Diário da Cuesta
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Um mural assinado pelo artista Eduardo Kobra em uma fachada do Colégio Farroupilha, em Porto Alegre, homenageou o poeta.
Um mural assinado pelo artista Eduardo Kobra em uma fachada do Colégio Farroupilha, em Porto Alegre, homenageou o poeta.
Quintana (1906-1994), nasceu em Alegrete/Rio Grande do Sul, no dia 30 de Julho de 1906. Foi um poeta, tradutor e jornalista brasileiro. Foi considerado um dos maiores poetas do século XX. Mestre da palavra, do humor e da síntese poética, em 1980 recebeu o Prêmio Machado de Assis da ABL e em 1981 foi agraciado com o Prêmio Jabuti. Página 3
Grande lançamento literário da Cronista de Botucatu, Maria De Lourdes Camilo de Souza, escritora que colabora com o Diário da Cuesta. O lançamento será na Caridade Portuguesa Maria Pia, dia 10 de agosto, das 15 as 18 horas, no Centro Histórico de Botucatu.
Desde menino ele tinha seu domicilio na cidade de Botucatu; nas viagens que fazia entre essa cidade e São Manuel a bordo de uma jardineira em companhia de seus pais achava muita graça quando o motorista emitia música ao som de uma buzina soletrando....Bo.. tu..ca..tuuuu....até Bauruuu... Era bom ser criança e era muito bom admirar o motorista naquela buzinada alegre e musical, anunciando sua chegada ou espantando animais nas estradas de terra batida ou de areia solta. O som e o nome ficaram gravados em sua memória. Quando mocinho e ainda estudante freqüentava a biblioteca da escola e do que mais gostava era ler a história dessa cidade. Uma ocasião encontrou no “Almanack de Botucatu”, 1920, obra de Augusto de Magalhães, à página 23 afirmação de que o nome da cidade” quer dizer serra grande, denominação que traduz fielmente a realidade da nossa natureza”. (1)
Na continuidade de outras leituras ficou sabendo que Botucatu, no alto da serra tinha uma altitude máxima de 821 metros e média de 777 metros.(2). Essas altitudes em relação ao nível do mar estavam muito aquém, muito longe dos Alpes montanhosos da Europa. Absorto nas leituras lembrou-se de Edmund Hillary, neozelandês que em 1953 conseguiu escalar e chegar, pela primeira vez ao cume do “Everest”, com seus 8.840 metros, ou seja, o ponto mais alto do planeta Terra.
Nessa mesma linha de pensamentos lembrou-se que a atividade de montanhismo no Brasil ocorreu em 1912, com a conquista feita por Teixeira Guimarães e seus intrépidos companheiros do imponente maciço “Dedo de Deus”.
Tudo isto parecia proposital. Serras, Picos e montanhas tinham algo em comum - aclives e declives, íngremes ou suaves e ele estava, exatamente, em Botucatu na Rua Rangel Pestana antiga Rua do Sapo (1867), esquina da Rua Leônidas Cardoso às margens e barrancas do ribeirão Lavapés.
Nesta posição geográfica da cidade procurava, com a ajuda de um binóculo de longo alcance localizar a Avenida Dom Lúcio. Tinha recebido a incumbência de levar até essa avenida dois pacotes de produtos não identificados e, de lá, prosseguir num tipo de montanha-russa até outra avenida de nome Vital Brasil. Olhou para cima, sol forte às 14 horas na direção Oeste; estava sem óculos escuros, paramentado com
paletó e gravata, sapatos pretos de biqueira/prata com tachinhas de cobre e os tais pacotes. Como os alpinistas citados, iniciou a escalada da montanha botucatuense. Adeptos do esporte radical poderiam criticar o desconforto e o arrojo para a empreitada, seguramente, uma rampa de aproximadamente 2.500 metros acima do Lavapés entretanto, seu pensamento naquele momento decisivo era de ir em frente com retorno à base previsto para 17 horas do mesmo dia. Não era fácil para ele, e tantos outros citadinos, caminhar por ruas e travessas de íngremes ribanceiras no cumprimento de uma obrigação. Ao longo da caminhada recebia ofertas de bicicletas; agradecia e imaginava: se aceitasse teria de carregar, além dos pacotes, a dita bicicleta... melhor, melhor mesmo era dispensar essa ajuda. Parava um pouco, tomava um fôlego, olhava para cima e calculava mais alguns imensos quarteirões. Em algumas esquinas encontrava amigos Carteiros que, como se sabe são campeões em alpinismo urbano. Conversava com eles e ficava arrepiado ao saber que nas tarefas diárias, na entrega de cartas e encomendas esses abnegados trabalhadores venciam as mais altas montanhas urbanas que, ao invés de “Everest” recebiam o nome de Bairro Alto, Vila Sônia, Altos da Major Matheus, Vila Maria, Vila Rodrigues, Reflorenda, Jardim Brasil chegando sempre até o cocuruto da cidade.
Confortado pela prosa do Carteiro continuou subindo toda rampa, fez a entrega dos pacotes, parou em um bar da esquina e pediu duas garrafas de água tomando em três goles, afrouxou a gravata, tirou o paletó entrou pelo primeiro declive que achou e deu suas tarefas por encerradas exatamente às 17 horas. No dia seguinte procurou na livraria um manual prático de alpinismo, comprou, pagou e passou a ler com muita atenção para aprender, de uma vez por todas como sobreviver na sua cidade e nas cidades montanhosas.
DIRETOR: Armando Moraes Delmanto
EDITORAÇÃO E DIAGRAMAÇÃO: Gráfica Diagrama/ Edil Gomes
Luiz Alberto Sanz
Quando preparo esta mensagem, caminho por um declive. A lógica (observar para onde se caminha) puxa meu olhar para baixo, mas lá não há horizonte, só o fundo da depressão. Já é noite, as cores se esvaíram, primeiro na penumbra, depois nas trevas. O olhar é atraído para o leve lilás que ainda persiste acima das montanhas. Quer luz, quer cores. Assim, escolho os poemas que sairão das gaiolas esta madrugada, livrando da poeira as asas. Versos que buscam o colorido da vida, arejando as feridas, cicatrizando as chagas. Falar assim, é falar de Mário Quintana, cuja poesia - dizendo poesia, digo ethos - tanto apavorava os acadêmicos que estes jamais o aceitaram em seu clube fechado, ali na Esplanada do Castelo
Segundo Deleuze o escritor vive à espreita. Mario Quintana (1989) traduz muito bem essa atitude de estar no mundo à espreita, de “alma aberta”, quando escreve:
A gente sempre deve sair à rua como quem foge de casa,
Como se estivessem abertos diante de nós todos os caminhos do mundo.
Não importa que os compromissos, as obrigações, estejam ali...
Chegamos de muito longe, de alma aberta e o coração cantando!
Por se colocar à espreita e por sua sensibilidade, o escritor é capaz de andar pelos vários caminhos do mundo e de ver e ouvir, nessas andanças, coisas excessivas, que o desgastam (Deleuze, 1997). Consegue captar mistérios, entrar em contato com os interstícios, com a respiração do mundo. Tudo isso o cansa, o ameaça, o afeta. Por sua saúde, para continuar vivendo, ele escreve.
Acrescento mais um poema, exercício sobre as próprias palavras e o amor que as incendeia, buscado no sítio Releituras.
Eu queria trazer-te uns versos muito lindos
colhidos no mais íntimo de mim...
Em 30 de julho passado, Mario de Miranda Quintana teria cumprido 100 anos, não tivesse comparecido ao encontro com a morte em 5 de maio de 1994, em Porto Alegre. Do gaúcho, de Alegrete, que amava a solidão e a ironia, conhecido como o poeta das coisas simples, começo recolhendo poema que Rosana Zucolo enviou-me no começo de setembro (penso, só agora, será que não foi esse o mote para que, três dias depois, eu me lançasse aos “diálogos poéticos”?):
A vida é um incêndio: nela dançamos, salamandras mágicas...
Que importa restarem cinzas se a chama foi bela e alta?
Em meio aos toros que desabam, cantemos a canção das chamas! Cantemos a canção da vida, na própria luz consumida...
Embarco em seus versos nessa viagem verdadeira da qual Maria do Carmo Cabral me lembrou em sua tese “Encontros que nos movem”, citando A Verdadeira Arte de Viajar, ao dizer:
Suas palavras
seriam as mais simples do mundo, porém não sei que luz as iluminaria que terias de fechar teus olhos para as ouvir...
Sim! Uma luz que viria de dentro delas, como essa que acende inesperadas cores nas lanternas chinesas de papel!
Trago-te palavras, apenas... e que estão escritas do lado de fora do papel... Não sei, eu nunca soube o que dizer-te
e este poema vai morrendo, ardente e puro, ao vento da Poesia... como uma pobre lanterna que incendiou!
E encerro com:
Se as coisas são inatingíveis... ora! não é motivo para não quere-las... Que tristes os caminhos, se não fora a mágica presença das estrelas!
Saudações a todos, mesmo que as nuvens ainda ocultem as estrelas.
1– O DIÁRIO tem resgatado sua memória e prestado homenagem ao poeta-passarinho. Sempre trazendo seu famoso “Poeminha do Contra”.
2– Considerado como o poeta do amor, o Poeta-passarinho foi rejeitado por 3 vezes na ABL, na quarta vez, convidado pela ABL, rejeitou... No entanto, a ABL sempre foi objeto da vaidade dos políticos brasileiros: 3 ex-Presidentes da República ingressaram na Academia: Getúlio Vargas, José Sarney e Fernando Henrique Cardoso. E mais os políticos: João Neves da Fontoura, Anibal Freire da Fonseca, Cândido Motta Filho, Afonso Pena Júnior, Hermes Lima, João Luís Alves, Luís Viana Filho, Octávio Mangabeira, José Américo de Almeida e Barbosa Lima Sobrinho. Outros foram também políticos, como a maior cultura do Brasil: Ruy Barbosa.
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– O escritor botucatuense, Francisco Marins, Presidente Emérito da APL – Academia Paulista de Letras que dirigiu por 2 gestões, também foi rejeitado em sua tentativa de entrar na ABL. Escritor regionalista (ciclo do café) e autor de livros infantis, Marins é mais uma injustiça contra a cultura brasileira.
- Um dos hóspedes ilustres foi o poeta Mario Quintana, que viveu por longos períodos no hotel entre 1968 e 1980 O escritor residia com frequência no quarto 217. Na época, Quintana trabalhava no jornal Correio do Povo, localizado a algumas quadras do Majestic. Segundo Groisman, diretor da CCMQ, Quintana não pagava pelo aluguel do quarto, vivendo no hotel em troca de favores. Foi o que aconteceu em 1980, quando Quintana foi despejado do Majestic. Nessa época, o hotel já estava em decadência e não tinha mais como arcar com os custos de um hóspede morando gratuitamente. O hotel foi transformado em CASA DE CULTURA MÁRIO QUINTANA (CCMQ), pelo Governo do Estado do Rio Grande do Sul.
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– Após ser despejado do Majestic, Quintana se mudou para o Hotel Royal O proprietário era o comentarista esportivo e ex-jogador da seleção Paulo Roberto Falcão, que cedeu um quarto para o poeta. Solitário, Mario Quintana passou grande parte da sua vida vivendo em hotéis. Atualmente, a Casa de Cultura Mario Quintana possui uma reconstituição do quarto ocupado pelo poeta, feita com base em fotos da época e utilizando objetos pessoais do escritor.