O duradouro poder da tv revista about junho 2014

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junho de 2014 | ano XXVI | nยบ 922 | R$ 12,00

O R T R N A E L C O S O : A V T TEM IA I S Mร D S DO DA


impact report

David Eastman

e Janet Fitzpatrick-Wilks

O duradouro poder da televisão O

A televisão desempenha um papel em nossas vidas mais importante do que imaginamos. Ela é tão familiar que simplesmente se torna parte da família.

28 | Junho de 2014 | About 922

O céu está caindo! Se você conhece a fábula do filme Chicken Little, sabe que ela conta uma velha história popular sobre um galo que se convenceu de que o “céu estava caindo” quando uma simples noz caiu de uma árvore e bateu em sua cabeça. Ela conseguiu convencer todos ao seu redor de que o mundo estava se acabando, criando uma forma de histeria em massa. Isso parece familiar? No ambiente de mídia e marketing em que atuamos é fácil acreditar que o “céu está prestes a cair” com uma alarmante frequência. Segundo os especialistas e os memes que surgem dos debates da indústria, a televisão deveria ter engolido o rádio, a internet substituirá todos os meios de imprensa, o Big Data será a morte da criatividade e, agora, com o crescente movimento de consumo de vídeo online, estamos vivendo o final dos dias de transmissão aberta e linear da televisão... Estamos vivendo, sem dúvida, um dos períodos mais perturbadores da história da mídia. Todo o ecossistema da mídia está se transformando diante de nossos olhos — especialmente nos mercados mais saturados, tais como o Reino Unido e os Estados Unidos, que são mais vulneráveis a novas incursões competitivas. Este artigo é sobre a televisão. Não mergulha a fundo ou discute as mudanças dramáticas que

poderão influenciar seu futuro, tais como a interação e relação entre televisão aberta e televisão paga, o crescimento de dispositivos móveis e as implicações da nova geração de transmissão em tempo real pela internet (streaming), que disponibiliza telas múltiplas e possui um custo muito acessível. Nossos objetivos são mais simples: temos a intenção de revisitar algumas verdades fundamentais que explicam por que a televisão continua a ser um meio superpoderoso, queremos explorar o papel vital que a televisão desempenha na vida das pessoas e explicar — mesmo enquanto ela evolui radicalmente — porque a televisão ficará no centro da comunicação de marketing ainda por muito tempo. Assim, em vez de pensar que “o céu está caindo”, gostaríamos de oferecer outras perspectivas: 1 – Em um rápido check-up, constatamos que a televisão está viva e muito bem. 2 – A televisão é mais do que a televisão em si: ela é uma força sociocultural de comunicação e de negócios vital, fundamental para os anunciantes. 3 – A televisão é o coração de um ecossistema e os anunciantes devem investir na compreensão da sinergia multiplataforma e de telas, para melhor entender o valor da televisão e utilizá-la de forma mais efetiva.

Alcance de –TV – 10 mercados Alcance de TV 10 mercados principais principais 100%

93%

92%

92%

91%

90%

90%

90%

89%

88%

88%

BRA

UK

GER

ESP

FRA

ITA

AUS

JPN

USA

CHN

90% 80% 70% 60% 50% 40% 30% 20% 10% 0%

A televisão está viva e muito bem Praticamente todo mundo tem algum tipo de acesso a uma televisão. De fato, nos Estados Unidos, o número médio de aparelhos por casa é agora superior a 3. No Reino Unido, a média é de 2,8. Já o Brasil alcança uma média de 2+ e a China, 1,6 — e mesmo alguns mercados bem menos desenvolvidos mostram uma média de 1+. Naturalmente, estes números revelam médias. Ainda há muitas casas que não

possuem nenhum aparelho de tevê — mesmo assim, seu acesso poderá se concretizar via uma televisão comunitária. Consequentemente, não é de se estranhar que, na maioria dos países, o alcance da tevê esteja bem próximo à saturação. Mas, estes números apresentados não respondem a uma questão muito discutida do momento: a televisão ainda é a rainha das mídias? Para refletir nesta trilha, vamos cavar um pouco mais. Acompanhando as horas médias gastas com a televisão (incluindo televisão aberta, televisão paga, reprodução/

Fonte (menos o Brasil): Ofcom pesquisa do consumidor setembro 2013 Base: Todos os entrevistados, Reino Unido = 1000, FRA = 1007, GER = 1010, ITA = 1010, EUA = 1004, JPN = 1005, AUS = 1007, ESP = 1020, CHN = 1007. Q.5 Qual dos seguintes você faz regularmente (pelo menos uma vez por semana)? Fonte Brasil: Pointlogic Commspoint pesquisa Brasil de 2013, Base: Todos os entrevistados, 5.554

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Tempo médio gasto por pessoa por dia

Total de horas gastas vendo TV Linear* Total de horas gastas vendo TV Linear* 4:18!

Q3 2013

Ano

Q3 2012

4:24 4:22

Q3 2011

:25

:22

:13 :10

:21 :13 :12

Q3 2010

4:23

Q3 2009

4:22 :16 :10 :15 0:28

1:40

Live TV TV

4:04

DVR Playback

Video Game

DVD Playback

5:16

Fonte: Cross-platform report - June 2013 (Nielsen), http://pt.slideshare.net/mapleaikon/crossplatform-report-june-2013-nielsen

Tempo gasto assistindo Tempo gasto assistindo TV no Brasil TV no Brasil Média

2013

2012

2011 1

1.5

2

2.5

Horas Fonte: PointLogic Commspoint pesquisa Brasil de 2013. Base: todos os entrevistados, 5.554

30 | Junho de 2014 | About 922

3

América do Norte

3.5

06/jul/13

2013 592

2014 591

2015 598

2016 598

2017 604

Europa Ocidental

539

544

545

541

542

Europa Central, Sul e Oriental

362

362

362

363

364

2,822

2,87

2,922

2,984

3,035

América Latina & Caribe

580

591

597

612

618

Oriente Médio & África

386

402

420

438

456

5,281

5,36

5,445

5,536

5,619

Asia Pacífico

:18 :11 :14

2:52

Tempo gasto

Horas Gastas por Ano, Bilhões

:14 :10

Total:

*TV Linear inclui toda TV Aberta, Cabo, Satélite (DTH) e IPTV.

programa gravado), vemos que elas se mantêm relativamente estáticas, ou mesmo crescendo. E perceba o quão dominante a televisão está no mix de meios que as pessoas consomem. Nos Estados Unidos, o recente relatório multiplataforma/multitela da Nielsen mostrou um declínio marginal no tempo gasto com televisão, mas, no geral, incluindo a reprodução de programas gravados, emerge um padrão bastante estável de consumo da televisão. Uma situação semelhante é evidente aqui no Brasil, onde as condições de mercado subjacentes são muito diferentes. As pessoas estão “casadas” com a televisão, e veem em torno de 3 horas e 32 minutos por dia. (1) Este número tem se mantido razoavelmente robusto ao longo do tempo, um comportamento até contrário se comparado ao número dos mercados mais competitivos e movimentados. Numa escala mundial, os dados demonstram que o consumo da televisão nos mercados desenvolvidos alcançou um platô. Já nos mercados

em ascensão, o consumo continua se expandindo. Temos que cavar mais fundo ainda para nos aprofundarmos na análise dos dados, uma vez que estes números não contam a história completa. Sabemos que as pessoas também estão gastando muitas horas com outros dispositivos. De fato, tanto nos Estados Unidos como no Reino Unido, mais horas são consumidas com dispositivos digitais do que com a televisão. No Reino Unido, por exemplo, as pessoas gastam cerca de 3 horas e 41 minutos com dispositivos digitais, contra 3 horas e 15 minutos com a televisão. (2) Voltaremos mais tarde a esta importante questão. Todavia, para ir direto ao ponto, a televisão sobrevive. Ela atinge a maioria das pessoas (veja o gráfico “Ofcom pesquisa do consumidor setembro 2013“ acima), captura a maior parte da audiência em todos os mercados e foi eleita como o meio de comunicação do qual as pessoas sentiriam mais falta se de repente desaparecesse. (3) O meio de comunicação preferido do Brasil é a tele-

Fonte: Generator Research, 2013, http://www.generatorresearch.com

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66 razões principaispelas pelas quais as pessoas Razões principais quais as pessoas assistemassistem à televisãotelevisão A necessidade de satisfazer os seus prazeres (geralmente proibidos). SACIAR

A necessidade de deixar a “rotina” para trás. Aqui a TV atua como um portal para outro tempo e lugar.

ESCAPAR

DESCONTRAIR

A necessidade de adiar as pressões ou se desestressar das pressões do dia.

A necessidade de experiência é a necessidade de compartilhar um evento excitante. EXPERIMENTAR Experiências ligam famílias, amizades e até a nação. Fonte: “Screen Life: TV in Demand”, realizado pelas empresas Flamingo e Tapestry Research, que faz parte do grupo Pointlogic.

CONFORTAR CONECTAR

A necessidade de se conectar é a necessidade de se sentir ‘plugado' com o mundo ao seu redor.

visão (76,4%), seguido pela internet (13,1%), depois vem o rádio (7,9%) e, por fim, a imprensa, dividida nos segmentos de jornais (1,5%) e revistas (0,3%). Impressionante, não é? (4)

A televisão é mais do que a televisão A televisão desempenha um papel em nossas vidas mais importante do que imaginamos. Ela é tão familiar que simplesmente se torna parte da família. Ela é muito mais do que um simples centro de entretenimento. A televisão é tão integrada ao nosso mundo que ela adiciona rotina, estabilidade, confiabilidade e ritmo aos nossos dias agitados. É indiscutivelmente o mais social de todos os meios de comunicação. Encoraja as pessoas a se unirem física ou virtualmente e unifica amigos e famílias em torno de eventos 32 | Junho de 2014 | About 922

A necessidade de conforto é a necessidade de tempo compartilhado com a família, buscamos união, rituais, familiaridade e rotina.

compartilhados com “latência zero”. Em outras palavras, ela permite viver uma determinada experiência em conjunto e promove o compartilhamento livre de reações e opiniões — em qualquer contexto, via qualquer canal de preferência. Ela tem o poder de espelhar e moldar nossas culturas: refletindo nossas vidas, abrindo novos mundos, permitindo que participemos de um jogo de futebol emocionante ou possibilitando a fuga para outro tempo e lugar. A televisão é o fórum para a narrativa mais atraente — para nos entreter, educar e influenciar mais do que qualquer outro meio. O Thinkbox UK, uma entidade da indústria de televisão no Reino Unido (veja nesta edição uma entrevista a partir da página 6 com sua CEO, Lindsey Clay), queria entender melhor a relação das pessoas com a televisão e descobrir as necessidades

emocionais que ela satisfaz. Para isso, o Thinkbox encomendou um estudo inovador, “Screen life: TV in demand”, realizado pelas empresas Flamingo e Tapestry Research, que faz parte do grupo Pointlogic. O estudo envolveu a análise de mais de 100 horas de imagens de 18 famílias do Reino Unido que utilizaram recursos avançados (vários dispositivos, telas etc.), coletadas durante duas semanas. Um diário de 662 adultos, através de 3.692 visualizações, também fez parte do estudo fornecendo 250 mil pontos de dados para análise. Um elemento-chave da metodologia era a privação da televisão e de VOD (vídeo sobre demanda) para determinados participantes, durante certo período de tempo, enquanto gravávamos e analisávamos as suas respostas. As reações foram fortes! Pessoas sofreram uma espécie de “desintoxicação” da televisão e VOD. De repente, havia grandes lacunas vazias em suas vidas que eles

não souberam como preenchê-las. O estudo ajudou a entender porque — numa época em que as pessoas podem optar por assistir ao que elas bem querem e quando elas querem — a população do Reino Unido continua a assistir à televisão linear, “live TV” 90% do tempo e a explicar como a experiência de televisão linear satisfaz as necessidades emocionais humanas, muito mais do que assistir on demand é capaz. Foram descobertas seis razões principais para explicar por que as pessoas assistem à televisão: saciar, descontrair, confortar, conectar, experimentar, e escapar.

A televisão é o coração de um ecossistema Não é possível ignorar que em muitos mercados o tempo gasto com aparelhos digitais está superando o tempo gasto com a televisão. O enorme crescimento na adoção de

Duas funções principais de multi-telas

Duas funções principais de multitelas

Uso Complementar Atividade relacionada

22%

Uso Sequencial Mudar de um aparelho para outro várias vezes para completer uma tarefa.

Uso Simultâneo Uso de mais de um aparelho ao mesmo tempo para uma atividade relacionada ou não relacionada. 78%

Multi-Tasking Atividade não relacionada

Fonte Google: The New Multi-Screen World (EUA) Agosto 2012. Obs: Impacto total dos tablets ainda não foi percebido Junho de 2014 | About 922 | 33

Fonte Google: The New Multi-Screen World (EUA) Agosto 2012 Obs: Impacto total dos tablets ainda não foi percebido.


David Eastman é vice-presidente executivo da Pointlogic América Latina, empresa multinacional com sede em Rotterdam e especializada em retorno sobre investimentos fundamentados em soluções de marketing, de comunicação e de mídia. Encabeçou a rápida expansão da Pointlogic no Brasil e na América Latina. Antes de ingressar na Pointlogic, foi diretor mundial de vendas da divisão de Mídia Dados da Nielsen e, previamente, era colaborador da Ogilvy e gerente mundial de operações de mídia para a conta da IBM.

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smartphones e tablets está criando uma nação (mundial) de espectadores de telas múltiplas, transformando a sala tradicional de nossos pais e avós em um hub de mídia digital. Porém, o Relatório do Mercado das Comunicações 2013 da Ofcom revela que as pessoas ainda estão se unindo para assistir à televisão na sala de estar — 91% dos adultos do Reino Unido assiste à televisão no aparelho principal (na sala) cada semana, o que revela um ligeiro aumento dos 88% que foram computados em 2002. No entanto, com uma crescente variedade de mídia digital agora competindo pela atenção do público, as pessoas estão consumindo streaming vídeo, dis-

parando mensagens instantâneas e atualizando seu status na mídia social — tudo enquanto vê mais televisão do que antes! (5) Assim, a batalha torna-se não apenas uma batalha de “share of time”, como também de “share of attention”. E, é claro, à medida que mais aparelhos de televisão se conectam cada vez mais à internet, a batalha por espaço na tela também se aquecerá. Então, a notícia é boa ou ruim? O magnata de esportes e mídia Mark Cuban acredita que o copo está meio cheio. “A televisão tem uma enorme vantagem no mundo da mídia social”, sustenta ele. “A internet é projetada para tudo, menos para o vídeo. A televisão é projetada para o vídeo.” Concordando ou não com a visão bastante extrema de Cuban, vemos a internet avançar rapidamente. Por enquanto, a televisão é certamente o catalisador chave de entretenimento, de cultura popular, de criação de buzz e compartilhamento na mídia social — especialmente nas áreas de esportes, teatro, notícias de última hora e eventos ao vivo. E os publicitários mais espertos estão investindo tempo e esforço para compreender a complexa interação entre a televisão e as outras telas que a telespectador usa — muitas vezes simultaneamente. Há um crescente corpo de evidências que sugere, com uma melhor compreensão do uso de multiplataforma/tela e com as motivações e a compreensão dos próprios dispositivos em si, que as emissoras podem fechar o ciclo televisão/interatividade digital/participação e assim melhorar a experiência de televisão.

Lições para marketeiros e publicitários Sim, o mundo da televisão está mudando. Mas como a televisão continua a ser o meio de comunicação mais rico, tragam seus trabalhos criativos mais inspirados para a mesa do jogo. Vale a pena. Pense menos sobre comerciais e campanhas e mais sobre o compartilhamento de histórias/roteiros que se conectam e ressoam emocionalmente junto ao espectador – e que sejam sustentáveis ao longo do tempo. A familiaridade gera confiança na marca e a televisão reforça a reputação da marca. O storytelling pode sair dessa tela também, para que você possa alavancar sua presença através de outras plataformas de comunicação. Invista em uma compreensão mais profunda dos estados de necessidade dos espectadores em relação à televisão e repense suas estratégias com base em como melhor satisfazê-los. Como a competição para atrair a atenção das pessoas continua a crescer, a TV pode ser a chave do ponto de partida — enquanto espectadores simultânea ou sequencialmente utilizam outras telas. É fundamental identificar as motivações e padrões de consumo multiplataforma e multitela e experimentar formas de melhorar as suas experiências de compartilhamento e, ao fazê-lo, melhorar as percepções da sua própria marca.

Janet Fitzpatrick-Wilks é presidente da Honeycomb-co LLC, coletivo de especialistas multidisciplinares focado em gerenciamento de marketing e comunicação com sede nos EUA. Uma verdadeira internacionalista, com 25 anos de experiência trabalhando com e para algumas das empresas e marcas mais inovadoras do mundo, tais como WPP, IPG, Motorola, Grupo Globo, Globo TV, Neo/Ogilvy Worldwide, IBM, Unilever, Nestlé e Coca-Cola, a profissional está consistentemente na linha da frente da evolução das práticas de mídia e de marketing.

Notas (1) Pesquisa Brasileira de Mídia 2014, Secretaria de Comunicação da Presidência da República, Hábitos de Consumo de Mídia pela população Brasileira – Brasilía, fevereiro de 2014 (2) Ofcom, Relatório do Consumidor, 2013 (3) Ofcom, Relatório do Consumidor, 2013 (4) Pesquisa Brasileira de Mídia 2014, Secom/PR (5) Ofcom, Relatório do Consumidor, 2013. Junho de 2014 | About 922 | 35


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