Socializando experiências e refletindo sobre as mudanças climáticas RECIFE, 2019
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Cordel Projeto Caravana de Educação Ambiental
uma história aqui vamos contar Do Projeto Caravana de Educação Ambiental Com crianças, adolescentes e jovens Que construíram uma relação muito legal Aprendendo sobre meio ambiente Através de atividades artísticas e culturais Mudanças climáticas foi a principal temática Das oficinas e do espetáculo tivemos muitos aprendizados Com o Pedra Polida e a Diaconia Dos assuntos temos nos apropriado Entendendo que na escola e no dia a dia O meio ambiente precisa ser cuidado No projeto conhecemos as cisternas Que capta água pra população É uma tecnologia social Que do governo chama a atenção Para construir alternativas De convivência com o semiárido e educação No intercâmbio pro Pajeú Vimos muita gente consciente Ivan, Dona Ana e Afonso Com potenciais especiais e independentes São pessoas felizes e trabalhadoras E também muito resistentes No Sertão tem diversão, calor e emoção O povo protege os biomas que são seis no seu total Cerrado, Pampas, Caatinga Amazônia, Mata Atlântica e Pantanal Se cuidarmos manteremos os biomas Do Sertão ao Litoral As escolas e participantes agora tem uma missão Semear a experiência para ela se multiplicar Faremos isso com coragem e entusiasmo Pois em maio de 2019 o projeto vai encerrar Mas ficará registrado nessa publicação E no coração de quem dele pôde participar.
Cordel construído por estudantes da rede pública municipal de ensino do Recife.
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Publicação da Diaconia Conselho Diretor Presidenta Pastora Joana D’arc Meireles Igreja Metodista Vice-presidente Pastor Airton Schroeder Igreja Evangélica Luterana do Brasil 1ª Secretária Joselaide Vasconcelos Igreja de Cristo 2ª Secretário Pastor Acácio Gonçalves Igreja Presbiteriana do Brasil 1ª Tesoureira Jaqueline Kuster Igreja Evangélica de Confissão Luterana do Brasil 2º Tesoureiro Pastor Rinaldo César União das Igrejas Congregacionais Vogal Pastor José Benício Neto Igreja Presbiteriana Independente 1ª Suplente Elisabeth Oliveira Igreja Metodista 2º Suplente Pastor Marcos Moura União das Igrejas Congregacionais
Conselho Fiscal Pastor João Batista Igreja Presbiteriana Independente
Heron Hilgemberg Igreja Evangélica Luterana do Brasil Pastor Jacson Irio Andrioli Igreja Cristianismo Decidido Pastor Márcio Moraes Igreja de Cristo Pastor Izaías Torquato Igreja Anglicana Josefa Maria Silva Igreja Evangélica de Confissão Luterana do Brasil
Coordenação Político-Pedagógica Waneska Bonfim
Expediente Organização Joselito Costa Camila Rago
Texto Érika Nascimento
Revisão Tádzio Estevam
Fotografias Acervo Diaconia/Tádzio Estevam
Capa e ilustrações Coordenação AdministrativoFinanceira Maria Orlenir Santos
Máquina do Bem
Projeto gráfico Máquina do Bem
Coordenação Colegiada Afonso Cavalcanti Sertão do Pajeú - PE Joselito Costa Região Metropolitana do Recife - PE Kezzia Cristina Região Metropolitana de Fortaleza - CE Risoneide Lima Oeste Potiguar - RN
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Apresentação D
esequilíbrio ambiental nas cidades, escolas desafiadas a cumprir sua função social, e juventudes capazes de protagonizar suas histórias. Foi este o enredo que levou a Diaconia a conceber o Projeto “Caravana de Educação Ambiental: Construindo conhecimento e socializando práticas de enfrentamento aos efeitos das mudanças climáticas”.
A construção da proposta foi motivada por escutas realizadas por ocasião de uma experiência anterior, executada pela Diaconia, e intitulada ‘Águas das chuvas: Educação e adaptação às mudanças climáticas nas cidades’. No novo roteiro, o desejo de ‘promover processos de educação ambiental, envolvendo adolescentes e jovens estudantes, professores, professoras, gestores e gestoras de escolas públicas municipais e comunidades da cidade do Recife, com o intuito de proporcionar às comunidades escolares melhores condições de superação das desigualdades sociais, viabilizando às escolas o acesso à água, através da utilização de tecnologia social de coleta e armazenamento de águas pluviais com a construção de cisternas de placas’. Na escolha do caminho, uma certeza: a implementação do projeto deveria envolver adolescentes e jovens estudantes e integrantes do Grupo Teatral Pedra Polida, reafirmando-os enquanto sujeitos de direito e protagonistas na condução de suas histórias. Embalados e embaladas por esse sonho, nos propusemos a realizar algumas ações bastantes desafiadoras: (i) mapear e selecionar escolas municipais a fim de desenvolver o projeto; (ii) sensibilizar e formar adolescentes e jovens do Grupo Teatral Pedra Polida na temática ‘Mudanças Climáticas’; (iii) contribuir com a montagem de um espetáculo teatral; (iv) conduzir uma caravana de Educação Ambiental em escolas públicas com apresentação do espetáculo, oficinas temáticas e minicursos; (v) construir a tecnologia social ‘cisterna de placas’ para captação de águas de chuva em cada escola participante; (vi) realizar um intercâmbio entre integrantes das escolas públicas selecionadas e experiências exitosas na região do Sertão Pernambucano; (vii) produzir uma publicação; e (viii) realizar um seminário de socialização dessa experiência, apresentando os resultados e construindo alternativas de continuidade.
Nossa intenção com esta publicação é, portanto, provocar reflexões, difundir conteúdos e disseminar as práticas que foram sistematizadas a partir da experiência do Projeto, demonstrando que é possível estabelecer formas mais equilibradas de convivência com a humanidade e com o meio ambiente. Esse nosso sonho persiste! Por isso, nos desafiamos a seguir investindo na transição para outro paradigma, estimulando a participação e o protagonismo social, o desenvolvimento de processos articulados de experimentação e convivência; práticas de conservação e preservação ambiental; e a organização coletiva para incidência política. No caminho da equidade socioambiental, nossa aposta tem sido no fortalecimento da agroecologia, entendendo-a como uma alternativa que se contrapõe à ideia de exploração, ao passo que redesenha o sistema de produção e promove mudanças sociais que possibilitam efetiva transformação nas vidas das pessoas. Assim, essa publicação é também um exercício de construção de outros cenários. Ela reúne um conjunto de textos com aspectos históricos, políticos, sociais e ambientais que dialogam diretamente com as temáticas do Projeto “Caravana de Educação Ambiental: Construindo conhecimento e socializando práticas de enfrentamento aos efeitos das mudanças climáticas”, e apresenta as estratégias e os aprendizados do processo. O que desejamos é que este material seja útil para a criação de novos passos, de novas danças, de novos espetáculos. Boa leitura.
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O Caminho percorrido
MAIO 2018
Construção � das Cisternas Construção de cinco cisternas de placa de 16 mil litros para captação e armazenamento de águas das chuvas, como instrumento pedagógico de educação ambiental para as unidades de ensino.
Articulação
Seleção
Diálogo com a Prefeitura da Cidade do Recife, através da Secretaria de Meio Ambiente e Sustentabilidade para mapeamento e indicação de escolas a serem selecionadas para o projeto.
Visitas técnicas às escolas indicadas pela Prefeitura e seleção de 06 escolas para participarem do projeto. Foram elas: Escola Antônio Farias Filho, no bairro de San Martin (RPA 5); Escola Mundo Esperança, localizada em Sítio dos Pintos (RPA 3); Escola Engenheiro Henoch Coutinho de Melo, da comunidade de Brasília Teimosa (RPA 6); Escola da Iputinga, no Cordeiro (RPA 4); Escola Poeta Jônatas Braga, na comunidade de Campo Grande (RPA 2); e Escola Reitor João Alfredo, localizada no bairro da Ilha do Leite (RPA 1);
Intercâmbio Vivência para troca de experiências no Sertão do Pajeú, em Pernambuco, sobre mudanças climáticas e tecnologias sociais de convivência com o semiárido, entre jovens do Grupo Teatral Pedra Polida, estudantes, professores/as, gestores/as das seis escolas do Recife, representantes do Centro Comunitário Vivendo e Aprendendo e famílias agricultoras e estudantes e professores/as da Escola Baraúnas, no município de São José do Egito.
Avaliação Encontros de Avaliação da experiência do projeto e de elaboração de conteúdo para publicação de sistematização da experiência com estudantes, professores/as e gestores/as das seis escolas e com os jovens do Grupo de Teatro Pedra Polida.
Socialização da experiência Realização de um seminário de socialização da experiência � do projeto e lançamento da publicação, envolvendo escolas, � parceiros e Diaconia.
Publicação Produção e distribuição de uma publicação sobre a experiência do Projeto Caravana de Educação Ambiental.
MAIO 2019
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De onde partimos A
concepção do Projeto “Caravana de Educação Ambiental: Construindo conhecimento e socializando práticas de enfrentamento aos efeitos das mudanças climáticas” se sustentou em alguns pressupostos que orientaram toda a sua execução, e que também são conteúdos das seções que estruturam essa publicação, como se pode ver a seguir. Nosso ponto de partida foi a compreensão de que:
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O planeta já está sofrendo mudança climática! É preciso, portanto, construir e consolidar formas de atenuar os efeitos dessas mudanças nas zonas rurais e também nas cidades brasileiras;
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As juventudes têm construído alternativas de convivência equilibrada com o meio ambiente. Elas devem ser incentivadas a participar da elaboração de políticas públicas e de outras iniciativas de preservação e de educação ambiental, sempre considerando-as enquanto sujeitos de direitos e respeitando as suas especificidades;
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A escola continua sendo um espaço de referência para a sociedade e, portanto, profícua para construção do conhecimento, fortalecimento da perspectiva crítica, e consequente promoção de mudanças estruturais como as que tratam da relação entre as pessoas e o meio ambiente;
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A articulação e a construção de parcerias é, ao mesmo tempo, estratégia e condição primária para promover trocas e construir experiências sustentáveis.
As cidades e os efeitos das mudanças climáticas O
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tema do Meio Ambiente continua sendo pauta fundamental para populações e governos em todo o mundo. Questões como gestão de recursos hídricos, geração e destinação dos resíduos sólidos, e educação ambiental permanecem no centro dos debates porque se relacionam diretamente com a qualidade de vida das pessoas e com a sustentabilidade do planeta. Este tema também tem centralidade na forma como a Diaconia organiza sua intervenção institucional, em especial, nos territórios semiáridos, onde atua com as temáticas Meio Ambiente e Clima e Segurança Alimentar, Nutricional e Hídrica desde 1998, com o propósito de colaborar efetivamente para a convivência com o semiárido brasileiro a partir dos princípios da agroecologia. Trata-se de iniciativas capazes de favorecer a convivência equilibrada com o meio ambiente, a partir da conservação dos recursos naturais disponíveis através da formação e conscientização ambiental; do incentivo ao uso de tecnologias sociais e energias renováveis; e do manejo adequado dos resíduos sólidos. Porém, as consequências da relação humana com o Meio Ambiente não se restringem apenas aos territórios rurais, do contrário, temos observado e sentido os efeitos desastrosos dessa relação nas cidades brasileiras. Para entendermos esse fenômeno é preciso olhar para a história, e com isso, reafirmarmos que é somente a partir da combinação entre imaginário e ação coletiva de homens e mulheres, que podemos pensar o que é cidade, como ela se constituiu e como se constrói e reconstrói cotidianamente. Desde a antiguidade, a cidade se estabeleceu como um lugar político onde decisões eram tomadas e impostos cobrados, lugar dos templos e de produção de conhecimento, e invariavelmente, um lugar de poder. Esse poder estava intimamente relacionado ao domínio territorial e com a possibilidade de intervenção na natureza. A ideia de cidade como aglomerado humano passou a existir junto com a necessidade de fixação das pessoas na terra, sobretudo, para o trabalho agrícola, mas, é somente com o surgimento do excedente da produção que a cidade se estabelece como lugar de trabalho, moradia, e principalmente de consumo.
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É importante afirmar ainda que a cidade surge representando um ideal de avanço, em contraposição ao país agrário do século XX considerado arcaico pela elite nacional. Desse modo, ela foi uma aposta na perspectiva da modernidade e do progresso representado pela urbanização. “A salvação parecia estar nas cidades... era só vir para elas e desfrutar de fantasias como emprego pleno, assistência social, lazer...Não aconteceu nada disso, é claro, e, aos poucos, os sonhos viraram pesadelos” (Santos, 1986, p. 2). Os pesadelos foram e estão materializados em um quadro de exclusão social e segregação ambiental composto por dificuldades de acesso e a má qualidade dos serviços de infraestrutura urbana como transporte, abastecimento de água, saneamento, saúde, educação, violência, a falta de acesso à profissionalização e ao emprego, e as desigualdades relacionadas ao gênero, à sexualidade e à raça montam um cenário de desestruturação e de caos.
do Recife a escassez de água e o consequente contingenciamento no abastecimento da população ocorrem há décadas. Embora haja oscilação no volume acumulado dos principais mananciais da região (barragens de Tapacurá e Botafogo), a população continua enfrentando um rigoroso racionamento de água. Contraditoriamente, são constantes os casos de enchentes provocadas pelo aumento do volume de água nos períodos de maior incidência de chuva. Esses acumulados a que chamamos de chuvas intensas são significativos, e podem provocar enxurradas que se caracterizam pelo escoamento superficial concentrado e com alta energia de transporte. Dependendo da intensidade, condição e cobertura do solo, e também da duração da chuva, estes eventos podem durar minutos ou horas. A falta de limpeza de bueiros e capacidade insuficiente das tubulações com escoamento da água é um dos fatores que podem contribuir para que ocorra enxurrada nas cidades.
Desse modo, o inchaço das cidades, o uso e a ocupação desordenada do solo, a exploração de recursos naturais, a super exploração do espaço urbano pelo capital imobiliário, a falta de acesso à moradia, a irregularidade territorial e a segregação espacial estão diretamente relacionadas com as condições de vida e impactos ao meio ambiente, sobretudo, da população pobre e periférica.
A falta e o excesso de água também comprometem o bom funcionamento das escolas. É fato, portanto, que esse desequilíbrio com os recursos hídricos prejudica direta e sistematicamente milhares de crianças, adolescentes e jovens na cidade do Recife. Soma-se a isto um contexto de desinformação da população quanto à importância do usufruto equilibrado dos recursos oferecidos pela natureza. Reiteradamente é possível verificar práticas degradantes, no conjunto da sociedade recifense, que agravam os problemas ambientais. Por isso, a temática da sustentabilidade é também um desafio a ser enfrentado por todos os espaços da sociedade que se propõem a construir modelos de desenvolvimento mais justos, nas relações sociais e com meio ambiente, nesse sentido, as escolas são espaços fundamentais de transformação.
Os impactos ambientais causados pelas mudanças climáticas já têm provocado consequências catastróficas para os ecossistemas e a humanidade e estão evidenciados com ameaças a já frágil infraestrutura das cidades, diminuição da produtividade nas lavouras e alterações de oceanos. Assim, atividades como o desmatamento, a queima de combustíveis fósseis para geração de energia (petróleo, carvão mineral e gás natural), e práticas não sustentáveis na agricultura e pecuária são as principais responsáveis pela emissão de gases de efeito estufa como o carbono (CO2) e metano (CH4).
Os atuais e futuros cenários resultantes dos efeitos das mudanças climáticas trazem à tona a importância de se discutir alternativas para o enfrentamento deste problema nas zonas urbanas. É nesse contexto que se apresenta a necessidade de continuar investindo em estratégias de educação ambiental que considerem a complexidade da questão e reconheçam os diversos sujeitos corresponsáveis pela eficácia da relação sustentável com o meio ambiente; bem como de investir na possibilidade de utilização de novas tecnologias sociais, como as de captação e aproveitamento das águas das chuvas.
Segundo o relatório ‘Mudanças Climáticas e eventos extremos no Brasil’, da Fundação Brasileira para o Desenvolvimento Sustentável (FBDS), o desequilíbrio climático do planeta criou situações novas, como a redução da calota glacial, antes permanentemente congelada no Círculo Ártico, e intensificou fenômenos antigos, como furacões no sul dos Estados Unidos. Para a FBDS os eventos climáticos extremos são, dentre as categorias de mudanças climáticas, os que representam as forças com maior poder de destruição. Trata-se de fenômenos como chuvas intensas, vendavais e furacões, marés meteorológicas e grandes secas.
A contribuição de Diaconia nesse campo tem se materializado com o desenvolvimento de pesquisas e experimentações para o aprimoramento de tecnologias sociais1 que favoreçam as condições materiais objetivas para convivências harmoniosas com os diferentes territórios. As estratégias que estimulam práticas agroecológicas, e consequentemente contribuem para a mitigação dos efeitos das mudanças climáticas, podem ser potencializadas com um conjunto de atividades que consideram os contextos, reconhecem os acúmulos, e valorizam os saberes dos povos do campo e da cidade.
Os efeitos das mudanças climáticas também apresentam alguns riscos específicos para a realidade brasileira, dentre os quais citamos o desequilíbrio no setor energético em função da dependência das usinas hidroelétricas, e, consequentemente, das mudanças na intensidade e distribuição de chuvas durante o ano; e a elevação do nível do mar, afetando populações e infraestruturas próximas ao litoral do Oceano Atlântico, principalmente das cidades do Rio de Janeiro e Recife. Portanto, a capital pernambucana se insere nesse contexto desafiador de superação das desigualdades e construção de relações harmônicas entre os arranjos populacionais e os recursos naturais. Entre os problemas a serem enfrentados merece destaque o comprometimento da qualidade e da quantidade dos recursos hídricos. Na cidade
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Entende-se por tecnologia social um conjunto de técnicas e metodologias transformadoras, desenvolvidas na interação com a população, que representam soluções para a inclusão social. (CACCIA BAVA, 2004)
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As juventudes e suas lutas O
s anos 90 marcaram o início das discussões sobre as questões específicas das juventudes e sua inserção na agenda política brasileira. Os primeiros desenhos do que se entendia como Política Pública de Juventude foram frutos dos inúmeros processos organizativos e das incidências políticas protagonizadas por jovens de todo o país. Dois significativos avanços dessa Política nas últimas décadas foram a criação da Secretaria Nacional de Juventude (SNJ) e do Conselho Nacional de Juventude (CONJUVE); e a promulgação do Estatuto da Juventude. Estes instrumentos políticos e jurídicos inauguraram, no Estado brasileiro, outra forma de perceber as juventudes. A perspectiva das e dos jovens como sujeitos de direito significou a possibilidade de construção de políticas públicas capazes de considerar as especificidades e diversidades próprias dessa etapa da vida, reconhecendo as diferentes formas de ser jovem e as diferentes condições de exercer a vivência juvenil, não se restringindo, portanto, às questões etárias e comportamentais. Essa concepção reafirma também o potencial transformador das juventudes na interação com diferentes temas que dizem respeito às suas vidas, como a cultura, a experimentação, a educação, e a relação com o meio ambiente; oportuniza condições para que as juventudes possam dar respostas às suas inquietações e angústias; e fortalece estratégias de exigibilidade de direitos. O desafio continua sendo consolidar espaços onde as juventudes possam produzir conteúdos e opiniões e assumir papéis de autoria de seus destinos, exercitando práticas transformadoras de realidades na vivência juvenil e na transição para a vida adulta. É essa concepção que sustenta as ações da Diaconia com coletivos juvenis, a exemplo do Grupo Teatral Pedra Polida, que tem desenvolvido seu potencial artístico-cultural dentro do período de vida oportuno para experimentações. Assim, as primeiras ações do Projeto Caravana de Educação Ambiental possibilitaram ao Pedra Polida as condições técnicas, político-pedagógicas e financeiras para viabilizar não somente o fortalecimento do coletivo, mas a experimentação de direitos como a participação e a produção cultural para jovens que se organizam e incidem a partir da expressão artística. Nesse processo inicial de implementação do Projeto foram realizadas oito oficinas temáticas com o Pedra Polida. Os encontros aconteceram no Centro Comunitário Vivendo e Aprendendo, situado na cidade de
Camaragibe/PE, que também foi parceiro local do projeto. Foram temas das oficinas: Água; Mudanças Climáticas; Efeitos das Mudanças Climáticas na cidade: escassez de água; Efeitos das Mudanças Climáticas na cidade: Chuvas intensas e enchentes; Efeitos das Mudanças Climáticas na cidade: aumento das doenças relacionadas com a água; Tecnologias sociais de enfrentamento e adaptação aos efeitos das mudanças climáticas; Juventude e Meio Ambiente e o Potencial das Juventudes na promoção do desenvolvimento sustentável. Essas oficinas contribuíram não somente para produzir o conteúdo do espetáculo teatral (destaca-se que foram realizados vinte e quatro ensaios de montagem do espetáculo pelos adolescentes e jovens do grupo Pedra Polida, concomitante ao processo de elaboração e confecção do cenário, figurinos e adereços), mas também subsidiaram o grupo na temática central do Projeto, potencializando sua atuação na formação das e dos estudantes, através do diálogo estratégico entre pares, ou seja, de jovens para jovens. Essa interação entre formação e experimentação foi essencial para os jovens do Pedra Polida, no que se refere a vivência juvenil! Além da dimensão pessoal, essa prática estimulou a integração com os territórios por onde as e os jovens circularam, entendendo território como local de produção, de vivência das afetividades, de manifestação das expressões culturais - nas suas mais diversas formas -, do exercício da fé e da espiritualidade, da partilha de ideias, da reivindicação política por direitos e da construção coletiva de projetos de sociedade. Por tudo isso, não esperamos nada menos das juventudes, do que o exercício do seu potencial de transformar o mundo.
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As juventudes e o Meio Ambiente
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relação entre as Juventudes e o tema do Meio Ambiente não é novidade. As diversas iniciativas juvenis de atuação sobre essa temática impulsionaram a criação, em 2003, da REJUMA - Rede da Juventude pelo Meio Ambiente e Sustentabilidade, com o objetivo de mobilizar e articular jovens em todo o país para atuarem em seus estados, municípios e comunidades em prol de uma educação ambiental crítica e emancipatória e de ações transformadoras e sustentáveis. Na esfera pública, a força da incidência das juventudes foi capaz de instituir, através de Portaria, um Grupo de Trabalho Interministerial Juventude e Meio Ambiente, composto pelos Ministérios do Meio Ambiente e da Educação e pela Secretaria Nacional de Juventude. A existência de articulações nacionais reunindo Juventudes e Meio Ambiente (no âmbito da sociedade civil e também governamental) pode ser explicada pelas características próprias dessa fase da vida, onde a vontade de realizar algo transformador é muito latente. A outra característica importante é a criticidade própria das pessoas jovens. Nesse sentido, é fácil entender que as juventudes reúnem condições fundamentais para protagonizar ações em defesa do Meio Ambiente, a partir de reflexões e apontamentos críticos aos modelos de desenvolvimento que têm embasado as políticas ambientais, e ao mesmo tempo, com esperança e motivação para transformar a realidade nacional sem descolar da realização de projetos e ações no espaço onde vivem, e na articulação direta com outras (os) jovens. Acreditamos que essa ação fundamentada no âmbito local, construída com criticidade e de forma coletiva, é capaz de contribuir concretamente para a mudança de hábitos e atitudes, e gerar pessoas mais conscientes e responsáveis com o futuro e com o presente do planeta. A publicação do Fórum de Juventudes de Pernambuco (Fojupe) intitulada ‘Estatuto da Juventude: Uma análise sobre os direitos’ nos alerta ainda para a necessária reafirmação da e do jovem como sujeito de direito no diálogo com as políticas ambientais. O documento aponta alguns caminhos
que podem ajudar a refletir sobre estratégias e propostas que favorecem a participação das juventudes no cuidado com o Meio Ambiente:
“Busquemos outros discursos e práticas que de fato aproximem as juventudes do meio ambiente que estão inseridas, e não mais responsabilizemos esta geração pelo modo caótico de como as cidades têm se expandindo. Tenhamos a capacidade de perceber que os jovens são inclusive colocados nesse contexto como potenciais consumidores e não sujeitos de direitos como propõe o Estatuto da Juventude”.
As reflexões apresentadas na publicação do FOJUPE se relacionam diretamente com o que está posto nos artigos 34, 35 e 36 da Seção X do Estatuto da Juventude, que trata sobre o Direito à Sustentabilidade e ao Meio Ambiente, a saber:
“Art. 34. O jovem tem direito à sustentabilidade e ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo, essencial à sadia qualidade de vida, e o dever de defendê- -lo e preservá-lo para a presente e as futuras gerações. Art. 35. O Estado promoverá, em todos os níveis de ensino, a educação ambiental voltada para a preservação do meio ambiente e a sustentabilidade, de acordo com a Política Nacional do Meio Ambiente. Art. 36. Na elaboração, na execução e na avaliação de políticas públicas que incorporem a dimensão ambiental, o poder público deverá considerar: I – o estímulo e o fortalecimento de organizações, movimentos, redes e outros coletivos de juventude que atuem no âmbito das questões ambientais e em prol do desenvolvimento sustentável; II – o incentivo à participação dos jovens na elaboração das políticas públicas de meio ambiente; III – a criação de programas de educação ambiental destinados aos jovens; e IV – o incentivo à participação dos jovens em projetos de geração de trabalho e renda que visem ao desenvolvimento sustentável nos âmbitos rural e urbano.
Essa foi a motivação do Projeto Caravana de Educação Ambiental. A sensibilização de jovens estudantes para a importância do tema se deu a partir da utilização de metodologias adequadas e atrativas (linguagem cênica), provocando reflexões profundas, capazes de estimular a consciência crítica das e dos adolescentes e jovens (conteúdos e debates dos minicursos); estímulo às práticas coletivas (inserção da comunidade escolar); e socialização de experiências de atuações concretas em âmbitos locais (tecnologias sociais e intercâmbio). A partir desta experiência destacamos que é fundamental reconhecer e valorizar, tanto nas atividades promovidas por organizações da sociedade civil, quanto nas iniciativas governamentais, que a atuação das juventudes, diferentemente de como era vista há alguns anos, se dá de forma difusa, plural, e muito diversa, a exemplo da relação entre práticas de esportes, lazer e meio ambiente; nos debates que relacionam gênero, raça e meio ambiente; nas proposições das juventudes de povos originários e tradicionais para o meio ambiente; e na atuação das diferentes expressões dos movimentos culturais com o tema, a exemplo da experiência do Projeto Caravana de Educação Ambiental.
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Vivências artísticas e culturais como estratégias de sensibilização e disseminação do conhecimento
Não por acaso a dimensão artística e cultural se relaciona tão fortemente com os diferentes planos da vida das e dos jovens. Essa relação interfere nos processos formativos; possibilita a construção de identidades e sociabilidades; oportuniza diversão e fruição; e impacta sobre a qualidade do uso do seu tempo livre e de lazer. Por isso, o direito à cultura está diretamente relacionado a outros direitos abordados no Estatuto da Juventude: direito à informação e à comunicação; direito ao território e aos espaços públicos; direito à participação e o direito à Sustentabilidade e ao Meio ambiente. Assim, é de fundamental importância oportunizar acesso a processos de criação artística das juventudes, fortalecendo-as em seus meios mais básicos, e por isso mesmo, essenciais, de expressão e comunicação. Foi essa concepção que orientou a escolha metodológica do Projeto Caravana para o trabalho formativo em educação ambiental através da linguagem cênica.
“A arte existe para que a realidade não nos destrua”
Friedrich Nietzsche
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arte é certamente um dos meios mais eficazes para pensarmos nossas realidades e subvertê-las. Abrir espaço para novas formas de ver e sentir o mundo ao nosso redor. Por meio da arte um universo pode ser reinventado, refeito, redimensionado. Ela nos dá alento, desestabiliza nossas certezas e nos move às transformações. Pode nos ensinar o valor das pessoas. Pode nos fazer ver como se víssemos pela primeira vez. Pode nos comover e nos tirar dos lugares mais cômodos. A arte pode nos solicitar para a luta diária contra as injustiças, a opressão e as desigualdades. A arte inquieta, agita, questiona.
A experimentação da arte como forma de transformação da realidade esteve presente na construção do espetáculo, que tomou como base os problemas relacionados ao meio ambiente, e ocasionados pelos efeitos das mudanças climáticas, vivenciados cotidianamente pelos integrantes da Grupo Teatral Pedra Polida em suas próprias comunidades e bairros. Assim, as oficinas preparatórias e as experiências juvenis foram o chão que sustentou a produção de conteúdo do espetáculo. Reconhecer o potencial e capacidade criativa das juventudes significa, portanto, despertar habilidades, estimular a experimentação e fomentar produções capazes de expressar e (re)construir suas concepções de mundo.
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As escolas selecionadas por RPAs
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ESCOLA MUNDO ESPERANÇA Endereço: Estrada dos Pintos, 900 - Sítio dos Pintos Telefone: (81) 33550065 Email: em.mundoesperanca@educarecife.com.br Número total de estudantes: 284 Articuladora do Projeto na escola: Ida Flávia Falcão Pinto - Gestora Cláudia Jacqueline M. - Coordenação Pedagógica Eveline Teodora Monteiro - Professora
ESCOLA DA IPUTINGA Endereço: Rua Coronel Fernando Furtado, 479 - Iputinga Telefone: (81) 33554097 Email: em.daiputinga@educarecife.com.br Número total de estudantes: 516 Articuladora do Projeto na escola: Maria Marluce Pereira Gomes - Gestora Fabrízia Borges Leal - Coordenadora
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RPA 2 ESCOLA ANTONIO FARIAS FILHO Endereço: Rua Vinte e Um de Abril, s/n - San Martin Telefone: (81) 33553166 Email: em.antoniofarias@educarecife.com.br Número total de estudantes: 803 Articuladora do Projeto na escola: Sandra Maria Ferreira Nascimento - Gestora Rosangela Araújo - Coordenadora Ana Paula Pereira da Silva - Professora
ESCOLA ENGENHEIRO HENOCH COUTINHO DE MELO Endereço: Rua das Oficinas, 12 - Brasília Teimosa Telefone: (81) 33556847 Email: em.henochcoutinho@educarecife.com.br Número total de estudantes: 376 Articuladora do Projeto na escola: Roberta Fraga Gameiro - Dirigente Ana Carolina Carvalho de Lucena - Professora
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ESCOLA POETA JONATAS BRAGA Endereço: Rua São Caetano, 545 - Campo Grande Telefone: (81) 33553581 Email: em.poetajonatasbraga@educarecife.com.br Número total de estudantes: 290 Articuladora do Projeto na escola: Rosanara Cavalcanti Borges - Gestora Ana Lúcia Borba - Apoio à gestão Maria de Jesus Gomes da Cunha - Professora
ESCOLA REITOR JOÃO ALFREDO Endereço: R. Sen. José Henrique, nº 160 - Ilha do Leite Telefone: (81) 3355-3804 Email: cmrja@hotmail.com Número total de estudantes: 340 Articuladora do Projeto na escola: Marília Oliveira Silva - Dirigente Vera Maria do Amaral Lacerda - Professora
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A escola como espaço de experimentação de iniciativas ambientais O
s primeiros cursos de especialização em Educação Ambiental no Brasil aconteceram na década de 70. Reforçando a tendência de estreitar o debate sobre Meio Ambiente e Educação, a Constituição Federal, em 1988, estabeleceu a necessidade de “promover a Educação Ambiental em todos os níveis de ensino e a conscientização pública para a preservação do meio ambiente”.
Após anos de debates, em 1997 os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) foram aprovados pelo Conselho Nacional de Educação. Esses documentos se constituíram como subsídios para apoiar as escolas na elaboração de seus projetos educativos, inserindo procedimentos, atitudes e valores no convívio escolar, bem como a necessidade de tratar de alguns temas sociais urgentes, de abrangência nacional, e considerados transversais, como é o caso da temática ‘meio ambiente’. Entretanto, mais que uma resposta à exigência legal, a implementação de programas formativos em educação ambiental nas escolas se mostrou um elemento indispensável para mudanças de valores e comportamentos, promovendo em indivíduos e comunidades a oportunidade de revisão de suas concepções e hábitos, e a experimentação de relações mais equilibradas com os territórios onde estão inseridos. Um dos objetivos dos processos formativos em educação ambiental foi (e continua sen-
do) estabelecer condições de participação efetiva das juventudes nos debates sobre a temática, articulados a práticas locais e globais que, em alguma medida, confrontem o atual modelo de sociedade e de relação com o meio ambiente. A escola, por ser referência para a sociedade e espaço de construção do conhecimento, se constitui em um locus estratégico para o fortalecimento da consciência crítica e consequente promoção dessa mudança estrutural. O espaço escolar é, portanto, lugar privilegiado para oportunizar a reflexão sobre a relação com o meio ambiente em pessoas que vivenciam as fases da vida mais fundamentais para a consolidação de valores e a construção do saber. Assim, a escola é capaz de formar pessoas comprometidas com essa mudança a partir da adoção de novas práticas de crianças, adolescentes e jovens; e seus efeitos multiplicadores nas famílias e comunidades. Na experiência do Caravana de Educação Ambiental foram seis as escolas públicas municipais que estabeleceram parceria para participar das ações do projeto, sendo uma em cada Região Político-Administrativa (RPA) do Recife, a saber: Escola Antônio Farias Filho, no bairro de San Martin (RPA 5); Escola Engenheiro Henoch Coutinho de Melo, da comunidade de Brasília Teimosa (RPA 6); Escola da Iputinga, no Cordeiro (RPA 4); Escola Mundo Esperança, localizada em Sítio dos Pintos (RPA 3); Escola Poeta Jônatas Braga, na comunidade de Campo Grande (RPA 2); e Escola Reitor João Alfredo, localizada no bairro da Ilha do Leite (RPA 1). Essas unidades de ensino foram selecionadas na fase inicial do Projeto, após realização de quinze visitas técnicas a fim de identificar aquelas que dispunham das melhores condições de participação, cumprindo os seguintes pré requisitos: (i) ter desejo e disposição para participar e se envolver nas ações do projeto; e (ii) ter espaço físico capaz de viabilizar tecnicamente a implementação da tecnologia de coleta de água pluvial. O ponta pé dessas atividades se deu com a realização de seis reuniões com professoras e gestoras, sendo uma em cada escola selecionada, para apresentação do projeto. Como parte da pauta da reunião, foram definidas as datas das
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atividades nas escolas, as turmas e a quantidade de estudantes que participariam, bem como os acordos e a infraestrutura necessária para a boa execução do projeto. Posteriormente teve início a circulação, propriamente dita, da Caravana Ambiental, composta por um conjunto de atividades: (i) Realização de 36 oficinas temáticas envolvendo 556 crianças, adolescentes e jovens, sendo seis em cada escola, que aconteceram durante dois dias em cada unidade escolar. As oficinas foram desenvolvidas por oficineiros e oficineiras selecionados e selecionadas pelas Diaconia com a coordenação pedagógica do coordenador do projeto, seguindo o conteúdo programático previamente definido. Os encontros tinham duração de, aproximadamente, duas horas e meia, cada. No primeiro dia, tratavam sobre mudanças climáticas, com linguagem de Teatro Fórum, Enchentes e Alagamentos com linguagem de cenografia e adereço e chuvas intensas com linguagem de Teatro de Bonecos. No segundo dia, as oficinas foram sobre Combate ao Aedes aegypti e demais doenças de veiculação hídrica com linguagem de Maquiagem, consumo consciente com linguagem de Figurino e Elevação do nível do mar com linguagem de Música. As oficinas foram realizadas nas salas de aulas, nos pátios e nas quadras das escolas e contavam com a presença da professora e do professor que também se envolviam com a proposta. As oficinas começavam com apresentação do projeto da Caravana, dinâmica sobre cada temática, na sequência e na vivência prática de cada linguagem artística; II) Realização de seis minicursos estruturados em dois módulos com duração de aproximadamente trê horas, cada. Os minicursos foram facilitados por duas assessoras político- pedagógicas da equipe técnica de Diaconia, e envolveram 90 crianças, adolescentes e jovens, que tiveram a oportunidade de dialogar sobre as temáticas propostas a partir da organização dos seguintes conteúdos: Mudanças climáticas e suas relações com a água; cisterna de captação das águas das chuvas e gestão dos recursos hídricos com mobilização e participação comunitária; e o papel das juventudes na promoção de práticas de mitigação dos efeitos das mudanças climáticas e suas relações com a água. iii) Oito apresentações do espetáculo teatral ‘Céu Estrelado’ para um público total de, aproximadamente 550 pessoas, sendo a pré-estreia no Centro Comunitário Vivendo e Aprendendo e as demais nas escolas municipais que integraram o Projeto. Vale destacar que foram realizadas duas sessões do espetáculo na Escola Reitor João Alfredo em função da capacidade de pessoas no local que dispunha de melhor condição para receber as turmas. Após a circulação da Caravana foi possível reafirmar enquanto desafio atual para as escolas o de estabelecer princípios sólidos que ancorem práticas contextualizadas; e o de se permitir utilizar estratégias metodológicas acessíveis, criativas e que favoreçam a participação e o envolvimento real da comunidade. Nesse caminho, a experiência do Projeto Caravana de Educação Ambiental apresentou uma proposta metodológica que estimulou a vivência lúdica, artística e criativa de adolescentes e jovens envolvidas e envolvidos no Projeto.
Resignificando a tecnologia: A cisterna como instrumento pedagógico
A
lém de utilizar a linguagem artística como recurso metodológico na formação de adolescentes e jovens sobre as questões relativas às mudanças climáticas e sua relação com a água, o projeto fez uso de uma tecnologia social (cisterna), compreendida como uma etapa prática da formação. As cisternas construídas são reservatórios de placas de concreto, de formato cilíndrico, cobertos e semienterrados, com capacidade de armazenar até 16 mil litros de água, escoadas das chuvas por meio de calhas instaladas nos telhados das escolas.
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Importa destacar que a proposta de construir as cisternas de placas em uma grande metrópole é inovadora, sua experiência piloto se deu por ocasião do Projeto ‘Águas das Chuvas: Educação e adaptação às mudanças climáticas na cidade’, realizado entre novembro de 2015 e novembro de 2017 pela Diaconia em parceria com a Prefeitura da Cidade do Recife, a Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Sustentabilidade, e o Conselho Municipal de Meio Ambiente do Recife (COMAM), e que teve como objetivo construir cisternas de placas em escolas públicas da rede municipal de ensino da cidade do Recife (PE), além de desenvolver processos de Educação Ambiental. Na experiência da Caravana, a opção foi de disseminar o uso desta tecnologia, fazendo as adaptações necessárias para as áreas metropolitanas e compreendendo sua implementação para outro contexto e realidade. Na prática, a etapa da implementação das cisternas foi precedida por visitas técnicas da equipe de engenharia responsável por sua construção, pela elaboração das plantas de locação, e pela emissão da Autorização de Responsabilidade Técnica por parte do Conselho Regional de Engenharia e Agronomia de Pernambuco (CREA – PE).
Diálogo campo e cidade: experiências que inspiram
Para efeito do Projeto, ela foi resignificada enquanto instrumento capaz de possibilitar a comunidade escolar protagonizar novas iniciativas ambientais dando concretude às práticas sustentáveis, a exemplo da gestão coletiva da água e a utilização do recurso hídrico para construção e manutenção de hortas agroecológicas nas escolas; e ainda como elemento pedagógico capaz de contribuir com processos educativos em diferentes conteúdos programáticos nas mais diversas áreas de conhecimento.
“Ninguém caminha sem aprender a caminhar, sem aprender a fazer o caminho caminhando, refazendo e retocando o sonho pelo qual se pôs a caminhar”.
Paulo Freire “São muitas as ideias. Podemos trabalhar com o potencial que já existe em cada escola. Temos aqui sugestão de implementar o projeto com os jornais e a rádio escolar para difundir ecodicas; trabalhar com a literatura que retrata a realidade do sertão nas aulas de português; usar a cisterna pra trabalhar os conteúdos nas aulas de matemática: metro quadrado, metro cúbico; implementar o projeto ‘cisternas na pegada hídrica: uma solução que deu certo’; vivenciar a construção e cuidado com a horta; nas gincanas promover ação de coleta de resíduos...enfim, envolver diversas áreas de conhecimentos”.
Síntese do grupo de professoras e gestoras durante o encontro de Avaliação e Sistematização do Projeto Caravana de Educação Ambiental.
U
m olhar cuidadoso sobre a sociedade brasileira nos revela um contexto marcado por rupturas, cisões e dissidências. Nesta era, considerada da tecnologia e da modernidade, o tempo (ou a falta dele), parece exigir dinâmicas cada vez menos processuais, reflexivas e partilhadas. Um desafio permanente é, portanto, perceber o quanto a conformidade com esse modelo tem nos dominado, e até onde nossas práticas, pessoais ou coletivas, têm se submetido às manipulações e enquadramentos do que é socialmente construído como possível, comum e esperado.
Esse aspecto da nossa realidade tem implicações diretas no nosso jeito de pensar o mundo e de estar no mundo. Investir em processos formativos, atuar em defesa do meio ambiente, ou defender direitos só será possível enquanto formos capazes de manter acessas as chamas das nossas utopias. São elas as responsáveis por orientar nossa atuação e fazer despertar outras mentes e consciências. Na prática, somos desafiadas e desafiados a sair das zonas de conforto dos nossos lugares para observar o outro, o distante, o diferente; a não nos conformarmos com os tantos ‘nãos’ que dizemos e ouvimos: não tenho tempo. Não tenho condições. Não tenho estrutura. Como disse Paulo Freire, é preciso ‘refazer e retocar os sonhos pelo qual se pôs a caminhar’.
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Essa perspectiva ganha concretude na alteridade, essa necessária percepção e urgente reconhecimento de que existem diferentes identidades. A alteridade implica no fato de que continuamos capazes de nos colocar no lugar da e do outro, em uma relação baseada no diálogo e na valorização das diferenças. Promover trocas entre as diversas percepções e experiências compõe o fazer político da Diaconia. Na experiência do Projeto Caravana de Educação Ambiental a realização de um intercâmbio foi concebida para além de um ‘passeio’, mas como possibilidade metodológica capaz de estimular a identificação de diferentes realidades, ampliar diálogos, e fazer pensar sobre outras formas de experimentar o mundo. Como experiência primeira para a maioria das seis professoras e dezoito crianças, adolescentes e jovens que vivenciaram um pouco da dinâmica do sertão do Pajeú, o intercâmbio contribuiu para que se enxergasse o semiárido em suas múltiplas dimensões: i) Desmistificando a imagem única do sertão sofrido: A vivência possibilitou o conhecimento real das áreas rurais com destaque para suas belezas, riquezas e potenciais - inclusive na produção agrícola - e fazendo jus ao mote ‘se o campo não roça, a cidade não almoça, e se o campo não planta, a cidade não janta’. As e os intercambistas puderam verificar também a produção de conhecimentos e ferramentas, como as tecnologias sociais que possibilitam uma vida digna para as pessoas em seus locais de origem; ii) Lançando luz às iniciativas comunitárias: a histórica timidez na implementação de políticas públicas no semiárido brasileiro ainda é uma realidade, entretanto, foi possível verificar mudanças na qualidade de vida das pessoas do campo, frutos de iniciativas pessoais, de organizações comunitárias e de organizações não governamentais. Assim, constataram que bons resultados são reflexos das experimentações que não dependem, necessariamente, da ação direta do poder público; iii) Fortalecendo o vínculo da escola com a comunidade envolvente: aprofundar o significado da função social da escola e reafirmar que sua existência só faz sentido na interação com os demais espaços de sociabilidade de crianças, adolescentes e jovens. Significou fortalecer a ação da escola como causa e consequência da participação popular e comunitária. A troca de experiências fez também com que o grupo pudesse reconhecer os avanços na política escolar das áreas urbanas, em especial no que se refere à democratização da gestão, uma vez que as escolas do campo, em sua maioria, vivenciam a gestão a partir da indicação do poder público municipal. Por fim, a experiência que marcou o conjunto de estudantes, artistas e professoras serviu também para construir a percepção de que elas e eles reúnem condições (e agora motivação) para protagonizar iniciativas transformadoras, a partir de pequenas práticas que podem ser implementadas no ambiente escolar.
“É possível fazer mais! Por quê é mesmo que a gente não faz?”
(professora e intercambista do Projeto)
Experimentando as experiências de outros
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programação do intercâmbio realizado no âmbito do Projeto Caravana foi composta por três dias de atividades no Sertão do Pajeú pernambucano, e pensada de modo a promover experimentação da realidade das pessoas (famílias agricultoras); de instituições (Escola Baraúnas); e do ambiente natural (reserva da Matinha). Na visita às famílias o grupo conheceu a história de José Ivan Monteiro Lopes, jovem sertanejo que, a partir da disposição de aprender e experimentar, transformou a realidade de sua família e se consolidou como agricultor e grande referência na produção agroecológica da região. A trajetória de Ivan é marcada pela superação da hierarquia geracional, uma vez que as juventudes dificilmente assumem lugar de protagonismo. A sua história é um convite a experimentar o novo! Ela inspira coragem e ousadia para fazer diferença e provocar mudanças. Outra importante experiência visitada foi a Escola Baraúnas. Localizada no município de São José do Egito, ela desenvolve educação contextualizada e conta com algumas tecnologias sociais em suas atividades cotidianas. A proposta pedagógica da Baraúnas não só valoriza os conhecimentos existentes nos territórios, as experiências das famílias, das e dos estudantes e da comunidade, como considera esses saberes no seu currículo escolar. O grupo visitante conheceu as práticas sustentáveis na perspectiva da educação ambiental adotadas pela escola, e também seu premiado projeto político-pedagógico.
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A articulação e a construção de parcerias como princípio O contato direito com um atrativo natural da região foi experimentado na visita à reserva da Matinha. Nela o grupo realizou uma caminhada a fim de observar as nascentes e toda disposição da vegetação do Bioma Caatinga. A reserva da Matinha está localizada no município de Afogados da Ingazeira, e é uma área de preservação ambiental da Mata Atlântica. Essa visita demonstrou para o coletivo a importância da articulação entre sociedade civil (pessoas físicas, mas também organizações como as instituições de ensino) e poder público para defesa dos direitos ambientais. O grupo do intercâmbio pôde vivenciar todas essas experiências de forma intensa. Dessa oportunidade, apreendeu-se, por exemplo, que é possível considerar as refeições nas casas das famílias agricultoras como processos educativos na perspectiva da segurança alimentar, uma vez que essas famílias compreendem o alimento não somente como produto resultante da atividade econômica, mas como oferta do que se tem de melhor. Assim, a produção de comida saudável na perspectiva agroecológica é também expressão de afeto, solidariedade e partilha. Outro aprendizado em destaque foi o oportuno convívio Inter geracional. Crianças, adolescentes, jovens e pessoas adultas compartilharam, incessantemente, suas referências, percepções, histórias, relações com o tempo e momentos de vida, tendo como régua o princípio da coletividade. Assim, a realização deste tipo de experiência com público misto favoreceu o convívio Inter geracional e ampliou as condições de sociabilidade, fazendo valer a máxima de que todas as pessoas ensinam e todas as pessoas aprendem. No Projeto Caravana foi possível aprender com as crianças, com artistas, com educadoras, educadores, com agricultoras, agricultores, com gestoras, gestores, com jovens, com técnicas, técnicos, e com a natureza.
“Nós vamos semear, companheiro no coração manhãs e frutos e sonhos pr’um dia acabar com esta escuridão. Nós vamos preparar, companheiro sem ilusão um novo tempo, em que a paz e a fartura brotem das mãos”.
Semeadura – Vitor Ramil
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om mais de 50 anos de caminhada, a Diaconia chega em 2019 reafirmando sua missão de ‘trabalhar para a efetivação de políticas públicas de promoção e defesa de direitos, priorizando populações de baixa renda, para a transformação da sociedade’. Entretanto, essa missão só tem se efetivado a partir da decisão institucional por uma estratégia mais ampla de intervenção: o fazer coletivo!
As inúmeras parcerias firmadas ao longo das décadas de atuação da Diaconia têm facilitado e qualificado a realização de experiências transformadoras nas regiões metropolitanas de Recife e Fortaleza, e também nos territórios semiáridos do Sertão do Pajeú e do Oeste Potiguar. Esse caminho tem nos levado a reafirmar como princípio norteador a construção coletiva, a horizontalidade, e a valorização das e dos mais diversos parceiros, seja do poder público, da sociedade civil, do campo comunitário, ou da iniciativa privada, dispostas e dispostos a somar esforços, atuando em rede, e em sintonia com nossa missão.
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Reconhecemos a autonomia e a especificidade de cada parceria e, portanto, compreendemos suas diferentes contribuições ao processo. Valorizamos as diversas origens, naturezas, estratégias de atuação, dinâmicas de funcionamento etc; e acreditamos na potência que é a junção de atrizes e atores sociais, com diferentes expressões, competências e experiências de atuação, mas que mantêm, em comum, a disposição e o desejo de incidir para a transformação da sociedade. O êxito do Projeto Caravana de Educação Ambiental só foi possível graças a um conjunto de organizações que construíram e enriqueceram essa experiência, a saber: Centro Comunitário Vivendo e Aprendendo; Escola Antônio Farias Filho; Escola Mundo Esperança; Escola Poeta Jônatas Braga; Escola Reitor João Alfredo; Escola da Iputinga; Escola Engenheiro Henoch Coutinho de Melo; Escola Baraúnas; Fundo Socioambiental Caixa; Secretaria de Desenvolvimento Sustentável e Meio Ambiente; e Prefeitura da Cidade do Recife. Essas instituições e coletivos aplicaram esforços a fim de viabilizar iniciativas de educação ambiental e de implementação de tecnologias sociais que passarão a contribuir para consolidação de relações mais justas com o meio ambiente, portanto, além de entusiastas, elas foram e continuam sendo parceiras na execução do projeto e na construção de outro mundo possível. A todas elas, o nosso mais sincero agradecimento.
Depoimentos sobre a experiência “[Com a vivência do projeto] eu senti vontade de querer fazer diferente. Não fazer o errado”
Apollo Isaias – Estudante “Eu me senti muito feliz pela oportunidade de estar no sertão e ter conhecido pessoas muito legais...fiquei muito impressionada com tanto amor e carinho da família de Ivan.”
Marília Coutinho Figueira – Estudante “Pensava que as mudanças climáticas nunca iriam afetar o Recife, mas eu estava errado. A poluição do meio ambiente afeta o Recife”
Matheus de Jesus Brito – Estudante “Achei a ideia [do projeto] e o passo a passo maravilhoso, uma forma muito agradável de reconhecer a importância dos ecossistemas...”
Vera Maria Lacerda – Professora “Eu nunca tinha parado para pensar nesse tema [mudanças climáticas e meio ambiente] na perspectiva da forma de vida que as pessoas podem ter”
Maria de Jesus Gomes da Cunha – Professora “Com essa oficina patrocinada pela Diaconia eu pude aprender coisas novas e me conscientizar sobre as mudanças climáticas, sobre a captação de águas das chuvas, sobre as juventudes e os direitos no Estatuto das Juventudes. Foi muito gratificante esse aprendizado, com certeza vou passar esse aprendizado e conscientizar outras pessoas”
Vitória Maria da Conceição – Pedra Polida “A sociedade deve se unir para poder mudar isso. Alguém muito importante para mudar isso são os jovens, que hoje têm muitas plataformas de aprendizado para ter o conhecimento necessário para fazer a diferença. Entretanto, é importante que a juventude tenha uma base de educação e de arte para conseguir transmitir seus conhecimentos para outras pessoas fazendo com que cada vez mais existam pessoas preparadas para melhorar essa situação. Com o conhecimento de nós jovens, e com a ajuda da arte e da educação essas constantes mudanças climáticas podem diminuir bastante.
Maria Cecília – Pedra Polida
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Caravana no Pajeú (paródia) Melodia: Asa Branca - Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira
quando eu cheguei no pajeú Encontrei gente contente A família do Seu Ivan Mostrou a terra bem sorridente Diaconia que promove Conhecimento e interação Joselito, Camila e Afonso a nossa gratidão Gerando sonhos entre as famílias E criando as condições Energia solar chegou As cisternas de placas também O enxerto com muita gema Brotou o ramo e trouxe o bem Visitamos a Baraúnas Uma escola de formação Educação é um direito Não é esmola, não é não Pedra Polida e Baraúnas Fecharam a tarde com diversão Conscientizando a todo mundo Que o nosso ouro tá no sertão Senhor Luiz nos mostrou Muitas árvores no sertão Eu não sabia que existia Tanta vegetação Vai ficar tudo registrado Nos nossos corações E os registros o Tato fez Consolidando a nossa ação Diaconia, alegria, harmonia, educação No sertão, no sertão, no sertão.
Estudantes e professores/as da rede pública municipal de ensino do Recife.
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A Caravana nas escolas:
fazendo arte e refletindo sobre as mudanças climáticas
Estreia no Centro Comunitário Vivendo e Aprendendo 05.10.18
Escola Municipal Poeta Jonatas Braga 16.10.18
Escola Municipal da Iputinga 06.11.18
Escola Reitor João Alfredo 13.11.18
Escola Municipal Mundo Esperança 22.10.18
Escola Municipal Antonio Farias Filho 30.10.18
Escola Municipal Engenheiro Henock Coutinho de Melo 20.11.18
Escola Baraúnas 30.11.18
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Referências BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. ______________, Estatuto da Juventude. LEI Nº 12.852, DE 5 DE AGOSTO DE 2013. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-2014/2013/Lei/L12852; Acesso em: 1 abr. 2019 CACCIA BAVA, S. Tecnologia social e desenvolvimento local. Instituto Pólis, 2004. Disponível em: <www.polis.org,br>. DIACONIA. Águas das Chuvas: Experiência com educação ambiental e adaptação às mudanças climáticas em escolas municipais do Recife. Recife – PE: Diaconia, 2017. FOJUPE. Estatuto da Juventude: Uma análise sobre os direitos. Recife – PE: FOJUPE, 2016. FUNDAÇÃO BRASILEIRA PARA O DESENVOLVIMENTO. Relatório Mudanças Climáticas e Eventos Extremos no Brasil. Rio de Janeiro, 2010. Disponível em: http://www.fbds.org.br/ cop15/FBDS_MudancasClimaticas.pdf . ROLNIK, Raquel. O que é cidade. Editora Brasiliense. Série primeiros passos. 84 pg, São Paulo, 1988. SANTOS, C. N. Está na hora de ver as cidades como elas são de verdade. Rio de Janeiro, Ibam, 1986.
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quando eu cheguei no pajeú
www.diaconia.org.br comunicacao@diaconia.org.br