Edição 368

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Diário da Cuesta

ano II Nº 368

NA DEFESA DO MEIO AMBIENTE E DA CIDADANIA EM BOTUCATU

QUARTA-FEIRA, 12 de JANEIRO de 2022

O lendário Orlando Villas Boas e seus irmãos são os heróis nacionais na defesa dos índios. Página 3

É bom saber. O artista plástico e conhecido webdesigner botucatuense Marco Antonio Spernega, foi quem idealizou a Cuesta de Botucatu estilizada e com todo o seu simbolismo: a escarpa, o verde representando as nossas matas e o azul do céu... A criação do Spernega valorizou a nossa CUESTA que teve, em sua estilização, o impacto que as obras dos grandes artistas tem. Vejam no Expediente o logotipo do Diário da Cuesta! Marco Spernega tem exposto seus trabalhos em concorridas exposições. Esta ilustração é uma obra de arte e de simbolismo histórico!


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Diário da Cuesta

ARTIGO

BAHIGE FADEL

ISONOMIA

Existem definições legais para a palavra isonomia, mas vamos ficar com a definição mais simples. Afinal de contas, minha intenção é fazer uma crônica, não defender uma tese. Isonomia é igualdade. Assim, se eu tenho uma propriedade e o munício me cobra um imposto para tê-la, todos os outros munícipes que possuem uma propriedade estão sujeitas ao pagamento do mesmo imposto. Isso é igualdade de deveres. Com os direitos, é a mesma coisa. Se eu tenho o direito de defender determinada ideia, tenho também o direito de criticá-la. Tem que haver igualdade de direitos tanto para a crítica como para a defesa. Parece que não há dúvida a respeito disso. Por que estou falando sobre isso? Porque uma questão está me causando uma certa preocupação, nos últimos tempos. A isonomia não existe para certas pessoas. Elas se julgam donas da verdade e, por isso, se acham no direito de dizer o que querem sobre qualquer assunto, mas não aceitam a opinião contrária. Isso irrita. Será que estão surgindo novos deuses onipotentes? Será que estão existindo pessoas que podem tudo, inclusive não aceitar opiniões contrárias às suas? A esses deuses não se aplica o princípio básico da isonomia? Eles têm mais direitos e menos deveres do que os outros? Não é possível. Estou comentando sobre esse assunto ao mesmo tempo em que ouço o comentário de um conceituado radialista local, sobre o episódio do tenista sérvio Djokovic, na Austrália. Todos sabem que o visto do tenista foi revogado, porque não foi vacinado contra a COVID-19. Ele entrou com um pedido, na justiça Australiana, que reconsiderou a revogação. Bem, não quero entrar no mérito da questão vacinal. Ouvi médicos a favor, ouvi médicos contra. Eu sou a favor e já recebi a terceira dose. Tive a COVID, não gostei e resolvi me proteger. Mas em nenhum momento fiquei achando que os contrários à vacina estão

errados, por terem uma opinião diferente da minha. O que a gente sabe é que as pessoas não sabem muito sobre esse vírus. Alguns estão estudando, para saberem mais. Voltando ao radialista: ao comentar o fato do tenista, meteu o pau em Djokovic, dizendo que, como personalidade, não tinha o direito de dar um mau exemplo aos seus fãs. E continuou nesse padrão. O que me deixa intrigado é que uma pessoa inteligente se acha no direito de criticar a opinião de uma pessoa sobre determinado assunto, sem aceitar que essa pessoa tenha uma opinião diferente. O modo como o radialista fez a crítica deu a entender que o tenista tinha a intenção de dar um mau exemplo às outras pessoas. Só que está na cara que não é isso. A intenção do tenista foi colocar em prática uma opinião própria sobre a vacina. Eu não tenho o direito de condenar uma pessoa só porque tem uma opinião contrária à minha. Não foi o caso, mas, muitas vezes, a gente nota que as críticas vêm mais acompanhadas de ódio do que de argumento. Isso não soluciona problemas, mas os cria. DIRETOR:

EXPEDIENTE

Armando Moraes Delmanto

NA DEFESA DO MEIO AMBIENTE E DA CIDADANIA EM BOTUCATU

EDITORAÇÃO E DIAGRAMAÇÃO: Gráfica Diagrama/ Edil Gomes

WEBJORNALISMO DIÁRIO

Contato@diariodacuesta.com.br Tels: 14.99745.6604 - 14. 991929689

O Diário da Cuesta não se responsabiliza por ideias e conceitos emitidos em artigos ou matérias assinadas, que expressem apenas o pensamento dos autores, não representando necessariamente a opinião da direção do jornal. A publicação se reserva o direito, por motivos de espaço e clareza, de resumir cartas, artigos e ensaios.


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Diário da Cuesta

Sertanistas Botucatuenses

ARTIGO Olavo Pinheiro Godoy Da Academia Botucatuense de Letras Aproveitando o mês

de abril, dedicado aos índios, um turista recostado em cômoda poltrona do Peabiru Hotel, cerra os olhos para uma sesta. Suavemente, deixa ele rolar a memória à procura de recordações que distendam e convidem ao sono. Mas a imaginação é quase sempre caprichosa. E todo capricho, por natureza, é teimoso. As imagens que se lhe apresentam - lá sabe o turista por que - talvez em razão da bela mata que se vê ao longe - são fotos, audiovisuais, filmes que viu, em diferentes ocasiões, sobre índios, seus costumes, suas moradias, seus ritos de festa, de luto e de guerra. ​O candidato à sesta consegue escapar, por fim, a perseguição indígena, pouco propícia à distensão, e de palpebras baixadas, na insistente procura do sono, vai fazendo emergir da memória, mansa e suavemente, a lembrança dos sertanistas Villas Boas que, dos bons ares da serra botucatuense, partiram para as matas no afã de civilizar os índios. ​Lembrou que aqui também aportou para se dedicar ao seu primeiro emprêgo de médico, do Instituto Experimental Agrícola (Fazenda Lageado), o sanitarista e também sertanista Noel Nutels. Segundo depoimento do próprio Noel, que aqui conheceu os irmãos Orlando, Leonardo e Cláudio Villas Boas, foram eles marcantes em sua vida e vocação. ​Tempos depois, o Dr. Noel Nutels encontra-se com o Ministro João Alberto Lins de Barros que, depois de conseguir carta branca de Getúlio Vargas para criar a Fundação Brasil Central, espera poder desbravar e recuperar o sertão. ​O turista, repousando, dolentemente em sua poltrona, rememora que o sertão possui inimigos mortais dentre eles a malária que os espera nos charcos, pantanais eáguas paradas. Independente do homem que chega ou sai. É mal de tocaia. No sertão e no mundo todo. Não é como a tuberculose, mal adventício, pelo menos para o habitante legítimo da selva, seu dono de muitos séculos. Vem na companhia do desbravador. É companheira das injustiças e incompreensões dos que estão chegando. E, os irmãos Villas Boas sabiam disso

tudo. Enfrentaram e sofreram os ataques da malária na defesa de seu ideal maior. ​Nosso turista se distende. Sente que sono se vai acercando. Mas, por seus ouvidos adentro penetra os sons da mata numa lembrança distante. Corria o ano de 1949 e o Ministro João Alberto nomeia Noel Nutels médico da expedição RONCADOR-XINGU, então confiada aos irmãos Villas Boas. Os Villas Boas penetram no sertão de Mato Grosso ao norte do estado, numa zona de transição florística entre o Planalto Central e a Amazônia. A região toda ela plana, onde predominam as matas altas entremeadas de cerrados e campos, é cortada pelos formadores do Xingu e pelos seus primeiros afluentes da direita e da esquerda. Os cursos formadores são os rios Kuluene, Ronuro e Batoví. Os afluentes, os rios Suiá Missú, Maritsauá-Missú, Uaiá-Missú, Auaiá-Missú e Jarina. ​Segundo os irmãos Villas Boas, antes mesmo de ser criada a Expedição Roncador-Xingu, em 1949, já, em 1946, eles haviam chegado aos formadores do Xingu e, os seus povoadores indígenas eram, nas suas várias práticas e costumes, estritamente os mesmos encontrados pelo etnólogo alemão Karl von den Steinem, em 1877, em sua expedição etnográfica. Era idêntica a distribuição das aldeias na região, o mesmo intercâmbio e relações entre elas; a mesma índole pacífica, a mesma hospitalidade, curiosidade, traduzindo-se, ao contato com estranhos, nas atitudes ingênuas e amistosas que tanto impressionaram o explorador alemão, mercendo dele o mais minuciosos e expressivo registro. ​A presença dos irmãos Villas Boas seria uma continuação do serviço de proteção ao índio criado pelo governo em 1910. Um dos grandes idealizadores desse serviço foi, sem dúvida, o Marechal Rondon que sensibilizado com a situação telegráfica, sem empregar a força, conseguira contatos pacíficos com os índios dos territórios atravessados pela linha telegráfica. ​Orlando, Leonardo e Cláudio Villas Boas concretizaram o novo tipo de política indigenista: os índios passam a ter o direito de viver segundo suas tradições, sem ter que abandoná-las necessariamente; a proteção é dada aos índios em seu próprio território, pois já não se defende a idéia colonial de retirar os índios de suas aldeias para fazê-los viver em

Os irmãos Orlando, Cláudio e Álvaro Villas Boas. no destaque, Leonardo Villas Boas, o mais velho e que faleceu primeiro

aldeamentos construídos pelos civilizados; fica proibido o desmembramento da família indígena, mesmo sob o pretexto de educação e catequese dos filhos; garante-se a posse coletiva pelos indígenas das terras que ocupam e em caráter inalienável; garante-se a cada índio os direitos do cidadão comum, exigindo-se dele o cumprimento dos deveres segundo o estágio social em que encontra. ​Ao lado de Darcy Ribeiro, Heloisa Alberto Torres, José Maria da Gama Malcher e do General Rondon, os irmãos Villas Boas vão conversar com o Presidente Vargas para a criação do Parque Nacional do Xingu. Tudo inútil. O parque só seria criado mesmo no governo de Jânio Quadros, em 1961 e, aumentado em sua dimensão, em 1968. ​O turista volta a divagar: Na tribo dita selvagem, não há mandões, nem chefões. O cacique é tão só um líder-conselheiro. Tudo se resolve com o consenso de todos. É uma democracia plena. Não há entre os índios, fazendeiros nem colonos, patrões nem empregados, proprietários nem marginalizados, ricos nem pobres; não há leis, regulamentos, repartições, taxas, impostos, toda esta inferneira que você conhece. Em suma, nada há do que divide, hierarquiza e jugula. A espontânea nudez de ambos os sexos é completa, ou quase tanto. Todos andam inteiramente à vontade pela selva, procurando petiscos para comer: peixe, ave, besouro ou fruta. De volta, repartem com as famílias tudo que pegaram. Ninguém que ser mais do que ninguém, nem pensa muito no dia de amanhã. É, enfim, o paraíso na terra. ​Em entrevista à revista Visão (10/02/1975), Orlando Villas Boas disse: “Se um índio der um tremendo berro no meio da aldeia, ninguém olhará para ele, nem irá perguntar por que ele gritou. O índio é um homem livre”.

Casal Agnelo e Arlinda Villas Boas e filhos: Nelson e Orlando (ao lado do pai), Arlinda Lourdes segurando Álvaro, Cláudio (sentado) e atrás Acrísio. Leonardo (na frente) e atrás, Erasmo.


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ARTIGO

“Circunstâncias”

Maria De Lourdes Camilo Souza Sabe aquelas situações estranhas que acontecem de repente e você acaba se envolvendo sem querer para ajudar uma pessoa? Uma tarde eu tinha ido até a Rua Amando para ir ao Banco, depois comprar alguma coisa. Não me lembro exatamente oque. E aí encontrei uma moça que conhecia desde pequena, mas superficialmente. As circunstâncias de vida dela eram de uma pessoa especial. Menina ainda tinha perdido seus pais de forma rápida e triste e foi criada por seus avós. Estes eram seus pilares. Acontece que o tempo passou e ela tornou-se mulher com cabeça de menina, e os avós no seu tempo também deixaram este mundo. E ela ficou completamente só. Herdou os bens dos avós, como única herdeira, mas sem ideia de como sobreviver sózinha. Vivia circulando ali pelas ruas do centro da cidade, por perto da sua casa. Naquela tarde eu tinha o tempo contado para fazer minhas coisas, pegar o ônibus e voltar para o trabalho na UNESP. E ela me abordou ali na João Passos muito nervosa e me pediu ajuda. Levou-me até sua casa.

Tinha perdido alguma coisa importante e queria minha ajuda para encontrar. Como tinha ainda um pouco de tempo resolvi colaborar. Fomos até a casa dela e entramos, eu constrangida pois nunca tinha entrado lá. Ela levou-me até um dos comodos que parecia ser seu quarto e abriu uma gaveta de uma cômoda antiga. E começou a tirar as roupas que estavam ali emboladas. Como não achou. Passou para a segunda gaveta e repetiu o processo E eu ali junto com ela, embaraçadissima, sem entender exatamente o que buscávamos. Mas como boa cristã tentando entender. E no meio do bolo das roupas vi algo enrolado num lenço que ela pegou aliviada. E vi que no pacote tinha um molho de chaves. Eu já estava atrasada então me despedi e fui saindo. Falei com muito cuidado que ela precisava saber quem levar para dentro da casa. Despedi-me dela. E fui embora para o ponto de ônibus para voltar ao trabalho, mas, preocupada com o que tinha presenciado. A confusão mental dessa pessoa e sua solidão me tocaram profundamente. Meu sentimento protetor com relação ao próximo e uma sensação de impotência, de não saber exatamente como ajudar me angustiava. Fiquei com aquele sentimento me seguindo por vários dias ao mesmo tempo tinha medo de mencionar o fato estranho e atrair idéias errôneas na cabeça das pessoas, com aquela minha tentativa frustrada de auxiliar. Após aquele dia, essa moça sumiu. Talvez tivesse algum tutor, ou parente que possa te-la enviado a alguma instituição de apoio. Nunca mais soube nada dela.


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