ser adotada uma abordagem multissetorial abrangente, que cubra as sete categorias prioritárias que integram o PlaNYC, tratadas neste ensaio.

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PlaNYC: uma pauta para o século XXI

3 Vista do norte

da ilha ao Midtown


“Por meio de todos esses esforços, Nova York espera até 2030 reduzir emissões de GEE em mais de 30% em relação aos níveis de 2005. A cidade aumentará sua resiliência

aos fenômenos climáticos extremos, melhorará a sua qualidade de vida, economizará o dinheiro dos nova-iorquinos e criará oportunidades econômicas.” A vantagem desse plano é a exigência legal de que seja atualizado periodicamente, o que é apoiado por uma campanha para manter atenção ao plano na mente e nos olhos da população, através de boletins e matérias publicados na imprensa, circulares e eventos de atualização. Ademais, não faltam críticas construtivas ao plano. Problemas de participação comu-

O PlaNYC está baseado numa metodologia inovadora, que consiste em concentrar-se nos setores chaves, propondo uma combinação de ações estratégicas de curto e médio prazos, para alcançar, até 2030, os objetivos de longo prazo de qualidade de vida urbana e sustentabilidade ambiental para todos os nova-iorquinos.

nitária, fixação de prioridades de políticas e gestão do plano são críticos para seu avanço e requerem monitoramento constante. O PlaNYC está baseado numa metodologia inovadora, que consiste em concentrar-se nos setores chaves, propondo uma combinação de ações estratégicas de curto e médio prazos, para alcançar, até 2030, os objetivos de longo prazo de qualidade de vida urbana e sustentabilidade ambiental para todos os nova-iorquinos. Para mobilizar o interesse público e a participação, um sistema de informação para transparência, que pode ser acessado pelos cidadãos, em geral, foi estabelecido na

internet para divulgar os objetivos planejados e os resultados da sua implementação. O que Nova York lançou e está tentando realizar certamente representa uma inspiração valiosa e uma referência sobre como a cidade está tentando assegurar seu futuro de uma forma integrada, mediante padrões operacionais rigorosos, para a sua transformação. Neste ensaio, o foco são os objetivos do PlaNYC que, espera-se, se transformarão em referência, para urbanistas, pesquisadores e administradores, em sustentabilidade, planejamento e iniciativas de design que estão sendo implementadas em outras áreas metropolitanas.

O “novo normal” Na segunda-feira, 28 de outubro de 2012, o furacão Sandy, também chamado de Superstorm, chegou à costa de Nova York. Como no caso do furacão Irene, um ano antes, a cidade fez o melhor que podia para preparar-se para a sua chegada. À diferença do Irene, que passou ao largo da cidade, Sandy atacou a cidade frontalmente com grande fúria. A confluência de fenômenos climáticos fez com que a tempestade provocasse elevação das ondas, de tal ordem que ultrapassaram barreiras urbanas, fizeram com que as águas penetrassem as áreas mais baixas, inundassem a infraestrutura urbana e interrompessem os serviços de utilidade pública, provocando danos massivos não somente a Nova York, mas a 13 estados na orla noroeste dos Estados Unidos. Não há dúvidas de que o PlaNYC foi elaborado levando em consideração as mudanças

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climáticas e de que projetos habitacionais recentes, seguindo as recomendações do plano, contribuíram para que diversas áreas resistissem melhor aos impactos do furacão do que aquelas construídas sem levar em consideração o impacto do clima mais hostil. Um projeto habitacional, numa das áreas mais impactadas em terras baixas — as comunidades residenciais de Rockaways, Arverne By the Sea —, construído a cinco pés acima dos bairros vizinhos, resistiu muito melhor. Tal foi também o caso do projeto recentemente concluído de Brooklyn Bridge Park. Entretanto, neste momento, quase três meses após a passagem do referido furacão, a área considerada como locomotiva econômica de Nova York, Lower Manhattan-Wall Street, no caso, ainda está sem seu sistema de comunicação totalmente restaurado, sendo que algumas de suas torres corporativas ainda se encontram desocupados. O Furacão Sandy de forma alguma foi um alerta. Recentes experiências geológicas e climáticas confirmaram as previsões sobre as mudanças climáticas divulgadas nos últimos vinte anos, como Katrina, Sri Lanka, Haiti, Fukushima, que são apenas alguns dos eventos naturais de que todos têm conhecimento, não obstante haja muitos mais que não são tão conhecidos. Neste momento há um apelo geral em Nova York para que se compartilhem informações, sobre as melhores práticas e pesquisas que ajudem a planejar e se preparar para as próximas décadas, referidas como um “novo normal”.

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PlaNYC: uma pauta para o século XXI

4 Vista da orla (East River)

e o skyline do Midtown de Nova York


Referências bibliográficas PlaNYC 2011

Cursos d’água

PlaNYC 2007

NYC Swim (http://www.nycswim.org)

PlaNYC Progress Report 2012

NYC Swim.wmv (http://www.youtube.com/watch?v=UAvRNGRiaSo)

PlaNYC Roadshow 2008

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PlaNYC Inventory of New York City Greenhouse Gas Emissions 2011 PlaNYC Exploring Electric Vehicle Adoption in New York City 2010 http://www.nyc.gov/html/planyc2030/html/publications/ publications.shtml The Lower Manhattan Plan: The 1966 Vision for Downtown New York The Plan for New York (1969) Habitação Bauwelt’s Affordable New York (March 2012) http://www.bauwelt.de/sixcms/media.php/829/bw_2012_10_ affordable%20housing.6001 01.pdf Via Verde (http://viaverdenyc.com/) Hunter’s Point South – NYCEDC (http://www.youtube.com/watch?v=b8JQaTkHLRs) Via Verde South Bronx NY Roof Gardens Tour (The Green Way) (http://www.youtube.com/watch?v=Qanncg8XhmQ) Mayor Bloomberg Announces Grand Opening of Via Verde Affordable Housing Development (http://www.youtube.com/ watch?v=_EHM9mrhCZg) Espaços públicos Highline (http://www.thehighline.org/) Schoolyards to Playgrounds (http://www.nycgovparks.org/greening/planyc/schoolyards)

Kramer Swims the East River (http://www.youtube.com/watch?v=0hK3pBcY3k0) Abastecimento d’água Delaware Aqueduct & Ulster County (Wawarsing) (http://www.youtube.com/watch?v=6lXHTtftFFo) Introduction to the Croton Waterworks (http://www.youtube.com/watch?v=jAMyCaoNlR8&feature=related) Transportes urbanos MTA Capital Construction Program (2010-2014) (http://www.mta.info/capital/) Bike Share (http://citibikenyc.com/) Bus Rapid Transit – New York City (http://www.youtube.com/watch?v=cEs_HBTZwg8) New York Subway is over 100 years old (http://www.youtube.com/watch?v=ElFuFK44AP8) NYC Bike Share Quick Look (http://www.youtube.com/watch?v=14rlkQF0z4E) Energia The Greener, Greater Buildings Plan (http://www.youtube.com/watch?v=SilX4oZ01D4) NYU Energy Curtailment Event (http://www.youtube.com/watch?v=05fpBhbm-YM)

NYC Plaza Program (http://www.nyc.gov/html/dot/html/sidewalks/publicplaza.shtml)

Qualidade do ar

Madison Square Pedestrian Project (March 2008) (http://www.nyc.gov/html/dot/downloads/pdf/madisonsqimprov.pdf)

That’s So New York: PlaNYC Air Quality (http://www.youtube.com/watch?v=rvN-O3TYoQA)

Beyond Zuccotti Park

Hybrid Taxis in NYC (http://www.youtube.com/watch?v=w0K51Vk4feg)

New York’s New High Line Park (http://www.youtube.com/watch?v=_W2Yq1zzxAc)

Resíduos sólidos

It’s My Park: Schoolyards to Playgrounds (http://www.youtube.com/watch?v=pKFrdSceJl8)

That’s So New York: PlaNYC Solid Waste (http://www.youtube.com/watch?v=5YwKD7CcfY4)

N.Y./Region: Times Square’s Pedestrian Makeover – NYTimes (http://www.youtube.com/watch?v=G9_s3u4jtGU)

Mudanças climáticas

Brownfields

Rising Sea Levels Putting New York City At Risk (http://www.youtube.com/watch?v=-xLokKVdk7I)

Brooklyn Park (http://www.brooklynbridgepark.org/)

White Roofs (http://www.youtube.com/watch?v=_EPu1ZhzDOM)

Brooklyn Bridge Park – Michael Van Valkenburgh – New York City (http://www.youtube.com/watch?v=EsNwOjOQK94) Brooklyn Bridge Park Pier 1 (http://www.youtube.com/watch?v=0A7ISzGqBJA)

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O High Line e a transformação dos bairros do Westside de Manhattan

Shawn Amsler Professor adjunto na Universidade de Columbia, de Nova York. Pós-graduado em Science in Real Estate Development nessa mesma Universidade, teve sua dissertação versado sobre o projeto de revitalização do Porto Maravilha, no Rio de Janeiro. Sua áreas de pesquisa e interesse têm sido mercado imobiliário, transporte e mobilidade, como indutores de desenvolvimento urbano e renovação de zonas portuárias e mercado de capitais. Atua também em consultoria empresarial no acesso a fontes de financiamento e investimentos imobiliários, bem como aquisições de empresas nos EUA e Brasil.

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Uma vez considerado “uma causa mirabolante que provavelmente não teria êxito”1, o Projeto High Line de Nova York é agora uma das suas mais apreciadas atrações, tendo recebido mais de meio milhão de visitantes somente em junho de 2012.2 Desde que o governo municipal aprovou, em 2005, a reciclagem e adaptação da High Line como parque público, mais de US$2 bilhões em novos projetos de desenvolvimento imobiliário foram lançados3, inclusive projetos de arquitetos laureados com o prêmio Pritzker. Ao mesmo tempo, as antigas zonas industriais do Meatpacking District (distrito de processadoras de carnes) e o bairro de West Chelsea são agora considerados entre os melhores endereços para locação de escritórios corporativos de indústrias criativas. É sabido há muito tempo que espaços públicos de qualidade têm um impacto favorável no valor de imóveis adjacentes. Entretanto, o que tem acontecido em decorrência do Projeto High Line excede o que é típico para as adjacências dos mais atraentes parques convencionais. Este artigo examina o esforço visionário de preservar e mudar a utilização da High Line, assim como o impacto extraordinário que este singular parque tem tido em propriedades imobiliárias, na arquitetura e na vitalidade econômica dos bairros adjacentes.

Origem da iniciativa urbana e processo de desenvolvimento Um começo improvável Um dos aspectos mais interessantes da extraordinária história do Projeto High Line é que o processo de aproveitamento dessa linha férrea suspensa abandonada e a criação do mais singular parque público de Nova York não foi iniciativa do governo municipal, nem mesmo de algum dos grupos dedicados à preservação de Manhattan. Inusitadamente, esse duro esforço que levou uma década foi iniciado por dois moradores da área sem nenhuma experiência ou formação em preservação urbana, arquitetura, organização comunitária, coleta de recursos, trabalho com governos municipais ou administração de parques: Robert Hammond e Joshua David.4 Embora a transformação do High Line tenha requerido a participação de vários funcionários municipais de influência e de doadores generosos, o Parque High Line, na sua condição atual, simplesmente não existiria se não fosse pelo esforço incansável de Robert e Joshua nos primeiros anos, quando a mudança da utilização da linha férrea suspensa parecia a todos uma tarefa impossível. Cabe assinalar que, não obstante o notável impacto favorável do High Line na vitalidade econômica dos bairros adjacentes, não foi esta a motivação original para o esforço. Na realidade, o benefício econômico potencial para a cidade só veio a ser preocupação de Robert e Joshua depois de vários anos de existência do projeto. A motivação original para a recuperação do parque vinha em grande medida da singularidade da estrutura em si. Robert e Joshua acreditavam que a enferrujada linha férrea elevada de estilo art déco dava um certo charme aos bairros que atravessava. Eles se impressionavam com a beleza assombrosa dessa estrutura inteira que serpenteava pela cidade, por quase

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O High Line e a transformação dos bairros do Westside de Manhattan

1 Com a transformação oficial

do elevado ferroviário em parque público, mais de US$2 bilhões de dólares, em novos lançamentos imobiliários, foram aprovados ao longo do High Line, incluindo o Standard Hotel, na foto [p. 216] 2 O Caledonia Residences,

High Line com a 17th Street, e o Standard Hotel, que se projeta sobre o High Line na altura da Washington Street, são projetos viabilizados pelo reuso do elevado 3 O High Line é o único lugar

em Nova York em que se pode desfrutar de total tranquilidade e não perder a conexão com a dinâmica das ruas


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uma milha e meia, invadida por grama selvagem, resultado de vinte anos de abandono, desde que os trens pararam de circular. Desconfiavam também que, como essa relíquia industrial tinha sobrevivido por tanto tempo, estava a ponto de ser demolida. A ideia de preservar de alguma forma essa estrutura, para que os demais desfrutassem dela, deu lugar à noção de torná-la um parque público. Joshua recordou mais tarde nas seguintes palavras: Eu comecei a prestar atenção à High Line quando pela primeira vez o olhei de baixo para cima. Os balaústres enferrujados feitos em art déco davam-lhe ares de uma beleza perdida, e os vãos inferiores refletiam uma escura e encardida qualidade industrial. O que me cativou foi que era massiva e sem quebras ao longo de 22 quarteirões. Imaginei que alguém, em algum momento, poderia ter demolido parte dela para construir alguma outra coisa. Não se tratava de uma coleção de relíquias, mas de uma só relíquia em uma só peça. Senti o que creio que desperta o interesse da maioria das pessoas no High Line: não seria “bacana” caminhar lá em cima ao longo dos 22 quarteirões, nessa coisa velha elevada, nessa relíquia de outra época, nesse lugar escondido lá em cima?

1 J. David; R. Hammond. High Line: The Inside Story of New York City’s Park in the Sky. New York: Farrar, Straus,

and Giroux, 2011. p. 48. 2 C. Vogel. At MoMA a Substitute for Pollock’s ‘One’. New York Times Online Edition, Art and Design. July 26, 2012.

Disponível em: http://www.nytimes.com/2012/07/27/arts/design/moma-replaces-one-with-another-pollock. html?pagewanted=all&_moc.semityn.www 3 A. Fung; T. Fernandez. All along the (longer) High Line. Crain’s New York. June 3, 2011. Disponível em:

http://www.crainsnewyork.com/gallery/20110603/GALLERIES/605009999 4 J. David; R. Hammond. High Line: The Inside Story of New York City’s Park in the Sky, cit. Preface, p. VII.

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Não creio que nenhum de nós dois sabia exatamente o que estávamos tentando realizar, além de buscar algo melhor do que simplesmente demolir a High Line. Ocorreu-nos na época que convertê-la num parque seria provavelmente a maneira menos complicada de aproveitá-la. Esta ideia nos atraiu, pois em parte só queríamos descobrir uma forma de fazer com que as pessoas fossem até lá em cima.5

4 Robert and Joshua perceberam

que o enferrujado elevado ferroviário, erguido em estilo Art Deco industrial, imprimia um caráter e o sentido de lugar ao longo dos bairros que cruzava 5 Os trens circularam no High Line

Salva da demolição Inaugurada em 1934, a estrada de ferro de High Line proporcionava transporte ferroviário de carga para as áreas industriais do West Side de Manhattan. Por ser elevada, removia o perigo dos cruzamentos do tráfego de veículos com a linha no nível das ruas. Originalmente ela se estendia da 34th Street até a Spring Street. O trecho entre a Bank Street e a Spring Street passou a ser menos usado com a expansão do tráfego interestadual de caminhões durante a década de 1950, e, portanto, foi demolido na década de 60. O serviço da ferrovia foi gradualmente declinando, até 1980, quando um trem transportando três vagões de perus congelados foi a última carga a ser entregue, e o tráfego da ferrovia foi oficialmente extinto. Nos anos seguintes, tanto os proprietários como os moradores pressionaram o governo municipal para demolir a ferrovia desativada, argumentando que ela representava um sinal de deterioração, uma “feiúra” urbana e um obstáculo ao desenvolvimento econômico. Em 1992, uma ordem contingente de abandono foi emitida pela prefeitura. Dúvidas quanto aos recursos necessários assim como questões de responsabilidade civil atrasaram a demolição e a mantiveram em pé. Em fins de 1999, enquanto ainda se resolviam essas questões e com a demolição iminente, começou a surgir o interesse em preservar High Line como um espaço público. Moradores dos bairros, juntamente com Robert Hammond e Joshua David, fundaram a organização Friends of the High Line (Amigos da High Line), para pressionar a prefeitura de Nova York, o governo federal e a própria companhia ferroviária para salvar High Line.6

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O High Line e a transformação dos bairros do Westside de Manhattan

de 1934 a 1980, transportando produtos agrícolas para os frigoríficos e armazéns do West Side 6 A inspiração veio da Promenade

Plantée, em Paris, um elegante cinturão verde ajardinado construído sobre o antigo viaduto desativado da Linha Ferroviária de Vincennes


Embora a visão exata para a transformação do uso da High Line permanecesse pouco clara, o objetivo subjacente era salvar a estrutura para algum tipo de utilização e desenvolvimento racionais, pois ficava claro que jamais haveria outra oportunidade de se tirar proveito de uma estrada de 1,3 milhas nos céus do Oeste de Manhattan. Robert e Joshua se inspiraram na Promenade Plantée, de Paris, um elegante e floreado cinturão verde construído durante a década dos 1980 sobre o antigo leito da estrada de ferro Vincennes, desativada em 1969. O que fora feito em Paris poderia perfeitamente ser feito também em Nova York, pensaram eles. 7 Os mais temíveis opositores ao esforço para salvar High Line eram os membros da organização Proprietários de Chelsea, que pressionaram por muitos anos para a sua demolição. Havia mais de vinte proprietários que adquiriram seus imóveis ao longo da 10th Avenue por preços baixos, o que é típico de propriedades numa zona industrial com uma estrutura ferroviária passando por cima delas. Estas propriedades foram adquiridas presumindo que, com o declínio da atividade manufatureira, a ferrovia seria obrigada a demolir a High Line, permitindo aos proprietários construir naqueles terrenos e multiplicar exponencialmente seus investimentos.8 Muitos habitantes da comunidade, que tinham vivido no bairro durante toda sua vida, também manifestaram oposição ao movimento para salvar a High Line da demolição. Na época ainda era incomum que comunidades e grupos dedicados à preservação urbana se interessassem por estruturas industriais. As estruturas elevadas, em particular, são detestadas, pois são vistas como fatores de divisão nas comunidades. A High Line era encarada como mais uma de tantas estruturas massivas que partiam uma comunidade ao meio, como no caso da rodovia expressa Cross-Bronx.9 Entretanto, com o passar do tempo, o esforço para salvar High Line passou a adquirir ímpeto. Os seus apoiadores originais eram na maioria amigos ou conhecidos de Joshua e Robert e pessoas da comunidade. Mas não tardou muito para que destacados designers, importantes políticos e mesmo celebridades se unissem à causa. Paula Cooper foi uma das primeiras figuras destacadas do mundo da arte que deu seu apoio, seguida logo por Matthew Marks e pelo arquiteto Richard Meier. Joshua e Robert observaram mais tarde que um dos fatores do sucesso foi que, como poucos tinham conhecimentos sobre preservação, coleta de doações, organização comunitária e design, tiveram que recorrer a especialistas que os ajudassem. Entre os maiores adeptos estava o presidente da Câmara Municipal de Nova York, Gifford Miller (e mais tarde Christine Quinn), a legendária designer de moda Diane von Furstenberg e o ator Edward Norton, para mencionar apenas alguns.

5 Ibid., p. 5-6, 8. 6 Ibid., p. VIII-XI, 7, 10-11. 7 Ibid., p. 14. 8 Ibid., p. 13. 9 Ibid., p. 20.

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O esforço para preservar High Line se uniu a outra causa, também endossada por Diane von Furstenberg: Save the Gansevoort Market (Salve o Mercado Gansevoort) foi um empurrão para conseguir que o distrito de processamento de carnes se convertesse em patrimônio histórico. Estava-se procurando preservar as características que faziam desse bairro algo especial. Como explica Robert Hammond: A maioria dos distritos históricos tem um estilo marcante — Colonial, McKim, Mead e White —, ao passo que o Meat Market (mercado de carnes) era uma coleção de edifícios baixos em que funcionavam processadoras de carnes. Não constituíam o que se consideraria como um ponto de referência estilística e de admiração, mas as pessoas do bairro muito os apreciavam. O projeto Save Gansevoort Market foi, nesse respeito, semelhante ao do High Line. Fez as pessoas verem a beleza de algo que tradicionalmente não era visto como belo. High Line e Save the Gansevoort Market foram, em um momento determinado, vistos como causas mirabolantes, que jamais teriam êxito.10

Ao final, a New York City Landmarks Preservation Commission (Comissão de Preservação de Sítios e Monumentos Históricos de Nova York) decidiu reconhecer uma ampla parte do Meatpacking District como área de referência histórica. Ou seja, a organização da campanha Save Gansevoort Market tinha conseguido salvar o mercado Gansevoort. Isto foi uma grande vitória e mostrou que a corrente estava lentamente mudando em favor de projetos de preservação como o do High Line.11 A criação de um parque Um episódio crucial para o High Line ocorreu em 2001, quando Joel Sternfeld publicou fotografias que havia tirado, no ano anterior, da estrutura deteriorada. A assombrosa beleza da grama selvagem crescendo num linha férrea no meio da cidade tomou conta da imaginação do público e contribuiu para galvanizar o seu apoio. Robert e Joshua na época não tinham ideia de que as fotos de Sternfeld viriam a definir o High Line e impulsionar a campanha da forma em que o fizeram.12 Para ampliar o apoio da prefeitura, a organização Friends of the High Line contratou, em 2002, John Alschuler, da firma de consultoria HR&A, para realizar um estudo de viabilidade econômica que determinasse o impacto que o High Line teria no valor das propriedades nos bairros adjacentes. Parte central do estudo era a indagação: Ao longo de um período de vinte anos, um novo parque na High Line geraria mais receitas diretas para o governo municipal provenientes do imposto predial e territorial urbano do que o custo de construí-lo? Embora se esperasse que o governo municipal fosse cobrir o custo total da obra, a organização Friends of the High Line angariaria uma parte considerável dos recursos necessários. Um fator vital para assegurar o endosso do prefeito era caracterizar que um novo parque — numa cidade que já tinha muitos parques que requeriam manutenção — era um bom investimento para Nova York. O estudo de viabilidade não podia creditar ao parque os aumentos no valor das propriedades gerados pelo rezoneamento do bairro, porque isto ocorreria a despeito

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O High Line e a transformação dos bairros do Westside de Manhattan


da existência do Parque High Line. Portanto, o estudo calculou o valor incremental atribuível somente à presença do parque. Para fazer isto, considerou como outros parques na cidade, tal como o Central Park e o Tribeca’s Duane Park, aumentaram o valor das propriedades. O estudo previu que o aumento de valor seria provocado por três fatores: a proximidade do parque, as empenas de janelas adicionais nos prédios adjacentes à High Line e o estabelecimento de uma identidade do distrito que contribuísse para a comercialização das propriedades. Foi também previsto que a identidade do Parque High Line se estenderia ao bairro, agregando valor que ultrapassaria os limites do parque, como ocorreu no Gramercy Park no século XIX.13 7

O estudo concluiu indicando que o Parque High Line custaria US$65 milhões para ser construído, mas geraria US$140 milhões em receitas incrementais para a cidade

7 Tornaram-se icônicas as fotos

do High Line, tiradas em 2000, por Joel Sternfeld e publicadas em 2001. A assombrosa beleza da relva selvagem crescendo no elevado ferroviário, abandonado em plena cidade, ajudou a capturar a imaginação das pessoas e a incentivar seu apoio à causa

ao longo de vinte anos. Isto mudou a forma de encarar o projeto proposto por Joshua e Robert — o High Line de repente passou a ser maior do que simplesmente só um parque. A organização Friends of the High Line passou a promover ativamente a ideia de um bairro High Line, um distrito High Line14. Finalmente, o prefeito Michael Bloomberg endossou o projeto, proclamando que a criação de “um importante novo passeio em cima de uma linha de ferro elevada desativada” proporcionaria um espaço verde necessário aos moradores e visitantes e atrairia novos estabelecimentos comerciais e habitantes, reforçando a economia da cidade. Os interessados em desenvolvimento econômico se beneficiariam com a elevação dos valores das propriedades de frente para um espaço público aberto, com maiores receitas tributárias desses valores imobiliários mais elevados e com a atividade financeira gerada por novos estabelecimentos comerciais e novos moradores, atraídos pelo espaço aberto15. À medida que o governo municipal ia se convencendo da recuperação da High Line, tornou-se claro que, para que o projeto se convertesse em realidade, a questão levantada pelos moradores de Chelsea deveria ser encampada. Liderada por Amanda Burden, diretora do Departamento de Planejamento Urbano da cidade de Nova York,

10 Ibid., p. 48. 11 Ibid., p. 63. 12 Ibid., p. 18. 13 Ibid., p. 46. 14 Ibid.

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10

e sua equipe, iniciou-se a formulação de uma estratégia de rezoneamento mediante a qual os proprietários na projeção da High Line poderiam monetizar o valor não aproveitado de suas propriedades, transferindo/vendendo os seus direitos de desenvolvimento imobiliário acima da High Line a outros proprietários no bairro. Semelhante estratégia tinha sido aplicada com êxito por Nova York para resgatar teatros históricos de Times Square, assim como a Grand Central Terminal16. Em junho de 2005, a Diretoria de Transporte de Superfície (Surface Transportation Board) emitiu um certificado de Uso Temporário de Trilha (Certificate of Interim Trail Use) para a High Line, autorizando o governo da cidade de Nova York e a Companhia Ferroviária a concluir negociações bancárias sobre a linha férrea. Vários meses depois, a Companhia CSX de Transportes doou ao projeto do parque a parte da High Line abaixo da 30th Street até o centro da cidade. Ambos assinaram um Acordo de Uso de Trilha. Em conjunto, essas medidas permitiram a conversão da estrada de ferro em uma alameda de uso público (railbanked) da High Line no seu trecho ao sul da 30th Street. Esse acordo foi baseado numa modalidade para linhas férreas desativadas, que permite que sejam utilizadas como vias de pedestres ou ciclovias, com direitos de acesso reservados ao Governo Federal, em caso de futuras necessidades de reativar essas vias de transportes. Esta foi a mais importante conquista do Friends of the High Line até o momento, marcando, com efeito, a mudança de política urbana de Nova York, no sentido de resgatar a High Line em vez de demoli-la. Depois de lutar anos a fio pela sua demolição, os empresários imobiliários locais de repente se deram conta de que a High Line era um patrimônio que valorizaria suas propriedades e não um “veneno” imobiliário. O empresário imobiliário Joe Rose declarou: “A High Line foi um impedimento por muitos anos. Você e seu grupo simplesmente a converteram num catalisador”17.

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8 Percorrer o High Line é como

estar andando sobre telhados. Em um momento, passa-se entre antigos prédios industriais. Em outros, o panorama se abre, oferecendo a vista das ruas e, ao longe, o rio Hudson 9 Detalhe do trilho remanescente 10 O compromisso com o design

de qualidade foi um dos diferenciais na proposta do High Line, a exemplo da inspiração no capim selvagem, que crescera espontaneamente entre os trilhos, e a própria manutenção dos mesmos em certos trechos, fazendo a conexão com a história do lugar


Entretanto, Robert e Joshua ainda não sabiam exatamente o que queriam ver sobre a High Line. O que sabiam era que queriam que fosse aberta ao público e que seu uso fosse tão especial e singular como a High Line e a paisagem natural que já existia lá18. Uma proposta de design incomum, inspirada na paisagem selvagem e autossemeada que cresceu no leito do trilho elevado desde que os trens pararam de circular, levou à seleção da equipe de design: o arquiteto paisagista James Corner; o gerente de operações e chefe do projeto, o arquiteto Diller Scofidio + Renfro; e o planejador Piet Oudolf, com o apoio de consultores em inúmeros campos. Em abril de 2006, deu-se início à construção da primeira seção do High Line, que se estendia da Gansevoort Street até a 20th Street, transformando efetivamente o dilapidado viaduto em um vibrante parque urbano, completo, com instalações, vistas panorâmicas e algumas das pessoas mais importantes da cidade. Em junho de 2009, a primeira seção foi inaugurada e aberta ao público, com o prefeito Bloomberg cortando a fita na cerimônia inaugural, na presença de inúmeras autoridades do governo municipal, estadual e federal, e celebridades. Dois anos mais tarde, a segunda seção, entre a 20th Street e a 30th Street, foi também inaugurada e aberta ao público. O custo total do projeto e construção do High Line foi de US$153 milhões. O financiamento do projeto incluiu US$112.2 milhões da Prefeitura, US$20.7 milhões do Governo Federal e US$700,000 do Estado de Nova York. O aporte complementar foi levantado pelo Friends of the High Line e pelos promotores imobiliários, de acordo com a nova legislação adotada (Special West Chelsea Zoning District). 19Atualmente, o High Line, além de ser um parque público, é também uma âncora cultural do West Chelsea e do Meat Packing District. Uma intensa programação para os moradores e visitantes de todas as idades inclui no calendário palestras, filmes, exposições temporárias, eventos sociais e performances de música ao vivo.

Resultados econômicos e benefícios tangíveis Reconhecido como uma contribuição importante para a recuperação do West Side de Manhattan, o Parque High Line tornou-se uma referência marcante de seus bairros, uma atração para moradores e visitantes e um catalisador poderoso para investimentos privados.

15 J. David. Reclaiming the High Line. New York: The Design Trust for Public Space, 2002. p. 4, 18. 16 J. David; R. Hammond. High Line: The Inside Story of New York City’s Park in the Sky, cit., p. 23. 17 Ibid., p. 65 18 Ibid., p. 71. 19 New York City Press Release # 194-11. Mayor Bloomberg, Speaker Quinn and Friends of The High Line Open Section

Two of The High Line. June 7, 2011. Disponível em: www.nyc.gov/html/om/html/2011a/pr194-11.html

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Desde a aprovação pela Prefeitura do projeto de transformação do elevado ferroviário em parque público, em 2005, a High Line passou a contribuir significativamente tanto na valorização da área para os moradores da cidade — em particular os moradores da vizinhança mais próxima de West Chelsea e ao longo do parque — como na promoção de novos investimentos, ao consagrar-se como um destino turístico de visitantes que movimentam atividades e gastos. Em um prédio construído junto à parte sul do High Line, o preço dos apartamentos dobrou desde a inauguração do parque, atingindo cerca de $2,000/ft2 (US$18.6 mil/m2), de acordo com Amanda Burden, diretora do Departamento de Planejamento Urbano da cidade de Nova York.20 Embora as estimativas, feitas em 2009, projetassem que o Parque High Line geraria US$4 bilhões em investimentos privados, durante os próximos trinta anos,21 apenas os 29 projetos iniciados nos seis anos decorridos desde a aprovação dos planos do High Line (19 executados e 10 em execução)22 representam investimento de mais de US$2 bilhões.23 Enquanto isso, os novos licenciamentos, na vizinhança do High Line, dobraram. Esses novos lançamentos incluem cerca de 2.500 unidades residenciais, mil quartos de hotel, mais de 423,000ft2 (39.300m2) de área comercial e mais de 85,000ft2 (7.800m2) de espaços para novas galerias de arte.24 Foram construídos 31,000ft2 (2.900m2) de lojas no entorno do High Line e mais 114,000 ft2 (10.600m2) estão em execução. Ao todo, são cerca de 3,6 million ft2 (335 mil m2) de novos projetos ali executados ou em execução.25 Foi estimado que 12 mil postos de emprego foram criados nas redondezas do High Line e que, desde o ano 2000, a população residente da área rezoneada de West Chelsea tenha crescido em mais de 60%. 26 27 A combinação do rezoneamento com o Parque High Line tem contribuído para criar uma das áreas mais vibrantes e de mais rápido crescimento da cidade de Nova York. Um contínuo influxo de indústrias criativas, assim como butiques da moda, restaurantes e pontos de vida noturna para o Meatpacking District, tem provocado o aumento dos aluguéis e do valor dos imóveis, num bairro que outrora era conhecido pelos seus galpões e instalações de encaixotadoras. Em 2010, locadores de lojas de varejo no Meatpacking District, ao longo da West 43th Street, da Hudson Street até a 10th Avenue, cobravam aluguéis em média de $373 por pé quadrado ($3465/m2), de acordo com a Diretoria de Imóveis (Real Estate Board) de Nova York. Isto é notável, considerando que aluguéis, no mesmo bairro, custavam

Um contínuo influxo de indústrias criativas, assim como butiques da moda, restaurantes e pontos de vida noturna para o Meatpacking District, tem provocado o aumento dos aluguéis e do valor dos imóveis, num bairro que outrora era conhecido pelos seus galpões e instalações de encaixotadoras.

em média $75 por pé quadrado ($7.00/m2), há apenas uma década. Para as lojas de maior qualidade no Meatpacking District, aluguéis anunciados em julho de 2011 estavam em média de $400 a $500 por pé quadrado ($3716 a $4645/m2), comparado com $103 ($956 /m2) em média para todo o centro de Manhattan, superando até o bairro da moda, conhecido como

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o Soho, com aluguéis em média de $268 por pé quadrado ($2489/m2). Em fevereiro de 2010, a Levi Strauss, com sede em São Francisco, alugou espaço de varejo na 14th Street para uma de suas novas lojas, a $450 por pé quadrado ($4180/m2).28 “Antes, a questão era a que distância estávamos da High Line. As pessoas que possuem imóveis próximos da High Line não conseguiam nem doá-los. Agora o que importa é a proximidade”, declara o arquiteto Evan Watts. “Pontos nobres no High Line estão sendo comercializados a preços inacreditavelmente altos.”29

Outros impactos Em anos recentes observa-se uma extraordinária e singular concentração de prédios de design de alta qualidade na vizinhança do Parque High Line, numa área denominada por Amanda Burden, diretora do Departamento de Planejamento de Nova York, de Architect’s Row (Quarteirão dos Arquitetos). Isso inclui projetos de três arquitetos ganhadores do prêmio Pritzker — Frank Gehry, Jean Nouvel e Renzo Piano —, além de Annabelle Selldorf e Neil Denari, entre outros.30 O empresário imobiliário Joe Rose, antes ferrenho opositor do Parque High Line, foi o promotor do Edifício IAC do Barry Diller. Primeira grande obra arquitetônica de Frank Gehry em Nova York, o IAC Building contribuiu para definir o High Line como um bairro de inovação arquitetônica31. Alf Naman deu seguimento a essa tradição, com o prédio número 100 da 11th Avenue, projetado por Jean Nouvel, juntamente com HL23, projetado por Neil Denari — uma torre de condomínios de 14 andares, com uma unidade por andar, que se estende sobre o High Line na altura da 23th Street. Por outro lado, a nova sede do Museu Whitney

20 P. McGeehan. The High Line Isn’t Just a Sight to See; It’s Also an Economic Dynamo. The New York Times

Online Edition, N.Y. / Region. June 5, 2011. Disponível em: http://www.nytimes.com/2011/06/06/nyregion/ with-next-phase-ready-area-around-high-line-is-flourishing.html 21 B. Lane. High Line Continues to Dazzle New Yorkers. Global Site Plans. September 20, 2011. Disponível em:

http://www.globalsiteplans.com/environmental-design/landscape-architecture/high-line-continues-to-dazzle new-yorkers/ 22 New York City Press Release # 194-11, cit. 23 A. Fung; T. Fernandez. All along the (longer) High Line, cit. 24 New York City Press Release # 194-11, cit. 25 A. Fung; T. Fernandez. All along the (longer) High Line, cit. 26 New York City Press Release # 194-11, cit. 27 P. McGeehan. The High Line Isn’t Just a Sight to See; It’s Also an Economic Dynamo, cit. 28 A. Seshagiri. NY Meatpacking District Draws Levi’s, Loses McCartney. Bloomberg.net. August 12, 2011.

Disponível em: http://www.bloomberg.com/news/2011-08-12/new-york-s-meatpacking-district-draws-levi-sas-mccartney-decamps-to-soho.html 29 Interview with Evan Watts, November 2011. 30 P. McGeehan. The High Line Isn’t Just a Sight to See; It’s Also an Economic Dynamo, cit.

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de Arte Americana, projetada por Renzo Piano, está sendo construída na Gansevoort Street e servirá como importante âncora cultural no extremo sul do Parque High Line. Nos últimos dez anos, um número crescente de indústrias criativas, incluindo as da moda, mídia e design, passou a ver West Chelsea e o Meatpacking District como a localização mais cobiçada de Nova York para seus escritórios. Marta Stewart e Tommy Hilfiger têm ambos escritórios corporativos no Edifício Starrett -Lehigh na West 26th St. A rede de lojas Coach, de artigos de couro de luxo, decidiu consolidar os seus escritórios de Manhattan numa torre no novo complexo de Hudson Yards. A razão para essa mudança foi, em grande medida, sua proximidade ao Parque High Line.32 Ao mesmo tempo, a firma de arquitetura de Laguarda Low, com sede em Dallas, estava tão interessada em localizar seu novo escritório na Little West 12th St., no Distrito de Meatpacking, que estaria disposta a pagar um ágio considerável para tal. “Era questão de ampliar a marca da companhia”, observou o arquiteto Patrick Cobb. “Mesmo os proprietários sendo mais velhos e originários de companhias mais tradicionais, queriam projetar a imagem de uma nova companhia, mais jovem”. Passeando pelo

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Distrito de Meatpacking em qualquer dia, pode-se ver a filmagem de clips de moda, aproveitando-se da qualidade cinematográfica das velhas edificações de tijolos, toldos de alumínio e ruas pavimentadas de pedra. “A área tornou-se importante para a moda e mais ainda para o design”, diz Patrick, “e eventualmente, tornou-se muito importante para o desenvolvimento econômico também”. Na hora do almoço, ou mesmo nos intervalos de trabalho, Patrick e seus colegas vão ao Parque High Line para se inspirarem e buscar ideias. Ele explica: “É uma verdadeira biblioteca de fantásticas ideias de design — uma montagem de projetos que, na sua maioria, normalmente teriam sido rejeitados por não serem realistas ou viáveis. É como se o Parque High Line tenha ampliado a definição do que é possível.” O Parque High Line com certeza teve um papel importante, acrescentando ao fascínio da área e caracterizando o Distrito de Meatpacking como um bairro da moda, conhecido por um design inovador. A imagem da área é legendária entre os nova-iorquinos. “Quando digo que o meu escritório fica lá perto do Parque High Line, todos imediatamente sabem onde é”, diz Patrick.33

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11 O High Line tornou-se um

poderoso catalisador para o desenvolvimento imobiliário e para a revitalização econômica da zona pós-industrial do Manhattan’s West Side. 12 O IAC Building, do arquiteto

Frank Gehry, e o 100 Eleventh Avenue, de Jean Nouvel, estão entre os ícones arquitetônicos que podem ser avistados de cima do elevado.


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31 J. David; R. Hammond. High Line: The Inside Story of New York City’s Park in the Sky, cit., p. 106-107. 32 J. Satow. Developers Sense the Time is Right to Play Off the Aura of West Chelsea. The New York Times

Online Edition, Commercial. January 10, 2012. DisponĂ­vel em: http://www.nytimes.com/2012/01/11/realestate commercial/albanese-plans-office-building-for-stylish-west-chelsea.html

33 Interview with Patrick Cobb, November 2011.

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Fatores que contribuíram para o extraordinário impacto do parque High Line A singularidade e a beleza da própria estrutura Uma das razões da curiosidade do Parque High Line é que ele nos faz lembrar tanto a nossa herança industrial como a paisagem natural e selvagem que passou a dominar desde que os trens pararam de correr nos seus trilhos suspensos. Joshua e Robert lembram-se da sua primeira visita ao leito da linha férrea elevada: Chocou-nos a sua beleza. Eu havia passado em frente um milhão de vezes e não me dava conta de que ela estava lá, escondida em plena vista. Geralmente uma coisa escondida é pequena, e por isto fica escondida. Mas esta coisa escondida era gigantesca — um enorme espaço na cidade de Nova York que, por alguma razão, escapou a todos. Estas visitas iniciais se fixaram na mente de Robert e na minha. Algo extraordinário poderia acontecer aqui. Havia no ar uma poderosa sensação do passar do tempo. Podia-se visualizar para o quê a linha férrea High Line tinha sido construída, mas sentia-se também que sua época passara. Todos os edifícios que a bordejavam eram angares e fábricas de tijolos com altas chaminés e janelas de esquadria. Vendo-a pela primeira vez, nos demos conta da importância de mostrá-la aos demais.34

Robert acrescenta: Era um outro mundo, bem no meio de Manhattan. A maior parte das pessoas se emocionava com ela. Você as trazia para vê-la e a partir daí elas fariam qualquer coisa pela High Line.35

O fato de que esse lugar ainda não descoberto tinha sido visto por tão poucos e eventualmente seria acessível a todos era por si só parte da atração da High Line. “Uma das características mais inusitadas da High Line era que uma relíquia industrial poderia vir a ser um lugar de lazer. A última coisa que as pessoas poderiam imaginar como um lugar de lazer”, declarou Patrick Cobb.36 Emoção e expectativa associadas ao esforço de preservação Foi justamente devido à dificuldade de resgatar a High Line que tanto o projeto como a campanha se tornaram legendários. Joshua relembra: No início da coleta de fundos, o dinheiro é quase um benefício secundário. O que se está conseguindo é um grupo de pessoas que aderiram à sua campanha. O engajamento — especialmente a uma organização nascente — é uma afirmação de parceria, de compromisso, de pertencimento ou de família, que não tem comparação. Recentemente encontrei o programa de nosso primeiro evento para angariar fundos. É notável que muitas das pessoas que compareceram ao evento naquela noite ainda nos acompanham até hoje.37

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Patrick Cobb recorda a sua fascinação com o Parque High Line anos antes de sua inauguração: A razão pela qual descobrimos a High Line foi que, como uma firma de design, assinávamos várias revistas sobre o tema. Uma das coisas que atraiu as pessoas foram as belíssimas fotografias da High Line de Joel Sternfeld, que apareceram nas revistas. Durante os dois anos que antecederam a inauguração, viam-se as fotos repetidamente. Havia muita cobertura fotográfica.38

A High Line era acessível a um grupo muito seleto, especialmente adeptos e membros da organização Friends of the High Line. Entretanto, antes de sua inauguração, em 2009, um evento anual chamado Open House New York proporcionava uma única perspectiva visual. A cada ano o número de pessoas que compareciam refletia tanto o aumento de interesse como de entusiasmo. Joshua e Robert mais tarde recordariam: Estávamos tão ocupados que não notávamos o crescimento de interesse. As pessoas esperavam alegremente na fila por uma hora ou mais para dar uma espreitada de dois minutos através de uma cerca de arame, para ver as ervas que cresciam na High Line. Muitas estavam acompanhando o projeto há anos. Isto fez-nos entender o acúmulo de expectativa criado por oito anos de cobertura na mídia, mas sem acesso do público. A High Line estava se tornando maior do que a High Line. Estava-se tornando numa espécie de símbolo.39

Altas autoridades municipais começaram também a aceitar a ideia de um Parque High Line. Numa audiência pública da prefeitura em abril de 2001, um dos proprietários afirmou que, se o Parque High Line se concretizasse, seria ótimo para o valor dos imóveis. “Mas isto jamais aconteceria — era uma ideia mirabolante”, declarou. “Estas pessoas são sonhadoras. É um sonho fantasioso”. Na mesma tarde, Amanda Burden, diretora de Planejamento de Nova York, disse: “Desde quando ser sonhador é uma coisa ruim? Esta cidade foi construída sobre sonhos. Deveríamos todos seguir sonhos como este”.40

34 J. David; R. Hammond. High Line: The Inside Story of New York City’s Park in the Sky, cit., p. 12. 35 Ibid., p. 12-13. 36 Interview with Patrick Cobb, November 2011. 37 J. David; R. Hammond. High Line: The Inside Story of New York City’s Park in the Sky, cit., p. 27. 38 Interview with Patrick Cobb, November 2011. 39 J. David; R. Hammond. High Line: The Inside Story of New York City’s Park in the Sky, cit., p. 67, 80, 108. 40 Ibid., p. 32.

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Um compromisso com o design de excelência Sem dúvida, uma das características do Parque High Line que apreciamos ainda hoje é o seu design ousado e pouco comum, inspirado na paisagem selvagem do leito da linha férrea abandonada. Robert relembra: Estávamos comprometidos com design — não queríamos apenas pôr alguns vasos com plantas, uma escada e concluir.41 Tínhamos visitado o Promenade Plantée, em Paris, mas o seu design não realça o singular da estrutura: é como um parque comum de Paris, com treliças, uma ala de árvores com um córrego pelo meio. Eu achei que, se preservássemos a High Line e simplesmente puséssemos um parque comum em cima dela, seria perder uma oportunidade.42

Embora ninguém antecipasse como um design de qualidade poderia impulsionar o High Line a um status legendário, algumas pessoas enxergaram a importância de o buscarem. Adrian Benepe, o comissário de Parques da Prefeitura de Nova York, surpreendeu a muitos pelo seu entusiasmo com as ideias mais ambiciosas da equipe de design. O Departamento de Parques de Nova York (Secretaria Municipal de Parques e Jardins) criou um sistema-padrão que facilita a manutenção de parques tais como caminhos pavimentados com painéis hexagonais — que são placas de cimento de seis lados, instalados e repostos facilmente. Alguns funcionários do Departamento de Parques já haviam proposto essa pavimentação para o Parque High Line. Entretanto, quando os designs foram submetidos a Adrian nas reuniões do comitê de direção do projeto, ele disse: “O High Line vai ser muito mais do que um parque. Será uma obra de arte”.43 Consequentemente, por afastar-se dessas especificações padronizadas, o High Line é único. Placas lineares de pavimentação surtem o efeito de desaparecer na paisagem arquitetônica, como se a natureza estivesse reconquistando a estrutura edificada pelo homem. Outras características únicas de design incluem os trilhos originais da ferrovia, que se mantiveram na estrutura industrial, e peças de aço restauradas, inclusive os autênticos balaústres em art déco. Na Praça da 10th Avenue, uma das características singulares do Parque High Line é que os visitantes podem sentar-se em bancos posicionados abaixo do leito da ferrovia e assistir ao movimento do tráfego embaixo deles, na 10th Avenue. Ao cair da tarde, os canteiros do Parque High Line começam a reluzir da sua iluminação interior. Joshua explica: Quase todas as luminárias estão escondidas atrás dos balaústres de aço, que se situam mais ou menos na altura da cintura (das pessoas) ou dispostas atrás da grama. Herve Descottes, do L´Observatoire International, concebeu o sistema de tal forma que a luz não se refletisse nos olhos das pessoas, facilitando a visão do céu à noite.44

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Atributos inerentes à paisagem urbana ao seu redor O arquiteto Evan Watts assinala: Além do design singular do Parque High Line propriamente, os bairros de West Chelsea e Meatpacking District lentamente evoluíram para uma magnífica arquitetura — em parte devido à proximidade de tantos destacados designers, casas de moda e galerias de arte. Isto tornou a arena muito mais competitiva, exigindo maior astúcia de design, mesmo quando comparada com bairros que tradicionalmente eram mais prósperos e concorridos do que West Chelsea e Meatpacking District. Com tanta arquitetura de grande qualidade, como o Edifício IAC, de Frank Gehry, os empresários imobiliários exigiam dos seus arquitetos ainda mais qualidade de design, a fim de que as novas edificações se destacassem. Estavam todos trazendo arquitetos mais conhecidos para os seus projetos. Os padrões foram elevados.

O High Line certamente teve um efeito de catalisador do desenvolvimento, que por si só é crítico, mas o fez numa área que já tinha um grande potencial; uma área que se preparava para destaque de design — prova adicional de que excelência em design pode ter e tem enorme valor. O Rezoneamento Especial da West Chelsea também teve um papel importante, ao criar a possibilidade de mais edificações inovadoras. Diz Evan: O que de acordo com o governo municipal é permitido construir, no que tange ao pacote de construção, simplesmente não seria permitido em muitas outras áreas de Manhattan, como Midtown East, devido aos limites de altura, concentração e distância entre as calçadas e as edificações.45

Sensação de um lugar sem igual Além de simplesmente ter uma obra de arte de design, o Parque High Line proporciona aos nova-iorquinos a sensação de um lugar sem igual. Robert Hammond explica: Você não está num jardim botânico. Você pode escutar o barulho das buzinas dos carros. Pode ver tráfego veicular e táxis. Está costurado na cidade. E você não está só. Está caminhando lá em cima com outros nova-iorquinos.46

41 Ibid., p. 17. 42 Ibid., p. 56. 43 Ibid., p. 85. 44 Ibid., p. 125. 45 Interview with Evan Watts, November 2011. 46 J. David; R. Hammond. High Line: The Inside Story of New York City’s Park in the Sky, cit., p. 128.

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O jornalista do The New York Times Nicolai Ouroussof explica: A uma altura de apenas três andares, você pode de repente ver com extraordinária clareza aspectos do caráter da cidade que jamais poderia enxergar da janela de seu escritório. Em alguns pontos você está exatamente embaixo da linha da cornija, o que lhe dá a sensação de estar flutuando entre os telhados dos edifícios. Vistas mais distantes do Rio Hudson ou do lado Leste da cidade se abrem entre as estreitas ruas laterais. O parque, como se fosse um túnel, atravessa um antigo edifício comercial em tijolos logo acima da 13th Street. Com fraca iluminação, o espaço cavernoso oferece proteção do calor de um dia ensolarado ou de uma enxurrada, num dia de chuva. Notavelmente, só há quatro pontos de acesso entre Gansevoort e a 20th Street. Isto aumenta a discrição do parque e enfatiza a noção de que é um lugar para uma caminhada tranquila, uma fuga dos bairros efervescentes de baixo. Entretanto, ao mesmo tempo, você está suficientemente próximo para ter contato visual com as pessoas nas calçadas, de tal forma que não perca contato com a vida da cidade lá embaixo. O Parque High Line é o único lugar em Nova York onde você pode vivenciar essas sensações.47

Esta marcante capacidade de construir um lugar é uma das razões por que o Parque High Line se tornou um destino tão cobiçado, mas foi a confluência de todos os fatores mencionados que criou a “marca” tão singular do Parque High Line.

Conclusões e lições O High Line teve um surpreendente impacto transformador do West Side de Manhattan, sem destruir nada. Embora a motivação original por detrás desse esforço tenha sido simplesmente impedir a demolição de uma linha férrea suspensa que dava caráter à área, o efeito foi que o valor dos imóveis na vizinhança do Parque High Line aumentou exponencialmente, seu desenvolvimento se acelerou e uma concentração de design de qualidade aí se instalou. Há várias lições a tirar dessa história do Parque High Line, que se tornarão mais relevantes na medida em que cidades ao redor do mundo embarquem em transformações urbanas semelhantes: 1 Líderes com visão frequentemente enxergam oportunidades que outros raramente conseguem ver. Robert Hammond e Joshua David viram o potencial da High Line onde outros viam somente uma imagem decrépita e feia. Acreditavam, pois, que “algo surpreendente poderia acontecer aqui”. 2 O esforço do High Line foi incomum no sentido de que não foi uma iniciativa da prefeitura de Nova York ou mesmo dos tradicionais grupos de preservação de Manhattan. O fato de que Robert e Joshua não tinham expertise em preservação de patrimônio histórico, mobilização de fundos, lobbying ou design, ironicamente, foi um fator crucial do sucesso do projeto, pois em virtude dessa condição tiveram que solicitar apoio técnico de especialistas para conduzir o processo. Foi somente com a ajuda de um

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grupo diverso de especialistas, autoridades influentes e doadores generosos que Robert e Joshua foram capazes de superar os aparentemente intransponíveis obstáculos, enfrentar o bloqueio de oponentes incansáveis e tornar High Line uma realidade. 3 A organização Friends of the High Line lançou uma campanha de marketing e venda muito efetiva. Dois elementos vitais para assegurar apoio ao Projeto High Line foram as fotos de Joel Sternfeld, que entusiasmaram o público com a ideia de um parque na linha férrea High Line, e o estudo de John Alschuler sobre viabilidade econômica, que ajudou a “vender” ao governo municipal os seus méritos mais tangíveis. 4 Alguns empreendimentos imobiliários ou de urbanismo são inerentemente difíceis de realizar. Pedro Zevallos, diretor adjunto de Desenvolvimento Imobiliário do Departamento de Trânsito da zona metropolitana de Nova York, que já implantou vários projetos de trânsito em Nova York que envolveram parcerias público-privadas, explica: “High Line envolveu a reciclagem de uma infraestrutura em deterioração, que requeria autorização, não somente do Governo Municipal, mas também do Governo Federal e da companhia ferroviária.” Consequentemente, foi inevitável um processo de aprovação muito mais complicado do que os já árduos procedimentos dos projetos privados de desenvolvimento em Nova York. “Por esta razão, foi essencial o extraordinário entusiasmo do público ao redor do esforço High Line, que foi se embalando gradualmente e finalmente convenceu muitas autoridades governamentais influentes e doadores generosos”, diz Pedro.48 5 Edifícios históricos são de grande importância inerente para os moradores dos bairros. A reciclagem adaptada dessas estruturas históricas constitui-se uma forma eficaz de capitalizar a herança industrial de uma área, com o fim de atrair turistas e moradores, trazer vida para as ruas durante 24 horas todos os dias da semana, servir como um catalisador para a revitalização econômica e desencadear novos projetos privados de desenvolvimento. Como na reciclagem da linha férrea High Line, a readaptação de estruturas abandonadas, mas de valor histórico, transformando-as em lojas de luxo e restaurantes, transformou, em seu conjunto, fatores negativos em pontos de atração. 6 West Chelsea e Meatpacking District estavam bem posicionados para se tornarem destaques de design, devido à já crescente concentração de galerias de arte, casas de moda, firmas de design e outras companhias do setor da indústria criativa. Os edifícios icônicos que foram erguidos após a decisão da prefeitura de reciclar a High Line sem dúvida contribuem para a melhoria da imagem desses bairros e da imagem geral de Nova York. 7 A meta de criar uma identidade ou uma “marca” para o bairro ou para uma de suas atrações, ou ambas em seu conjunto, não deve ser subestimada. Em parte devido ao estigma criado pelo Parque High Line e o Meatpacking District, no passado como zona degradada e indesejável, agora transformadas, possuem um encanto incomparável em Manhattan. 8 A potencialização do valor imobiliário pela transferência de direitos de construir (aumentando o gabarito), estabelecidos no plano de rezoneamento de West Chelsea, foi também um instrumento importante para viabilizar o Parque High Line.

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Isto autorizou os proprietários a monetizar o potencial de desenvolvimento de lotes sob a High Line, permitindo um maior volume de novos projetos nos bairros adjacentes e gerando importantes receitas tributárias incrementais para o governo municipal. 9 O esforço para salvar a linha férrea High Line, assim como campanhas como a Save Gansevoort Market, resultaram numa importante mudança de paradigma, na medida em que fizeram com que as pessoas se dessem conta da beleza e da importância de salvar coisas que anteriormente não eram consideradas belas: artefatos obsoletos da herança industrial de Nova York. O arquiteto paisagista do High Line, James Corner, acrescenta: “O Parque High Line é um exemplo de reutilização urbana adaptada eficaz numa cidade que está repleta de estruturas e espaços que já chegaram ao final de sua vida útil. Ao converter uma linha férrea suspensa abandonada num parque público, este projeto redefiniu a experiência de Nova York.”49 Como consequência dessa mudança de paradigma, o High Line abriu novas possibilidades para intervenções urbanas que envolvem reutilização adaptada. Da mesma forma que a Promenade Plantée em Paris assegurou, para Robert e Joshua, que High Line não era uma ideia totalmente louca, alguns projetos recentes começaram a se construir sobre o modelo do High Line. A Low Line (Linha Baixa), um projeto para transformar um terminal de tróleis subterrâneo, no Lower East Side de Manhattan, em um parque subterrâneo único, mediante a utilização de luz solar via cabos de fibra ótica, já recebeu mais de US$150 mil em doações e tem três mil defensores.50 10 O legado industrial da High Line e a beleza singular de sua paisagem com certeza constituíram valiosos ativos inerentes ao sucesso. Entretanto, foi a cuidadosa execução da reutilização da estrutura original como um artefato bemconcebido para o lazer público que capitalizou esses ativos, transformando o High Line na atração sem paralelo e extraordinário catalisador que ela é hoje. De muitas formas a High Line excedeu as expectativas depositadas nela, afora ter acendido a centelha de desenvolvimento econômico e funcionado como âncora cultural da vizinhança e dos bairros adjacentes, além da contribuição que faz na melhoria da qualidade de vida da população da cidade. Talvez, e de maior importância, o sucesso e impacto sem precedentes do High Line vão além de uma simples obra de tijolos e argamassa, aço e concreto, dólares e centavos: há um elemento humano inerente. Embora seja frequente ignorar a propensão de projetos para despertar emoções mais profundas, os projetos verdadeiramente excepcionais — aqueles que são impulsionados por paixão e propósito — têm na sua essência a habilidade de inspirar os seus usuários e causar um impacto positivo no mundo que os cerca. Fundamentalmente, mais do que simplesmente mais um parque, High Line demonstra como um esforço bem-organizado entre cidadãos de visão, autoridades políticas (eleitas) e adeptos apaixonados pode alcançar resultados extraordinários — neste caso, resgatar uma estrutura abandonada (arqueologia industrial) e transformá-la em algo surpreendente e maravilhoso.

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Disponível em: http://www.nytimes.com/2009/06/10/arts/design/10high.html?pagewanted=all 48 Interview with Pedro Zevallos, September 2012. 49 J. Fehrenbacher. INTERVIEW: Architect James Corner On NYC's High Line Park. Inhabitat. September 25, 2011.

Disponível em: http://inhabitat.com/interview-architect-james-corner-on-the-design-of-high-line/ 50 D. Barasch. LowLine: An Underground Park on NYC's Lower East Side. LowLine Kickstarter Page. Disponível em:

http://www.kickstarter.com/projects/855802805/lowline-an-underground-park-on-nycs-lower-east-sid Acesso em 16 de setembro de 2012.

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Ecologia e paisagem cultural: a eficácia dos serviços ambientais

Achva B. Stein Professora de Pós-graduação do Programa de Paisagismo da Faculdade Spitzer de Arquitetura, da City College de Nova York. Foi premiada pelos trabalhos de pesquisa, exposições e projetos de espaços públicos, realizados em Israel, India, Marrocos e Estados Unidos. Em 2011, foi inaugurado seu projeto do Maroccan Courtyard, erguido no Metropolitan Museum of Art, em Nova York. Desenvolveu, também, projetos com grupos de vizinhança, organizações sem fins lucrativos e agências governamentais, com foco nas populações carentes, em áreas impactadas por urbanização desordenada.

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Desde que o Rio de Janeiro foi inscrito pela UNESCO na lista de Patrimônio da Humanidade, na categoria de Paisagem Cultural, em junho de 20121, o tema paisagem, nos seus múltiplos significados, assumiu um papel de maior visibilidade no âmbito de planejamento e design urbano no Brasil. Entretanto, o entendimento geral do conceito de paisagem ainda é um tanto vago e, por vezes, conduz a equívocos.

Paisagem expressa em jardins e parques O dicionário Webster’s, padrão de vocabulário usado nos Estados Unidos, define paisagem como “porção de terra ou território que o olho humano pode apreender de relance, incluindo todos os objetos nela contidos.” Em outras palavras, o termo paisagem é, tradicionalmente, concebido como uma imagem, um cenário. O que é visto tem sido limitado pela visão de montanhas, florestas, cursos de águas e paisagens agrícolas. Esta definição de paisagem é, em sua origem, antropocêntrica. Embora todos anseiem por mais natureza nas cidades e busquem vistas campestres, típicas da paisagem rural, não confundamos nosso desejo por vistas das quais sentimos falta com a nossa aceitação e compreensão das forças ou processos intrínsecos à paisagem que nos cerca. A maioria das pessoas ainda não aceitou totalmente a necessidade de permitir que todas as formas de vida na Terra continuem florescendo nem decidiu repensar a ideia comumente aceita de que o papel dos seres humanos é “preencher, governar e subjugar tudo que se move sobre a Terra”. Ademais, não obstante nossa consciência e todo nosso discurso sobre a salvação do ambiente natural, as florestas do mundo estão em plena recessão, as áreas protegidas têm menos espécies e, mesmo com impostos sobre emissão de carbono e outros incentivos equivalentes, tal emissão continua a aumentar em ritmo acelerado2. Desde meados do século XX, a migração humana do campo para os vilarejos e para as cidades em todo o mundo aumentou, não raro representou um crescimento demográfico de duas a três vezes. No Brasil, a população urbana cresceu de 36,2% em 1950 para 86,5% em 2010, e estima-se que passará de 91% no ano 20253. A tendência migratória de áreas rurais para áreas urbanas está prevista para continuar no mundo inteiro. Com essas mudanças geográficas e demográficas, está se observando também uma transformação do conceito de paisagem. Estamos finalmente aceitando a ideia de que a paisagem não é somente uma coleção de objetos biológicos, mas um conjunto de sistemas culturais e naturais entrelaçados, dependentes uns dos outros e em constante evolução. No entanto, independentemente da nossa consciência recém-adquirida, ainda definimos cultura como “história” a partir de uma perspectiva eminentemente masculina e “história deles” (não a das mulheres). Isso significa que o conceito de paisagem criada pelo homem ignora metade da interpretação humana do mundo e se concentra nos assuntos de poder e controle como forças dominantes que definem cultura. Grandes áreas metropolitanas, tais como Nova York, lidam com as contradições inerentes ao conceito de paisagem, ao separar “imagem de paisagem” de paisagem genuína. Parques, jardins, espaços históricos e monumentos são tratados de uma

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Ecologia e paisagem cultural: a eficácia dos serviços ambientais


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1 Central Park

[p. 234] 2 Dois momentos, com diferentes

funções, do Parque City Hall

maneira que se relaciona com a nossa percepção de natureza. Essa visão é, sobretudo, pastoral: nela cada elemento e objeto é controlado e manipulado e o principal objetivo é criar instalações para recreação. Em contrapartida, a paisagem real, que é constituída de interações entre sistemas naturais e sociais, se enquadra sob alguns termos distintos: infraestrutura, transporte, energia, moradia, educação, serviços sociais, entre outros, cada qual podendo definir seu próprio campo como “ambiental”, operando isoladamente, sem aproveitar os vínculos entre as diversas disciplinas. Ao se separar a ideia percebida de natureza a partir dos resultados de forças sociopolíticas e econômicas nas estruturas de domínios biológicos e geográficos, e vice-versa, cidades como Nova York procuram promover a reconciliação entre natureza e cultura. Ao aceitarmos, sem questionamento, o conceito da separação da percepção do tangível, mantemos os pressupostos de que o mundo é o nosso playground e de que nossos espaços abertos são um luxo reservado, principalmente, para aqueles que têm tempo disponível e melhores condições de vida. O sistema de parques de Nova York foi estabelecido em 1686, quando a cidade colocou pela primeira vez aos cuidados do município todos os “terrenos baldios, devolutos, não registrados e não adequados”, sob a jurisdição do Conselho Comunal. Os locais considerados “inadequados” incluíam mercados abertos, áreas destinadas a paradas públicas, uma área aberta reservada para baterias de canhões e áreas utilizadas para execuções e para enterro de indigentes e escravos. Hoje provavelmente reconheceríamos esses lugares como patrimônio cultural. Esses lugares agora são parte do amplo sistema de recreação e de espaços abertos da cidade — 14% do território de Nova York é dedicado a parques e áreas de recreação, cobrindo uma área de aproximadamente 29 mil acres (12 mil hectares). O caráter de tais

1 World Heritage Cultural Landscapes, Icomos, www.icomos.org/landscapes/Declarados 2 State of the World’s Fishery and Aquaculture, World Population, Agriculture and Malnutrition / Worldwatch

Institute www.worldwatch.org/node/554. State of the World Report, www.worldwatch.org/ 3 www.un.org/esa/population/publications/

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áreas varia de praias a parques urbanos projetados, como o Central Park, o Prospect Park e o Staten Island Green Belt Park. Além de 1.700 parques, a cidade também mantém 950 playgrounds, 1.250 campos de jogos e quadras de tênis, 30 piscinas ao ar livre, rinques de patinação, quatro importantes estádios, 13 campos de golfe e 14 km de praias. O Departamento de Parques também é responsável por duas mil ruas verdes e um grande número de casas históricas e monumentos. Finalmente, o Departamento de Parques e Recreação de Nova York (Parks Department) mantém mais de 2,5 milhões de árvores4. Para ilustrar o que foi dito acima, é necessário examinar o Central Park, que é o melhor exemplo do conceito de paisagem pastoral do século XIX, em que o projeto do parque transmite uma paisagem idílica, naturalista, de caráter bucólico. O que torna a história desse parque tão interessante é a maneira pela qual ele foi criado. Um método especial, que se repete em tantas outras oportunidades, quando da criação de parques emblemáticos em todo o mundo, foi utilizado para estabelecê-lo. A atmosfera tranquila e relaxante foi criada expulsando cerca de 1.600 afro-americanos livres e moradores pobres de outras origens, e em seguida destruindo suas habitações com base na lei de desapropriação por utilidade pública (eminent domain). Mais de 14 mil pés cúbicos de solo foram importados e 10 milhões de carroças de entulho foram removidas do parque. Além disso, deve ser assinalado que se usou mais pólvora na construção do Central Park do que na batalha de Gettysburg, durante a Guerra Civil Americana5.

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3 Central Park South,

um domingo no parque 4 Central Park e um dos

seus lagos e pontes

Aproximadamente quatro milhões de árvores, arbustos e vegetação rasteira foram plantados, além de construídos 36 pontes, lagos, trilhas e inúmeras estruturas, mediante a pulverização de rochas com o uso da então recente tecnologia a vapor. Quando começamos a compreender quão ambíguo e mesmo equivocado o termo ‘paisagem’ podia ser, especificamente em relação ao ambiente biológico, o termo ‘ecossistema’ o substituiu e se tornou o contexto conceitual que planejadores e cientistas agora utilizam para melhor compreender o meio ambiente. Entende-se hoje que o ecossistema é composto de todos os organismos vivos e entidades não vivas em uma determinada área, incluindo o ser humano. Funções e processos do ecossistema são as atividades físicas, químicas e biológicas que influenciam fluxos, armazenamento e transformação de materiais e de energia dentro e através de ecossistemas. Eles ligam organismos uns aos outros e ao ambiente. As definições não são somente semânticas. Elas também representam uma estrutura conceitual. Este último conceito evolucionário é uma definição muito mais coerente. O termo ‘ecossistema’ tem nos ajudado, desde a metade do século XX, a entender melhor nosso entorno e a nós mesmos, e nos colocou em uma posição em que interagimos com nosso ambiente de outras maneiras do que apenas através de nossos olhos.

4 Departamento de Parques e Recreação da Cidade de Nova York, www.nycgovparks.org 5 Roy Rosenzweig e Elizabeth Blackmar, The Park and the People: A History of Central Park, 1992, p. 150.

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Essa mudança no entendimento conceitual de paisagem tem sido lentamente integrada ao projeto, ao planejamento e à manutenção do território sob a jurisdição do Departamento de Parques (Park Department). O Staten Island Green Belt é o mais novo e talvez o menos conhecido dos grandes parques da cidade. Trata-se de um sistema contínuo que funde parques públicos e habitats naturais, e cobre uma área de aproximadamente 2.800 acres (aproximadamente 1.200 hectares), dos quais somente cerca de 410 acres estão acima do nível do mar. O restante está no nível do mar, consistindo de zonas de maré, pântanos e áreas alagadas. Este Cinturão Verde é a maior e a mais diversa de todas as áreas naturais entre os cinco distritos de Nova York. Este espaço público abriga numerosas espécies de anfíbios, répteis, mamíferos, aves residentes e migratórias, e uma rica vida aquática. A cidade classificou aproximadamente 8.700 acres de floresta, áreas alagadas e prados como Preservação da Natureza Selvagem, sob o programa Natureza para Sempre. Abrangendo 47 locais remanescentes dos ecossistemas originais, estão agora preservados como “bancos de sementes” e ocupam grandes áreas intactas, onde espécies de fauna e flora nativas, raras e ameaçadas de extinção, estão aptas a sobreviver e a se reproduzir. O Grupo de Recursos Naturais (The Natural Resources Group), uma unidade do Departamento de Parques (Park Department), é responsável por adquirir, gerenciar e restaurar esses locais. Este grupo também promove o uso e o manejo adequados dessas áreas e ajuda a conscientizar o público da importância de preservar os diversos ecossistemas que existem na cidade, por intermédio de seus programas educacionais. Isso também é feito trabalhando-se o território urbano. Existem mais de 500 jardins comunitários conhecidos em Nova York, e muitos outros fazem parte de escolas, pátios internos e propriedades pertencentes a projetos públicos de habitação. Aproximadamente 80% desses jardins comunitários são usados para produzir alimentos: 65% deles adubam e reciclam suas sobras e alguns até mesmo aceitam sobras orgânicas do público; 43% dos jardins comunitários de Nova York têm parceria com, pelo menos, uma escola local, e outros 39% declararam que gostariam de ter.

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5 Fresh Kills Park:

proteção dos mananciais e de recursos hídricos da área metropolitana de Nova York


Taxas de hospitalização devido à asma nos distritos de Nova York *

0.9 0.8 0.7 0.6 0.5 0.4 0.3 0.2 0.1 0 Bronx

Brooklyn

* Nova York como um todo: 0.58%

Queens

Manhattan

Staten Island

fonte: http://habitatmap.org/editor_images/0000/0397/59th-St..jpg

Em um editorial do New York Times intitulado Our Newly Lush Life6 (Nossa nova e pujante vida), Frank Bruni, o autor, comentou que “uma surpreendente fração da orla marítima de Manhattan, tanto do lado do Hudson quanto do East River, está agora repleta de piers com tratamento paisagístico, pontilhados com bancos, ciclovias e caminhos de pedestres”. Michael Van Valkenburgh, arquiteto paisagista que projetou um novo parque no cais do Brooklyn cuja execução custou mais de US$350 milhões, teria dito que foi notável que Nova York tenha concordado em financiar dois terços do custo. Ele também observou que “estamos reinvestindo na ideia de viver nas cidades”. A resposta dos moradores de Nova York ao importante programa de parques tem sido em geral positiva. As pessoas que vivem na cidade há algum tempo comentam a melhoria da qualidade de vida, que também é evidente na proliferação de associações de bairros que voluntariamente plantam flores e cuidam das árvores, com o benefício adicional de melhorar o moral e o sentimento de comunidade entre os moradores. Entretanto, tem havido também objeções e reclamações. O grau de atenção é desigual, focando mais pesadamente em Manhattan, que é mais rica e o principal destino de turismo. “Isto tudo é lindo, mas a realidade é que somente as pessoas mais ricas têm condições de viver em Manhattan e apreciar estas melhorias”. Em outras palavras, “gente rica não quer ter sua vista poluída por um visual desarrumado e sujo. Coitados deles! Vamos usar recursos públicos para melhorar o meio ambiente de 1% da população, para que não sofram”. Estes comentários referem-se ao fato de que o Bronx, o Queens e grande parte do Brooklyn ainda não foram nem limpos nem tornados verdes.

6 Frank Bruni, Our Newly Lush Life. New York Times, 14 de julho de 2012.

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Além disso, outros assinalaram que os pontos dos parques e espaços de uso público não bloqueiam as micropartículas de descargas de exaustão em suspensão oriundas dos caminhões que transitam pelos bairros mais pobres, onde os índices de asma persistem. As respostas apontam para o fato de que continuar a operar de forma a não se dar tratamento igual nem à natureza nem à cultura local perpetua o prejuízo causado ao nosso meio ambiente. E isso é nocivo para alcançar as condições de vida sustentável para as populações urbanas. Nova York tem o mais extenso sistema de metrô do mundo. Em sua área, de acordo com o Brookings Institute, tem o mais baixo índice per capita de emissão de carbono dos Estados Unidos. Devido à eficiência e ao uso extensivo desse sistema de transporte, 11.8 milhões de toneladas métricas de dióxido de carbono deixaram de entrar na atmosfera7. Uma porção significativa da paisagem tangível é de domínio do Departamento de Transporte da Cidade de Nova York (New York City Department of Transportation – DOT). Sua responsabilidade, como em qualquer outra cidade, é a manutenção diária de logradouros públicos — ruas, estradas, pontes e calçadas da cidade, entre outros. Entretanto, o Departamento chegou à conclusão de que resolver o problema de transporte sem prestar atenção à cultura de vida da cidade não trará as mudanças necessárias para a racionalização do sistema de transportes. O DOT e seus parceiros (ONGs e fundações sem fins lucrativos) criaram vários programas que proporcionam acessibilidade para a circulação de pedestres, com aumento de conforto e segurança. Esses programas incluem o Neighborhood Slow Zones (zonas de baixa velocidade nos bairros), que reduz os limites de velocidade de 30 a 20 milhas por hora e restringe os atalhos de tráfego e consequentemente o barulho, melhorando, desse modo, a qualidade de vida dos bairros e mudando o comportamento dos motoris-

O Departamento (DOT) chegou à conclusão de que resolver o problema de transporte sem prestar atenção à cultura de vida da cidade não trará as mudanças necessárias para a racionalização do sistema de transportes.

tas. Os programas Caminhos Seguros para Escolas, Ruas Seguras para Idosos e Rotas Seguras para o Trânsito têm incentivado pedestres de todas as idades a usar as ruas de Nova York durante o dia e até tarde da noite. O Programa de Praças Públicas de Manhattan têm sido um dos exemplos mais visíveis das mudanças que estão ocorrendo na cidade, especialmente para os turistas e para as pessoas que vêm de outros distritos. Neste caso, o DOT proporcionou os meios para a recuperação dos separadores de grandes avenidas, ilhas de tráfego e espaços de estacionamento, tornando-os áreas para encontros, para se sentar e fazer refeições, melhoradas com exuberantes estruturas para plantas e flores e superfícies pintadas, sem custo para os usuários. O programa CitiBike, iniciado em 2013, forneceu dez mil bicicletas para serem alugadas a baixo custo em estações especiais localizadas em toda a cidade. Além disso, com a ampliação do sistema de ciclovias, uma grande parte da população já foi induzida a utilizar a bicicleta como meio de transporte principal ou complementar. O Departamento de Transporte (DOT) tem um crédito merecido devido a muitas das mais

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6

6 Broadway e outras avenidas

convertidas em espaços de encontro e descanso

importantes e visíveis mudanças na cidade. A atmosfera exuberante das ruas e a elevada frequência de pessoas pela região de Manhattan se devem em grande medida aos impactos de vários programas do DOT8. O Departamento extrapolou seu papel e sua fronteira tradicional, envolvendo-se diretamente com várias comunidades e grupos, e buscou colaboração de indivíduos do Departamento de Parques abertos a essas ideias. Mediante políticas bem pensadas, soluções simples e uso de materiais de baixo custo, o DOT tem feito um trabalho extraordinário de transformar e recriar a cultura da vida urbana em Nova York. Essa transformação criou uma paisagem urbana mais habitável, que tem não somente ajudado a reduzir a emissão de carbono na cidade, mas abriu caminho para estimular tais intervenções em outros locais nos Estados Unidos e no exterior. Um novo termo, ‘serviços ecossistêmicos’, surgiu nos últimos dez anos e tornouse de grande utilidade para planejadores, para o sistema político e para o público em geral. Este termo muda a orientação da abordagem, pois os serviços de ecossistema não podem desvincular-se ou ser definidos de forma separada dos custos e benefícios para os seres humanos. Esses serviços são definidos em relação à sua habilidade de melhorar ou piorar o bem-estar físico e psicológico dos indivíduos e da espécie humana9.

7 NYC Statistics/ nycgo.com, www.nycgo.com/articles/nyc-statistics-page 8 Departamento de Transporte da Cidade de Nova York, nyc.gov.dot 9 Walter V. Reid et al. Millenium Ecosystem Assessment: Ecosystems and Human Well-being. Synthesis. Março, 2005.

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Aplicação do conceito de serviços de ecossistema na paisagem física e cultural, com algumas sugestões para sua aplicação no Rio O conceito de serviços de ecossistema baseia-se em um sistema de indicadores que é especialmente projetado para melhorar a análise e oferecer prioridade de ações lidando com a preservação da paisagem cultural. O antigo termo, paisagem, baseia-se principalmente na nossa compreensão visual para estabelecer prioridades para a ação. O termo ‘serviços de ecossistema’ utiliza nossa compreensão aperfeiçoada das funções biológicas e processos para atribuir responsabilidade para enfrentar as questões pela criação de parcerias interdisciplinares entre cientistas naturais e sociais, juntamente com o envolvimento do público. Num artigo técnico escrito em 2002, o comissário e diretor do sistema de água e esgoto de Nova York, Albert F. Appleton10, descreveu o sistema pelo qual “Nova York se valeu de uma Estratégia de Serviços de Ecossistema, implementada mediante uma parceria rural-urbana para a preservação da qualidade pristina de sua água potável, e salvou o sistema para Nova York”. O Departamento de Proteção Ambiental da Cidade de Nova York (New York City Department of Environmental Protection – NYCDEP) administra todo o ciclo de água da cidade, desde a coleta até a distribuição, tratamento de resíduos e reciclagem, trazendo água de alta qualidade para aproximadamente dez milhões de pessoas na cidade e nos municípios que fazem fronteira com o sistema de abastecimento de água. A maior parte de sua água provém de um estuário localizado a mais de 160 km da cidade e situado numa das maiores áreas de proteção florestal dos Estados Unidos, onde o processo natural de filtragem permanece intacto. Isso se deve à visão e aos esforços de planejamento do Departamento. O NYCDEP comprou, ou adquiriu direitos de acesso para fins de conservação, cerca de 280 km2. Esse se constitui num dos maiores programas de proteção e aquisição de águas do país. Appleton desenvolveu uma análise econômica, demonstrando que a proteção da mata de Catskill e o engajamento dos seus fazendeiros para alterar a forma de uso de pesticidas e fertilizantes seriam muito menos custosos do que construir estações que forneceriam água tratada. Como resultado, o estuário de Catskill está protegido contra desenvolvimento imobiliário e degradação ambiental, e Nova York é abastecida com uma das águas de melhor qualidade do mundo. Os benefícios estão sendo enormes. Mediante um investimento de apenas US$500 milhões, a cidade deixou de gastar entre US$3 e US$5 bilhões, valor estimado para o custo dessa alternativa. Isto também permitiu à cidade reduzir o seu consumo de água em quase 20%. Outro projeto, o Blue Belt Program for Staten Island (Cinturão Azul para Staten Island), conseguiu preservar e restaurar corredores naturais de água, integrando-os ao sistema de gestão de águas e águas pluviais da cidade, novamente economizando diversas centenas de milhões de dólares. Como um bônus, os bairros locais foram melhorados e os valores dos imóveis subiram consideravelmente. Uma abordagem semelhante foi então adotada para restaurar áreas na Jamaica Bay e também para gerir locais de aterros sanitários desativados. Cada um desses projetos economizou importantes somas de dinheiro.

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Ecologia e paisagem cultural: a eficácia dos serviços ambientais


Com esta nova abordagem de serviços do ecossistema, vinculando para análise investimento em recursos tanto humanos como naturais, a Divisão de Água do NYCDEP foi capaz de eliminar o alto índice de aumento de taxas de água e esgoto por mais de uma década. Desta forma, a cidade conseguiu demonstrar claramente que “o meio ambiente diz respeito a várias coisas — beleza, biodiversidade, compartilhamento dos recursos comuns da terra e a obrigação que a humanidade tem com a herança biológica do passado e com as gerações que habitarão o planeta no futuro”. O impacto do NYCDEP na paisagem da cidade é imenso. Entretanto, isto é parte da paisagem cultural e natural, que o público raramente vê. A maior parte dos habitantes da cidade tem pouca compreensão das contribuições do Departamento à conservação e à sustentabilidade de processos naturais vitais, mesmo com os programas de educação de cidadania e da assistência dada ao setor comercial para combater os danos causados ao meio ambiente. Na visão do público, quase nada do extenso trabalho de proteção, conservação e gestão de infraestrutura realizado por este Departamento está vinculado com a imagem de Nova York como uma cidade verde.

A paisagem cultural e o conceito de serviços ecossistêmicos A elevação do Rio como legado de paisagem cultural pela UNESCO pode ser usada como uma oportunidade para compreender e manter o seu ecossistema e abrir possibilidades para o fortalecimento econômico. Deve haver cautela ao adotar esse conceito de serviços de ecossistema, pois, como toda metodologia, pode ser manipulada, distorcida e voltada contra si própria. Usando uma definição estreita do valor dos serviços, baseado em “racionalismo econômico e de ciências sensíveis a este setor”, o método de serviços de ecossistema pode ser, e tem sido, usado como justificativa para ações de várias indústrias exploradoras, beneficiando apenas alguns poucos, em vez de dar ímpeto à reaprendizagem de habilidades tradicionais e infundir novo espírito em rituais antigos. Pode-se também ver como o reconhecimento da cidade do Rio de Janeiro como legado de paisagem cultural pode transformar a cidade em um lugar de exposição comercial, um museu para turismo de legado, ou converter gente autêntica e sua cultura em mera exibição numa espécie de zoológico global. Tal abordagem distorcida comprometeria a ideia original de preservar e proteger uma cultura e a paisagem do lugar que nutriu as pessoas que o habitam, e a transformaria em uma paisagem genérica. Esse é um fenômeno que foi recentemente denominado “glocalidade” (glocality). Pode-se simplesmente observar, por exemplo, como as cidades estão atualmente desenvolvendo suas orlas. As ocupações, para as quais o mar ou o rio foram a base para a vida à beira-mar ou às margens, são normalmente as primeiras funções a serem substituídas por habitações de luxo e instituições culturais “fabricadas”, como aquários, arenas esportivas e shoppings.

10 Albert F. Appleton, 2002. How New York City Used an Ecosystem Services Strategy Carried Out Through

an Urban-Rural Partnership to Preserve the Pristine Quality of Its Drinking Water and Save Billions of Dollars.

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Em Nova York, hoje se pode encontrar tanto paisagem cultural autêntica como a do tipo “fabricado”. A margem do Rio Hudson reflete o processo normal de desenvolvimento imobiliário, com a construção de novos empreendimentos, como uma megaloja IKEA,

ou a conversão de uma antiga faixa da terreno de marinha em condomínios resi-

denciais de luxo. Em contrapartida, e em contraste com isso, o governo municipal apoiou o desenvolvimento de mais de 500 galerias de arte ativas, 375 companhias teatrais sem fins lucrativos, 330 companhias de dança, 150 museus, 96 orquestras, 38 teatros da Broadway, 24 centros de artes cênicas, cinco zoológicos, quatro jardins botânicos e um aquário. A cidade também proporciona, especialmente no verão, apresentações culturais gratuitas ou a preços populares, que exibem o talento e a criatividade que fazem de Nova York um lugar tão inspirador para se morar. Verbas culturais da cidade apoiam 881 grupos, que proporcionam experiência cultural para os habitantes e visitantes da cidade, tais como bolsas e pagamento de contas de energia — aquecimento, iluminação e eletricidade — e acesso dos artistas e instituições culturais à informação, material e recursos para fortalecer suas contribuições criativas à cidade.

Em Nova York, hoje se pode encontrar tanto paisagem cultural autêntica como a do tipo “fabricado”. A margem do Rio Hudson reflete o processo normal de desenvolvimento imobiliário, com a construção de novos empreendimentos (...). Em contrapartida, e em contraste com isso, o governo municipal apoiou o desenvolvimento de mais de 500 galerias de arte ativas, 375 companhias teatrais sem fins lucrativos, 330 companhias de dança, 150 museus, 96 orquestras, 38 teatros da Broadway, 24 centros de artes cênicas, 5 zoológicos, 4 jardins botânicos e um aquário.

Mas a parte mais importante do cenário cultural de Nova York é a tenacidade de sua gente, que já viveu altos e baixos, além de catástrofes, mas que nunca deixou de participar da governabilidade da cidade, individualmente ou por meio de organizações comunitárias. Pode-se ainda encontrar ateliês de manufaturas e unidades residenciais nos mesmos prédios. Lojas, restaurantes, escolas, consultórios médicos e escritórios de outros profissionais a compartilhar as mesmas fachadas de lojas no andar térreo de edifícios residenciais. Mercados de verduras e frutas, que incluem vendedores de alimentos e artesanato, operando continuamente em muitas ruas e em determinados locais centrais. A celebração de variadas tradições religiosas e étnicas é estimulada, pois todos reforçam a habilidade das pessoas de todas as partes do mundo de confraternizarem e de encontrarem seu espaço nesta vasta metrópole, ao mesmo tempo em que buscam oportunidades de melhoria em suas vidas. Infelizmente, como resultado da enorme pressão de demanda e especulação no mercado imobiliário e do menor acesso à educação pública de qualidade, somente os muito abastados e aqueles suficientemente afortunados para ter habitação subsidiada podem viver nas áreas mais densas da cidade. A classe média, os idosos, os jovens e os pobres só conseguem viver na periferia, nos bairros mais afastados. Como esse processo de elitização continua, a cultura urbana de Nova York pode desaparecer. A cidade poderia facilmente encontrar-se numa posição em que tudo o que foi conquistado ao longo de gerações de vida comunal densa esteja em sério risco e

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7-8 Exemplos da verticalização

com luxo em Nova York, combinando usos comercial, corporativo e residencial: Beekman Tower, do arquiteto Frank Ghery, e City Corp, de Hugh Stubbins Architects, respectivamente

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poderia até mesmo desaparecer, deixando para trás lugares verdejantes e estruturas verdes sustentáveis destituídas da vibrante vida que os fez tão interessantes. Essa lição é só o início de uma discussão a ser debatida em outras metrópoles pelo mundo. E o Rio de Janeiro é uma dessas grandes cidades globais que devem se conscientizar desse risco. O Rio tem sua singularidade e história própria para contar sobre a paisagem, que precisamos compreender. Essa história não pode ser transmitida pelas empresas imobiliárias ou pelos políticos nem ensinada pela comunidade acadêmica, ao estudar a paisagem. Pode ser contada pela multidão de pessoas que esculpiram suas vidas nas favelas, nos morros e nos loteamentos periféricos da cidade. Suas histórias podem ser lidas como uma descrição de serviços de ecossistema.

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Aplicando os conceitos de serviços de ecossistema à paisagem cultural do Rio 1 A paisagem cultural é uma entidade viva, não uma peça de museu. Os serviços

culturais não são somente aqueles fornecidos por Comissões de Arte, com diretrizes de projetos e um corpo de conselheiros com formação universitária. Paisagens culturais estão sujeitas a um processo de ajustes e escolhas. Este processo vivo deve ocorrer com a plena cooperação da comunidade no nível local. Decisões locais precisam ter força jurídica, não apenas o poder de consulta, ou estarem sujeitas a decisões que já foram tomadas antes da apresentação pública. 2 Os serviços de suporte do sistema ecológico são essenciais. A visão das favelas

como “pitorescas” serviu para marcá-las e limitar o emprego cruel de tratores e equipamentos de terraplenagem para manipular o terreno e pulverizar as colinas. Embora o solo, a água eos processos bioquímicos não tenham sido parte do processo de decisão consciente, todos eles, incluindo a geologia e a topografia única desses locais, são levados em consideração, demonstrando como as pessoas constroem suas estruturas vivas individuais e coletivas. Esta é a melhor indicação de que, em qualquer plano de desenvolvimento para a conservação do patrimônio cultural, a compreensão dos atributos ecológicos do local é essencial para a sobrevivência e a manutenção do habitat humano. 3 O desenvolvimento deveria ser realizado de forma sequencial, mas não linear.

É preciso compreender como decisões apressadas podem ser frágeis e inadequadas, especialmente quando são impostas às pessoas no processo de melhoria e embelezamento do ambiente físico. Enquanto não era possível regular o desenvolvimento ambiental das favelas com relação à proteção contra inundações, qualidade do ar, controle de pragas, normas de construção, etc., elas não estavam desprovidas de uma forma de autorregulação e há algumas lições a serem aprendidas e interpretadas a partir de então. 4 Os produtos mais importantes que prestam serviços ecossistêmicos são alimento

e abrigo. As favelas mostram-nos que as pessoas vão fazer praticamente qualquer coisa e tudo que estiver ao seu alcance para manter um teto sobre suas cabeças e prover o sustento para si e suas famílias. Nenhum governo pode impedir por muito tempo as pessoas na sua busca pela satisfação dessas necessidades básicas. A mais poderosa ferramenta para proteger a paisagem cultural de um lugar é compreendê-lo, completamente, aplicando os velhos princípios da democracia — liberdade, igualdade e fraternidade.

9 Casas pintadas,

em favela do Rio 10 Morro da Babilônia,

favela do Rio de Janeiro

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Referências bibliográficas APPLETON, Albert F. How New York City Used an Ecosystem Services Strategy Carried Out Through an Urban-Rural Partnership to Preserve the Pristine Quality of Its Drinking Water and Save Billions of Dollars. A Paper for Forest Trends. Tóquio, novembro de 2002. AUSTAD, I.; HAUGE, L.; HELLE, T. Maintenance and Conservation of the Cultural Landscape in Sogn og Fjordane, Norway. Final Report. Department of Landscape Ecology, Sogn og Fjordane College, 1993. BATESON, Gregory. Steps to an Ecology of Mind: Collected Essays in Anthropology, Psychiatry, Evolution, and Epistemology. University of Chicago Press, 2000. COOKSEY, Jon. How to Boil a Frog, 2010. www.howtoboilafrog.com/ peakoil.html Ecosystem Market Place. Valuing and Protecting Ecological Services. Ecosystemmarketplace.com/…/NYC_H20_Ecosystems and Services EYRING, S. Judd Gardens: Between culture and nature. Cultural Resource Management 21(1): 16–19, 1998. FOLIN-CALABI, Ludovico, UNESCO’s Historic Urban Landscape Recommendation and its Early Application. http://siteresources. worldbank.org/INTCHD/Resources/430063-1297460666003/FolinCalabi.pdf http://www.merton.gov.uk/environment/openspaces/moss/mossappendix_2.pdf JOFFRE, R. The Dehesa: Does this Complex Ecological System have a Future? In: Teller, A. et al. (Eds.), Responses of Forest Ecosystems to Environmental Changes. London, 1992. p. 381±388

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256 Paisagismo, ecologia e paisagens culturais


O sucesso de Londres 2012: a sustentabilidade ambiental como estratégia

Dan Epstein Diretor de Sustentabilidade dos Jogos Olímpicos de 2012, em Londres, tem seu principal interesse e experiência na aplicação da agenda de sustentabilidade ao desenvolvimento, no tratamento diferenciado dos espaços públicos, na recuperação urbana, novos empreendimentos. Ministra palestras no mundo inteiro, sobre política ambiental e geração de sustentabilidade, planejamento urbano, planejamento ambiental, espaços verdes, saúde e outras questões de qualidade de vida. Atualmente, está trabalhando com a Equipe Rio 2016, para desenvolver uma Estratégia de Sustentabilidade para os Jogos Olímpicos.

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Os Jogos Olímpicos de Londres em 2012 terminaram e a cidade está agora voltando a sua normalidade. Os jogos superaram as expectativas de todos: desde os políticos, planejadores e empresários, que passaram sete anos construindo o Parque Olímpico, os locais, as instalações, as redes de transporte e a infraestrutura de base, até o LOCOG (London Organising Committee of the Olympic Games and Paralympic Games), que apresentou e geriu o evento; os atletas, que bateram recordes mundiais e que se inspiraram pelos estádios repletos de expectadores entusiásticos; os fãs fanáticos e os voluntários, que sorriram e apoiaram as maiores multidões que já assistiram a uma Olimpíada. Os fatores de sucesso consistiram simplesmente em uma visão compartilhada e articulada por meio de metas e objetivos claros, gerência competente, foco no legado e equipes de design e construção que são genuinamente líderes mundiais. Permeou cada trecho da Jornada Olímpica percorrida por Londres o desejo de criar os jogos mais sustentáveis jamais vistos, que incorporaram diversidade e juventude, para promover o esporte e a saúde. Os jogos renovaram a autoconfiança, a união e o sentido de missão de Londres. Transformaram uma área decadente da cidade e instilaram nova energia e sentido de missão. A questão agora é: pode essa energia ser mantida? Podem as lições ser aprendidas e replicadas? A desafiante sustentabilidade dos Jogos Olímpicos e Paralímpicos de Londres 2012 reflete uma abordagem abrangente para minimizar o impacto dos Jogos no meio ambiente e ao mesmo tempo promover uma melhoria socioeconômica. A estratégia sustentável adotada pela Direção das Olimpíadas (Olympic Delivery Authority) reflete a melhor prática desse setor, assim como uma política pública regional e nacional. Este ensaio analisa essa estratégia de sustentabilidade, os desafios para desenvolvê-la e implementá-la, ao longo do projeto, os sucessos alcançados — com ênfase especial em alguns projetos — e as lições aprendidas. A missão para Londres 2012 era “sediar Jogos Olímpicos e Paralímpicos inspiradores e seguros, deixando um legado sustentável para Londres e para o Reino Unido”. Para apoiar essa missão, diversos compromissos de sustentabilidade foram incorporados à proposta de Londres para o Comitê Olímpico Mundial, na categoria “em prol de uma Olimpíada de um só Planeta”. Os compromissos refletiram a melhor prática em desenvolvimento sustentável, baseando-se em uma política pública nacional e regional, assim como em lições aprendidas de Jogos anteriores. A Direção das Olimpíadas do Reino Unido — Olympic Delivery Authority (ODA) — respondeu a esse compromisso de alto nível com a sua própria estratégia de desenvolvimento, publicada em 2007, estruturada em torno de doze áreas temáticas centrais. Essas áreas incluíam os compromissos sociais, econômicos e ambientais que fizeram parte da proposta, juntamente com princípios de sustentabilidade adotados na solicitação/proposta de 2004 e nos planos diretores posteriores. Este ensaio cobre seis tópicos ambientais que fazem parte da estratégia, sendo que os demais tópicos estão incorporados à lista de prioridades da ODA. São eles: desenho e acessibilidade, emprego e competências, igualdade e inclusão, saúde, segurança, legado e sustentabilidade, os quais serão tratados em outros ensaios desta coletânea especial (Martins et al., 2011; Shiplee et al., 2011).

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O sucesso de Londres 2012: a sustentabilidade ambiental como estratégia


Este ensaio enuncia os desafios que a ODA enfrentou, ao assegurar desenvolvimento ambiental sustentável; como a ODA abordou esses desafios ao longo de todas as fases do programa; as competências, os sistemas e instrumentos utilizados para embutir a estratégia nos projetos, monitorar o desempenho e dar garantias; e os resultados alcançados e as lições aprendidas.

Desafios Desde o momento em que Londres foi selecionada para sediar os Jogos Olímpicos e Paralímpicos de 2012, seguido da criação da ODA, para construir a infraestrutura e os locais dos eventos, enfrentaram-se desafios para levar a cabo a missão de forma sustentável. Alguns desses desafios são descritos abaixo: Alcançar metas realistas e arrojadas Cada vez mais se exige que projetos de recuperação ocasionem melhorias sociais e ambientais. Como um projeto de grande visibilidade e com financiamento público, as Olimpíadas de Londres em 2012 foram examinadas e auditadas, desde seu lançamento, por um grupo de interessados variado e de diversas partes. O desafio era identificar um conjunto de metas e compromissos que refletissem as melhores práticas desse setor (e que, portanto, alcançassem os objetivos dessas partes) e que pudessem ser alcançados dentro dos prazos e do orçamento estabelecidos. Ademais, potencialmente, os impactos ambientais do projeto requeriam que as metas refletissem um verdadeiro compromisso com melhorias ambientais: as pegadas (footprints) de dióxido de carbono para os locais dos jogos estimavam-se em 1.7 MtCO2e (milhões de toneladas de CO2 emitidas). Planejar os jogos olímpicos e seu legado A vantagem da proposta de Londres 2012 residia em que 75 p (pens) de cada libra esterlina deveriam ser investidos no legado dos jogos. A maior parte possível do projeto deveria concentrar-se em uma infraestrutura nova e permanente, que suportasse a recuperação das áreas afetadas. Entretanto, dada a necessidade de projetar infraestrutura temporária e locais para atender aos eventos no seu devido tempo — tais como mais pontes temporárias e arquibancadas de expectadores também temporárias — foi necessário estabelecer um conjunto de metas que assegurassem a sustentabilidade desses elementos temporários, levando em consideração fatores como o uso de materiais e seu desperdício. 1 Vista aérea do Parque Olímpico,

durante sua construção, transformado em parque público em abril de 2014, com a denominação Queen Elizabeth Olympic Park [p. 250]

Criar uma cultura de cumprimento de metas A ODA estabeleceu-se em abril de 2006. Para uma entidade de curta duração, o sucesso em alcançar os resultados de sustentabilidade dependia da criação de uma cultura de liderança e governabilidade sólida e do estímulo aos empreiteiros e fornecedores, para que assumissem responsabilidades pelas metas e compromissos que tinham sido estabelecidos.

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O desafio também fez que a ODA criasse um sistema e ferramentas que apoiassem a implementação das metas e compromissos. Gerenciar os interesses externos A ODA tinha várias entidades externas, com interesses diversos (às vezes conflitantes), que deveriam ser gerenciados como parte do projeto, tais como a London Development Agency (LDA), a Greater London Authority (GLA) e a LOCOG. Várias entidades de monitoramento e avaliação foram chamadas a intervir, tais como: a National Audit Office (NAO), o Office of Government Commerce (OGC) e a Commission for Sustainable London 2012 (CSL), uma entidade independente criada conjuntamente por todos os parceiros do programa Londres 2012, para monitorar seu desempenho com base nos compromissos de sustentabilidade contidos na proposta. Ademais, várias entidades não governamentais de proteção ambiental, como o Greenpeace e o World Wildlife Fund (WWF), manifestaram suas expectativas com relação ao design e à construção. Executar soluções sustentáveis e econômicas Além de desenvolver um conjunto de metas sustentáveis desafiadoras, a ODA teve que levar em conta os custos envolvidos. É comum no setor de construção civil a crença de que a sustentabilidade custa mais e a ODA considerou importante desafiar essa premissa.

A abordagem da ODA à sustentabilidade (?) A estratégia de desenvolvimento sustentável baseou-se numa consulta extensa às principais partes interessadas (governo nacional e local, setor privado, comunidades locais e organizações não governamentais), além de levar em consideração as práticas bemsucedidas. Como resultado dessas consultas, foram estabelecidas as seguintes metas:

• • • • •

reduzir as emissões de dióxido de carbono em 50% nos edifícios permanentes; reduzir o uso de água potável em 40%; 95% de reaproveitamento, reciclagem ou recuperação de material das demolições; 45 hectares de novos habitats com biodiversidade; utilização somente de madeira proveniente de extração legal e sustentável. As principais metas contidas na estratégia foram também embutidas nas autoriza-

ções dos resumos de planejamento do legado do Parque Olímpico. A responsabilidade pelo cumprimento das metas de maior prioridade foi estendida a todos os projetos. Estabeleceram-se indicadores de desempenho baseados nas metas prioritárias, a fim de que o desempenho dos projetos pudesse ser monitorado e reportado. Transferindo as metas para os empreiteiros sem especificar como elas seriam alcançadas, a ODA procurou incentivar a inovação. Alguns projetos contribuíram muito para uma ou mais metas. O projeto de serviços de utilidade pública, por exemplo, teve um papel importante no cumprimento da meta geral de redução de dióxido de carbono.

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O sucesso de Londres 2012: a sustentabilidade ambiental como estratégia


Alcançando as metas: dióxido de carbono Uma estratégia abrangente de emissões de dióxido de carbono foi desenvolvida. Ela incluía medidas de eficiência energética em todos os locais dos jogos e uma Central de Energia, abrigando uma unidade de 100 MWh9 (megawatts/hora), combinando os sistemas de energia para refrigeração ou aquecimento com caldeiras de combustível de biomassa e grandes resfriadores carregados com amônia e pequenas unidades geradoras de energia renovável, para uso em qualquer parte do parque. A proposta original incluía um plano para instalar uma turbina eólica em Eton Manor. Depois de uma ampla pesquisa, com a participação do setor industrial afim, foi decidido não instalá-la no Parque Olímpico, devido a mudanças no entorno industrial. Outra fonte de energia renovável usada foram as células fotovoltaicas (energia solar), instaladas na Central de Imprensa. O contrato da Central de Energia, adjudicado ao projeto de serviços de utilidade pública, exigiu uma concessionária que conseguisse uma redução de 20% de emissões de dióxido de carbono mediante eficiência de abastecimento energético (Maybank et al., 2011). O aquecimento e a refrigeração (de alguns locais) em todo o Parque deveriam ser fornecidos por uma estação que combinasse fonte de energia, refrigeração e calefação. Esta consistia de duas turbinas movidas a gás e uma caldeira de biomassa aquecida com combustão de madeira de 3 MWth (megawatts toneladas/ hora). A caldeira reduz as emissões em, aproximadamente, mil toneladas de dióxido de carbono por ano. Além da Central de Energia, o Parque inclui 170 painéis de células integradas nas colunas de iluminação. Sete pequenas (5 kW) turbinas eólicas foram integradas aos altos postes de iluminação dos jardins de Londres 2012.

2 A Central de Energia do

Parque Olímpico, que abriga uma unidade de 100MWH (megawatts/hora), combinando os sistemas de energia para refrigeração ou calefação, com uma caldeira a combustível de biomassa, que contribui para a redução das emissões de dióxido de carbono em, pelo menos, 20%.

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3

Liderança e comunicação O compromisso do conselho da ODA, da equipe de diretores excutivos e dos patrocinadores de projetos foi assegurar que a sustentabilidade fosse levada a sério e adequadamente integrada aos projetos. A equipe de sustentabilidade da ODA se responsabilizou pela liderança e supervisão do dia a dia em todo o programa, apoiando os projetos para que alcançassem os indicadores de desempenho, envolvendo as partes interessadas, internas e externas, e gerenciando a equipe de sustentabilidade do parceiro CLM (um projeto conjunto de joint venture da CH2M Hill, Laing O’Rourke and Mace). A CLM liderou a sustentabilidade e o meio ambiente em todo o Parque Olímpico, trabalhando estreitamente com os empreiteiros de primeira linha, para assegurar que as metas fossem alcançadas e que os padrões de gestão ambiental fossem respeitados. Em razão da sólida liderança da ODA, houve exemplos excelentes de metas que permearam os projetos até a cadeia de suprimentos e logística. Trabalhando com os fornecedores: o estádio olímpico A equipe responsável pelo estádio olímpico adotou o conceito de sustentabilidade para criar um estádio leve e totalmente desmontável. Há vários exemplos em que a equipe de projeto e a cadeia de provisão responderam às metas da ODA. A argola superior de compressão da treliça do telhado principal do velódromo foi construída de tubulação de gás descartada, o que contribuiu para economizar nove toneladas de dióxido de carbono, pois tornou desnecessária a fabricação de aço novo.

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O sucesso de Londres 2012: a sustentabilidade ambiental como estratégia


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3 A coroa superior de compressão

do Estádio Olímpico é feita com tubos de gás reciclados, reduzindo, assim, 9 toneladas de dióxido de carbono emitidos 4 Estádio Olímpico, 2012

Lajes pré-fabricadas e arquibancadas permanentes foram planejadas de tamanho padrão, para evitar desperdício de fabricação, e o material de isolamento térmico foi fabricado a partir de materiais naturais colados usando-se uma biotecnologia livre de resinas fenólicas de formaldeído. Ademais, foi usado asfalto de betume espumoso como camada de base na pista interna do estádio. Misturas de espumas frias usaram agregados reciclados com menor conteúdo de dióxido de carbono embutido do que as misturas tradicionais de betume. Sistemas de governabilidade para tomada de decisões Desde o início, a ODA estabeleceu um sistema de governabilidade abrangente para assegurar a sua liderança e a das diretorias executivas das Olimpíadas sobre os temas prioritários. A diretoria da ODA era responsável pela aprovação das estratégias para as prioridades temáticas, metas, orçamentos e projetos específicos para alcançar as metas e para realçar os temas prioritários. Ademais, a ODA estabeleceu uma diretoria de sustentabilidade presidida pelo seu presidente, que constituía o fórum para tomada de decisões estratégicas e para a execução do plano de desenvolvimento sustentável. Comunicação interna e externa A comunicação foi a parte central do trabalho da equipe de sustentabilidade. Alcançar os resultados de sustentabilidade exigiu comunicação entre cliente e subempreiteiras. A conscientização fazia parte da liderança, para criar uma cultura em que

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as contribuições em todos os temas prioritários fossem reconhecidas e premiadas. Distintivos de lapela foram outorgados a empreiteiros e subempreiteiros que contribuíram de forma importante para tornar o desenvolvimento mais verde, sendo que as contribuições mais notáveis foram reconhecidas e celebradas numa cerimônia anual de premiação. Os empreiteiros e seu pessoal muito se orgulharam com os prêmios e a cerimônia de reconhecimento. Inovação e melhor prática, assim como exemplos de sustentabilidade, foram divulgados interna e externamente por meio do Park Life, boletim local, por blogs e pela mídia. Incorporação aos contratos Um sistema de balanced scorecard para licitações públicas assegurou que temas prioritários fossem incorporados ao processo geral de licitações. Foi usado, para avaliar as propostas, um método de ponderação que cobria todos os requisitos convencionais, como custo e programa, mas que também levava em consideração a abordagem do empreiteiro aos temas prioritários. A fim de assegurar que todos os projetos respeitassem os padrões, orientações e ferramentas, os requisitos foram embutidos nas especificações das obras e nos sumários de design, que faziam parte do Contrato de Engenharia e Construção NEC3 (ICE, 2005). Embora os empreiteiros se responsabilizassem pelo cumprimento da maioria das suas metas de sustentabilidade, por meio de redes de suprimento próprias, alguns materiais-chave, como agregados, concreto, tratamento de dejetos e combustível, foram licitados de forma centralizada, pois dessa forma se conseguia economia de escala.

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5 Revestimento externo

do Velódromo com madeira certificada com extração sustentável pelo “Forest Stewardship Council”

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Com respeito aos agregados, um contrato centralizado foi licitado para provimento em grande escala, sem embalagem e entregue por via férrea. Neste caso, os empreiteiros ficavam obrigados a licitar os seus produtos agregados desse mesmo fornecedor centralizado. Essa modalidade contribuiu para diminuir o tráfego, ofere-

6 Maquete virtual do Velódromo,

ceu provisão de materiais mais confiáveis ao Parque Olímpico e uma instalação para

instalação mais eficiente de energia do Parque Olímpico

armazenamento de material nos canteiros de obra como parte de uma abordagem de

7 O teto de cabos leves no

Velódromo economizou 1000 t de armações de aço e reduziu o tamanho e profundidade das fundações

entrega do tipo “com hora marcada”. A ODA exigia que toda a madeira proviesse de fontes de extração sustentável e acordou que só seria aceita madeira certificada pelo Forest Stewardship Council e pelo programa de endosso de certificação de florestas. A fim de apoiar o cumprimento dessa meta, foi tomada inicialmente a decisão de estabelecer um quadro de fornecedores de madeira aprovados depois de processo rigoroso de verificação, para demonstrar que a madeira que eles forneciam estava adequadamente certificada. Todos os empreiteiros foram obrigados a recorrer aos fornecedores do quadro, afiançando que a madeira seria oriunda de extração sustentável. Design para sustentabilidade Marcos de desenvolvimento sustentável, juntamente com processos de sustentabilidade e metas, fundamentaram o processo de planejamento e design de todos os projetos, do início até a sua execução. A exigência de que os projetos alcançassem o BREEAM (um sistema de avaliação, classificação e certificação ambiental para edificações), com excelentes avaliações ambientais em legado (ou avaliação CEEQUAL para projetos de engenharia civil), combinados com metas específicas para dióxido de carbono, água, materiais, resíduos e biodiversidade, influenciou o design dos projetos.

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Design sustentável: o velódromo O velódromo é a instalação mais eficiente de energia do Parque Olímpico, tendo alcançado uma melhoria de 31% comparada com a parte L do Regulamento de Construção de 2006 (ODPM, 2006). Isso foi alcançado mediante um design compacto, que minimiza o volume geral de ar aquecido na área principal de ciclismo e usa ventilação natural para a principal estratégia de resfriamento passivo, juntamente com altos níveis de massa de calor, ventilação noturna e luz natural com extensas áreas envidraçadas no telhado. A demanda de água potável foi reduzida, desde o início dos Jogos Olímpicos, de 103 para 28 milhões de litros. Isto foi alcançado mediante a instalação de um sistema de abastecimento que capta água da chuva e de instalações sanitárias de baixo uso de água, inclusive mictórios sem água. Os tanques de 25 metros cúbicos de captação de água de chuva atenderão aproximadamente 50% das necessidades de descargas dos vasos sanitários dos edifícios. A equipe de design procurou minimizar ao máximo a quantidade de material usado na construção dos edifícios, como parte de um exercício minucioso de engenharia do valor. Como resultado, o empreiteiro desenvolveu uma rede de cabos leve, que economizou 1.000 toneladas de armações de aço e reduziu o tamanho e a profundidade das fundações. Inspeções formais Inspeções formais foram realizadas em cada projeto do parque, na conclusão de cada etapa do Royal Institute of British Architects, ou similar para obras de engenharia civil, para confirmar o progresso das metas de sustentabilidade. Para apoiar o desenvolvimento do design de sustentabilidade, o parceiro encarregado da execução do projeto trabalhou intensamente com equipes de design, empreiteiros e com a cadeia de fornecedores. A pressão para designs sustentáveis foi reforçada com limites muito estreitos dos orçamentos. Muitas das soluções de design foram de custo zero e, em alguns casos, representaram economia de dinheiro. Elas foram motivadas pela exigência de reduzir o desperdício e o conteúdo de dióxido de carbono, fazer um melhor uso de recursos naturais e minimizar a poluição e as emissões. Design sustentável: o centro aquático O centro aquático é uma instalação esportiva icônica, com a forma fluida do telhado apoiada em três pontos de sustentação, o que constitui uma solução estrutural arrojada. Entretanto, a equipe de design racionalizou-o, para reduzir o impacto ambiental do edifício: madeira compensada foi usada para reduzir a quantidade de madeiras nobres no edifício e o equipamento mecânico e elétrico foi substituído por ventilação natural nas arquibancadas temporárias, com base em modelagem de condições ambientais complexa. A equipe de design incorporou uma opção que não usa hastes ocas de sustentação vertical em aço. O design incorporou um sistema de vigas em Y que economizou 1.632 metros cúbicos de aço. Foram tomadas também medidas para reduzir a quantidade de sobras e aparas de madeira. As tábuas têm medidas exatas, incorporando

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8 Invólucro de membrana de

PVC aplicado às arquibancadas temporárias do Centro Aquático. Projeto da arquiteta Zaha Hadid

encaixes de língua que permitem o uso de comprimentos variáveis. Foi desenvolvido um padrão de costura que permite a pré-fabricação, reduzindo ainda mais o uso de pranchas de madeira bruta, economizando 33 toneladas de madeira. O centro aquático é o primeiro projeto no Reino Unido a usar uma membrana de policloreto de vinil (PVC) — acredita-se que os plastificantes com policloretos tradicionais têm efeitos nocivos à saúde humana. A ODA realizou extensos testes para descobrir o material mais apropriado para a membrana que cobriria as arquibancadas temporárias e selecionou o PVC, com base num critério equilibrado entre funcionalidade, custo e sustentabilidade. Trabalhando com os fabricantes de tecidos, a ODA proporcionou um meio para comercializar novas membranas de PVC.

Ferramentas e processos Após a adjudicação dos contratos, realizava-se uma reunião com a equipe do projeto. Todos os principais empreiteiros eram obrigados a ter um plano de gestão ambiental aprovado e inteiramente consistente com as normas estabelecidas, indicando claramente como todos os impactos ambientais seriam geridos e como as metas do projeto seriam alcançadas. A relação com os empreiteiros começava até oito semanas antes do início da obra no canteiro, dando tempo suficiente para o plano ser desenvolvido, formalmente examinado e submetido a consultores externos, que incluíam a Agência Ambiental e os técnicos em saúde ambiental do governo local. A execução das metas de sustentabilidade da ODA exigiu o desenvolvimento de um sistema de gestão de projetos sob medida, com certificação ISO 14001 (ISO, 2004). A ODA investiu em novas ferramentas e processos, para garantir que os compromissos fossem cumpridos. Algumas das ferramentas são apresentadas a seguir:

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• Padrões BREEAM (sistema de avaliação, classificação e certificação ambiental para edificações) customizados para cada instalação. O BREEAM tem sido amplamente usado em construções residenciais, de escolas, de edifícios comerciais e outras edificações semelhantes, mas nunca em grandes instalações esportivas. Portanto, foi criado um sistema de categorização BREEAM para Londres 2012.

• Todas as instalações permanentes tinham que alcançar a categoria excelente, de acordo com o sistema BREEAM. A Cidade Olímpica foi concebida para atingir o nível de quatro estrelas, de acordo com o código de sustentabilidade para residências — o primeiro projeto imobiliário residencial do Reino Unido a alcançar essa classificação.

• Todas as obras deveriam registrar-se para a avaliação CEEQUAL. Essas avaliações são lançadas numa folha de cálculo (XL) por avaliadores, que agregam a documentação de evidência, antes de submetê-la ao CEEQUAL para verificação.

• Guias de implementação para equipes de projetos, que fornecem orientações sobre execução, mensuração e relatórios de desempenho, com referência a vários padrões de sustentabilidade customizados, inclusive redução de dióxido de carbono, água potável, redução de consumo de água, minimização de desperdício, padrões de material e biodiversidade. Eles foram desenvolvidos para assegurar consistência em todo o programa, na forma em que a sustentabilidade foi medida, auditada e monitorada.

• Uma ferramenta, na internet, para as empreiteiras inserirem dados para validar o desempenho contra o conjunto de metas de sustentabilidade ambiental. Esse instrumento eletrônico de coleta de dados permitiu à equipe gerenciar a informação gerada por cada uma das principais empreiteiras. Ela constitui uma parte essencial da gestão dos projetos, auditoria e garantias. A ferramenta transmite os dados cumulativos de cada projeto fornecendo uma indicação global do desempenho do programa contra a estratégia de desenvolvimento sustentável.

• Auditorias de indicadores de desempenho dos projetos. Essas auditorias semestrais foram realizadas para avaliar e verificar o desempenho em relação às metas dos projetos e dos programas. As ferramentas foram inseridas nos sistemas de gestão do programa para permitir que o desempenho fosse minuciosamente acompanhado, gerido e informado mensalmente, da mesma forma que programas e orçamentos são geridos. Os relatórios focavam o progresso no cumprimento de todos os principais indicadores quantitativos de desempenho. Relatórios detalhados de progresso de cada projeto, com uma abordagem de gestão baseada no risco, eram fornecidos mensalmente e examinados pelos parceiros encarregados da execução. Os relatórios eram disponibilizados à ODA para exame e medidas corretivas a cada trimestre. Nos casos de risco de fracasso em alcançar uma meta, a ODA tomava medidas rigorosas para resolvê-lo, consultando seus parceiros de execução. Os relatórios eram também disponibilizados aos parceiros externos, inclusive a Commission for Sustainable London.

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O sucesso de Londres 2012: a sustentabilidade ambiental como estratégia


Lições aprendidas A liderança foi um fator primordial para o êxito da implementação da estratégia de sustentabilidade. Tendo sido estabelecida uma estratégia desafiante, era essencial para a ODA demonstrar liderança segura, por meio de comunicações firmes com sua rede de fornecedores, assim como inspiração e engajamento com seus parceiros e um sistema sólido de monitoramento do desempenho. Metas claras são necessárias para dar segurança e apoiar a inovação. A abordagem da ODA à fixação de metas foi identificar e implementar um conjunto claro de metas de alto nível, que pudesse facilmente ser comunicado à rede de fornecedores. Tendo estabelecido metas e compromissos de alto nível, houve muitos exemplos de inovações introduzidas pela rede de fornecedores, como:

• • • •

liderança; licitações; relatórios ambientais e de crises, evitadas por pouco; gestão inovadora de rede de fornecedores e sugestões das empreiteiras, como a de usar encanamento de gás descartado;

• • • •

eficiências de design; abordagens de durabilidade de uso para elementos temporários do design; indução ao treinamento e supervisão; gestão do desperdício. A sustentabilidade estava embutida no sistema de gestão de projetos para asse-

gurar que as metas fossem alcançadas. Em lugar de tratar metas de sustentabilidade e compromissos separadamente, a sustentabilidade estava embutida em todas as fases do projeto: licitações, design e construção, contribuindo assim para sua execução. O desempenho das empreiteiras era avaliado com base no cumprimento das metas de sustentabilidade, juntamente com programas e custos. A eficiência era atingida mediante a fixação de elevados padrões de sustentabilidade. A determinação em reduzir o dióxido de carbono incorporado nos materiais usados gerou mais de 40 mil toneladas de economia, usando concreto com baixos índices de carbono, sem custos adicionais. O uso elevado de materiais reciclados e extraídos de forma ambientalmente responsável foi também alcançado sem custos adicionais, ao se incluírem esses requisitos na especificação das condições das licitações. O dióxido de carbono incorporado foi reduzido também por meio do design e do processo de engenharia de valor, juntamente com redução de custos. Um exemplo interessante da maneira como uma decisão de design reduziu substancialmente as emissões de dióxido de carbono foi a escolha da rede de cabos para o telhado do velódromo, que usou dez vezes menos aço do que uma treliça tradicional e teve instalação rápida e segura. Investimentos adicionais são necessários em casos em que uma nova tecnologia emergente está sendo utilizada. O custo de implementar metas de sustentabilidade em projetos de construção é difícil de estimar. A ODA adotou uma abordagem

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pragmática, buscando valor pelo dinheiro investido e introduzindo investimentos privados sempre que possível. A ODA financiou parcialmente medidas de redução de dióxido de carbono, gases de efeito estufa (GEE) e de consumo de água potável, que eram exigidas para alcançar as metas fixadas nos planos e nos compromissos da ODA. A ODA conseguiu levantar cinco milhões de libras esterlinas de financiamento de parceiros para o tratamento da água não potável e o abastecimento proveniente da companhia Thames Water, que estabelece um projeto de pesquisa e desenvolvimento para testar a viabilidade dessa tecnologia num ambiente urbano. A ODA teve que encontrar verbas para cumprir com os requisitos de políticas públicas no uso de refrigerantes hidrofluorocarbonetos no centro aquático e na Cidade dos Atletas e para o PVC livre de ftalato. O investimento nos resfriadores de amônia chegou a um milhão de libras esterlinas e o uso de PVc livre de ftalato acrescentou mais 15% ao custo do material, mas não aumentou em nada o custo da instalação. A introdução de novas tecnologias continua sendo um desafio. O fornecimento de águas negras tratadas para algumas instalações foi recebido com apreensão, porque os proprietários ainda não haviam usado tal tecnologia e tinham levantado dúvidas razoáveis. Padrões de qualidade da água são um problema, pois não existem padrões britânicos e, portanto, não será resolvido até que a estação tenha operado por algum tempo, e a qualidade da água possa ser testada. A elevação de padrões ambientais das empreiteiras requer tempo e recursos. Embora a maioria das empreiteiras, particularmente as grandes, que trabalham em grandes projetos públicos, tenha alguma experiência ambiental e de sustentabilidade interna, outras, particularmente no setor de serviços de utilidade pública, têm muito menos experiência e encontram dificuldade de adotar os sistemas necessários para alcançar as metas. Metas mais bem definidas foram necessárias para elevar os padrões ambientais. Embora as taxas de reciclagem fossem elevadas, a ODA não conseguiu elevar a reciclagem de resíduos. Menos de 2% de detritos de construções foram reciclados, principalmente porque o setor de construção não está bem equipado para reutilizar materiais, pois isto requer diferentes modalidades de gestão de resíduos, logística e redes a serem montadas. Para incentivar esse tipo de inovação, metas e sistemas devem ser redefinidos nos contratos. Padrões de materiais de construção, necessários para impulsionar o desempenho, foram difíceis de adotar, por diversas razões:

• uma grande variedade de materiais foi usada; • há poucos instrumentos de benchmarking disponíveis no mercado para avaliar o impacto ambiental dos materiais;

• poucos materiais têm um sistema de certificação reconhecido para demonstrar que são extraídos de fontes e formas ambientalmente responsáveis;

• há pouca informação independente e confiável. Ademais, pouco se sabe sobre o impacto de materiais na saúde humana, e há uma escassez de órgãos de certificação ou que gerem informação importante.

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O sucesso de Londres 2012: a sustentabilidade ambiental como estratégia


Conclusão O desempenho da sustentabilidade no Parque Olímpico de Londres 2012 foi considerado um sucesso. A ODA conduziu a pauta adotando metas claras, liderança e uma cultura que apoia, reconhece e recompensa as boas práticas. As metas foram difundidas entre todos os projetos do Parque Olímpico de maneira firme e bem definida. Os projetos foram incentivados a encontrar a maneira mais efetiva e econômica para cumprir os critérios de desempenho. A sustentabilidade foi embutida nos processos de desenho e de planejamento e as metas de sustentabilidade estavam ao lado de outras exigências do design, tais como: funcionalidade, estética e desenho urbano, e outros mais tradicionais. A sustentabilidade teve maior êxito quando foi completamente integrada ao processo de execução pelos diretores e gerentes líderes dos projetos e quando as metas eram estendidas às redes de suprimentos. Essas foram essenciais para introduzir inovações nos projetos. Comprometimento com os fornecedores, logo no início do design dos projetos, pode agregar verdadeiro valor, embora por vezes seja difícil, devido aos rigores do processo de licitação, que devem ser respeitados. Constituíram importantes instrumentos de gestão auditorias, relatórios de desempenho e de gestão de risco, conduzidos com frequência mensal e trimestral. Partes interessadas externas, juntamente com reguladores, estiveram ativamente envolvidos, o que permitiu ao projeto assegurar o programa dos Jogos Olímpicos. Aprendendo as valiosas lições práticas em lidar com o legado, a ODA espera que as suas metas, processos e instrumentos sejam adotados para assegurar futuros desenvolvimentos de sustentabilidade ambiental, no que tange à engenharia civil.

Referências bibliográficas ICE (Institution of Civil Engineers). NEC3 Engineering and Construction Contract. London: Thomas Telford, 2005. ISO (International Organisation for Standardisation). ISO14001: 2004: Environmental Management Systems. Geneva: ISO, 2004. MARTINS, L.; BOWSHER, K.; ELEY, S-J; HAZELHURST, G. Delivering London 2012: workforce diversity and skills. Proceedings of the Institution of Civil Engineers – Civil Engineering: 164(5) 40-45, doi: 10.1680/cien. 2011.164.5.40. 2011. MAYBANK, R.; CARR, M.; GUEST, I.; LAIDLAW, B. Providing community energy for the London 2012 Olympic Park. Proceedings of the Institution of Civil Engineers – Energy, inpress, doi: 10.1680/ ener.1100005. 2011.

ODA (Olympic Delivery Authority) Sustainable Development Strategy. 2007. Disponível em: http://www.london2012.com/publications/ sustainabledevelopment-strategy-full-version.php ODPM (Office of the Deputy Prime Minister) Building Regulations L2A Conservation of Fuel and Power in New Buildings other than Dwellings. London: NBS, 2006. SHIPLEE, H., WATERMAN, L., FURNISS, K., SEAL, R.; JONES, J. 2011, Delivering London 2012: health and safety. Proceedings of the Institution of Civil Engineers – Civil Engineering 164(5)46-54, doi: 10.1680/ cien.2011.164.5.46. 2011.

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Conservação patrimonial e capacitação de mão de obra em Habana Vieja

Eduardo Gonzalez Eduardo Gonzalez é engenheiro civil, formado pelo Instituto Superior Politécnico José Antonio Echevarría de Havana, em Cuba. Trabalhou na implantação do projeto do Metrô de Havana, foi diretor de Conservação e Restauração, tendo assessorado a criação de centros de formação artesanal, em Cuba e em diversos países da América Latina. Desde 1995, dirige a Escuela Taller de la Habana (Gaspar Melchor de Jovellanos), que forma operários qualificados para la restauración de edificios con valor patrimonial.

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Breve histórico de Habana Vieja [nota dos editores] A cidade de Havana foi fundada em 1519, junto a uma enseada natural protegida. Durante vários séculos foi capital do Vice-Reinado da Espanha no Novo Mundo. A proteção legal desse singelo conjunto de patrimônio está prevista na Constituição da República de Cuba (1976) e nas resoluções da Comissão Nacional de Monumentos (1978), que designam e tombam o centro histórico da cidade de San Cristobal de La Habana e o seu sistema colonial de fortificações. Em uma resolução de 1980, a Comissão Nacional dos Monumentos estabeleceu, respectivamente, a criação de um grupo de trabalho responsável pelo antigo centro histórico de Havana e suas fortificações e medidas para definir e demarcar os limites do centro histórico, além da proteção da integridade de seus edifícios, ao coibir demolições e estabelecer o planejamento do restauro desses sítios protegidos. A Asamblea Provincial del Poder Popular é responsável pela administração do centro histórico de Havana. O apoio técnico, legal e administrativo para conduzir investigações e estudos de restauro e manutenção de Habana Vieja são repassados por instituição especializada do Ministério da Cultura. Recursos e fundos são transferidos pelo Estado cubano para o Plano Quinquenal de Restauro (1981), que assegura a viabilidade e a sustentabilidade de um plano plurianual por meio de um convênio com a Oficina do Historiador de Havana — uma organização autônoma da alcaidia da cidade, fundada em 1938, que é a autoridade máxima do planejamento e realização de restauro e conservação. Desde 1967, a Oficina do Historiador atua no programa de recuperação do centro histórico, que possui cerca de 20 mil imóveis, dos quais 3.370 na categoria de patrimônio cultural de valor nacional, distribuídos numa área de 2.14 km2 da antiga Havana. A singularidade do patrimônio histórico e arquitetônico de Habana Vieja foi reconhecida também pela Unesco, que a inscreveu como Patrimônio da Humanidade, em 1988. Desde 1993, o programa de restauração e conservação do conjunto passou a ser autossustentado — sem subvenção do Estado — e atualmente conta com uma significativa fonte de receita advinda do fluxo turístico, estimado em 1,5 milhão de visitantes anuais.

2


O núcleo conhecido como Habana Vieja preservou o caráter histórico graças a sua fidelidade ao traçado urbano original, possuindo um dos mais importantes acervos de sítios e monumentos históricos, considerado de excepcional mérito arquitetônico, pois representa várias épocas e seus respectivos estilos tradicionais, desde o barroconativo, colonial, eclético, neoclássico, popular e art déco. Esse instigante conjunto de patrimônio construído expressa o sentido de continuidade arquitetônica, histórica e ambiental, tendo sido, por esses atributos, selecionada e inscrita pela UNESCO na lista de sítios de Patrimônio da Humanidade em 1988. No entanto, esse notável patrimônio histórico e artístico, estava em constante degradação e deterioração. A necessidade de preservá-lo, combinada à falta de mão de obra qualificada que permitisse a realização das tarefas de reabilitação, exigiu, no início da década de 90 do século passado, a criação de uma escola profissionalizante — a Escola Gaspar Melchor de Jovellanos. Esta decisão permitiu também a integração, ao processo de reabilitação do Centro Histórico, de jovens interessados ​​nos conhecimentos próprios dessas atividades, que, de outro modo, não poderiam adquiri-los no sistema de ensino tradicional. A restauração e a reabilitação do patrimônio alcançou grande desenvolvimento em todo o mundo nas últimas décadas. Nesse processo, a formação de mão de obra para trabalhar nas atividades relacionadas é de vital importância, uma vez que o operário é, em última instância, quem atua diretamente sobre os bens patrimoniais. Por esta razão, é essencial perceber a importância de dominar corretamente uma especialidade que tem influência sobre o patrimônio, a fim de realizar um trabalho melhor na restauração. Os objetivos principais da Escola Gaspar Melchor de Jovellanos incluíram a recuperação de ofícios essenciais para a restauração, que estavam praticamente esquecidos: 1 Em virtude do marco regulatório

e da continuidade de posturas municipais adotadas durante os séculos XIX e XX, o tecido urbano de Habana Vieja e a morfologia de sua arquitetura permaneceram praticamente inalterados. A mistura de prédios em estilo barroco e neoclássico, o conjunto homogêneo de residências privadas, de sobrados e mansões com arcadas, varandas e acabamentos dos portões e cercas de ferro batido, e pátios internos, testemunham os distintos momentos da ocupação urbana [p. 266] 2 Habana Vieja mantém até hoje

o padrão de desenho urbano do seu núcleo original, com as cinco amplas plazas, cada qual com a sua característica arquitetônica: Plaza de Armas, Plaza Vieja, Plaza de San Francisco, Plaza del Cristo e Plaza de la Catedral. Na foto, a Plaza Vieja

trabalhadores experientes transmitiram seus conhecimentos para as gerações mais jovens. Com isso, pretendeu-se atender à demanda de mão de obra qualificada no setor de reabilitação de edifícios, ajudar no resgate do patrimônio urbano e sensibilizar os usuários do Centro Histórico sobre a necessidade de preservar o patrimônio cultural e histórico, como sinal de identidade. A experiência de tais escolas remonta ao início dos anos 80 do século passado, quando se aplicou esse modelo de formação na Espanha, que, devido à necessidade de criar empregos para a população em idade ativa, enfrentou um processo de formação e capacitação em áreas deficitárias, resolvendo, por um lado, algumas dívidas antigas do mercado de trabalho e, por outro, levando à disseminação de conhecimentos tradicionais perdidos, no campo da restauração. Por ocasião da comemoração do 500º aniversário da chegada dos europeus em nosso continente, se desenvolve um programa de criação de escolas desse tipo em diferentes cidades hispano-americanas com fortes traços da influência espanhola. Habana Vieja é uma das privilegiadas. Foi incluída em 27º lugar na Lista do Património Mundial pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO), em 14 de dezembro de 1982, juntamente com seu sistema de fortificações defensivas, desenvolvendo o interesse pela cidade, enquanto aumentava significativamente o trabalho de recuperação.

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3

4

Já na década de 1990, percebeu-se uma forte necessidade de aprofundar e acelerar o processo de resgate patrimonial, para o qual era necessária, em primeiro lugar, mão de obra qualificada, especialmente nos trabalhos relacionados à restauração, que em muitos casos não eram oferecidos nos currículos das escolas dedicadas à formação dos jovens em tarefas relacionadas aos processos de construção. A perda progressiva de alguns ofícios, como resultado da simplicidade decorativa da arquitetura moderna, na década de 50, aumentou significativamente a partir do uso crescente de sistemas pré-fabricados, que começaram a surgir em meados dos anos 60 e se generalizaram praticamente para todas as aplicações, na década de 1970. O desaparecimento de ofícios tradicionais também foi influenciado pela falta de manutenção de muitas das construções situadas em lugares de valor patrimonial elevado, como Habana Vieja. Assim, ofícios tradicionais, tais como forja, confecção de vitrais, pintura mural, trabalho em gesso e cantaria (só para citar alguns), por não serem requisitados, foram esquecidos. Essa mão de obra qualificada, necessária para o resgate do patrimônio histórico, era praticamente inexistente em Havana, onde, apesar de o nível educacional da população ter em geral se elevado, não foi priorizada a devida formação de jovens para executar essas tarefas. Para poder treinar esses jovens, era preciso criar e adaptar uma escola às necessidades de Habana Vieja. A escola-oficina de capacitação foi criada em 6 de abril de 1992, com o nome de Escola Oficina Gaspar Melchor de Jovellanos, após um acordo entre a Agência Espanhola de Cooperação Internacional (AECI) e o Escritório do Historiador da Cidade de Havana. Esse convênio permaneceu em vigor até 2003, quando a Escola passou a ser patrocinada apenas pelo Escritório do Historiador da Cidade de Havana. Recebeu esse nome em homenagem a Gaspar Melchor de Jovellanos, poeta e escritor espanhol, nascido em 5 de janeiro de 1744 em Giom, Asturias, e que faleceu no dia 27 de novembro de 1811, aos 67 anos de idade.

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Conservação patrimonial e capacitação de mão de obra em Habana Vieja

3-4 Inventário de avaliação

técnica da UNESCO, em 2006, indicava que, do universo de 3.370 prédios históricos, 1.147 estavam em bom estado, 1.189 em estado regular, 832 em estado precário e 202 deteriorados ou em ruínas. Cerca de metade desses prédios apresentavam deterioração em seus telhados (43,3%), fissuras em empenas externas e internas (39%) e desnivelamento de piso (22%). Problema recorrente é a precariedade das instalações hidráulicas e de drenagem


Perfil da escola-oficina Trata-se de uma unidade formativo-produtiva, que oferece preparação teórica e prática em ofícios ou em trabalhos manuais, mediante o desenvolvimento de habilidades em práticas reais. No caso de profissões relacionadas com a restauração de edifícios, esses trabalhos são executados em oficinas e em obras de restauração com valor patrimonial. Missão institucional

• Formar jovens como trabalhadores qualificados, a fim de restaurar e preservar edifícios com elevado valor patrimonial;

• Proporcionar uma opção de capacitação e emprego a jovens que não estudam ou não trabalham. Objetivos

Formar o maior número possível de jovens que cursam diferentes especialidades, garantindo-lhes a colocação no mercado de trabalho após a conclusão de seus estudos;

• Aumentar o número de escolas (4) com pelo menos 600 jovens matriculados; • Desenvolver os estudos técnicos de nível médio, como uma alternativa de superação para nossos formandos. Programa de treinamento ou plano de formação

• A duração do curso da Escola-oficina de Havana é de dois anos, durante os quais se ministra, em cada um dos semestres, o conhecimento teórico e prático necessário para alcançar o título ou diploma de restaurador da especialidade solicitada.

• No primeiro ano, os cursos ministrados são Materiais de Construção e Técnicas Construtivas, Tipologia de Arquitetura, Desenho Técnico, Tecnologias da Especialidade, Saúde e Segurança Ocupacional e Práticas da Especialidade. No segundo ano, só se desenvolve intensamente a prática nos trabalhos executados na escolaoficina, juntamente com outras agências especializadas. Características dos alunos Em média, ao realizar a seleção para um novo ciclo, se candidatam seis vezes mais alunos do que a capacidade de que a escola dispõe. Analisando a representatividade desse grupo de jovens, chegou-se às seguintes conclusões:

• 80% dos candidatos não têm nenhum vínculo de trabalho e/ou estudantil; • Predominam alunos na faixa etária de 17 a 19 anos, com escolaridade média e poucas opções de emprego. Nas últimas seleções, evidenciou-se um aumento de jovens entre 19 e 21 anos de idade com nível de ensino médio;

• Forte interesse dos candidatos em aprender ofícios ligados à restauração.

277


Nível cultural dos alunos antes e depois A Escola estabelece como nível mínimo para admissão o ensino secundário (9º ano) e, em casos de Pintura Mural, Arqueologia, Restauração Geral e Cerâmica, o nível médio completo. Entre as atividades do programa de formação, estão previstas visitas a vários centros culturais (museus, exposições, conferências, eventos, etc.), que ajudam os jovens a se identificar com o ambiente em que estão se desenvolvendo. Da mesma forma, a Escola incentiva os alunos, após o horário de trabalho, a continuarem os estudos do ensino médio, de modo que, simultaneamente, elevem o seu nível de educação, ao adquirirem o nível profissional que a Escola oferece. Após a formatura, o desenvolvimento de suas carreiras, independentemente do tipo de trabalho que escolham, oferece a possibilidade de continuar os estudos superiores no ISA e no Colégio Universitário de San Gerónimo, recém-criado no Centro Histórico, onde podem prosseguir o ensino superior relacionado ao patrimônio. É importante ressaltar que o Escritório do Historiador da Cidade de Havana conseguiu criar, no campo de recupe-

É importante ressaltar que o Escritório do Historiador da Cidade de Havana conseguiu criar, no campo de recuperação de patrimônio, uma pirâmide de formação constituída pela Escola-oficina, que forma profissionais qualificados e capacita tecnicamente trabalhadores em geral (...)

ração de patrimônio, uma pirâmide de formação constituída pela Escola-oficina, que forma profissionais qualificados e capacita tecnicamente trabalhadores em geral com cursos de especialização técnica em nível médio, e o Colégio Universitário de San Gerónimo, onde se preparam profissionais com expertise em questões de preservação e gestão de centros históricos. Principais especialidades da Escola-oficina de Havana As especialidades ou oficinas de cada curso variam de acordo com a demanda de trabalho das empresas. Nos dois cursos atuais, a escola tem 12 especialidades: Alvenaria Integral, Arqueologia, Carpintaria Geral, Cerâmica, Eletricidade, Forja, Jardinagem, Pintura de Obra, Encanamento, Restauração Geral e Gesso. Em outros cursos foram habilitadas as especialidades de Selaria e Solda. Atualmente, está em desenvolvimento um curso de qualificação de Sapataria Artesanal e em cursos futuros se iniciarão as oficinas de Alfaiataria e Maquetes Arquitetônicas com a mesma modalidade. Estas oficinas são distribuídas entre as diferentes unidades de ensino atualmente em funcionamento. Neste sentido, o nível técnico alcançado pela Escola permitiu ainda avançar na formação dos trabalhadores de empresas de construção, mediante cursos de qualificação por especialidades, elaborados de acordo com as necessidades de cada instituição, bem como na execução de trabalhos altamente complexos em várias intervenções realizadas. Estes cursos de superação são altamente técnicos e cobrem certas áreas em que as empresas em questão querem treinar seus trabalhadores.

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Conservação patrimonial e capacitação de mão de obra em Habana Vieja

5-7 A Oficina do Historiador

de Havana, através de seu quadro técnico, formado pela Escuela Taller Gaspar Melchior Jovellanos de Habana Vieja, atua no programa de recuperação do centro histórico, desde 1967, dedicando-se ao restauro e conservação de sítios e monumentos de patrimônio cultural


5

6

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Programas dos cursos

Alvenaria

• Construir ou restaurar obra determinada, usando as técnicas corretas

• Conhecer, preparar e aplicar mixes, argamassa e pastas

• Construir ou restaurar molduras e detalhes ornamentais • Conhecer técnicas e materiais para executar moldes e reproduções de vários elementos decorativos

• Executar o cálculo de materiais utilizados em obras

• Conhecer o uso e a manutenção de todas as ferramentas

• Reproduzir objetos ornamentais em gesso

• Interpretar e executar o que está indicado nos

de baixa complexidade

• Modificar e posicionar peças na colocação final • Aplicar revestimento de gesso em paredes e tetos

e equipamentos que utiliza

desenhos de construção, podendo realizar esboços e desenhos de menor complexidade

• Conhecer e aplicar as regras de segurança e de saúde em todas as operações realizadas

Jardinagem

• Construir ou restaurar todos os tipos de jardim que lhe sejam designados

• Propagar espécies de plantas de jardim, usando várias técnicas

• Executar e monitorar a irrigação adequada de jardins • Preparar os padrões e executar qualquer tipo de enxerto • Preparar jardins em miniatura para interiores

• Executar todas as operações de cultivo necessárias

• Preparar, afiar e manter todas as ferramentas de trabalho

• Executar o transplante de todas as espécies

• Realizar o cálculo de materiais utilizados em obras

• Preparar vários tipos de adubo orgânico

• Interpretar e executar o que está indicado na

que dele necessitem

e fertilizantes químicos

• Sob supervisão adequada, manter o cuidado

fitossanitário das plantas, aplicando inseticidas e fungicidas apropriados, sempre tentando aplicar controles biológicos contra pragas

de baixa complexidade

documentação técnica, podendo preparar esboços e desenhos de baixa complexidade

• Conhecer e aplicar as regras de segurança e de saúde em todas as operações realizadas

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Carpintaria

• Construir ou restaurar todos os tipos de peças

• Conhecer o uso e a manutenção de todas as

• Rastrear e modificar todo tipo de peça de qualquer

• Interpretar e executar o que está indicado nos planos

de madeira em trabalho designado configuração

• Construir os moldes para o seu trabalho, com base em esboços, desenhos, fotografias ou descrições

ferramentas e equipamentos que utiliza

de construção, podendo elaborar esboços e desenhos de baixa complexidade

• Restaurar e conservar mobiliário de média complexidade

• Executar qualquer processo de carpintaria,

• Executar esculturas em madeira, tal como o projeto

• Conhecer e utilizar todas as ferramentas, instrumentos

• Conhecer e aplicar as regras de segurança e de saúde

utilizando o equipamento para fazê-lo

e dispositivos para várias operações manuais

original ou a documentação técnica

em todas as operações realizadas

Vidraria

• Avaliar a deterioração e a possível restauração

• Fazer esboços ou desenhos de qualquer item

• Construir todos os tipos de janelas de acordo com

• Conhecer e aplicar todas as operações de carpintaria

• Construir ou restaurar vitrais em suportes de madeira,

• Ser responsável pelo uso e manutenção de todas as

de vários tipos de janelas, lâmpadas, etc. esboços, desenhos ou fotografias chumbo, cobre, etc.

• Conhecer todas as ferramentas e equipamentos

utilizados em sua especialidade; construir todas as peças e acessórios necessários

a construir ou restaurar

necessárias em seu trabalho

ferramentas, equipamentos e dispositivos utilizados na sua especialidade

• Conhecer e aplicar as regras de segurança e de saúde em todas as operações realizadas

• Realizar o cálculo de materiais necessários à construção de um determinado item

Eletricidade

• Executar vários tipos de instalações elétricas • Realizar instalações elétricas temporárias • Instalar os painéis de controle • Instalar motores elétricos com seus controles • Instalar todos os tipos de luminárias • Realizar testes necessários em instalações elétricas • Realizar cálculo dos materiais necessários

em instalações elétricas de baixa complexidade

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Conservação patrimonial e capacitação de mão de obra em Habana Vieja

• Interpretar e executar o que está indicado nos

projetos elétricos da obra e ser capaz de preparar esboços e desenhos de baixa complexidade

• Ser responsável pelo uso e pela manutenção

de ferramentas, dispositivos e equipamentos utilizados na sua especialidade

• Conhecer e aplicar as regras de segurança, saúde

e combate a incêndio em todas as operações realizadas


Forja

• Construir ou restaurar objetos determinados

• Conhecer a aplicação de técnicas de elétrica

• Realizar operações de ajuste, tais como rebites, perfuração,

• Fazer a seleção e o cálculo de materiais utilizados

• Executar diversas operações de forja, tais como: desenho,

• Realizar a manutenção de todos os equipamentos,

• Interpretar e executar o que está indicado no projeto

• Conhecer os vários tipos de aço, suas propriedades e aplicações

medições, corte com ou sem limalhas, etc

estampagem, aplanagem, perfurações, etc

de construção, podendo elaborar esboços e planos de baixa complexidade

• Construir as ferramentas e dispositivos necessários para o seu trabalho

no trabalho de sua especialidade

ferramentas e instrumentos utilizados em sua especialidade

• Conhecer os vários equipamentos utilizados para o aquecimento de peças na construção

• Conhecer e aplicar as regras de segurança e de saúde em todas as operações realizadas.

Cantaria

• Construir ou restaurar trabalho designado • Conhecer os fatores que destroem a pedra natural, bem como os métodos de conservação e limpeza

• Conhecer e preparar misturas e argamassas para seu trabalho • De acordo com projeto ou esboço, cortar e esculpir manualmente as pedras

• Conhecer e aplicar todas as técnicas para a construção de obras de pedra

• Preparar e colocar pisos de pedra natural e cerâmica • Conheçer a esternotomia da pedra e desenho de cantaria

• Conhecer o uso e a manutenção de todos os equipamentos e ferramentas utilizados na sua especialidade

• Realizar o cálculo de materiais utilizados em obras de baixa complexidade

• Interpretar e executar o que está indicado nos projetos da obra, podendo elaborar esboços e desenhos de baixa complexidade

• Ser responsável pelo uso e pela manutenção de

todas as ferramentas, equipamentos e utensílios utilizados em seu trabalho

• Conhecer e aplicar as regras de segurança e saúde em todas as operações que executa

Encanador

• Construir, restaurar e conservar todos os tipos de instalação hidráulica ou sanitária

• Distribuir equipamentos hidráulicos e sanitários em edifícios • Escolher e calcular materiais adequados necessários a construção de pouca complexidade

• Construir sistemas de drenagem, com refrigeração, no piso

térreo dos edifícios, usando tubulação de barro ou de fundição

• Selecionar todos os equipamentos e ferramentas a serem

• Executar qualquer ajuste básico • Interpretar e executar o que está indicado

na documentação técnica, podendo preparar esboços e desenhos de baixa complexidade

• Conhecer e executar todos os tipos de juntas nas instalações hidráulicas e sanitárias

• Conhecer e aplicar as regras de segurança e saúde em todas as operações realizadas

utilizados no trabalho designado

281


Inserção no mercado de trabalho A Escola-oficina de Havana Gaspar Melchor de Jovellanos, como parte do Escritório do Historiador da Cidade de Havana, tem capacidade de oferecer aos jovens matriculados nas várias especialidades, desde o início do curso, uma colocação no mercado de trabalho, no final do período de treinamento, correspondente ao perfil que o aluno cursou na escola. Uma vez iniciado o terceiro semestre, surge de forma mais clara o número aproximado de licenciados, pois, segundo a experiência, durante o terceiro e quarto semestres não se verificam baixas significativas. Nessa fase, é comunicado às empresas e instituições que oferecem possíveis opções de carreira o potencial de graduados por especialidade e se solicitam as necessidades de emprego de cada opção. A partir das necessidades das instituições interessadas, toma-se conhecimento da efetiva demanda de mão de obra, procedendo-se à seleção de jovens, consoante a classificação docente. Na prática, os diplomados aceitam a oferta de trabalho inicial e posteriormente encontram outras opções mais interessantes para traçar seus próprios caminhos. Estuda-se a criação de cooperativas, na forma de trabalho por conta própria, como uma alternativa de em-

A partir das necessidades das instituições interessadas, toma-se conhecimento da efetiva demanda de mão de obra, procedendo-se à seleção de jovens, consoante a classificação docente. Na prática, os diplomados aceitam a oferta de trabalho inicial e posteriormente encontram outras opções mais interessantes para traçar seus próprios caminhos.

prego para os alunos. Atualmente, trabalham em cooperativas de forja professores e jovens licenciados pioneiros nesse tipo de questões políticas trabalhistas, que continua nas áreas de Vidraria e Restauração Geral. A cooperativa paga ao Estado um imposto com base no lucro alcançado com seu trabalho e também participa de um percentual acordado para os gastos no processo de produção. Faz-se importante destacar que a matrícula na Escola está diretamente relacionada com a necessidade de mão de obra qualificada exigida pelas empresas especializadas em restauração, de forma que, até o momento, em qualquer modalidade de trabalho, todos os graduados têm sido bem-sucedidos em se inserir no mercado de trabalho de sua especialidade.

Outras características da escola • Desenvolvimento crescente das atividades de restauração no Centro Histórico de Habana Vieja, garantindo a continuidade de emprego para os graduados e, por sua vez, garantindo a continuidade da Escola-oficina. Por outro lado, este aspecto também conspira contra a retenção dos alunos na escola, em decorrência de se gerarem continuamente novos postos de trabalho, em alguns casos bastante tentadores;

• Nível de escolaridade relativamente alto, em comparação com outras escolas semelhantes, dentro e fora do país;

282

Conservação patrimonial e capacitação de mão de obra em Habana Vieja


• Ambiente social relativamente favorável, embora não isento de dificuldades econômicas;

• Forte relação entre a Escola e a família; • Elevados cuidados de saúde, incluindo controles preventivos e ciclos de vacinação completamente gratuitos;

• O certificado emitido pela Escola é reconhecido pelo Ministério da Educação de Cuba, o que permite ao formando a validação em todo o território nacional;

• Forte apoio do Escritório do Historiador da Cidade de Havana para o desenvolvimento das atividades dos alunos e diplomados da Escola-oficina de Havana. Cooperação internacional É importante ressaltar que, além do forte apoio do Escritório do Historiador da Cidade ao desenvolvimento da Escola-oficina de Havana, a cooperação internacional tem influenciado favoravelmente para garantir o nível de trabalho alcançado. Resultado de um projeto de cooperação, atualmente se desenvolvem processos de cooperação com instituições acadêmicas e organizações de diversas características e latitudes. Entre eles:

• Projeto de Cooperação com a região de Valônia, na Bélgica, para a formação de aprendizes em carpintaria e forja;

• Projeto de Cooperação com a cidade de Toledo, na Espanha, para financiar as atividades da Unidade de Ensino nº 4 (Havana 306);

• Projeto de Cooperação com o País Basco, na Espanha, apoiando as atividades de carpintaria e vidraria da Unidade de Ensino nº 3 (Teniente Rey 155-157) Outras escolas no país O processo desenvolvido no Centro Histórico de Habana Vieja é uma referência para o resto do país, e o mesmo se aplica à Escola-oficina, o que contribuiu para que o modelo fosse aplicado em outras cidades cubanas, como Camagüey (1996), Trindade (1997), Santiago de Cuba (2002) e Cienfuegos (2009). Dadas as diferenças locais, os currículos sofreram adaptações e a Escola tem contribuído para a formação de professores, por meio de cursos de treinamento em nossas instalações. Da mesma forma que se tem recebido apoio, por intermédio da Cooperação Internacional, para o desenvolvimento da Escola-oficina, tem-se auxiliado não só as escolas que surgiram em Cuba, mas também, desde 2006, a criação de duas Escolas-oficinas na República Bolivariana da Venezuela, no âmbito do Acordo de Colaboração Cuba-Venezuela:

• Escola de Restauradores Populares: fundada em 2006-07, na cidade de Puerto Cabello, com um total de 40 alunos nas áreas de alvenaria, carpintaria e gesso;

• Escola de Artesanato La Maestranza: criada em 2007-08, em La Pastora (subúrbio de Caracas), com um total de 18 alunos em alvenaria e carpintaria.

283


284


ENGLISH VERSION

power centers, where the massive inflow of direct foreign Cities in Transformation

investments and technologies combined with highly efficient production chains and educated labor competes and

The content of this book was presented and discussed at the

surpasses the old mode. The collateral damage: irreversible

Symposium on Urban Transformations and Cultural Her-

stagnation and eventual demise of the traditional urban-in-

itage, in Rio de Janeiro, September 26-27, 2012, which was

dustrial city centers of yesterday.

sponsored by BNDES (Brazil’s National Bank for Economic

Here, we investigate exemplary cases of urban renewal,

and Social Development), the Municipality of Rio de Janeiro,

redevelopment projects, and design and implementation

and the Fundação Roberto Marinho (FRM). The event was orga-

strategies, with a specific focus on natural and cultural her-

nized by OKNO urban consultancy Ltd, led by Ephim Shluger

itage preservation management, in six port-cities. They rep-

and Miriam Danowski.

resent initiatives that bring innovation, economies of scale, and concomitant efforts to improve the quality of urban environment and civic life. The most significant and common

Introduction

issues that arise are the need to reclaim significant losses in city center economic activities, ways of tackling urban stag-

Since the 1960s, in industrial nations, cycles of economic ex-

nation, and problems associated with poverty.

pansion triggered urban infrastructure investment and pro-

We see, in the domain of urban development governance,

liferation of urban renewal policies and programs. Though

new financial models and funding instruments, such as pub-

waterfront regeneration projects, such as San Francisco,

lic-private partnerships, being effectively tested in large-

Boston, and Baltimore, were initiated during periods of

scale redevelopment initiatives. Additionally, we witness

economic downturn, commentators classify them as local

the practical implementation of concepts of ecosystem ser-

responses or anti-cyclical investment strategies, capable of

vices (integrating environmental management with natural

producing robust social gain and positive economic exter-

resource protection) to safeguard the integrity of ecological

nalities. The repurposing and refitting of existing heritage

resources — most of which are essential for human living.

assets and obsolete industrial sites, known as brownfields,

We learn of effective ways to mitigate and reduce our carbon

for an array of new functions, is in step with new down-

footprint while reaching new parameters of sustainability

town dynamics and the market’s demands. The Fisherman’s

that can result in resilient cities and communities better pre-

Wharf in San Francisco, California, the Seattle Waterfront

pared to confront the onslaught of climate changes.

in Seattle, Washington, and the Sydney Opera House in Syd-

In the wake of these improvements, many large-scale

ney, Australia are among the earliest successful examples of

waterfront development projects ensued with construction

waterfront renewal projects.

spanning several decades due to their complexity and scale.

Our book illustrates that, in the 1980s, cities in the de-

These pioneering developments influenced and inspired a

veloping world initiated urban transformation projects in re-

new generation of waterfront revitalization projects includ-

sponse to such unique circumstances as aging infrastructures,

ing: Faneuil Hall and Quincy Market in Boston, Massachu-

the emergence of new residential and commercial centralities

setts, and the Inner Harbor place in Baltimore, Maryland, in

competing with traditional city centers, and the underutiliza-

the 1970s. A subsequent wave of projects was initiated in Bar-

tion or total abandonment of brownfields. Continued invest-

celona, Bilbao, Buenos Aires, and Cape Town in the 1980s.

ment in quality mass mobility systems and public service pro-

The underpinnings of redevelopment in port areas and

visions to expand and improve urban infrastructure became

their impact on function and form in post-industrial central

essential to the city and its metropolitan region.

districts is attributed to:

City center decline is commonly attributed to urban

• Major changes in the routes and flux of international

sprawl (internal forces) and globalization (external forces),

trade and commerce, energized by the unprecedented

both act centrifugally to relocate industrial production

industrial development of a handful of East Asian coun-

farther away from traditional urban centers. This tecton-

tries, known as the “Asian Tigers.” These major chang-

ic movement bolsters the emergence of global industrial

es trigger: new international divisions of labor and the

285


relocation of production chains from old industrial

correlation between reduced economic activity and the

centers to new locations. This represents a sea change

progressive physical decline of historic neighborhoods. This

in industrial employment, production, distribution, and

connection is evident in the social, cultural, and environ-

marketing of consumer goods and services;

mental qualities of a place. However, as the Nobel Prize lau-

• Introduction of a new maritime transportation system

reate economist Robert M. Solow aptly puts:

based on container shipping, in the 1960s. This engen-

Over the long term, places with strong, distinctive identities are

dered the decline of old port facility usage. The new sys-

more likely to prosper than places without them. Every place

tem allows for movement of larger volumes of sea cargo

must identify its strongest, most distinctive features and develop

at a lower cost. The use of automated lifts and container

them or run the risk of being all things to all persons and noth-

patios, has largely substituted long shore organizations,

ing special to any [...] Livability is not a middle class luxury, it is

shipping docks, and warehouse systems, making them

an economic imperative.2

obsolete.

• Vertiginous growth in the air transportation sector for

In this volume, we discuss recent city planning cases that

passengers and cargo, has led to airport terminal expan-

include New York and East London, projects that have re-

sions. In fact, airlines have supplanted naval transatlantic

ceived great public acclaim and press coverage for tackling

passenger routes, and now dominate the transportation

issues of urban growth during times of economic uncertainty.

market previously held by shipping liners1.

Aggravated by vulnerabilities associated with global warming,

In the 1990s in Belém, State of Pará, Brazil, the Estação

green city environments to ensure efficiency, as well as a saf-

their strategies focus on ways to induce growth in compact, das Docas riverfront port redevelopment and restoration

We see municipal planning and management depart-

successful that it expanded to include all monuments and

ments bring to the top of their agendas policy measures that

sites in the historic Belém district. In 2009, Rio de Janeiro

address climate change. These policies provide criteria for

launched the latest in a crop of local large-scale, multifacet-

necessary safeguards to prevent human loss and property

ed, urban redevelopment projects drawing and assimilating

destruction (through adaptation and mitigation), and lim-

practical lessons and operational insights from an array of

it damage to urban infrastructure and public space. Broad

similar projects around the world. Many of these invaluable

public and private sector coalitions and community groups,

lessons and insights are discussed throughout this book.

urged passing these policies and illustrated unwavering pop-

Cities have become protagonists on the global stage, com-

ular commitment to overall carbon footprint reduction by

peting for institutional and private investments in urban

the year 2030. This is the new benchmark for all future de-

and industrial development. The functional obsolescence

velopment proposals.

of old buildings in central business districts (CBD) has con-

In our investigation, the real estate sector also emerges

tributed to a crumbling urban infrastructure and inefficient

as an essential player in urban renewal and redevelopment

public services and the decline of inner-city property values.

projects. After all, it simultaneously adheres to a long-term

This in turn is the cause for low returns on public and pri-

vision of a planned sequence of new projects and has ne-

vate assets and diminishing economic activity as a whole in

gotiating power to assemble robust financial packages to

the area. With decreased foot traffic in downtown locations,

effectively build and operate properties. This growing sec-

especially after business hours and on weekends, business-

tor includes institutional and private investors, financial

es have had to relocate to new trendier neighborhoods or

agents, banks, developers, construction industry, machinery

simply close down. This results in dire social consequenc-

suppliers, engineering and architectural companies, and

es and unemployment. Meanwhile, underutilized or vacant

brokerage agents. In response to market demands, products

properties, clearly a burden to their owners and society, are

may include hotels, shopping malls, convention centers, art

caught in a vicious cycle of lower rents and decreasing de-

museums and cultural centers, aquariums, corporate offices,

mand, while still carrying recurrent maintenance costs and

and residential structures. And the real estate sector nor-

tax obligations.

286

er and healthier living environment for local residents.

project, including the iconic Mercardo Ver-o-Peso, was so

mally operates under insurance protections and strict safe-

Affected by losses in property tax revenue and operating

guards to manage and mitigate risks arising from the ups

within an aging infrastructure, the public sector is still ob-

and downs of market fluctuation. The risks are evidence of

ligated to provide urban services. Studies suggest a direct

macro economic growth cycles, monetary or fiscal policies

English version


(i.e. prime rate), the flow of financial resources, and chang-

as the primary venue of the 2016 Olympic Games. Thus, sev-

es to lending norms and guidelines. Functioning mortgage

eral new mass transportation systems, including Bus Rapid

markets are also an important prerequisite for healthy in-

Transit (BRT) and the subway – Linha 4 have been extended.

vestment flow into properties that in turn irrigate new de-

In fact, this area alone accounted for 69.6 percent of con-

velopment initiatives.

struction permits issued in the city of Rio de Janeiro in 2012.4

In Brazil’s emerging market economy, long-term mort-

In sharp contrast to the Barra area, the old city center

gage lending operations and financing through commer-

and the downtown port area received a mere 1.7 percent of

cial banks and governmental credit institutions (led by the

overall city construction permits issued in 2012. The port

CAIXA Econômica Federal) have only recently been intro-

area population is relatively small (4.7 percent of the city’s

duced. The Brazilian government recently announced that it

total population), although it has seen modest growth in

will launch PAC3 (Programa de Aceleração de Crescimento),

the past five years. Estimated resident population is 28,000

a federal growth acceleration program to improve and ex-

people, and recent demographic figures indicate that seven-

pand national physical infrastructure such as, roads, ports,

ty-two percent earn a total family income of three times the

airports, hydroelectric plants, and social housing programs.

minimum wage (about R$ 1,890 per month in 2012, or an

Increased agricultural production, significant expansion in

average annual income of about R$ 39,000 per household)

the industrial and energy sectors (including petroleum and

— one of the lowest averages in the city of Rio; 44.7 percent

natural gas), logistics of bottleneck distribution, and a surge

lack basic education, and 2.7 percent are illiterate. Despite

in consumer goods as a result of expanded consumer credit

this, the CBD boasts 36.7 percent of Rio de Janeiro’s formal

are some of the issues being addressed by PAC3. Meanwhile,

employment — more than any other area of the city.5

to tame growing urban violence, Rio de Janeiro’s government

A staggering 43 percent of Porto Maravilha’s residents

launched flagship program to improve police control and

(17,409 individuals) live in local favelas.6 In light of the 2016

public security, (UPP – peacemaking police units). The UPP

Olympic Games, the city has already begun constructing al-

program was intended to restore order to inner-city favelas

ternative affordable housing7 and Companhia de Desenvolvi-

­— where, over the decades, informal settlements had taken

mento Urbano da Região do Porto do Rio de Janeiro (CDURP),

root and proliferated in the absence of urban development

the Porto Maravilha implementation agency, has estimated

policies. Without societal oversight of urban growth, inade-

that about 80,000 new residents will move into the port area

quate governance instruments in lieu of assertive political

over the next ten years. They have planned a residential com-

will, left favelas vulnerable to occupation by armed gangs

plex, Porto Olímpico, to house 2016 Olympic Games journal-

and illicit businesses, including drugs and arms trafficking.

ists and officials, with units intended for sale to municipal

Escalating urban violence spilled over into the city’s wealth-

public servants after the games.8 In order to attract other

ier neighborhoods, spreading fear throughout the city.

residential projects, Rio’s mayor has taken a step to halt and

This fear soon impacted the business environment, causing

reverse urban center stagnation by proposing legislation to

significant property devaluation and a tarnish on the city’s

combine tax incentives and reduce new construction regula-

image. The UPP’s ubiquitous presence in areas of conflict has

tions. But planners feel that to meet long-term goals, more

reduced urban violence and pushed Rio again into a position

permanent activities need to be established that diversify

to receive fresh investment, starting a new growth cycle. Rio de Janeiro experienced a real estate development

land use and function in the area, in order to create lively residential environments attractive to middle-income fami-

boom from 2007 to 2011, activities largely concentrated

lies. To simultaneously retain old downtown businesses and

in the southwest region of the city — a vast seaside area

attract new entrepreneurship, educational institutions, re-

formed by Barra da Tijuca, Recreio dos Bandeirantes, and

search centers, and start-ups are needed. Serviço Brasileiro

the lowlands of Jacarepaguá. Though a low-density region

de Apoio a Pequena e Media Empresas (SEBRAE) supports

with a population of just 15.000 pp/km2, comprised of only

a wide range of small and mid-scale businesses to foster

14.4 percent of city’s total population, the area absorbs 12.7

growth in the area. These include food markets, restaurants

percent of the city’s formal employment, and has one of

and bars, and enterprises specializing in design, furniture,

the highest average annual household incomes (R$97,250)3.

graphic arts, crafts, fashion, and cultural activities.9

This emerging urban center is highly sought after for resi-

Rio started its urban transformation program by, first,

dences and shopping and entertainment by mid-to-upper in-

tackling public finance restructuring and, then, launching

come families. Public authorities have selected this location

an ambitious public works package. Favorable political

287


alignment between federal, state, and city administrations,

“Cultural Heritage Assets as a

enabled the city to restructure its state and federal trea-

Generator of Downtown Renewal”

sury-held public debt, and obtained Investment Grade

Hugo Barreto

Moody’s and Fitch Ratings standing with a World Bank loan. Subsequently, this enabled Rio de Janeiro to secure insti-

Hugo Barreto quotes Stefan Zweig about Rio de Janeiro: “Na-

tutional funds and attract new investment, with favorable

ture having grown into a city, and a city giving the impres-

terms and conditions.

sion of Nature.”12 To bring more culture to the forefront of

Five articles depict Rio de Janeiro’s transformations, each

the city’s transformation process, Barreto points out that

describing a distinct aspect of the respective project oper-

Fundação Roberto Marinho (FRM) is partnering with Rio

ation. Other articles showcase exemplary cases of city and

de Janeiro city authorities, the Federal government, and

port area renovations and distinct approaches to public-pri-

non-governmental organizations to build new museums.

vate partnerships and financial arrangements. These proj-

New iconic structures will enhance the downtown visual,

ects are located in Buenos Aires, Cape Town, East London,

while firmly anchoring Rio’s cultural renaissance in the re-

New York City, and Havana.

vitalized port area. Two of the museums are located at the

We’ve organized the book in three sections: “The City and its Legacy,” “Port Area Redevelopment,” and “The Sustainability Challenge.”

Porto Maravilha site. Barreto reminds the reader that the port area is endowed with a significant array of national architectural landmarks, ranging from colonial, baroque, eclectic, classical revival,

Part I: The City and its Legacy

modern, and art deco. It’s also home to important Afro-Brazilian religions and other cultural heritage manifestations

This section is comprised of three articles that explore Brazil’s

that infuse the national identity. Centuries ago, African

accelerated urbanization and renewed interest in harnessing

slaves disembarked at the port’s Cais do Valongo pier and

cultural heritage assets as valuable private and public goods.

were traded at the nearby Pedra do Sal. Decades later, the

Investing in the preservation of an historic area requires

pier was transformed into a stone wharf and renamed Cais

that properties of architectural value be properly recognized

da Imperatriz, after Princess Tereza Cristina of Hapsburg of

by the society, and given proper usage, hence, restored,

Austria, bride of Emperor Dom Pedro II. Today, the historical

maintained, and preserved. Although Instituto de Patrimô-

site is a well-visited public attraction.

nio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), a Brazilian public

By the turn of the twentieth century, the region saw

federal agency, traditionally rendered the official listing for

massive European immigration and, in the 1920s, at Praça

heritage districts sites and monuments, there are positive

Onze and Estácio, Afro-Brazilian samba was born. In a recent

signs of decentralization and private sector involvement

national public survey conducted by the FRM, about thirty

for adaptive reuse and restoration of historic structures.

percent of Brazilian city dwellers expressed that they wanted more national and local culture, provided it’s affordable

“City, Cultural Patrimony and Legacies”

to them. The pent up demand for national culture validates

Jorge Wilheim

Rio de Janeiro’s new Museu de Arte do Rio (MAR) and Escola do Olhar, both 2013 initiatives. Escola do Olhar integrates

Wilheim says, “The old urban fabric and its built architec-

a learning complex with its museum. Museu do Amanhã,

tural references, which connect past to present and future,

presently under construction, is dedicated to the sciences

are gaining new uses by reinterpreting their form and func-

and the humanities and was designed by Spanish architect

tion.” Wilheim’s article discusses Rio de Janeiro’s proposed

Santiago Calatrava.

high capacity public transportation system and the plans submitted to the International Olympic Committee during

“BNDES – Invests in Urban Renewal

the potential host cities selection process.10 Various points

and Preservation of Cultural Heritage Assets”

of the city will be connected by Light Rail Transport (VLT)

Luciane Gorgulho and Rodolfo Torres

11

and Bus Rapid Transport (BRT). In improving mobility and accessibility to and from the port area, the most cherished

288

Gorgulho and Torres indicate how the pace of Brazilian ur-

architectural and site legacies will have easier access — an

banization has outstripped the effective capacity of public

important legacy to present and future generations.

services. Most newcomers to urban centers are challenged

English version


by inadequate access to housing, poor education and health-

Two more articles focus on Porto Maravilha: the first, by

care, lack of basic sanitation and public transportation ser-

SEBRAE, focuses on local economic development by foster-

vices. Growth dynamics cause neglect and degradation of

ing enterpreneurship, and the second, by Tishman Speyer

historic city centers often because public investments are

(a private real estate investment, development, and man-

directed towards new and distant neighborhoods. Urban re-

agement company), on their experience of a market driven

newal projects and downtown revitalization programs were

project development.

inaugurated to conserve and restore heritage assets and to infuse the areas with economic vitality. In line with national urban policy and programs, BNDES’s conservation and

“Porto Maravilha: Permanance and Changes” Jorge Arraes and Alberto Silva

restoration projects aim to integrate a social and cultural dimension within city-centers, by enhancing their livelihood.

Uniquely located in the heart of downtown Rio de Janeiro,

Since 2009, PAC Cidades Históricas, the federal accel-

the port area is a natural place for future expansion. Through

erated growth program for Historic Cities, has focused on

a network of roads and tunnels, it connects downtown Rio

economic growth and social development predicated on

with the outlying metropolitan region and zones south,

heritage assets in Brazil’s historic cities. Although inspired

north, and west of the city.

by the former Programa Monumenta, which was supported

Rio’s port area redevelopment is predicated on federally

by a loan from IADB (the Inter-American Development Bank),

enacted legislation, the Estatuto das Cidades. This city statute

PAC Cidades Históricas is far more ambitious. It has evolved

stipulates a new modality of public-private partnership, the

to include an innovative, intergovernmental partnership be-

Operação Urbana Consorciada, wherein accrued value is cap-

tween Culture, Urban Development, Education, and Tourism

tured through incremental floor area ratio (FAR) allowances

ministries. The main objectives of the partnership are to fos-

for new developments. At specific sites, added development

ter local economic opportunities by redefining the uses of un-

rights are offered by CAIXA and traded as CEPACs, certificates

derutilized property assets and improve urban infrastructure.

of additional building rights, to potential real estate develop-

With the active participation of public and private sec-

ers. CEPAC sales accrued revenue is kept in a portfolio at the

tors and civil society organizations, action plans have been

Fundo de Investimento Imobiliário, a special real estate fund

prepared for two hundred listed Brazilian historic cities and

earmarked for financing public works that include neigh-

districts. Nine of these are figured on UNESCO’s World Her-

borhood streetscape improvements and the upgrade and

itage site list. In addition, the list includes every Brazilian

expansion of infrastructure and expressways. Companhia de

state capital (including those hosting 2014 FIFA World Cup

Desenvolvimento Urbano da Região do Porto do Rio de Janei-

competitions) and forty of the sixty-five municipalities in

ro (CDURP) is Rio de Janeiro’s port area urban development

key regional destinations earmarked for tourism develop-

company, established to coordinate project activities.

ment. IPHAN13 provides program implementation funds and

Recognizing the need for historic structure restoration

subsidies for the restoration of monuments and sites. Under

and maintenance, a three percent allocation of the total

this new framework, an economy of culture has become an

fund is designated for conservation and maintenance of list-

integral part of BNDES’ regular lending program.

ed cultural heritage monuments in the port area. With a

Part II: Port Area Redevelopment

million square meters are natural and cultural areas protect-

total project area of about five million square meters, 3.8 ed by Área de Proteção do Ambiente Cultural (APAC). The eight articles comprising this section distill key lessons

In 2011, CEPAC certificates corresponding to nearly 5.2

from redevelopment projects in three port cities: Rio de

million square meters of buildable floor area were publicly

Janeiro, Buenos Aires, and Cape Town. Focusing on the

offered to bidders, mostly investors, developers, and con-

contextual and particular issues faced by each project, they

struction companies. Engineering works and construction

examine public-private partnerships, governance, planning,

projects selected by city authority competitive bidding were

and design, and an array of implementation and manage-

entrusted to three large construction companies, which part-

ment strategies, highlighting significant conceptual and

nered to form the Porto Novo concessionary. This consor-

methodological innovations.

tium is charged with designing, executing, and maintaining

In “Porto Maravilha: Permanence and Changes,” the authors describe urban legacy as a symbol of national identity.

the newly built infrastructure, streetscape, and open public space over the next fifteen years.

289


CEPAC sales finance tunnels (4 kilometers); roadways

area were rerouted, a turning point in making Praça Tira-

(70 kilometers), and sidewalks (650K square meters); service

dentes a new type of destination. These key measures are

networks (700 km), including drainage, electrical, piped gas,

of great relevance. They enhance the permeability of this

and telephone lines, and public lighting infrastructures. Addi-

public space, while also restoring the primacy of pedestrians

tional plans include 17 km of paved bicycle paths and 15,000

over buses and cars. Additionally, Praça Tiradentes’ identity

planted trees. The project requires the demolition of a 4 km

and function as a public plaza were reiterated once street

long elevated highway, the Perimetral, replacing it with an un-

parking was prohibited. One can now spend leisure hours

derground expressway and three new sewage treatment plants.

seated on a public bench under the protective shadow of a

This new infrastructure network is designed to accom-

mature tree in front of the larger-than-life equestrian monu-

modate long-term population growth in the area, and to

ment of Emperor Dom Pedro I, erected in 1872 to celebrate

bolster economic activities in the expanded downtown area.

Brazil’s fiftieth anniversary of independence from Portugal.

A new granite pavement sidewalk promotes non-motorized

Despite these critical physical interventions, the authors

mobility, improved pedestrian circulation and encourages

caution that much more is required to regenerate civic life

low carbon emission mass transport systems to enhance en-

in an abandoned and economically stagnant place. Address-

vironmental sustainability. Project innovations also include

ing questions of relevance and historic context is a vital step

selective solid waste collection and recycling, and intelligent

in restoring these assets. We must ask ourselves if we are

traffic management systems.

looking at a particular legacy quality, or at the context of a

The authors note that within the historic neighborhoods of

certain period in history. Heritage assets, as an assemblage

Saúde, Santo Cristo, Gamboa, and Centro (known as SAGAS),

of historic sites and monuments, can function on a symbolic

there are approximately 1,500 historic buildings that are large-

level as historic reminders, and simultaneously as projec-

ly privately owned. Some are underutilized, while others are

tions of future spaces, inspiring new ideas and opportunities.

in need of restoration and conservation. These historic build-

The article describes the adaptive reuse of the Centro

ings offer abundant opportunities for adaptive reuse with infill

Carioca de Design at Praça Tiradentes. Formerly the residence

housing and potential to increase population density of the

of Bidú Sayão, the 20th century Brazilian soprano, the design

area. Porto Maravilha is a prime location for corporate offices,

center was repurposed for art exhibits and professional ex-

hotels, and residential buildings. It presents an opportunity to

change programs. Its usage is geared to urban designers and

rebuild the city center, integrating past with present, to gener-

architects, and it counts Columbia University’s Studio X as a

ate value for its future.

tenant. Praça Tiradentes regained its historic identity, and in turn injected its transformative energy into cultural and artis-

“The Revitalization of Praça Tiradentes”

tic activities impacting Rio de Janeiro’s creative economy.

Washington Fajardo, Aline Romano Xavier, Felipe Cristiano Reigada, and Paula Oliveira Camargo

“The Property Market in Rio de Janeiro in the Times of Olympic Games”

This essay examines an array of challenges that arose

Ana Carmen Alvarenga

mid-project to restore and revitalize Praça Tiradentes, a historic downtown plaza in Rio de Janeiro. The authors

Alvarenga concentrates on the recent five-year evolution of

question the rationale for upgrading a historic site at a time

Rio de Janeiro’s commercial real estate market. Real estate

when Rio is implementing more conventional urban renew-

in Rio has become one of the world’s most attractive invest-

al and when historical restorations on this scale are not typi-

ments. Due to a chronic shortage of available quality loca-

cally considered. The Praça Tiradentes project was developed

tions for new developments, strong growth in the petroleum

in partnership with the city administration and the Ministry

and gas sectors, and in consumer goods, the value of Class

of Culture’s Programa Monumenta, with the assistance of an

A corporate real estate has increased by roughly ten percent

Inter-American Development Bank (IADB) loan.

annually from 2007 to 2011. In 2013, commercial office rent-

The project was completed after a protracted implemen-

290

als went for between R$100 (US$42) and R$145 (US$60) per

tation process, in August 2011. The plaza streetscape was

square meter per month. Due to the market’s value appreci-

completely transformed with the removal of a cast iron se-

ation during this period, 550,000 square meters of new floor

curity fence that enclosed the square and by placing of new

area were built, with over ninety percent already leased or

streetlights. Eleven bus lines that had previously clogged the

sold by the start of construction. Meanwhile, average vacancy

English version


rate for commercial office space was about 3.5 percent. One

“SEBRAE at the Port Area:

of the positive effects of the Porto Maravilha project is that

Transformations of the Small Businesses”

a number of old buildings are being restored and retrofitted

Cezar Vasquez

for new uses and could thus help address Rio’s need for available commercial floor space. Critical changes are occurring in preparation for the up-

SEBRAE’s top executive, Cezar Vasquez, offers a cogent picture of the challenges and opportunities presented by Porto

coming 2014 FIFA World Cup and the 2016 Summer Olym-

Maravilha. Some intriguing questions are raised. Between

pics. Fueled by investments in public safety, infrastructure

expectations and reality, what are the real possibilities for

networks, and mobility, Rio de Janeiro has entered a new

small- and medium-sized businesses to succeed in the new-

development cycle and is experiencing great transformation,

ly invigorated port area? And in what ways can SEBRAE

in contrast to other markets which are still recovering from

contribute to a virtuous cycle of growth for this business

the global economic downturn. Alvarenga warns, however,

segment?

that the property market growth pattern is not unlimited.

Recent data shows unemployment reaching 10.4 per-

Brazil’s unemployment rate reached a historic low of 5.3

cent for the area’s working age population in the port area

percent. But scarcity of skilled construction workers in Rio

(compared with 7.7 percent for the rest of the downtown

de Janeiro proved a challenge that emerged well before the

area). However, the local formal employment rate is above

construction of the Olympic Park had even begun. Salary in-

the overall city average. The port area has the lowest rate

creases in the sector, which have readjusted from 7.5 percent

of self-employed individuals (15.4 percent) in comparison to

to 37.6 percent since mid-2012, are affecting the feasibility of

the overall city average (19.4 percent). Average monthly in-

the current construction models. These factors in turn have

comes in the port area are at R$ 903 (US$372), which is less

effectively forced the construction industry to consider the

than half of the city overall average of R$2,189 (US$912).

adoption of new construction technologies little known in

This suggests that, despite the high rates of formal employ-

Brazil. These include the use of metal structures — precast

ment, the inclination for entrepreneurship has declined.

reinforced concrete, industrial panels, and other prefabri-

Of these port area businesses, seventy-one percent are mi-

cated components — all of which increase the mechaniza-

cro-businesses, compared to seventy-eight percent in the rest

tion of daily activities at construction sites. In addition to

of the city. The industrial sector is well represented, compris-

technologies, international construction firms have brought

ing a full twelve percent of all economic activity, while about

greater competitiveness and efficiency to the sector.

fifty-six percent of businesses are in the service sector, and

Alvarenga offers insights into Tishman Speyer’s activities

twenty-seven percent are in the commerce sector.

in Rio de Janeiro. The company’s portfolio includes the icon-

SEBRAE conducted a comprehensive field survey to gauge

ic Chrysler building and the celebrated Rockefeller Center in

the qualitative aspects of management and the environment

New York City, the Messeturm in Frankfurt, the Sony Center in

in which local firms operate. The study indicated that each

Berlin, and the Torre Norte in São Paulo. In Rio, the company

neighborhood has its own functional role in the local econ-

manages Ventura Corporate Towers, as well as the Galeria and

omy according to resident population, entrepreneurial pop-

Virtus Corporate Offices. It is presently building Port Corpo-

ulation, and floating daytime working population. The team

rate Tower, the first commercial tower in Porto Maravilha, and

attributed special importance to anchor firms — i.e. firms

Pátio da Marinha, a twin tower complex designed by Norman

that can promote local economic development, but that

Foster that will provide unobstructed views of Guanabara Bay.

also generate added value due to their unique location in

The company has invested in cutting-edge building design

the port area. Whether it’s to promote local culture, create

innovation while also addressing sustainability. Each of the

social activity or shopping, traditional neighborhood restau-

company’s aforementioned buildings has received LEED certi-

rants, hotels, graphic print shops, hat making shops, and

fications. Tishman Speyer is therefore adding quality and val-

other businesses face economic uncertainty due to the new

ue, while concurrently ensuring that the lifetime maintenance

business cycle brought on by new investments.

and other recurrent costs of its properties remain low. Tish-

Basing his argument in research data, Vasquez raises

man Speyer’s business model is to generate added value for its

questions about which projects SEBRAE should support, and

tenants and favorable returns for its investors, while making

asks: “Which elements are of strategic relevance to energiz-

a positive contribution to the quality of the built environment

ing partnerships within Porto Maravilha? And furthermore,

and the surrounding community.

what are the structural issues that merit attention?” In 2012,

291


after undertaking several comprehensive field studies, and

order of the Republic of Argentina, the Corporación Antiguo

analyzing their findings, SEBRAE’s team came up with a pro-

Puerto Madero Sociedad Anónima was established with the

gram of two complementary components:

purpose and responsibility of undertaking an urban renewal

1 Intelligence – the objective is to foster the economic

project in the old port area, comprised of nearly 170 hect-

rehabilitation of small businesses located in dilapidated

ares of land (1.7 million square meters). In the 1920s, most

areas. The SEBRAE team provides the following services:

port activities were discontinued, and the site was aban-

a complete business evaluation, management diagnostic,

doned for more than seventy years. The Ministry of Works

marketing scheme, and a master plan for small business-

and Public Services, Department of Interior, and the Munic-

es, according to SEBRAE’s working principles and meth-

ipality of Buenos Aires signed a tripartite agreement with a

ods suitable for the port area;

parity clause for the incorporation of a joint-stock company,

2 High Impact Assistance – the SEBRAE team provides

the Corporación Antiguo Puerto Madero Sociedad Anónima.

technical advice on a myriad of issues impacting busi-

Land and property ownership formerly held by the Admin-

nesses, including ways to upgrade management capa-

istración General de Puertos, Ferrocarriles Argentinos, and

bilities and increase the overall capacity of traditional

the Nacional de Granos was transferred. The Municipality of

neighborhood businesses. The team monitors and eval-

Buenos Aires was given the task of establishing regulatory

uates these businesses, provides economic development

framework and development rights for the area. The sale

training, and helps create road maps to access credit

of land and old warehouses effectively raised the necessary

markets in tourism, the creative economy, construction,

finances. The return of the democratic regime in Argenti-

and other services. They also provide training in product

na on December 10, 1983, raised questions and instigated

branding and marketing. This program outreach compo-

public debates on how to deal with the challenges of rede-

nent has benefited over 10.000 entrepreneurs since 2012.

velopment in Puerto Madero, with special attention to its

Vasquez’s article suggests that small businesses will ben-

visibility, centrality, and potential alternative uses. How to

efit from the flow of domestic and foreign investment in the

integrate the proposed redevelopment project within the

port area transformation. New commercial and residential

existing urban fabric, while adequately addressing disparate

properties currently under construction, as well as MAR and

interests articulated by a diverse group of players? The ini-

the Museu do Amanhã will enhance urban cultural activity

tiative’s high visibility was due not only to its physical size,

in an otherwise stagnant region. Urban mobility improve-

but also to its proximity to Buenos Aires’ central business

ments will integrate and link the port region to the rest of

district (CBD), and Argentina’s Federal Administration head-

the city. However, more needs to be done to promote the

quarters, located only a hundred meters away.

social and economic integration of small enterprises within

One of the objectives of the proposed plan was to gener-

this context. The article suggests that a local economic devel-

ate positive impact on the social and environmental trans-

opment strategy ought to be integrated with ongoing urban

formations of neighboring districts. The plan also had a sym-

transformations. The social and economic impacts of such a

bolic objective. Given the favorable political-institutional

strategy must be built into a new agenda on the part of civil

moment for effecting changes in Argentina, improvements

society, the public sector, and entrepreneurs.

in the business climate created an opening for new urban design concepts with more inclusive and compact urban de-

“Puerto Madero: Its Management Model and the Reasons for Its Success” Miguel Jurado

velopment and improved public open space quality. The project was not immune to legal and political hurdles. After a state law was adopted to contain the effects of Argentina’s disastrously hyperinflated economy in the 1980s

292

Two complementary articles narrate lessons from the Puerto

and early 90s, it was finally possible to overcome the initial

Madero Development, Buenos Aires. In his article, Miguel

obstacles. Jurado offers important insights on how Puerto

Jurado reflects on the main historic, urban design, planning,

Madero attracted new investments in response to the market

and political circumstances underpinning the successful

demand for commercial space. In hindsight, political issues

renewal of Buenos Aires’ old port. The author reveals that

required significant conflict resolution during a project’s

there was a strong collective will to re-establish the city’s

implementation phase, and to ensure project development

relationship with the Río de la Plata well before the water-

continuity without running the costly risk of project inter-

front project genesis. On November 15, 1989, by executive

ruptions. The article sheds light on debates over the project’s

English version


initial plan formulation, the measures pertinent to transpor-

promote public policy and ensure project continuity. Fur-

tation, open public space, and access to the waterfront, and

thermore, during project implementation, agreements must

the issues related to the pace of private investment in real

be established among key government agencies, preventing

estate development. Jurado also provides the complete Puer-

serious delays caused by bureaucratic red tape. Development

to Madero project background and timeline.

projects of this magnitude can generate and induce many important outcomes with positive or negative impact. An ex-

“Lessons Learned from Puerto Madero” Alfredo Garay

ample of negative impact cited by the author is an increase in land prices. This can trigger a process of social exclusion, as well as the displacement of one resident population for

Garay provides an insider’s perspective on institutional de-

another (i.e. gentrification). On the positive side, significant

sign, planning, project development for the Puerto Madero

improvement can be observed in city functions, including

project. Alfredo Garay is Buenos Aires’ former chief planner

benefits that are not solely expressed in economic revenues,

and a member of the Corporación Antiguo Puerto Made-

but that also produce gains in the sphere of social and cul-

ro Sociedad Anónima.

tural activities and environmental improvements — all con-

With ample media coverage, a public debate took place

tributing to a higher quality of life.

at the School of Architecture. One side was comprised of pro-

The Puerto Madero project was part of a greater strategic

fessors and students while the other counted environmen-

plan to counter the physical deterioration of Buenos Aires’

talists from a movement to create an ecological park along

city center in the late 1980s. The growth of new centrali-

the riverfront. This launched a national design competition.

ties had been a major contribution to the center’s decline,

Its aim to integrate the city with its riverfront, including

and the replacement of former commercial activities with

the planned reuse of a brownfield area covering nearly 420

new businesses caused irreversible social and economic loss.

acres that had been abandoned for more than seventy years.

These newer businesses, with lower added value, contribut-

The article discusses how real estate market investments

ed to decreased social control over public space. Before the

and the adopted financial structure played essential roles in

plan was adopted as a viable public policy, ideas for rede-

raising the capital to fund the project. Garay poses a cen-

veloping the abandoned port area first gained impetus in

tral question: to what extent did the adopted planning and

academic and public circles. Part of the vision was to create

operation model, based on the public-private partnership

new living spaces through the adaptive reuse of old indus-

structure, address the project’s priorities? In addition, how

trial warehouses, the other part was to restore historic prop-

were the project’s urban, social, and economic results re-

erty assets with heritage value. Five main objectives were

alized and absorbed by the neighborhoods of Buenos Aires

adopted: (1) strengthen the centrality of the city’s historic

adjacent to Puerto Madero?

center; (2) extend the existing transportation system (metro);

Garay discusses the motives for transforming the old port

(3) attract new residents to the center; (4) restore the city’s

area and how this was articulated to address the public inter-

relationship with its riverfront edge (Río de la Plata) and, (5)

est. The article also provides a wealth of new empirical data

strengthen the downtown area’s administrative and finan-

on financial flows and investments made throughout the

cial functions.

project’s lifetime. Garay assesses the old port area’s transfor-

Despite Argentina’s intermitent institutional and eco-

mation into a bustling new residential, commercial, and busi-

nomic crises, which greatly affected the project implementa-

ness center with public accessibility to the riverfront park. According to Garay, large-scale projects like Puerto Madero are effective instruments for correcting distortions, in-

tion pace, the project’s management and financial planning received consistently high rating from retrospective technical evaluations.

efficiencies, and market failures by promoting investment

According to Garay, Puerto Madero’s most important

opportunities to a diverse group of participants. In this case,

contribution was its own realization — breaking a cycle of

as a result of having to face mounting pressures from pow-

public incapacity and frustration that seemed to condemn

erful interest groups, the project leadership became adept at

citizens to be stuck in an unchanging reality. But, the proj-

holding their position and negotiating terms for the benefit

ect opened up an array of new economic opportunities by

of the project and city interests.

providing a platform for serendipitous social and cultural

When realizing such large-scale transformations, it’s

initiatives. The article further mentions the controversial

paramount to assemble a group of capable leaders able to

and dubious architectural qualities of corporate towers built

293


at Puerto Madero. However, these remarks do not overshad-

prison. Internationally, South Africa was involved in the An-

ow the positive urban transformation brought about by the

golan war. Astonishingly, the city’s administration approved

revitalization of the old port and downtown areas, with a

plans for the V&A Waterfront development. The Waterfront

clear stream of benefits for the resident population and vis-

project was launched in 1988-89 at the close of the old re-

itors alike.

gime, under the leadership of David Jack (a seasoned urban designer who was hired as the project’s Managing Director),

“The Successful Port Renewal of Cape Town”

who benefitted from the close cooperation of many agencies

Fernando Cavallieri

and specialists. A package of plans was prepared detailing

Two articles discuss the development of the Victoria and

concept, a general policy and plan for the V&AW develop-

Alfred Waterfront in Cape Town, South Africa. Comple-

ment framework, a concept design for the precinct’s func-

ments to one other, the articles are best read in tandem.

tions, and specific control for buildings and open space site

the development process. It contained a broad policy note

Fernando Cavalieri provides cogent historic and geo-

development plans and, finally, a set of detailed contract

graphic perspective on the role of the modern port and the

documents for individual structures building plans. Birkby

city, and its recent transformations. Port area project devel-

notes that the package was significant because it clarified

opment hit a turning point when, in 1988, a private corpo-

the process for professionals and non-professionals alike.

ration was charged to manage the project. The explicit de-

The V&AW development was initially supported by the state

velopment mission was to repurpose the underutilized port

pension funds. The financial management system hinged

area properties, historic structures and brownfields. This was

upon long and short term leasing of the V&AW properties.

accomplished by rezoning the area for residential, tourism,

By entrusting the property management to a single entity,

and commercial uses, while retaining its existing seaport ac-

much of the usual fragmentation and conflicts were pre-

tivities. The guiding orientation was outlined in the National

vented. The article describes the careful project review and

Physical Development Plan (NPDP), whose overarching ob-

monitoring system adopted at V&AW, which allowed the

jective was to promote industrial decentralization and deal

project’s general course and development to be driven by

with land use and population issues. NPDP guidelines have

market demands. In this case, investments were guided by a

effectively promoted change in South Africa’s wealthiest cit-

general development plan but determined and paced by ac-

ies — those endowed with mineral ores, including gold, coal,

tual market demand. Strict adherence to the plan’s original

and uranium, which had received greater economic activity

strategic vision, and coherence in the execution of projects,

concentration. In general, these urban centers lacked ade-

are responsible for the project’s financial success. A com-

quate infrastructure and public services, but surpassed oth-

prehensive timeline of Cape Town’s city-port development

er areas in pollution levels, high crime rates, and unbridled

history is presented at the end of the article.

population growth. Cape Town residents faced the challenge of a city separated from its seaboard. In spite of an array of

“Starting Small in a Big Way: The Story of

plans commissioned by the city administration to reestab-

Cape Town’s Victoria and Alfred Waterfront”

lish waterfront use, only the V&A waterfront project met the

Laurine Platzky

challenge successfully. In 1985, the Minister of Transport established the Burggraf Committee, a working group charged

Laurine Platzky, Urban Planner at the Office of the Prime Min-

to investigate the South African harbor potential for public

ister of Western Cape Province, draws on key lessons learned

use. In 1987, the Burggraf Committee released their report

from the Victoria and Alfred Waterfront development proj-

on Cape Town’s harbor, formally proposing that the historic

ect, and assesses its results. A quarter of a century after the

docklands around the Victoria and Alfred Basins be redevel-

construction of the V&AW began, in November 1988 in Cape

oped as a mixed-use area, initially focusing on tourism and

Town, the “V&A,” as it is popularly known, has become South

residential development, but most importantly, ensuring

Africa’s most visited attraction, drawing more than twen-

that the harbor remain operational.

ty-three million visitors per year. Situated in the northwest-

The 1980s were a particularly difficult decade for South

294

ern corner of the Port of Cape Town and on the edge of the

Africa. Nationally, there was a protracted recession, interna-

central business district, at the foot of Table Mountain, the

tional economic sanctions were imposed on the Apartheid

V&A is a modern, dynamic, integrated development current-

regime, and the ANC political leaders were in exile or in

ly offering 450 retail outlets, more than eighty restaurants,

English version


ten hotels, 550 residential units, and multiple public spaces

1 The seasonality of the tourism trade means that businesses

within a working harbor. This unique combination of highly

cannot survive through the winter if they do not have a solid

attractive location, good physical infrastructure, engaging

and loyal local following,

public space, and profitable retail enterprises in a clean and

2 Increasingly, tourists want to go where the locals are. There

safe environment attracts foreigners and South African locals

is a growing resistance to artificial, synthetic “tourist traps.”

from a diverse demographic spectrum.

Some of the most rewarding experiences from a tourist’s per-

In addition to being a political challenge to the 1980s

spective are their interactions with locals.15

apartheid prescript that people of different races should not mix, the V&AW’s vision of combining a working harbor that

Part III: The Sustainability Challenge

includes the fishing industry presence alongside the highly desirable attraction of shopping, bars, and restaurants for

In this section, the reader will find five articles that review

Capetonians to enjoy in a socially mixed environment was

recent trends in urban planning and redevelopment. Empha-

novel in the extreme. The V&AW is a model for waterfront de-

sis is placed on the restoration of urban assets and ecosystem

velopments across the globe. Critical success factors include:

management in order to prepare cities for undergoing pop-

visionary and determined leadership, public and private part-

ulation growth and the impacts of climate change. Three

nership, attention to detail, quality of built environment and

of the articles are about New York City, namely: PlaNYC.

visitor experience, innovation, a balance of foreign and local

Developed by Mayor Bloomberg’s administration, the High

interest, a human scale, new trends in retail, safety and secu-

Line Park redevelopment and its neighborhoods, and the

rity, and development phasing over a projected 30 years.

emergence of Ecosystem Management for harnessing cul-

David Jack asked: “What is appropriate to this southern

tural landscape and natural resources in the city. The fourth

tip of Africa, with its almost un-African climate?”14 A key fac-

article is about East London and the role that sustainable

tor of the development’s success was the use of “appropriate

development played in its preparations for the 2012 Summer

building technology” — appropriate to the Cape climate and

Olympics. The final article describes the historic preserva-

environment in that specific location. Attention to the cli-

tion and restoration of Old Havana, Cuba, particularly the

mate and conscientious reflection on its history contributed

history of the project and how students were trained for it.

to the V&AW’s authentic comfortable and relaxed feel. One huge differentiator from most of the major Waterfronts around the world is that the V&A is entirely independently fi-

“PlaNYC: A Greener, Greater New York” Lance Jay Brown

nanced with zero dependency on public coffers — this is a unique and remarkable achievement. The public purse was not required

Lance Jay Brown describes how on 22 April 2007, New York

to finance building and maintenance of quay walls or jetties or

City Mayor Michael Bloomberg launched an ambitious initia-

children’s play areas, nor infrastructure or events. This is an en-

tive to prepare the city for the challenges it would face in the

viable position.

next decades. “PlaNYC: A Greener, Greater New York” sought

Another major differentiator is the authentic working harbor.

to be a planning and progress catalyst for New York City —

There is an active dry dock and a Syncro lift where vessels are

and one with teeth. The mandated-by-law plan will be up-

shot-blasted, painted, repaired and sometimes literally cut up

dated every four years and a progress report released yearly.

and dismantled with torches. The tugboats and pilot boats berth

PlaNYC is the first comprehensive planning initiative for

here. There are almost one hundred fishing boats which have

the city since the 1960s and is unparalleled in its unflinching

their base here. This provides an authentic, if sometimes gritty,

focus on the future. As described in the plan’s introduction,

“theatre of activity” which traditionally the public would NEVER

“A growing population, aging infrastructure, a changing cli-

get close to or be able to observe. Around the world, almost with-

mate, and an evolving economy posed challenges to our

out exception, “ports” are private property and the public gets

city’s success and quality of life.”16 The plan reflects the no-

access rarely, if ever. Where do you get to see what the underside

tion that the city’s response today will determine the city’s

of a giant trawler or cable laying vessel looks like? The port pro-

success in the future. Considering it’s estimated that Man-

vides a captivating source of entertainment for young and old.

hattan’s population will expand by an estimated one million

It is gritty but AUTHENTIC.

people by 2030, to a total of 9 million, this response is a crit-

Another critical factor is concentration on the local clients — for two reasons:

ical one. Though growth is vital to the vibrancy and prosperity of the city, it also means more strain on the city’s aging

295


infrastructure. Coupled with the increasing threat of climate

6 Transportation – to ensure that the NYC transit system

change and sea level rise, this demands a city response right

continues to support the city’s growth and prosperity.

now. The article describes the ten primary goals of PlaNYC,

The plan details ways investment and expansion through

and how it might be a model for implementation anywhere

a mixture of traditional and new, low-cost, well capital-

PlaNYC’s TEN PRIMARY GOALS:

The plan includes a parking program to limit the traffic

making housing and neighborhoods more sustainable. Us-

congestion caused by cars cruising for on-street parking,

ing rezoning as a tool, PlaNYC seeks to densify development

the installation of bus rapid transit, and the installation

in neighborhoods that are well served by transit while lim-

of an extensive bicycle network and Bike Share program.

iting growth in auto-dependent areas — a strategy that to

Additionally, large-infrastructure projects, some mythol-

date has rezoned thirty-seven percent of the city. Eco-inno-

ogized since the 1960s, are finally coming to fruition,

vative mixed-income developments are revitalizing neigh-

including a new 2nd Avenue subway line and expansion

borhoods in NYC like Hunter’s Point and the South Bronx.

of the 7-Line subway. With a complex web of subways,

2 Parks and Open Space – to ensure that all New Yorkers

buses, ferries, auto and bike networks running 24 hours

live within a ten-minute walk of a park. This is to ensure

a day, 365 days a year, the city’s transportation system

better health for residents and, in turn, greater urban vitality. Since the plan’s publication, city residents within a

promises to be one of the best in the world. 7 Energy – to reduce building energy usage by implement-

ten-minute walk of a park has grown from seventy percent

ing laws that target building energy efficiency, data anal-

to seventy-six percent. To maximize this goal, the city is

ysis, and benchmarking with plans to develop solar, wind,

looking for creative and unique locations for open spaces

hydropower, and biogas energy sources, and partner-

including underutilized schoolyards, roads, and abandoned

ships with large private institutions. While New Yorkers

rail lines. The city is also investing in the ecological health

have one of the smallest carbon footprints in the nation,

of its neighborhoods with the MillionTreesNYC project.

the city’s aging buildings account for seventy to eighty

3 Brownfields – to clean up what was once unusable, environmentally contaminated land for development. Brook-

percent of its greenhouse gas emissions. 8 Air Quality – to promote fuel efficiency, cleaner fuels,

lyn Bridge Park, for instance, was once an underutilized

and cleaner or upgraded engines, regulations have been

waterfront, and is now a parkland space brimming with

defined to reduce the use of dirty heating oils. Also

commercial development, playgrounds, natural habitats,

Parks and Public Space programs like OneMillionTrees

and recreational activities.

and the Transportation Plan to reduce traffic congestion

4 Waterways – to improve the quality of the waterways

will work to make the city’s air some of the cleanest in

through ecologic restoration, upgraded infrastructure and

America. New York City’s air quality, though better than

cleanup, among other programs, through partnerships

a decade ago, still lags behind other US cities and fails

with local, state, and federal agencies. NYC waterways

to meet federal standards for ozone and fine particulate

have historically been the city’s industrial and commer-

matter. Furthermore, many communities in NYC suffer

cial lifeblood. However, decades of use have left waterways

from high rates of asthma and other conditions exacer-

drastically altered and polluted. These waterways are now the cleanest they’ve been in decades. But, the city’s aging

bated by air pollution. 9 Solid Waste – to reduce greenhouse gas emissions by

combined sewer system still expels a mixture of untreated

30 percent by 2030. This effort requires efficiency of all

water and sewage into the surrounding waterways during

the goals set out by PlaNYC. The restoration of wetlands

heavy rain, and continues to pollute rivers, canals, and

must be coupled with the use of cleaner fuels. NYC gen-

tributaries, and this is being addressed by the plan.

erates 14 million tons of waste and recyclables every year,

5 Water Supply – to repair and upkeep water delivery life-

enough to keep 2,000 city and 4,000 private collection

lines more efficiently and with less water loss. Unlike

trucks busy. In 2006, the city and community groups

New York City’s waterways, the city’s drinking water, of

developed the Solid Waste Management Plan to create a

which nearly one billion gallons a day is consumed, is

more equitable system for waste disposal charged equal-

among the best in the world. Today, water travels hun-

ly among the boroughs, ensuring waste collected in one

dreds of miles from upstate New York through aqueducts

borough is not sent to another borough for disposal.

that require upkeep.

296

ized methods will improve reliability and better choices.

1 Housing – to create an additional million homes, while

English version


10 Climate Control – to build parks and open spaces requires

Robert Hammond and Joshua David believed that the rust-

a more efficient transit network. A holistic approach will

ing, art deco railway line gave character to the neighborhoods

ensure the resiliency of the city, its residents, and the

that it traversed. They were inspired by the haunting beauty

environment, while serving as a model for other urban

of this forgotten place, winding through the city, unbroken

centers. Cities are at the forefront of both cause and effect

for nearly a mile and a half. The thought of somehow pre-

of climate change. New York City itself accounts for one-

serving this unique place, for other people to enjoy, gave rise

sixth of one percent of global emissions annually.

to the notion of repurposing the High Line as a public space. In 1999, Robert and Joshua founded “Friends of the High

“The High Line and its Transformational Impact on Manhattan’s West Side” Shawn Amsler

Line” to lobby the City of New York, the Federal Government, and the Railroad to save the High Line. However, many community residents and property owners fiercely opposed the effort. Then, it was still uncommon for communities and

Amsler reveals how New York’s High Line Park — once re-

preservation advocacy groups to embrace industrial struc-

garded as an outlandish idea that was very unlikely to be

tures. Over time however, the effort to save the High Line be-

realized — has become one of the City’s most beloved ame-

gan to gain momentum. While the earliest supporters were

nities, drawing millions of visitors per year.

mostly personal acquaintances of Robert and Joshua, many

Since the City approved the transformation of this abandoned elevated railway line into a public park in 2005, over

prominent designers, high-level elected officials, and even celebrities soon joined the cause.

$2 billion in new real estate development has ensued in

By 2005, the years of lobbying City Hall and the railroad

the immediate vicinity, including projects by three Pritz-

finally paid off. City policy was effectively shifting in favor

ker Prize-winning architects: Frank Gehry, Jean Nouvel and

of preserving the High Line as a public space. Under the di-

Renzo Piano. Concurrently, the adjacent, former industrial

rection of landscape architect James Corner Field Operations,

neighborhoods of the Meatpacking District and West Chel-

architect Diller Scofidio + Renfro, and planting designer Piet

sea are now amongst the most desired in Manhattan. The

Oudolf, a first section was transformed into a unique urban

story of the visionary effort to save and repurpose the High

park — stretching from Gansevoort Street to 20th Street.

Line, as well as the extraordinary impact that this unique

In June 2009, Mayor Bloomberg presided over an official rib-

park has had on the city of New York, is a remarkable one.

bon cutting ceremony. Numerous City officials and celebri-

Inaugurated in 1934, the High Line elevated railway provided freight train service to the industrial areas of

ties were present. Two years later, a second section, between 20th and 30th Streets, was also made open to the public.

Manhattan’s West Side, enabling the removal of dangerous

In addition to being an extraordinary amenity for local

street-level train crossings. With the growth of interstate

residents and a unique draw for visitors, the High Line has

trucking, rail service gradually declined until traffic on the

proven to be a powerful catalyst for private real estate invest-

High Line was officially discontinued in 1980. In the years

ment. While estimates in 2009 projected that the High Line

that followed, both property owners and local residents lob-

park would generate $4 billion in private investment over

bied the city government to tear down the unused rail line,

the next thirty years, projects initiated in the first six years

arguing that it was an eyesore in the neighborhood and an

following the City’s approval of the High Line plan account

impediment to economic development. In the late 1990s, with demolition seeming almost imminent, an interest began to emerge in preserving the High

for more than $2 billion in private investment alone. It is estimated that 12,000 new jobs have been created in the High Line’s immediate area.

Line as an urban public space. One of the most intriguing

Central to the High Line Park’s attraction is its highly

aspects of the High Line’s story is that the process of repur-

thoughtful design, which plays off the unusual art deco

posing the railway structure and creating New York’s most

railings and steel structure, and recalls the wild grasses

unique public park was not initiated by City Hall, or even by

that had taken over in the twenty years since the trains had

one of Manhattan’s many, established preservation groups.

stopped running. The High Line provides New Yorkers with

Rather, this decade-long, hard-fought effort was the initia-

an extremely unique sense of place. Visitors are able to view

tive of two area residents with almost no background in

the city from a height of three stories without losing their

preservation, architecture, community organizing, horticul-

connection to the street life below. Moreover, the effort to

ture, fundraising, working with City Hall, or running a park.

save the High Line resulted in a significant paradigm shift.

297


It made people open their eyes to the beauty and the impor-

Today, the world is opening up to the idea that the land-

tance of saving things that were previously thought of as not

scape is not just a collection of biological items for human

beautiful: obsolete artifacts of New York’s industrial heritage.

enjoyment, but a set of systems comprised of all organisms,

The High Line has far exceeded expectations as a spark

including human beings and non-living entities in a pre-

of economic development, as a cultural anchor for the sur-

scribed area. These systems and processes are the physical,

rounding neighborhoods, and as an enhancement to the

chemical, and biological activities that comprise an ecosys-

quality of life for New Yorkers. More than just another park,

tem. This new understanding is increasingly reflected in the

the High Line demonstrates how a concerted effort between

responsibilities of various public agencies for dealing with

visionary citizens, local elected officials, and passionate

the urban landscape in New York City.

supporters can achieve extraordinary results — in this case,

The Parks Department is responsible for creating and

salvaging an eyesore and transforming it into something

maintaining recreational activities in a controlled urban set-

wonderful.

ting. In addition to being responsible for transport, the Department of Transportation deals with green infrastructure

“Ecology and Cultural Landscapes:

such as plazas, streets, rooftops, and other urban amenities,

the Efficiency of Ecosystem Services”

including street medians, traffic islands and parking spaces,

Achva Benzinberg Stein

and turns them into gathering, sitting, and eating places enhanced with lush planting boxes and painted surfaces that also result in reducing carbon emissions in the city. The New York City Department of Environmental Protection manages the city’s water cycle — from collection to distribution, treatment of waste, and recycling — bringing high quality water to the 14 million people who live in the city and in the counties that border it on the water supply system. The DEP has developed an ingenious new approach using a concept of ecosystem services that links investment to defined ecosystem benefits. Its goal is to promote and protect clean water and restore natural areas, as well as manage closed landfill sites, thereby saving significant amounts of capital. In New York City, much of the cultural landscape is maintained by the municipality, which has supported and encouraged the development of more than 500 active galleries, 375 nonprofit theater companies, 330 dance companies, 150 museums, ninety-six orchestras, thirty-eight Broadway theaters, twenty-four performing arts centers, five zoos, four botanical gardens, and an aquarium. But the most import-

Landscape is conceived traditionally as picture, as scenery.

ant part of New York’s cultural scene has been its capacity

This is an antiquated, anthropocentric concept focusing

to let people — many of whom have experienced various

on pastoral visions, where every element and object is con-

ups and downs and catastrophes of significant adversity —

trolled and manipulated, and where the main objective is

participate in the running of the city, either as individuals

to create recreational amenities. Central Park in New York

or through community organizations. Because few of them

City is a classic example of such an approach.

of the city do not recognize the extensive work in protection,

achieved at significant cost, including expelling inhabitants

conservation, infrastructure management and enrichment

from their homes and communities to clear the land for

performed by these and other departments to maintain the

parks and gardens, reshaping the terrain with dynamite and

cultural and natural landscapes that establish the image of

the brutal work of bulldozers, and then covering damaged

New York as a vibrant and verdant city.

earth with imported plants, thus dictating an expensive maintenance program to be carried on for generations.

298

fully understand the concept of “landscape,” most residents

The bucolic character of this “naturalistic landscape” was

English version

Unfortunately, as a result of huge speculation in the housing market and severely decreased access to quality public


education, only the very wealthy and those fortunate enough

The favelas show us that people will do virtually anything

to have subsidized housing can afford to live in the denser

to attain shelter and to provide sustenance for themselves

areas of the city. Increasingly, the middle class, the old, the

and their families. There is no government power that can

young, and the poor can afford to live only on the periph-

keep people from the basic fulfillment of these basic needs.

ery, in the outer boroughs. As this process of gentrification

The most powerful tool for protecting the cultural landscape

continues, there is concern that the New York City’s urban

of a place is to fully understand human needs and develop

culture might fade. The city could well be put in the position

in accordance with the democratic principles that have been

where all that has been gained through generations of dense

summarized in the phrase Liberté, Egalité, Fraternité.

communal living is seriously threatened and could even disappear, leaving behind verdant places and green sustainable structures largely devoid of the social life that made them so

“Delivering London 2012: Sustainability Strategy” Dan Epstein

interesting in the first place. What lessons can we take from this and other planning pro-

Dan Epstein, the former Director of Sustainability at the

posals? How do they impact other great metropolitan areas of

Olympic Delivery Authority (ODA), says that the 2012 Sum-

the world? If we are to consider the influence on urban plan-

mer Olympic Games in London now feel like a distant and

ning in Rio de Janeiro, for example, we can see that Rio has its

happy memory, but their impact has been far-reaching and

own unique story to tell about its landscape. It’s not one that

unexpected.

can be delivered by real estate companies or politicians, nor

Possibly its most important impact was learning that it’s

can it be taught exclusively by academics studying the land-

possible to deliver high quality low impact development

scape. It can only really be told by the multitudes of people

without further negatively affecting the planet.

who have carved out lives in the favelas on the hillsides and on

The vision for London 2012 was to use the Olympics and

the city’s marginal land surface. Their story ought to be read

Paralympics to inspire the world and leave a sustainable legacy

as a description of an ecosystem’s services accounting process.

for London and the UK. To support this vision, many sustain-

When trying to transform Rio’s landscape into an asset

ability commitments were incorporated in the “Towards a One

to be protected and shared, as is required by UNESCO, one

Planet Olympics” London bid, drawn on global best practices

must bear in mind that the cultural landscape is a dynamic,

for hosting major sporting events and urban regeneration.

living entity. It is not a museum piece. Rather it has been

London made headline commitments to the Internation-

created and must be maintained with full cooperation of the

al Olympic Committee (IOC) and to the world. It would trans-

local community, with formal powers to create, protect, and

form the Lower Lea Valley from an environmentally degrad-

preserve its many elements. Ecological services are essential.

ed and socially depressed area on the periphery of London

Any development plan for the conservation of Rio’s cultural

into a new highly attractive, mixed use, sustainable living

heritage needs to be based in a comprehensive understand-

development and vibrant neighborhood, well connected to

ing of the ecological attributes of its setting. This is absolute-

the rest of London.

ly essential for the survival and maintenance of the human

Epstein explores how these commitments were realized

habitat. While the development of the picturesque favelas

and examines the processes adopted to ensure the vision

did not consciously incorporate soil, water, or biochemical

was implemented. The importance of leadership and gov-

processes analysis, the unique geology and topography of

ernance in setting priorities, creating the right culture, and

these sites has been taken into consideration as people con-

ensuring that objectives are articulated and achieved is piv-

structed their individual and communal living structures.

otal to the success of any development.

Development should be undertaken in a holistic, albeit

Epstein takes a look at the project’s comprehensive objec-

nonlinear manner. There is a need to understand how brit-

tives that covered carbon, water, materials, waste, biodiversi-

tle and inadequate rushed decisions can be, especially when

ty, construction impacts, transport, health and safety, econ-

forced on people for narrow purposes of physical enhance-

omy and job creation, accessibility, diversity and inclusion.

ment and environment beautification. Although the environ-

To control carbon footprint, norms were established for every

mental development of the favelas was never regulated with

project component, and every contractor and supplier had to

regards to flood protection, air quality, pest control, building

comply with these standards. His article covers planning and

standards, among others things, they nonetheless incorpo-

design, project management, procurement, contracting, risk

rate a type of self-regulation.

management and environmental and social reporting, all of

299


which were crucial to meeting the sustainability criteria.

Eduardo Gonzalez is the director of the Escuela Taller Gas-

It further details key projects, and the ways in which sustain-

par Melchor de Jovellanos in Havana, Cuba. In this arti-

ability objectives and targets were embedded into the design

cle, he describes the genesis of the technical school and the

process without impacting the program or cost. There is a lot that can be learned from the London Olympics — for implementing other major sporting events — but

professional training it offers in the field of restoration and conservation of monuments and sites to youth between the ages of seventeen and twenty-five.

also for neighborhood renewal and large-scale urban regen-

Selected students enrolled at the Escuela Taller are offered

eration projects. And how, ultimately, a high profile, com-

classes in basic theory and are encouraged to develop practical

plex, and ambitious project successfully met new standards

workmanship skills needed for a broad range of restoration

for sustainability in a major urban regeneration project.

works. The two year long training program includes a com-

Factors included: (1) strong leadership; (2) a clear vision and

plete curriculum of theoretical and practical study required to

objectives; (3) well-resolved planning processes; (4) strong

graduate with a diploma of conservator. The program offers 12

management; (5) transparent investment decisions that fo-

distinct areas of specialization: masonry, archeology, general

cused on the long-term business case; (6) independent audits

carpentry, ceramics, electricity, metalworks, landscape and

and reporting; and, (7) an inclusive and wide-ranging stake-

gardening, painting (restoration), plumbing, general resto-

holder engagement.

ration and gypsum. The first year is dedicated to construction materials and methods, technical drafting, and technologies.

“Conservation of Habana Vieja

These courses are tailored to the student’s preferences accord-

and the Formation of Skilled Workers”

ing to their field of specialization. The second year is dedicat-

Eduardo Gonzalez

ed to advanced development in workshop practices. Practical

In 1982, Habana Vieja was inscribed in the UNESCO World

vation projects in the Habana Vieja area.

training is done in collaboration with restoration and conserHeritage list. According to UNESCO:

• Criterion 1 – Old Havana has maintained a remarkable

Conclusion

unity of character through its adherence to its original urban layout. Urban plazas surrounded by many buildings

Traditionally, waterfront and central city redevelopment

of outstanding architectural merit and narrow streets

projects sought to address social and economic objectives

lined with more popular or traditional styles permeate

primarily, however, the nature of urban planning and design

the historic centre of the city.

disciplines has evolved radically in the last twenty years or

• Criterion 5 – The historic center of Havana has main-

by shifting concentration to both talent and capital, and

superimposition of different periods in its history, which

have prompted a surge of new centres of knowledge, inno-

has been achieved in a harmonious yet expressive man-

vation, and technology.

ner through adherence to the original urban layout and underlying pattern of the city as a whole.17

More than fifty percent of the world’s population live in cities, and they account for more than seventy percent of the

Habana Vieja is endowed with more than 20,000 historic

world gross domestic product. If the projected demographic

monuments and sites. However most are at risk — degraded

growth continues in the next two decades, the urban popula-

and deteriorated from years of deferred maintenance and

tion of the world will increase by another 2 billion people.18

overuse. Led by the Office of the Historian of Havana, The

This book contributes to our understanding of current urban

restoration of Havana’s monuments was initially supported

policies, plans, and renewal projects carried out in selected

by public funds. However, the slow pace and limited coverage

port cities. In Brazil and Argentina, nearly eighty percent

for restoration works prompted the authorities to launch a

of the population lives in cities. The cases of Buenos Aires

comprehensive plan for sustainable regeneration and resto-

and Rio de Janeiro reveal ways to repurpose industrial assets

ration funded by growing tourism tax revenues in Havana.

300

so. Globalization forces have galvanized a network of cities,

tained a remarkable unity of character resulting from the

slanted for urban redevelopment, while rediscovering and

Aggravated by a critical shortage of specialized labor —

reinterpreting elements of urban history, archeology, and

authorities were prompted to establish the Escuela Taller

ecology. These cities explore ways in which the past can be

Gaspar Melchor de Jovellanos in the early 1990’s in order

integrated into the new fabric of metropolitan center futures.

to preserve the integrity of Habana Vieja’s unique heritage.

Cases such as Cape Town, East London, and New York depict

English version


(Endnotes)

how public policy and planning can incorporate environmental criteria crucial to reducing future impact of greenhouse

1

In Porto Maravilha + 6 casos de sucesso de revitalização portuária. Rio de Ja-

gases, promote healthy living, while nurturing economic

neiro: Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro; Casa da Palavra, 2010.

development and social integration. In the case of Habana

See articles on urban renewal and waterfront revitalization and,

Vieja, preserving a sense of place is to bring to the fore the

on the origins and historic context of large-scale developments,

importance of humanity’s cultural heritage as a means to

with their specific public-private financing arrangements and

self-esteem and self-identity for disempowered peoples and

implementation strategies. In particular, Vicente del Rio’s on Bal-

to reviving pockets of stagnant economies. Preserving a sense

timore’s Inner Harbor and Verena Andreatta’s on Barcelona and

of place and knowing one’s roots are major components in building social cohesion, or social capital.

its Port Vell. 2

In “Livable Historic City Cores and Enabling Environments:

Numerous studies confirm the ongoing trend of expan-

A Successful Recipe to Attract Investment to Cities.” O’Brien,

sion away from traditional city centers into new urban hubs.

J. The Economics of Uniqueness – Investing in Historic City Cores and

The dynamic is not an obstacle to the redevelopment of old-

Cultural Heritage Assets for Sustainable Development. G. Licciardi and

er central city neighborhoods into livable and hospitable

R. Amirtahmasabi, ed. Washington, DC: a World Bank publica-

spaces. Although unique from one another, these replanned

tion, 2012. 2. Print. <http://www.globalurban.org/US_State_Dept_

and renovated downtown areas offer quality services and

GUD_Presentation.pdf>.

attractive public spaces with essential attributes to reside,

3

Source: PCRJ – SMF and IPP, Rio de Janeiro, 2012

work, and enjoy. Good planning and management of ur-

4

Source: SMU – 2012. An article on Rio’s real estate market, “Para o

banization is essential to unleash the potential of cities to

Setor Imobiliário, Zona Norte é o Novo Point,” maps the location

achieve efficiency and promote innovation. In addition, en-

of the 93,194 units inaugurated from 2009 to 2013, favoring Zona

suring good governance at the city level is paramount for

Oeste – comprised of Jacarepaguá and Freguesia (69.6%), Zona Norte

developing institutional mechanisms for efficient, inclusive

(26.2%), Zona Sul (2.5%), and Centro (1.7%). The article was published

and sustainable urban redevelopment process.

in O Globo, Rio, November 27, 2013.

This book presents a reflection on contemporary plan-

5

ning and urban design in the urban-themed transitions of six

Source: IBGE Census of 2010 and the Rais/MTE survey by Mauro Osorio and team (UFRJ), 2013. Featured in the article “O Centro

world cities, emphasizing innovations, institutional practices,

do trabalho,” O Globo, page 17, January 2, 2014, Rio de Janeiro.

current heritage safeguard policies, conservation and resto-

6

Source: PCRJ – SMU/IPP, 2003.

ration practices for historical sites and monuments and the

7

These are delivered through “Minha Casa, Minha Vida,” a federal

cultural landscape. We found that strategic interventions set

program led by CAIXA; or through “Morar Carioca,” a municipal

in motion to reverse the economic drain and abandonment

program targeting urban low-income households. However, both

of these core areas, helped us identify a list of priority issues

programs are underperforming due to compounded flaws in their

inherent in every city. We discovered that investment in urban

concepts and design, as well as the distant location of housing

renewal generates considerable economic return, allowing for

projects in the peripheries, where land is cheap but lacks ade-

positive social and environmental outcomes, better services

quate transportation, access to basic services and infrastructure,

for growing populations, and valorization of historical and cul-

public schools, and health facilities. In addition, both programs

tural heritage. By expanding the dialogue on state-of-the-art

were severly hampered by escalating construction costs over the

center city renewal interventions, by learning from practical

last five years, hence housing through these programs became

experiences set in a wide range of economic, social, and envi-

unaffordable for most lower income households, even though

ronmental contexts, by hearing from the experts themselves

roughly two thirds of the real cost-per-unit is publicly subsidized.

— those who actually worked on the implementation of their respective projects — we put forth that practice informs the-

(Editor’s note) 8

In a twist of events, the Mayor of Rio has reversed the decision

ory as much as the other way around. The present collection

to lodge the foreign media and the umpires, expected to work

provides the reader with a rich treatment of issues, approach-

the 2016 Olympic Games at the Porto Olympico complex. The

es, and experiences in which stakeholders weigh different val-

reason for this decision is attributed to the potentially high cost

ues and trade-offs between conservation and urban redevelop-

of repairs of the complex after the games, before they could be

ment, and identifying the acceptable level of change and the extent of adaptive reuse of cultural property assets within the

turned over to owner-occupiers. Source: o Globo, 14 March 2014, Rio de Janeiro.

range of natural and man-made ecosystems.

301


9

See description of the SEBRAE (Programa Porto Cidadão — Porto Maravilha Project) in Porto Maravilha: http://portomaravilha.com. br/web/sup/porto_maravilha_cidadao-eng.aspx

10

Jorge Wilheim was the principal consultant to Brazil’s Ministry of Sports during Rio de Janeiro’s mobility plan preparation (improving urban mobility is a requirement contained in the tender issued by the International Olympic Committee to candidate cities competing to host the 2016 Summer Olympic Games).

11

The proposed Light Rail Vehicle (VLT) system is comprised of six lines and forty-two stations distributed throughout twenty-eight kilometers of streets.

12

In Zweig, Stefan. Brasil, o País do Futuro Editora Nova Fronteira. Rio de Janeiro, 1981.

13

In Brazil, since 1936, national heritage sites are selected by Instituto de Patrimonio Histórico e Artistico Nacional (IPHAN) in concert with the Federal Ministry of Culture. Iconic buildings, historic towns, and historic city centers are safeguarded by specific regulations, including guidelines for maintenance and repair. Although acquired by nearly 1,000 buildings and fifty historic city centers and sites, this status does not necessarily ensure public funding or routine maintenance and repair monies. Until recently, much of the financing came through partnerships with state enterprises, private foundations, and local public funding sources.

Source: Taddei Neto, Pedro. “Policies of Historic and Cultural Heritage Preservation in Brazil,” Historic Cities and Sacred Sites – Cultural Roots for the Urban Futures, Serageldin, I., Shluger, E. et al., Washington, DC: World Bank, 2001. Pages 41-45. With emphasis added. 14

See Birkby, Rory. ‘The Making of Cape Town’s Victoria and Alfred Waterfront – The Inside Story of It’s Planning, Design and Creation.” Victoria & Alfred Waterfront (PTY) Ltd. Cape Town, South Africa, 1998.

15

Source: “The Making of Cape Town’s Victoria and Alfred Waterfront”, Rory Birkby, Published by Victoria & Alfred Waterfront (PTY) Ltd., South Africa. 1998

16

N.p., Web. 27 Mar 2014. <http://nytelecom.vo.llnwd.net/o15/agencies/planyc2030/pdf/planyc_2011_intro.pdf>.

17

UNESCO, n.d. Web. 27 Mar 2014. <http://whc.unesco.org/en/ list/204>.

18

302

ONU World Population Statistics, New York, 2010.

English version


303




9 788560

291083

ISBN 978-85-60291-08-3

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