Da psicologização do teatro à dramatização da psicologia

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Da Psicologização do Teatro à Dramatização da Psicologia David Narcizo – Técnico Ator pelo Senac, gradua em Ciências Sociais pela Universidade Cruzeiro do Sul/UNICSUL.

Apresentação

O presente artigo busca, de maneira mais ligada à historiografia, apresentar momentos em que o teatro valeu-se da psicologia, tanto nos momentos de formação do ator, quanto em seus processos de composição dramática para espetáculo e também, os momentos em que a psicologia valeu se do teatro tanto para a melhoria da qualidade de vida de sujeitos com deficiência mental ou distúrbios mentais, quanto para fins clínicos. Ao findar, espera-se que o amante da arte cênica conheça um pouco da história da arte dramática e o formando ou formado em psicologia saiba o vasto campo de atuação nas artes cênicas tanto dentro quanto fora dum consultório ou clinica. Obs: artigo preparado para a palestra com o mesmo nome no Simpósio de Psicologia da Universidade Paulista – UNIP.

Oque é Teatro Em qualquer livro sobre a história ou a formação do ator, encontraremos o célebre conceito entalhado por Antônio Januzeli/Janô que refere-se ao teatro como “uma síntese de elementos artísticos”, já num dicionário de teatro, encontraremos uma descrição mais focada na parte material ou física do teatro trazendo a luz o prédio onde apresentam-se espetáculos ou até a descrição de uma das artes onde o ator é o principal objeto e veiculo da arte, ou seja, o próprio artista faz parte da obra. Dentro do Teatro, há que se perceber as diversas vertentes que, tanto a forma quanto ao processo de formação do ator, evoluíram durante o passar dos anos formando assim, a história das artes dramáticas.

Teatro e Psiquê Por muito tempo, os teóricos e os fazedores do teatro dirigiam-se ao teatro como ação e essa ação, dar-se-ia num espaço tempo presente formando o que Renato Cohen conceituaria como uma dialética da ambivalência dessa forma, o que sempre se pensou era no ator como objeto do diretor ou do dramaturgo e todas as partes contidas num espetáculo como cenário, figurino, luz e sons. Porém, com o tempo, alguns teóricos


começaram a pensar a parte subjetiva dum espetáculo e nesse ponto, poderíamos dizer que tanto ator e personagem, quanto o público, passam por momentos e processos psicológicos. O ator, durante os jogos e exercícios de preparação e formação, enfrenta diversos medos e momentos de insegurança, já no processo de composição da sua personagem, terá que fazer reflexões referente ao estado psicológico da sua personagem durante os momentos que outros personagens a afeta no encadeamentos das cenas, assim, podemos dizer que desde de Esquilo até aos autores contemporâneos e seus respectivos atores, diretores e técnicos de espetáculo, passam por momentos em que se deparam com questões ligadas diretamente à mente humana. Obras como Édipo e Medéia ou as de Shakespeare ou Dostoieviski não se imortalizariam se não tratasse especificamente da mente humana com suas diversas contradições. Quanto à formação do ator especificamente, teatrólogos como Constantin Stanislaviski e Michael TChekov não seriam tão conhecidos e consagrados entre a classe artística de teatro e imortalizados em função dos seus métodos de formação do ator totalmente ligados à mente humana. E por fim, diretamente à loucura, figuras como Antonin Artaud e a Cia UEINZZ que veem no teatro um momento de cura e/ou bem estar. Com todos esses vértices do fazer e do formar dentro do Teatro, chegamos no universo da arte contemporânea onde o Performer está totalmente ligado a processos psicológicos mesmo que não interprete uma personagem de ficção propriamente dita e assim, conseguimos passar por diversos momento da história da arte ocidental e conseguimos perceber os diversos momentos em que ela se valeu da psicologia tanto dentro da literatura dramática, quanto na obra cênica. Já a psicologia, encontramos figuras como Segmund Freud que vale-se de personagens de ficção pra explicar sua teoria dentro da psicanálise e Moreno que valeu-se do teatro para poder criar o Psicodrama e algumas das casas rede Capes com momentos de teatro para pessoas em processo de tratamento mental.

Psicologia e Dramaturgia

Muito antes da Psicologia elevar como Ciência Social Aplicada, personagens como Édpo e Medeia na tragédia grega, Hamilet ou o ator principal de A Tempestade em Shakespeare, os personagens de Crime e Castigo de Dostoievisk, Segismundo de Salomé de Oscar Wilde ou os personagens de Um Bonde Chamado Desejo de Tenese Wilians, Fausto de Goeth e as obras do Albert Camus se eternizaram não só pela grande qualidade e habilidade dramatúrgica de seus autores, mas tbm por que essas personagens parece que falam por si e tem vida própria. O fato de serem tão reais, parece-nos que sejam casos da vida real. No Brasil, autores como Nelson Rodrigues com as peças Vestido de Noiva, Sete Gatinhos e todas as suas “Tragédias Cariocas” e Plinio Marcos com personagens como Tonho, Paco, Neusa Sueli, em peças como Homens de Papel, Jesus Homem, Barrela, Abajur Lilas e Navalha na Carne a mesma altura dos grandes autores universais.


Constantin Stanislaviski

Até o séc. XIX não havia um processo sistematizado na formação do ator mesmo que, com a Comédia Dell’Arte já hauvesse iniciado um processo de profissionalização do ofício de artista de teatro. Não havia um trabalho sistematizado e formalizado e padronizado na formação do ator, porém, o Russo Constantin Stanislaviski Teatro de Arte de Moscou dedicou sua vida inteira a criar um processo formador, que mesmo que ele não quizera, após sua morte ficou marcado como O Método de Atuação por meio do qual, qualquer pessoa pode compor uma personagem. O Método foi levado para os Estado Unidos por Michael Tchekov onde, depois de aplica-lo, é o principal método de formação do Actor Studio e chegou a ser o principal método do mundo sendo o principal meio de formação de atores consagrados de Holywood e se espalhou-se por todo o mundo ocidental sendo assim o principal e, talvez único método de formação de atores em todas as escolas do Brasil dentre as principais a Escola de Arte Dramática/EAD, Teatro Escola Macunaima, Conservatório Dramático de Tatui, Conservatório Dramático Carlos Gomes, Rede de Técnico em Arte Dramática do Senac e Teatro Tablado do Rio de Janeiro. O processo de formação do ator a partir de Stanislaviski tem 3 estágios, o primeiro dá-se na preparação do corpo do ator na busca de uma plasticidade do movimento, num segundo momento, o ator passa por um processo de treinamento da fruição da parte psicológica dum personagem pelo seu corpo e no terceiro momento, a composição especifica da personagem. Os elementos mais importantes do Método é quanto a Memória Emotiva e as Ações Físicas e é nesse momento onde o teatro e o ator passa a valerem-se da psicologia e psicanálise, mesmo que intuitivamente, dentro da composição da personagem. Para Stanislavisk, um ator deve viver a sua personagem e fazer que o público veja no palco, a vida e uma personagem real, assim, a partir dele que os atores passaram a dizer que, ao adentrar o palco, não eram mais eles e sim, suas personagens. De Stanislavisk, vários outros teatrólogos seguiram e evoluíram seu método, mas basicamente, todos seguiram a partir desses dois elementos.

Antonin Artaud

Na história do taatro universal, Artaud é uma das figuras mais grotescas, porém, uma das que mais colaboraram para a evolução quanto ao trabalho de criação do ator. Teve presença tanto no teatro quanto no cinema, mas foi um sujeito incompreendido em sua época, assim, suas vozes vieram a ecoar depois de muito


tempo após sua morte. Suas teorias sobre o ator e o teatro são estudadas e usadas tanto quanto a formação quanto na composição do espetáculo como um todo. Artaud teve diversos problemas de saúde e até mental e acreditava que através do teatro, ele poderia se curar. Foi o criador do Teatro da Crueldade e do Teatro e Seu Duplo. Para Artaud o ator deveria atuar como se fosse o último momento de sua vida e chegar ao extremo de todas as possibilidades de criação. Suas teorias estão intimamente ligadas a diversos momentos do Teatro como Criação Coletiva, Heppening, Processo Colaborativo e Performance Art.

Teatro e Loucura Figuras como Marques de Sade, João Bispo do Rosário, Quorpo Santo e a Cia Teatral UEINZZ são pessoas que viram no teatro a possibilidade de uma melhor qualidade de vida dentro ou fora do hospício, no caso da UEINZZ, na rede dos Centros de Atendimento Psicossocial/CAPS. Essas figuras não chegaram a criar uma técnica de atuação, mas o teatro foi um meio de expressão, de vivência artística e cultural onde eles mesmo eram e são agentes de interpretação. A UEINZZ, foi um projeto iniciado pelo saudoso Renato Cohen, na época, professor do Instituto de Artes da Unicamp e um Filósofo (//). É uma companhia de teatro que em sua maioria, seus atores são pessoas em processo de tratamento mental. Psicodrama O Psicodrama é uma terapia de grupo que tem na dramatização o pronto inicial e prático. Nele os atores pacientes e tbm terapeutas interpretam improvisadamente seus papeis e dessa forma conseguem entrar em catarse ativa pois se veem em cena e dessa forma, mudar ou repensar atitudes. Com aproximadamente 300anos de criação com Jacob Levy Moreno o psicodrama vem cada vez mais tornando uma possibilidade de tratamento de problemas mentais desde a clinica até em ambientes de trabalho e educação. Segundo o site da FEBRAP “"Drama" significa "ação" em grego. Psicodrama pode ser definido como uma via de investigação da alma humana mediante a ação. É um método de pesquisa e intervenção nas relações interpessoais, nos grupos, entre grupos ou de uma pessoa consigo mesma. Mobiliza para vivenciar a realidade a partir do reconhecimento das diferenças e dos conflitos e facilita a busca de alternativas para a resolução do que é revelado, expandindo os recursos disponíveis. Tem sido amplamente utilizado na educação, nas empresas, nos hospitais, na clínica, nas comunidades.” “O principal objetivo da ação dramática é favorecer aos membros do grupo a descoberta da riqueza inerente em vivenciar plenamente o status nascendi da experiência grupal, participando com a maior honestidade possível no momento. Desta maneira, os participantes recriarão no grupo seus modelos de relacionamento, confrontando e sendo confrontados com as diferenças individuais, condição necessária para apreenderem a distinção entre sua experiência emocional e a dos outros, sendo cada um deles agente transformador dos demais.”


Na Federação Brasileira de Psicodrama há a possiblidade de encontrar cursos e diversas experiências de ambientes que valem-se dessa prática para atuação dentro de uma dada comunidade. Teatro Pós Moderno e Pós Dramático Arte Terapia “as obras produzidas no Museu e que aí permanecem conservadas valem por sua significação expressiva e terapêutica, isto é, à medida que oferecem ao estudioso um meio de acesso ao mundo

interno

dos

esquizofrênicos,

assim

como,

ao

paciente,

um instrumento

de

transformação da realidade interna e externa. Há, no entanto, uma aceitação tácita de que as criações dos pacientes são verdadeiras obras de arte, à medida que a autêntica obra de arte é, segundo Nise da Silveira, uma "produção impessoal", isto é, uma expressão do inconsciente coletivo.”

“Há que se admitir, inevitavelmente, que ao serem reconhecidos publicamente como artistas, os loucos são apanhados pela rede da cultura e trazidos para dentro de sua órbita, ainda que excêntrica. Como diz Jean Starobinski, "ei-los incluídos após terem sido excluídos" (1984, p. xv). Entretanto, diante disso, impõe-se a nós mais uma interrogação: em que medida essa apropriação pela cultura daquilo que sempre foi a não-cultura não teria, por implicação, exorcizar a potencialidade subversiva das obras? Ou ainda, até que ponto essa incorporação cultural da arte de oprimidos (que transita do hospício para a galeria de arte) nada mais é do que a expressão de uma necessidade de afirmar publicamente que a opressão social não anula a força da criação?” “Internada em 1937, Adelina Gomes, camponesa humilde, cuja tragédia resumia-se no desejo de ser flor, foi acolhida pela doutora Nise em 1946. Daí em diante, por mais de quatro décadas, pintou e esculpiu todos os dias. O desejo de ser deu lugar ao de fazer. Adelina fez flores. Viveu quase toda a sua vida no Museu de Imagens do Inconsciente ao lado de Nise da Silveira, e nele, juntas, permanecem para além do ciclo individual da vida e da morte.”

Conclusão Bibliografia Documentário Arte e Loucura http://www.youtube.com/watch?v=PLuVfU9hQx8#


Música Bixo de Sete Cabeças – Zeca Baleiro http://www.youtube.com/watch?v=mykdSOJJQxYb FEBRAP - Federação Brasileira de Psicodrama http://www.febrap.org.br/psicodrama/Default.aspx?idm=20 http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-40142003000300012 http://globotv.globo.com/canal-brasil/cinejornal/v/making-of-do-longa-nise-da-silveira-que-reconta-ahistoria-da-famosa-psiquiatra-alagoana/2341357/


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