Edição 18

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Diário da Cuesta NA DEFESA DO MEIO AMBIENTE E DA CIDADANIA EM BOTUCATU

ano I Nº 18

SEGUNDA-FEIRA 30 de novembro de 2020

A LAÇADA

de Vinício Aloise Página 3

“A FUMAÇA PASSOU E O TEMPO NÃO LEVOU”

Artigo do prof. José Celso Soares Vieira retratando, com perfeição, as famosas Comitivas. Página 4

É bom saber. O artista plástico e conhecido webdesigner botucatuense Marco Antonio Spernega, foi quem idealizou a Cuesta de Botucatu estilizada e com todo o seu simbolismo: a escarpa, o verde representando as nossas matas e o azul do céu... A criação do Spernega valorizou a nossa CUESTA que teve, em sua estilização, o impacto que as obras dos grandes artistas tem. Vejam no Expediente o logotipo do Diário da Cuesta! Marco Spernega tem exposto seus trabalhos em concorridas exposições. Esta ilustração é uma obra de arte e de simbolismo histórico!


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Diário da Cuesta

artigo

O Dramaturgo e Novelista Alcides Nogueira Ganhou o Prêmio Emmy”

RECADO

GENTE R U – A propósito do ótimo artigo do

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prof. José Celso Soares Vieira, Membro e Ex-Presidente da ABL – Academia Botucatuense de Letras, o “Diário da Cesta” procura consolidar a necessidade de elegermos o turismo rural- turismo raiz como importante instrumento para o desenvolvimento do turismo sustentado em nossa cidade. Baseado em uma palestra do saudoso prof. Vinício Benedito Aloise, o artigo traz o que há de mais autêntico nas antigas comitivas, nas tralhas dos peões, na maestria dos grandes líderes dessa importante realidade rural que tanto progresso e tanta riqueza proporcionou ao Brasil. Leiam, vale a pena;

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– O Aquífero Guarani (que já foi Aquífero Botucatu), quase foi Aquífero do Mercosul e é o alerta para os nossos Ambientalistas: o pessoal “adora” desvestir um santo para vestir outro...rsrsrs. Principalmente, quando se trata de nossa conquistas... Já quiseram levar a nossa Faculdade de Medicina, felizmente essa “gambiarra” conseguimos evitar. Por favor, entre os militantes ecológicos de Botucatu e região deverá haver um posicionamento firme em defesa de nossa CUESTA... Do contrário, daqui a pouco estarão querendo fazer referência à Cuesta do Planalto Paulista... Certo?!?

você sabia? Mauro Wilson, Mauro Mendonça Filho, Geraldo Carneiro, Alcides Nogueira e Claudio Torres com os troféus do Emmy Internacional (Foto: Luiz Ribeiro/ TV Globo)

Alcides Nogueira e Mauro Mendonça Filhofizeram o remake de “O Astro”, novela exibida em 2011, que arrematou a grande premiação. Isso representa uma conquista que consolida a qualidade das produções da Rede Globo. Alcides Nogueira já está preparando o texto da novela do horário das 18:00 h, que será exibida em 2013. No recebimento do prêmio, em Nova York, emocionado, Alcides falou: “Eu sou de uma geração de autores que sempre admirou e desejou o Emmy. Ganhar este prémio, ainda mais na sua 40.ª edição, enche o meu coração com uma alegria indescritível. Sinto-me honrado.Mas o prêmio não é só meu, é de Geraldo Carneiro, Roberto Talma e de Mauro Mendonça Filho, e da Rede Globo. É da televisão

“Eu sou de uma geração de autores que sempre admirou e desejou o Emmy. Ganhar este prémio, ainda mais na sua 40.ª edição, enche o meu coração com uma alegria indescritível". brasileira”. Foi com estas palavras que Alcides Nogueira, autor de O Astro, reagiu ao ver a novela brasileira ser distinguida com um prémio Emmy na categoria de Melhor Telenovela.

Que teria sido brasileiro o famoso herói inglês que marcou presença na Primeira Grande Guerra Mundial? Teria sido botucatuense esse herói? Teria nascido na Cuesta de Botucatu esse herói que encantou gerações com sua bravura e idealismo? A Revista Peabiru apresentou minucioso estudo sobre a trajetória desse herói mundial. Na história ou na “lenda” de Lawrence da Arábia, temos como berço natal do herói a Cuesta de Botucatu, mais precisamente, a Fazenda do Conde de Serra Negra, localizada em Vitoriana. Verdade ou lenda ?!? Segredo guardado ou sonho “botucudo” surgido antes da virada do século passado?!? Mas fica – com certeza! – a imagem positiva e heroica de Lawrence da Arábia: um brasileiro nascido na CUESTA DE BOTUCATU.

EXPEDIENTE NA DEFESA DO MEIO AMBIENTE E DA CIDADANIA EM BOTUCATU WEBJORNALISMO DIÁRIO DIRETOR: Armando Moraes Delmanto

EDITORAÇÃO E DIAGRAMAÇÃO: Gráfica Diagrama/ Edil Gomes Contato@diariodacuesta.com.br Tels: 14.99745.6604 - 14. 991929689 O Diário da Cuesta não se responsabiliza por ideias e conceitos emitidos em artigos ou matérias assinadas, que expressem apenas o pensamento dos autores, não representando necessariamente a opinião da direção do jornal. A publicação se reserva o direito, por motivos de espaço e clareza, de resumir cartas, artigos e ensaios.


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A LAÇADA

Benedito Vinicio Aloise O experiente fazendeiro Isaltino Pires, bem sucedido pecuarista de nossa região, embora podendo desfrutar de um completo centro de manejo para gado de corte, com instalações bem planejadas, dispondo de seringa, tronco, balança e embarcadouro, não titubeava em desprezar essas modernidades, para presenciar uma boa disputa de tiro de laço entre seus peões. Para tanto, reuniu seus dois melhores laçadores, que aguardavam apenas uma oportunidade para demonstrarem seus inequívocos dotes de peões exímios. João Ignácio, o peão mais velho e traquejado, compareceu ao desafio montando garbosamente sua empavonada mula tordilha, bem arreada,

com lustroso porta-capela, pelego vermelho-sangue, baldrana lavrada adornada por botões metálicos e franjas. O peitoral de argolas, o freio água-choca com cabeçada bem trabalhada e o cabresto também de argolas, completavam o aparatoso conjunto. O “instrumento” principal, o laço, pendia em rodilhas pela anca do animal, roçando-o até o jarrete quando o trote tornava-se mais acelerado, balançando desde a argola até o caroço da iapa (ilhapa). Pedro Terêncio, o outro peão, mulato esguio, mais jovem e talvez por isso, mais arrojado, despontou trotando o pingo castanho frente-aberta, calçado das quatro patas, com os pelos dos machinhos levemente aparados, ainda um pouco cosquento, é verdade, mas fogoso e ligeiro, pronto a disparar ao menor incentivo das rosetas do ginete. O laço de doze braças, trançado com quatro tentos, pendia na anca, bem atado nos tentos, com a laçada bem aberta para facilitar o trabalho do laçador. A outra extremidade do laço, mais precisamente a presilha achava-se abotoada pela “charrua” ao potente chinchador pendente da argola do travessão de duas barrigueiras que atravessava perpendicularmente o porta-capela, alcançando, apertando e pregueando o ventre do animal. A cauda apresentava-se adornada mediante artístico

Você Sabia ??

nó, emplumando parcialmente os pelos da vasoura, bem a gosto do esnobe peão. Os dois contendores aproximaram-se do velho patrão que os saudou com indisfarçada satisfação, antevendo lances de destreza, técnica, coragem e alguma pabulagem. Isaltino, astuto e matreiro para situações como essa, demonstrava claramente sua preferência pelo peão João Ignácio, mais discreto e que era empregado da fazenda há muito mais tempo que o seu fogoso oponente. Os dois bois, até então escondidos, seriam trazidos, um de cada vez, no momento da prova. O tiro de laço deveria ser irrepreensível por exigência de Isaltino Pires, que aprendera a laçar com o Zico Alemão - mestre na arte e sobejamente conhecido nos campos de Alambari (Piapara), Oiti, Botucatu e Mato Grosso - e caberia aos peões litigantes respeitar a técnica por ele pre-

Que a Embaúba é uma árvore típica do cimo da Cuesta de Botucatu? Pois é, a Embaúba que também é conhecida por Umbaúba, Ambaíba, Ambaúba, Imbaúva ou Imbaúba, é árvore da família das Moráceas (cecropia palmata); é árvore de tronco indiviso. Embaubal é o bosque de embaúbas. Também é chamada de árvore-dos-macacos ou árvore-da-preguiça ou torém. O antigo traçado férreo da Sorocabana passava por Vitória (Vitoriana), Lageado e...Embaúba... Sim, Embaúba é uma pequena Vila pertencente a Botucatu que até hoje é procurada pelos amantes da pesca por ser um local ideal e piscoso. Hoje, o descuido e o desrespeito à natureza reduziu muito o número de Embaúbas em nossa região, mas podem ser encontradas na Cuesta e em vários pontos verdes de nossa cidade.

conizada, acarretando perda de pontos para o contendor desobediente. Vários fiscais, em pontos estratégicos deveriam conferir os detalhes da prova. A laçada deveria cair em um plano quase paralelo ao lombo da rês, e sua extremidade (do laço) anterior, ligeiramente levantada, chegaria ajustada ao nível das pontas dos chifres, caindo sobre a frente do animal, acima do focinho. Com todas as recomendações acertadas, o primeiro boi foi trazido para a arremetida do peão mais velho, no caso, o João Ignácio. Era um boi mestiço, fumaça, chifres ponteagudos limitando a marrafa, cupim pouco desenvolvido, barbela bem pregueada, paleta mais escura, quase negra, escorregando essa tonalidade mais forte pelos braços, antebraços, joelhos, canelas, boletos, sobre-unhas, quartelas e cascos. Benedito Vinicio Aloise Acervo Peabiru.


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Diário da Cuesta

A fumaça passou e o tempo não levou José Celso Soares Vieira A História, essa fada, que, com sua varinha mágica, registra todos os fatos acontecidos na vida humana e, depois de priorizá-los, vivencia-os para as gerações futuras, guardou em suas páginas momentos preciosos das comitivas de peões e boiadeiros aqui da região de Botucatu. Talvez muito pouco se tenha escrito a respeito - quem sabe esquecido -, mas a tradição oral vem teimando em perpetuar-lhes a memória, e fatos acontecidos há já boas décadas foram recentemente revividos, de maneira brilhante, pelo desenhista botucatuense prof. Benedito Vinício Aloise, em palestra realizada na Academia Botucatuense de Letras. As comitivas de peões e boiadeiros saíam de Botucatu rumo ao Estado de Mato Grosso com o objetivo de comprar bois magros e trazê-los até nossa região para engorda. A boiada vinha no passo, vencendo sessenta e nove pousos de Porto 15, no rio Paraná até Botucatu. Para atravessar o Paraná, usava-se balsa. O gado recém-chegado era engordado nas fazendas de Anhembi, Piapara, Pirambóia e outras glebas das redondezas. Violeiros famosos - e Botucatu é pródiga neles - como Raul Torres imortalizaram as saídas das comitivas de peões de boiadeiros em modas que enriqueceram o cancioneiro local. Assim, na moda “Boiada Cuiabana”, o inspirado compositor botucatuense, saudando a partida da comitiva de Alambari para Mato Grosso, cantou: “Eu saí de Alambari na minha besta ruana,/ Só depois de trinta dias é que cheguemos em Aquidauana...” Contam os fatos da época que um filho de fazendeiro de Alambari teria trazido uma linda paraguaia em lombo de animal e isso também foi cantado em versos. A antiga Sorocabana serviu de meio eficaz de transporte para os bois gordos que eram embarcados em Oiti. Nessa pequena estação, vizinha de Alambari, havia em embarcadouro para o gado, cujo destino era o matadouro de Altino Arantes, próximo a São Paulo. O saudoso peão de boiadeiro Lauro Branco, relembrou com saudade os tempos em que, capataz, fez inúmeras viagens em lombo de animal de Mato Gros-

so até Botucatu, conduzindo mil e seiscentos bois duma só vez. Sob sua firme condução, iam oito peões de apoio: um ponteiro (na frente), dois fiadores, dois meeiros, dois chaveiros e o culatreiro (na parte de trás). Também era fundamental a figura do arribador, o que ia à procura do animal tresmalhado, isto é, fugido. O cozinheiro era peça fundamental para o êxito das comitivas. Ele ia bem à frente do restante delas a fim de preparar a comida e conduzir os burros cargueiros com as tralhas: roupas, mantimentos, bruaca (mala), cangalha (arreio), ligal (cobertura de couro cru com que se recobrem as cargas transportadas pelos animais), o fogão (também chamado de trempe), etc. Ainda havia uma tropa de muares para o revezamento de animais cansados. Era guiada por uma mula mansa (a madrinha), que trazia preso ao pescoço um sinete (ou polaco), cujo som compassado servia de ritmo condutor para a tropa. O ponteiro ia com o berrante, “buzina de chifre com que os boiadeiros tangem o gado”. Hoje, essa lendária figura reaparece viva e se torna um dos elementos mais atraentes nos rodeios, festas americanas popularizadas em várias cidades brasileiras e tão exploradas pela mídia, principalmente a TV. Barretos

(SP) é a capital do rodeio no Brasil. Tocar bem o berrante era - e ainda é - uma arte a que poucos peões tinham inclinação. “a poeira da boiada/ e o berrante cortando e dando nó” ( Gilberto Mendonça Teles, Sociologia Goiania, in Novo Dicionário Aurélio, Editora Nova Fronteira, Brasil 500 anos). O arreio dos peões era uma parafernália constituída por: baixeiro, carona (manta de couro), porta-capela (arreio propriamente dito), travessão e duas barrigueiras (estas, características de Botucatu e região), badana (manta de couro, usada para forrar), sobrecincha (faixa de couro ou de qualquer outro tecido, com uma fivela que passa por baixo da barriga da cavalgadura para segurar a badana). O laço de doze braças, feito de couro trançado, o freio com cabeçada, cabresto e o peitoral completam a indumentária do animal. Aliás é de muito bom alvitre citarmos no particular do laço que Moacir Fabiano de Campos, idealizador do Museu do Peão de Boiadeiro lá em Rubião Jrúnior, é um exímio trançador muito requisitado. Os nossos peões vestiam-se à gaúcha: lenço ao pescoço, chapéu com barbela, guaiaca, faca atrás; atravessada na guaiaca, chaira (peça de aço para afiar facas), bombacha, com ou sem pregas, enfeitadas por casinhas de abelha. Stein, funcionário aposentado do Banco do Brasil - o que adora andar descalço em qualquer lugar -, foi grande mestre na

arte desses enfeites. Não estaria completa a indumentária sem o par de espora (chilena), aqui na região conhecida como bela vista, a capa gaúcha e o ponche ou poncho (“Capa quadrangular, de lã grossa, com uma abertura no meio, pela qual se passa a cabeça”). Nos pés, botas sanfonadas, geralmente de cano curto. A comida dos peões de boiadeiro consistia basicamente no arroz-de-carreteiro, feijão-tropeiro, no macarrão, na carne assada, alimentos comuns hoje ao prato dos brasileiros de uma imensa região, inclusive a nossa. Botucatu, berço do progresso desta parte da antiga sorocabana, também freqüentou assiduamente a tão famosa Feira de Sorocaba, para onde os tropeiros levavam tropas de muares que seriam negociadas em atraentes transações. O tempo passou, as comitivas também, devoradas que foram pelos caminhões que transportam bois gordos para os diferentes destinos desta malfadada terra de estradas de rodagem. Quem sabe um dia, quando políticos tiverem melhor visão das coisas públicas, voltando-se para o transporte ferroviário como uma das melhores alternativas para o desenvolvimento do país, tenhamos, então, o ressurgimento dos verdadeiros peões de boiadeiro. Não os folclóricos bombacheiros dos rodeios de Tio Sam, mas a verdadeira reminiscência das raízes de nossa terra como Lauro Branco, Moacir Fabiano, Chico Emílio, Zico Alemão, Nabor Teixeira, Quim Totó, Zé Rocha, João Branco, Gaspar, João Martins e tantos outros que, deixando a família e os amigos queridos, viajaram dias e noites, enfrentando as situações mais adversas possíveis para contribuir com a engorda da economia desta região. Os peões de boiadeiro são como fumaça daquelas poéticas chaminés dos trens da Sorocabana que, saindo de Botucatu, passavam pelas estações do Lageado, Alcantis, Itatã, Vitória, Embaúba, Oiti, Alambari rumo a São Paulo e outras partes sob as vistas impassíveis do Gigante Deitado na Serra de Botucatu. Peões e fumaça são lembranças que persistem na retina cansada da gente, conquanto a ferrugem do tempo. José Celso Soares Vieira - É professor de Português, músico da Orquestra Sinfônica Municipal e AAcademico e ex-presidente da Academia Botucatuense de Letras.


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