Análise de conjuntura Estado de Decomposição
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Em qual conjuntura vivemos?
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Qual socialismo queremos?
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Qual estado queremos?
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Nossas propostas Caminhos para a transformação
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Qual democracia queremos?
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Qual economia queremos?
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Projetos de Lei do Mandato em 2017 página 32
NAO ME VENHAM COM INDIRETAS! Três séculos de colonização, quatro de escravidão e cinco de domínio oligárquico e patriarcal formam os pilares profundos de nossa cultura autoritária. Sou de uma geração que, com sua energia juvenil, travou intensa batalha contra o regime autoritário e covarde da tortura, da censura, da ditadura militar apoiada pelo alto empresariado. A deposição de Jango, em 1964, inaugurou uma etapa sombria da nossa História – que, pateticamente, muitos jovens de hoje não apenas desconhecem como são induzidos a vê-la como virtuosa, até idolatrando “mitos” do obscurantismo. O compromisso progressista é com a democracia: substantiva, direta, participativa. Por isso, defender que a Constituição brasileira estabeleça que as eleições no caso de vacância de cargos do Executivo têm que ser DIRETAS até 6 meses antes do término de cada mandato é absolutamente elementar e democrático. Só a eleição direta não basta: são imprescindíveis campanhas limpas, com agremiações apresentando projetos e programas, sem o tacão do dinheiro e da compra de votos, com igualdade de oportunidades e “paridade de armas”. E a continuada luta por preservação de direitos, incluindo os dos mais massacrados da nossa injusta ordem social, como os pobres, desempregados, negros, mulheres, indígenas e todos os excluídos. Nessas páginas você tem um pouco da nossa ação e reflexão no primeiro semestre de 2017. VAMOS JUNTOS!
“Amar e mudar as coisas me interessa mais” (Belchior, 1946-2017)
Mandato Chico Alencar - Deputado Federal PSOL/RJ Brasília – DF Câmara dos Deputados Anexo IV – Gabinete 848 CEP: 70160-900 Tel.: (61) 3215-3848/4848 dep.chicoalencar@camara.leg.br
Rio de Janeiro – RJ Rua Joaquim Silva, 56 6° andar Lapa CEP: 20241-110 Tel.: (21) 2232-4532/4413 sol@chicoalencar.com.br Capa e diagramação | Thiago Dutra Vilela Tiragem: 4.700 | Cota: 115.000
Alexandre Beck fb.com/tirasarmandinho Diรกlogo inspirado em texto de Eduardo Galeano
#OcupaBrasília, 24/05/17. Mais de 100 mil pessoas foram a Brasília. Foto: Mídia Ninja
Chico e Glauber Braga, dois dos milhares de atingidos por gás de pimenta. Foto: Mídia Ninja
ESTADO DE DECOMPOSICAO A Lava Jato e todas as operações que, a despeito de excessos, buscam desmontar esquemas criminosos expõem a mesma estrutura funcional: corruptores e corruptos transformam o bem ou o serviço a ser oferecido à população em mercadoria, a partir de uma negociação que, mediante propina, dá lucro às partes, em prejuízo da maioria. O voto-mercadoria, derivado do “Com a mercantilização “bom negócio” das campanhas milionárias, da política, o povo é faz mal à cidadania. Resulta em governos a levado a se desestimular soldo de grandes interesses privados, com suas licitações viciadas e obras superfaturada participação política, das. Em fiscais subornados, que nada fiscalia se tornar um zam. E em mandatos legislativos comprados, consumidor passivo”. que produzem leis de acordo com o desejo de seus financiadores. Essas práticas nefastas envolvem todo o condomínio do poder, com seus inquilinos de ontem e de agora. O respeito mínimo à dignidade do trabalhador e o direito à segurança alimentar, ao teto, à saúde e à educação, duras e parciais conquistas, vieram de um duplo movimento: dos “de baixo”, organizados e pressionando por suas demandas, e das elites políticas, sensíveis a essas reivindicações - ou constrangidas a acolhê-las. Chegamos a uma situação de decomposição dos valores republicanos elementares: com a mercantilização da política, o povo é levado a se desestimular da participação política, a se tornar um consumidor passivo. Um Estado assim privatizado, mesmo com tantas “faturas expostas”, empurra as pessoas à vida particular, ao alheamento em relação ao que é público. Assim atomizados, os indivíduos se consideram os principais culpados por seu próprio “fracasso”, como desemprego e carências de toda ordem. Ações policiais e judiciais não transformam a sociedade: fazem um diagnóstico da podridão e atacam bactérias que aceleram a degeneração do corpo social. Só a cidadania ativa, politizada, viabilizará a superação do que hoje enoja. Urge a mudança radical do modelo político falido, que jamais será reformado em profundidade pelos que dele se beneficiam, pelos que legislam em causa própria e estão afogados na lama de tantas denúncias.
Publicado originalmente na Folha de São Paulo em 14/04/2017: http://bit.ly/folspdecomposicao
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EM QUAL CONJUNTURA VIVEMOS? No Brasil, há uma crise permanente resultante das nossas seculares transições intransitivas: mudanças que não alteram posições de classe e formas de exercício do poder. Bem dentro do famoso estilo Tancredi, do romance “O Leopardo”, obra póstuma de Tomasi di Lampedusa, publicada em 1959: “para que as coisas permaneçam iguais, é preciso que tudo mude”. O cenário da atual crise nacional, no plano econômico, tem pré-recessão, déficit em conta corrente, achatamento salarial e retorno voraz do desemprego. Os juros com o pagamento da dívida chegam a mais de 5% do PIB - no entanto, são “as contas da Previdência” as vilãs do “equilíbrio fiscal”. A importante eliminação de focos de miséria não acabou com a desigualdade, nossa chaga histórica da perversa distribuição de riqueza e renda. A crise ambiental deriva da irresponsável falta de planejamento e cuidado, por parte das autoridades (em todos os níveis), face ao clima que efetivamente mudou no planeta, trazendo tempos de extremos.
quino.com.ar
O papel das esquerdas, além de ressignificar o ideário socialista, que também vive uma crise de sentido, é formular, com um amplo leque de forças democráticas e populares, um programa mínimo de lutas comuns, em torno das questões concretas. Um programa mínimo, mais de resistência que de avanço, precisa ser esboçado, com objetivos táticos, de curto prazo, e outros de médio e longo prazo. Seu desafio máximo – e única garantia de algum êxito – é combinar mobilização social com pressão institucional. O difícil pano de fundo em que agimos é, na contra-hegemonia, construir a ressignificação do socialismo e da democracia. Para nós, do PSOL, o desafio é o de “trocar de roupa andando”: fortalecer nossos núcleos de base e instâncias de direção, superar nossa fragilidade organizativa e ainda débil inserção popular, abrir um diálogo com as forças vivas dos movimentos sociais e com partidos que tenham compromisso com a transformação social, e nos construirmos como partido plural, coesionado por um programa unitário,
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Ato-show em Copacabana (RJ) pede Diretas Já e reúne milhares de pessoas. Foto: Mídia Ninja
que saiba valorizar a riqueza de sua diversidade interna. Mas que seja cada vez mais um partido com correntes e não de correntes, ‘cotidiano’ e ideológico, que vai além de frente política eleitoral. A eleição de 2018, vista com os olhos de hoje, é uma miragem posta além da linha do horizonte. O tempo cronológico que nos separa da disputa será marcado pela turbulência da mais profunda crise da história brasileira recente.
“Para nós, do PSOL, o desafio é trocar de roupa andando” O tempo histórico, em tais condições, costuma ser governado pela lógica do imponderável e da desconcertante incerteza estrutural. Tudo pode acontecer, inclusive a acele -ração do tempo político e o surgimento súbito de novas encruzilhadas, desafios e alternativas. Sendo assim, diante da natureza e da profundidade da crise que nos envolve, qualquer previsão sobre as condições em que se dará a disputa eleitoral em 2018 é temerária, não sendo sequer possível afirmar-se com certeza sobre sua realização. O quadro político está e tende a se tornar cada vez mais confuso. Quando a incerteza é a única coisa certa, a estratégia eleitoral adequada é aquela que leva em conta as possíveis mudanças bruscas de cenário. Variáveis desgovernadas, por enquanto fora de controle, podem provocar impacto profundo no rumo dos acontecimentos políticos.
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É bom não descartar a possibilidade de êxito do contraponto nefasto. Afinal, o poder, ao contrário dos balões, não murcha ao se esvaziar. O time do “abafa” é composto por pernas de pau, mas joga pesado e conta com o patrocínio da máquina mercante e a cobertura favorável da mídia grande. O departamento de árbitros, dividido, distribui cartões vermelhos. E a plateia anda vaiando até minuto de silêncio. Se a operação Lava Jato avançar nos inquéritos, será um Deus nos acuda. A “pinguela” para o futuro cai no pântano. Outra variável que pode determinar mudanças bruscas no quadro político é o possível ressurgimento de protestos de rua volumosos. O principal grito de carnaval no Brasil inteiro, sobretudo nas grandes metrópoles, foi o “Fora Temer”. Se o “espírito” revelado no “ensaio geral” ganhar corpo, pode provocar mudanças bruscas. O governo ilegítimo não resiste a uma sequência de grandes manifestações. O 8 e o 15 de março já indicaram o possível fortalecimento desta tendência. A greve geral do dia 28 de abril, o #OcupaBrasília em 24 de maio e todos os atos até agora foram os da indignação geral.
Todas as forças em ação na cena política - partidos, formadores de opinião das mais diferentes posições, movimentos sociais, corporações - caminham no fio da navalha da incerteza estrutural. Todos sabem disso e ninguém está seguro da projeção futura de sua própria força. Embora não falem abertamente, todos trabalham com planos alternativos para o caso de agravamento agudo da crise geral. Existem, hoje, nas gavetas do Parlamento e nos escaninhos da Justiça Eleitoral, propostas que podem alterar o ordenamento legal e até a data da eleição. Mantida a atual correlação de forças, nenhuma reúne condições para ser aprovada. Há uma proposta, por exemplo, que altera os prazos da lei e convoca para este ano uma eleição direta e solteira para presidente da República. Por enquanto, alternativa improvável. A qualquer momento, no entanto, dependendo para onde gire a rotatória da crise, o que parecia improvável pode ser sacado como saída de conveniência para os setores dominantes. Entre os cenários prováveis para a disputa da eleição geral que se avizinha está aquele, terrível, governado pela lei
Bancada do PSOL na Câmara dos Deputados ocupa a mesa diretora. Foto: Liderança/PSOL
“Todas as forças em ação na cena política - partidos, formadores de opinião das mais diferentes posições, movimentos sociais, corporações - caminham no fio da navalha da incerteza estrutural” da inércia. Infelizmente, visto com os olhos de hoje, tal cenário é, entre todos, a ameaça mais concreta. Com momentânea mas confortável maioria, a pequena política controla, tutelada pelos donos do poder econômico, as principais alavancas do poder institucional, no Executivo, no Legislativo e em importante parcela do Judiciário. A agenda conservadora e regressiva é martelada dia e noite pelos poderosos meios de comunicação de massas. A Lava Jato, vítima de seus próprios desacertos, pode morrer na praia da lentidão das instâncias superiores do Judiciário. A insatisfação social generalizada, sem polos de condensação que lhe confira eficácia política, pode sofrer o efeito paralisante da construção do medo, objetivo permanente da propaganda terrorista das forças conservadoras. Em tal cenário, ao contrário daqueles onde abalos bruscos possam produzir surpresas mudancistas, a eleição geral de 2018 resultaria na continuidade e agravamento de todos os nossos conflitos. Uma volta a mais no garrote vil da crise. Algum “voo da galinha” para alívio da crise econômica; a Lava Jato
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atolada no pântano da lentidão judiciária; a prevalência, na linha dos casuísmos renovados, de uma lei da “mordaça” piorada. Resultado: disputa presidencial pulverizada, como em 1989, em dezenas de candidatos; insatisfação social difusa e confusa, sem nexos que articulem saídas transformadoras de fato; crescimento exponencial da antipolítica (como algumas formas pessimistas do voto nulo, branco e abstenções), tendência que marcou o último pleito nas maiores metrópoles (Rio/ SP/BH). No que restar do “amazonas” de não-voto, pode acontecer uma disputa marcada pela reciclagem de materiais reaproveitados dos escombros da crise. O “queremismo” (Lula) pela esquerda; o “trumpismo” (Bolsonaro) pela direita; e, no vácuo, o espaço para construção do “outsider”, como foi o caçador de marajás em 89 e o “gestor” Dória na última eleição paulistana.
“O real não está na saída nem na chegada: ele se dispõe para gente é no meio da travessia” (Guimaraes Rosa) O estudo atento sobre a complexidade, a confusão e a incerteza que marcam o atual momento político brasileiro é uma preliminar necessária para a definição de estratégias, principalmente de quem se contrapõe ao modelo dominante. Nunca se saberá ao certo nem de antemão qual cenário prevalecerá. A sorte de um projeto político, o acerto de um programa e o sucesso de uma chapa de candidatos são coisas que dependem de variáveis que podem mudar no curso do processo. Hoje, mais do que nunca, é preciso atentar para as turbulências da travessia. “O real não está na saída nem na chegada: ele se dispõe para gente é no meio da travessia” (Guimaraes Rosa). Certamente, qualquer que seja o cenário prevalecente, o PSOL terá candidato próprio na disputa presidencial que se avizinha. A régua e o compasso para definir programas, projetos e candidato nos será dada pelos conflitos que estão em curso na turbulência da crise. Como tem sido sempre, nossa possibilidade de êxito político e eleitoral dependerá, sempre, da presença ativa do partido nos movimentos, lutas e conflitos da sociedade. O candidato a presidente, qualquer que seja o nome escolhido, com seu programa-movimento, será o vértice de um processo coletivo ancorado na militância ativa e enraizada nos movimentos e lutas que estiverem na ordem do dia e no cenário que a evolução da crise determinar.
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Chico discursa para milhares de jovens no Centro do Rio de Janeiro. Foto: MĂdia Ninja
O adeus a Fidel, em Santiago de Cuba. Foto: Leandro Taques / Jornalistas Livres
QUAL SOCIALISMO QUEREMOS? Socialismo e Liberdade, não por acaso, é o nome de batismo do PSOL. Mais do que nome, uma senha de identidade. Ostentamos no frontispício dois substantivos que definem bem o nosso perfil. Como partido de esquerda, somos socialistas. Ao mesmo tempo, a questão da liberdade está em nós como uma marca de nascença, inscrita em letras de fogo sob o signo das duras “réplicas da história”. A crítica ao autoritarismo burocrático do “socialismo real” no leste europeu e ao conformismo da social-democracia são partes constitutivas do que somos. Postura que nos qualifica para incorporar as “lições da história” e atravessar os abalos provocados pela queda do muro de Berlim e pelo adaptacionismo da social-democracia.
“Tão combatida e desvirtuada, a proposta socialista precisa ser reconstruída, reinventada, ressignificada” O leste europeu caiu como castelo de cartas por razões historicamente definidas, mas esta queda aparece e é mostrada como falência da própria ideia de socialismo. Tão combatida e desvirtuada, a proposta socialista precisa ser reconstruída, reinventada, ressignificada. Assim como o capitalismo, como o próprio nome indica (“ismo” do capital), é a sociedade tutelada pelo poder corrosivo (e “empreendedor”) do dinheiro acumulado, o socialismo (“ismo” do social) é uma aposta na possibilidade de construir outra ordem, não governada pela lógica do capital. Simples assim, quase uma definição de dicionário. Mas é também ponto de partida para enfrentar os novos desafios. O socialismo não é a emanação direta de uma doutrina que se autoproclama. Não se trata, também, de acalentar a visão idílica de uma “utopia redonda”, prontinha e acabada, que estaria ao alcance da mão na próxima esquina. A retomada da esperança é um caminho de longa duração. Uma proposta capaz de articular o tópico e o utópico na construção de uma nova ordem governada pela lógica da auto-organização dos trabalhadores. Uma utopia positiva, capaz de afirmar, na nova dinâmica abalada por mudanças profundas no processo produtivo, os grandes valores da luta universal pela igualdade e a justiça social. Sendo assim, o socialismo não se reduz a um mero valor abstrato, destituído de conteúdo vital. Uma miragem inatingível, retórica declamada e remetida para além da linha do horizonte. O socialismo não se afirma por combustão espontânea, não é lei de ferro objetiva da história (cientificismo economicista), mas conquista a
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ser construída nos percalços da luta social. Construção política concreta, que amadurece no dia a dia da luta dos trabalhadores e no movimento real da cidadania. Cada avanço, por menor que seja, no aprofundamento da democracia e no processo de auto-organização dos que vivem de seu próprio trabalho será, desde já, um momento integrante da luta socialista. O surgimento de novos sujeitos coletivos e a emergência de novas formas de participação política são elementos de negação da apropriação “não social”, privatista, individualista. São espaços que podem se abrir, ainda no interior da ordem burguesa, como momentos de afirmação de um outro mundo possível. É a dialética da relação “meios” e “fins” no processo de mutação das estruturas sociais. É na riqueza e variedade dos “meios” que se consolida a qualidade dos “fins”. Se os meios são os fins em processo de realização, as sementes do futuro devem germinar neles como presença real e orientadora. Aqui e agora, inclusive na postura comportamental dos seus militantes.
“O socialismo não pode ser de Estado nem de Mercado, mas de uma nova cidadania” O socialismo proposto pelo PSOL é radicalmente comprometido com a democracia. A socialização dos meios de governar é pré-requisito para a apropriação coletiva dos meios fundamentais de produção. As duas conquistas são verso e reverso de um mesmo processo que tem como centro nevrálgico a valorização do espaço público. Sendo assim, é uma proposta que se afasta da herança do reducionismo economicista e da ideia de um socialismo do estatismo burocrático. O socialismo não pode ser de Estado nem de Mercado, mas de uma nova cidadania que, na luta política, se mostre capaz de atuar como soberana no espaço público, ao mesmo tempo não estatal e não privatista. Espaço público que seja território de afirmação da diversidade, da participação, da solidariedade e da luta pela igualdade. Um espaço a partir do qual a sociedade civil organizada - constituída por um número crescente e cada vez maior de cidadãos, especialmente de segmentos mais pobres, da base da pirâmide social - consiga construir mecanismos de controle democrático sobre o Estado e de rigorosa regulação social dos agentes econômicos do Mercado. O socialismo que queremos reinventar não nos coloca como ‘passadistas’. Sabemos que não há socialismo sem desenvolvimento das forças produtivas. Desenvolvimento não apenas econômico e tecnológico, mas também de justiça social, democracia política, equilíbrio ambiental e oportunidade cultural, centrado no respeito aos ritmos e limites da natureza e comprometido com a superação das desigualdades sociais. Diante da fúria predatória das forças do capital, as bandeiras da luta ecológica ganham relevância crescente no projeto socialista.
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Não começamos do zero. A história traz ensinamentos que não podem ser descartados, sob o risco de repetirmos os erros. Ela mostra também a grandeza e a variedade da luta universal contra o capitalismo. Não há, nesta luta, paradigmas nem modelos. É preciso aposentar os dogmas e colocar a luta ciclópica dos revolucionários no seu devido lugar, o da memória emuladora na nossa atuação. Nossa alternativa socialista deve ter presente questões como a desalienação do trabalho, a soberania popular e um Estado que seja instrumento pela diversidade cultural, combate às opressões de gênero, orientação sexual, étnica, e racial. O cenário político atual, com os espaços públicos e estatais invadidos pela lógica privatista do pensamento neoliberal dominante, ostenta cada vez mais a feição trágica da barbárie. Nele, a saúde do capital e a doença da sociedade são verso e reverso de uma mesma medalha. Nunca como agora a extrema racionalidade e a eficiência técnica, indiscutíveis no interior das gigantescas corporações privadas, geraram tantos monstros na vida social. Uma fieira de tragédias: desemprego estrutural, incremento das desigualdades, violência, guerras, exclusão, crimes contra o equilíbrio ecológico, deslocamento multitudinário de migrantes. Nunca como agora o impulso de destruição social, que sempre esteve embutido na lógica da acumulação capitalista, se mostrou tão visível. Essa onda regressiva começa a gerar resistência que, certamente, se condensarão em polos de luta política. O discurso que anunciava o fim de tudo (das ideologias, do socialismo, das utopias, da história) já não tem a mesma audiência. O empenho fúnebre em passar atestado de óbito começa a gerar cansaço e fastio. O “póstudo” começa a se revelar como “neonada”. Os ideólogos do capitalismo puro e duro da restauração neoliberal estão perdendo o encanto. A história não acabou e se prepara para ministrar novas “lições”. O cisne real do receituário neoliberal que tem avassalado a política mundial voltará à sua condição original, a de patinho feio.
“Nunca como agora a extrema racionalidade e a eficiência técnica (...) geraram tantos monstros na vida social” Será o momento de ganhar as consciências para um movimento no sentido contrário do atual. “A volta do cipó no lombo de quem mandou dar”. Resgatar e ao mesmo tempo alargar o espaço público, o controle democrático sobre os poderes do Estado e a regulação social das forças econômicas do Mercado. Agitar a ideia do socialismo democrático e avançar na luta por uma nova ordem social. Alargar os espaços de presença ativa da cidadania – democracia direta, democracia de base, democracia substantiva, democracia radical. Enfim, a democracia sem fim: o socialismo democrático que se realiza como auto-organização dos trabalhadores e conquista política da cidadania mobilizada.
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QUAL ESTADO QUEREMOS? Entender o papel do Estado hoje e suas possibilidades como aparato que entrava ou permite o avanço do movimento socialista é um desafio para nós. Não são irrelevantes sequer as concepções iluministas na reação ao obscurantismo despótico do Estado Absolutista. Nos primórdios do Estado Moderno burguês, superando a teoria do direito divino dos reis, Rousseau (1712-1778) afirma a ideia do Estado como instrumento da “vontade geral”, esta sim, soberana e, nessa condição, capaz de desfazer as desigualdades sociais e seu produto, o conflito social, que impedem a tão valorizada liberdade. Por certo as concepções de Marx (1818-1883), Engels (1820-1895) e Lê“Entender o papel do nin (1870-1924) representaram avanços Estado hoje e suas importantes, mas já insuficientes. Enpossibilidades como gels entendeu “o Estado como produto e manifestação de antagonismo inaparato que entrava conciliável das classes, concebido para ou permite o avanço do refrear esses antagonismos e como movimento socialista instrumento de exploração do trabalho é um desafio para nós” pelo capital” (Origens da família, da propriedade privada e do estado – edição de 1894). O mesmo Engels alertava sobre as deficiências dos instrumentos para se alcançar espaços no aparato de Estado na sociedade capitalista, ao criticar o sufrágio universal como instrumento de dominação da burguesia. Como se vê, eleições com abuso do poder econômico e meios de perpetuar a hegemonia da classe dominante vêm de longe... Já Lênin, que viveu a experiência concreta de ser governo (após a Revolução de 1917), previa “períodos excepcionais, em que as classes em luta atingem tal equilíbrio de forças que o poder público adquire momentaneamente certa independência em relação às mesmas, e se torna uma espécie de árbitro entre elas” (O estado e a revolução – edição de 1917). Também Antonio Gramsci (1891-1937), com o largo tempo que o cárcere lhe impôs, elaborou sobre o Estado algumas definições inovadoras. Ele o entendia como “sociedade política (ou aparelho coercitivo, para moldar a massa popular segundo o tipo de produção e a economia de um dado momento) ou como um equilíbrio da sociedade política com a sociedade civil (ou hegemonia de um grupo social sobre toda a sociedade nacional, exercida através de organizações ditas privadas, como a igreja, os sindicatos, as escolas etc.)”. Gramsci fala do “Estado 18
Bancada do PSOL na Câmara dos Deputados faz manifestação. Foto: Liderança/PSOL
Guarda-Noturno” ou “Policial”, cujas funções são limitadas à coerção, deixando o desenvolvimento civil para as forças privadas. E conceitua também um chamado “Estado Ético”, cuja função é “elevar a grande massa da população a um determinado nível cultural e moral, que corresponda às necessidades de desenvolvimento das forças produtivas e, portanto, aos interesses das classes dominantes” (Dicionário Gramsciano, 2017, Brasil).
“Enquanto a sociedade sem classes e sem Poder Público (...) não chega, é preciso lidar com a questão do Estado, da ocupação de espaços institucionais” Ainda Marx destacava o Estado como duto de corrupção, pelas “altíssimas somas que movimentava”. Há, hoje, arautos do Estado Mínimo que invocam essa crítica marxista para defender suas teses: quanto maior e mais forte o Estado, mais degenerado... Para eles, privatismo máximo seria o caminho. Enquanto a sociedade sem classes e sem Poder Público – que não será abolido, mas definhará até desaparecer – não chega, é preciso lidar com a questão do Estado, da ocupação de espaços institucionais. Estão na ordem do dia. Quase todas as lutas populares no Brasil buscaram alguma interferência na institucionalidade. Rosa Luxemburgo (1871/1919), para quem “a liberdade é, quase sempre, exclusivamente, a liberdade de quem pensa diferente de nós”, já previa o peso da burocracia no aparato de Estado soviético e propunha mais democracia: “sem uma luta de opiniões livres, a vida vegeta e murcha em todas as instituições públicas, torna-se uma vida aparente na qual a burocracia subsiste como o único elemento ativo”. Para o PSOL, são importantíssimos movimentos de abertura do Estado, com políticas públicas consequentes, às demandas das maiorias e dos grupos marginalizados, e também das chamadas (tantas vezes impropriamente) minorias. Saudamos o ‘Juízes pela democracia’, o garantismo de direitos e o Direito Insurgente, os raros governos populares que chamam constantemente as massas à participação e invertem prioridades, os mandatos parlamentares sintonizados com o clamor das ruas, os procuradores que defendem os direitos da cidadania e da ecologia, a cobrança crescente por transparência total e ética nas instâncias públicas. Vivendo a experiência concreta e atual de ser vice-presidente da República no Estado Plurinacional da Bolívia, Álvaro Garcia Linera valoriza o Estado como elo de elevação política, cultural e solidária do povo: “o Estado, com suas instituições, normas e procedimentos, orquestra o modo como concebemos aquilo que nos vincula aos outros, como educação, estradas, comércio, saúde e concepção de vida em coletividade”.
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No plano da democracia, os liberais fazem uma defesa do Estado mínimo. Mas é uma defesa em termos relativos. O Estado só é mínimo, para eles, no que se refere à garantia de direitos sociais. Na defesa dos interesses das elites, ele continua sendo “máximo”. Quando houve a crise econômica de 2008, por exemplo, os bancos no mundo inteiro foram salvos pelo estado. Para os liberais, capitalizam-se os lucros e socializam-se os prejuízos. Não haverá reforma política substantiva sem uma reforma democratizante do Estado, para que ele seja de fato “servidor” do povo e socialmente controlado. Por outro lado, sem a reorganização do mundo do trabalho – garantindo jornadas menos massacrantes para os assalariados urbanos e rurais – não será possível a democracia ampliada, de alta intensidade, “sem fim”: onde o tempo útil para a participação política de quem se esgota diariamente na luta pela sobrevivência? Há que se reconhecer, por outro lado, a força do globalitarismo e da financeirização mundial do Capital, que inibe o protagonismo dos estados nacionais. Como assinalou Zygmunt Bauman, existe uma discrepância entre o alcance global, extraterritorial, dos poderes que realmente importam para nossa vida e as políticas dos Estados, destinadas a confrontá-los, mas que estão confinadas às fronteiras territoriais. “Os Estados que pretendem proteger seus residentes e defender seus interesses não podem mais cumprir suas promessas, pois não têm mais os poderes necessários para isso”. O exemplo do Sryza, na Grécia, nos interpela...
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CAMINHOS PARA A TRANSFORMACAO
Nunca na história desse país polícia e política andaram tão juntas. A centena de inquéritos sobre autoridades no STF e os duzentos processos em outras instâncias da Justiça devem-se a duas razões fundamentais – e deploráveis: grandes corporações empresariais financiam figuras públicas e legendas em troca de atendimento a seus interesses, como privilégios em licitações nos Executivos, e aprovação de leis facilitadoras de seus negócios nos Legislativos; e candidatos e autoridades cobram apoio financeiro de empresas para colocar-se a seu serviço, sendo que isso permitiu ilícito aumento patrimonial a vários e fartura de recursos – muitas vezes pelo caixa 2 – nas campanhas, desequilibrando as disputas eleitorais. É isto que as operações anticorrupção revelam: poderosos corruptos e corruptores cederam ao poder dissolvente do dinheiro. O sistema político está apodrecido e precisa ser substancialmente modificado. Isto não acontecerá através de ação judicial. Ministério Público, polícia e justiça apontam os problemas, mas não são os responsáveis por sua solução. Em uma República democrática, isto cabe à cidadania consciente, organizada e ativa. Só uma Assembleia Nacional Constituinte exclusiva para a Reforma Política, com intensa participação popular, será capaz de avançar neste sentido. Assim, face à mais grave crise da República desde que superamos a ditadura civil-militar instaurada pelo golpe de 1964, é urgente que:
1. Sejam autorizadas as investigações também sobre Michel Temer; 2. As autoridades que têm funções especiais de mando – como ministros e relatores de projetos – delas se afastem, até que tudo se esclareça. 3. Os órgãos de controle ético da Presidência da República e do Congresso Nacional abram, de ofício, procedimentos apuratórios preliminares da conduta dos investigados. 4. Cada denunciado se coloque publicamente, apresentando suas razões, abrindo suas contas e colocando-se à disposição da Justiça. 5. O poder constituinte originário, o povo, seja demandado para, através de regras eleitorais claras e paritárias, escolher seus novos governantes e legisladores. Como quer 85% da população brasileira, Diretas já! Essas iniciativas, entretanto, só ocorrerão se houver intensa e organizada pressão popular. Vire a página para conhecer caminhos para a transformação!
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QUAL DEMOCRACIA QUEREMOS?
O PSOL conhece a história do autoritarismo no Brasil. Ele começa, a partir da conquista da nobreza e da burguesia mercantil portuguesa sobre o território, como sucursal do Estado Monárquico Absolutista. Sem unidade política exceto pelo fato de ser colônia, o Estado colonial era um conglomerado de capitanias hereditárias, organizado para estimular produção de exportação à base da mão de obra de negros africanos escravizados. Esse Estado opressor dá lugar ao Estado Nacional do Império, assentado ainda sobre o latifúndio, a monocultura, a escravidão e a dependência externa. Até o final do século XIX tivemos, portanto, mais ‘estadania’ do que cidadania. Mesmo Mesmo a nossa “República”, por largo a nossa “República”, por largo tempo, foi a da dominação oligárquica, do “coronelismo, enxatempo, foi a da da e voto”. A chamada Revolução de 1930 foi dominação oligárquica, expressão de anseios democratizantes de uma do “coronelismo, burguesia industrial e classes médias urbanas em ascensão, em composição com parte das enxada e voto” velhas oligarquias. A partir daí se monta, com Vargas, a estrutura até física do Estado nacional (vide a imponência de alguns prédios de ministérios na “Velhacap”, o Rio). A República Nova, até a Nova República, pós ditadura civil-militar de 64, foi marcada por longos períodos autoritários. A democracia liberal entre nós tem sido mais exceção do que regra. Mas a luta contra o autoritarismo consolidou uma cultura democrática progressista que tem peso na sociedade brasileira, por mais que o descrédito nas instituições políticas – notadamente os partidos – seja crescente. O PSOL, que disputa periodicamente as eleições e valoriza a conquista de espaços institucionais, entende que o Estado no século XXI – compreendido como os Poderes Executivo, Legislativo, Judiciário e as instâncias da administração pública nos planos municipal, estadual e federal – não é simples representação dos interesses exclusivos da burguesia. E nem essa é monolítica, aliás. O Estado, para nós, ainda que expresse vontades dominantes de grandes corporações privadas em seu interior, organizadas como cartéis econômicos, comporta contradições. Trata-se de democratizá-lo, desprivatizá-lo, colocá-lo a serviço do povo. E isso implica também em controlá-lo socialmente, para que não se avulte como Estado repressor e autoritário. Lênin dizia que “o socialismo é inconcebível sem democracia em dois sentidos: 1) o proletariado não pode realizar a revolução socialista se não se preparar
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Charge do cartunista Henfil pelas eleições diretas após a Ditadura Civil Militar
para ela através da luta pela democracia; 2) o socialismo vitorioso não poderá consolidar sua vitória e conduzir a humanidade no sentido da extinção do Estado se não tiver realizado integralmente a democracia”. Isso implica, hoje, em reconhecer a pluralidade de sujeitos políticos, em estimular os mais diversos movimentos, respeitando sua autonomia, e em construir consensos majoritários respeitando os que pensam diferente. Passado um século, cresce a compreensão da democracia total como fim e não meio. Reconhecer os limites da democracia representativa hoje é insistir com a ‘presentação’, para além da representação (=democracia direta). A mera delegação está em questão. A permanente participação popular na gestão é um imperativo. Mas é também urgente apresentar propostas de mudança radical do sistema político, para que as maiorias sociais possam se tornar maiorias políticas no Estado. O desenvolvimento da democracia brasileira depende de uma Reforma Política popular, que venha a amplificar o poder das massas, O projeto Iniciativa Popular de Reforma Política liderado pela CNBB e a OAB contempla muitos elementos de avanço neste sentido (www. reformapoliticademocratica.org.br). Na atual correlação de forças no Parlamento, a maioria da direita é avassaladora. Nesse patamar de uma institucionalidade degradada e uma representação política falida, a direita, antes
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nadando de braçada, começa a enfrentar dificuldades para impor seus projetos. Crescem as tentativas na sociedade de se opor a isso. É preciso encontrar uma forma de transformar a indignação de parte crescente da sociedade brasileira em força política dentro da institucionalidade. A possibilidade de ampliar espaço na institucionalidade está ligada à necessidade de ampliar a presença nos movimentos – em todos eles, como os movimentos identitários e os movimentos contra as opressões. É papel de nosso partido estar em conexão direta com as forças vivas da sociedade, e se transformar em sua representação mais imediata. Democracia não é só política: não iremos ampliar nossa estrutura democrática sem a realização de reforma agrária, agrícola, urbana, tributária, midiática (democratização dos meios) e Judiciária. Há uma complementaridade entre democracia representativa, democracia participativa e democracia direta. É preciso combinar a representação popular na institucionalidade com a tomada direta de decisões das grandes massas, atuando em sintonia e conexão política. Uma experiência brasileira importante no plano da radicalização da democracia foram os Orçamentos Participativos. É papel do PSOL estudar esse instrumento, entender seus limites, e atualizar seu modelo, analisando, inclusive, propostas mais atuais, como a do Gabinete Digital.
quino.com.ar
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QUAL ECONOMIA QUEREMOS?
O Brasil atravessa um momento de grave crise econômica e social, em meio a um quadro de excepcionalidade institucional inédita. A conjuntura de crise internacional e seus efeitos sobre os países da periferia, dependentes da exportação de produtos primários e semielaborados, como é o caso do Brasil, nos coloca graves incertezas para o nosso presente e futuro próximos. O programa de Temer/Meirelles não oferece qualquer possibilidade de superação da crise e criação de condições para a retomada do crescimento. Seu objetivo pode ser resumido em uma tentativa dos setores financeiros apenas consolidarem posições de vantagem competitiva, através do controle de parcelas ainda maiores do Orçamento da União, redução do custo-trabalho e abertura de novos negócios para os cartéis dominantes – na exploração do pré-sal, nos negócios da previdência privada ou nas novas concessões de serviços de infraestrutura. São medidas que não representam qualquer garantia de reversão do quadro recessivo, do recrudescimento do desemprego ou do processo de perda de renda dos trabalhadores. A partir da reeleição de Dilma Rousseff, em 2014, paradoxalmente contra a vontade expressa nas urnas, o país foi submetido a medidas econômicas que nos empurraram à recessão, ao desemprego e à acelerada deterioração dos serviços públicos voltados à população.
“O programa de Temer/Meirelles não oferece qualquer possibilidade de superação da crise e criação de condições para a retomada do crescimento” Posteriormente, já em 2016, tivemos o processo de impedimento da presidente eleita e a ascensão ao governo federal, como polo dominante, de um conjunto representativo de políticos totalmente comprometido com as promíscuas relações envolvendo corporações empresariais e o Estado brasileiro, justamente através da corrupção sistêmica, revelada pela Operação Lava-Jato, dentre outras. Agora, em 2017, além de assistirmos ao acidente que vitimou Teori Zavascki, o ministro-relator desse rumoroso processo no Supremo Tribunal Federal, a junta de governo comandada por Michel Temer e Henrique Meirelles acelera uma pauta de mudanças constitucionais e novas leis no país altamente lesiva aos interesses nacionais e contrária aos direitos sociais, de defesa dos trabalhadores. O impedimento da presidente Dilma Rousseff representou o fim da política de conciliação de classes promovida pelos governos lulistas, explicitada a partir da campanha eleitoral de 2002. Essa política alimentou a ilusão na possibilidade
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de viabilizar um processo de combinação de crescimento econômico, melhor distribuição de rendas, redução de desigualdades e expansão do gasto social e do investimento público, a partir da lógica macroeconômica que nos rege desde os anos 1990. Contudo, mais grave ainda é o significado maior dessa ofensiva, comandada pelos setores hegemônicos da classe dominante, em torno das chamadas “reformas”, verdadeiros ataques à previdência social e à legislação trabalhista, entre outras, como o congelamento das despesas primárias da União, por vinte anos. O rompimento não é apenas em relação ao acordo de conciliação: trata-se de um golpe final no próprio pacto social engendrado pela Constituição de 1988, uma velha aspiração de natureza liberal, amparada e explicada justamente pelas novas bases macroeconômicas, estabelecidas no país desde os anos 1990. A principal característica dessas novas bases é a abertura da conta de capitais e o processo de liberalização financeira, consolidados a partir da criação do Plano Real e a adoção da nova moeda. A consequente liberalização financeira condicionam de forma grave as políticas monetária e fiscal. Retiram a margem de manobra e independência dessas políticas, na busca do pleno emprego, da distribuição de rendas e do controle inflacionário, além de impedir a adoção de uma política cambial realista, de defesa e estímulo ao aparato produtivo nacional, em especial da indústria. A busca de formação de reservas cambiais (através de elevadas taxas reais de juros) e a necessidade de recursos fiscais voltados para o pagamento da carga de juros incidentes sobre a dívida pública (metas de superávit primário) retiram margem de manobra importante da política econômica, no sentido da expansão do investimento público e da administração da dívida pública com taxas reduzidas de juros. Ao mesmo tempo, a sobrevalorização cambial torna-se inevitável, frente ao fluxo de entrada de capitais, com todos os seus nefastos efeitos. Essa contradição foi gerida pelos responsáveis pela política econômica dos governos petistas, de 2003 a 2014, através do melhor resultado da conta corrente do país, fluxos de capitais externos e, a partir da crise internacional de 2007/2008, participação dos bancos públicos no financiamento a novos investimentos.
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Contudo, a reversão do ciclo de valorização das commodities e a pressão política dos setores privatistas fizeram com que, a partir do primeiro mandato de Dilma Rousseff, os contornos de viés heterodoxo na administração do modelo econômico da abertura financeira fossem paulatinamente sendo abandonados. As políticas de isenções e desonerações fiscais, concedidas às empresas de inúmeros setores, não foram capazes de sustentar o nível de demanda agregada, fortemente pressionado pelo endividamento das famílias e das empresas não financeiras, mas influenciado de sobremaneira pela redução do investimento público estatal. A tentativa de abertura de uma nova fase de privatizações, através de programas de concessões de serviços de infraestrutura, buscando investidores externos, igualmente não foi bem-sucedida. O resultado do primeiro mandato de Dilma pode ser traduzido por estagnação econômica e o paulatino retorno às características “Trata-se de um golpe mais ortodoxas de administração do modelo final no pacto social de abertura financeira do país. Após a sua viengendrado pela tória nas eleições presidenciais de 2014, isso Constituição de 1988” ficou claro, com a adoção de medidas de forte caráter contracionista e que nos levaram à atual prolongada recessão que vivemos. Enfrentar esse quadro é o principal desafio econômico que os setores de oposição ao golpe parlamentar e críticos ao pacto lulista devem assumir. A crise econômica brasileira atual pode criar as bases políticas que nos venha permitir derrotar o modelo dos bancos e multinacionais, os verdadeiros beneficiários do modelo atual, com seus juros reais elevadíssimos e uma taxa de câmbio supervalorizada. Para tanto, no contexto de uma reforma do Estado que consagre a prevalência dos interesses populares em relação aos interesses dos cartéis econômicos, mudar substantivamente o atual modelo econômico é tarefa prioritária. O objetivo maior será assegurar condições que nos permitam a combinação de crescimento econômico, geração de empregos de qualidade, distribuição de renda e riquezas e o fortalecimento de fatores endógenos favoráveis ao desenvolvimento, buscando a redução da dependência estrutural econômica do país e seu consequente subdesenvolvimento. Apontamos, para uma nova ordem, algumas medidas essenciais: 1. Redução da vulnerabilidade externa do país, com medidas de controle sobre os fluxos de capital, e de defesa da moeda nacional, do parque produtivo interno e da competitividade de nossas exportações; 2. Redução paulatina e planejada da taxa real de juros e o alongamento dos prazos de vencimento da dívida pública mobiliária, amparado e concomitante ao processo de auditoria do endividamento público brasileiro, de acordo com as Disposições Transitórias da Constituição Federal e as recomendações da CPI da Dívida Pública;
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3. Instituição de uma reforma tributária progressiva, tendo como objetivo maior a alteração da estrutura tributária atual, tornando os impostos diretos mais relevantes na formação do bolo tributário do que os impostos indiretos. Ampliação da faixa de isenção do Imposto de Renda Pessoa Física, para o valor equivalente ao salário mínimo necessário, calculado pelo Dieese; criação de uma nova estrutura de alíquotas, com variações de 5 a 55% da renda pessoal tributável; revisão de toda a estrutura de isenções do Imposto de Renda Pessoa Jurídica, bem como das isenções e desonerações que, a pretexto de incentivar a produção, estão instituídas para diversos setores da atividade econômica; restabelecimento da taxação sobre a distribuição de lucros e dividendos; criação do imposto sobre grandes fortunas e elevação das alíquotas incidentes sobre heranças e doações; e a instituição do Imposto de Valor Agregado, em substituição aos atuais Imposto sobre circulação de mercadorias e serviços e Imposto sobre Produtos Industrializados; 4. Reforma Fiscal, com o objetivo de reconfigurar o chamado pacto federativo, descentralizando recursos, hoje concentrados na esfera da União (hoje, 58% dos impostos vão para a União, 23% para os estados, 19% para os municípios); 5. Reformas agrária e agrícola, para incentivar a mudança do paradigma tecnológico atual para uma agricultura orgânica, estruturada na produção de milhões de pequenos proprietários rurais e com apoio logístico e técnico do Estado; 6. Reforma Urbana, como base para o desenvolvimento de um ambicioso e massivo programa de construção de moradias de qualidade, e aproveitamento habitacional de prédios ociosos, com adequada infraestrutura de saneamento, transportes e serviços públicos em geral; 7. Mobilização de recursos estatais e paraestatais para a modernização, redução de custos e controle social permanente da infraestrutura logística de transportes – de cargas e passageiros, de energia e de telecomunicações do país; 8. Definição das áreas de educação, cultura, saúde, previdência e assistência social como setores estratégicos e essenciais do Estado brasileiro, com a plena profissionalização dos seus servidores e o estabelecimento de planos de carreira estáveis, valorizados e de dedicação exclusiva; 9. Defesa e consagração do regime de repartição, como referência do sistema de pagamento de aposentadorias e pensões, no âmbito da Previdência Social Pública, e a definição do valor equivalente ao do maior vencimento do serviço público federal como teto de referência para descontos e pagamentos dos regimes previdenciários estatais; 10. Fim da DRU – Desvinculação de Receitas da União; fim da chamada desoneração da Folha de Pagamentos; respeito ao Orçamento da Seguridade Social, de acordo com o texto original da Constituição Federal de 1988; e a criação do Ministério da Seguridade Social, como forma de fortalecer o financiamento e atendimento estatal nas áreas da saúde, assistência social e previdência;
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PROJETOS DE LEI DE 2017
O Poder Legislativo é o responsável pela elaboração de leis. A Constituição Federal estabelece que esta competência no âmbito municipal é das Câmaras de Vereadores, nos estados da federação e no Distrito Federal é das Assembleias Legislativas e Câmara Distrital; e no âmbito da União é do Congresso Nacional, composto pela Câmara dos Deputados e Senado Federal. Tem uma ideia de Projeto de Lei? Envie-a para a gente! Muitos dos nossos projetos começaram assim. O endereço é plsdochico@chicoalencar.com.br. A seguir, destacamos as proposições do mandato em 2017: PL-7565/2017: Tramitando em conjunto com outra lei; Data de apresentação: 4/5/2017 Ementa: Acrescenta artigo à Lei nº 12.232, de 29 de abril de 2010, para estabelecer a obrigatoriedade de divulgação de informações acerca dos custos de campanhas publicitárias oficiais. PL-7566/2017: Aguardando Apensação; Data de apresentação: 4/5/2017 Ementa: Altera a Lei n. 12.813 de 16 de maio de 2013 para incluir o Poder Legislativo na Lei de conflito de interesses no exercício de cargo ou emprego. PL-7567/2017: Tramitando em conjunto com outra lei; Data de apresentação: 4/5/2017 Ementa: Dispõe sobre o financiamento das campanhas eleitorais, alterando a Lei nº 4.737, de 15 de julho de 1965 (Código Eleitoral), a Lei nº 9.096, de 19 de setembro de 1995 (Lei dos Partidos Políticos), e a Lei nº 9.504, de 30 de setembro de 1997 (Lei das Eleições), e sobre a forma de subscrição de eleitores a proposições legislativas de iniciativa popular, alterando a Lei nº 9.709, de 18 de novembro de 1998. PDC-676/2017: Aguardando Despacho do Presidente da Câmara; Autores: Glauber Braga - PSOL/RJ,Edmilson Rodrigues - PSOL/PA, Chico Alencar PSOL/RJ,Jean Wyllys - PSOL/RJ, Ivan Valente - PSOL/SP. Data de apresentação: 24/5/2017 Ementa: Susta Decreto de 24 de Maio de 2017 do Presidente da República que autoriza o emprego das Forças Armadas para Garantia da Lei e Ordem no Distrito Federal. REQ-26/2017 CDHM: Pronta para Pauta; Data de apresentação: 17/4/2017 Ementa: Requer a realização do 14º Seminário LGBT.
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REQ-6127/2017: Aguardando Despacho do Presidente da Câmara; Data de apresentação: 21/3/2017 Ementa: Requeremos, com base no artigo 68 do Regimento Interno da Câmara dos Deputados, a realização de Sessão Solene destinada a homenagear os 100 anos da Revolução Russa, preferencialmente no dia 26 de outubro de 2017. REQ-62/2017 na Comissão de Direitos Humanos e Minorias: Realizado; Data de apresentação: 30/5/2017 Ementa: Requer o Lançamento do Relatório de Conflitos no Campo Brasil 2016 elaborado pela CPT - Comissão Pastoral da Terra - CNBB, seguido de Audiência Pública no âmbito desta Comissão para discutir o Relatório e o crescente número de mortes de trabalhadores, consequência de conflitos no campo. RIC-2712/2017: Aguardando Definição; Data de apresentação: 14/2/2017 Ementa: Solicita ao Ministro da Educação, senhor José Mendonça Bezerra Filho, informações acerca dos gastos publicitários da pasta. RIC-2713/2017: Aguardando Definição; Data de apresentação: 14/2/2017 Ementa: Solicita ao Ministro-Chefe da Casa Civil, Eliseu Padilha, informações no âmbito da Secretaria Especial de Comunicação Social. RIC-2750/2017: Aguardando Definição; Data de apresentação: 22/2/2017 Ementa: Solicita ao Ministro de Planejamento, Desenvolvimento e Gestão, senhor Dyogo Henrique de Oliveira, informações acerca do concurso público ocorrido no dia 21 de fevereiro de 2016. RIC-2811/2017: Aguardando Definição; Data de apresentação: 28/3/2017 Ementa: Requer ao Ministro de Estado da Agricultura, Pecuária e Abastecimento informações acerca do Decreto 8762, de 2016, no que se refere aos artigos 10, 11 e 12, considerando os sérios indícios de irregularidades apontados. RIC-2812/2017: Aguardando Deliberação; Data de apresentação: 28/3/2017 Ementa: Solicita ao Ministro do Trabalho informações acerca da divulgação do cadastro de empregadores flagrados com mão de obra análoga à escrava. PL-5988/2016: Aprovado na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania; Chico foi o relator do Projeto. Ementa: Institui o Dia Nacional do Ciclista.
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FISCALIZE O SEU REPRESENTANTE!
Não basta eleger. É fundamental, além de votar consciente, acompanhar, cobrar, participar. Você está desencantado com a política e tem razão, pois o que impera é o roubo, a mentira, a politicalha. Mas não deve entrar nessa do “são todos iguais”. Há aqueles poucos partidos e parlamentares que não se adaptaram ao sistema decrépito. Eles são, junto com tantos movimentos criativos de nossa gente, sinal de que “o novo sempre vem”.
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Na nossa história recente, à luta contra a censura, a tortura e o arbítrio seguiu-se a campanha pelas Diretas Já, em 1984. Um marco de mobilização cidadã que culminou na promulgação da Carta Magna de 1988, a mais democrática que o Brasil já teve. Hoje, quando a praça grita por #DiretasJá, brada pelo fim de um governo não de notáveis, mas de notórios investigados. Quinhentos e noventa e quatro deputados e senadores não podem substituir 144 milhões de eleitores! Ainda mais quando um quarto do Congresso Nacional está acusado, entre outros crimes, de venda de projetos e votos. E é por isso que clamamos contra a retirada de direitos e por Diretas Já e SEMPRE!