Estamos comemorando os 100 Anos da SEMANA DE ARTE MODERNA DE SÃO PAULO (1922/2022). Então, nada mais apropriado do que focarmos a realidade de São Paulo na década que antecedeu ao grande evento e na década seguinte. Página 4
Semana de Arte Moderna e os Italianos de São Paulo!
Nº 395
SÁBADO E DOMINGO, 12 E 13 de FEVEREIRO de 2022
NA DEFESA DO MEIO AMBIENTE E DA CIDADANIA EM BOTUCATU
Diário da Cuesta ano II
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Diário da Cuesta
ARTIGO
SEM CODINOME Roberto Delmanto M., jornalista de rara beleza e mãe de família, jamais fora comunista, muito menos terrorista. Os artigos que publicava semanalmente em conhecido jornal paulista demonstravam ser uma social-democrata. Seu “crime” era o de ser amiga, desde a infância, de Yara Iavelberg, moça também muito bonita, de excelente família de Campinas, que, entretanto, passando a viver com o ex-Capitão Carlos Lamarca, entrara para a clandestinidade. Quando o exército derrotou a guerrilha no Vale da Ribeira, Yara apareceu certa noite, de surpresa, na casa de M., pedindo-lhe abrigo. A aparência de Yara, com as pernas deformadas pelas picadas dos mosquitos, impressionou M., que permitiu que ela lá pernoitasse. No dia seguinte, encaminhou-a à casa de um amigo, quintoanista de medicina, que dela tratou. Foi o bastante para M. ser indiciada em inquérito e ter sua prisão decretada por crime contra a segurança nacional, juntamente com outras pessoas, acusada de pertencer a uma organização terrorista. O pai de M., cientista conceituado, conseguiu retirá-la do País a tempo e ela foi processada à revelia. Se se apresentasse à prisão, seria certamente torturada, pois os órgãos de repressão achavam que ela
sabia onde estava Yara e que, achando esta, achariam Lamarca. No dia do julgamento perante a 2ª Auditoria do Exército, meu principal argumento, como seu advogado, foi o de que não constava, em nenhum lugar dos autos, que ela tivesse um codinome ou nome de guerra. Era sabido que todos que entravam para uma organização clandestina o recebiam, e o fato dela não tê-lo demonstrava que jamais pertenceu à organização acusada. O argumento, embora simplista, funcionou bem para a lógica militar, sendo ela absolvida. Não tendo o Promotor apelado, a absolvição transitou em julgado. M. pretendia retornar de imediato ao Brasil. Por cautela, resolvi consultar o Delegado que presidira o inquérito e ele, sem meias palavras, deixou claro que, apesar de encerrado o processo, se ela voltasse, seria presa e interrogada (leia-se: torturada) até revelar o paradeiro de Yara. Transmiti a informação à família e M. adiou seu regresso, só retornando ao País depois de promulgada a Lei da Anistia. Mesmo assim, ao desembarcar, investigadores de polícia a aguardavam, conduzindo-a ao DOPS. Somente foi liberada depois de prestar declarações. Só que, dessa vez, sem a usual tortura. Afinal, esperamos todos, no Brasil, se Deus quiser, “tortura nunca mais”... Roberto Delmanto é Advogado Criminalista em São Paulo, co-autor do “Código Penal Comentado”, 10ª edição, e autor do livro de crônicas “O Gesto e o Quadro”, ambos pela Saraiva, além de outras obras.
EXPEDIENTE NA DEFESA DO MEIO AMBIENTE E DA CIDADANIA EM BOTUCATU WEBJORNALISMO DIÁRIO
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O interior também era “una piccola Italia...”
O pesquisador e historiador botucatuense, Trajano Carlos de Figueiredo Pupo (revista “Peabiru”, nº 13/1999), registrou que em 1914, eram grandes a importância das Bandas para as comunidades interioranas e também a movimentação popular a favor da ajuda oficial para essas bandas. E um pequeno jornal, ”O Riso”, em 1914, publica o desabafo de Juó Laranjére, representando a vontade da colônia italiana que era muito expressiva e atuante: “Signor Preffeto. Salute e figli maschi. Io vegno intó apidi in nomi delle signori-
ni fitêre di facer la bandigna dello Lazigno vegna una altra volta atocá nu giardino uns dumingo. Io credo Signor Preffeto chi si o signor inda anamurasse dava tutos os fiorins da Câmera pra u Lasigno atocá. Má, esta falta di miglioramento é pur causa dus giornale. U “Curreio” é vostro, u “butucatuenze” ta cum mico na caxola purque illo qué una altra volta ristaurá amunarchia nisto Brasile chiinho di Hermeses i di Pigneroses i di Ruyses. U “Curreio Du Sud” é mezimo um cureio só parla di prete frate vescove e tutta a bella compagnia. Ma in tuttos caso noi no abbiamo musica nu giardino. Nu carnavale us moços chiriam afazê uma vacca pra cumpra um rigalegio é i atucá nu giardino. Ma a vacca num dêo lette i si dessi ficava feígno pro Preffeto. Io pido agora pru signore no si azangá perchê nu papele e na tinta inda num chegô a crisi. Di Vostra Excellenza, Criadino. Juó Laranjére.” E junto com os dois escritores, um antes e o outro durante e após a Semana de Arte Moderna, temos a figura ousada, criativa e brilhante de Oswaldo de Andrade. Assim, ao registrarem o “dialeto macarrônico ítalo-paulista”, tanto Alexandre Ribeiro Machado (Juó Bananére) quanto Antônio de Alcântara Machado, estavam traçando, com perfeição, o per-
fil dos imigrantes italianos que vieram para o Brasil em busca de seus sonhos e, carregados de esperanças e com muito trabalho, souberam realizar a grandeza da nossa Paulicéia. Juó Laranjére é o Juó Bananére de Botucatu... A referência no texto ao personagem Juó Laranjére, que faz com humor e de forma típica autênticas reivindicações da população às autoridades da época, é mostra indiscutível da influência cultural da Capital nas cidades do interior. O personagem Juó Laranjére era inspirado no famoso Juó Bananére – popular morador do Bexiga ! – criação do poeta e jornalista Alexandre Ribeiro Machado que veio de Pindamonhangaba para estudar engenharia na Escola Politécnica da Capital. Chegando a São Paulo, notou que era muito expressiva a presença dos imigrantes italianos que trouxeram toda a sua alegria e entusiasmo para a nova Pátria... Notou também que tinham grande dificuldade para se fazerem entender em português e, nesse esforço, criaram um inusitado dialeto. Esse personagem criado era “CAV.UFF.ON JUÓ BANANÉRE: poeta, barbiére i giurnaliste. Membaro da Gamedia Baulista di Letteras i Socio da Palestra Intália...” Em seu vocabulário próprio, Juó Bananére chamava São Paulo de Zan Baolo e a Pátria saudosa passava de Itália para Intália... Botucatu, como a Capital, possuía nos primeiros anos deste século uma das maiores e mais expressivas colônias italianas do interior, possuindo também o 5º parque industrial (formado principalmente pelos pioneiros imigrantes). Tinha o Teatro Santa Cruz (Espéria), a Società Italiana, a Escola Dante Alighiere, a Loja Maçônica Italiana e, entre outras atividades, a Banda Italiana... Juó Laranjére, com seu inusitado dialeto, fazia sucesso na Botucatu do início do século passado, e banda virava bandigna, o maestro Lazinho virava Lazigno, tudo isso registrado no “Curreio” (jornal “O Correio de Botucatu”) e no Butucatuense (jornal “O Botucatuense”). (AMD)
É bom saber. O artista plástico e conhecido webdesigner botucatuense Marco Antonio Spernega, foi quem idealizou a Cuesta de Botucatu estilizada e com todo o seu simbolismo: a escarpa, o verde representando as nossas matas e o azul do céu... A criação do Spernega valorizou a nossa CUESTA que teve, em sua estilização, o impacto que as obras dos grandes artistas tem. Vejam no Expediente o logotipo do Diário da Cuesta! Marco Spernega tem exposto seus trabalhos em concorridas exposições. Esta ilustração é uma obra de arte e de simbolismo histórico!
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Semana de Arte Moderna e os Italianos de São Paulo!
Juó Bananére e “Brás, Bexiga e Barra Funda” crônicas do cotidiano com o pseudônimo de Annibale Scipione. “Migna terra tê parmeras / Che ganta inzima o sabiá”... A italianidade de uma São Paulo em grande transformação urbana foi, com os chamados ítalo-paulistas (interior) e os ítalopaulistanos (capital), nas primeiras décadas do Século XX, fontes de inspiração para dois jovens escritores do Modernismo no Brasil:
MIGNA TERRA (Juó Bananére) Migna terra tê parmeras, Che ganta inzima o sabiá, As aves che stó aqui, Tambê tuttos sabi gorgeá. A abobora celestia tambê, Chi tê lá na mia terra, Tê moltos millió di strella Chi non tê na Ingraterra. Os rios lá sô maise grandi Dus rio di tuttas naçó; I os matto si perdi di vista, Nu meio da imensidó.
Estamos comemorando os 100 Anos da SEMANA DE ARTE MODERNA DE SÃO PAULO (1922/2022). Então, nada mais apropriado do que focarmos a realidade de São Paulo na década que antecedeu ao grande evento e na década seguinte. E era na revista dirigida por um dos principais organizadores da Semana de Arte Moderna, Oswaldo de Andrade, que era retratada a sociedade paulistana – com um percentual de 35% de imigrantes ou descendentes de italianos – além, claro, dos imigrantes de outras nacionalidades, que dariam vida aos “arquétipos populares”, como o português da padaria, o espanhol do ferro-velho, o sírio das prestações, o japonês da tinturaria... A revista era “O Pirralho” (1911/1917), onde Oswaldo de Andrade escrevia
Na migna terra tê parmeras, Dove ganta a galligna dangolla; Na migna terra tê o Vapr’elli, Chi só anda di gartolla. O personagem Juó Bananére ficou famoso e muito popular, afinal mostrava, com bom humor e criatividade, a aculturação dos imigrantes italianos que se expressavam, tanto na linguagem falada como na escrita, misturando as duas culturas, a italiana e a brasileira.
Alexandre Ribeiro Machado, em 1915 (“La Divina Increnca”) que se firmou com pseudônimo de Juó Bananére, e Antônio de Alcântara Machado, em 1927, por seu livro “Brás, Bexiga e Barra Funda”. Ambos se dedicaram a retratar os imigrantes italianos. “Juó Bananére”, apresentado como “poeta, barbieri e soldato”, que escrevia sátiras famosas de obras famosas. A “Canção do Exílio”, por exemplo, de Gonçalves Dias ganha, em uma língua macarrônica, grande popularidade:
Para esse sucesso, a criação artística do personagem era indispensável. E foi o ilustrador e chargista João Paulo Lemmo Lemmi (1884/1926) – imortalizado como VOLTOLINO ! – que criou a imagem de Juó Bananére. Seria dele, também, as primeiras charges do pai da boneca Emília, Monteiro Lobato, que datam da década de 1910. (AMD)