Diário da Cuesta NA DEFESA DO MEIO AMBIENTE E DA CIDADANIA EM BOTUCATU
ano II Nº 414
SEGUNDA-FEIRA, 07 de MARÇO de 2022
“Pela sua religiosidade Avaré tinha mais direito a ser sede de bispado do que Botucatu”
Frei Modesto Rezende, sentado ao centro, entre seus irmãos de hábito.
Centenário da Profª Zélia Coelho Delmanto (03/03/1922 * 03/03/2022) 100 Anos! Que beleza! Quanta realização! Realização familiar e profissional! Professora dedicada, Zélia soube viver sempre com sobriedade, dedicação e amor... Casada com Osmar Delmanto, advogado botucatuense que soube valorizar a advocacia em sua banca e à frente da OAB/Botucatu. Ambos prestaram seu entusiasmo cidadão ao Lions Clube, ao Centro Brasil Itália, ao Clube 24 de Maio, à Gazeta de Botucatu e à OAB. É uma vida bem vivida na comunidade botucatuense ! Parabéns, professora Zélia! Parabéns a toda sua bela família! (AMD) Nota: na página 3, o artigo de Elda Moscogliato “PERFIL DE UM CAPUCHINHO”, em homenagem ao nosso Bispo/ Orador, Dom Luíz Maria de Sant’Anna.
Esta era a opinião do frei Modesto Rezende, capuchinho que foi secretário de dom Lúcio Página 3
FAMOSO SERMÃO DAS SETE PALAVRAS! O resgate feito do inteiro teor do famoso “Sermão das Sete Palavras”, proferido pelo Bispo-Orador, Dom Luiz Maria de Sant’Anna, é uma grande vitória. Cantado em prosa e verso por sucessivas gerações de botucatuenses, coroa nosso trabalho jornalístico e justifica a nossa caminhada peabiruana. Principalmente, agora, pela esperança trazida pelo novo Papa Francisco à Igreja Católica e pelo período da Semana Santa que estamos vivendo, o que torna mais oportuna ainda a lembrança do sacrifício do Calvário... Dom Frei Luiz Maria de Sant’Anna foi Frade Capuchinho, Bispo de Uberaba (MG), Orador Sacro Consagrado e nosso 3° Bispo Diocesano , de 29/06/38 a 05/05/46. Graças à revista botucatuense de cultura – PEABIRU, este sermão foi recuperado e divulgado. A Revista Peabiru com apublicação desta obra sacra, absolutamente inédita, teve o prazer de apresentar os seus mais sinceros agradecimentos à Prof.a Zélia Meira Coelho Delmanto que teve a feliz visão de taquigrafar – há mais 70 anos atrás! - as palavras de nosso então Bispo Dom Frei Luiz Maria de Sant’Anna, consagrado orador sacro. Este Sermão das Sete Palavras, foi proferido no dia 30/03/1945 - Sexta-feira Santa – com a Catedral de Sant’Ana lotada e a praça tomada por verdadeira multidão.
Dom Luiz Maria de Sant’Anna O Bispo-Orador da Sexta-Feira Santa O Bispo-Capuchinho foi grande na Ordem Jesuíta e, maior ainda, no trono Episcopal, na Semana Santa o seu Sermão das Sete Palavras tornou-se o momento mágico, cantado em prosa e verso por sucessivas gerações de botucatuenses. Assim, era necessário um trabalho sobre o nosso Bispo-Orador. E temos o privilégio de termos o trabalho literário inédito da cronista de Botucatu, Elda Moscogliato, de 1956 e publicado na edição especial da Revista PEABIRU, número 14, de 04/1999 Página 3
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Diário da Cuesta
ARTIGO
“Pela sua religiosidade Avaré tinha mais direito a ser sede de bispado do que Botucatu”
Esta era a opinião do frei Modesto Rezende, capuchinho que foi secretário de dom Lúcio
Gesiel Júnior – Especial para o Diário da Cuesta Por mais surpreendente que possa parecer a frase que intitula este registro historiográfico, antes é importante conhecer o contexto eclesial em que ela foi pronunciada, segundo a visão de um importante ministro religioso, manifesta há mais de um século. Chamado de “Bispo do Sertão Paulista” em razão da grande área de sua diocese – que equivalia então à metade do Estado de São Paulo, o mineiro dom Lúcio Antunes de Souza (1863-1923) atuou como um desbravador, ao percorrer incansavelmente, por duas vezes, a cavalo e de trem, a sua imensa circunscrição eclesiástica nos catorze anos em que a pastoreou. Empossado em fevereiro de 1909, o novo bispo quis logo nos meses iniciais de seu ministério conhecer o rebanho que lhe havia sido confiado. Convidou para acompanhá-lo e secretariá-lo o frei Modesto Rezende, padre capuchinho, um dos primeiros a integrar a comunidade franciscana de Botucatu. Criterioso, o frade deixou escrito um diário no qual relata pormenores das visitas pastorais daquela época. Oportuno, contudo, é acentuar que até hoje, todo bispo diocesano é convocado a visitar cada paróquia sob seus cuidados, ao menos uma vez a cada cinco anos, conforme determina o Código de Direito Canônico, a lei magna da Igreja Católica. Pois bem, a primeira ida de dom Lúcio a Avaré transcorreu entre os dias 12 e 17 de julho de 1909, cinco meses após sua posse. “Imponentíssima foi a recepção, na saída da estação da Estrada de Ferro Sorocabana, onde uma multidão o aguardava”, anotou o frei Rezende. De lá, conta, o povo seguiu em procissão o bispo que caminhou sob o pálio (espécie de sobrecéu portátil, sustentado por varas) até a igreja matriz de Nossa Senhora das Dores, onde entrou ouvindo o coro entoar o Te Deum (hino de louvor). Fundaram Avaré, sob a invocação de Nossa Senhora das Dores do Rio Novo, os fazendeiros Vitoriano de Souza Rocha e Domiciano José de Sant’Anna, os quais, por escritura passada pelo tabelião Francisco Antonio de Castro, em Botucatu, no ano de 1862, doaram ao primitivo burgo um quarto de légua (27 hectares) de terrenos, como patrimônio originalmente designado pelo nome de Capela do Major, criada freguesia em 1870. Em 1909, no território avareense eram cultivados 4 milhões de
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Frei Modesto Rezende, sentado ao centro, entre seus irmãos de hábito. pés de café e uma variedade de cereais. E havia então extensos pastos para criação de bovinos e suínos, de diversas raças, cujos plantéis eram vendidos e exportados. Na cidade, além daigreja matriz, erguida nos anos 1880, havia mais quatro capelas: a de Santa Cruz, a de Nossa Senhora da Boa Morte, a da Santa Casa de Misericórdia e a do Hospital São Vicente de Paulo. “Incertos e inconstantes” Em cada visita pastoral dom Lúcio apurava ascondições espirituais das paróquias, ou ainda, como se dizia à época, o “estado moral do povo”. Para tanto buscava saber o número de batizados, crismas, comunhões e casamentos, a fim de conhecer a dimensão da prática sacramental dos fiéis. No decorrer do primeiro encontro do bispo com os avareenses o frei Rezende anotou em seu diário aimpressão de que “pela sua religiosidade Avaré tinha mais direito a ser sede de bispado do que Botucatu”. Isto porque, na sua ótica, a cidade reunia “progresso material ao espiritual”, diferentemente de Botucatu e de Bauru. “Os botucatuenses são incertos e inconstantes, e em Bauru muitos socialistas e alguns anarquistas fazem com que a cidade seja turbulenta”, percebeu. E sobrou até para Conchas, sobre a qual o capuchinho foi categórico: “Essa pequena vila progride materialmente, mas não espiritualmente”. Para o frade e para o bispo a causa principal do atraso em matéria de religião na extensa Diocese de Botucatu residia no descaso pastoral de padres, pois alguns se afastaram das paróquias, descumpriam os votos de celibato, enquanto outros se envolviam em lutas político-partidárias. Entretanto, malgrado a opinião de frei Rezende, Avaré jamais pleiteou tirar de Botucatu a cátedra do bispo, embora historicamente mudança desse tipo tenha ocorrido em Cafelândia, que se tornou diocese em 1926 e perdeu o título para Lins, para onde se deu a transferência da sé episcopal em 1950. Gesiel Júnior, 58, cronista e pesquisador, membro da Academia Botucatuense de Letras, é autor de 43 livros sobre a história da região.
DIRETOR: Armando Moraes Delmanto EDITORAÇÃO E DIAGRAMAÇÃO: Gráfica Diagrama/ Edil Gomes Contato@diariodacuesta.com.br Tels: 14.99745.6604 - 14. 991929689
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artigo
PERFIL DE UM CAPUCHINHO
Elda Moscogliato Os três Capítulos já encerrados da crônica religiosa da minha terra natal constituem uma das parcelas mais valiosas e significativas do patrimônio histórico da cidade dos bons ares. Anunciam-se eles por três títulos diferentes sob os quais se identificam três personalidades distintas, animando intensamente três épocas definidas: Instauração, Destruição, Restauração. Forjados por sacerdotes dignificados com púrpura episcopal, esses períodos são a concretização do Trabalho que enobrece, da Apostasia que aniquila e da Oração que santifica. No primeiro Capítulo, um Bispo-Camponês, ocultando modestamente as riquezas espirituais de um sábio, segurou nas mãos calosas a enxada do lavrador e, como os varões da antiga Roma, construiu palmo a palmo, regando a terra com suor do próprio rosto, uma das maiores Dioceses do Brasil no começo do século XX, rica de bens e de apostolicidade. Limitada extremo a extremo pelo litoral Atlântico às barrancas do Paraná, dentro dessa Diocese nascente formou-se um patrimônio espiritual elevadíssimo culminando pela grandiosa Congregação Marcelina e alimentado pelo zelo apostólico dos mestres da Ordem Lazarista, cuja sabedoria humanística universalmente conhecida medeia sua intensidade com a suprema apostalicidade desses defensores da Cruz. Ao cerrar o Bispo-Operário as pálpebras mortais, devem tê-lo guiado para a Eternidade feliz suas obras entesouradas pelo lema radioso que lhe traçara a vida de sacerdote: «Non ministrare sed ministrari». No segundo período... “Respice im me, et miserere mei, Domine”... A iconoclastia humana, rompendo os diques da espiritualidade de um voto solene e eterno, crestou os brilhos argentados de um brasão e de um dístico recentes. Depois disso, o descrédito, o caos, o ceticismo! Abre o terceiro Capítulo o vulto macilento e hierático de um Bispo-Capuchinho cujo perfil estas páginas canhestras, mais pela veneração respeitosa que por outros poderes, tentam ressaltar. Figura medianamente alta; andar compassado, não era ele fisicamente destacável mas o segredo da sua grande atração era o rosto pálido e macerado; boca de traço severo cerrada fortemente quando os ouvidos atilados se aplicavam ao meio-ambiente; os olhos...ah! os olhos!...de magnéticas pupilas escuras, desferiam brilho metálico a sujeitar num relance, inteira, a consciência dos que se lhe submetiam! Vê-lo, os ombros ligeiramente arcados, menos pelo peso dos anos que pelo dos arquejantes deveres da Ordem e do Título, era deparar com uma dessas figuras redivivas que ergueram na Idade Média a impressionante estrutura da Igreja reformada pela grandeza da Ordem do burel e do cingulo em nó dos franciscanos. Que de chamas espirituais deveria ter desferido aquela boca monástica! Quantas consciências escusas haveria de ter crestado ao leve bafejar de suas práticas! A quantos esconsos refolhos asfixiantes deveria ter levado pelos conselhos, os clarões da aurora da regeneração! O Bispo-Capuchinho foi grande na Ordem, maior no trono Episcopal e sobre-humano no mundo espiritual em que se encerrou sob os olhares únicos da Divindade Suprema! «Omnes etin omnia Christus»... As mesmas pegadas de Francisco de Assis, o mesmo profundo espírito de meditação; a mesma imensa sabedoria. Fé intensa e firmeza de ação. Silencioso e humilde. Reservado e bom. Imensamente bom e manso. Zeloso ao extremo pelos seus e severo para consigo mesmo. Batalhador aguerrido encerrado numa cela - pela força da Oração. Apóstolo impertérrito, num gabinete modesto - pelo vigor convincente de sua pena invulgar. - «Vai Francisco e repara a minha Casa...» O Bispo-Capuchinho ouviu também uma súplica! Herdeiro de uma Diocese falida; Bispo de um povo desiludido, habitante de um palácio comprometido, o Bispo-Capuchinho que arrancado fora de uma ou-
tra Diocese distante e querida, talhada pelas suas próprias mãos, para a terra dos bons ares viu-se transportado e nela encontrou, aumentando-lhe o travo amargo dos dissabores, uma cidade-sede livre porque abastada; displicente porque moderna e culta; fria, porque faltou calor apostólico. Cumpria-lhe tudo recomeçar. Não hesitou. Dos erros e dúvidas remanescentes, tudo derrubou. Na ordem material como na espiritual. Quando os alicerces da Catedral se enrijeceram esborcinados da Matriz Velha, a seiva religiosa em múltiplas vergônteas vicejava esplêndida no coração de todos os seus diocesanos. Então, moído pelos acúleos que lhe sangraram o coração em seus últimos anos, e arquejante pelas fadigas de ciclope - após haver celebrado na humilde igrejinha de S. Benedito sua última missa na terra- adormeceu mansamente... E descansou. Na cripta da Catedral de minha terra, duas lages de mármore sustentam dois medalhões de bronze. Ali repousam, como cariátides simbólicas sobre as quais se eleva o Templo, os dois grandes Bispos que vindos da longínqua Minas Gerais, pelo nascimento um, e pelos méritos outro, na cidade dos ventos constantes arquitetaram com sacrifício da própria vida, os mais belos capítulos até hoje registrados na crônica religiosa botucatuense: o primeiro, Bispo-Construtor. O terceiro, o Capuchinho-Construtor. *** A imagem que a trama do tempo amortaIhou, há dez anos faz, na nuvem sutil da veneração profunda, no culto saudoso que o coração aninha com respeito, refluge aos olhos de seus diocesanos como um raríssimo brilhante: sob qualquer faceta que lhe incida um raio de luz, espadana ele fulgurações magníficas. Por isso, será sempre invocado como o Bispo-Capuchinho; o Grande Restaurador, o Bispo-Contemplativo, o Bispo-Orador. Merece-los-á, a todos esses honrosos cognomes. Sua personalidade inconfundível integrava-se de nobres atributos, capaz, cada um deles, de definir, pela sua intensidade, um caráter ímpar. Talento excepcional associado a um espírito cristão exaltado na estamenha parda, ocultava sob a discrição severa dos atos uma atividade invulgar e surpreendente. Administrador raro, dotado de uma visão econômica inexprobrabel à crítica mais exigente, restaurou num tempo fugaz, o crédito irremediavelmente comprometido da grande Diocese em ruínas. Restabelecido o equilíbrio material em cuja queda arrastara-se o espiritual, voltou-se ele incontinenti, de coração e alma, para o vigoramento religioso perdido em sua grande Diocese. Trabalho afanoso, ininterrupto, extenuante. Desentranhou com ânimo firme, os alicerces soterrados de uma Catedral até então utópica. E porque tudo em seus labores exaustivos se velava na modéstia do vulto do eremita, ela surgiu, num toque de milagre, da noite para o dia, aos olhos admirados da gente botucuda. Um bloco arquitetônico majestoso que credencia mesmo incompleto (já completo hoje) ainda, como um dos primeiros templos católicos do interior do Estado. Seu zimborio resplandescente ao sol, na alvura imaculada das vestes do Redentor que sustem; as arcadas góticas; os vitrais primorosos a sugerir a poesia das cenas evangélicas; a nave longa e solene no fundo da qual se destacava a ábside suntuosa com seu baldaquino belo, impressionante, todo ornamentado; sob ele, o Altar-Mor de puríssimo mármore; os lustres feéricos; a Capela-Mor onde a brisa perpassa um cântico sutil às grandezas do Sacrário; depois, a Sacristia espaçosa, cheia de luz, com seu arcaz de pau-marfim rendilhado, tudo, tudo, nesse templo belíssimo transpira ainda - tal como foi deixado há dez anos - os últimos toques de artista do Bispo-Capuchinho. Assentada a cátedra, ele pontificou. Nas abóbadas ogivais, ressoaram os seus sermões inesquecíveis. O Bom Pastor chamava as ovelhas tresmalhadas. Foi-se intensificando ao seu brado de Fé, o rebustecimento espiritual de um povo deserdado e confundido. Como à oração de Francisco floriu a neve, brotou de novo, ao apelo vibrante desse Apóstolo do Século XX, a seiva religiosa no coração crestado de toda uma Diocese. Foi mais longe ainda. A própria Igreja de Cristo não quer só espiritualidade. Há de caminhar a par com ela, a apostolicidade, quer dizer, caridade social, ação ininterrupta. Arregimentação de sodalícios, de classes, de entidade, tudo em obediência a um programa de elevação, de aperfeiçoamento da moral individual e coletiva, sob diretrizes como só as tem
Primeira Parte
assim a Igreja Católica. Na celebração do cinquentenário da Rerum Novarum, as fábricas e oficinas da minha terra natal tinham entronizada já, a imagem de Cristo crucificado. A Ação Católica estava também esboçada no seio do operariado, da juventude, da sociedade. Síntese de um governo espiritual restaurador, sólido, perfeito, a realização do Congresso Eucarístico Diocesano o maior acontecimento registrado na história da cidade até então, foi a exaltação máxima do trabalho extenuante desse Capuchinho inolvidável, cujo nome em todas as esferas sociais e culturais do País era e prevalece ainda, como um motivo de ufania para os foros civis e religiosos da minha terra. Seus dons oratórios arrebataram-no muitas vezes da cela humilde do Palácio para que a palavra divina fosse ouvida lá longe, na Metrópole ou nos confins da Pátria pela intelectualidade patrícia sempre ávida e expectante dos seus sermões memoráveis. *** O Bispo-Capuchinho honrou o Clero Nacional nele ocupando o lugar de um dos maiores oradores sacros da contemporaneidade. Seus dotes de eloquência não eram tão somente a revelação de uma cultura humanístico-religiosa profunda acentuada por uma natural propensão oratória. Era algo mais, que ascendia às esferas transcendentais da sublimada espiritualidade que empolga os discípulos de Cristo e que rareia no mais erudito pensador profano. Marco Aurélio foi o mais perfeito filósofo do paganismo. Todavia seus Pensamentos célebres que atravessam os séculos, são faltos da chama imperecível da inspiração divina que transparece nas mais breves frases de Cristo. Aqueles seduzem a mente enquanto que estas varam o coração e alentam a alma. A palavra do era Bispo-Orador era transbordante de Fé e Religiosidade. Conhecia a natureza humana como um verdadeiro dissecador de almas. “O que afugenta os homens do seio da Igreja Católica são os seus próprios erros e defeitos que ela anatematiza. Por isso, guerreiam-na sem tréguas”, disse ele um dia. Seu olhar de psicólogo vasculhava num relance as insondáveis profundezas do coração humano e de lá desentranhava os erros, com a palavra cristalina da compreensão, da persuasão, da caridade cristã. No trato dos problemas sua análise severa escandescia os mais rijos obstáculos para depois, com o mesmo arroubado transporte do “Poverello” em êxtases místicos, indicar às sociedades o caminho a seguir sob a luz única do Farol da Igreja. Seu brado jamais esmoreceu. Sua voz tão brilhante nas cátedras quanto a pena nas Pastorais ou na Imprensa católica que ele animou, foi sempre um cântico elevado às grandezas de Deus, apregoadas aos homens de boa vontade. Como Vieira em seus “Sermões de Ouro” é mais conhecido do que através dos valiosos e múltiplos serviços prestados à causa dos Jesuítas e à Pátria, assim também o Bispo-Capuchinho, se lhe faltassem à memória veneranda os méritos concretizados pelas inúmeras obras realizadas, bastaria tão somente a arma que manejou reerguendo a moral de uma Diocese: a Oração. Oração humilde e fervorosa balbuciada a sós, nas vigílias intermináveis da Capela solitária do Palácio. Oração flamante e apostólica derramada do púlpito e das tribunas! O Grande-Orador deixou indelével no coração dos que tiveram a ventura de ouvi-lo, o sêlo da verdadeira Apostolicidade. Aportando à terra dos bons ares num dia bem vivo ainda na memória dos que o aguardavam, ele subiu ao púlpito claudicante da Velha Matriz em ruínas e de lá saudou pela vez primeira os seus diocesanos aturdidos e confusos até então, com a mais profunda e significativa frase evangélica: - «A paz esteja convosco». Quem não sente ainda na evocação daquela sua predica memorável, a carinhosa piedade, o vislumbre da esperança, o penhor da felicidade que ele haveria de devolver ao desiludido rebanho? Ele partiu há dez anos já. Mas a paz espiritual, essa paz verdadeira e sem sombras que acalenta a comunidade católica da terra dos bons ares, essa, ele a vivificou no coração dos diocesanos, com os suores dos seus sacrifícios, com a eloquência dos seus exemplos, com a grandeza de seu vulto extraordinário.
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ARTIGO
“A tonga da mironga do kabuletê” Maria De Lourdes Camilo Souza
Quem pensa que Vinicius era só poesia se enganou. Não mais que de repente dou com essa música no YouTube. Caí na risada pensando olha isso, há quanto tempo não ouvia... Gente, acabei cantando junto e saí dançando e a Mindy me olhando divertida abanando o rabão e rindo da minha gaiatice. Chérie que já me conhece de outros carnavais nos seguia. Estava mais interessada em capturar um filhotinho de pardal que entrou casa adentro e se debatia na vidraça. E fui cantando como se ainda fosse carnaval. “ Eu caio de bossa, Eu sou quem eu sou, Eu saio da fossa xingando em nagô. A tonga da mironga do kabulete” Quem se lembra? Essa música saiu depois que a Gesse, uma baiana, mulher do Vinicius, chegou do Mercado Modelo, muito admirada ao ter ouvido essa dos afrodescendentes enquanto por lá passava. Chegou em casa falando a expressão e dando aula do que se tratava. E quem é da tribo Nagô sabe que é uma alusão não muito lisongeira á mãe do sujeito. Deu numa letra de um sambinha gostoso e o povo aderiu divertidamente. Ah bons tempos que se podia cantar xingamento em nagô sem virar mi-mi-mi. Se um gaúcho escutasse já exclamava: - Bah Tchê: É disso que o véio gosta! E o Sérgio Reis já seguiria cantando: “Panela véia é que faz comida boa.” E se você escutar bem as músicas antigas vai entender que são compostas por muito mais que três acordes desses “baticunduns” contemporâneos. E sem querer ofender ninguém continuei cantando: “A tonga da mironga do kabuletê “ Afinal hoje pode, é quarta feira de cinzas mas essa música não era hit carnavalesco. E segue o baile...