original.file
2
original.file
Emoção da Vitória The Thrill of Victory
Sandra Brown
Um romance em que a traição e o desejo se confundem, enquanto o amor pode ser encontrado nos momentos mais inusitados! Stevie Corbett corria o sério risco de perder todas as coisas pelas quais sacrificou sua vida: a carreira, a reputação, seu futuro... Tudo! E ela teria apenas duas semanas para tomar uma grande decisão, ainda que o destino insistisse em não permitir que a verdade fosse revelada. O trabalho de Judd Mackie era descobrir segredos. Ele havia passado dois anos seguindo os passos de Stevie com a finalidade de provar que ela não passava de uma esnobe egoísta. Quando surgiu uma oportunidade de ter um encontro com Stevie, Judd achou que essa seria a sua chance de ouro. Talvez ele até conseguisse escrever a melhor reportagem do ano! E tudo o que ele precisava fazer era trair a confiança dela...
3
original.file
Sandra Brown Incentivada pelo marido, começou a escrever ficção durante o período livre em que seus filhos estavam na escola. Em pouco tempo, já estava publicando em seis editoras diferentes. Sandra lançou diversos títulos sob o pseudônimo Erin St. Claire, e hoje e uma das autoras de maior destaque da lista de mais vendidos do The New York Times. Tradução Gracinda Vasconcelos Harlequín 2011 PUBLICADO SOB ACORDO COM HARLEQUIN ENTERPRISES II B.V/S.à.r.l. Todos os direitos reservados. Proibidos a reprodução, o armazenamento ou a transmissão, no todo ou em parte. Todos os personagens desta obra são fictícios. Qualquer semelhança com pessoas vivas ou mortas é mera coincidência. Título original: THE THRILL OF VICTORY Copyright © 1989 by Sandra Brown Originalmente publicado em 1989 por Silhouette Desire Arte-final de capa: Isabelle Paiva Editoração eletrônica: ABREU'S SYSTEM Tel.: (55 XX 21) 2220-3654/2524-8037 Impressão: RR DONNELLEY Tel.: (55 XX 11) 2148-3500 www. rrdonnelley.com.br Distribuição exclusiva para bancas de jornais e revistas de todo o Brasil: Fernando Chinaglia Distribuidora S/A. Rua Teodoro da Silva, 907 Grajaú, Rio de Janeiro, RJ — 20563-900 Para solicitar edições antigas, entre em contato com o DISKBANCAS: (55XX 11) 2195-3186/2195-3185/2195-3182 Editora HR Ltda. Rua Argentina, 171, 4o andar São Cristóvão, Rio de Janeiro, RJ — 20921-380 Correspondência para: Caixa Postal 8516 Rio de Janeiro, RJ — 20220-971 Aos cuidados de Virgínia Rivera virginia.rivera@harlequinbooks.com.br
4
original.file
Prólogo
— Ramsey está uma fera com você, Mackie. — Addison, uma espécie de "faz tudo", que encontrara o famoso jornalista esportivo do Dallas Tribune no elevador, ficou um passo atrás, enquanto caminhavam em direção à redação do maior jornal de Dallas. Judd Mackie não se abalou com o fato de o editor-chefe do Tribune estar irritado com ele. Caminhou direto até a máquina de café. A bebida era tão viscosa, tão escura, que muitas vezes brincava, dizendo que eles usavam as sobras para preencher as rachaduras no Norte Central Expressway. — Mackie, você me ouviu? — Eu o ouvi, eu o ouvi, Addison. Tem 25 centavos aí? Nos bolsos de sua calça, cara, porém irremediavelmente amarrotada, não havia a quantidade certa de trocado para a máquina de venda automática. Judd Mackie era conhecido por nunca trazer dinheiro consigo. Era ridículo ter que pedir a um sujeito, cuja idade e renda correspondiam apenas a uma fração da sua. — Ramsey está furioso — disse Addison em tom ameaçador, ao passar um punhado de moedas às mãos do seu ídolo. — Ele sempre está. — Mackie observou o copo de isopor encher com o café, cuja única virtude era ser escaldante e tão opaco e escuro quanto os óculos de sol, que ele ainda não retirara, apesar de já estar no interior do edifício há uns cinco minutos. Ao beber a cafeína pouco diluída do copo descartável, as lentes dos óculos embaçaram, lembrando-o de que ainda estava com eles. Retirou-os e os colocou no bolso do casaco, mais amarrotado que a calça. Suas pálpebras estavam inchadas, o branco dos olhos exibia vários derrames oculares. — Ele me disse para pegá-lo no elevador e acompanhá-lo, pessoalmente, até o escritório dele. — Deve estar furioso mesmo. O que eu fiz dessa vez? — perguntou Judd com certo desinteresse. Era comum Michael Ramsey estar furioso com ele. De um dia para o outro a extensão de sua ira era apenas uma questão de grau. — Vou deixar que ele lhe diga. Você vem pacificamente? — perguntou Addison, preocupado. Judd teve pena do rapaz. — Vamos em frente. Addison de Alguma Coisa era um estagiário que trabalhava meio-período entre as aulas de Jornalismo na Southern Methodist University. No seu primeiro dia de trabalho, Judd lhe jogara um lenço amarrotado, que retirara de um bolso, mais amarrotado ainda, e brincou, sugerindo que o aluno ansioso o usasse como fralda. Mas ao perceber que o rapaz aparentava ofendido, deu-lhe um tapinha nas costas, dizendo que não pretendia ofendê-lo e lhe ofereceu o melhor conselho que podia oferecer a alguém que almejava a carreira jornalística, reconsiderar tal opção: — As horas são extenuantes, o salário precário, as condições de trabalho péssimas e o melhor que se pode esperar é que tudo que escrevemos seja lido, antes que o cachorro rasgue o jornal, os pássaros defequem sobre ele ou a dona de casa o use para embrulhar vísceras de frango. 5
original.file
Addison continuava por ali. Logo, pelo visto, não dera muito crédito as suas palavras. Teria continuado a repreender-lhe o idealismo, se não tivesse lhe vindo à mente uma época em que ele próprio nutria um certo romantismo em relação à carreira. O romantismo há muito se fora, mas na ocasião, em geral quando bebia, lembravase de como era a sensação de ter uma ardente ambição de chegar ao topo. Então deixou o filhote continuar embalando seus sonhos. Um dia descobria por si mesmo que a vida jogava com truques sujos. Era meio da manhã e a redação se encontrava tão ativa quanto uma colméia. Repórteres em terminais de processamento de texto digitavam em seus teclados. Alguns tinham receptores de telefone aninhados sob seus queixos. Mensageiros se acotovelavam entre as mesas, repletas com pilhas de pacotes e correspondências ainda fechadas. E também havia aqueles indivíduos simplesmente relaxados, fumando, bebendo refrigerantes ou café, à espera de algo interessante acontecer ou uma inspiração divina chegar. — ...os árabes. Mas e Israel...! Oi, Judd... Não vai dar... — Então eu disse a ela: olha, eu quero as minhas chaves de volta. Oi, Judd. Aí ela disse... — ...Oi, Judd. Alguém tem que se arriscar e publicar essa coisa. Popular entre os companheiros, acenou com a cabeça, saudando-os, enquanto seguia Addison pelo labirinto de mesas e em seguida por um corredor acarpetado, em direção ao escritório do editor-chefe. — Ah, aí está você — disse a secretária de Ramsey, exasperada. — Já que não dispomos de uma milícia, ele estava a ponto de me enviar atrás de você. Obrigada, Addison. Pode voltar aos seus afazeres. O rapaz parecia relutante em sair de cena, justo quando os fogos de artif ício estavam prestes a estourar. Mas a secretária de Ramsey era quase tão indomável quanto o próprio patrão. Então, ele se afastou. — Olá, boneca. O que houve? — Judd jogou o copo vazio na cesta de lixo mais próxima. Poderia me servir uma xícara de café de verdade? — Acha que pareço uma garçonete? — perguntou a mulher, com os punhos apoiados nos quadris. Judd piscou lançou-lhe um olhar preguiçoso daqueles que nada deixava passar e sempre atingia seu objetivo. — Você parece um avião supersônico. — Dizendo isso, atravessou a porta de conexão, antes que a secretária tivesse chance de retaliar ambos, o preconceito ostensivo ou o elogio insinuante. Do lado de dentro, Judd foi saudado pelos nocivos espirais de fumaça deixados pelos dois primeiros dos quatro maços de cigarros que Michael Ramsey fumaria naquele dia. O homem tinha um cigarro queimando no cinzeiro e outro na boca, quando Judd entrou. — Está atrasado. — Seu rosto estava corado de raiva. Judd acomodou-se em uma cadeira de couro e cruzou os tornozelos na frente dele. — Para quê? — Pare de bancar o engraçadinho comigo, Mackie. Você realmente passou dos limites desta vez. 6
original.file
A secretária de Ramsey entrou com a xícara de café, feito em sua cafeteira pessoal. Judd agradeceu com um sorriso e outro olhar sugestivo que ela sabia e, lamentava, não possuir nenhum significado. Após a mulher se retirar, Ramsey exalou uma verdadeira nuvem ácida de fumaça. — Você perdeu de fazer a maior matéria sobre tênis do ano. Judd queimou a língua com o café e quase se sufocou com uma risada. — Tênis! Essa cara vermelha de raiva é por causa de uma matéria sobre tênis? Nossa, do jeito que a sua pressão arterial está, pensei que os Cowboys tivessem declarado falência. O que aconteceu? McEnroe xingou o juiz? — Stevie Corbett desmoronou na partida desta manhã em Lobo Blanco. O sorriso de Judd secou. De imediato, sua atenção e hilaridade foram reprimidas. Segurando a xícara de porcelana com café de encontro aos lábios, olhou para o chefe por sobre a beirada. Ramsey apagou o cigarro do cinzeiro, antes deu uma tragada final no que estava em sua boca, então sacudiu as cinzas em direção à tigela de cerâmica transbordante em sua mesa. — O que quer dizer com desmoronou? — Bem, isso é o que não sabemos, porque não tínhamos ninguém lá para descobrir — Ramsey respondeu num tom sereno. — Nosso super bem pago e famoso repórter estava dormindo esta manhã. — Corta o sarcasmo, tá? Tudo bem, perdi a hora. Grande coisa. O que a srta. Corbett fez, tropeçou na trança e caiu? — Não, ela não tropeçou. Por sorte, nosso fotógrafo apareceu por lá, mesmo sem você. Ele disse que ela desmaiou. — Desmaiou? — É. Caiu no chão e se encolheu em uma pequena bola no meio da quadra. — Que fraseologia terrível. O rosto de Ramsey ficou ainda mais vermelho. — Se você estivesse lá, poderia ter formulado algo melhor. — Não havia nenhuma necessidade de eu estar lá — disse Judd em defesa própria. — Era de se esperar que Corbett vencesse aquela garota italiana. — Bem, ela não venceu. Perdeu a partida e está fora do torneio. — Depois daquela vitória no Aberto da França, essa seria moleza. Ela jogaria mais como cortesia do que por qualquer outra coisa. Eu ia cobrir alguns dos jogos mais interessantes desta tarde. — Quando chegasse a um acordo com a sua ressaca — disse Ramsey num tom cruel. — O fato é, que você perdeu de fazer a matéria sobre o desmaio de Stevie Corbett na frente de uma enorme multidão da cidade que se levantou cedo e lutou contra o tráfego da hora do rush para vê-la jogar, enquanto você ainda estava embaixo dos cobertores. — O que dizem os rumores? — Nada. O empresário dela leu uma declaração à imprensa com apenas três frases que não esclareceram nada. — Em que hospital ela está? — Judd já compilava mentalmente uma lista de fontes 7
original.file
confiáveis na comunidade médica, que venderia a própria mãe se o dinheiro fosse verde o suficiente. — Ela não está. — Não está em um hospital? — A adrenalina que corria pelo seu organismo diminuiu. O cérebro rápido freou e jogou tudo em sentido inverso. Deixando escapar outra risada áspera, tomou mais um gole do café que havia colocado de lado. — Acho que você está fazendo uma tempestade em um copo de água, Mike. A belezinha da Stevie com certeza teve uma noite difícil. Igual à minha. Ramsey sacudiu a cabeça, inflexível. — Teve que ser carregada para fora da quadra. Isso não se trata apenas de uma noite ruim. — Com um olhar cortante, ele prendeu Judd à cadeira. — Você vai descobrir o que houve, antes que alguém o faça. E terá que trabalhar duro, porque a notícia já foi divulgada no rádio. Não ouviu enquanto dirigia no caminho para cá? Judd sacudiu a cabeça em negativa. — Não liguei o rádio. Estou com dor de cabeça. — Faz sentido. Tome isto. — Ramsey retirou uma latinha de aspirina da primeira gaveta da escrivaninha e a jogou em direção ao seu mais intuitivo e incisivo repórter, que também passara a ser o mais exasperante. O estoque de aspirina era mantido apenas para Judd. — Tome umas três, todas, o que for preciso para ficar em forma e pegar o telefone ou sair por aí, mas descubra o que provocou o desmaio de Stevie Corbett. — Ele venceu o espaço entre os dois com o cigarro atual nos dedos. — Quero essa matéria a tempo da edição noturna. Judd conferiu o relógio. — Tenho um almoço... hã... marcado. — Cancele. — Não — disse Judd de modo arrastado, enquanto se erguia da cadeira. — Não será necessário. Vou telefonar para a jovem senhora e dizer que o nosso compromisso será transferido para o meio da tarde. Até lá terei essa história da Corbett tirada a limpo e pronta para o prelo. Ao chegar à porta, ele saudou Ramsey de modo zombeteiro. — Sabe, Mike, se você não se acalmar, vai morrer jovem. Judd deixou a porta aberta. Todos na redação ouviram Mike Ramsey xingá-lo de um nome nada lisonjeiro que ofendia tanto a ele quanto a sua mãe.
Capítulo Um
— Oh, meu Deus, você. — Stevie Corbett apoiou-se na porta da frente, que havia acabado de abrir. Usava um quimono curto que se sobrepunha no peito e era amarrado 8
original.file
na cintura com um cinto. A seda verde clara parecia fresca e doce como um melão maduro. Os detalhes de seu vestuário foram notados por Judd, inimigo e último ser humano na Terra com quem ela gostaria de falar naquele momento. —- Pensei que fosse outra pessoa — disse ela. — E claro. Quem é o felizardo que você esperava? — A voz soou temperada de insinuações. — Meu médico ficou de me enviar mais alguns remédios. Achei que fosse o entregador. — E para isso que serve o olho mágico — lembrou-a Judd, tocando no pequeno visor redondo embutido na madeira da porta. — Não me lembrei de olhar. — Com a mente em outras coisas, hein? Stevie olhou além dos ombros largos de Judd, esperando ter um vislumbre da entrega farmacêutica prevista. — Sim. — Como, por exemplo, o fato de ter feito papel de tola no Lobo Blanco Tennis Center, esta manhã. Os olhos de Stevie se voltaram para os dele. — Como de costume, sr. Mackie, a sua escolha de palavras é provocante e incorreta. — Não, pelo que me contaram. — Pelo que lhe contaram? Não estava lá? — Ela fez uma expressão de pesar. — Que pena! Teria adorado presenciar a minha humilhação. Judd sorriu e as linhas em seu rosto bronzeado se aprofundaram. — Ofereço-lhe de bom grado o meu ombro para chorar. Por que não me convida a entrar e me conta tudo que aconteceu? — Por que você não vai para o inferno? — Em contraste às suas palavras, seu sorriso era inegavelmente angelical. — Pode ler sobre a minha queda vergonhosa na coluna do seu concorrente. — Não tenho concorrentes. — Nem qualquer pudor, escrúpulo, talento, ou gosto. Judd assobiou. — Esse tombo que levou esta manhã não fez nada para melhorar o seu péssimo humor. — Tenho um excelente humor com todos, exceto com você. E por que deveria ser diferente? Não sou hipócrita. Por que deveria ser agradável com o colunista que escreve artigos contundentes a meu respeito? — Meu público espera isso de mim — disse Judd num tom brando. — Meu sarcasmo é a minha marca registrada, assim como essa trança longa e loira é a sua. — Estendendo a mão, ele passou os dedos sobre os fios trançados, desde o ombro até a curva dos seios dela. 9
original.file
Stevie deu-lhe um tapa na mão e afastou a pesada e grossa trança para trás do ombro. — Consegui me livrar da imprensa por hoje. Como chegou até mim? — Sei a quem subornar para conseguir endereços. Por que está fugindo da imprensa? — Não estou me sentindo bem, sr. Mackie. Com certeza não gostaria de trocar insultos com você. Se eu soubesse que era você que estava do outro lado da porta, certamente jamais a teria aberto. Por favor, vá embora. — Só uma pergunta? — Não. — Por que desmaiou? — Adeus. Stevie bateu a porta na cara dele, quase lhe prendendo a bainha do casaco na fresta. Por um momento, descansou a testa de encontro à madeira. Logo Judd Mackie! Ainda no dia anterior sua coluna fizera uma menção maliciosa sobre o seu desempenho no torneio de Lobo Blanco. "Este escritor limita-se a imaginar o que a obcecada por moda, srta. Corbett, que recentemente teve sorte no Aberto da França, vai vestir para impressionar os fãs de sua cidade natal. Se pelo menos seu backhand tivesse tanto balanço, quanto a bonita minissaia" Há anos, desde que se tornara uma das melhores jogadoras era quadra, Mackie escrevia críticas daquele tipo a seu respeito. Se ela ganhava, creditava sorte a sua vitória. Se perdia, elaborava comentários cruéis sobre as causas da derrota. Às vezes, era bastante correto em suas observações. Era quando ela mais se ressentia das suas colunas. Jamais tinha uma palavra generosa a dizer sobre ela como pessoa ou como atleta. Nos últimos tempos, porém, Stevie não havia dado muito espaço para a caneta venenosa de Judd Mackie manobrar. Vinha vencendo todas as partidas, mas recentemente ganhara o Aberto da França, o que a deixou a meio caminho de vencer o Grand Slam. Em seguida seria Wimbledon. Wimbledon? A palavra que sempre gerava expectativa e emoção, agora pressentimento. Naquele momento, Judd era o menor dos seus problemas.
evocava
Distraída, pôs a mão sobre o abdômen e se dirigiu à cozinha para se servir de uma xícara de chá. Às vezes, beber algo quente a fazia se sentir melhor. Mal havia enchido a chaleira e colocado-a sobre o queimador do fogão, a campainha voltou a tocar. Dessa vez, ela sabiamente utilizou o olho mágico, mas viu através do visor apenas uma imagem distorcida de um frasco de remédio. Abriu a porta. Judd Mackie continuava encostado no batente de modo ocioso, agitando o frasco de plástico marrom com comprimidos em frente ao olho mágico. Stevie soltou uma exclamação de indignação e surpresa. — Como conseguiu isso? — Com uma nota de cinco dólares e minha promessa sincera de entregar pessoalmente o medicamento. Eu me passei por seu preocupado irmão. — E ele acreditou em você? 10
original.file
— Não sei. Pegou o dinheiro e saiu correndo. Garoto esperto. Agora vai me convidar a entrar? Suspirando resignada, Stevie se afastou. Vários momentos após a porta se fechar, os dois ainda se encaravam bem de perto. Depois de todos os xingamentos e, calúnias que trocaram ao longo de todos aqueles anos, aquela era a primeira vez que ficavam a sós. Bem, houve uma vez, um ano atrás, em Estocolmo, mas não ficaram exatamente sozinhos e Stevie duvidava que Judd se lembrasse disso. Ele era mais alto do que parecia a distância, percebeu ela. Seus caminhos se cruzavam com freqüência em locais esportivos ou em eventos sociais ou de caridade. Algumas vezes, ele acenava para ela de longe, agitando os dedos de modo alegre e informal, que sempre a fazia ranger os dentes. Talvez fosse a roupa, que podia ser descrita como "casual", na melhor das hipóteses, que o fazia parecer mais baixo. Porém, com ele em pé, assim tão perto, ficou surpresa ao descobrir que seu rosto lhe chegava à altura da clavícula. Não se lembrava, até ele retirar o óculos de sol, que seus olhos eram cor de avelã. Tentou tomar-lhe o frasco de comprimidos. Ele o segurou acima da cabeça com seus cabelos castanhos rebeldes e fora do alcance dela. — Senhor Mackie! — Senhorita Corbett! De repente, a chaleira apitou com estridência, como se terminando um round em um impasse, Stevie girou nos calcanhares descalços e caminhou em direção à cozinha. Judd a seguiu passando por vários cômodos arejados. — Lugar agradável. — Para um escritor extremamente banal — disse ela, vertendo água fervente sobre o saquinho de chá na caneca. — Gostaria de um pouco de chá de ervas e mel? Judd fez uma careta de nojo. — Que tal um Bloody Mary? — Não tenho nada aqui para fazer um Bloody Mary. — Um refrigerante? — Diet? — Está bem. Obrigado. Stevie colocou uma colher de mel no chá e tomou dois goles, antes de lhe servir um refrigerante gelado. — Está com dor de estômago? — perguntou ele. — Não, por quê? — Minha mãe costumava me obrigar a tomar chá sempre eu estava me recuperando de um ataque de vômito causado por uma gastroenterite. — Você tem mãe? Ele abaixou uma sobrancelha com força. — Isso foi tão forte quanto aquele ace contra a Martina no último mês. — Pelo que me lembro, você deixou de mencionar esse ace na sua coluna, que 11
original.file
dizia que a Martina teve um dia de folga. — Você lê a minha coluna? — Você assiste aos meus jogos? Sorrindo deleitado por aquela disputa verbal, Judd tomou um gole da bebida e se sentou sobre um banco do bar com espaldar de madeira. Stevie estendeu a mão. — Pode me passar as pílulas agora, por favor? Ele examinou o rótulo do pequeno fraco. — São pílulas para dor. — Isso mesmo. — Dor de dente? Stevie descobriu os dentes da frente, expondo-os para que ele os examinasse. — Quer ver meus molares — Seu molares parecem bem daqui — disse ele num tom lento, as pálpebras baixando uma Tração. Ela o fitou com um olhar depreciativo. — Os comprimidos? — Lesão muscular? Cotovelo de tenista? Ombro torcido? Fratura por estresse? — Nenhuma das opções acima. Por favor, me dê o remédio agora e pare de se comportar como um idiota. — Dando de ombros, Judd colocou o frasco sobre o balcão do bar e o deslizou na direção dela. — Obrigada. — De nada. Parece que está precisando deles. — Como pode saber? — Pela tensão em torno de sua boca. — Ele tocou um canto dos lábios dela e depois o outro. Stevie virou o rosto e rapidamente lhe deu as costas. Encheu um copo pequeno com água e engoliu dois comprimidos. Voltando a pegar a xícara, sentou-se no bar mais uma vez. Bebeu a maior parte do chá em silêncio. Judd estudava cada movimento seu. Com certeza o ditado que dizia: ignore-o por tempo suficiente que ele vai embora, não se aplicava a ele. — O que está fazendo aqui, Mackie? — perguntou entediada. — Vim em uma missão. — Não há nenhum, jogo esta tarde sobre o qual possa escrever? Um torneio de golfe? Outras partidas em Lobo Blanco? — Você é a melhor matéria esportiva do dia, goste ou não. Stevie desviou o olhar e murmurou algo, enquanto exalava um suspiro. — Eu não gosto. Judd pôs o cotovelo no balcão do bar e apoiou a bochecha na mão. — Por que desmaiou esta manha? Não pode ter sido o calor. Não estava tão quente assim. — Não. Estava um dia perfeito para uma partida de tênis. 12
original.file
— Foi dormir tarde na noite passada? Stevie o fitou com um olhar crítico, sua desaprovação era clara e gritante. — Jamais fico farreando na noite anterior a um jogo. — Talvez isso melhorasse o seu rendimento — disse ele com um sorriso torto. Stevie meneou a cabeça com uma careta. — Você não tem jeito, Mackie. — Já me disseram. — Olha, estou muito cansada. Eu ia me deitar quando bateu na porta a primeira vez. Agora que tomei o medicamento, gostaria de repousar um pouco. São ordens médicas. — Seu médico recomendou repouso na cama? — Sim. — Humm — murmurou ele, tomando um gole da bebida. — Isso pode significar alguma coisa. Mas acho que se estivesse fazendo tratamento contra alcoolismo ou reabilitação por uso de drogas, estaria hospitalizada. — Acha que sou viciada em álcool ou drogas? — perguntou indignada, a postura relaxada endireitando-se dramaticamente. Judd se curvou, puxou-lhe as pálpebras inferiores para baixo, e examinou-lhe os olhos. — Acho que não. Não há dilatação. Duvido que seja dependente química. Tem um tom de pele saudável, não apresenta marcas de picada de agulha, olhos vivos... Stevie afastou a cabeça para longe do toque dele. — Os seus por certo não resistiriam a um exame minucioso. Nem um pouco intimidado, Judd voltou a avaliá-la. — Não, pensando bem, você parece saudável demais para ser dependente de qualquer coisa, exceto de alimentos com baixo teor de gordura e ricos em fibras. Comeu um pedaço de tofu estragado? Stevie deixou cair a testa na palma da mão. — Será que você pode ir embora, por favor? — Estava abatida em vários aspectos. O principal deles era que precisava de companhia, qualquer pessoa e Judd Mackie era o único por perto. Por mais que lhe custasse admitir, sua presença detestável era preferível à solidão. — Isso reduz consideravelmente as possibilidades — observou ele. — De quê? — A despeito de seu estado, estava curiosa para ouvir a hipótese. — Publicidade. — Dá um tempo — gemeu ela. — Não preciso disso. — Certo — admitiu Judd a contragosto. — Você já faz propaganda suficiente de produtos para manter seu rosto sorridente nas revistas e nas telas de televis ão por anos. — Estreitando o olhar, ele a avaliou através da camada de cílios espessos. — Tem certeza de que não fingiu o desmaio para sair da partida? — Por que faria algo desse tipo? 13
original.file
— Aquela italiana tinha jeito de ser fera. — Mas eu sou melhor — afirmou categórica. — Foi boa — admitiu ele relutante. — Mas está começando a ficar passada. Está com que idade, 31 anos? Aquilo atingiu um ponto sensível dentro dela e Stevie contra-atacou. — Este foi o meu melhor ano. Você sabe disso, Mackie. Estou a meio caminho de conseguir um Grand Slam. — Ainda tem que ser campeã em Wimbledon. — Eu o venci ano passado. — Mas seus novos concorrentes estão lhe dando um bocado de trabalho, jogadores com cem vezes mais talento e resistência. — Sou conhecida pela minha resistência. — Sim, sim, juntamente com a trança impertinente. Você não é uma atleta. — Tanto quanto qualquer jogador de futebol americano da NFL. — Não tem aparência de atleta. Sequer tem a constituição física de uma. Irritada com aquela acusação, Stevie seguiu a direção do olhar dele até seu colo. O roupão aberto deixava aparecer a curva suave e pálida de um seio. Apressou-se em fechá-lo e se ergueu. — Já passou da hora de botá-lo para fora daqui. Imperturbável, Judd continuou a falar. — Talvez o desmaio tenha sido causado por ansiedade, pura e simples. Stevie fervia de raiva, mas não disse nada. Não dignificaria aquelas teorias ridículas com uma resposta. Permaneceu com a expressão impassível. — No fundo, você sempre soube, que não tem as qualidades necessárias para ser uma verdadeira campeã. Não passa de uma pequena tigela cereais — disse, sarcástico — E um fogo de palha. — Nada disso, Mackie. Estou no circuito profissional há 12 anos. — Mas não fez nada muito significativo até 5 anos atrás. — Então, estou melhorando com a idade, não decaindo. — Não, em vista do que aconteceu esta manhã. — A minha idade não tem nada a ver com o fato de eu... Judd se ergueu de um pulo e se avultou sobre ela. — Vamos lá, diga, Stevie. Por que você desmaiou? — Não é da sua maldita conta! — gritou ela. — Cólicas? Humm? Todo esse tumulto foi mais um caso de cólicas? — Não! Definitivamente não foram cólicas. — Ah — Judd pronunciou a palavra bem devagar. Inclinando a cabeça para um lado, vagou o olhar mais uma vez pelo corpo dela, em busca de algum sinal revelador, que por ventura houvesse perdido. — Há alguma razão especial para definitivamente não serem cólicas? — perguntou num tom animado. — Como, por exemplo, um b-e-b-ê, 14
original.file
talvez? Os olhos de Stevie se arregalaram. — Você está louco! — E você grávida — concluiu ele sem rodeios. Enrugando o rosto em uma careta, exigiu: — De quem é? Do sapateiro escandinavo que projetou seu par de tênis especiais? — Eu não estou grávida. — Ou o pai felizardo é aquele jogador de polo das Bermudas? — Do Brasil! — Do Brasil, então. O cara com todas aquelas correntes em seu peito e pelo menos quatro dúzia de dentes na boca. — Pare com isso agora mesmo. — Ou não sabe quem é o pai? — Pare com isso! — gritou ela, cruzando os braços sobre o abdômen. — Não há bebê algum. — repetiu com a voz mais branda. — Lágrimas começaram a rolar pelo seu rosto pálido. — E muito provavelmente nunca haverá um. Porque quando eles extirparem os tumores, com certeza vão querer retirar tudo.
Capítulo Dois
O lamento de Stevie pegou Judd completamente de surpresa. Um pequeno soluço escapou de sua garganta ao inspirar o ar com força. Era uma reação que não combinava com seu caráter, já que costumava ser indiferente às notícias mais apavorantes. Mas dessa vez não conseguiu dar de ombros e prosseguir com seu modo inabalável. Stevie virou-se. A trança loira caía-lhe ao longo das costas, não mais aparentava alinhada como quando ela estava na quadra de tênis. Parecia pesada e opressiva. Ou seria ela que, de repente, parecia tão pequena e indefesa? Os ombros estreitos sacudiam com seus soluços. Chorava de modo aberto e transparente, emitindo sons abafados e sofridos que penetraram o cinismo de Judd, induzindo-o a tocá-la. — Shh, shh. — Segurou-a pelos ombros e virou-a de frente para ele. Ignorando sua resistência, puxou-a de encontro ao corpo e a envolveu com os braços. — Sinto muito. Se soubesse que era algo assim tão sério, não a teria pressionado. Judd duvidou que ela acreditasse nele. Ele mesmo mal podia acreditar. Quase nunca pedia desculpas por alguma coisa. Sobretudo a uma mulher. Ao ver uma mulher chorando, tudo que costumava sentir era desprezo e impaciência para se livrar das garras dela. Mas quando os dedos de Stevie Corbett se crisparam em seu peito em um apelo mudo, desejando sua ajuda e apoio, não pensou em escapar antes de se ver envolvido. 15
original.file
Ao contrário, puxou-a mais para perto, virou a cabeça e descansou o rosto sobre os fios loiros e sedosos. Abraçou-a enquanto ela chorava. Aquilo, por si só, já era uma esquisitice. Quando abraçava uma mulher, era apenas por fins lascivos. Quando essa mulher trajava um quimono curto que lhe valorizava as pernas nuas, carregava-a para a cama. E quando embaixo desse quimono curto havia apenas uma calcinha, suas mãos costumavam estar do lado de dentro e não acariciando-lhe as costas de modo confortador. Essas comparações, sem dúvida, deixavam claro o quanto aquele abraço era diferente de qualquer outro que dera recentemente ou no passado distante. Seu olho treinado teria que estar cego para perder os detalhes que a falta do sutiã deixava evidentes, as coxas lisas, o contorno delicioso e suave da calcinha por baixo do quimono, mas não se sentia movido por nenhum daqueles impulsos sexuais. Agir daquela maneira o faria um miserável. Ele era um miserável, mas até então, não havia chegado tão baixo. Ou talvez o sentimento de culpa estivesse mantendo suas carícias em um nível platônico e cauteloso. Afinal, sem querer, havia provocado aquele colapso emocional. Ao contrário das outras mulheres, as quais fizera chorar durante a sua carreira como bastardo, Stevie Corbett tinha uma razão considerável, que justificava aquele pranto. Aos poucos, os soluços se transformaram em suaves é breves respirações que ele podia sentir através do tecido da camisa. — Você não deveria estar na cama? — perguntou ele em voz baixa. Stevie assentiu e se afastou, enxugando os olhos sem obter muito êxito. Continuavam repletos de lágrimas que escorriam, deixando-lhe um rastro molhado ao longo do rosto. Judd tinha um encontro com uma linda garota. Mentalmente, despediu-se dela. Surpreendendo a si mesmo mais do que surpreendeu Stevie, inclinou-se de leve e ergueu-a nos braços. — Isso não é necessário, Mackie. Eu posso andar. — Qual o caminho? Após alguns segundos de hesitação, ela ergueu o braço e apontou. Tinha um tônus muscular desenvolvido, o que em outra ocasião teria assegurado uma exploração lenta com dedos e lábios. Por outro lado, era tão leve que ele podia carregá-la por uma centena de quilômetros e não derramar uma gota de suor, pelo menos não por esforço. Tê-la nos braços por um período de tempo prolongado, sem poder fazer nada, com certeza o faria transpirar. — Lá. Judd a levou para um quarto espaçoso, banhado de luz natural e com uma superabundância de vasos de plantas. — Não gravaram um filme do Tarzan aqui uma vez? — perguntou divertido. — Estas plantas são os meus animais de estimação. E mais fácil de cuidar enquanto estou longe do que um cão ou um gato. Além disso, não sentem a minha falta. Ele depositou-a na beirada da cama. — Deite-se. — Aposto que você diz isso para todas as garotas — comentou zombeteira. 16
original.file
— Não estou brincando. E você também não deveria estar. Deite-se. Stevie se reclinou na pilha de travesseiros com capas bordadas. Pela expressão em seu rosto, Judd percebeu que ela se sentiu bem, embora talvez nunca fosse admitir. — Desculpe pela sua camisa. — Hã? — Ele olhou para baixo e notou que o tecido estava úmido e sujo de maquiagem. — Vou mandar para a lavanderia — disse de forma negligente. Então, pegou uma coberta macia, que se encontrava ao pé da cama e a cobriu. Em seguida, sentou-se na beirada do colchão, com o quadril de encontro ao dela. — Fale. — Não para você, Mackie. — Meu nome é Judd. — Eu sei disso. Já vi na sua assinatura. — Esqueça a coluna por um minuto, está bem? — Você esqueceu? — retrucou ela. — Sim! Durante o silêncio que se seguiu, Judd viu as lágrimas inundarem os olhos dela mais uma vez, olhos castanho-claros da cor de uísque caro. — Stevie — disse num tom gentil. — Esta conversa não será gravada. Acho que você precisa falar com alguém. — Sim, eu sei, mas... — Ela aspirou pelo nariz ruidosamente. Judd retirou um lenço de papel de uma caixa na mesa de cabeceira e lhe ofereceu. — Assoe. — Ela obedeceu. Ele jogou o lenço usado na cesta de lixo e lhe ofereceu um novo para enxugar os olhos. — Você precisa de uma caixa de ressonância, certo? — Só não me sinto natural falando com você assim. — Bem — disse ele, meneando a cabeça com tristeza. — Esta situação é bastante antinatural para mim também. Sempre que estou na cama com uma garota seminua, conversar é a última coisa que me passa pela cabeça. E ela com certeza está usando a boca para outra finalidade, que não seja contar seus problemas. — Mackie! — Judd. Agora fale. Quando foi que descobriu sobre esses tumores? — Esta manhã — respondeu Stevie com a voz rouca. — Antes da partida? — Ela assentiu com a cabeça. — De quem foi a brilhante idéia de lhe contar antes de uma partida? — Minha. — Faz sentido. Ela franziu o cenho e o fitou. — Eu havia realizado alguns exames. Queria saber os resultados. Tinha que saber. — Seu olhar vagou até a janela, onde havia uma jardineira de narcisos florescendo no peitoril. — Mas acho que não esperava pelo pior. Disse a mim mesma que estava preparada para ouvi-lo, mas... — Ela voltou a fitá-lo. — Você tem razão. Desmaiei de 17
original.file
ansiedade. — E justificável. Judd esfregou as mãos, estudando-as atentamente, como se nunca tivesse notado as unhas sem corte, os pelos que se espalhavam próximo às juntas, os pulsos com espessura suficiente para terem pertencido a um jogador de beisebol profissional. — Estes tumores, estão, hã... — Nos meus órgãos femininos — conclui ela, desviando o olhar outra vez. — Andei sentindo um pouco de dor, mais do que o normal. Judd clareou a garganta, desconfortável. Sabia que quando se tratava do corpo feminino, tinha mentalidade de um adolescente. Gostava de vê-lo, tocá-lo e fazer sexo com ele. Achava as diferenças entre as mulheres intrigantes e considerava-se um profundo conhecedor. Nunca fora fiel a uma em particular. Ele as havia desfrutado mais do que sua cota justa, mais do que se sentia orgulhoso em admitir, em uma época de sexo seguro. No entanto, aquela era a primeira vez que pensava em um corpo feminino a partir de um ponto de vista objetivo. Considerando o que significava para o detentor, em vez do que significava para ele. Esse corpo continha uma pessoa. Não era apenas um instrumento de prazer macio e bonito. Não estava feliz consigo mesmo naquele momento e teria encontrado dificuldade para encarar os próprios olhos em um espelho. — Então, vão me operar e extirpá-los — ela estava lhe dizendo em voz baixa. — Levará meses até eu me restabelecer e recuperar minhas forças, isso se os tumores forem benignos. — Está querendo dizer que podem não ser? — Podem não ser. — Ambos compartilharam um longo e pesado olhar, cheio de implicações. — Mas há uma boa chance de serem — continuou Stevie depressa. — Se for esse o caso, a cirurgia poderá ser adiada para uma ocasião mais conveniente. De qualquer forma, talvez eu tenha que passar por uma histerectomia total. Judd se ergueu e começou a andar ao lado da cama. Então, fitou-a irritado. — Que diabos está fazendo deitada aqui? Por que não está no hospital a caminho do centro cirúrgico? — Não posso fazer a cirurgia agora — argumentou ela. — Falta apenas um mês para o torneio de Wimbledon. — E daí? Exasperada com a estupidez de Judd, Stevie contraiu os lábios. — E daí que tenho de jogar. — Isso não vai levá-la a lugar algum. Há sempre uma próxima vez. — Como você, tão indelicadamente, salientou antes, não sou mais tão jovem. Estou jogando melhor que nunca, mas por quanto tempo? — Balançando a cabeça com veemência, ela continuou. — Este é o meu ano. Meu momento. Se não conseguir o Grand Slam agora, jamais terei outra oportunidade, não importa o que os cirurgiões vão encontrar quando me operarem. Se eu fosse uns. 10 anos mais jovem, talvez pudesse retornar às quadras. Mas na minha idade, poderia levar meses, até mais. E ainda assim, nunca voltaria tão forte quanto estou agora. 18
original.file
— E se os tumores forem malignos? — É claro que isso tornaria as coisas mais complicadas — respondeu evasiva. — De que maneira? — Stevie se recusou a responder. Irritado, ele repetiu: — De que maneira? — Se forem malignos, retardar a cirurgia por várias semanas pode ser fatal. Judd apoiou os punhos na cintura e a fitou consternado. — Você é louca, mulher? — Não pode me julgar, porque não sabe o que faria nessa situação. — O seu ginecologista não tem uma opinião? — Ele quer fazer a cirurgia o mais breve possível, mas disse que duas semanas não vão fazer muita diferença. — Mais breve possível recebe o meu voto. — Você não tem direito a voto. — E quanto ao seu empresário? — Ponderou os dois lados e deixou a decisão estritamente para mim. Mas disse que se eu quiser jogar Wimbledon, só terei duas semanas para me decidir. — Enquanto isso, você fica sentindo dor. — Não são constantes. Vêm e vão. É claro, que ele quer o que é melhor para mim. — Quer o melhor para os interesses comerciais dele. — Isso é injusto. — E seus pais? — Já morreram. — Namorados? — Não há mais ninguém a ser consultado. — Ela o fitou. — Nem o sapateiro escandinavo, que a propósito, está quase na faixa dos 70 anos e com incontáveis netos. — E o brasileiro sem camisa com o sorriso de garoto de Ipanema? — Detesto aquele devasso. Seja quem for que vazou a história do nosso caso, deve ter se formado na mesma escola de jornalismo sensacionalista que você. Judd ignorou a zombaria. — Então está sozinha nisso. — Até você estampar a notícia na página de esportes. Então todo mundo vai saber e ter uma opinião a respeito. — Essa conversa não está sendo gravada, lembra? — Eu estava apenas imaginando. — Não vou publicar a história, mas todos vão saber no minuto em que você der entrada no hospital. — Não tenho certeza de quando isso vai acontecer. — E? Bem, acho que está louca por não resolver isso de imediato. — Já fez alguma cirurgia, sr. Mackie? Ele hesitou antes de responder. 19
original.file
— Cirurgia abdominal, não. — Então quem é você para me dar conselhos? Não solicitados, devo acrescentar. — Ouça — disse ele, impaciente. — Você não está apenas brincando com uma carreira. Estamos falando sobre a sua vida. — O tênis é a minha vida. — Agora, quem está sendo banal? Stevie sacudiu a cabeça e lhe lançou um olhar altivo. — Tenho mais em que pensar, sr. Mackie, e você é um elemento perturbador. Agora que já obteve a história sensacional que procurava, por favor, pode ir embora. — Certo. Talvez eu volte ao meu escritório e comece a escrever sobre o seu óbito. Stevie sentou-se na cama. A coberta deslizou até sua cintura. — Não pode entender como esta decisão é difícil para mim. — Vida e morte? E uma decisão difícil? — Não é assim tão simples. Não sei se os tumores são malignos. Não sei se atrasar a cirurgia poderá ser fatal. Só sei é que se eu for operada agora, minha carreira vai acabar. Essa é a única certeza que tenho no momento e a única que devo levar em conta para tomar minha decisão. Stevie respirou fundo, um procedimento de recarga de energia, por assim dizer. — Não pode me julgar, Mackie, porque nunca precisou sacrificar o sonho da sua vida. Seus sonhos não vão além da próxima mulher fácil e de um copo duplo de uísque com soda. Judd não podia argumentar contra aquela observação, já que descrevia com precisão a vida que ele vinha levando nos últimos tempos. Mas o fato de Stevie tê-lo resumido tão bem, o deixou louco de raiva. Intencional ou não, ela verbalizara a opinião secreta que ele tinha de si mesmo. Não podia negar aquelas alegações. Entretanto, não iria embora sem uma retaliação sarcástica. — Antes de eu partir, há algo que você talvez deva saber, srta. Corbett. — Sim — exigiu ela. — Seu quimono está aberto,
— Sim, estou me sentindo muito melhor, obrigada. Algumas horas haviam se passado e Stevie falava com seu ginecologista ao telefone. — O medicamento me ajudou a relaxar. Tirei uma longa soneca. Seu sono havia sido interrompido apenas por sonhos com o rosto bonito de Judd Mackie, fitando-a do mesmo modo como a fitara ao chamar atenção para os seus seios expostos. Era um sujeito desprezível e ela com toda a razão o desprezava. — Foi apenas um desmaio bobo, provocado pela ansiedade sobre os resultados dos exames. O médico discordou daquela atitude blasé e pediu-lhe que o deixasse agendar a 20
original.file
cirurgia o mais rápido possível. — Mas você concordou, doutor, que duas semanas não fariam muita diferença — ela o lembrou. — Preciso desse tempo para ponderar minhas opções e chegar a uma conclusão. Stevie desligou momentos depois. O médico sugerira que ela ouvisse uma segunda opinião. Ela não lhe revelou que já havia feito isso. Não apenas uma segunda, como também uma terceira. Os tumores definitivamente estavam em seu útero e ovários. Se eram ou não malignos, só poderia ser determinado através de uma cirurgia. Com esse triste pensamento, Stevie caminhou até a sala de estar e ligou a televisão bem a tempo de assistir ao noticiário esportivo noturno. Lá estava ela, deitada no verde da quadra de tênis como uma boneca de pano, enquanto a multidão silenciosa observava. Seu desmaio resultara em uma louca confusão de repórteres e oficiais do torneio. Por sorte, ficara inconsciente durante aquele caos. Não se lembrava de nada que acontecera após entrar na quadra, desejando saber se aquele torneio seria o último da sua carreira. No momento do seu colapso, vencia a adversária por dois games. Devia estar jogando por instinto, mecanicamente. Não se lembrava de nada mesmo. — ...há apenas especulações sobre a natureza da doença da srta. Corbett — dizia o repórter esportivo. — Uma declaração emitida por seu empresário limitou-se a afirmar que seu estado não é grave e que ela está descansando em um local não revelado. E agora vamos voltar ao Ranger Stadium onde a... Stevie desligou o aparelho, irritada. — Alguns tumores. Nada grave. Minha carreira pode se acabar e não serei capaz de gerar filhos, mas não é nada grave. Foi até a cozinha, mais por hábito do que por sentir fome. Pegando o copo que Judd havia bebido, colocou-o na máquina de lavar louça. — Longe dos olhos, longe do pensamento. Mas ele não estava longe dos seus pensamentos, o que era irritante. Não conseguia tirá-lo da cabeça. Por quê? Talvez porque não esperasse que ele a tratasse com tanta gentileza, quando ela começara a chorar. Ou talvez porque ganhara a sua promessa de que não publicaria a história. Talvez, quando tivesse tomado uma decisão final, o chamasse para lhe dar a notícia em primeira mão. Por ter se comportado de forma tão honrosa naquele dia, ele merecia tal consideração. Comeu uma tigela de granola e morangos frescos a despeito do comentário sarcástico de Judd sobre a sua dieta saudável e voltou ao quarto. Ao desfazer a trança, lembrou-se mais uma vez de Judd. Ele lhe tocara os cabelos, os cantos dos lábios. Envolvera-a nos braços, aparentemente, sem pressa de fazê-la parar de chorar. Até mesmo a carregara no colo. Era perturbadora a maneira como podia lembrar, de forma tão clara, a sensação causada pela manga da camisa dele de encontro as suas coxas nuas e a força do peito vigoroso sob sua caixa torácica. Judd Mackie era seu inimigo mortal que sempre a atacava com sua caneta perversa. No entanto, agora que estava sozinha e ninguém podia ler sua mente, podia confessar que o toque dele lhe provocara um turbilhão de reações físicas inesperadas: formigamento nos seios, contração na barriga, sensação de intumescimento e febre entre as coxas. Sentado, com uma postura relaxada no banco do bar da cozinha, ele aparentava amarrotado e à vontade. Tinha cabelos castanho-escuros longos, não porque optara por um estilo mais comprido, mas por pura negligência de cortá-los de forma regular. 21
original.file
Era atraente em seu modo de ser desgrenhado, mal-afamado, e predador. Não era gentil. Mas era sexy. A expressão amuada só contribuía para aumentar o seu charme. Bem como sua arrogância. Para uma mulher sensível, ele seria letal. Stevie teve pena da coitada que se apaixonasse por Judd Mackie. Enquanto escovava os cabelos, repreendeu-se por deixá-lo despertar o seu mau humor. Fora tola em discutir com ele. Ninguém podia entender seu dilema, em especial Judd. O que ele sabia a respeito de ambições negadas? Nunca tivera aspirações de subir além do nível da mediocridade. Era um vagabundo elegante, satisfeito com meias medidas. Uma coisa que ele devia entender bem era de mulheres, admitiu Stevie. Ele devia saber que o comentário insinuante que fez ao sair seria difícil de esquecer. Ao terminar de escovar os cabelos, foi para a cama. Dormia de lado, porque deitada de costas, retesando o estômago, muitas Vezes lhe causava desconforto. Descansando as bochechas sobre as mãos, olhou além da barra da fronha, para a sala escura e pensou em Judd. Involuntariamente, lembrou-se da avaliação indolente que ele fizera dos seus seios. Teria reparado que o roçar delicioso do quimono de seda provocara o intumescimento dos seus mamilos? Mesmo ao adormecer, tal possibilidade ainda a fazia corar.
Capítulo Três
— Alô — murmurou Judd ao telefone. — É melhor ser muito importante — acrescentou após consultar o relógio digital sobre a mesa de cabeceira. — Oh, é, é sim. — Mike, pelo amor de Deus, porque está me ligando tão cedo? — Para demiti-lo. Exasperado, Judd exalou uma rajada de ar e enterrou a cabeça de volta no travesseiro. — Já fez isso semana passada. — Desta vez é para valer. — Você diz isso todas as vezes. — E, seu bastardo preguiçoso, agora estou falando sério. Já leu os jornais matutinos? — Ainda não vi nem a luz da manhã. — Bem, deixe-me ser o primeiro a informá-lo que o seu concorrente tem a matéria que você deveria ter conseguido e não conseguiu. — Hein? 22
original.file
— Enquanto você perdia tempo com aquele artigo mais do que desinteressante sobre o novo agarrador mexicano dos Rangers, nossos amigos do Morning News estavam publicando sobre Stevie Corbett. Ela tem câncer. Judd jogou as pernas para o lado da cama, amaldiçoando os lençóis que o impediam de se virar direito, a dor de cabeça e boca seca. Ele e alguns companheiros haviam assistido a um show de striptease, após o jogo do Ranger na noite anterior. Havia uma grande quantidade de cerveja e um monte de seios nus. Consumira uma cerveja após outra, na vã esperança de que, fora daquela abundância de seios balançantes, veria algo tão atraente e sensual quanto uma Stevie Corbett irritada com seu roupão aberto. Não viu, então continuou a beber. — De que diabos está falando, Mike? E não precisa gritar. — Pensei tê-lo ouvido dizer que conversou com Corbett ontem. — Eu conversei. — E também disse que não havia nada para ser publicado. — A meu ver não havia. — Não acha que o fato de ela ter câncer de ovário daria uma excelente matéria? — berrou o editor. — Ela não tem câncer! — retrucou aos gritos, embora isso intensificasse sua dor de cabeça. — Tem alguns tumores que podem ou não ser malignos. Como o pessoal do News descobriu sobre isso? Pelo espaço de alguns segundos houve um tenso silêncio. Judd não percebeu. Havia deixado a cama e carregado o telefone sem fio consigo para o banheiro. Seu reflexo no espelho sobre a pia confirmava o que a dor de cabeça já sugeria: excedera-se na noite anterior. — Você sabia sobre isso? Sabia? — rugiu Mike Ramsey. — E me passou apenas bobagens para a edição noturna? Judd não precisava segurar o telefone de encontro ao ouvido para ouvir o próximo sermão. Já o sabia de cor. Então, pousou o fone na beirada da pia do banheiro e começou a fazer a barba. — Você não é jornalista — gritou Mike além do som da água corrente. — Não teria sequer uma coluna se não ficasse na farra, nos bares, que os jogadores e fãs freqüentam. Você não é um repórter. É um estenógrafo. Tudo que faz é regurgitar conversas embriagadas e chamar isso de jornalismo criativo. Judd havia acabado de se barbear. Pegou o telefone a tempo de falar de modo confuso com a boca cheia de espuma de pasta de dente. — E os leitores as engolem como se fossem doces, saboreiam-nas como se fossem sorvete. O que seria da sua página de esportes sem a minha coluna? Nada, Ramsey. E você sabe disso. — Estou disposto a descobrir o que seria. Acabou de escrever sua última coluna para mim. Entendeu, Mackie? — Sim, sim. — Estou falando sério desta vez. Está despedido! Vou mandar o Addison limpar aquele ninho de rato que você chama de mesa. Pode pegar seus pertences na mesa da recepcionista no primeiro andar. Não me obrigue a ter que olhar para a sua cara inchada de bebida na redação outra vez. 23
original.file
O próximo som vindo do telefone foi um tom de discagem. Nem um pouco abalado, Judd entrou no boxe. Antes mesmo de terminar sua ducha, já havia esquecido o telefonema de Ramsey. Costumava ser demitido uma meia dúzia de vezes por mês. Mas a demissão nunca se concretizava. Mesmo que se concretizasse, seria o melhor que poderia lhe acontecer. Porque Ramsey estava certo em um aspecto: sua coluna não passava de transcrições do que ele ouvia após eventos esportivos, decorada com observações espirituosas, que não exigiam de sua imaginação mais tempo do que levava para escrevê-las. No último ano ou mais, vinha dizendo a si mesmo que seus leitores não sabiam o quanto era fácil para ele escrever aquelas colunas e que também não se importavam muito com isso. Mas ele se importava. Sabia que o que escrevia não tinha qualidade para o jornal em que era impresso. Era demasiado bem pago em vista da quantidade de trabalho necessária para produzir a coluna diária. Enganar o editor, o homem que assinava o seu contracheque e seus leitores já não lhe proporcionava nenhuma satisfação. Ficava cada dia mais difícil achar graça secretamente daquela situação. Era por essa razão que se embriagava, dormia com mulheres desconhecidas e deixava os dias de sua vida transcorrerem em branco. Não tinha nada com que se preocupar, nenhum projeto em mente, nenhuma motivação para tirá-lo da cama cedo. Sua vida era um grande e gordo zero no quesito produtividade. Mesmo que fosse o único a perceber isso, era difícil conviver com esse fato. Precisava de um desafio criativo, mas receava que todo e qualquer talento literário que um dia possuíra tivesse desaparecido e jamais pudesse ser recuperado. E daí? Agora, estava velho demais para pensar em uma mudança de carreira. Seu futuro, entretanto, não era sua maior preocupação, no momento. Stevie Corbett era. Onde o colunista do jornal concorrente ouvira falar sobre a doen ça? E como ela se sentiria sabendo que os aspectos mais íntimos de sua vida estavam servindo de material para as páginas de esportes? Não demorou muito para descobrir.
Stevie exibiu sua famosa direita, mirando a raquete de tênis diretamente na cabeça dele. — O que isso... — Seu bastardo! Judd se abaixou para se livrar do golpe, então segurou o cabo da raquete, quando ela tentou acertá-lo pela esquerda. Os dois lutaram com a raquete. — Que diabos está havendo com você — gritou ele. — Você deixou a história vazar. Disse que nossa conversa não seria gravada. Mentiroso! Você... — Eu não fiz isso. — Oh, sim fez. Você era o único que sabia. Judd arrancou-lhe a raquete das mãos e a jogou no chão. — Acha que eu passaria informações para a concorrência? Não escrevi aquilo. Foi impresso em outro jornal. E sequer li esse maldito artigo. 24
original.file
Stevie refreou a fúria e a frustração e meditou por alguns segundos. Por que ele passaria a história a outra pessoa? Não fazia sentido. Mas nada vinha fazendo muito sentido em sua vida naqueles últimos dias. — Então como ficou sabendo sobre o artigo? — perguntou desconfiada. E como conseguiu passar pela polícia? Desde cedo naquela manhã, seu quintal se encontrava repleto de repórteres. O empresário por fim chamara a polícia, solicitando que o local fosse isolado. — Um dos patrulheiros de plantão me devia um favor. — Por quê? — Tem a ver com a irmã dele. Stevie esfregou a testa. — Acho que não quero saber. — Eu também acho que você não quer. Basta dizer que ela se infiltrou em um vestiário, certa noite, após um grande jogo e serviu como anfitriã para uma celebração de uma vitória espontânea. Consternada, ela o observou, meneando a cabeça. — Eu acredito em você. Por que iria inventar uma história tão sórdida? Judd a segurou pelos ombros e a guiou até um banco na cozinha, onde ela se encontrava sentada, no momento que ele conseguira furar o bloqueio na porta dos fundos e entrado na casa. Foi quando Stevie começou a proferir insultos e atingi-lo na cabeça com a raquete, que ela ajudara a projetar. — Como aquele colunista descobriu sobre mim, Mackie? — Não sei. Mas pretendo descobrir. — Ele alcançou a extensão telefônica da cozinha e discou um número. Segundos depois, pediu para falar com um jornalista esportivo e forneceu o nome. Aparentemente, eram rivais amigáveis. — Ei, aqui é Mackie. Parabéns pela a matéria sobre a Corbett. — Stevie lançou-lhe um olhar fulminante, que ele ignorou. — Como conseguiu persuadi-la a revelar detalhes tão íntimos da vida dela? Ou será que um cavalheiro não gostaria de ouvir? — A boca de Stevie se abriu. Judd cobriu-a com a mão. — Oh, não? Ela não lhe disse? Humm. Seu empresário talvez? Empurrando-lhe a mão, ela afastou a boca e sacudiu a cabeça com força. — Certo, eu dou. Não. Quem falou? Ora, vamos, o gato já está fora do saco, logo você poderia muito bem me dizer. — Stevie viu as sobrancelhas dele se franzirem em uma expressão de reprovação. — Ouça, seu sujeito irascível, ontem tentei de todos os modos descobrir a razão para aquele desmaio e não consegui. Apenas me diga quem eu deixei de procurar. Judd escutou por um momento. Sua carranca suavizou, mas não parecia mais satisfeito. — Entendo. Bem, você me passou uma rasteira dessa vez, amigo. Não vou deixar que isso volte a acontecer. — Stevie ouviu as vulgaridades que foram ditas a seguir de uma forma amigável e inofensiva. — Igualmente para você. Tenha um bom-dia. — Ele terminou a conversa Com uma voz monótona. — Bem? — perguntou ela quando Judd desligou o telefone. — Um técnico do Laboratório Mitchell. — Onde eu fiz a ultrassonografia — lamentou ela num tom suave. — Eu sabia que 25
original.file
ninguém no consultório do meu médico teria dito. Jamais pensei em alguém do laboratório. — Não seja ingênua. Qualquer pessoa fala se você colocar a isca direito na armadilha. Onde estão as xícaras de café? — No segundo armário, na segunda prateleira. — Quer um pouco? — Não, obrigada. Já tomei demais. Judd se serviu e levou a xícara com ele até o bar. Sentou-se ao lado dela, exatamente como no dia anterior. — Como você dormiu? — Bem. — Os círculos escuros sob seus olhos dizem o contrário. Stevie evitava fitá-lo diretamente, com medo que ele percebesse que ela não dormira direito. A verdade é que tivera uma noite bastante agitada, repleta de sonhos, que oscilavam entre estranhos, eróticos e aterrorizantes. Judd desempenhara um papel em todos eles. Estava exausta. Mas o modo grosseiro com que ele se referiu a sua aparência a irritou. — Bem, você também não parece nada bem — retaliou num tom depreciativo. — Tive uma noite longa. — Então o que está fazendo aqui? Por que não está onde quer que você chame de lar, dormindo? Ou veio aqui para se vangloriar? Stevie notou a tensão em torno da boca de Judd, demonstrando sua irritação, mas ele continuou tranqüilo, tomando o café. — Eu estaria me vangloriando se tivesse escrito a matéria. Não a escrevi. Se tivesse escrito, manteria a veracidade dos fatos. A rudeza pareceu abandoná-la. Melancólica, ela disse: — Do modo como esse artigo foi escrito, estou acabada como jogadora, praticamente morta e enterrada. Judd saiu do banco com tanta rapidez e amaldiçoando com tanta veemência que ela se sobressaltou. — Não repita essa bobagem. Isso me dá arrepios. — Bem, sinto muito se ofendi a sua sensibilidade. Mas os tumores são meus e vou falar sobre eles quantas vezes quiser. Se não gosta, pode ir embora. O que não seria uma má idéia. Era uma má idéia. A idéia de ele ir embora não a agradava. Agora que sabia que Judd era inocente e não sentia mais vontade de matá-lo, estava de fato feliz por tê-lo por perto. Assim, pelo menos parecia manter seus reflexos mentais aguçados. O que exercitava sua mente e a impedia de ter pensamentos sombrios. Para não deixar que Judd percebesse o quanto desejava que ele ficasse, Stevie assumiu uma expressão distante e hostil. — Não há nada que possa fazer aqui, exceto me irritar ainda mais. Então pode ir embora. 26
original.file
— Eu vim para levá-la ao hospital. — Eu não vou ao hospital. Já lhe disse isso ontem. Tenho duas semanas... — Ouça, Stevie... — Não, ouça você, Mackie. A vida é minha, a decisão é minha e ninguém... Nesse instante, a campainha tocou. — Senhorita Corbett! — Alguém começou a gritar do outro lado da porta. — Como se sente sabendo que tem câncer e que terá que desistir do tênis profissional? — Oh — resmungou ela. — Por que não me deixa em paz? Com os nervos em frangalhos, Stevie abaixou a cabeça e cobriu-a com os braços. Por fim, o persistente repórter desistiu ou fora afastado por um dos policiais que a deviam estar protegendo contra tais intrusões. A casa voltou a ficar em silêncio. Ela se encolheu quando Judd colocou as mãos sobre seus ombros. — Pelo menos, deixe-me tirá-la daqui por algumas horas. — Ele girou o banco dela. Separando-lhe as pernas e posicionou os joelhos entre elas. — Por que quer fazer isso? — Para me redimir de ter sido um chacal farejador de sangue, ontem. — Mas você não escreveu a matéria. — Porém, de certa forma, ainda me sinto responsável. — Ela deixou escapar um som de escárnio. — Sei que acha que sou uma lástima como jornalista. Assim como eu acho que você é uma lástima como atleta. Bebo demais, farreio demais e tenho uma grande tendência a ser comodista. Não sou digno de confiança e sou sarcástico. Mas, no fundo, sob este exterior irritantemente bonito, sou um cara legal. — Oh, claro. O rosto de Judd se abriu em um sorriso maroto que a fez gargalhar. — Conceda-me este dia e vou provar que está errada. Stevie queria consentir, mas hesitou. Por mais que ele fosse charmoso, ainda elaborava em uma matéria sobre ela. Talvez estivesse planejando construir o perfil interior de uma personagem para depois retratá-la como a superficial debutante das quadras de tênis, como já a havia chamado antes. — Não acho que isso seja uma boa idéia, Mackie. Vou tentar a sorte aqui mesmo. Quase ao mesmo tempo seu telefone e a campainha começaram a tocar. — Você planejou isso? — acusou ela. Judd riu, encantado com aqueles endossos inesperados à sua idéia. — A providência divina está do meu lado. Vá buscar o que precisa para passar o dia fora. Não voltaremos antes do anoitecer. — As instruções foram passadas como se o assunto já estivesse resolvido a seu contento. — Mackie, mesmo que eu quisesse passar o dia com você, o que eu não quero, não seria possível, de qualquer maneira. Nós dois somos bastante conhecidos. Não poderíamos ir a lugar algum sem sermos reconhecidos. — E por isso que vamos sair da cidade. — Sair da cidade? Onde? 27
original.file
— Você vai ver. — Como planeja despistar todos esses repórteres? — Vai parar de argumentar e buscar suas coisas? — perguntou ele impaciente. Stevie estudou-o, cautelosa. Judd não parecia mais confiável do que o um pirata. Com certeza, passariam o dia discutindo. Mas a alternativa de se sentir sitiada em sua própria casa era ainda mais tenebrosa. Decidida, alisou a minissaia branca de algodão, que usava juntamente com uma camiseta e sandálias. — Posso ir assim? — Claro. Vá pegar sua bolsa. Em menos de cinco minutos, ela voltou à cozinha, carregando uma sacola de lona, na qual colocara tudo o que poderia precisar. Judd estava na pia, enxaguando a cafeteira. — Está se sentindo à vontade, não é? — Humm. — Ele enxugou as mãos sem pressa em um pano de prato e, em seguida, jogou-o de lado. — Estou. Dizendo isso, deu alguns passos à frente, envolveu-a pela cintura e colou os lábios sobre os dela. Pega totalmente de surpresa, Stevie não lutou ou sequer proferiu um único som de protesto. Ele a beijou de leve, roçando-lhe os lábios com suavidade. Ao beijar-lhe o queixo e a curva do pescoço, envolveu-lhe com a mão um dos seios. Com as pontas dos dedos, vibrou-lhe o mamilo, fazendo-o enrijecer. Seu toque não poderia ser chamado de uma carícia genuína, mas a reação de Stevie foi bastante real. Uma súbita infusão de calor a dominou. A intensidade aumentou quando ele a moldou de encontro ao corpo, insinuando-se no vão entre as suas coxas. Enquanto seus dedos lhe envolviam o pescoço, a língua sondava, tentando afastar-lhe os lábios devagar, sem muito ímpeto, como se não se importasse se ela iria apartá-los ou não. Se apartasse, ótimo. Ele a beijaria. Se não, tudo bem. Iria se divertir, não ficaria com raiva ou desapontado. Stevie apartou-os. Então, sua língua quente e úmida banhou-lhe o interior da boca, explorando-a lentamente. Pelo menos o beijo começou suave. A mudança aconteceu de modo tão gradual, que não foi percebida, até as investidas de sua língua se tornarem mais intensas e a sucção mais ávida. Toda a característica do beijo foi alterada, bem como o comportamento de ambos. Quando a reação de Judd se tornou tão óbvia que podia ser sentida através da roupa, ele de imediato a afastou. Ela o fitou num misto de desejo e perplexidade. — Por que me beijou dessa maneira? — Curiosidade. — Ele resmungou a palavra, clareou a garganta e perguntou. — Nós dois estávamos pensando nisso, certo? Desde ontem quando vi seu seio, começamos a nos perguntar como seria estarmos juntos. Agora que nossa curiosidade foi satisfeita, podemos relaxar e aproveitar o dia. Está bem? Stevie sabia que se ficasse mais relaxada derreteria em uma poça de desejo, no chão da cozinha. Mas meneou a cabeça, sem dizer nada. Concordar com o que ele estava sugerindo, talvez acabasse sendo um grande erro. 28
original.file
Capítulo Quatro
— Você perdeu sua vocação — disse Stevie além do barulho do motor do carro esportivo de Judd em meio ao tráfego. — Devia ter se tornado um criminoso. O plano de fuga que ele elaborara resumiu-se em mandá-la colocar a cabeça para fora da porta da frente, tempo suficiente para os jornalistas e equipes de filmagem pensarem que ela estava preparada para lhes conceder uma declaração. Então, enquanto todos corriam pelo gramado em direção à entrada da casa, ela e Judd escaparam pelos fundos, sem serem detectados e entraram no carro, que ele havia deixado estacionado em uma rua próxima. — Pensei em realizar grandes assaltos — disse ele, num tom expansivo, — mas percebi que também era necessário ter ambição e realizar trabalho árduo. Sorrindo, Stevie se acomodou confortavelmente no estofado de couro. No momento em que haviam deixado a casa, fora envolvida por uma sensação de liberdade. A ruptura de sua rotina disciplinar habitual era por si só um luxo. Quase todas as manhãs por volta daquele horário, estava se exercitando e treinando. Ela comentou sua negligência com Judd. — Quando começou a jogar tênis? — Olhando por sobre o ombro para se certificar de que a pista estava livre, ele subiu uma rampa de acesso à rodovia interestadual e seguiu para o leste, deixando Dallas para trás. — Aos 12 anos. — Tarde para a maioria dos jogadores que chegaram tão longe quanto você — observou ele. — Um pouco, mas mal consigo lembrar da época em que não conhecia intimamente a sensação de uma raquete em minha mão. — Stevie lembrou da noite, em que manifestara interesse em jogar o esporte pela primeira vez. — De repente, disse aos meus pais que queria entrar para a equipe de tênis da escola. — Havia dado a notícia de modo surpreendente durante o jantar. — Mamãe e papai me olharam como se eu tivesse dito que queria me mudar para Marte. — Tênis? — Sim, senhor. — E um esporte para crianças ricas — dissera seu pai, retornando a sua refeição. — Passe-me as batatas. — O que eles tinham contra o tênis? — perguntou Judd. — Nada, na verdade. É que não se identificavam com o esporte. Minha mãe não tinha o menor interesse em atletismo. Papai só gostava de esportes como futebol e basquete e, é claro, esses eram para meninos. Era filha única, uma menina, que sabia que seu sexo fora uma enorme decepção 29
original.file
para o estranho rude que ela chamava de pai. — Então, como conseguiu permissão para jogar? — Após o jantar, abordei o assunto com minha mãe, enquanto lavávamos os pratos. Expliquei que a escola tinha raquetes e bolas que eu poderia usar. Não precisaria comprar nada. Ela concordou. Stevie continuou, dizendo que na época que entrou para o ensino médio estava completamente apaixonada pelo esporte. Economizava o dinheiro que ganhava como babá para financiar as aulas que freqüentava em um clube exclusivo, ao norte de Dallas. — Não éramos sócios. A mensalidade devia exceder ao que meu pai ganhava em um mês. — Não havia rancor em seu tom. Nunca se ressentira pela situação econômica modesta da família, apenas não tinha muita paciência com a relutância dos pais em melhorá-la. — Jogava em um torneio na equipe do clube, quando conheci Presley Foster. — Você está usando tênis muito grandes. Seu backhand não presta e seu forehand não é muito melhor, embora tenha movimentos básicos bons. Exibe-se mais para os espectadores do que se concentra em sua estratégia. Se está dois pontos atrás, automaticamente sacrifica o game. Seus serviços são vigorosos e velozes, mas inconsistentes. Não se empenha, a menos que seja obrigada e isso é um péssimo hábito. Stevie parafraseou as primeiras palavras que Presley Foster lhe disse. Judd assobiou. —- Nossa! Agora ela podia achar graça ao lembrar o passado. — Senti como se o topo da minha cabeça tivesse sido martelado até o chão. —Então ele disse: — Mas você tem talento. Posso refiná-lo, torná-la uma jogadora de classe mundial. Vai me odiar, antes de terminar. Vou precisar de uns dois anos. Uma semana após sua formatura no ensino médio, Stevie havia partido com o famoso treinador para um acampamento na Flórida. Aquela decisão fugia à compreensão dos pais. Tênis não era trabalho. Tênis era esporte. Ela partira apesar de tais objeções. Podia não ter nenhum futuro no tênis, mas com certeza não teria nada melhor se ficasse em casa estagnada junto com eles. — Não sabia o que era trabalho duro até ficar sob a tutela de Presley — disse ela a Judd com um sorriso irônico. À época fora terrivelmente ofuscada pelos jogadores que haviam começado a treinar no torneio da escola secundária e freqüentado o acampamento de verão de tênis de Foster. A maioria deles apenas jogava tênis, não precisava se preocupar com mais nada. Alguns nem tiveram infância. Tênis era tudo que importava. — Tinha 19 anos quando entrei no circuito. — Ela olhou pela janela, onde a paisagem parecia passar apressada. Judd dirigia com habilidade, mas se excedia na velocidade. — Eu jogava um torneio em Savannah, Geórgia, quando recebi a notícia de que a casa dos meus pais havia sido destruída por um furacão e eles estavam mortos. — Morreram naquela tempestade? Aquela que acabou com o oeste de Dallas? — Sim. Praticamente todo o bairro foi destruído. Estava deitada de bruços, chorando em minha cama, no quarto de hotel em Savannah, quando Presley o invadiu e exigiu saber por que eu não me encontrava na quadra, me aquecendo para o jogo agendado. 30
original.file
— Meus pais estão mortos. Não espera que eu jogue hoje, não ê? — É claro que sim! É em momentos como este que um jogador mostra o que é. Stevie jogou. E venceu. Após a partida, voou para Dallas para cuidar do funeral dos pais. — Seis meses depois... — disse ela, falando com Judd em uma voz, reflexiva e distante. — ...Presley estava no meio de uma frase, quando colocou a mão no peito e, sem outra palavra, morreu de ataque cardíaco. Joguei uma ardente partida no dia seguinte. Ele teria esperado isso de mim. Nem os pais, nem seu mentor haviam sobrevivido para vê-la se tornar a melhor jogadora de tênis profissional. Naquele ano, se encontrava a meio caminho de vencer o Grand Slam. Depois, se aposentaria, sabendo que havia provado que o pai estava errado. Tênis não era um esporte apenas para crianças ricas. Era uma arte exigente e egoísta, pela qual ela sacrificara universidade, romance, casamento, família, tudo. Agora, tão perto de dominá-la, não podia deixar que nada, nada, se intrometesse em seu caminho. Ao perceber que Judd a fitava bem de perto, relaxou a mandíbula e os punhos e forçou um sorriso morno. — E você? Sempre quis ser um jornalista esportivo que usa o sangue de suas vítimas como tinta? Ele fez uma careta e estremeceu. — Deus, você me faz parecer horrível! — Você escreveu algumas coisas horríveis sobre mim em seus artigos. Por que eu deveria poupar seus sentimentos? — Acho que alguns golpes abaixo da cintura são justos. — Ele piscou para ela com um ar perverso. — Pense nisso, alguns golpes abaixo da cintura podem até ser divertidos. Stevie ignorou a insinuação sexual. Pensou no beijo que haviam trocado e não viu sentido algum em tentar se enganar que não havia participado. A tática mais segura era fingir que não acontecera. Judd Mackie tinha fama de conquistador. Muitas vezes, ela fora vítima da sua prosa mordaz. Não permitiria se tornar vítima dele em outra área também. — Só por curiosidade, Mackie, por que eu? — Ela se virou para fitá-lo, curvando os joelhos e enfiando os pés sob o quadril. — Por que me escolheu para lançar seus dardos envenenados? — Por que se importa? Tem o restante da população mundial comendo na palma da sua mão. Que diferença faz, se este pervertido, salafrário repórter esportivo se diverte falando mal de você em sua coluna brega? — É chato. — Não para os meus leitores. Desde aquele primeiro artigo anos atrás... — Pelo qual exigi uma retratação. Judd curvou os lábios num sorriso presunçoso. — Imprimi vários parágrafos de sua carta, lembra? Os leitores adoraram. Eu me diverti um bocado com isso e deliberadamente cultivei o antagonismo entre nós. — Por quê? — Rende um bom assunto para publicação. — O que eu fiz para merecer o seu desprezo em primeiro lugar? 31
original.file
— Não é bem uma questão de merecer ou não. É o que você é. O que você... — O que eu o quê? — perguntou Stevie quando ele deixou a frase incompleta. — É o que você aparenta. Aquela admissão deixou-a sem palavras. Então, por fim, perguntou: — O que aparento? — Graciosa. Acho que é muito difícil levá-la a sério como uma atleta, quando tem a aparência de uma boneca Barbie, usando roupa de tênis. — Isso é chauvinismo! — Descarado. — Minha aparência é totalmente irrelevante ao meu modo de jogar. — Talvez, mas isso é um pouco chauvinista para você — ironizou ele com um sorriso descarado. — E se eu tivesse uma verruga na ponta do nariz, me tornaria melhor jogadora em sua avaliação? — Nunca saberemos, não é? Mas, provavelmente. Pelo menos eu ficaria menos inclinado a escrever coisas sarcásticas a seu respeito. Encostando-se na porta do carro, ela o fitou com uma perplexidade óbvia. — Durante todos esses anos me perguntava o que eu havia feito para suscitar a sua ira. E, na verdade, não tem nada a ver comigo. Trata-se do seu próprio esnobismo reverso e preconceito sexista. — Você está generalizando... Perdoe-me por não dizer metáforas planejadas. Não tenho preconceito contra atletas mulheres em geral. — Só contra mim. Há algo que eu possa fazer para mudar isso? — Pode ficar feia. — Ou ter câncer. Pegando um desvio para deixar aquela estrada, Judd parou de repente junto à placa de sinalização. Virando a cabeça na direção dela, disse: — Esse é mais um daqueles golpes abaixo da cintura, Stevie. Mas vou esquecê-lo com uma condição. — O quê? — Diga-me que sabe cozinhar. — Cozinhar? — Cozinhar. Sabe como é, uma cozinha, um fogão... colocar produtos alimentícios nas panelas e frigideiras e torná-los comestíveis. — Eu sei cozinhar. — Ótimo — disse ele, engrenando a primeira marcha e virando o volante para pegar a estrada de mão dupla. — Mas nada com molho. Não gosto de molhos, exceto o molho cremoso para frango empanado. Molho é frescura. — Oh, por favor — gemeu ela. Mas estava sorrindo. No cruzamento seguinte Judd parou em frente a uma combinação de minimercado e loja de conveniência. Vamos às compras. 32
original.file
Meia hora depois, pegaram uma estrada rural estreita. As margens arborizadas formavam um túnel verde e denso. Os frondosos carvalhos eram intercalados por pinheiros altos e retos. — Onde estamos indo?, — perguntou Stevie. A cidade em que haviam feito compras não merecia tal designação. Além do minimercado, dispunha apenas de uma loja de ferragens, uma agência de correios, um posto de bombeiros, uma lanchonete, uma escola e três igrejas protestantes. — Para a casa de meus avós. — Ele riu do espanto estampado no rosto dela. — É isso mesmo. Não apenas tive uma mãe, como um pai também. Esta fazenda pertencia aos meus avós. Foi deixada em testamento para o meu pai. Quando ele morreu, há alguns anos, herdei a propriedade. Vendi a área de pasto, mas mantive os cinqüenta hectares ao redor da casa. — Cinqüenta hectares muito bonitos — observou ela. — Obrigado. A casa fora outra surpresa. Situava-se em uma clareira cercada por imensas nogueiras que estavam apenas começando a frondejar. Havia um moinho de vento, uma garagem e um celeiro pintados de branco com detalhes em verde. Todos necessitando de uma nova demão de tinta. Os canteiros de flores que cercavam a varanda cresciam em meio a ervas daninhas. Havia um ar de desolação e negligência no local. — Está precisando de alguns reparos — comentou Judd, minimizando o óbvio. — Por dentro está melhor, prometo. — É encantador — disse Stevie, cortês. Ao descer do carro precisou se livrar de uma teia de aranha que se estendia de uma árvore a outra. Judd abriu a porta da frente com uma chave que pegou embaixo do tapete de boas-vindas e a guiou para o interior. Foram recebidos pela atmosfera sombria, silenciosa e mofada de uma casa sem ser usada há muito tempo. De pé no amplo corredor, com a voz ecoando ligeiramente, ele explicou: — A princípio, era para ser uma casa de veraneio, mas eu quase não podia deixar a cidade nos fins de semana, pois havia muitos eventos esportivos acontecendo. E n ão é nada prático vir no meio da semana. Como conseqüência, não consegui mais vir aqui com a freqüência que gostaria e que o lugar merecia. — O que é aquilo? — perguntou Stevie, apontando para o cômodo atrás dele. Judd girou nos calcanhares. — E uma sala de jantar com uma mesa de carteado, uma cadeira dobrável e uma máquina de escrever portátil. — Ela o fitou com um olhar inquiridor. — O mobiliário da sala de jantar agora está na casa da minha mãe. — Oh. — Aquela não era a pergunta que Stevie tinha em mente, mas aceitou a explicação dele por ora. Pelo visto, ele havia redigido ali. — O que há lá em cima? — Três quartos, um banheiro. Há também um toalete escondido atrás da escada se estiver com vontade. Não? — Disse ele quando a viu menear cabeça. — Então vamos levar estas coisas para a cozinha. Stevie o seguiu ao longo de uma espaçosa sala de estar. Todos os móveis estavam cobertos com panos para evitar o pó. No final do corredor central, viraram à direita e entraram na cozinha. Judd depositou os sacos de mantimentos sobre a mesa de carvalho redonda. 33
original.file
— Isto parece mesmo uma casa de vovó — comentou Stevie melancólica, enquanto passava a mão sobre o espaldar esculpido de uma das cadeiras. — Nunca cheguei a conhecer meus avós. Morreram antes de eu ter idade para me lembrar deles. — Ufa! — Judd estava retirando algo da geladeira, tão retorcido e preto que não podia ser identificado. Levou a coisa fedorenta, pendurada na ponta dos dedos, até a porta dos fundos e a jogou fora. — Que bom que a vovó não está aqui para ver isso. Sofreria um ataque histérico. Judd abriu as janelas para deixar o ar fresco entrar, enquanto Stevie preparava sanduíches de frios e queijos que haviam comprado. Enquanto cortava o pão, ela sentiu uma pontada na parte inferior do abdômen que aprendera a reconhecer, quase a antecipar. Estranho, porém, é que não havia pensado muito sobre a sua doença, desde que deixara Dallas. Resolveu que devia creditar esse mérito a Judd Mackie, que conseguia desviar-lhe a mente dos problemas. Apenas dois dias atrás, teria pensado que se fosse deixada sozinha com Judd por qualquer período de tempo, seria capaz de estrangulá-lo bem devagar e sentir imenso prazer em assistir os globos oculares se projetarem para fora do crânio, enquanto ela agia. Era surpreendente como achava o jocoso senso humor de Judd tão reconfortante. Ele não a superprotegia ou se apiedava dela, o que teria achado insustentável. Não bancava o palhaço, forçando-a a rir quando não era apropriado. Jamais lhe passara pela cabeça que ficar ao lado dele seria tão fácil. Naquele momento, Judd era o amigo que ela precisava. Divertido, com uma conversa agradável. Estava feliz por ele ter surgido quando ela mais sentia necessidade de alguém desinteressado, objetivo e descomplicado. Mas preferia ter a língua cortada a revelar-lhe tal coisa. — O almoço está pronto. Judd lavou as mãos e se uniu a ela na mesa, em seguida. — Ei, isso parece ótimo! — disse entusiasmado, enquanto se acomodava, no assento de sua cadeira. Stevie abocanhou um pedaço do sanduíche e entre uma mordida e outra, perguntou: — O que vamos fazer depois do almoço? E com a boca cheia de sanduíche, Judd respondeu: — Fazer amor.
Capítulo Cinco
34
original.file
Stevie ingeriu todo o seu bocado e boquiaberta fitou Judd, que com calma engolia o dele e limpava a boca em um guardanapo de papel. — E só uma sugestão, é claro — disse ele. Em uma fração de segundo, ela se ergueu da cadeira e dirigiu-se à porta. — Eu devia saber que não podia confiar em você, você... Oh! Quando penso no quanto fui ingênua por acreditar que... — Ao passar pela cadeira dele, Judd estendeu a mão e segurou-lhe a ponta da trança. — Ai! Pare com isso. — resmungou ela. — Deixeme ir. — Sente-se. — Tentou soar ríspido, mas Stevie percebeu que ele tinha dificuldade em manter a expressão séria. — Não agüenta uma brincadeira? — Isso foi uma brincadeira? — Claro, o que você pensou? Que eu estava falando sério? — Claro que não! — Bem, então por que não ri apenas? — Não achei graça. — Eu achei. Mas nem de perto tão engraçado quanto a expressão em seu rosto. — Judd a imitou e se ela tivesse feito aquela cara de idiota, preferia evaporar-se, pensou Stevie. — Parecia que tinha sido atingida no rosto com... — Já entendi — interrompeu irritada, ao mesmo tempo em que se sentava e abocanhava um bom pedaço do sanduíche. — Seria bem típico do seu caráter me atrair até aqui sob falsos pretextos e, em seguida, tentar me seduzir. Em vez de se sentir ofendido, Judd aparentava lisonjeado. — Como sabe que seria típico do meu caráter seduzi-la? — Eu disse tentar me seduzir. — Está bem. Como sabe que seria típico do meu caráter tentar seduzi-la? — Já ouvi algumas coisas a seu respeito — respondeu ela num tom esnobe. — Oh, é mesmo? O que, por exemplo? O que ouviu sobre mim? — Não importa. — Não está se referindo àquela história que andam contando por aí sobre mim e as trigêmeas ruivas, não é? Ouça, isso é uma tremenda mentira. — Trigêmeas — repetiu ela num fio de voz. — Elas podem ser as mais famosas contorcionistas do mundo, mas mesmo assim... Stevie o encarou desconfiada. — Está brincando comigo? — Sim, estou brincando com você. — Ele voltou a comer, mas seu sorriso se tornou insuportavelmente complacente e divertido. — Bem, ambos sabemos que as camas da vovó são bem seguras para nós, não é? 35
original.file
— Com certeza. — Quando nos beijamos, nada aconteceu, certo? — C-certo. — A terra não tremeu, estrelas não surgiram, fogos de artifício não explodiram. Eu não senti, você sentiu? — Não. — Nenhuma onda de luxúria. — Definitivamente, não. Judd deu de ombros de modo eloqüente. — Tentamos e não conseguimos, logo não há nada com que se preocupar. Agora, de volta à sua pergunta original sobre o que vamos fazer esta tarde. Stevie mal o ouvia. Ficara aliviada ao saber que ele estava brincando sobre fazer amor, mas seu ego ficou ferido. Por que Judd achava a possibilidade tão absurda? Quando se beijaram, ele não teria se sentindo nem um pouco de excitação? Luxúria era a palavra certa para descrever o formigamento que ela experimentara em todas as suas zonas erógenas, quando a língua dele envolvera a sua sensualmente em um ritual de acasalamento. Pelo visto, o beijo não o afetara. Beijá-la seria tão desinteressante, que até mesmo um renomado mulherengo como ele podia passar por isso sem sentir coisa alguma? — ...você não precisa. — Não preciso o quê? — perguntou ela, percebendo que Judd estivera falando durante todo aquele tempo. — Não precisa ajudar — explicou ele, fitando-a com um olhar suspeito. — Não estava ouvindo? — Não. Minha mente estava em outra coisa. Ele franziu o cenho. — Está com dor, não é? — Não, não é nada disso. — Ainda bem. — Judd estudou-a por um momento, como se não estivesse convencido de que ela estava dizendo a verdade. Quando por fim pareceu satisfeito, resumiu o que havia dito antes. — Tenho algumas tarefas a fazer por aqui. Enquanto isso, você pode descansar em um dos quartos do andar de cima. — Prefiro ficar ao ar livre. As árvores são tão bonitas. — Fique à vontade — disse ele, erguendo-se da cadeira e levando o prato vazio até a pia. — Há livros na estante da sala de estar. Sinta-se livre para pegá-los se ficar entediada. — Obrigada. — Trouxe algumas roupas de trabalho. Assim que eu me mudar, vou começar a trabalhar lá fora. Chame se precisar de alguma coisa. — Está bem. Judd deixou a cozinha. Sentindo-se ligeiramente deprimida e sozinha, ela se virou para a pia. — Oh, Stevie? 36
original.file
— Sim — disse ela, virando-se depressa. Ele estava perscrutando na porta, apenas com a cabeça visível. — Senti uma onda de luxúria. — Então, com um leve tapinha no batente e uma piscadela, desapareceu. Stevie murmurou alguns palavrões ao espaço vazio onde o rosto sorridente de Judd estivera.
— Que diabos está fazendo? Stevie, sentada sobre os calcanhares no chão, olhou por sobre o ombro e quase ficou boquiaberta, mas se conteve a tempo. Judd, usando nada mais que uma calça jeans suja, fitava-a com uma expressão séria. No intervalo de duas horas, desde que o vira na pela última vez, ele havia trabalhado sem parar. Pequenos filetes de suor escorriam-lhe pelo peito recoberto de pelos. Usando o cabo de um ancinho como suporte para descansar um cotovelo tinha o quadril centrado de modo casual. Stevie podia olhar diretamente para a axila dele, mas lhe parecia uma invas ão de privacidade fazer isso, bem como seguir as gotas de suor que deslizavam pelo centro do seu abdômen até o cós da calça jeans. Algo doce e elementar trespassou-lhe a feminilidade, lembrando-a das pontadas de dor que vinha experimentando nos últimos tempos. Mas aquelas eram diferentes. Causavam prazer, não medo e dúvida. Mas como as outras, ela as repudiou, porque a faziam se sentir ambivalente e assustada. — O que parece que estou fazendo? Capinando este canteiro de flores — dizendo isso voltou a se concentrar na tarefa que havia lhe sujado a saia-calça branca e lhe endurecido as mãos com barro fértil. Estava suada, A trança caía pesada sobre a blusa úmida, que se aderia às costas. Sentia-se maravilhosamente bem. Era como se aquele suor fosse mais saudável do que o transpirado nas quadras de tênis. — Deveria estar descansando — disse Judd. — Isto é relaxante. Gosto de mexer com plantas e estas parecem tão maltratadas. — Virou a cabeça para lhe lançar um olhar de reprovação, mas desviou depressa. Judd estava agachado atrás dela. O rosto sujo, o suor escorrendo, aparentando mais belo que nunca. Podia sentir-lhe o cheiro da pele e sabia que seus lábios teriam um gosto salgado se ele decidisse beijá-la naquele momento. — Há um jarro de água gelada na varanda — disse ela, engolindo em seco. — Obrigado. — Judd se ergueu, gemendo um pouco quando, os joelhos estalaram e subiu os degraus da varanda. — Estes ossos velhos precisam de exercício, mas com certeza não vou conseguir me levantar da cama amanhã de manhã. — Serviu-se de um copo de água gelada. — Você fez alguma coisa aqui? — perguntou após beber. — Varri. O alpendre estava cheio de folhas e agulhas de pinheiro. Um horror! — A abelhinha ocupada, não é? — Gosto da sensação de estar fazendo algo simples, mas necessário. Além disso, o trabalho mantém minha mente ocupada. 37
original.file
Judd desceu os degraus e deu-lhe um puxão de brincadeira na longa trança. — Só não se desgaste muito. — Pode deixar.
— Você parece cansada. O sol já havia deslizado por trás das copas das árvores, que por sua vez lançavam sombras inclinadas através da clareira em frente à casa. Stevie estava esparramada em um balanço suspenso no poderoso galho de uma nogueira. Distraída, impulsionava-o com o pé descalço. Antes de se sentar, limpara as teias de aranha e espanara as correntes. Precisavam de óleo, mas ela gostava do chiado agradável que faziam, à medida que iam para frente e para trás. Pareciam em sintonia com o ranger perpétuo do moinho de vento. O balanço fora apenas uma das muitas atividades que se atribuíra durante o curso daquela tarde, enquanto Judd pregava venezianas soltas, retirava ervas daninhas e limpava ao redor do celeiro e da garagem. Enquanto declarava sua meia censura, ele se deitou no chão de costas sobre a grama recém cortada. Havia recolocado a camisa, mas deixou-a desabotoada. As duas metades se abriram, expondo o tórax exuberante e tentador, o que a despeito de todas as farras, era plano, rijo e levemente sombreado com pelos escuros. Stevie evitou fit á-lo-, mas não era fácil. Fora difícil manter os olhos longe dele durante toda a tarde. — Estou cansada — admitiu ela. — Mas deliciosamente cansada. Não lembro quando foi a última vez que vi o sol se pondo atrás de árvores frondosas. A luz púrpura, as sombras, os tons dourados e verdes. É tudo muito bonito. E os sons, o sussurro da floresta que nunca se ouve na cidade. A sensação de paz. Judd rolou para o lado e descansou a bochecha sobre a palma da mão, enquanto a fitava. — Sempre fala assim com tanto entusiasmo? — Só quando sinto este cansaço — disse ela com um sorriso, que foi retribuído. — Adorei este dia. É uma pena termos que voltar e inalar monóxido de carbono e diesel, em vez de resina e perfume de flores silvestres. — Será que temos? Stevie freou o balanço com o pé e ergueu a cabeça da corrente fina, onde a havia apoiado. — Temos o quê? — Temos que voltar? Os olhos dela se estreitaram. — O que está pretendendo agora, Mackie? — Deus, você tem uma natureza tão desconfiada! — Não sou desconfiada. Apenas não confio muito em você — disse com a voz doce. — Agora o que quer dizer, perguntando se não temos que voltar para Dallas? Claro que temos. — Por quê? 38
original.file
— Obrigações. — Com quem? — Bem, por exemplo... Você não tem obrigações com o Tribune? — Não a partir desta manhã. — O que quer dizer? — Fui demitido. Stevie o fitou, espantada. — Demitido? Eles o demitiram? — Sim. — Por quê? — Porque deixei nosso concorrente me passar uma rasteira com a matéria sobre Stevie Corbett. Os lábios de Stevie se entreabriram. Por um longo momento, ela apenas o encarou, mas não encontrou nada em sua expressão que indicasse que ele estava mentindo. Esperava que estivesse. — Você foi demitido por minha causa? Judd proferiu uma resposta negligente. — Não se preocupe com isso. Despedir-me é uma das poucas coisas que o meu patrão gosta. Eu não pensaria em corrigir-me e privá-lo desse prazer ocasional. A brincadeira não a fez rir. — Mas... mas você podia ter escrito uma excelente matéria. Era o único que sabia a verdade. — Isso me faria um verdadeiro filho da mãe, não é? Pode achar difícil de acreditar, mas tenho alguma ética e quando digo que uma conversa não será gravada, não será gravada mesmo. Judd se ergueu e caminhou até o balanço. Stevie estava sentada em um canto, com uma das pernas esticada. Ele envolveu-lhe o tornozelo num aperto firme e levantoulhe a perna, depois sentou-se a seu lado, colocando a perna dela sobre o colo. — Você está com uma bolha no pé — observou. — Isso é o que ganho por usar sandálias em vez de tênis e meias. Com o dedo polegar, ele alisou a pele avermelhada. O plano inicial de Stevie era afastar o pé, mas reconsiderou. Estava com medo de movê-lo por recear que quando o fizesse, o calcanhar entrasse em contato com a protuberância rija sob a braguilha da calça jeans surrada de Judd. Era melhor prevenir do que remediar, embora não chamasse de seguro ter o pé em nenhum lugar perto daquilo. — É melhor voltarmos antes que escureça — sugeriu ela com voz rouca. — Eu estava falando sério. — Judd virou a cabeça e lançou-lhe um olhar. — Vamos ficar. — Não podemos. Stevie desejou que ele retirasse a mão do seu pé. Com a ponta do dedo polegar, ele desenhava padrões no seu arco plantar. Era difícil não se contorcer e quase impossível não gemer de prazer, especialmente, com ele observando-a daquele modo tão irresistível. — Como assim? 39
original.file
— Como assim? — Ela não conseguia pensar em uma única razão. — Porque... — Excelente motivo. — Judd lhe deu uma piscadela com um sorriso, mas de imediato ficou sério. — Você precisa de um tempo sozinha para refletir, Stevie. Existe melhor lugar do que aqui? Não há telefones, nem distrações, nem repórteres espreitando. Ninguém para pressioná-la. Apenas eu. Mal sabia ele que esse era o principal impedimento. Mas porque a idéia era tão tentadora, Stevie resolveu lhe dar um não definitivo. — Você vai se sentar e ficar olhando eu pensar sobre o meu dilema? É o que está propondo? — Não, vou trabalhar no meu romance. — Romance? Que romance? — O que vou começar amanhã de manhã. Se ficarmos, é claro. Se não, o grande romance americano nunca vai ser escrito e todo mundo vai culpá-la por isso. — Oh, obrigada. Então agora, a sua carreira, é responsabilidade minha. — Bem, fui demitido por sua causa — lembrou-a num tom suave. — Você acabou de dizer... — Eu sei o que eu disse — falou irritado. — Olha, vamos ficar. Você pode cuidar dos canteiros de flores em torno da casa, cozinhar e limpar, e eu escrever. — Serviço de limpeza gratuito, é o que quer. — Stevie afastou o pé das mãos quentes de Judd, esperando o melhor. Seu calcanhar roçou o botão da braguilha do jeans, mas ela não permitiu que sua mente enfatizasse o volume sólido que sentiu por baixo. — Quer uma empregada a sua disposição, enquanto banca o John Steinbeck. Você é um engodo, Mackie, um grande golpe. O mais manipulador... — Pode ficar deitada na cama o dia inteiro se quiser — disse ele num tom de voz alto, suplantando-lhe os protestos. — Você é quem disse que queria ficar ocupada para manter a mente... — Seus olhos baixaram em direção ao ventre dela. — Você sabe. — Então, ergueu os olhos e a fitou. Ao perceber sua expressão hostil, exalou um suspiro desgostoso. — O.k., esqueça que eu mencionei isso. Péssima idéia. Pensei que nós dois pudéssemos usar algum tempo longe da rotina para pensar, reavaliar, planejar, esse tipo de coisa. Aqui parecia o lugar perfeito. Mas é óbvio que eu estava errado. Judd deixou o balanço, fazendo-o oscilar excessivamente. Stevie estabilizou-o com o pé. — Onde é que nós dormimos? — perguntou ela. Parando de modo abrupto, ele ficou imóvel por alguns segundos. Então, se virou devagar. — Onde é que nós dormimos? — Onde é que eu vou dormir? — Pode escolher um dos quartos. — Onde é que você vai dormir? — Em um dos outros quartos. — Ele colocou as mãos nos quadris. — É isso que está pensando, que tenho um motivo oculto? Uma combinação de dona de casa e amante. — Ela permaneceu em silêncio e com uma expressão acusatória. — Pensei que tivesse ficado claro que não há química sexual entre nós. Olha, eu quis dizer que isto seria um cenário puramente platônico. No momento, nossas vidas estão em convulsão. 40
original.file
Para que querermos mais complicações? — É isso mesmo. — Eu não vejo nenhuma faísca entre nós, você vê? — Não. — Ficaria toda suja e suada, com essa aparência imunda, se estivesse tentando me seduzir a ser seu amante? — Não — respondeu Stevie num tom rígido, sentindo vontade de esbofeteá-lo. — Então, muito bem. Nem eu. Se eu a quisesse na minha cama, lhe diria isso em alto e bom som. Meu Deus! — bufou ele, passando os dedos por entre os cabelos. — Agora que está tudo esclarecido, vamos partir ou ficar?
Capítulo Seis
— Pensei que seria bom comermos aqui fora. — Stevie gesticulou meio desconcertada para a mesa de carteado que trouxera da sala de jantar para a varanda da frente. No centro a havia um buquê de flores silvestres que ela colhera. Uma incursão pelos closets e armários produziu uma toalha de mesa, guardanapos de linho e até mesmo uma vela, que, com a ajuda de cera derretida, conseguira fixá-la em um pires. A luz piscou sobre o rosto sombreado de Judd. — Ótima idéia, mas você teve muito trabalho. — Eu gostei. Como prometido, Judd permitira que ela escolhesse o quarto em que gostaria de dormir. Stevie optara por um voltado para o leste, porque estava acostumada a acordar cedo. A escolha o agradou, porque a última coisa que ele queria ver de manhã era a luz do sol se infiltrando através das persianas. Quando deixaram o quarto, ele lhe mostrara o banheiro. Tinha uma pia e uma banheira antiga com pés. — Pelo menos uns dois metros de comprimento e adequada no caso de você estar com disposição para um longo banho de imersão — dissera ele com o sotaque nasal de um fornecedor de óleo de cobra. Haviam encontrado toalhas e lençóis, juntamente com algumas peças de roupa, na parte superior de um armário. Judd olhara a roupa com um certo ceticismo. — Veja se consegue encontrar algo para vestir até voltarmos à cidade? — Eu me viro. A quem pertenceram estas roupas? — perguntou ela, segurando uma saia rodada de encontro ao corpo. — A vários primos e primas, eu acho. — Havia um misto de roupas masculinas e femininas. Judd pegou uma camisa e um short. — Só porque sou um cara muito legal, 41
original.file
vou deixá-la usar o banheiro primeiro. Se for do seu agrado podemos preparar aqueles bifes que comprei hoje para o jantar. — O estômago de Stevie roncou como sugestão. Ele o esfregou com os dedos. — Acho que isso significa que aprova. Contraindo os músculos do estômago em defesa contra aquele toque, ela tentou fingir que ainda tinha fôlego suficiente. Mas, a despeito de todos os seus esforços, sua voz ainda soou uma oitava acima quando ela disse: — Bife parece maravilhoso. — Está bem, vou cuidar dos preparativos; enquanto você toma banho. Encontrei a churrasqueira do vovô na garagem e a limpei. Achei inclusive um saco de carvão vegetal. Meia hora depois, ao descer a escada, Stevie o encontrou subindo. Estava limpa e refrescada, os cabelos ainda úmidos. Judd parecia mais sujo do que nunca. Além da sujeira que coletara durante o dia, ainda adicionara uma boa camada de pó de carvão. — A água sai um pouco enferrujada — dissera ela. — Mas se deixar escorrer um ou dois segundos, clareia. — Obrigado pelo aviso — respondera Judd, ao passar por ela. Agora, ambos se fitavam sob a luz da vela disposta sobre a mesa. Os sons noturnos provenientes das árvores ao redor soavam altos e distintos, o cheiro de carne grelhando era de dar água na boca, a brisa amena. Stevie, sentindo-se nervosa e pouco à vontade, procurou algo para dizer. — O carvão estava bom. — Sim. — Antecipei-me e coloquei os bifes na grelha, mas você pode querer verificá-los. Stevie se sentia atingida por uma súbita timidez, que não podia imaginar de onde se originara. Talvez a blusa campesina tivesse sido uma péssima escolha, fazendo-a se sentir estupidamente feminina. Era grande demais. O decote largo deixava-lhe um dos ombros à mostra. Se suas roupas não tivessem ficado tão sujas, teria tornado a vesti-las após o banho. Mas encontrava-se parada, diante de um homem que podia fazer piada sobre ir para cama com trigêmeas contorcionistas, sentindo-se ridícula, sem jeito e vulnerável. Judd avaliou tudo: a vela, as flores, a mesa, ela. Em especial, ela. Fitou-a por um longo e sereno momento. — Tentando me impressionar, Stevie? Talvez eu devesse avisá-la, antes que seu coração se parta, que não sou o tipo que pensa em casar. A bolha sensual estourou. — Você, seu presunçoso, idiota! — gritou ela, indignada, plantando as mãos nos quadris. — Não fiz isso por sua causa. Fiz para mim. Raras vezes saio para me divertir e quando saio, costumo levar meus convidados para jantar. Esta foi uma das raras... Do que está rindo? — De você. Não agüenta uma brincadeira, mas fica mais bonita que nunca quando se irrita. Confusa, Stevie permaneceu onde estava, enquanto ele se dirigia à churrasqueira, situada em um canto da varanda. Hesitou alguns instantes, pensando em censurá-lo, mas decidiu esquecer. Quase sempre, suas escaramuças verbais acabam por beneficiá-lo. — Cinco minutos mais e os bifes estarão perfeitos — disse Judd por sobre o 42
original.file
ombro. Stevie aproveitou esse tempo para buscar a salada verde que havia preparado, pães franceses aquecidos com manteiga e um jarro de chá gelado e decorado com hortelã fresca que descobrira crescendo em um dos cantos da varanda dos fundos. Judd tomou um gole do seu copo alto gelado e estalou os lábios num gesto de apreciação. — A hortelã no chá de fato me faz lembrar os verões que passei aqui na fazenda com meus avós. — Por um momento, aparentava perdido no tempo e no espaço. — O quê? — Stevie perguntou baixinho. Focando-se nela outra vez, ele deixou escapar uma risada cínica. — Apenas percebi que o horário da diversão etílica veio e se foi e eu nem senti falta. — Ele fez um brinde com o copo de chá. — Deve ser a sua companhia. Stevie se sentiu arder com o calor que emanava dos olhos dele e começou a comer. Alguns momentos depois, ela disse: — O bife está delicioso. — Bem, não fique muito animada. Meus talentos culinários se resumem a isso. Ambos voltaram a comer em silêncio. Para puxar assunto, ela perguntou: — O seu romance é sobre o quê? — Escritores nunca comentam sobre as obras que estão escrevendo. — Você não começou a trabalhar nele ainda. — As mesmas regras se aplicam a uma idéia. — Por que não quer falar sobre isso? — Porque falar sobre a história dilui a compulsão de escrevê-la. — Oh. — Ela voltou a se concentrar na comida, mas sua mente não se desviou do assunto. — Acho que posso entender isso. Antes de um jogo importante, não gosto de comentá-lo. Não quero discutir a minha estratégia ou as probabilidades, contra mim ou a meu favor. Fico imersa em meus próprios pensamentos. Compartilhá-los traria azar à partida. — Você é supersticiosa — acusou ele, apontando os dentes do garfo na sua direção. — Não havia pensado nisso até o momento. Mas talvez sim. — Terminando de comer, empurrou o prato de lado. — Encaro o meu jogo com muita seriedade. E por isso é que a sua coluna tem sido sempre objeto de controvérsia, sr. Mackie. Você zomba de mim. — Isso vende jornais. Sei que leva seu jogo a sério. Talvez a sério demais. — Não é bem assim. — Não? — perguntou ele, apoiando os cotovelos sobre a mesa e inclinando-se mais para perto da vela acesa. A chama cintilou em seu rosto, suavizando-o, mas realçando-lhe a masculinidade. — Onde estão o marido, os filhos, a casa? — Se eu fosse homem você estaria me fazendo essas perguntas? — Provavelmente não — admitiu Judd. — Mas afinal... — Seus olhos se voltaram para o decote da blusa branca que ela usava. — Você não é um homem. 43
original.file
Enquanto estivera ocupada comendo, Stevie esquecera de puxar a blusa para cima de vez em quando. O tecido deslizara, deixando-lhe boa parte do colo à mostra. As sombras lançadas pela vela bruxuleante faziam o vale entre seios aparentar aveludado e misterioso. Sentindo-se ameaçada pelo olhar quente de Judd e pelo o rumo pessoal que a conversa havia tomado, de imediato se colocou na defensiva e voltou ao seu tema genérico. — Tudo, até o sucesso, vem acrescido de preço. Não se pode ter tudo. — Alguns podem. Mas não você. Você não tem nada, a não ser o seu jogo. — Um excelente jogo — retrucou irritada. — Concordo. Mas aposto que se perguntasse à maioria dos repórteres esportivos, repórteres esportivos homens, qual é a melhor contribuição de Stevie Corbett para o tênis, eles não responderiam que é o seu backhand. Se forem honestos, por certo diriam que é o seu traseiro. É que eu tenho a coragem de dizer ou escrever o que os demais estão pensando. Stevie afastou a cadeira e se levantou depressa. — Você é incorrigível, Mackie. — Ouço isso de todo mundo, desde a minha professora no jardim de infância, até mais recentemente Mike Ramsey esta manhã. Stevie? — Judd deixou a cadeira e contornou a mesa com uma única passada. — Qual é o problema? — Nada. — Droga! — resmungou. — Não me diga nada. Está sentindo dor? Ela respirou de leve várias vezes. — Às vezes, quando me movo de repente, dói um pouco. Judd pressionou a mão contra o baixo-ventre dela. — Precisa de suas pílulas para dor? Sente-se, droga. Eu vou buscá-las. — Não, está tudo bem. Estou melhor. Quando Stevie ergueu o olhar e o fitou, seu sorriso era hesitante, mas corajoso. — Passa tão rápido quanto vem. Estou bem agora. Os dedos de Judd pressionados em seu abdômen afagaram-na através da saia. — Tem certeza? Stevie tinha certeza apenas de uma coisa, que se ele não afastasse a mão e parasse de fazer o que estava fazendo, seus joelhos enfraquecidos dobrariam e sua boca alcançaria os lábios dele, ávida por sentir-lhe o gosto. — Tenho certeza — respondeu com a voz rouca. Judd buscou-lhe os olhos, aparentemente relutante em acreditar nela, mas segundos depois, retirou a mão e se afastou. — É melhor você subir e se deitar. — Que bobagem. Foi apenas uma pontada. — Pontadas não deixariam seus lábios brancos. — Por favor, afaste-se para que eu possa começar a limpar a mesa. 44
original.file
— Claro que não. Deixe os pratos até amanhã de manhã. — Eu não pensaria nisso. Sua avó jamais me perdoaria. Agora mova-se. Judd obedeceu, mas a contragosto, enquanto praguejava num tom baixo. — Com que freqüência sente essas pontadas? — perguntou ao mesmo tempo em que a seguia para o interior da casa, com uma bandeja de pratos sujos. — Talvez uma ou duas vezes por dia. De fato, isso não me preocupa. — Ela encheu a pia com água e sabão. Cada vez que tentava se mover em qualquer direção, pisava nele. — Você está me atrapalhando, Mackie. Seja um menino bonzinho e vá lá para fora brincar ou escrever seu romance. Judd deixou a cozinha, resmungando enquanto passava pelos cômodos da casa. Sabia reconhecer dor quando a via e Stevie sentira dor. Será que achava que ele era estúpido o suficiente para cair naquela balela? — Uma pontada, uma ova — pensou em voz alta. Ela estava minimizando aquela lembrança de sua doença do mesmo modo que ele tentava não enfatizar a rigidez sob a sua braguilha naquele momento. Não ousaria dizer o que era aquilo. Mas o que mais poderia ser? Stevie Corbett era a coisa mais quente, mais macia que eleja tocara. Afastar a mão das dobras da saia dela fora a. coisa mais difícil que já tivera que fazer. Não sabia como conseguira evitar tocar-lhe os seios, só para ver se eram tão fantásticos quanto aparentavam. Para desviar a mente do quão delicioso era o seu cheiro e o quanto queria beijá-la mais uma vez, carregou a mesa de carteado de volta à sala de jantar. Posicionou o abajur sobre o tampo, ajustando a lâmpada no nível máximo. Recolocou a máquina de escrever no lugar e a resma de papel, empilhando-a e tornando a empilhar, até que todas as arestas ficassem retas como uma lâmina de faca. Verificou a fita da máquina e se certificou de que o lápis e a borracha estavam ao alcance. Então, ficou lá, parado, olhando para a mesa e flexionando os dedos ao lado do corpo. — O que está fazendo? Judd virou-se. Stevie, no arco da porta, fitava-o com uma expressão curiosa. — Estou preparando o cenário — respondeu mal-humorado. — Não se pode apenas sair escrevendo, sem organizar as coisas, você sabe. Precisa um bocado de preparo. — Oh! Dava a impressão de que você estava aí de pé, tremendo, os joelhos batendo, com medo de começar. — Bem, mas eu não estava. — Está bem, está bem. — Ela deu um passo atrás, como se tivesse despertado uma fera mal-humorada e selvagem, o que não estava muito longe da verdade. — Estou indo para a sala de estar ler um pouco. — Tudo bem. Não faça barulho, tá? — Não farei. — Quero dizer, espere! — Ele foi atrás dela, ao vê-la se virar. — Não queria desprezá-la assim. Esta é nossa primeira noite aqui. O campo está me deixando nervoso, eu acho. 45
original.file
— Sentindo falta do ruído da cidade. — Algo parecido. Já sei! — disse estalando os dedos. — Quer jogar cartas? Tenho certeza que poderemos encontrar um baralho aqui em algum lugar. — Estou cansada, Judd. Talvez uma outra noite. — Trivialidades? Elaboramos nossas próprias perguntas. Você pode escolher as categorias. — Prefiro apenas ler. — Está bem. Isso é bom. Vou ajudá-la a escolher um livro. Mas quando Judd passou por ela, Stevie segurou-o pelo braço e o arrastou de volta. — Vou encontrar o meu próprio livro. Pare de enrolar, Mackie. — Enrolar? — Enrolar. Está protelando como uma criança na hora de dormir. Esse romance não se escreve sozinho. E isso o que acha que estou fazendo? Enrolando para não escrever meu livro? — Sim. — Nossa, não é de admirar que nunca tenha se casado — resmungou ele, enquanto se dirigia à sala de jantar. — Quem iria querer se casar com uma mulher assim? Você não é bem-humorada. Não é mesmo.
Stevie se esforçou para não adormecer. Então, por fim admitiu a derrota e colocou o livro sobre a mesa de canto. Horas antes, havia descoberto todos os móveis da sala de estar. Eram básicos do período colonial, construídos em grande parte com madeira de bordo, nada que ela usaria para decorar um ambiente, mas em perfeita harmonia com o restante da casa. Desligou o abajur e ergueu as sandálias do chão, levando-as na mão enquanto cruzava o amplo corredor. Judd estava perambulando pela sala de jantar, girando a cabeça sobre os ombros e flexionando os músculos dos braços. Havia vários modelos de aviões de papel espalhados pelo chão. Um colidiu com o bandô da cortina. — Como está indo? — Ela se aproximou da mesa, olhou para o papel na máquina de escrever e leu o que ele havia escrito até agora. — Capítulo um. Muito perspicaz. — Muito engraçadinha. — Tem um longo caminho a percorrer até chegar a um Prêmio Pulitzer, Mackie. — E você está muito longe de ganhar um Grand Slam. Aquelas palavras apagaram a luz provocante nos olhos de Stevie e fizeram seu sorriso desaparecer. — Tem razão. Estou. Judd praguejou em voz alta, enquanto passava todos os dedos por entre os cabelos. — Sinto muito. Eu não quis dizer... Eu não acho que... Eu não estava me referindo a... 46
original.file
— Eu sei o que quis dizer. Não se preocupe. Qual o problema com os seus ombros? — Nada. — Está estremecendo a cada vez que se move. — Arranquei muitas ervas daninhas, eu acho. — Sério? — Com uma expressão preocupada, Stevie caminhou até ele e pousou as sandálias no chão. Erguendo as mãos pressionou-lhe os ombros de leve. Ele gritou. — Ai, caramba, já estão doendo o suficiente sem você os apertar dessa maneira. — Você é tão mal-humorado quanto um urso velho. — É mesmo? Bem, é assim que me sinto. A primeira manhã após a hibernação. — Vamos lá para cima. Vou te fazer uma massagem com uma coisa que nunca fico sem. Stevie voltou a pegar as sandálias e apagou a luz. Juntos, começaram a subir. — Que tipo de coisa? — perguntou cauteloso. — Uma loção que um especialista em lesões esportivas desenvolveu. Garante o desaparecimento de toda tensão e inchaço. — Ela estava vários passos à frente. Judd deu-lhe um leve puxão na bainha da saia. Stevie se virou com um ar inquiridor. — Se isso é verdade — disse ele num tom lento. — Tem que me prometer não esfregá-la em qualquer outra parte de meu corpo sem meu prévio consentimento.
Capítulo Sete
Livrando a saia, Stevie fulminou Judd com o olhar e continuou. Segundos depois, após retirar o frasco de loção da sacola que trouxera, se dirigiu quarto dele. — Toc, toc. — Entre. Ela entrou justo no momento em que Judd retirava a camiseta. Com os braços esticados acima da cabeça, em pé, sob a luz da luminária, proporcionava-lhe uma vista panorâmica de seu corpo: ombros largos, peito vigoroso, quadris estreitos, pernas com cicatrizes. Pernas com cicatrizes? Por fim, a camiseta deixou-lhe a cabeça à mostra. Ao baixar os braços, ele pegoua olhando para as cicatrizes roxas que cruzavam sua canela esquerda. Enrolando a camiseta em uma bola, atirou-a sobre a poltrona perto da cama. — Não é educado ficar olhando. 47
original.file
O ressentimento de Judd havia duplicado desde que Stevie entrara no quarto. Ela podia ouvir a insolência em sua voz, um sarcasmo supercontrolado. Talvez acidentalmente tivesse se deparado com o ponto fraco de Judd Mackie. Seria ridículo fingir que não vira as cicatrizes. Mesmo que tentasse, ele não se deixaria enganar e se ressentiria por aquela tentativa. Sua curiosidade não era mórbida, mas solidária. Não havia melhor maneira de lidar com a situação embaraçosa do que ser objetiva. — O que aconteceu a sua perna? — Fratura exposta da tíbia. Pior do que ela imaginara. Sequer tentou esconder a careta. — Como? — Um acidente com um esqui aquático. — Quando? — Muito tempo atrás — respondeu ele com um misto de amargura e tristeza. Então, caminhou em sua direção. Ela seguiu o progresso do membro cicatrizado, baixando o olhar quando ele se aproximou, a fim de mantê-lo em vista. Judd tocou-lhe o queixo com um dedo e o ergueu. — Se continuar me olhando dessa maneira, vou me sentir complexado. — Sinto muito — disse ela, sincera. —- E que você usou short durante a noite toda e só reparei nas cicatrizes agora. — Estava escuro na varanda e ele tinha as pernas embaixo da mesa, enquanto comiam. — Para mim foi um choque, é tudo. Não estava preparada, não esperava isso. — A maioria das mulheres acha super sexy. Agora que ela vira a cicatriz, que ficara atordoada por causa disso, Judd queria bancar o espirituoso. Por ela tudo bem. Faria o jogo dele por ora e depois refletiria sobre a lesão que havia curado, mas que permanecera um ponto supersensível para o repórter esportivo, que aparentava invencível. — Oh, é bem sexy — concordou Stevie com um sorriso malicioso. — Diabolicamente sexy. Quase tanto quanto os pelos no peito. — Não está mentindo. — Não. Estou com água na boca. — Humm. Judd baixou os olhos, fitando os lábios dela. Seu olhar intenso era tão excitante e provocativo quanto a prosa mordaz, embora de uma forma bem diferente. O fundo do estômago de Stevie pareceu desaparecer. Antes que se visse cativa daquele olhar, que parecia atraí-la mais e mais para perto dele, como um poderoso ímã, afastou-se e começou a agitar o frasco de loção com movimentos vigorosos. — Onde quer fazer isso? — Não sei. — A voz soou baixa. — Qual será o nível de intimidade entre nós dois? Stevie se virou e se deparou com ele atrás dela, contemplando-lhe p pescoço exposto com um brilho de desejo no olhar, enquanto brincava com a ponta da sua trança. — Pode ser na cadeira. Ou na cama — murmurou Judd, esfregando os fios sedosos entre os dedos. 48
original.file
— Você quer uma massagem ou não? — perguntou ela, afastando-lhe a mão. — Quero. — Então, sente-se e vamos acabar logo com isso. — Acho que isso significa na cadeira — disse ele num tom seco, esforçando-se para não rir. Em seguida, puxou uma cadeira de uma mesa, sentou-se e cruzou os braços sobre o espaldar reto. — Massageie-me. Stevie se posicionou atrás dele. Encheu uma das palma com loção e esfregou uma mão contra a outra. No entanto, quando chegou a hora de tocá-lo, hesitou. Judd havia apoiado o queixo sobre as mãos. Por fim, aquela hesitação o fez virar a cabeça. — Qual é o problema? — Nada. — Isso não vai causar ardência ou outro tipo de sensação, não é? — Com medo? — Quando se trata de livrar meu couro, pode apostar que sim. — Acha que eu espalharia isto em minhas próprias mãos se ardesse? — perguntou irritada. — Não sei. Você seria capaz. Eu escrevi algumas coisas sórdidas a seu respeito. Essa pode ser sua maneira de iniciar uma vingança. — Que você, com certeza, merece. — A conversa lhe proporcionou tempo para reforçar sua coragem. Colocando as mãos nos ombros nus de Judd, começou a massagear com a loção curativa. — Humm — ele gemeu de prazer após alguns instantes. — Nada mal, Stevie. — Obrigada. Costumo praticar bastante. — Com quem? — Com outros jogadores da turnê. — Homens? — As vezes. — Oh, é mesmo? Temos aqui um bom material para uma coluna? Lascívia no Vestiário? — Isso soa bem o seu estilo. Vulgar, vil e desprezível. — Namoro na Quadra de Tênis? — Horrível. — Raquetes e Romance? Golpes Apaixonados, ou De Cabeça para Baixo na Quadra? As sardas que se espalhavam sobre os ombros dele eram adoráveis. Imploravam para serem beijadas. A pele sob os dedos escorregadios de Stevie ficou tensa, os músculos flexíveis. Queria deslizar as mãos pelas laterais daquele tórax e sentir-lhe as ondulações das costelas. Os pelos crespos das axilas a excitou. Com o olhar, seguiu pela espinha dorsal até o cós do short. Tocá-lo não satisfez sua curiosidade crescente. Apenas a intensificou. — Bem, e sobre isso? — A boca de Judd estava pressionada de encontro as suas 49
original.file
mãos, de modo que as palavras saíram abafadas. A massagem o estava relaxando. Tinha os olhos quase fechados. Para um. cara tão másculo, seus cílios eram absurdamente espessos. — Sobre isso o quê? — Romance. Já precisou usar a raquete para espantar os Romeus do circuito? — Nunca. — Não faz o seu estilo, hein? — E o que faz o meu estilo? — perguntou ela. — Lançar a um pretendente indesejado um daqueles seus olhares frios e condescendentes, que congela a maioria dos homens até os ossos. — Até agora não deu certo com você, Mackie. — Como você mesma disse, sou incorrigível. Se eu tivesse aceitado todos os "nãos" de uma mulher como ponto final, ainda seria virgem. — Ele suspirou. — Continue assim, Stevie, e conseguirá o que pretende comigo. — Não é necessário muito esforço para conseguir algo de você. Mesmo assim Judd não abriu os olhos. Pequenas rugas se formaram nos cantos quando ele sorriu. As sobrancelhas eram tão densas quanto os cílios. Eram sobrancelhas de um homem íntegro, embora integridade fosse um termo que ela jamais aplicaria a Judd Mackie. Até a noite anterior, quando, por respeito ao seu dilema, ele permitira que outro repórter esportivo publicasse um furo jornalístico antes dele. Essa decisão altruísta o levara a ser demitido do Tribune. Não era um indício de que sob aquela capa de rebeldia, havia um homem honrado? — Massageie meus braços, também. — Meus dedos estão ficando cansados — reclamou ela. — Esse negócio de massagem é um trabalho árduo. — Basta massagear. A queixa fora apenas um disfarce. Stevie sentia tanto prazer com a massagem quanto ele. Os bíceps de Judd eram firmes como maçãs verdes e primorosamente constituídos. Apertou-os com força, observando as impressões profundas que seus dedos causaram na carne dele. Quando os relaxou, listras brancas marcavam a pele bronzeada. Ele gemeu com um prazer animal. — Você me acusou de falta de vocação. Acho que acabei de descobrir que carreira você deveria ter seguido. Stevie percebeu então que Judd não era o único a se sentir estimulado pela massagem. Ela havia se aproximado mais, até sua cintura encostar de leve nas costas dele, a cada movimento das mãos. Ao se dar conta disso, afastou-se depressa. — Isso é tudo que posso fazer. — Sem fazer papel de boba, acrescentou em silêncio. Relutante, Judd ergueu a cabeça e girou até ficar ereto na cadeira. Afastando os joelhos, envolveu-a pela cintura e a puxou para o vão entre as suas pernas. — Mackie — disse ela sem fôlego. — Humm? 50
original.file
— O que estamos fazendo? — Nada. Tocou-a novamente no abdômen, com os dedos apontados em direção aos seus seios. — Voltou a sentir dor? — perguntou aplicando-lhe pressão no baixo-ventre com as costas da mão. Incapaz de falar, ela negou com a cabeça. — Verdade? — Seus dedos se estiraram na maciez da barriga de Stevie, depois tornaram a relaxar. — De verdade. — Ótimo. — Até aquele momento, ele estivera observando o movimento da própria mão. Agora seus olhos subiam pelos contornos do corpo dela até seus olhares se encontrarem. — Você me diria, não é? A exigência estava disfarçada na forma de uma educada pergunta. — Sim. Eu lhe diria. Ainda sustentando-lhe o olhar, deslizou a mão até cobrir-lhe o coração, que batia acelerado. — Você tem um cheiro tão bom. — Curvando-se, aninhou a cabeça entre os seios macios e inspirou. — Onde achou esse perfume? — Eu trouxe o meu. — Ela mal conseguia formar as palavras, enquanto a cabeça de Judd se deslocava de um lado para o outro e a mão captava cada um dos seus batimentos cardíacos. — É muito gostoso. — Obrigada. — De nada. Quando os lábios de Judd tocaram-lhe a pele nua do colo, um pouco acima do decote escorregadio da blusa campesina, ela ofegou. Com movimentos sutis de língua, ele roçou-lhe de leve o vale entre os seios. Aos poucos, bem devagar, beijou-lhe a curva do pescoço ao mesmo tempo em que se erguia da cadeira. Ao ficar de pé, com as pernas ainda afastadas, rodeou-lhe a cintura com um braço e a puxou até seus corpos ficarem colados. No instante seguinte, tomou posse de seus lábios outra vez, enquanto lhe envolvia um dos seios com a mão espalmada. — Mackie...? —Judd. — Judd...? — Continue com isso, Stevie. Os lábios de ambos se entreabriram. Quando voltaram a se encontrar, suas línguas se tocaram e cada uma emitiu um gemido baixo de prazer. A boca de Judd era calorosamente possessiva, bem como a mão que lhe acariciava o seio, deixando-lhe o mamilo rijo e túmido, sob os movimentos enlouquecedores daquele dedo polegar. Judd se curvou e beijou-a através da blusa, deixando uma mancha úmida sobre a trama macia. Ao perceber o que fez, enquanto erguia a cabeça, moldou o tecido molhado em torno do bico intumescido, até torná-lo visível. 51
original.file
Com as narinas um pouco infladas, gemeu excitado. Quando seus lábios voltaram aos dela, beijou-a com mais ímpeto, urgência e paixão. — Stevie, não se preocupe, benzinho — murmurou rouco de encontro aos seus lábios. — Você é mais do que suficiente para qualquer homem. Ao registrar aquelas palavras, um incêndio de um tipo diferente invadiu o corpo já em chamas de Stevie. Afastando a boca, ela o empurrou sobre o piso de madeira. — Então é isso! — vociferou agitada, mais nervosa do que nunca, mais irritada do que quando queimava um saque ou perdia uma jogada. — E por esse motivo que está sendo tão bom para mim. É por isso que está fazendo todas essas insinuações e carícias. Sente pena de mim. — Hã? — Judd piscou, tentando focar os olhos outra vez. — De que diabos está falando? — Sua bondade e preocupação, o convite altruísta para compartilhar este refúgio rural com você, a bajulação e os olhares convidativos. — Cerrando os dentes, ela bateu as mãos contra os lados das coxas. — Deus, não posso acreditar que fui estúpida o suficiente entrar nessa. — Será que esse discurso tem um motivo? Judd fitava-a sóbrio, obviamente nem um pouco satisfeito por ela ter posto um fim à festinha deles. Mas sua raiva não chegava aos pés da de Stevie. — Não preciso da sua piedade, sr. Mackie — afirmou ela num tom fervoroso. — Piedade? Piedade não causa isto — disse ele, apontando para a braguilha. — Então, se sua motivação não é piedade, isso o torna ainda mais desprezível. Você é um manipulador. Achou que seria fácil me levar para a cama porque eu estava em pânico, com medo de perder a minha feminilidade. Judd proferiu uma série de xingamentos criativos. — Você é quem devia estar escrevendo um romance — disse, com um dedo apontado na direção dela. — Tem imaginação de sobra para tal. Stevie andava de um lado para o outro ao longo da sala. — Pensou que iria me amolecer, fazer-me falar sobre todos os aspectos particulares da minha vida. Então, quando voltássemos a Dallas, você escreveria, uma matéria consistente que limparia sua barra com seu chefe de novo, venderia jornais e deixaria o concorrente com cara de idiota, porque você detinha a história verdadeira. — Não acredito nisso. — Ainda sentado no chão, riu suavemente e meneou a cabeça. — Deixe-me lhe dizer algo, sr. Mackie. — Stevie estava de pé em frente a ele, tremendo de raiva. — Não preciso de um Neanderthal como você para restaurar a fé na minha feminilidade. Mesmo que o cirurgião tenha que retirar todos os meus órgãos, ainda serei mais mulher do que você é homem. Um homem de verdade não tem que recorrer à mais baixa forma de artifícios para levar uma mulher para a cama. — Esse é o maior monte de asneiras que ouvi nos últimos tempos. — Judd se ergueu, ficando frente a frente com ela. — E não estou disposto a dignificá-lo com um comentário, muito menos com uma negativa. — Nada do que dissesse agora, me faria acreditar em você. 52
original.file
— É por isso que não vou perder meu fôlego. — Você é um vigarista mentiroso. Redige muito mal. Sua coluna é uma piada. Estar em sua companhia me deixa doente e já comi bifes muito melhores! — Ela jogou a trança por sobre o ombro e inspirou o ar devagar. — Quero ir embora. Agora mesmo. Leve-me de volta a Dallas. — Esqueça. — Eu disse agora. — Eu disse não. Pode ficar aí soltando fumaça pelo nariz a noite toda, se quiser. Fiz o trabalho de dez homens hoje. Estou cansado e vou para a cama. — Judd abriu o fecho da bermuda, que deslizou e caiu no chão. Então, retirou as cuecas. Tranqüilo, caminhou até a cama, puxou as cobertas, apagou a luz e se deitou. — Boa noite.
Stevie estava sentada à mesa da cozinha na manhã seguinte, quando Judd entrou, arranhando o peito nu ociosamente e bocejando. — Ah, café, que ótimo! — Após pegar um copo no armário, encheu-o e, em seguida, inclinou-se contra a bancada para sorver um gole da bebida fervente. — Dá para ver que já está com todas as suas malas prontas. — Com uma expressão divertida, acenou com a cabeça na direção da grande bolsa de lona que Stevie trouxera no dia anterior. Ela estava sentada na cadeira, usando suas próprias roupas que mesmo sujas ainda lhe conferiam um ar de superioridade. — Dormiu bem? — perguntou ele num tom de voz ingênuo. — Não. — Puxa, isso é péssimo. Faz meses, talvez anos, que eu não dormia tão bem. Qual foi o seu problema? O colchão é muito mole? Stevie lhe lançou um olhar gelado. — Acho que deveria lhe agradecer por ter colocado um short antes de descer. — Era tudo que ele vestira, o resto era o mesmo que usava a última vez que ela o viu. — Na verdade, gosto de beber o meu primeiro copo de café da manhã nu em pelo. Logo, o short é uma verdadeira concessão em sua homenagem — debochou, curvando em uma breve mesura. — Vá para o inferno. Judd riu. — Ora, Stevie, alegre-se. Se vamos ficar aqui juntos... — Não vamos ficar juntos. Vou voltar para Dallas. Se você não me levar, vou pegar um ônibus. — Não há ônibus. — Então vou pedir carona. — Eu pagaria para ver isso. — Vou dar um jeito de voltar para casa — gritou ela. — Ainda está brava comigo? Ouça, você sabe que tudo o que disse ontem à noite é lixo. Aquela história de piedade, de trazê-la para minha casa e levá-la para a cama, para me aproveitar da sua vulnerabilidade, é tudo bobagem. 53
original.file
— É? Eu não penso assim. — Acredite-me, benzinho, a única razão que me leva a beijar uma mulher é porque a desejo. Piedade não me levaria a fazer isso. — Você disse ontem que tudo ficaria em um nível platônico, que não tinha intenções de me seduzir. — Certo, então eu disse uma lorota. Uma pequena lorota. — Stevie não retribuiu o sorriso feliz de Judd. Ele inclinou a cabeça para baixo e a fitou por baixo das sobrancelhas. — Acho que está mais furiosa consigo mesma do que comigo. — Por que eu iria ficar com raiva de mim mesma? O sorriso que brotou nos lábios dele era egoísta e presunçoso. — Não queria sentir prazer em beijar-me, mas sentiu. — Você... você... — Não precisa ficar irritada. Eu estava gostando, também — disse ele, erguendo as mãos, num gesto de impotência. — Eu não poderia esconder muito bem o fato, poderia? Stevie desviou os olhos depressa. — Não sei do que está falando. — Não sabe uma ova. E o que acontece a um homem quando acaricia os seios de uma mulher. Mesmo beijando-os através da blusa. — A voz abaixou uma oitava. — E os seus mamilos não teriam enrijecido tão rápido se você não estivesse tão excitada quanto eu. Então o que pretende fazer, atirar em mim por eu ter me comportado de modo normal? Se for assim, terá que atirar em si mesma, também. Seria o justo. As bochechas de Stevie estavam em chamas. O corpo parecia uma fornalha. Todas as suas extremidades latejavam. As palavras de Judd haviam evocado impulsos dentro dela que ela preferia esquecer. Mas após tentar bani-los em vão durante a noite toda, parecia pouco provável que desaparecessem no café da manhã, especialmente com Judd atiçando as brasas da sua memória. — Quero ir para casa — afirmou categórica. — Você fez uma verdadeira encenação ontem, mas me trouxe aqui para tirar vantagem. — Não, não é por isso que você está zangada. — Ele pôs o copo vazio sobre a bancada e caminhou até ela. — E tampouco porque me despi na sua frente. Stevie se afastou, até ficar em risco de cair da cadeira. — E claro que é por isso que estou aborrecida. — Então por que não pegou o carro e voltou para Dallas sozinha? — Eu pensei nisso! — E? — Já era tarde — disse ela, esperando que ele não pudesse dizer que os seus argumentos eram fracos. Na verdade, não pensara em sair dali sozinha. Depois de vê-lo nu, tudo em que havia pensado era em se manter distante, antes que fizesse algo realmente estúpido, 54
original.file
como deitar ao lado dele na cama. Fora para o quarto, caminhara até a própria cama e se deitara rija como uma tábua, com medo de se mover e o corpo agitado levá-la a cometer um ato precipitado e lamentável. Por toda a bazófia de Judd naquela manhã, parecia até que aquilo havia acontecido. Se mesmo diante de sua resistência, ele já se mostrava daquela maneira arrogante, imaginava o quanto seria desagradável se ela cedesse. Era melhor nem pensar nisso. Judd estava esperando por uma resposta plausível. Então, Stevie resolveu dizer a primeira coisa que lhe veio à cabeça. — Eu não tinha certeza de que saberia encontrar a interestadual, por essas estradas rurais. Judd lançou-lhe um olhar presunçoso que deixava claro que aquilo era mentira. — Humm-humm. — Apoiando os braços sobre a mesa, inclinou-se sobre ela. — Você ficou chateada, porque a noite passada a fez lembrar de Estocolmo.
Capítulo Oito
Se o objetivo de Judd era desconcertá-la, conseguira. Ela fez várias tentativas vãs de falar, abrindo e fechando a boca, como na mímica de um ventríloquo. Por fim, conseguiu grasnar. — Não sabia que você se lembrava. — Eu me lembro. — Estava bêbado. — Nem tanto. Erguendo-se da cadeira, passou por baixo de um dos braços aprisionadores de Judd. O bule do café tremia em suas mãos, enquanto enchia mais uma vez a xícara. Tomou um gole para se fortalecer e ocupou o olhar com outra coisa que não o brilho triunfante refletido no dele. Judd a julgava em desvantagem. E tinha razão. A única forma de salvar as aparências seria o descaramento. Portanto, assumiu uma expressão arrogante e indiferente. — Estocolmo aconteceu há muito tempo, Mackie. Pelo amor de Deus! Isso foi há dez ou onze anos. Não foi nada demais. — Oh, não? — Judd se esparramou em uma das cadeiras da cozinha, esticando os pés descalços à frente e cruzando os tornozelos. A festança naquele lugar foi uma das melhores em que já estive. — Você entrou de penetra. Judd soltou uma risada abafada. — Essa é a graça de entrar de penetra. Pode-se escolher as melhores para 55
original.file
freqüentar. — Você e seus camaradas subornaram... — Induzimos. — ... para entrarem na festa. Você irritou... — Diverti. — ... todo mundo. Os anfitriões ficaram horrorizados... — Alegres. Stevie deixou escapar um suspiro exacerbado. — Vejo que suas recordações são diferentes das minhas. — Admita. Meu grupo animou a festa consideravelmente. — Sim, isso eu admito. — Os lábios de Stevie se curvaram, capitulando ao sorriso que tentava controlar. — Até vocês aparecerem, a festa estava asfixiante e enfadonha. — Depois do rebuliço que causamos se acalmou, meu sistema de radar bem treinado se focou na mais bela mulher presente. — Os olhos de Judd encontraram os dela através da mesa, assim como acontecera no salão de baile do palácio sueco, muito tempo atrás. — Você. — Obrigada. Mas eu também era a mais jovem. — Eu também era jovem — retrucou Judd, introspectivo. Não percebia o quanto era jovem. Isso foi antes de eu arrumar o emprego no Tribune. Trabalhava para uma agência de notícias, cobrindo eventos esportivos na Europa. Minha perna... — Ele sacudiu a cabeça para dispersar o pensamento tristonho. — Tive uma quente estadia lá, saindo com celebridades do esporte, convivendo com a realeza, indo a festas, bebendo e comendo de graça. — Paquerando as mulheres disponíveis. — Aquele trabalho realmente tinha suas vantagens. — Judd exibiu seu sorriso mais petulante. — Eu era tão ingênua! — disse ela em um tom meditativo que fazia eco com o dele. — Aquele era meu primeiro ano em torneio. Não fui avisada sobre lobos predadores da mídia como você. — Foi uma tacada de sorte para mim. O comentário a deixou em alerta. — Não aconteceu nada — disse Stevie, enfática. — Não é bem assim que me lembro. — Está bem, nós dançamos. Você se intrometeu de maneira grosseira entre mim e meu outro par. — Depois que você me dirigiu aquele olhar sedutor flamejante. — Flamejante? Sedutor? Nossa! Sua memória está distorcida. — E não me intrometi, apenas acotovelei seu par para que ele saísse do meu caminho. Além disso, o modo como ele dançava me lembrava um ganso batendo as asas. Stevie sorriu diante da lembrança e da descrição pouco lisonjeira, porém acurada de Judd. — Não, ele não dançava bem. 56
original.file
Mas Judd, sim. Oh, sim. Ele ignorara os casais que rodopiavam ao redor deles na pista de dança e a envolveu nos braços. "Olá." Fora tudo que Judd dissera. Aquela simples palavra. Porém, havia algo extremamente cativante na forma como a pronunciara, Com suavidade, intimidade, como se estivessem em um lugar silencioso e remoto, em vez de em um gigantesco salão de baile fervilhando com as risadas e o roque ensurdecedor. Judd a deixara mesmerizada com o atraente tom de voz e o jeito possessivo com que as mãos se espalmavam em ambos os lados de sua cintura, para colar aos dele os quadris que ondulavam ao ritmo da música. Aquele homem era tudo que Stevie não era: sofisticado, insolente, seguro de si, arrogante e indisciplinado. Estava disposto a aproveitar a vida, fazer amigos e se divertir. Stevie tinha poucos interesses além do tênis. Sua companhia constante era Presley Foster. As conversas que tinham se limitavam ao tênis, ao nível, de dificuldade da competição ou ao quanto Stevie tinha de se esforçar para faturar alto e chegar ao ranque dos melhores. Era disciplinada ao extremo. Até mesmo comparecer a uma festa e ficar acordada até tarde era uma raridade. O belo jornalista esportivo era fascinante... e perigoso. Durante a dança, encontrava-se próximo o suficiente para que ela lhe sentisse a respiração contra o rosto. Segurava-a de uma forma nada decorosa, fitava-a com olhar insinuante e movia o corpo ágil contra o dela de maneira sugestiva. Fizera a dedicada e disciplinada Stevie Corbett se sentir inconseqüente de uma forma deliciosa. — E depois que dançamos, subiu para o andar de cima comigo. — Está sonhando, Mackie. — Stevie desejou que a voz tivesse saído mais firme, mais zombeteira. Em vez disso, soou rouca e emotiva. — Fui para o jardim e você me seguiu. — Você fugiu. — Eu precisava respirar ar puro! — Estava com medo. Stevie estava com medo dele e da forma como respondia àquele homem. Temia o despertar sensual que ele a fizera experimentar. Com medo, porque pela primeira vez em muitos anos, o tênis era a última coisa que tinha em mente. — Suponho que agora irá me lembrar, de uma forma descortês, que me beijou. O olhar firme de Judd não vacilou. — Você correspondeu. Stevie clareou a garganta e fez um gesto casual com a mão. — Foi... agradável. — Eu diria extremamente agradável. Agradável, molhado, quente e sexy. — Está bem — concedeu Stevie. — Nós nos beijamos. — Um beijo impetuoso. — Um beijo impetuoso. — Eu escorreguei minha mão por baixo do seu vestido e a toquei. 57
original.file
— Uma atitude ultrajante — sussurrou ela. — Foi? — Judd empertigou a coluna e se ergueu. Não parou de caminhar para a frente até que a tivesse encostada à bancada da cozinha. — Você era macia e muito doce. Seu coração estava batendo acelerado. Como ontem à noite. — Ele pousou a mão sobre o coração de Stevie. — Como neste momento. — Não aconteceu nada. Judd deixou pender a mão e deu um passo atrás. — Porque Presley Foster partiu para cima de mim e ameaçou me castrar se eu não tirasse as mãos de você. Stevie cobriu o rosto com as mãos, experimentando mais uma vez toda a vergonha que sentira naquele momento negro de sua vida. Quisera que a terra se abrisse e a engolisse para não ter de encarar o olhar de censura do treinador, o sorriso malicioso de Judd e sua própria humilhação. — Presley fez o que achava melhor para mim — respondeu, tristonha. — Estava me protegendo para que eu não me magoasse! — Você estava dormindo com ele? Stevie baixou as mãos e o fitou, horrorizada. A face pálida e indignada. — Está louco? — Estava? — Não! — Ela engoliu em seco. — E isso que pensou durante todo esse tempo? Que eu estava dormindo com meu treinador? — Passou pela minha cabeça. — Você é doentio. Judd meneou a cabeça, tristonho. — Apenas realista. Conheço várias pessoas que têm relacionamentos pouco convencionais. — Então convive com pessoas que eu não gostaria de conhecer. — Sem dúvida. Olhando um ponto indefinido, Stevie concatenou os pensamentos. — Bem, essa conversa está sendo bastante elucidativa. Não é de admirar que tenha feito críticas irresponsáveis sobre mim em sua coluna, já que me considerava uma mulher sórdida, que tem como amante um homem mais velho que o próprio pai. Ou talvez fosse o fato de eu ter sido a única que lhe escapou. Seja por um motivo ou por outro, seu ego exacerbado não pôde suportar o fato de eu ter escolhido Presley a você naquela noite. Portanto, resolveu me espicaçar nas matérias que publicava. — Uma coisa não tem nada a ver com a outra. — Posso apostar — rebateu Stevie, amarga, Judd lhe segurou o antebraço. — Levei anos para ligar a campeã Stevie Corbett à menina de olhos arregalados que conheci em uma festa em Estocolmo. — Aposto que gargalhou quando descobriu. — Furiosa, ela desvencilhou o braço. 58
original.file
— Na verdade, não. — Judd a surpreendeu ao dizer, — Quando recordo aquela noite, o faço com ternura, não com escárnio. Quer saber qual é um dos meus mais profundos e sombrios segredos? Mesmo que Foster não nos tivesse impedido, duvido que aquilo fosse mais além. — Por que não? — Você era muito jovem. Inocente. Virgem. E eu... bem... eu não era. Stevie se descobriu quase hipnotizada pela tristeza estampada naquele semblante. Porém, bem a tempo, estreitou o olhar, desconfiada, e perguntou: — Se sabia que eu era inocente e virgem, então por que me perguntou se eu estava dormindo com Presley? — Oh, naquela época eu sabia que não estava dormindo com ele. Era virgem em Estocolmo, certo? — Stevie entreabriu os lábios para falar, mas descobriu que se encontrava demasiado perplexa para emitir sequer um pio. — Mas eu queria saber se alguma vez dormiu com ele e se ainda amargava um amor não correspondido. Agora sei que não. Levando as mãos aos quadris, ela o fitou, furiosa. — Sua escória desprezível, dissimulado, filho da... — Antes que fale um palavrão, pode me preparar o desjejum? O clima do campo me deixou com um apetite voraz. — Preparar-lhe o desjejum? — gritou ela. — Isso faz parte de nosso acordo, lembra? — Você cozinha, eu... — Esse acordo está desfeito, Mackie. O que o faz pensar que ficarei aqui com você agora? — O que há de diferente entre agora e ontem, quando concordou? Primeiro, a noite anterior. Segundo, a conversa reminiscente sobre a experiência que compartilharam e que, ao contrário do que pensara, ele não esquecera. No entanto, não estava disposta a citar tais razões. — Muita água passou por baixo da ponte. Isso nunca vai dar certo. Um de nós acabará matando o outro. — Mais uma vez está demonstrando ter uma grande veia criativa. Se eu tiver um bloqueio de escritor, planejo consultá-la imediatamente. — Judd inspecionou o refrigerador. — Por ora, suco, torradas e café serão suficientes. Quando formos fazer compras mais tarde, lembre-me de comprar bacon e ovos. — Mackie? Judd girou. — O quê? E daqui em diante, não precisa gritar. Não sou deficiente auditivo. — Não vou ficar. Judd a estudou por um instante, com expressão exasperada. — Ótimo. A chave do caro está na mesa do hall. Dirija com cuidado. Mas antes de partir, pense nisso. — Ergueu o dedo indicador. — Um. Seu edifício ainda deve estar cercado pela imprensa. O público deve estar indócil, querendo saber se vai participar ou não do Grand Slam. Irá jogar em Wimbledon daqui a três semanas ou não? Fará cirurgia agora ou não? Quais serão as conseqüências se não fizer? Qual o prognóstico se fizer? Pode dar respostas para todas essas perguntas? Não. Porque ainda está se fazendo as mesmas perguntas. Que melhor lugar para obter repostas que a paz e a tranq üilidade do 59
original.file
campo, longe dos caçadores de notícias e de conselheiros indesejados? — Ergueu outro dedo. — Dois. Parece estar precisando de férias. Ainda está com olheiras nada atraentes. — O dedo anular se juntou aos outros dois. — Três. Fui demitido por sua causa. O mínimo que pode fazer é preparar algumas refeições para mim, enquanto tento escrever o esboço para um romance. Vendê-lo para publicação pode ser minha única esperança de sustento no futuro. — O dedo mínimo se ergueu. — E quatro. Nada me enfurece mais do que alguém que voltar atrás em sua palavra. As razões de Judd faziam sentido, principalmente a primeira, mas Stevie o fitou, furiosa, ainda não preparada para ceder incondicionalmente. — Preciso praticar. Tem noção de como ficarei enferrujada se não jogar algumas horas de tênis, pelo menos uma vez por dia? — É um argumento válido. — Mordendo a parte interna da bochecha, Judd considerou as alternativas de que dispunham. — Quando formos de carro até a cidade, vamos visitar a escola pública. Se não me falha a memória, há uma quadra de tênis lá. E, já que sou a única pessoa famosa ou quase famosa por aqui — disse ele, com um sorriso presunçoso. — Acho que posso dar um jeito de conseguir permissão para usá-la. — Se puder fazer isso, ficarei. — Graças a Deus que chegamos a um acordo! — resmungou Judd, girando para se servir de uma xícara do café fresco. — Estarei na sala de jantar escrevendo. Pode levar o suco e as torradas para lá. Gosto delas levemente tostadas e com muita manteiga. — O suco ou as torradas? Judd estava quase transpondo a porta, quando girou com uma expressão fechada. — Tente não fazer barulho. Stevie considerou ir atrás dele e lhe desferir um belo pontapé nas nádegas musculosas, mas não o fez.
Certa noite, durante o jantar, Stevie comentou, satisfeita, que aqueles eram dias de bonança. Ele lhe voltou um olhar de reprovação e disse: — Nunca será uma escritora se recorrer a clichês como esse. Apesar da provocação de Judd, aquele era o adjetivo que melhor descrevia os dias que passavam ali. Stevie acordava cedo e passeava pelo jardim. A hortelã que crescia próximo à varanda dos fundos estava vicejando. Ela retirara com todo o cuidado as ervas daninhas em torno das congorsas esquecidas, porém robustas, que agora floresciam em uma profusão de tonalidades rosa e púrpura na fachada da casa. Em uma das viagens que fizeram ao centro da cidade, Stevie comprara uma saca de sementes de zínias. Ela as plantara e já estavam brotando. Gostava de observar os brotos, de um colorido verde vibrante, florescerem no rico solo do leste do Texas. Stevie lamentava o fato de que não estaria presente para apreciar sua florescência. Judd acordava tarde e de mau humor. Cada manhã, entrava cambaleando na cozinha e se servia de uma xícara de café que ela fizera. Em seguida, se retirava para a sala do jantar para trabalhar no romance. Mais tarde, Stevie lhe levava torradas ou cereal. Mas freqüentemente, quando o observava silenciosamente da arcada da porta, horas depois, a refeição ainda se encontrava na bandeja, intocada. Após o almoço, Judd voltava à maquina de escrever. 60
original.file
Stevie tirava um cochilo ou lia durante as tardes. Deliberadamente, evitava pensar sobre sua doença ou no que faria quanto a isso. Aquele era o propósito por trás daquela pausa em seu treinamento, mas não conseguia refletir sobre o assunto. Ao entardecer, iam de carro até o pátio da escola pública e jogavam partidas de tênis de baixo impacto, trajando shorts caros que compraram na única loja que vendia roupas na cidade, onde também compraram outras peças. O novo guarda-roupa não tinha nenhum outro mérito, além de não deixá-la nua, mas se divertia mais comprando trajes com Judd do que comprando nas melhores lojas. Faziam passeios pela região campestre à brisa fria da noite ou se sentavam juntos no balanço sob a nogueira. Em outros momentos, jogavam cartas na varanda. Judd trapaceava de maneira inescrupulosa e se amuava quando não vencia, culpando desde a luz frouxa da varanda ao barulho produzido pelas cigarras nas árvores. Certa noite, baixara um naipe fraco e dissera: — Vamos jogar strip pôquer e o vencedor terá de ficar nu. Regozijando-se, Stevie juntou avidamente sua montanha de palitos de fósforo. — Você não sabe perder. — É apenas um jogo, não me importaria em perder. — As costas de Judd estavam apoiadas contra uma das pilastras que sustentavam a varanda, enquanto balançava o joelho para a frente e para trás. Mesmo à luz fraca, Stevie lhe percebia a intensidade do olhar e sentia que ele não estava mais brincando. Com movimentos desajeitados, apressou-se em embaralhar e dar as cartas. — Talvez se tentasse um jogo honesto em vez de trapacear, conseguisse ganhar dessa vez — disse, ignorando tanto a sugestão quanto o fogo nos olhos de Judd. Caso contrário, poderia estar em perigo. Estivera brincando com fogo desde que concordara em ficar sozinha com ele. Até então, fora apenas chamuscada, não queimada. Stevie queria que as coisas permanecessem daquela forma. Havia um campo magnético entre ela e Judd com o qual não sabia lidar. Era mais fácil ignorá-lo. Certa tarde, compraram um exemplar do Tribune na mercearia. Stevie ficou arrasada quando leu a seção de esportes. Uma de suas adversárias vencera o torneio de Lobo Blanco. — Estão dizendo que ela pode me ultrapassar no topo do ranque — comentou com expressão taciturna. — Está pronta para voltar e encarar a pressão? Stevie ergueu a cabeça e o fitou nos olhos por um instante, vendo neles a mesma relutância que percebera na sugestão. — Ainda não. — Eu também não. — Incapaz de disfarçar o alívio que sentia, arrancou de modo brincalhão o jornal das mãos de Stevie. — Veja, há uma carta de um leitor perguntando sobre mim ao editor — disse ele, após alguns minutos de leitura. — E como ele respondeu? — Que estou tirando algumas semanas de folga. — Eles não afirmam que o demitiram — disse ela, lendo por sobre o ombro de 61
original.file
Judd. — Isso deve significar que o querem de volta. Não deveria telefonar para o jornal? — De jeito algum. — Judd dobrou o jornal e o atirou para o lado. — Deixe Ramsey se desesperar. Na manhã seguinte, o carteiro entregou uma correspondência para Stevie, quando ela trabalhava no canteiro. Era endereçada a Judd. Secando as mãos na parte traseira do short, ela entrou na casa. — Detesto interrompê-lo, mas chegou esta carta para você. — Stevie entrou na sala de jantar. Percebeu, não pela primeira vez, que ele datilografava apenas com os dedos indicadores. Judd terminou a frase que estava escrevendo, retirou o papel da máquina e o pousou sobre a mesa com a face para baixo. Recusara-se a discutir com ela a trama, personagens ou qualquer detalhe relacionado ao livro. Nunca lhe dava nenhuma dica sobre o que estava escrevendo e a proibira de recolher as folhas amassadas que enchiam a cesta de lixo todas as manhãs. Judd leu o remetente e resmungou de maneira zombeteira. — Ramsey. — Passou os olhos pela carta concisa, amassou-a até formar uma bola de papel e a atirou ao chão junto com as outras folhas descartadas. — E então? — perguntou Stevie, impaciente. — Ele ainda está desesperado? — Sim, mas ainda não chegou ao ponto de suplicar. — Ele tem de suplicar? — Claro que sim. Quero que rasteje como uma lesma. Stevie soltou uma risada. — Suponho que isso signifique que ainda não está preparado para voltar. — Estou preparado -— disse ele, erguendo-se. — Para almoçar. — Envolveu-lhe o corpo com os braços, espalmou as mãos nas nádegas macias, apertando-as com força, enquanto lhe dava um sonoro beijo. — Traga a minha comida, mulher. Stevie Se desvencilhou, indagando em tom atrevido. — Ou que fará? Os olhos cor de avelã se tornaram letárgicos e tão tórridos quanto o calor do verão. — Eu lhe mostrarei o que mais estou preparado para fazer.
Capítulo Nove
62
original.file
— Está muito calada esta noite. Algo errado? Stevie, que se encontrava com o olhar perdido à mesa de jantar, piscou para focálo. — Não. Não é nada. Desculpe por não estar sendo melhor companhia. — Não está com dor, certo? Stevie meneou a cabeça em negativa. — Apenas cansada. — Não é de se admirar. Você me exauriu na quadra de tênis hoje. — Você também me proporcionou um bom exercício. Observando-a atentamente, Judd brincou com a colher, virando-a de cabeça para baixo. — É mais que cansaço, certo? — Talvez. Não sei. Estou com um monte de coisas na cabeça. — Foi por ter visto aquele casal. Stevie lhe dirigiu um olhar sério, que no mesmo instante tentou em vão esconder sob um tom inocente. — Casal? — repetiu ela. — O jovem casal que vimos na mercearia esta tarde com um bebê. — Stevie desviou o olhar, o que funcionou como um sinal de admissão. — Até aquele momento estávamos nos divertindo muito. Derrotou-me com folga em três sets, mas eu perdi com dignidade. Estávamos fazendo piada, disputando o último pedaço do tablete de chocolate e fazendo nossas compras. E então, você reparou no jovem casal que empurrava o carrinho pelo corredor da mercearia. Brincavam com a criança e sorriam de um jeito tolo um para o outro sobre os cachos loiros do filho. Depois disso, calou-se e pareceu distante. — Não sabia que minha função de cozinheira teria de se estender para a de boba da corte — retrucou ela em tom cáustico. — Talvez devesse ter deixado isso claro. Judd soltou a colher, deixando-a cair sobre a mesa com um ruído e ergueu a mão em um gesto de capitulação. — Está muito melindrada. Só estou preocupado com você. — Bem, não precisa ficar. — Tarde demais. Já estou. Stevie lhe estudou a expressão. Parecia ser sincero. Queria e precisava acreditar naquilo. Soltou uma risada curta, que debochava de si mesma. — Suponho que esteja achando que a tola sou eu. — Na verdade, aquele retrato do matrimônio perfeito e harmonia doméstica também me deixaram meio emudecido. — Aposto que sim — disse ela em tom de brincadeira. — Pode acreditar. Nem sempre fui o idiota cínico e mal-humorado que conhece. Os donos desta casa, meus avós, passaram alguns valores básicos para meu pai. E ele, com a ajuda de minha mãe, passou alguns para mim. 63
original.file
— E o que aconteceu com eles? — Colidiram contra a orla rochosa da riqueza. — Espero que não esteja escrevendo sobre isso em seu romance. É terrível. Os lábios de Judd se curvaram em um meio sorriso. — Não exatamente nessas palavras, mas existe essa essência no tema. Stevie ergueu os ombros e os deixou pender com um suspiro profundo. — Está bem. Já que estamos sendo sinceros, admitirei que aquela cena comovente mexeu comigo. Tive inveja. — Inveja? — indagou Judd, incrédulo. — Como pôde sentir inveja de um casal de matutos? Viajou pelo mundo várias vezes, foi apresentada à realeza, ganha uma fortuna com sua atividade, além da renda dos produtos que divulga. Não conseguiria reunir todos os seus troféus em uma única sala por maior que fosse. — Não posso confidenciar meus problemas a nenhum deles. Não posso me aninhar a um troféu nas noites frias ou mesmo ter uma briga saudável com algum deles. — Sabe que o que isso me parece? Auto-piedade — É exatamente isso — retrucou Stevie, irritada. — Está lamentando algumas decisões que tomou? — perguntou ele, após um momento de silêncio. — Sim. Não. Não sei. É que... — Stevie se calou, tentando traduzir os pensamentos aleatórios em uma linguagem compreensível. — Nos últimos três anos, o Grand Slam foi meu único objetivo. Uma vez que conseguisse vencê-lo, planejava diminuir o ritmo, o que teria de fazer de qualquer forma devido a minha idade avan çada para uma atleta. Mas já decidi que se ganhasse o Grand Slam não pediria mais nada. Iria me aposentar no topo, com dignidade e uma carreira respeitável. — Fez uma pausa e continuou, pensativa. — Mas não fiz outros planos além desse. Agora que o futuro inevitável chegou, parece tão desanimador, tão vazio. Não há nada nele. — Nenhum filho. — Nenhum filho — repetiu ela, comovida. — E provavelmente nenhuma chance de ter um. Nunca mais. — Gostaria de ter tido um filho quando era mais nova? — Talvez. Mas agora é fácil olhar para trás e criticar. — Com quem seria? Stevie soltou uma risada melancólica. — Boa pergunta. Com quem? Nunca tive tempo para me apaixonar, me casar ou ter um relacionamento duradouro. Não sei nem ao menos o que significa esse bordão ou como se aplica a mim e aos espécimes do sexo oposto. — Agora que tem tempo de descobrir, talvez não tenha a oportunidade. E isso que a está incomodando? — Resumindo, sim. Ambos fizeram silêncio. Judd foi o primeiro a falar. — Às vezes, somos forçados a tomar nossas decisões. — As minhas, não. Fiz minha escolha de livre e espontânea vontade anos atrás. 64
original.file
Escolhi o tênis. Queria ser a número um do ranque mundial a qualquer custo. — Você é. — Eu sei. Sei também que não tenho razões para reclamar. Foi tudo maravilhoso. — Ela lhe dirigiu um sorriso melancólico. — É que de vez em quando, como hoje, lembrome de tudo que sacrifiquei e começo a sentir pena de mim mesma. Agora que minha carreira está chegando ao fim, fico me perguntando: e agora? E não tenho respostas. — Suspirou profundamente. — Em minha opinião, a autopiedade é o maior dos pecados e também uma perda de tempo. A não ser que possamos fazer as mudanças necessárias. No meu caso — concluiu, pousando uma das mãos sobre a barriga. — Não tenho controle sobre essa situação. É uma pílula amarga de engolir. Haviam terminado a refeição. Judd a ajudou a lavar os pratos. Naquele aspecto, não era tão chauvinista quanto pretendia parecer. — Vou me deitar — disse ela tão logo terminaram a tarefa. — Para pensar? — Não, porque a melancolia é cansativa. Judd exibiu um sorriso torto. — Em minha opinião, existem pecados muito maiores do que a autopiedade. Quer que enumere alguns os quais cometi, para que possa se sentir melhor? — Não, obrigada. Dispenso. Segurando-a pelos ombros, ele lhe depositou um beijo na testa. — Faça suas orações e feche a porta para que o barulho da máquina de escrever não a incomode. — Não me incomoda. Stevie se deteve a fitá-lo, sentindo-se perdida e solitária. Desejava alguma coisa, mas não sabia ao certo o quê. Para começar, desejava que aquele beijo de boa-noite tivesse sido depositado em sua boca e não na testa. Um contato profundo e demorado e não leve e rápido. Desejava que o carinho de Judd não fosse tão fraternal e que não tivesse lhe soltado os ombros tão rapidamente. Foi atingida por uma ânsia estranha e poderosa, a qual não saberia rotular. Silenciosa e íntima, mas tão forte e esmagadora quanto o impacto de uma queda d'água. Ansiava por encostar o rosto ao peito de Judd e se ver envolta no c írculo seguro daqueles braços. Desejava ouvir a voz rouca lhe sussurrar palavras de encorajamento ao ouvido, mesmo que tudo que pudesse lhe oferecer fossem alguns clichês. Antes que cedesse aos impulsos que a instigavam, precisava colocar algum espaço entre ela e Judd. Ele poderia confundir aquele desejo indefinido com fraqueza. — Boa noite. — Boa noite, Stevie. Porém, ela não conseguiu dormir. O dia fora nublado e úmido. Normalmente, o quarto de Stevie era fresco, graças ao ventilador barulhento e vibrante que fazia circular o ar fresco da noite. Não sentira a mínima falta de um ar-condicionado. Na verdade, gostava de observar as cortinas diáfanas das janelas abertas elevarem-se e flutuarem à brisa. Mas naquela noite, as cortinas se encontravam imóveis. Não havia brisa. Porém, mesmo que estivessem executando sua dança flutuante, Stevie duvidava que aquilo a 65
original.file
ajudasse a pegar no sono. Sentia-se inquieta. O corpo precisava dormir, mas a mente não relaxava. De repente, ocorreu-lhe o motivo da insônia. Não ouvia o barulho das teclas da máquina de escrever. Ao contrário do que Judd imaginara, o som metálico não lhe dissipava o sono, quando ele ficava trabalhando até de madrugada. Tornara-se um som confortador. Uma indicação de que, ao menos uma vez, não estava passando a noite sozinha em uma casa vazia. Atirando o lençol leve de musselina para o lado, cruzou o quarto até a porta que, como aprendera com Judd, sempre deixava aberta para que o ar circulasse. Um costume que ele adquirira na infância, quando passava os verões com os avós. Apurou os ouvidos. Nada. Uma rápida inspeção no quarto de Judd revelou que ele ainda não se deitara. Stevie caminhou até o topo da escada e olhou para baixo. A luz da sala de jantar estava acesa. Ele ainda estava acordado, provavelmente apenas descansando um pouco. Porém, esperou alguns minutos e não ouviu o som do teclado. Curiosa e, de alguma forma, preocupada, desceu a escada e, com passadas silenciosas, se aproximou da sala de jantar para se deparar com Judd perdido em pensamentos. A postura era típica de um escritor. Encontrava-se sentado, fitando a folha na máquina de escrever, com as mãos cruzadas no nível da boca e os cotovelos apoiados na mesa de carteado. As mangas da camiseta branca haviam sido cortadas, embora parecessem ter sido mastigadas. Os buracos por onde passavam os braços estavam esfarrapados. Judd usava um short azul-marinho. Os cabelos pareciam ter sido penteados com o ancinho que usava no jardim. Um dos cachos escuros e úmidos lhe caíra sobre a testa. Os pés, calçados com tênis sem cadarço, descansavam na última travessa de madeira que ligava as pernas da cadeira. A coluna se encontrava curvada. Não querendo perturbá-lo, Stevie recuou e girou em direção à escada sem produzir um único som. — Stevie? Estacando, ela retornou à luz da arcada aberta. — Desculpe. Não queria distraí-lo. — Claro que não distraiu. — As musas inspiradoras não estão colaborando esta noite? — Aquelas traidoras! — Com os cabelos caídos sobre a testa, em parte sombreado pelo reflexo da luminária sobre a mesa e, em parte, pela barba que começava a nascer, Judd era a encarnação do erotismo. Tinha uma aparência temperamental, perigosa e... maravilhosa. Algo no íntimo de Stevie se revolveu, como uma semente que tivesse sido plantada em terreno fértil e agora estivesse em plena germinação. — Por que não está dormindo? — Ele tomou um gole do café que só podia estar gelado. — Não sei. — Stevie ergueu as mãos, desajeitada, e as deixou cair ao lado do corpo. — Acho que senti falta do som da máquina de escrever. Além disso, a umidade está sufocante. Já que estou acordada, não me importo de fazer um café fresco. 66
original.file
— Não, obrigado. Tomei o suficiente. — Os olhos cor de avelã percorreram Stevie de cima a baixo. — Você está bem? — Sim. — Nenhum problema? — Não. — Não acredito. Se estivesse bem, estaria dormindo. Stevie caminhou pela sala. A camisola fora uma das aquisições que fizera na loja de roupas do centro da cidade. Era um modelo sem mangas, com corpete de renda pregueado e recatado o suficiente para vestir uma freira. Embora uma religiosa talvez relutasse em usar uma camisola de algodão tão fina e transparente que lhe perfilasse o corpo contra o tecido. Stevie estendeu os braços ao lado do corpo. — Vê? Estou bem. — Pois eu não estou — resmungou Judd, mal-humorado. — Não há lugar para sentar. — Claro que há. — Ele descruzou as pernas sob a mesa, segurou-lhe a mão, puxou-a e a sentou sobre o colo. Stevie sentiu as pernas expostas contra a parte posterior das dela. O contraste era tão eletrizante que ela emitiu um grito suave! — Judd! Roçando o rosto contra o pescoço macio ele rosnou. — Alguma vez lhe disse que camisolas brancas me excitam ao extremo? — Não! — Bem, elas não me excitam. Estava apenas imaginando se lhe disse isso. — Oh, você! — protestou Stevie, empurrando-lhe o ombro. Soltando uma risada abafada, Judd ergueu a cabeça, mas entrelaçou as mãos em torno da cintura fina, enquanto os olhos cor de avelã lhe perscrutavam o rosto. — Não conseguiria seduzi-la agora mesmo que permitisse. — Por quê? — Porque está parecendo uma menina de 12 anos com esses cabelos soltos e essa camisola puritana. Sorrindo, ele escorregou o dedo indicador ao longo da carreira de botões até alcançar o laço perfeito da fita de cetim entre os seios de Stevie. Em seguida, ergueu a cabeça e o olhar de ambos se fundiu. A pulsação de Stevie lhe batia nas orelhas. Uma vez, Judd a provocara comentando sobre sua freqüência cardíaca elevada, o que a fez imaginar se ele não a estaria ouvindo no momento. Mal podia respirar. Antes que as coisas fugissem do controle, tinha de trazer de volta o assunto do livro. — Está sendo muito duro? — Está começando a ficar — respondeu ele com a voz rouca. — Quanto tempo levará? 67
original.file
— Tempo suficiente, querida. — De que se trata? — Huh? — Seu livro. — Livro? Oh, meu livro. Estamos falando do meu livro. Judd deixou a cabeça pender para a frente e exalou um suspiro contido. Durante alguns instantes, inspirou profundamente com os olhos fechados. Quando ergueu a cabeça outra vez, exibia linhas de tensão nos cantos dos lábios. — Nesse caso, "livro" é um eufemismo para uma "pilha de esterco". — Judd gesticulou com a cabeça em direção às paginas que se encontravam com a face para baixo sobre a mesa. — Aposto que não se trata de nenhum esterco. Tem trabalhado com tanta dedicação. Não pode estar tão ruim assim. — Espero que não. — Judd lhe tomou a mão e a estudou, girando-lhe a palma pára cima e escorregou a ponta do polegar sobre os calos produzidos pela raquete de tênis. O toque agravou ainda mais o já caótico estado em que ela se encontrava, aumentando-lhe a percepção do calor que emanava das coxas de Judd. Stevie se apressou em retirar a mão e fez menção de se erguer, mas os braços se apertaram em torno dela. — Aonde vai? — Voltar para a cama. — Pensei que iria conversar comigo. — Não estamos conversando. — Quer saber de que se trata o livro? — perguntou Judd, melancólico. — Está bem, vou lhe dizer. — Eu... — Cale-se. Vive me atazanando para saber, agora saberá. Fique calada e escute. Em outra situação, Stevie protestaria contra aquela injustiça. Dede de a primeira vez em que perguntara sobre o romance e ele lhe dissera que escritores não discutiam os projetos em andamento, refreara-se para não perguntar o que ele escrevia na sala de jantar desocupada. No entanto, agora, sentia que Judd estava fervilhando de vontade de discutir certos aspectos do livro. Obediente, Stevie voltou a se sentar em silêncio e ouviu o que ele tinha a dizer. — Começa quando o protagonista é criança. — Mulher ou homem? — Homem. — Emblemático. — E tinha uma infância muito... — Ele tem um nome? — Ainda não. Vai continuar me interrompendo? Por que nesse caso... 68
original.file
— Não direi mais nada. — Obrigado. — Judd inspirou profundamente, abriu a boca e a fitou com olhar vazio. — Onde eu estava? — Posso falar? — O olhar furioso que ele lhe lançava ameaçava fulminá-la. —- Ele tinha uma infância... — Oh, sim. Tinha uma infância muito comum. Mãe, pai, a típica criação suburbana. Sempre foi bom em esportes. Todos os esportes. Mas durante o ensino fundamental se dedicava ao basebol. Nos últimos anos, atraíra a atenção de várias e notáveis universidades. Todas a disputá-lo. Ele escolheu uma e ganhou uma bolsa de estudos em troca de jogar no time da universidade. Durante o segundo ano da faculdade, um caçador de talentos de uma liga o abordou e lhe ofereceu um contrato para se tornar profissional. Uma oferta tentadora. Embora os colegas e o treinador lhe dissessem que tinha talento suficiente para fazer parte das ligas mais expressivas, decidiu que deveria declinar do convite, por mais que desejasse jogar. Achava que deveria terminar o curso na universidade para o caso de a carreira de esportista não levantar voo. Portanto, permaneceu na faculdade, o que no desenrolar da história, se revelou uma das mais sábias decisões que já tomara. Desde que não possuía interesse particular em nenhum campo específico, tentou encontrar o caminho mais fácil para concluir o curso. Nunca fora um estudante brilhante por viver ocupado com o atletismo. Ciências e Matemática eram uma dificuldade e ele passava raspando nessas matérias. Mas tirava notas altas em Inglês e História, onde conseguia, de alguma forma, passar nos teste. Os amigos lhe diziam que tinha facilidade com as palavras e aptidão para compor frases inteligentes. Portanto, parecia sensato fazer a especialização em Inglês e como matéria secundária, o Jornalismo. Quando se graduou, seu agente estava negociando seu passe com os três maiores times da liga. Sob a falsa impressão de que não era vulnerável, começou a agir com negligência, achando que seu futuro era um imenso e brilhante sistema solar que girava em torno dele. O sol. Freqüentava muitas festas, tinha muitas mulheres, divertia-se e farreava. — Calou-se por um instante, fitando, reflexivo, a folha de papel em branco na máquina de escrever. — Um desses contratos de sete dígitos com duração de cinco anos, os quais são o sonho de qualquer atleta, se tornou realidade para aquele palhaço. Ele estava comemorando com um grupo de amigos. Decidiram passar um final de semana fazendo esqui aquático. — Stevie retorceu os lábios, desejando não ter de ouvir o resto da história. Mas nem uma carga de dinamite seria capaz de fazê-lo soltá-la. Ao que parecia, Judd precisava daquele tipo de catarse. Ele a ouvira em muitas ocasiões em que desabafara. Estava na hora de retribuir o favor. — Haviam construído uma nova represa no lago, mas ainda não estava completamente cheia. Aqueles rapazes foram tolos de ir esquiar lá. Esse tolo estava gargalhando quando o barco se aproximou do toco de madeira que se erguia sobre a superfície da água. Droga! Ele era invencível. Nada poderia atingi-lo. Ou assim pensava — disse ele em tom vazio e impassível. — Decidiu que podia desviar do toco sem nenhum problema. — Depois de um instante, acrescentou: — Não conseguiu. — O silêncio que se seguiu foi cortado apenas por um trovão distante. Um ruído agourento. O céu se iluminou com o brilho do raio. A brisa aumentou de intensidade. Porém, nenhum dos dois percebeu as mudanças no tempo. — Todos os seus grandes planos foram para o inferno — prosseguiu Judd. — Uma atitude idiota e todo o curso de sua vida mudou para sempre. O contrato de sete dígitos foi anulado, quando os médicos disseram aos diretores do time que ele não servia mais para jogar profissionalmente, mesmo que se empenhassem em lhe tratar a perna. Nunca chegou a jogar na liga principal de basebol. Após um ano de cirurgias reconstrutoras na tíbia fraturada, começou a trabalhar escrevendo sobre o esporte que não mais podia praticar. — Começou a chover. Pingos grossos e barulhentos fustigavam as flores que Stevie cultivara de maneira meticulosa. 69
original.file
A chuva entrava pelas janelas abertas. As cortinas esvoaçavam para dentro da sala sopradas pelo vento. Os raios espocavam e os trovões rugiam. A atmosfera se tornou mais fria, um alívio para o calor úmido. Stevie estava alheia à tempestade e a tudo, exceto Judd. Afastou para trás a mecha de cabelos que lhe caíra sobre a testa e lhe acariciou o vinco entre as sobrancelhas. — É melhor você não ler o livro. Acho que não vai ter um final feliz — disse ele, com um sorriso torto. — Por que não? Judd escorregou o dedo sobre o decote da camisola, traçando-lhe o contorno que lhe circundava a base do pescoço. Um movimento distraído. — Durante anos após o acidente, o protagonista ficou revoltado com o mundo e ainda mais consigo mesmo por ter estragado a própria vida. Passou a viver, como diria Rhett Blutler, sem dar a mínima importância a nada. Esforçava-se para tornar todos a seu redor tão infelizes quanto ele. Embebedava-se com freqüência, dormia com mulheres desconhecidas, provocava brigas. — Brigas? Judd deu de ombros, agora brincando com os botões da camisola. — Para provar a si mesmo que o acidente não o tornara menos másculo. Afinal, não era mais um pomposo esportista. — A proeza atlética nunca mediu a capacidade de um homem. — Tente vender essa teoria aos homens americanos comuns. Stevie deu de ombros. O movimento fez as juntas dos dedos de Judd ro çarem um dos seios. — Como a história acabará? — Ah, isso é que está me atrasando. Estou na parte que ele finalmente arranjou um trabalho bem remunerado, o qual começou a fazer, esforçando-se o mínimo possível. Conseguiu enganar a todos, menos a si mesmo, que havia algum mérito no que estava fazendo. Mas o que será desse homem que ainda se ressente imensamente de ter destruído sua grande chance na vida? — Acho que não está se dando muito crédito — comentou Stevie em um tom suave e compassivo. — É necessário muito talento para manter uma coluna diária em um jornal. Ser inventivo não é pouca coisa quando se é um jornalista. Suas reportagens nem sempre me agradaram, mas nunca foram insípidas ou... qual é o problema? Judd não a estava mais tocando de maneira distraída e com a intimidade costumeira. Os olhos cor de avelã haviam se tornado tão tempestuosos quanto o céu da noite. — Por acaso lhe disse que essa era a minha história? — A repentina mudança de humor a pegou de surpresa. — Bem, não exatamente — gaguejou Stevie. — Ma... mas presu... sumi... — O personagem do livro não está satisfeito com sua vida. Pareço alguém quem não está satisfeito com a vida? Judd se ergueu, praticamente a atirando ao chão. Ela cambaleou para trás em uma tentativa de se equilibrar. Quando conseguiu, fitou-o, furiosa. Ele lhe contara sua triste história, mas quando chegou o momento de aceitar a compaixão que ela expressava, se 70
original.file
tornou um macho estúpido e defensivo. — Parece uma piada em forma de jornalista, que finalmente está conseguindo produzir um romance medonho que tanto alardeou e que queimava dentro de você há anos, para qualquer um que seja idiota o suficiente ler essa bobagem. — Não sabe nada sobre mim — disse ele, enfurecido. — Sei que é insensível até mesmo para escrever o rótulo de uma lata de sardinhas, quanto mais um romance sobre emoções humanas e decepções da vida. Por falar nisso — zombou Stevie, gesticulando em direção à mesa. — Acho o tema do seu livro comodista e enfadonho. Judd fechou a distância entre eles com alguns passos. — Não se eu detalhar a experiência do personagem com as mulheres — disse entredentes. — Nesse caso, acrescente repulsivo ao que acabei de dizer e terá minha crítica! Com essa frase final, Stevie saiu da sala pisando duro.
Capítulo Dez
Ainda chovia na manhã seguinte, mas não foi o som do trovão que acordou Stevie e sim a cólica em seu baixo ventre. As pontadas eram as mesmas de uma eólica menstrual, porém mais localizadas e intensas, principalmente do lado direito. Stevie se levantou e tomou dois de seus analgésicos. Em seguida, voltou para a cama, deitou-se de lado e puxou os joelhos até a altura do peito. Por fim, a cadência da chuva a induziu de volta ao sono. No entanto, não teve um sono muito profundo. Quando acordou, Judd chamava seu nome de uma forma inquisitiva. Sentiu o colchão afundar sob o peso do corpo, quando ele se deitou atrás dela e pousou uma das mãos em seu ombro. — Stevie, qual é o problema? — Nada. — Ela continuava imóvel e com os olhos fechados. — Eu a ouvi gemer lá do meu quarto. Você me acordou. — Peço-lhe desculpas. Judd xingou baixo e resmungou um comentário depreciador sobre a natureza feminina. — Não me importo em perder o sono — sibilou Judd. — Está sentindo dor? — Um pouco. — Droga! — Apenas uma cólica suave. Não se preocupe com isso. Vai passar. 71
original.file
— Onde estão suas pílulas? Eu as trarei para você. — Já tomei duas. — Quando? — Não sei. Não tem muito tempo. — Por que não estão fazendo efeito? — Ainda não deu tempo. — O que posso fazer? — Nada. — Por que está com os olhos fechados? — Porque estou sonolenta. — E por que sabia que Judd viera até ali como dormia. Nu. — Volte para a cama. Ficarei bem. — Onde dói? — Onde estão meus tumores? — perguntou ela, impaciente. — O que poderia ajudar a passar a dor? — Meu saco de água quente talvez ajudasse. — Onde está? — Não o trouxe. — Ótimo. Judd não disse mais nada, mas também não se retirou. Ela podia sentir o olhar pousado nela. De modo abrupto, como se de repente tivesse se decidido sobre algo que o deixava em um dilema, escorregou um dos braços pela cintura de Stevie, transpassando a camisola de algodão até lhe encontrar a pele. — Judd, o quê...? — Fique calada e não se mova. Quero ajudar. — Não pode. — Talvez não, mas quero tentar. — Por quê? — Por que fui rude ontem à noite. Gritei com você quando não merecia. — Isso não importa. Não é necessário fazer isso. — Ouça, esse papel de bom samaritano é novidade para mim, portanto me dê um desconto e me ajude, está bem? Agora me diga. Onde está doendo? Aqui? — Judd lhe posou a mão quente sobre o baixo ventre, aplicando a quantidade certa de pressão. — Humm. — Um calor suavizante se espalhou pelo corpo de Stevie, abrandando a dor, suavizando as cólicas. Uma sensação maravilhosa. — Está melhor? — Judd aguardou. — Stevie? Mas ela já estava adormecida.
Quando acordou pela terceira vez, o peso do braço de Judd lhe pressionava a 72
original.file
cintura. A mão longa ainda se encontrava espalmada entre seus ossos ilíacos. A dor passara. Os dedos da outra mão de Judd estavam enredados em seus cabelos, no ponto onde se encontravam com os dela no travesseiro que dividiam. O mínimo que ele podia ter feito era trazer seu próprio travesseiro, pensou Stevie. A rabugice era apenas um ardil que empregava para convencer a si mesma que não gostava de sentir o corpo sólido encostado ao dela, tocando-a dos ombros aos pés, e da respiração quente e úmida em sua nuca. Tentou dizer a si mesma que o corpo de Judd era pesado e importuno, quando na verdade se extasiava com aquela proximidade. Tanto que deliberadamente se chegou mais para perto. Arregalou os olhos quando, alarmada, percebeu que os trajes de dormir de Judd eram escolhidos para lhe prover o máximo de conforto e que estava deitada na cama com um homem extremamente viril. Esperando não acordá-lo, girou de leve a cabeça. Judd fungou, se mexeu e abriu os olhos. Os rostos de ambos se encontravam muito próximos. Stevie decidiu que a situação bizarra pedia uma ação. Um "obrigada". Uma risada para quebrar a tensão. Uma reprimenda. Porém, não fez nem disse nada. Limitou-se a permanecer deitada, observando o rosto áspero, bem delineado, coberto parcialmente pela barba curta que, para seu desespero, estava se tornando querido. Quando por fim Judd se mexeu, foi apenas para estender os dedos contra o abdômen de Stevie e pressioná-lo com o punho de maneira suave. Em seguida, escorregando a mesma mão para a curva da cintura, puxou-a até que se deitasse de costas. Os olhos cor de avelã vaguearam em um tour silencioso, tocando cada ponto do corpo de Stevie: os cabelos, que acariciava preguiçosamente, os olhos, a boca, o pescoço. Sorriu, divertido, enquanto os escorregava pelo corpete recatado da camisola quase infantil até o laço de cetim que a tornava sedutora. Aos poucos, o olhar perfez o caminho de volta para fitá-la. Moveu-se outra vez. Agora para pousar os cotovelos de cada lado dos ombros de Stevie, utilizando-os para se escorar sobre ela. Em seguida, com uma das pernas, abriu caminho entre as dela. A coxa pousando quente e pesada sobre a intimidade de Stevie. Emoldurou-lhe a face com as mãos, escorregando os dedos pelos cabelos macios e os fechando em torno do couro cabeludo. Os polegares traçando-lhe o contorno dos lábios que se entreabriram. O ponto onde se separavam pareceu intrigá-lo e ele o explorou com a ponta do dedo. Em seguida, baixou a cabeça e substituiu o polegar por um beijo suave, enquanto a chuva de verão fustigava as folhas das árvores lá fora. Em um gesto instintivo, os braços de Stevie o envolveram e as mãos levemente calosas se espalmaram sobre as costas largas. Ele deixou escapar um gemido baixo e primitivo, invadindo-lhe a boca com a língua. Os lábios de Judd se inclinaram sobre os dela para obterem o melhor ângulo e conseguirem a plena satisfação. A língua se aprofundou, com maestria, mas sem pressa. Era um beijo calmo e sonolento de uma manhã chuvosa. Era delicioso. 73
original.file
Quando acabou, ambos recuaram, fitando-se com uma complacência letárgica. As mechas dos cabelos de Stevie ficaram agarradas aos fios da barba que nascia. Ela esticou a mão para retirá-los, mas Judd lhe prendeu a ponta do dedo entre os dentes, mordeu-o de leve e, em seguida, umedeceu a ponta com a língua macia e úmida. Stevie lhe explorou o rosto com as mãos, como se fosse cega, tateando as feições ásperas e masculinas com dedos curiosos. Tentou em vão alisar as sobrancelhas cerradas, embora as achasse atraentes ao extremo. Judd baixou a cabeça e lhe beijou o ombro exposto. Mais uma vez ela fechou os braços sobre o torso avantajado, em um abraço apertado e desejoso, querendo sentir o peso dele sobre o corpo. Judd lhe satisfez o desejo, ajustando o corpo ao dela em um contato ainda mais tentador que os fez balançar levemente. A boca a devorava, beijo após beijo. Quente, molhado e profundo. Lentamente, um botão de cada vez, abriu-lhe a camisola. Quando alcançou o laço de cetim, ergueu a cabeça para observar os dedos puxarem uma das pontas da fita até desatá-lo. Em seguida, afastou o tecido de algodão para o lado. Trêmula, Stevie lhe avaliava a reação, mas não havia nenhum brilho nos olhos cor de avelã, exceto admiração e desejo. Os dedos bronzeados se curvaram sobre a pele pálida do seio firme. A expressão de Judd se suavizou como a pele que gentilmente segurava. Porém, Stevie não percebeu aquilo. No momento, tinha os olhos fechados e, entre os lábios entreabertos, deixava escapar a respiração ofegante. Ele roçou o rosto ao seio macio, esfregando o nariz, o queixo, os lábios e a barba de um dia sobre a pele sedosa. Stevie murmurava, tomada de um desejo premente, enquanto respondia pressionando a coxa contra a dele e arqueando os quadris. Judd lhe beijou os mamilos rígidos, fechando os lábios em torno deles e os sugando com, fervor moderado, enquanto os estimulava com a ponta da língua. Uma miríade de sensações explodiu dentro dela como fogos de artifício em um parque de diversões. Stevie deixou escapar um grito de prazer. Com um dos joelhos ele lhe pressionou seu sexo, movendo-o contra a pele sensível. Ela cravou as unhas nos músculos rígidos das cotas de Judd. A mão experiente se esgueirou sob o lençol, a camisola e a calcinha de seda para lhe acariciar a sedosidade quente e feminina. Foi quando ouviram uma batida ansiosa à porta, no andar de baixo, que não poderia ser ignorada. As palavras com que Judd cumprimentou o dia que nascia soaram claras e profanas. Judd quase arrancou a porta das dobradiças ao escancará-la. Um entregador encharcado, trajando uma capa amarela, não parecia mais feliz por estar ali do que Judd em recebê-lo. — Demorou a atender — reclamou o homem. — Eu estava na cama. — Espero que aprecie o fato de eu ter feito todo esse trajeto até aqui. — O homem indicou o charco que se formara na clareira em torno a casa pela tempestade. As 74
original.file
pequenas e corajosas plantas de Stevie jaziam, derrotadas, na lama como vítimas de urna batalha marítima. — Oh, sim. Estou vibrando em vê-lo — resmungou Judd, sarcástico, enquanto assinava a linha pontilhada no recibo. O entregador lhe estendeu uma correspondência expressa em um invólucro plástico. Em seguida, cobriu a cabeça com o capuz da capa e desceu rapidamente os degraus da varanda até a van estacionada. Judd bateu a porta da frente com força. — Quem era? — Encomenda para mim. — De quem? Imerso em seu mau humor, Judd não se lembrara de verificar. Quando leu o nome do remetente, soltou um xingamento baixo. — Mike Ramsey. — O que é? — Como diabos posso saber? Ainda não abri. Judd nunca se sentira tão frustrado em sua vida. Lá estavam eles, naquela cama aconchegante e amarfanhada, beijando-se como loucos, a temperatura subindo, tudo progredindo bem e agora aquilo. Seria capaz de matar Ramsey de bom grado pela indesejada interrupção. Não ficou nada satisfeito ao constatar que Stevie se vestira rapidamente. Os olhos pareciam enormes no rosto pálido. A expressão era uma mistura de apreensão e sentimento de culpa. Diabos! Ainda sentia o sabor da boca de Stevie e a sensação dos seios macios na língua. Mesmo furioso como estava com a interrupção, tudo em que podia pensar era recomeçar do ponto onde pararam. Mas o instinto lhe dizia que aquilo não iria acontecer. Por isso estava tão aborrecido. Tendo a chance de pensar melhor, reconsiderar, deixar a paixão esfriar, Stevie recuara. No entanto, sempre havia a possibilidade de estar errado, pensou ele, otimista. Moveu-se em direção ao local onde ela estava parada, dando a impressão que iria flutuar, no sopé da escada. Fitou-a com o olhar repleto de desejo e disse seu nome em voz rouca: — Stevie? Umedecendo os lábios em um gesto nervoso, ela disse: — Vou fazer café. — E se dirigiu à cozinha em um ritmo que poderia ser classificado como corrida. Judd esperou até zerar seu repertório de obscenidades para segui-la. Tendo passado a maior parte de sua vida adulta em um vestiário e em uma redação de jornal, seu arsenal era vasto. Trajando apenas o short que vestira para atender à porta, entrou na cozinha. Deixando-se cair pesadamente em uma das cadeiras à mesa, rasgou o papelão da embalagem, enquanto Stevie esperava o café acabar de coar. Judd leu a única folha da carta datilografada em espaço um. Em seguida, amassou-a até formar uma bola de papel e a enfiou no bolso do short. 75
original.file
— Quanto tempo levará para esse café ficar pronto? — Mais alguns minutos. O que seu editor escreveu? — Nada de importante. — Então por que está parecendo tão aborrecido? — Porque ainda não tomei café. — A voz de Judd soava impaciente até mesmo aos próprios ouvidos. Mas não era com Stevie que estava irritado, mas sim com Ramsey, com a situação, com seu corpo excitado que se recusava a relaxar. — Há outras razões mais... prementes para minha irritação, mas acho que não quer escutar, certo? — Stevie meneou a cabeça em negativa com um gesto rápido. — Achei que não — disse ele em tom baixo. — O sr. Ramsey está suplicando? Está se arrastando como uma lesma no chão? — Não. — Então, o que ele tinha a dizer? — Nada demais. — O que está escrito na carta? — O grito de Stevie o pegou de surpresa. Desviando o olhar de sua masculinidade excitada, percebeu que ela estava empertigada e tensa como uma corda de piano. E, obviamente, nada satisfeita com suas evasivas. No instante em que Judd constatou aquilo, ela afundou em uma cadeira oposta à dele. — O que ele escreveu? — Informou-me que você está desaparecida — respondeu Judd, com um sorriso oblíquo. — Disse-me que estou perdendo o maior furo esportivo deste ano. Todos os fãs do esporte não têm outro assunto a não ser o misterioso desaparecimento de Stevie Corbett seguido do colapso que teve em Lobo Blanco. — A luz da cafeteira piscou, indicando que o café estava pronto. Stevie não percebeu, portanto ele se levantou. Retornando à mesa com duas canecas fumegantes, colocou uma diante dela e tomou um gole da que tinha na mão antes de continuar: — Mike exigiu que eu parasse de birra e voltasse imediatamente ao trabalho. Disse que, com minha rede de informações, seria capaz de chegar a você antes que qualquer outro pensasse em encontrá-la. — Sorrindo para a xícara de café, acrescentou. — Parece se esquecer, de maneira muito conveniente, que me demitiu. — O que estão dizendo? — Quem? — Todos os repórteres esportivos. Certamente deve haver teorias sobre meu desaparecimento. — Ah, deixe-me ver, Mike mencionou algo sobre suicídio e... — Suicídio? — Esse é um dos rumores, sim, mas já que seu corpo não foi encontrado... — Ele deu de ombros. — Outra hipótese é que está internada sigilosamente em um hospital. E houve menção a um centro de tratamento de câncer particular e revolucionário nas Bahamas. Fui instruído a esquecer meu romance por ora e descobrir qual das opções sobre Corbett, e isso é uma citação, está certa. — Ele sabe sobre seu romance? — Mencionei-o em algumas ocasiões. 76
original.file
Stevie acertara em cheio durante a discussão que tiveram na noite anterior. Há anos ele vinha contando para todo mundo que queria escutar sobre o romance do mundo esportivo que um dia iria escrever. Mas "um dia" nunca aconteceu. Até aquele momento. Estava ali. Após várias tentativas vãs, finalmente estava escrevendo o romance e amando cada minuto do processo. Era algo que mexia com suas entranhas, mente e terminações nervosas. Era um trabalho que desinflava o ego, mas a perspectiva de deixá-lo de lado por tempo indefinido era bastante desagradável. Por outro lado, tinha despesas financeiras, como seu carro europeu luxuoso. Sua conta bancária poderia cobrir as despesas por mais duas semanas, se a esticasse. Tinha de ter uma fonte de renda para sustentar a escrita. A solução para seu problema estava sentada do outro lado da mesa de carvalho da avó. Estava sentado sobre o maior furo do mundo dos esportes para vendê-lo a quem pagasse mais. Com aquela galinha dos ovos de ouro a quem recorrer, poderia dar adeus a Ramsey e a sua coluna no Tribune, ao menos temporariamente e trabalhar em tempo integral em seu livro. Teria de retirar aquele romance do seu sistema mesmo que nunca o publicasse. — O que vai fazer? Inadvertidamente, Stevie fizera a pergunta com a qual ele se consumia. Tinha o bom-senso de se mostrar preocupada. Sabia a importância da decisão de Judd e o impacto que teria sobre ela. Percebia o valor que sua história teria para o jornalista que a conseguisse com exclusividade. Judd escorregou as mãos pelo rosto. Sentia-se péssimo por diversas razões. A parte baixa do corpo insistia em lhe lembrar que ainda não estava saciada. Sentia-se nauseado, o que atribuía a ter bebido o café rapidamente, embora soubesse que não se tratava disso. Era o pensamento de estar perdendo outra oportunidade de ouro o causador do mal-estar. Respondeu da única forma que podia e lhe parecia certa. — Vou voltar ao trabalho. Percebeu-a engolir em seco, mas observou, admirado, quando ela ergueu o queixo. — Em Dallas? Aquela mulher tinha coragem. Imaginou como não percebera aquilo durante todos os anos em que a ridicularizara em sua coluna. — Não. Na sala de jantar. — Não... não contará a ninguém que estou aqui? — Continuará sendo nosso pequeno segredo até quando você desejar. O alívio de Stevie foi visível, quando relaxou a postura rígida. Ainda assim, não externou gratidão ou se dobrou de joelhos. — Ótimo. — Se limitou a dizer. — Isso tornará minha vida mais fácil e fico feliz que não tenha renunciado a seu romance. — Ontem à noite, disse que soava comodista, enfadonho e... qual foi a outra palavra? Repulsivo? Stevie teve a gentileza de se sentir vexada. 77
original.file
— Você me induziu a ser grosseira. — Por falar em induzir — disse Judd, erguendo-se lentamente e contornando a mesa. — Esta manhã foi... — Judd. — Stevie se ergueu em um impulso, como se seu traseiro tivesse descoberto uma farpa na madeira macia da cadeira. — Quero me explicar. Judd sentiu os músculos faciais lhe franzirem o cenho. — O que há para explicar? — Por que aconteceu. — Sei por que aconteceu. Isso se chama desejo, o que de acordo com o dicionário se trata de um substantivo definido como instinto físico que impulsiona ao prazer sexual; atração física, excitação. Se o olhar furioso que ela lhe lançava era alguma indicação, Stevie não achara graça. — Estava desorientada. Aquelas pílulas são fortes. Não estava pensando claramente. Stevie recuava para ficar fora de alcance. Aquilo o irritava tanto quanto a desculpa que ela inventara para justificar a paixão que Judd tinha certeza, era tão forte quanto a dele. — Oh, entendo — disse ele. — Não poderia sentir desejo por mim, a não ser que estivesse sobre a influência de drogas de receita controlada. E isso que está dizendo? — Não exatamente. — Então o que é exatamente? — Não quero fazer amor com você — declarou, sucinta. Judd emitiu uma risada curta. — Uma ova que não quer. Aquilo a fez fervilhar, tinha certeza. Ele aprendera a conhecer os sinais: o rubor espalhado pela face, o escurecimento dos olhos que tinham a cor de um uísque caro, mas que eram muito mais inebriantes, o queixo levemente erguido em uma expressão determinada. — Minha vida está em crise — disse ela com a voz tensa. — E a sua também. No momento, nenhum de nós está precisando de um romance com ninguém, muito menos um com o outro. Talvez tenhamos seguido o exemplo do que aconteceu em Estocolmo e... — Eu segui. Você também me desejava naquele momento. Stevie cerrou os punhos e exalou um suspiro. — Temos apenas alguns dias antes de eu dar uma resposta ao meu empresário. Durante esse tempo, acho melhor mantermos nossa amizade estritamente platônica. Judd se aproximou com expressão sarcástica. — Diga isso para seu corpo, querida. Stevie ofegou, indignada. Em seguida, girou nos calcanhares, deixou a cozinha e subiu a escada. Judd disparou atrás dela, mas ao chegar à escada estacou. O Judd Mackie que se reunia com amigos no bar após os jogos e lutas de boxe o 78
original.file
estimulava a não bancar o nerd e ir atrás dela. Um beijo e uma carícia bem feita a colocaria, suplicante, outra, vez em suas mãos. Merecia aquilo, certo? Diabos! Abrira mão de duas semanas de trabalho remunerado por causa dela. Sem mencionar um furo jornalístico que teria lhe rendido uma soma incalculável. Se a concessionária tomasse posse de seu carro a culpa seria de Stevie! Fora hospitaleiro, provendo-lhe um refúgio na atmosfera pura do campo, privandose de sua própria vida e dos prazeres dela, isto é, bebida e mulheres. Stevie lhe custara tempo, aborrecimento e dinheiro. Seria pedir muito uma sessão de sexo sem compromisso? Mas existia o Judd Mackie que tinha plena noção de que uma sessão de sexo sem compromisso com aquela mulher em particular nunca seria suficiente. E que garantira guardar o segredo de Stevie. Aquele Judd o forçou a girar é se encaminhar à sala de jantar onde a máquina de escrever o esperava. Ser decente era algo novo para ele. Com certeza experimentaria alguns dissabores, mas concluiu que, se tivesse um pingo de caráter, poderia suportar tais desapontamentos. Mais que um simples "desapontamento", escarneceu seu lado devasso. O mesmo lado que, cruelmente, o fazia ciente da intensidade de seu desejo sexual por Stevie ao lhe trazer à mente imagens dos seios, firmes, úmidos e rosados pelas carícias de sua boca. Ouça — argumentou Judd com seu lado negro —, nunca tive de coagir nenhuma mulher para se deitar comigo e está enganado se acha que vou começar com Stevie Corbett. Além disso, ficarei tão imerso em meu livro, que não terei tempo para pensar em sexo.
Capítulo Onze
Choveu sem parar durante dois dias. Quarenta e oito horas intermináveis, durante as quais tiveram de tolerar o tempo que os forçava a ficar dentro de casa. Tiveram de suportar o humor rabugento um do outro. Conviver com o espectro do ato de amor inacabado, o qual ambos desejavam subestimar a importância. Porém não conseguiam e o desejo que se mostrava mais tenaz que o tempo inclemente. Durante as refeições quase não se falavam, porque quando o faziam as conversas sempre acabavam em discussões. Para passar o tempo em uma tarde longa, Stevie dirigiu até o centro da cidade e comprou ingredientes necessários para preparar um jantar especial, com o qual exibiria todos os seus dotes culinários. Aquela coincidiu era ser a noite que Judd escolhera para escrever o romance sem parar para jantar. Pediu-lhe que lhe trouxesse uma bandeja para a sala de jantar. Após passar horas na cozinha, preparando a suntuosa refeição, aquele simples pedido teve o impacto de uma declaração de guerra. Da soleira da porta arqueada, Stevie 79
original.file
disse que ele poderia preparar sua maldita bandeja e ir diretamente para o inferno. Tiveram outra discussão no toalete. — Por favor, não largue as toalhas úmidas no chão — disse ela em tom ríspido. — Não teria necessidade de fazê-lo se você não pendurasse todas as suas peças de roupas nos porta-toalhas e no trilho da cortina. Judd deu uma pancada na lingerie úmida pendurada sobre a banheira. — Onde posso pendurá-las para secar com um tempo desses? — Nunca ouviu falar em secadora de roupas? — Não posso secar minhas peças íntimas em uma secadora de roupa. A inacreditável reposta não parecia fazer nenhum sentido para Judd. Rosnando e xingando, ele saiu pisando duro do banheiro. — Não seria nada mau se fizesse a barba, sabia — gritou Stevie atrás dele. — Que diferença isso faria para você? E assim continuou até que, finalmente, por volta do meio-dia do terceiro dia, a chuva cessou. Uma hora depois, o sol surgiu. As poças de água no pátio evaporavam tornando a atmosfera tão úmida quanto em uma ilha do sul do pacífico. Stevie foi a primeira a se aventurar a sair de casa para inspecionar o canteiro destruído. Os brotos se encontravam esparramados pela lama, mas estava confiante de que algumas horas de sol os fariam reviver. — Estão em estado crítico? Judd apareceu, na varanda trajando seu modelo de short costumeiro, que variava de um dia para o outro apenas na cor. Parecia ter perdido qualquer constrangimento em relação à cicatriz na perna. Passava a maior parte do tempo sem camisa e calçados. Unindo as mãos, girou-as ao contrário e as ergueu sobre a cabeça com um espreguiçar expansivo. — Acho que sobreviverão — respondeu Stevie, desviando o olhar da linha de pelos escuros que se afunilavam em direção ao cós do short. — Acho que estou criando joanetes em minhas nádegas de tanto ficar sentado. — Ele baixou os braços para, distraído, coçar aquela parte de sua esplêndida anatomia. — Quer jogar tênis esta tarde? Nunca nenhuma sugestão lhe parecera tão boa. Stevie estava ansiosa por uma boa partida para dissipar a frustração. Talvez daquela maneira não sentisse a pele se retraindo, fazendo tudo no interior de seu corpo parecer tenso e contraído. — Pode crer que sim — disse ela. — Basta dizer a que horas. — Que horas? Tão logo estivermos vestidos com roupas apropriadas. — E você tiver se barbeado. Judd cocou a mandíbula coberta pela barba curta. — Essa é uma condição difícil, madame. — Stevie permaneceu firme. Soltando uma risada abafada, ele concedeu. — Está bem, vou me barbear.
80
original.file
— Quinze, quarenta. Balançando a bola para sacá-la, Stevie resmungou. — Sei o placar. — Desculpe — retrucou ele, colocando a mão em concha sobre a orelha. — Não ouvi. Aumentando o tom de voz, ela repetiu. — Disse que sei quanto está o placar, obrigada. — Não há de quê. Trincando os dentes, Stevie executou a tacada, batendo na bola no ângulo perfeito e empregando a exata quantidade de rotação nela. Judd não seria capaz de rebater. Mas foi exatamente o que ele fez. Com facilidade. Por não esperar tal perícia, ela não conseguiu correr para o canto da quadra a tempo de rebater. — Meu game — disse Judd em tom alegre. — Agora é cinco para quatro. Meu serviço. E temos de trocar de quadra. — Conheço as regras, Mackie. Stevie abriu a tampa da garrafa térmica com água que trouxeram e a inclinou sobre os lábios. Judd vencera o primeiro set. Vencera o segundo por pouco em um tiebreaker. Com esse jogo, ele poderia vencer. Aquela possibilidade era inaceitável. Judd era um vencedor presunçoso e tripudiante, que estava adorando lhe esfregar a derrota no nariz. Oh, fazia aquilo de um modo doce, mas Stevie desconfiava daquele sorriso inocente, o qual várias vezes durante a partida ela desejara lhe arrancar do rosto recém barbeado. Limpou as faces com a toalha e secou o cabo da raquete antes de voltar à quadra. — Não temos pressa — disse ele da linha de fundo, onde estivera praticando suas tacadas. — Se precisar descansar mais um pouco, fique à vontade. — Jogue — disse ela, trincando os dentes. — Está bem. Judd sacou como um completo amador. O serviço foi alto e teve um tempo de queda de um chute bem dado em um jogo de futebol. A bola subiu às alturas, Stevie teve de recuar até quase encostar na cerca e aquilo destruiu o ritmo de seu forehand. Quando rebateu, a bola bateu direto na rede. — Quinze, zero. — disse ele, soltando uma risada abafada. Stevie atirou a raquete ao chão. — Que diabos foi isso? — Um bola perdida. Stevie estava furiosa. — Estou me referindo a seu serviço. — O quê? — Judd abriu os braços com expressão inocente. — Parece um pouco cansada hoje. Não está jogando como de costume. Pensei que facilitaria para você. — Não me faça favores, está bem? 81
original.file
— Está bem. — E então, em voz baixa, mas sonora o suficiente para que ela escutasse, resmungou. — Deus! E eu achava que McEnroe era temperamental quando estava jogando uma porcaria. Stevie tentou ignorar o comentário e a sua própria raiva, sabendo que aquilo era improdutivo e desanimador. O serviço de Judd veio baixo e forte na direção do backhand de Stevie. Ela rebateu. Trocaram saques e rebatidas sucessivos, mas Stevie acabou por ganhar o ponto, quando seu overhead perfeito estacou diretamente nos pés de Judd. — Quinze, quinze — disse ela com um sorriso doce. — Bela tacada. — Obrigada. Pensando em tentar uma tacada similar no próximo lance, moveu-se para a rede prematuramente. Judd lançou um longo backhand no canto da quadra e anunciou, satisfeito: — Trinta, quinze. Stevie empatou no próximo serviço. — Trinta, trinta — disse, em tom animado. O sorriso de Judd não era tão agradável quanto no início, percebeu ela, satisfeita. Stevie o observou sacar, reparando na expressão tensa e no braço atirado para trás antes de arquear para a frente. Porém, antes de bater na bola, ele disse: — Você se esqueceu de gingar. A bola passou zunindo por ela como um míssil, rumando em direção a um dos cantos da quadra e batendo na cerca com um baque surdo. Stevie gritou para o satisfeito oponente que inspecionava as cordas da raquete que tinha nas mãos. — O que foi isso? — Um ace do adversário, algo a que não está acostumada. Stevie marchou em direção à rede. O protótipo da fúria. — Vou lhe dizer a que mais não estou acostumada. Nunca joguei com ninguém que puxasse assunto quando estava sacando. Ninguém que conheço lançaria mão de um truque tão baixo e sujo, exceto você. O que disse? Algo sobre gingar? — Disse que se esqueceu de gingar. Stevie levou as mãos aos quadris. — E o que, se não se importa explicar, significa isso? — Ora, vamos, Stevie. Estamos sozinhos aqui. Podemos ser sinceros um com o outro. — Ele se inclinou sobre a rede e piscou para Stevie. — Estava me referindo àquele discreto gingado que faz com as nádegas toda a vez que faz um ponto. O queixo de Stevie pareceu cair. — Não tinha idéia... — Claro que tem. Faz isso o tempo todo. — E para se certificar de que os espectadores, seja na quadra ou pela televisão, percebam que acabou de fazer algo formidável. Stevie precisou de todo seu autocontrole para parar de trincar os dentes. — Não tenho de ficar exposta a esse calor escutando seus insultos! — Em um 82
original.file
reflexo, ergueu a trança apoiada no peito e a atirou por sobre o ombro. Judd apontou o cabo da raquete em direção a ela, como um dedo acusador. — E tem mais uma. — Mais uma o quê? — Mais uma de suas "mimosices". O que faz com a trança é para demonstrar seu grau de frustração, consigo mesma, com seu adversário ou com o juiz. — "Mimosices?" Judd exibiu um sorriso orgulhoso. — Inventei essa palavra para definir todos os maneirismos que usa para desviar a atenção de seu jogo para si. Como sua aparência é irrelevante diante do modo como joga, é muito inteligente em empregar essa tática. Stevie se encontrava demasiado furiosa para falar. Tudo que conseguiria seria balbuciar palavras incoerentes. Portanto, virou-lhe as costas e saiu marchando em direção ao carro estacionado. — Não vai terminar esta partida? — Não! — Está desistindo em um match point? — Sim! — Só por que estou prestes a vencê-la? — provocou ele, seguindo-a de perto. — Não suportaria ser derrotada por mim, certo? — Estou em um péssimo dia. Você mesmo disse isso. É o calor. Não pratico há dias. — Eu também não — retrucou ele em tom severo. — Está igualmente quente do meu lado da quadra. Stevie atirou o equipamento no banco traseiro do carro e sentou no lado do passageiro, fechando a porta com força. Judd escorregou para trás do volante e dirigiu, enquanto ela permanecia em um silêncio hostil. A pressão aumentara gradualmente. Estiveram se encaminhando para aquela briga nos últimos dias. Stevie se enganara ao pensar que apreciaria um bom arroubo temperamental como forma de clarear a atmosfera. Porém, estava longe de se divertir com tudo aquilo. Provavelmente, porque Judd levara vantagem naquela discussão. — Não há nada de errado em ser um exibido. Estavam a meio caminho de casa, quando ele fez aquela observação aparentemente inócua. Porém, foi o suficiente para fazer explodir a raiva incineradora de Stevie. — Não se consegue chegar ao topo do ranking mundial sendo mimosa, sr. Mackie. — Acalme-se. Não contarei a ninguém que a derrotei. — Você não me derrotou! — Só por que se recusou a terminar a partida como a menina mimada que é. — Você não estava jogando tênis — gritou ela. — Os pontos que conseguiu marcar foi jogando sujo. Estava zombando de mim e do esporte. Seu jogo não tinha nada de talentoso, habilidoso ou estratégico. — Desejando atingi-lo diretamente com o próximo comentário, girou a cabeça para fitá-lo. — O mesmo acontece com o modo como escreve. 83
original.file
Judd estacou com uma freada brusca em frente a casa. — Que diabos quer dizer com isso? — Adivinhe. Deixando as coisas no carro, Stevie abriu a porta e saiu, subindo, com passadas ruidosas, a escada da varanda. Não haviam fechado a porta da frente. Stevie a transpôs e se encaminhou à escada. Estava quase chegando ao topo quando Judd, subindo os degraus de dois em dois, a alcançou e a segurou pela trança. — Ai! Solte-me. — Uh-uh. Não até me explicar seu último ganido sobre meu estilo de escrever. O que quis dizer quando afirmou que me falta talento, habilidade, etc? — Não disse que lhe falta. Disse que não há evidência disso em sua coluna. — Graduei-me com boas notas em Jornalismo, lembra-se? — O que publica todos os dias não é jornalismo, é fofoca — rebateu Stevie. — Qualquer pessoa com complexo de inferioridade e que tenha interesses pessoais poderia escrever como você. Assim como qualquer pessoa que não quisesse encarar o verdadeiro trabalho, embebedando-se todas as noites e chamando isso de pesquisa. Sem mencionar o fato de ser mulherengo. — Não tomei nenhum gole de bebida alcoólica desde que cheguei aqui. E quanto a ser mulherengo... — Cingiu-lhe a cintura com o braço e a puxou contra o corpo. — Não tenho feito isso desde que deixei Dallas, também. — Solte-me. — De jeito algum, querida. Tenho ansiado por esse beijo. Os lábios de Judd tomaram os dela com violência. Stevie resistiu arqueando as costas para trás, o que só fez o corpo se colar mais ao dele. Tentou desviar a rosto, mas ele lhe segurou a mandíbula, mantendo-lhe a cabeça imóvel, enquanto a língua ousada abria caminho pelos lábios contraídos. A respiração de ambos soava áspera e alta no silêncio da casa. Os sons enérgicos de negação que se formavam na garganta de Stevie gradualmente diminuíram para ofegos de desejo. As mãos, que tentavam empurrar se fecharam em torno do tecido da camisa de tênis suada. Em um gesto instintivo, inclinou a cabeça para lhe facilitar o acesso. A língua encontrando a dele em uma dança sensual. De repente, ele ergueu a cabeça e lhe fitou os olhos enormes e enevoados. — Stevie? — O quê? Tomando-lhe uma das mãos, escorregou-a por seu corpo e a pressionou contra a braguilha do short de tênis. — Não seria justo de sua parte começar algo que não pretende terminar, certo? — Ela meneou a cabeça em negativa e, em um reflexo, apertou a rigidez que provava o desejo de Judd. — Oh, Deus! — Ele gemeu, apossando-se da boca de Stevie com outro beijo incinerador. A frustração reprimida eclodiu em uma explosão de desejo carnal. Os braços de ambos se fecharam um em torno do outro. O beijo era erótico, faminto. Ainda colados um ao outro, cambalearam para o quarto mais próximo. O dele. Às cegas, Judd esticou a mão para o interruptor do ventilador de teto, que começou a rodar 84
original.file
sobre suas cabeças, projetando sombras nas paredes. Livraram-se dos tênis e, ao se inclinarem para retirar as meias, deram uma cabeçada, mas não perceberam no afã do desejo. Judd retirou a camiseta pela cabeça e ela fez o mesmo. Esticando a mão para o fecho frontal do sutiã de Stevie, ele o desatou, afastando os bojos de renda para o lado. Em seguida, com um toque breve lhe estimulou os mamilos com as pontas dos dedos, enrijecendo-os de imediato. Com os olhos fixos neles, Judd abriu a braguilha do short e o deixou cair. Ela se livrou do sutiã e removeu o short. Com alguma dificuldade e uma careta, ele removeu a cinta elástica para esportistas. Stevie não conseguiu baixar o olhar para admirá-lo, embora desejasse. Enfiou os polegares sob o elástico da calcinha, mas não conseguiu retirá-las também. Ergueu o olhar a Judd em um apelo silencioso. — É o suficiente por ora — sussurrou ele, segurando-lhe a mão e a puxando na direção da cama. Deitou-se de costas e a acomodou sobre seu corpo. Emoldurando-lhe a cabeça com as mãos, tomou-lhe os lábios em um beijo longo e profundo, explorando a boca de Stevie com a língua. As pernas roçando as dela com movimentos frenéticos. Um dos joelhos se insinuou entre as coxas macias e escorregou para cima até que ela estivesse montada nele. Com uma das mãos, começou a lhe descer a calcinha pelos quadris. Em seguida, rolou na cama, deitando-a de costas e terminou de despi-la. Os olhos cor de avelã lhe percorreram o corpo com avidez. As mãos longas escorregando pela superfície dos contornos bem definidos, tocando-lhe os seios, os mamilos, as coxas e o triângulo de pelos na junção das coxas. — Stevie — murmurou ele antes de cobri-la com o próprio corpo e pressionar o rosto na curva do ombro delicado. — Judd? — Sim, querida, agora mesmo. — Talvez deva saber... — Eu sei querida. Acredite-me, eu sei. — Sou virgem.
Capítulo Doze
A cabeça de Judd se ergueu de súbito. Os olhos, antes nebulosos de paixão, agora 85
original.file
se focavam tão instantaneamente quanto uma câmera de alta tecnologia. — Você é o quê? Mesmo depois que ela repetiu o que dissera, Judd continuou a fitá-la com patente incredulidade. Lentamente, se ergueu, rolou para o lado e se sentou na beirada da cama, de costas para ela. — Deus! Gostaria de não ter parado de fumar. Apoiou o rosto nas mãos, pressionando os olhos com as pontas dos dedos. Por fim, voltou a olhar Stevie por sobre o ombro. Tímida, ela havia se coberto com a manta. — Como acabou se revelando uma virgem? — Stevie o fitou, perplexa. — Vou refazer a pergunta. Por que, como, você ainda é virgem? — Talvez devesse terminar o que começou em Estocolmo. — Com Presley Foster respirando no meu cangote? Não, obrigada. Ele assustou todos os seus amantes? — Para ser justa com ele, não. Eu assustei. Não abertamente — acrescentou, quando ele lhe lançou um olhar curioso. — Apenas nunca tive tempo de deixar nenhum relacionamento se aprofundar. Namorados em potencial sempre ficavam em segundo lugar. — O segundo lugar não é uma posição salutar ou desejável para o ego de um homem. — Foi isso que descobri. — Stevie umedeceu os lábios, visivelmente nervosa. — Não teria lhe contado se soubesse que isso o impediria de continuar. — Não teria ido tão longe se tivesse me contado. — Isso é tão importante assim? Judd deixou escapar uma risada rouca e sem nenhum traço de humor. — Sim, é importante. Muito. — Por quê? Acho que não teria se importado com isso em Estocolmo. — Talvez sim, talvez não. Mas em Estocolmo eu era jovem e tolo. Ao menos, quando se é jovem e tolo se tem desculpa para fazer tolices. Stevie fechou os olhos por um breve instante. Em seguida, esticou uma das mãos e a pousou no ombro nu de Judd. — Por favor, volte para cá. Sem fitá-la, ele meneou a cabeça em negativa, obstinadamente. — Não posso assumir essa responsabilidade. — Isso não implica em nenhuma obrigação de sua parte. — Estão implícitas. — Não para mim. — Mas para mim, sim. — Por favor. — Eu disse não. Um soluço estrangulado escapou da garganta de Stevie. 86
original.file
A cabeça de Judd girou em um impulso. Viu as lágrimas e a súplica nos olhos de Stevie. Ao que parecia, aquilo o tocou de uma forma que seus rompantes não conseguiram. A resolução que lhe mantinha os lábios comprimidos e intransigentes o desertou. As feições do rosto de Judd se suavizaram. Ele se deitou ao lado de Stevie e a puxou para perto. — Não chore. Por favor. — Em geral, cínico em relação às lágrimas femininas, puxou-a contra o corpo e lhe beijou a testa com compaixão. Stevie roçou o rosto contra os pelos crespos do peito desnudo. — Por favor, faça amor comigo enquanto ainda estou inteira. Quero estar com você. — Porquê? — Sentimentalismo, talvez. Embora duvide, sei que isso teria acontecido em Estocolmo se Presley não tivesse nos impedido. — Stevie lhe estimulou o mamilo plano com a língua e pressionou a palma da mão sobre a pele quente. — Oh, querida — gemeu ele, enterrando os dedos nos cabelos macios. — Pare com isso. — Não quero parar. — Tem que parar ou... — Quero ser uma mulher completa. Apenas uma vez. Por favor. Stevie lhe explorou o peito com beijos suaves, movendo a cabeça para a frente e para trás enquanto descia pelo corpo excitado. A trilha de beijos úmidos e quentes desceu pelo peito que arfava com a respiração ofegante de Judd. Os lábios rumaram pela trilha sedosa de pelos que se tornavam mais ásperos e grossos próximos à virilha. Ele se encontrava em um estado de extrema agitação e quase atingiu um ponto em que não haveria retorno, quando fechou os dedos em torno da cabeça de Stevie e a ergueu. Rolando-a para que ficasse deitada de costas, inclinou-se sobre ela. — Está bem — cedeu em voz rouca e ofegante. — Se tem certeza disso. — Absoluta. — Ela anuiu, resoluta. Rindo, tocou-lhe os cantos dos lábios. — Essa testa franzida está acabando com meu ego. Poderia se mostrar um pouco mais feliz com isso. — Estou preocupado. — Disse-lhe para não ficar. Isso não implica em amarras. — Não e isso. — Então de que se trata? — Os olhos de Stevie se arregalaram, enquanto ela ofegava. — Você sabe como fazer, certo? — Sim, sei — respondeu ele, sem alterar a intensidade do tom de voz. — E com impetuosidade e pressão não é aconselhável na primeira vez. Se continuar fazendo coisas como essa... — Judd deixou escapar um suspiro e sacudiu a cabeça como se quisesse clareá-la. — Vou determinar o ritmo. Entendeu? Stevie anuiu, obediente, embora não tivesse certeza de que poderia manter a palavra quando sentia o sangue lhe correr nas veias com um misto de desejo e expectativa. Não estava certa de que Judd conseguiria seguir aquela determinação também. A respiração estava tão alterada quanto a dela e o rosto se encontrava rubro pela excitação. 87
original.file
— Muito bem, beije-me — instruiu ele com a voz rouca. — Esqueça tudo que já ouviu sobre a técnica. Beije-me do modo que acha que uma menina ousada o faria e nos divertiremos. Aceitando a sugestão como um desafio, Stevie uniu os braços atrás do pescoço largo e lhe puxou a cabeça para baixo. Com os lábios entreabertos tomou os dele, em um beijo que era a fusão da paixão mútua. A língua de Judd lhe invadindo o interior macio e quente da boca, se mesclando à dela, que lhe retornava o favor. O gemido de prazer que emergia da garganta de Judd era prova de que estava no caminho certo. As mãos longas esfregaram as costas de Stevie e, em seguida, puxaram a manta que se interpunha entre os corpos de ambos. Ela sentiu a extremidade aveludada e quente da ereção contra o baixo ventre. As coxas musculosas pressionavam às dela. Os seios fartos se apoiavam contra o peito sólido. Os mamilos em contato com os pelos crespos. Todas aquelas sensações eram inebriantes. O contato com a masculinidade desnudada a fazia se sentir completamente feminina. Imaginou como pôde viver por tanto tempo sem desfrutar da intimidade do corpo de Judd. E, naquele momento, percebeu que estava loucamente apaixonada por seu inimigo. Pedir para que Judd fizesse amor com ela nada tinha a ver com o que acontecera em Estocolmo, sentimentalismo ou qualquer outra desculpa que poderia inventar. Queria estar com ele, ser parte dele, sem reservas ou inibições. Era simples assim. Embora, na verdade, não fosse nada simples. E sim muito complexo. Demasiado complexo para refletir enquanto a língua de Judd lhe invadia a boca. Interrompendo o beijo, ele desviou os lábios para os seios firmes e lhe sugou o mamilo com uma força que lhe fez o útero contrair. — Ah, Judd... — Ela gritou em êxtase. — Você é doce, Stevie. Muito doce. — Judd dispensou a mesma atenção ao outro seio, enquanto os dedos estimulavam o mamilo que acabara de umedecer e enrijecer. — Por favor... — ofegou ela, instantes depois de a língua macia lhe estimular um dos mamilos. Arqueando os quadris para a frente, roçou-os contra a masculinidade rígida. Com um gemido baixo, ele deixou uma das mãos escorregar pelo corpo sedoso e a introduziu entre as coxas de Stevie, onde. a acariciou de modo gentil, movendo os dedos sobre a intimidade úmida e aveludada. — Quase, mas ainda não está pronta — disse ele, fitando-a com um sorriso terno, antes de baixar a cabeça e lhe beijar o abdômen. As mãos se moveram entre as coxas macias, induzindo-as a se apartarem sem nenhum traço de ameaça, coerção ou violação. Judd lhe mordeu de leve a pele antes de lhe banhar o umbigo com a língua. Quando beijou o nicho de pelos claros na junção das coxas, ela gritou o nome de Judd. E então, a língua macia e ágil a penetrou. Ele a beijou profundamente, repetidas vezes até que a cabeça de Stevie rolasse de um lado para o outro no travesseiro e o corpo estremecesse com a carícia erótica. Arrebatada, submeteu-se às sensações que espiralavam em seu íntimo. Sob o impacto do clímax, fechou as mãos sobre os cabelos espessos, gritando o home de Judd. 88
original.file
Uma camada fina de suor cobria a face de Stevie, quando ele assomou sobre ela. Judd o sorveu, enquanto se acomodava entre as coxas macias e lhe erguia os quadris contra os dele. Mantendo-a naquela posição, penetrou-a lenta e gradualmente para permitir que o corpo de Stevie se ajustasse à ereção. Quando se encontrava completamente enterrado dentro dela, a única dificuldade que ambos tiveram foi segurar a paixão que ameaçava explodir. — É maravilhoso senti-la me engolfando — sussurrou ele com ternura, antes de beijar os lábios que ela ferira com os próprios dentes. Ele engoliu em seco e fechou os olhos, em êxtase por se encontrar dentro de Stevie. — E uma sensação maravilhosa. Murmurando o nome de Judd, ela deixou os dedos vagarem pelo rosto másculo. Não estava ciente das lágrimas que lhe banhavam os olhos, mas ele as percebeu. — Você está bem? Stevie anuiu com um gesto rápido de cabeça. — Sim, sim, sim. — Bem, eu não — disse ele, trincando os dentes. — Estou quase morrendo. Mas, Deus! Ainda falta muito. — Judd começou a se mover dentro dela até que ambos perdessem o sentido de tudo exceto sucumbir ao turbilhão de emoções que os arrastava. Naquele momento, ele pressionou a testa à dela e repetiu o nome de Stevie como em um cântico.
— Quer que eu... — Não. Judd soltou uma risada abafada. — Não me deixou terminar. — O que quer que seja, não quero que faça porque implicaria em você se mover. E se fizer isso, terei de me mover também — protestou Stevie em tom lânguido. — E acho que não seria capaz. Judd se moveu, mas apenas para envolvê-la no círculo de seus braços e apoiar o queixo sobre a cabeça de Stevie. — Por que me provocou na quadra de tênis esta tarde? — indagou ela, envolvendo-lhe a cintura com um braço. — Porque estava jogando mal por não me considerar um adversário à altura e, portanto, não se esforçar. — Estava jogando mal, sim, mas não porque o considero um adversário medíocre. — Então qual era o motivo? — Minha mente não estava concentrada no jogo. — E onde ela estava? — Aqui. — Aqui? — Judd inclinou a cabeça para trás. — Quer dizer aqui, como estamos agora? 89
original.file
— Humm. — Você não me deixa outra opção, senão falar a verdade — disse ele, com um suspiro resignado. — Para ser honesto, essa era a razão pela qual eu a estava provocando. — Stevie ergueu a cabeça do peito musculoso e o fitou com expressão inquisitiva. — Fazer amor com você era tudo em que conseguia pensar desde que fomos interrompidos naquela manhã. — Eu também. — Tudo que tinha a fazer era pedir, madame. — Eu pedi. Judd parecia envergonhado. — Oh, sim, você pediu, certo? Bem, sabe o que estou querendo dizer. Sorrindo, Stevie voltou a apoiar a cabeça sobre o peito quente e começou a puxar os pelos que lhe roçavam o nariz. — Não consigo acreditar que estou deitada aqui nua e saciada com você. Sempre pensei que, se um dia ficássemos a sós, o mataria lentamente. Judd encostou os lábios à orelha delicada. — Se não tivesse me dado o sinal verde como fez, talvez tivesse conseguido. — Stevie soltou uma risadinha e lhe beliscou a nádega. — Imagine as manchetes de jornal, prosseguiu ele sem se intimidar. — Tenista famosa faz sexo com repórter esportivo famoso até matá-lo. — Quer parar? Isso é sério. Não tem noção de como seus artigos me magoaram. A risada suave de Judd se extinguiu. — Por que simplesmente não verificava o autor dos artigos e os ignorava? — Por que quase tudo que escreveu sobre mim era verdade. Judd parou de lhe acariciar as costas. Em seguida, empurrou-a de leve até que se deitasse de costas. Rolou para o lado e apoiou o peso do tronco em um dos cotovelos, inclinando-se sobre ela. — A que está se referindo? — Extraoficialmente? — Nos meios jornalísticos, quando um entrevistado está na cama do entrevistador, nu e sexualmente saciado, fica subentendido que o que é dito não pode ser publicado. — Oh, obrigada por me esclarecer isso. — Não há de quê. Agora pare de se esquivar e volte ao assunto. O que quis dizer com quase tudo que escrevi sobre você ser verdade? — Uma boa parte era. Sempre disse que eu não pertencia a uma quadra de tênis. De certa forma, estava certo. Meu pai sempre me desencorajou a jogar porque tênis era um esporte para crianças ricas. Insisti, mas as palavras dele ficaram impregnadas em mim. Deixaram-me com complexo. Eu não era como os outros jogadores. Não era tão... privilegiada. — Isso é uma bobagem. — Talvez, mas o complexo de inferioridade me compeliu a provar que era capaz. Tive de me esforçar mais que os outros. Sempre correndo para não ficar para trás. Era aceita na maioria dos clubes devido a minha habilidade em jogar e não ao meu pedigree. 90
original.file
Sempre tive de fazer melhor do que os outros — acrescentou em um apelo para que ele compreendesse. — Porque minha aceitação dependia disso. Foi por essa razão, que quando tive condições financeiras, me vesti com as melhores roupas e provoquei os espectadores. Não entende? Estava dizendo: "Olhem para mim. Mereço a atenção de vocês." Estava desesperada para obter a aprovação dos outros. E sim, às vezes, até mesmo gracejava para não ser ignorada. Você conseguiu perceber todos os meus ardis — disse Stevie com a voz embargada de emoção. — Reconheceu-me desde o início. Seus artigos me deixavam aterrorizada, porque eram muito incisivos. Temia que minhas inseguranças fossem tão evidentes para os outros quanto eram para você. Sou a clássica portadora da síndrome da impostura. Você era meu pior pesadelo. A pessoa que iria me expor. Os olhos cor de avelã se encontravam fixos no lábio inferior de Stevie. Não só por lhe admirar a sensualidade, mas também aguardando até que ele organizasse os próprios pensamentos. — Se isso tudo é verdade, foi uma coincidência. Se feri suas inseguranças foi por acaso. Não teve nada a ver com sensibilidade. A verdade era que a insultava porque me ressentia com o fato de que uma mulher tão bela como você podia jogar tão bem e atingir o topo do ranking. Sendo que eu tinha de me conformar em escrever sobre como os outros conseguiam alcançar o que eu desejava para mim. Escrever aquela coluna idiota está longe de ser uma carreira bem-sucedida no beisebol. — Não é idiota — afirmou Stevie, pousando uma das mãos de maneira confortadora sobre o peito largo. — Disse que não tinha talento e sutileza porque estava com raiva. Você conseguiu conquistar um séquito de leitores fiéis que não perdiam uma única palavra ácida que escrevesse. Não é todo o escritor que consegue esse feito por muito tempo. A não ser que haja essência em sua escrita. Seus leitores não são tolos. — Obrigado pelo elogio. — Por fim, Judd cedeu à tentação e lhe beijou o lábio inferior. — Mas em meu íntimo, sei que não escrevi uma só coisa que valesse a pena desde que sofri, o acidente no esqui aquático. — Os olhos de Judd se tornaram mais escuros e intensos. — Não até trazê-la para cá. Talvez tenha me redimido por toda a inveja que me fez atacá-la. — Inveja? — De você e de todos os profissionais do esporte que conseguiram vencer. Até certo ponto, estive censurando a todos, mas você era a mais fácil de atacar. — Por quê? — Porque era atípica. Não era a mulher musculosa e pouco atraente que minha mente chauvinista esperava encontrar em uma atleta profissional. E — acrescentou com um suspiro profundo — já que estou desnudando minha alma, é melhor dizer tudo. Ainda estava ressentido com o que acontecera em Estocolmo. Queria ir para a cama com você, não consegui e fiquei emburrado. Como um menino que não conseguisse seu doce preferido. Malévolo, menosprezei exatamente o que desejava. Muito imaturo, certo? —: Muito humano. — Está sendo generosa. — Estou em estado de graça. — Ela sorriu e escorregou a ponta de um dedo sobre o nariz de Judd. — Para provar perdoarei toda e qualquer palavra sórdida que escreveu sobre mim com uma condição. — Qual? — ele perguntou, desconfiado. Stevie lhe depositou um beijo breve nos lábios. 91
original.file
— Faça amor comigo outra vez. — Acho que não deveríamos. — Por que não? Judd hesitou, o que foi um erro. Tomando vantagem de sua indecisão, ela escorregou a mão pelo corpo musculoso e a fechou em torno da potente masculinidade. — Não deveríamos por que isso pode não ser... uh... — Judd enrijeceu com o ritmo das carícias que ela executava. — Bom para você — conseguiu concluir com a voz estrangulada. — Deixe que eu julgue isso. — Os lábios de Stevie se fecharam em torno do queixo áspero. Os dentes atritando contra os pelos da barba que começava a crescer. A mão se tornou ainda mais persuasiva e o polegar mais curioso. — Por favor, Judd — ofegou contra os lábios quentes. Gemendo, ele a segurou pela cintura e a puxou para cima do corpo. — Bem, como está pedindo com tanto carinho...
Capítulo Treze
Os insetos se espatifavam contra o pára-brisa do carro roubado de Judd. As manchas pegajosas eram indiferentes para a ladra que mal conseguia identificar as placas intermunicipais através das lágrimas. Stevie limpou o nariz na manga da blusa. Após 120km pensara que seu estoque de lágrimas teria esgotado, mas se enganara. Cada vez que pensava no que deixara para trás e na provação pela qual estava passando, outra leva lhe enchia os olhos vermelhos e inchados. Stevie o deixara e ele ficara furioso. Até mesmo naquele momento, sentia o coração contrito pelo medo de que Judd pudesse alcançá-la de alguma forma. Olhando por sobre o ombro, quando saíra em disparada da casa da fazenda, avistara-o descendo, apressado, a escada da varanda, trajando apenas a roupa íntima. Com o punho em riste, a xingava e amaldiçoava a pedra que lhe espetara o calcanhar. Poderia ser uma cena cômica, mas não fora. Partira-lhe o coração e ainda o sentia partido. Imaginava que permaneceria assim por um longo tempo. O horizonte de Dallas cintilava contra o do oeste, azul-escuro agora contra o crepúsculo descorado. Dentro de uma hora chegaria a seu apartamento, calculou mentalmente. Levaria uma hora para dar os telefonemas necessários e fazer as malas. E depois... Recusava-se a pensar além disso. A única forma de enfrentar aquilo sozinha, sem colocar em risco a própria sanidade, seria dando um passo de cada vez. Primeiro as coisas mais importante! Chegar em casa era primordial. 92
original.file
Quando tomou a saída do labirinto de concreto que conectava uma rodovia a outra, permitiu-se refletir sobre a tarde de amor que tiveram. Judd falando com voz suave e sensual. As mãos longas lhe guiando os quadris para se sentar sobre ele. A rigidez potente a preenchê-la. Os lábios famintos, embora ternos, em seus seios. Judd, Judd, Judd. Limpou as lágrimas com força, enquanto mudava de faixa cuidadosamente. Não estava acostumada a dirigir um carro esportivo, cujo motor tinha potência suficiente para fazer decolar um avião. Judd jamais a perdoaria por ter pegado aquele carro "emprestado" sem sua permissão. Nunca a perdoaria por tê-lo deixado encalhado naquele lugar. A banheira antiga da casa de fazenda se transformara em um templo onde ambos veneraram o corpo um do outro. Mãos cobertas de espuma eram os instrumentos utilizados para obter o prazer carnal. Ou seria o fato de Judd ser perito em usá-las? Deleitara ao descobrir que as partes internas de seus antebraços eram particularmente suscetíveis aos beijos molhados de Judd. Os mesmos que se depositados na parte posterior dos joelhos a deixavam sem forças. Judd possuía um ponto sensível entre a última costela e o osso ilíaco direito. Tinha um sinal de nascença na escapula esquerda. Os olhos cor de avelã se tornavam nebulosos quando ela traçava o contorno da cicatriz recortada e disforme com os lábios. — Isso sempre foi um objeto de fantasia para mim — confessara Judd, puxandolhe de leve a trança longa. — É mesmo? — perguntara ela. — É mesmo. — Como? — perguntara Stevie. Ele se limitara a exibir um sorriso misterioso e não lhe contou qual era a fantasia. — Então me mostre. A sugestão sedutora fizera os olhos de Judd se tornarem nebulosos. Quando pôs sua fantasia em ação com a ativa cooperação de Stevie, os gritos de prazer de ambos reverberaram pelas paredes da casa. Fora naquele instante que Stevie obtivera a certeza de que o amava e a decisão que tinha de tomar se tornou cristalina. A solução para o dilema que a atormentava se erguera inesperadamente das profundidades sombrias da dúvida e do desespero. A vida, em sua forma mais elementar, era muito mais preciosa que qualquer amenidade que pudesse conseguir, tais como prêmios, fama, admiração, riqueza e aceitação por parte dos outros. Enquanto Judd estava se vestindo, ela descera para preparar um jantar leve. Em vez disso, pegara a bolsa, a chave do carro e deixara a casa às pressas. A intempestividade não se devera ao temor pela reação furiosa de Judd por tê-lo enganado e fugido, mas porque se tivesse tempo para pensar, talvez mudasse de idéia. Havia alcançado apenas a margem da clareira, quando ele saiu para a varanda gritando seu nome. — Que diabos está fazendo? Stevie, volte. Para onde está indo? — perguntara Judd, antes de perceber que ela estava fugindo no único meio de transporte de que dispunham, o que o deixou furioso. — Diabos! Que brincadeira é essa? Ouch! Droga! — lívido, ele xingara quando tropeçou na pedra. — Quando a pegar, eu a estrangularei. Danação! — continuou a 93
original.file
vociferar, batendo com um punho fechado contra a palma da outra mão. A residência de Stevie estava às escuras. Ficou aliviada em constatar que ninguém a rondava. Tanto os repórteres quanto os meros curiosos haviam se cansado do cerco e desistido de Stevie Corbett. As plantas necessitavam de sua atenção imediata. Repreendeu a si mesma por ter esquecido de telefonar para o serviço que costumava cuidar delas em sua ausência. Jurou fazê-lo tão logo tivesse oportunidade, embora só Deus soubesse quando seria. O primeiro telefonema foi para o ginecologista, que ficou tão feliz por ter notícias dela que soava quase incoerente de alívio. — Se não fizer isso agora, talvez mude de idéia. — Stevie falou tão rapidamente que as palavras tropeçaram umas nas outras. — Posso estar lá dentro de uma hora. Pode providenciar tudo com tanta rapidez? O médico prometeu que o faria. A próxima ligação foi para seu empresário. — Graças a Deus! Estava aflito. — Precisava de um tempo sozinha para pensar. — Não estivera sozinha, mas o assunto Judd era muito complicado para explicar, até para si mesma. — Vou me internar no hospital hoje à noite. A cirurgia está marcada para amanhã de manhã. Houve uma pausa significativa. — A decisão é sua, claro — disse o empresário. — Sim, é. Minha vida está em jogo. Isso é mais importante que a carreira. — Ora, é apenas Wimbledon — retrucou ele, com leveza forçada. — Acontece todos os anos. O próximo será seu. Ambos sabiam que não era bem assim, mas Stevie tentou injetar entusiasmo na voz quando disse: — É melhor você acreditar nisso. O empresário prometeu avisar a todos os envolvidos e notificar a imprensa, que estivera em alvoroço, especulando sobre seu paradeiro. — Tudo bem, mas segure a informação até depois da cirurgia, está bem? Seja qual for o resultado, é melhor contar tudo de uma vez só. O empresário concordou antes de desligar. Quando o telefone ficou mudo, Stevie se sentiu extremamente só. O silêncio na casa era deprimente, tão acostumada que estava a ouvir o som da máquina de escrever de Stevie. As fotos emolduradas na parede, retratando-a com troféus nas mãos, pareciam zombar dela. Relíquias da carreira bem-sucedida nas prateleiras da estante e sobre o aparador caçoavam de Stevie. O prêmio do Aberto da França, recentemente adquirido, não mais parecia lhe pertencer. — Tarde demais para reconsiderar — lembrou a si mesma ao se encaminhar ao toalete e começar a encher uma nécessaire. Em seguida, como se estivesse rezando, sussurrou. — Stevie, sua vida está nas mãos de Deus.
Deus tinha muitos ajudantes. 94
original.file
Ao menos foi o que pareceu quando várias pessoas tiveram acesso a ela, antes de ser encaminhada à sala de cirurgia na manhã seguinte. Aquela altura, vira-se destituída de toda a dignidade e privacidade. Deixara o carro de Judd trancado na garagem. Não seria uma boa idéia roubá-lo duas vezes em um período de 24 horas. Portanto, fora de táxi para o hospital. Na admissão, teve de assinar um sem número de formulários de seguro-saúde assim como uma dedicatória para Jennifer. — Minha filha de 12 anos quer ser exatamente como você quando crescer — dissera-lhe a fascinada recepcionista do hospital. De lá, foi encaminhada ao setor de Raio X. Trajando apenas um roupão descartável, foi colocada em uma sala tão gelada quanto um frigorífico e foi instruída a esperar. Após uma hora, chegou o técnico que lhe tiraria um Raio X dos pulmões, pedindo desculpas pelo atraso. — Pronto, não foi tão ruim assim, certo? — indagou outro técnico, ao lhe puncionar a veia com uma agulha, através da qual correu o que parecia ser 900ml de sangue. — Pode relaxar agora — disse ele, forçando-a a abrir a mão que havia fechado com força. — Machuquei-a? — Não — respondeu Stevie mal-humorada. — Apenas não gosto de agulhas. Por fim, foi levada a um quarto particular, mas desfrutou de pouca privacidade. Uma enfermeira pomposa e objetiva, entrou no quarto com outro calhamaço de formulários para serem assinados. — Eles lhe mostraram o videoteipe lá embaixo? — perguntou sem emoção na voz. — Você o entendeu? — Sim. — O vídeo explicava todas as intercorrências que poderiam acontecer durante uma cirurgia abdominal. Cada possibilidade mais assustadora, irreversível e letal que a outra. — Assine aqui, aqui e aqui. O capelão do hospital foi o próximo. — Você é nossa celebridade — disse ele com um sorriso glorioso. Após discutirem o melhor tratamento para a tendinite de ombro causada pelo tênis, inclinaram a cabeça sobre as mãos unidas. O capelão rezou por uma boa cirurgia e uma rápida recuperação. Stevie rezou pelo calcanhar que Judd machucara na pedra, para que a perdoasse por lhe ter roubado o carro, por proteção para que ele não a estrangulasse quando a encontrasse e por uma ação judicial contra o hospital se morresse na mesa de operação. Certamente alguém processaria a instituição, mesmo ela tendo assinado formulários a isentando de responsabilidade. A seguir, entrou o ginecologista e lhe explicou o procedimento cirúrgico. — Se o tumor for benigno, e tenho todas as razões para acreditar que é, nós o removeremos e ficará novinha em folha. — E se não for? — Provavelmente teremos de fazer histerectomia total, seguida do tratamento. — Que tipo de tratamento? Radioterapia? O médico lhe deu palmadas leves na mão. — Primeiro a cirurgia. Depois, se tivermos de discutir as opções, faremos mais 95
original.file
tarde. O anestesista a fez lembrar o conde Drácula, devido a uma projeção da nascente dos cabelos para a testa, formando duas entradas laterais. — A primeira coisa que receberá pela manhã será um sedativo. Colocarão duas agulhas intravenosas em você — disse ele, sentando-se na beirada da cama. — Uma no braço e outra no dorso da mão. — Não gosto de agulhas — disse Stevie em tom estrangulado. — Prometo lhe enviar meu assistente mais hábil. Quando chegar à sala de cirurgia, estará sonolenta. Durma bem esta noite. Durma bem? Que piada! Foi lavada por fora e por dentro, o que achara uma experiência humilhante. Em seguida, deram-lhe um calmante para dormir. Stevie recusouse a comer, embora não colocasse nada na boca desde a hora do almoço. Seria possível que nenhum daqueles eficientes demônios percebia que não conseguiria dormir sem o barulho distante do teclado da máquina de escrever de Judd? Mas ele se encontrava a milhas de distancia, encalhado na casa da fazenda. E se a residência pegasse fogo e ele não conseguisse escapar? E se caísse um temporal, que causasse uma inundação e Judd se visse incapaz de fugir? Stevie se torturava com as mais medonhas possibilidades. Porém, devia ter dormido, porque quando foi acordada por uma sorridente enfermeira, estava sonhando que Judd a perseguia com uma agulha hipodérmica no formato de uma raquete de tênis. Tinha um sorriso diabólico estampado no rosto e gritava que ela sofreria as conseqüências por ter lhe roubado o carro. Em um curto espaço de tempo, foi preparada para a cirurgia e, sentindo-se como uma almofada de espetar alfinetes, foi colocada em uma maca e levada para o centro cirúrgico. Enquanto na noite anterior, as horas pareceram se arrastar, agora tudo acontecia de um modo tão acelerado que a deixava em pânico. O cirurgião lhe apertou a mão com um gesto confortador e sorriu por trás da máscara. — Tudo dará certo, Stevie. Agora, relaxe. Respire fundo e comece a contar até dez de trás para a frente. Dez. Ela queria parar o tempo. Nove. Precisava de mais tempo para pensar. Oito. Precisava de Judd. Sete...
Pesava 4.500kg e dois imbecis estavam ordenando que ela se movesse para o lado. — Isso mesmo, role para o lado, srta. Corbett. Não, não tente arrancar as agulhas de seu braço. Relaxe-o. Isso mesmo. A cirurgia acabou. — O cateter está no lugar? — Sim. — Os cabelos dela não são bonitos? — São. Já a viu jogar? — Está brincando? Não tenho dinheiro para comprar os ingressos. 96
original.file
— Estou me referindo aos jogos que são televisionados. Senhorita Corbett, está me ouvindo? A cirurgia acabou. Ouviu o estalido de metal. Sentiu um estremecimento. Luz. Muita luz. Muito claro. Telefones tocando, atividade ao redor e ruídos. Por que não faziam silêncio e a deixavam dormir? — Está na hora de virar outra vez, srta. Corbett. Um gemido. Gemido que ela emitia. Não, não façam eu me mover. Um monstro trajando um roupão verde, insistia para que ela tossisse. — Tussa, srta. Corbett. Vamos. Tem de tossir para limpar seus pulmões. — Eles que ficassem obstruídos. — Senhorita Corbett. Tussa. Stevie fez uma tentativa fraca, apenas para que a deixassem em paz. A recompensa foi sentir algo muito gelado ser posicionado entre suas coxas. — Isto é para diminuir o edema. — Alguém sacolejou a cama outra vez. Desastrados. Eram todos uns desastrados. * * * Uma das mãos ficou segura debaixo do braço da enfermeira, enquanto ela apertava a pera do aparelho de pressão. — Esta ótima. — A braçadeira do aparelho lhe foi retirada. — Senhorita Corbett, temos de trocar a bolsa de gelo agora. — Posso beber? — Stevie sentia a boca seca. — Pode chupar uma pedra de gelo. Uma colher fria e dura lhe foi encostada aos dentes, fazendo todo seu corpo arrepiar. Precioso gelo! Ela o sugou com avidez. — Chega. Apenas esse. Vire-se. — Não posso. — Claro que pode. Tussa para mim outra vez. — Não. — Tussa. — Stevie obedeceu. — Boa menina. E aqui está uma bolsa de gelo nova. Muito obrigada. Minhas coxas já estão dormentes. — ...não pode entrar agora. — Já estou dentro. Stevie foi despertada pela voz familiar, mas abrir os olhos era uma tarefa impossível. Teriam lhe fechado as pálpebras com alguma coisa? Talvez moedas de cinqüenta centavos, como faziam com os mortos nos filmes de western? — As visitas na sala de recuperação só são permitidas a cada duas horas a partir das 14h. É uma norma do hospital. A voz masculina lhe disse o que fazer com a norma e não foi uma sugestão muito delicada. 97
original.file
— Vou vê-la, queira você ou não. — Vou chamar a segurança. — Stevie? — Judd? — Estou aqui, querida. A mão forte e quente segurou a dela. — Vai me estrangular? — sussurrou ela. — Aqui está ele, segurança. Não pode entrar aqui antes das 14h. — Mais tarde, minha querida. Os lábios quentes roçaram de leve a testa de Stevie antes de ele partir. Devia se tratar apenas de mais um sonho bizarro.
— Tem certeza? — Claro que sim. — Removeu tudo que era potencialmente perigoso? — Tudo. O médico percebeu que os olhos da paciente estavam abertos e que ela o fitava, bem como o desgrenhado visitante com olhar severo. — Você está indo muito bem, Stevie. — Ele afirmou com seu sorriso firme plantado no rosto. — Sei que a sala de recuperação é desconfortável, mas eles a levarão para o seu quarto em breve. Está disposta a receber uma visita? — Ela anuiu e o médico tocou o ombro de Judd. — Lembre-se, apenas dez minutos. Não os faça expulsá-lo de novo. Mas Judd não o escutava. O olhar estava fixado no rosto de Stevie. Ele se inclinou sobre o leito com cuidado para não deslocar nenhum equipo. — Tive de lutar para chegar até aqui. Espero que reconheça isso. — Como me encontrou? — Coloquei Addison em seu encalço. Telefonei para ele de um restaurante de estrada. Aquele ordinário do Ramsey não atenderia uma chamada a cobrar, portanto tive de pedir uns trocados emprestados com o motorista do caminhão com quem peguei uma carona. Ele se compadeceu de mim a ponto de me pagar um café, também. Por sorte, morava aqui em Dallas e era um fã da minha coluna. Para recompensá-lo, prometi arranjar ingressos para a temporada de jogos dos Mavericks. Stevie tentava acompanhar a explicação, mas era muito complicada. — Addison? Sorrindo diante da confusão de Stevie, ele disse em tom suave: — Conversaremos sobre isso mais tarde. Isso dá material suficiente para fazer outro romance. Ela tentou umedecer os lábios com a língua, mas ainda a sentia muito seca, embora lhe tivessem permitido mais alguns cubos de gelo. 98
original.file
— E quanto a minha cirurgia? A expressão de Judd se tornou mais séria. Aproximando-se, falou em uma voz áspera e conspiratória. — Eu devia saber que você estava apenas se exibindo. Mais uma das suas "mimosices" para encantar as multidões. Tanto alarido por nada. — De que se tratava? — Seus tumores? Todas aquelas manchetes e comoção por causa de um punhado de tumores benignos. — O tom de voz de Judd era mordaz, mas havia uma umidade no olhar que o entregava. — Benignos? — Uns monstrinhos inofensivos. Todos eles. Stevie fechou os olhos, quando lágrimas escorreram pelos cantos. Ele as limpou com a ponta do polegar. — Eles têm certeza? — Se seu ginecologista e o mais conceituado patologista de Dallas sabem o que fazem, com certeza está curada. — Não precisaram fazer histerectomia? — Não, mas tiveram de remover o ovário direito. — Tiraram um ovário? Judd deu de ombros. — Irrelevante, se considerar que tudo mais está no lugar e funcionando. Oh, e durante a cirurgia, aproveitaram para remover seu apêndice. Disse-lhes que você não se importaria. — Judd — sussurrou ela, com lágrimas de alegria lhe escorrendo pelas faces. — Pare de choramingar ou a bruxa daquela enfermeira vai me expulsar daqui por perturbar seu sossego. — Não deveria ter vindo. — Nada iria me impedir. Stevie fungou. — Desculpe-me por ter roubado seu carro. — Que diferença faz? O carro pertence mais ao banco do que a mim. Está se sentindo bem? Rir estava fora de questão, mas Stevie conseguiu sorrir. — Estou com agulhas enfiadas em meu braço e em minha mão, grampos de metal segurando minha barriga no lugar, não posso fazer minhas necessidades sozinha e estou montada em um saco de gelo. Obrigam-me a tossir constantemente, embora eu tenha certeza que isso repuxa meus pontos. Em suma, sinto-me péssima. — Não tão péssima quanto eu, quando descobri que havia partido. Se tornar a fugir de mim sem uma explicação, vou lhe dar uma surra. Stevie ignorou a ameaça. — Escreveu hoje? — Escrever? — indagou Judd, incrédulo. — Estive caminhando pelos corredores deste hospital como um alucinado, esperando que você se recuperasse da anestesia. 99
original.file
— Deveria estar em casa, escrevendo. O capítulo sete precisa ser acabado. — E, eu sei, está se arrastando porque... — Ele se calou. As sobrancelhas formando um espantoso "V". — Como diabos sabe o que o capítulo sete precisa? — Estive lendo seu romance. — Desde quando? — Desde que o começou. — Desejava ardentemente tocá-lo, mas não conseguia encontrar um meio de fazê-lo. — Está maravilhoso. De verdade. Stevie sentiu a medicação pós-operatória arrastando-a de volta ao esquecimento. Antes de sucumbir ao sono, tinha de lhe dizer algo. — Judd, eu te amo. Tomando-lhe a mão, ele a encostou nos lábios, após pressionar um beijo ardoroso nos dedos de Stevie. — Percebi isso quando se decidiu pela vida em detrimento do Grand Slam. Quer saber o que é mais fantástico? Eu também a amo. Com um sorriso, oblíquo, Judd percebeu que ela adormecera. Lamentou que Stevie não tivesse ouvido sua primeira confissão de amor, mas tudo bem. Estaria ali quando ela acordasse.
Epílogo
— Obrigado. — Eu é que agradeço — disse a mulher atraente. — Mal posso esperar para ler. Se for tão bom quanto sua foto na sobrecapa do livro, será um excelente entretenimento. Judd ergueu o olhar à esposa, que fitava; furiosa a jovem de minissaia e salto alto, que mascava chiclete. Quando voltou a encarar o marido, ele deu de ombros com um sorriso impotente que destoava do sorriso que irradiava complacência masculina. — Senhora Mackie, a fila lá fora está aumentando — disse o gerente da Livraria Manhattan. — O sr. Mackie estará ocupado autografando os livros por algum tempo. Não gostaria de se sentar? — Estou bem por enquanto, mas obrigada. O homem lhe voltou um olhar tímido. — Seria presunçoso de minha parte lhe pedir um autógrafo também? — Claro que não — respondeu Stevie com um sorriso. O homem conjurou um bloco e uma caneta. — Uma vez, a vi jogar no U.S. Open. — Eu venci? —- Perdeu nas quartas de final, mas em uma disputa acirrada. 100
original.file
Stevie se limitou a soltar uma risada. — Está semiaposentada no momento, certo? — Não participo mais de competições de tênis, mas estou ocupada com a construção de algumas escolas esportivas. — Foi o que ouvi dizer. Para crianças carentes, certo? Após os seis meses de recuperação que seguiram a cirurgia, o ginecologista lhe deu alta para executar qualquer projeto em que quisesse se engajar. Sua idéia, a qual considerara de todos os ângulos, recebera a aprovação entusiástica de Judd. Ele a ajudara a noticiá-la através de sua coluna no Tribune. Consequentemente, doações ao projeto começaram a ser oferecidas. A escola-matriz em Dallas recebera tantos elogios que pessoas de outras cidades contataram Stevie para organizar projetos locais similares. Agora, havia Escolas de Tênis Stevie Corbett em âmbito nacional, voltadas especificamente para jogadores que não tinham condições financeiras para ser sócios de clubes de tênis. — As escolas são sustentadas pela comunidade e abertas a todos que aparecerem querendo aprender — explicou ela, em resposta à pergunta do gerente da livraria. — Seu marido não se importa de dividi-la com uma atividade que requer tanta dedicação? — Claro que não. Ele entende que preciso trabalhar. Além disso, também tem estado muito ocupado. — Soube que a coluna diária do sr. Mackie está sendo vendida a uma cadeia de jornais e periódicos e que ele já está escrevendo outro romance? — É verdade. — De que se trata? Stevie dirigiu um doce sorriso ao homem. — Estou sob juramento de sigilo. Terá de esperar como os outros fãs. Havia uma fila longa deles do lado de fora da porta e ao longo da calçada. Stevie observou um deles acotovelar a multidão até alcançar a mesa, onde Judd estava autografando cópias do livro. Ele se apresentou como crítico literário do Times. — Posso lhe falar um minuto, sr. Mackie? — Não — retrucou Judd em tom amigável, apontando para a fila enorme de pessoas aguardando para conhecer o autor do mais novo best-seller da praça. — Mas posso falar e assinar ao mesmo tempo. Pode perguntar. — Trata-se de um romance autobiográfico? — Algumas partes, sim. — Quais? — Em deferência a minha família e amigos, não posso responder a essa pergunta. Admitirei apenas que quando jovem, meu maior desejo era ser um jogador de beisebol profissional. A chance me foi negada. Durante anos, tive de lidar com um bocado de amargura e muito ressentimento. — Judd fechou o livro que acabara de assinar, entregou ao cliente e exibiu um sorriso de boas-vindas ao próximo da fila. — Olá. — Enquanto escrevia uma breve mensagem e assinava, prosseguiu. — Estava desencantado com a vida, portanto posso me identificar com o protagonista deste livro, 101
original.file
que também sofreu uma amarga decepção. — O que mudou a sua forma de ver a vida? — perguntou o repórter. O olhar de Judd encontrou o da esposa através da multidão que lotava a livraria. Viu os olhos de Stevie brilharem para ele. — Encontrei alguém que tinha muita coragem. Ela me ensinou, através de seu próprio exemplo, que vale muito a pena viver. Mesmo com todos os obstáculos. Ensinoume também que, às vezes, temos que sofrer uma derrota para reconhecermos a verdadeira vitória. — Um sorriso caloroso se estampou no rosto de Stevie. Porém, logo foi substituído por uma expressão alarmada, que foi rapidamente captada por Judd. Ele largou a caneta sobre a mesa e com três passadas, tomou as mãos da esposa nas dele. — Stevie, há algo errado? — Não, querido. Volte para o trabalho. — Senhor Mackie — disse o gerente da livraria, em tom nervoso. — As pessoas estão aguardando. — Volto já — respondeu Judd, guiando Stevie pela estreita galeria em direção aos fundos da livraria. — Mas... mas não pode sair agora. Aonde o senhor vai? — disparou o gerente. — O que direi aos clientes? — Diga-lhes que estou assinando livros há duas horas e tenho que fazer um intervalo. Estou certo de que eles entenderão. Judd deixou o gerente, o repórter e todos os clientes que estavam por perto boquiabertos, enquanto impulsionava Stevie através das prateleiras de livros até um almoxarifado, que era mais apertado que na livraria em si. — Qual foi o problema? — perguntou, no momento em que fechou a porta. — Nada. — Vi sua expressão. Foi a mesma que exibe todas as vezes que de brincadeira aperta meu... — Judd! As pessoas o escutarão. — Não me importo. Quero saber o que a fez exibir uma expressão de quem acabou de ser beliscada no traseiro. — Desde o dia em que retornaram à casa de fazenda no leste do Texas, após a cirurgia, ele fazia questão de ser informado constantemente sobre seu estado de saúde. Só depois que o ciclo menstrual de Stevie se normalizou, foi que começou a acreditar no prognóstico otimista do médico. Porém, nunca relaxava a vigilância no que concernia ao estado de saúde da esposa. — Sabia que não deveria ter lhe dado ouvidos quando suplicou para me acompanhar — disse ele, repreendendo severamente a si mesmo por ter permitido que Stevie o persuadisse. — Deixe-me colocá-la em um táxi de volta ao hotel. — Esqueça, Mackie. Amo ver as pessoas o adorando, porque também o adoro muito. — Stevie lhe deu um beijo suave. — Além disso, recuso-me a ficar presa naquele quarto pequeno, enquanto você está aqui sendo assediado por todas as mulheres que encontra. — Nem todas as mulheres — respondeu ele, com a insuportável presunção que Stevie agora achava adorável. Unindo os braços atrás do pescoço largo, ela o puxou para perto. 102
original.file
— Você é incorrigível. Por que o amo tanto? — Como pode resistir? O que há para não amar? Escorregando as mãos para a coluna lombar de Stevie, ele a puxou ainda mais para perto e lhe tomou os lábios em um beijo ardente. — Mackie, as pessoas o estão esperando. — Deixa-as esperar. Judd aprofundou o beijo, explorando o doce recesso da boca macia com a língua. O desejo ardente que sentiam um pelo outro não diminuíra em nada. Ele sempre comentava que devia ser o único marido de toda a história a esperar 12 semanas após o casamento para consumá-lo. Stevie retrucava que o único culpado era ele, já que insistira em trazer um padre até a casa da fazenda e casar enquanto ela estava convalescendo. Mas quando recebessem o sinal verde, certamente ele recuperaria o tempo perdido. — Humm, que delícia! — disse ele, quando, por fim, interrompeu o beijo. — Estava faminto... — De repente, Judd se calou. A expressão vazia. Stevie soltou uma risada. — Agora é você que parece ter sido beliscado no traseiro. — Que diabos foi isso? — Isso? — disse ela, segurando-lhe as mãos e as espalmando sobre o ventre. — É nosso bebê, se mexendo pela primeira vez. O pomo de adão de Judd subiu e desceu no pescoço, quando ele engoliu em seco. — Oh, Deus! — rosnou ele. — Sabia que devia ter insistido para que ficasse no quarto do hotel. Sabia que seria muito cansativo. Ter ficado em pé naquele chão duro provocou isso. Por que não se sentou? A felicidade transbordou de Stevie na forma de uma risada suave. — Quer ficar calmo? Isso é normal. Está na hora. Na última consulta o médico me disse que eu devia esperar pelos movimentos do bebê. Veja, mexeu de novo. Sentiu? — Esperaram, expectantes, mas nada aconteceu. — Acho que voltou a dormir. — Infelizmente — disse Judd. — Tocá-la me deixou completamente desperto. — Recostou o corpo ao dela, para que Stevie entendesse o que queria dizer. — Sou um bastardo sortudo. Casei-me com a grávida mais sexy do planeta. — Nunca lhe disse que tem um vocabulário muito romântico? — Não. — Ótimo. Aquele era um jogo de palavras que costumavam fazer. Judd estava rindo do gracejo, quando escorregou as mãos, abandonando a cintura avolumada e as pousando nos seios fartos. Nas últimas semanas haviam se tornado maiores com o desenvolvimento da gravidez. — Mais sensíveis? — perguntou Judd, enquanto os massageava através do vestido. — Não quando faz isso. Judd roçou as pontas dos polegares sobre os mamilos, que não o desapontaram. — Deus! Eu a amo. Você surgiu quando eu mais precisava. — Engoliu em seco, 103
original.file
mas dessa vez pela emoção. — Todas as vezes que penso em sua cirurgia e como poderia ter sido... — Judd deixou o pensamento insuportável inacabado. — Mas saiu tudo bem e fomos abençoados um com o outro. — Beijaram-se mais uma vez, com toda a força do amor que transbordava o coração de ambos. — Judd, está acontecendo outra vez! — disse ela, excitada, enquanto guiava a mão do marido para o ventre. Os dois sorriram radiantes um para outro sentindo a criança que geraram se mover dentro dela. — Isso dói? — sussurrou ele. — Não. — Stevie devolveu o sussurro. Houve uma batida à porta. — Senhor Mackie, a multidão de pessoas está se tornando impaciente. — Qual é a sensação? — Judd perguntou em tom baixo e excitado à esposa, ignorando o gerente em pânico. — É maravilhoso. Faz-me sentir viva e plena. Vitoriosa. Quase tão bom quanto quando o sinto dentro de mim. Judd encostou os lábios aos dela e gemeu. — Tenho que ir agora, sra. Mackie, mas mantenha esse pensamento em mente.
104